UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
VANDERLEIA RODRIGUES DA SILVA SEIDEL
RELAÇÕES ENTRE O PRONATEC E O ENSINO MÉDIO REGULAR
JOAÇABA
2015
2
VANDERLEIA RODRIGUES DA SILVA SEIDEL
RELAÇÕES ENTRE O PRONATEC E O ENSINO MÉDIO REGULAR
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa Mestrado em Educação da
Universidade do Oeste de Santa Catarina,
como requisito parcial à obtenção do grau
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Leda Scheibe
Joaçaba
2015
3
Dedico esse trabalho a todos(as) aqueles(las) que não se curvam
diante das dificuldades. Que veem em si próprio o caminho da
metamorfose para um mundo mais justo, modificando primeiramente
a si próprio.
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RESUMO
O presente trabalho orientou-se pela seguinte problematização: O Pronatec representa uma
mediação significativa para estudantes, matriculados neste programa nacional da educação
profissional, completar sua formação no Ensino Médio? Tem como objetivo verificar esta
mediação por meio de um aprofundamento teórico e de estudo empírico exploratório que
focaliza os estudantes de Cursos Técnicos/Pronatec do SENAI/Videira/SC,
concomitantemente matriculados no Ensino Médio Regular na Escola de Educação Básica
Governador Lacerda. Para a realização do estudo, foram inicialmente privilegiados autores
que abordam as relações entre a educação e o trabalho dentro de uma visão histórico crítica,
tais como: Saviani (2007); Kuenzer (2007); Tomazi (2010) e outros. Tais estudos referem-se
ao trabalho como princípio educativo e apontam para uma concepção politécnica de educação.
Após abordar historicamente a questão do trabalho e sua relação com a educação, com ênfase
no ensino médio e profissionalização nesta etapa do ensino, o texto expõe e analisa os
objetivos do Pronatec e sua concomitância com o Ensino Médio, destacando a inserção do
Sistema “S”/Paraestatal na parceria da oferta do Pronatec e suas ilações. Apresenta finalmente
a investigação empírica exploratória. Os procedimentos metodológicos desta investigação
ancoraram-se nos pressupostos da pesquisa qualitativa, e focalizaram o diálogo com os alunos
assim como um questionário individualizado, utilizando um roteiro com base em 05 (cinco)
categorias selecionadas para o estudo: i) satisfação ou não com a frequência aos cursos do
Pronatec; ii) motivos que levaram à realização do curso na modalidade Pronatec; iii) O
Papel da Bolsa/auxílio para a Continuidade de Cada Estudante do Pronatec para dar
Continuidade, de Forma Concomitante, ao Curso Regular de Ensino Médio; iv) relação dos
conhecimentos aprendidos no ensino médio com os do Pronatec; e v) Percepções sobre a
continuidade dos estudos. As respostas obtidas evidenciaram que o Pronatec é visto de forma
positiva de uma maneira geral pelos estudantes pesquisados, pois estão recebendo formação
e/ou orientação profissional gratuita, eis que os custos do curso são subsidiados pela União.
Apenas uma minoria dos sujeitos participantes, no entanto, considerou a bolsa de estudo
como a maior motivação para a realização do ensino médio em concomitância com o
Pronatec, o que pode indicar um sentimento generalizado entre os estudantes das escolas
públicas de que precisam de uma qualificação profissional para a sua sobrevivência. Não
5
escapa à sua compreensão que é no ensino superior que estão as maiores possibilidades ao
afirmarem também o desejo de continuar os seus estudos. A superação do dualismo
educacional no ensino médio, teorizada por autores como Saviani que advogam o princípio da
politecnia, entendimento ao qual nos filiamos, se encontra, todavia, ainda longe de ser
alcançada por um programa no qual a concomitância dos cursos é preservada, não estando
presente, ainda, a integração entre a educação para o trabalho e a formação geral dos
estudantes da educação básica.
Palavras-chave: Políticas públicas para educação básica; Ensino Médio; Educação e trabalho;
Pronatec.
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ABSTRACT
This work was guided by the following questioning: The Pronatec represents a significant
mediation for students enrolled in this national program of professional education, to
complete their education in high school? It aims to verify this mediation through a theoretical
development and empirical exploratory study that focuses on the students of technical
courses/Pronatec of SENAI/Videira/SC concurrently enrolled in high Regular Education in
“Basic Education School Governor Lacerda”. For the study, they were initially privileged
authors that address the relationship between education and work within a historical-critical
vision such as: Saviani (2007); Kuenzer (2007); Tomazi (2010) and others. These studies
refer to the work as an educational principle and point to a polytechnic conception of
education. After historically address the issue of work and its relationship to education, with
an emphasis on high school and professional education in this step, the text presents and
analyzes the objectives of Pronatec and its concurrence with the high school, highlighting the
inclusion of paraestatal “S” System in partnership over Pronatec and its conclusions. Finally
presents the empirical exploratory research. The methodological procedures of this research is
anchored on the assumptions of qualitative research, and focused dialogue with students as
well as an individualized questionnaire, using a script based on five (05) categories selected
for the study: : i) satisfaction or not with the frequency to Pronatec courses; ii) reasons wich
led the courses in Pronatec mode; iii) the function of the scholarship over the continuity of
each student of Pronatec, in concomitantly form, to stand away in the regular course of high
school; iv) ratio of knowledge learned in high school with the Pronatec; and v) perceptions
over the continuing studies. The responses showed that the Pronatec is viewed positively in
general the students surveyed because they are receiving training and/or free professional
guidance, behold, the travel costs are subsidized by the federal government. Only a minority
of subjects participating considered the scholarship like the biggest motivation for performing
high school in concomitance with Pronatec, which may indicate a widespread feeling among
students of public schools that need a professional qualification for their survival. Nit eludes
its grasp is that in higher education that are the more likely to also affirm too their desire to
continue their studies. Overcoming the educational dualism in high school, theorized by
authors such as Saviani who advocate the principle of polytechnic, understanding to which we
join in, is, however, still far from being achieved by a program in which the concurrence of
the courses is preserved, not It is present also the integration of education for work and
general education of students of basic education.
Keywords: Public policies for basic education; High School; Education and work; Pronatec.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Instituições e atores envolvidos na execução do PRONATEC ............................... 41
Figura 2 - As modalidades de atendimento se diversificam: .................................................... 49
Figura 3 - O foco de análise para a construção dos currículos se altera: .................................. 49
Figura 4 - O perfil da clientela muda no momento em que se diversificaram as modalidades:
.................................................................................................................................................. 49
Figura 5 - O ambiente pedagógico sofre tênue expansão no seu conceito com a entrada do
Estudo Dirigido. ....................................................................................................................... 49
Figura 6: Localização da moradia (zona urbana/rural). ............................................................ 61
Figura 7: Gênero dos estudantes entrevistados......................................................................... 61
Figura 8: Motivos que o Levaram a Realizar Cursos na Modalidade Pronatec ....................... 63
Figura 9: O Papel da Bolsa/auxílio para a Continuidade de Cada Estudante do Pronatec para
dar Continuidade, de Forma Concomitante, ao Curso Regular de Ensino Médio ................... 64
Figura 10: Relação dos conhecimentos aprendidos no Ensino Médio com os do Pronatec ..... 65
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Taxa de analfabetismo no Brasil (1940/1960) em % ............................................... 48
Tabela 2: Taxa de frequência à escola da população de 15 a 17 anos por gênero - Brasil 2004
e 2012 ....................................................................................................................................... 62
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LISTA DE SIGLAS
ACIAV Associação Comercial Industrial e Artesãos de Videira
CEDEIC Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio
CNE Conselho Nacional de Educação
CGU Controladoria Geral da União
EMIEP Ensino Médio Integrado à Educação Profissional
e-Tec Educação Profissional e Tecnológica na modalidade de educação a distância
DKW Dampf-Kraft-Wagen
DR Direção Regional
FIESC Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina
Fies Fundo de Financiamento Estudantil
FNM Frente Nacional Mizo
GERED Gerência Regional de Educação
IDORT Instituto de Organização Racional do Trabalho
Inep Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC Ministério da Educação
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
OIT Organização Internacional do Trabalho
PNE Plano Nacional de Educação
PIPMO Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra
PL Projeto de Lei
PNQ Programa Nacional de Qualificação
Pronatec Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
SAEDE Serviço de Atendimento Educacional Especializado
SC Santa Catarina
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
10
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAR Serviço nacional de Aprendizagem Rural
SENAT Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SINASEFES Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e
Profissional
SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UNOESC Universidade do Oeste de Santa Catarina
VEMAG Veículos e Máquinas Agrícolas S/A
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
2. TRABALHO E EDUCAÇÃO ........................................................................................... 20
2.1. A NATUREZA DO TRABALHO E SUA CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA .................... 21
2.2. A EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO
MÉDIO NO BRASIL ............................................................................................................... 30
2.3. O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO E A CONCEPÇÃO DE
POLITECNIA COM BASE EM SAVIANI (2003) .................................................................. 33
3. O PRONATEC E SUA CONCOMITÂNCIA COM O ENSINO MÉDIO .................... 37
4. O SENAI NO CONTEXTO DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE NO BRASIL:
UM PERCURSO QUE VAI DESDE A ADEQUAÇÃO DO HOMEM AO
DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA NACIONAL ATÉ A SUA ADEQUAÇÃO AO
MERCADO DE TRABALHO ............................................................................................... 44
5. “HORA” DE OUVIR OS ALUNOS DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
GOVERNADOR LACERDA - PRONATEC: FACILITA A PERMANÊNCIA/
CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO REGULAR? ........................................................... 55
5.1. UNIVERSO INTITUCIONAL DOS ALUNOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA ........... 55
5.1.1. Escola de Educação Básica Governador Lacerda ................................................ 56
5.1.2 . SENAI – Unidade de Videira/SC ........................................................................... 57
5. 2. PRONATEC: ALUNOS MATRICULADOS EM CURSOS DO PRONATEC TEM SUA
PERMANÊNCIA/ CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO REGULAR FACILITADO? ......... 58
5.2.1. Análise das respostas apresentadas nos questionários ......................................... 61
5.2.1.1. Dados de identificação dos estudantes: .............................................................. 61
5.2.1.2. Satisfação ou não com relação à frequência aos cursos do Pronatec ................ 62
5.2.1.3. Motivos que o Levaram a Realizar Cursos na Modalidade Pronatec ................ 63
5.2.1.4. O Papel da Bolsa/auxílio para a Continuidade de Cada Estudante do Pronatec
para dar Continuidade, de Forma Concomitante, ao Curso Regular de Ensino Médio . 64
5.2.1.5. Relação dos conhecimentos aprendidos no Ensino Médio e os do Pronatec ..... 65
5.2.1.6. Percepções sobre a Continuidade dos Estudos ................................................... 66
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 69
7. REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 73
APÊNDICE 01 – ROTEIRO MÍNIMO DE QUESTÕES PARA ENTREVISTAS ......... 79
12
1. INTRODUÇÃO
"O importante da educação não é apenas formar um mercado de trabalho, mas
formar uma nação, com gente capaz de pensar." (José Arthur Giannotti).
A presente Dissertação de Mestrado tem como tema a iniciativa do governo federal
vinculada ao ensino médio, que é a formação profissional de jovens, o Pronatec (Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), instituído pela Lei nº 12.513, de 26 de
outubro de 2011 (BRASIL, 2011).
A temática veio à tona particularmente por ter entre as minhas atividades docentes, a
de Professora de Ensino Médio do SENAI na Unidade de Videira/SC e do Ensino Médio da
Rede Pública do Estado de Santa Catarina na Unidade de Ensino da Escola de Educação
Básica Governador Lacerda.
Convivendo nesses ambientes educacionais, com diferentes interesses e
estratificações econômicas envolvidas, além de diferentes faixas etárias, percebi em 2012 uma
“avalanche” de matrículas para cursos profissionalizantes do SENAI/SC.
Em uma síntese empírica e superficial, dialogando com os ingressos nos cursos
profissionalizantes, intuí que frequentavam os cursos, em regra, motivados pela possibilidade
de receber uma verba mensal em contrapartida. Percebi também vários questionamentos por
parte de pais e estudantes da rede privada, eis que estes estavam impedidos de realizarem
matrícula em cursos técnicos via Pronatec.
Assim, entendi ser relevante realizar a presente investigação, pois a mesma poderá
trazer elementos para a ampliação do conhecimento sobre o entrelaçamento da educação
profissional, via Pronatec, e a conclusão do ensino médio como proposição para a educação
dos jovens, um dos objetivos deste programa educacional. O Pronatec, instituído pela Lei
12.513/11, tem como objetivos:
I - expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional
técnica de nível médio presencial e a distância e de cursos e programas de formação
inicial e continuada ou qualificação profissional;
II - fomentar e apoiar a expansão da rede física de atendimento da educação
profissional e tecnológica;
III - contribuir para a melhoria da qualidade do ensino médio público, por meio da
articulação com a educação profissional;
IV - ampliar as oportunidades educacionais dos trabalhadores, por meio do
incremento da formação e qualificação profissional;
13
V - estimular a difusão de recursos pedagógicos para apoiar a oferta de cursos de
educação profissional e tecnológica. (BRASIL, 2011).
Segundo a legislação o Pronatec atende prioritariamente: estudantes do ensino médio
da rede pública, inclusive da educação de jovens e adultos; trabalhadores; beneficiários dos
programas federais de transferência de renda; e estudantes que tenham cursado o ensino
médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista
integral, nos termos do regulamento (BRASIL, 2011).
Jahn (2011) indica que dados estatísticos dão conta de provar que a educação
brasileira sofre com um índice de evasão expressivo no ensino médio, ao mesmo tempo em
que os egressos do ensino médio sofrem com a inexistência de chances profissionais.
Evidencia-se, portanto, na análise realizada por este autor, a existência de dois problemas
específicos centrais vinculados à educação média regular recebida: evasão e aplicabilidade
dos estudos, na cadeia sócio produtiva.
Alguns índices esclarecem esses dois problemas. Segundo pesquisa do Instituto
Unibanco junto à rede estadual paulista, de cada 100 alunos que terminam o ensino
fundamental na idade correta, apenas 83 ingressam no ensino médio. E na sequência percebe-
se a evasão gritante: dos 83, apenas 47 concluem o ensino médio em três anos (JAHN, 2011).
Programas governamentais em todo o mundo e mais recentemente no Brasil tem
identificado essa problemática e tem apontado o ensino profissionalizante como forma de
amenização desses dois problemas (JAHN, 2011).
É sabido que o Brasil tem baixo índice na educação profissional. Aqui a educação
profissional no ensino médio responde a apenas 14% das matrículas, enquanto na Áustria são
77%, na Alemanha são 58%, na França 44%, 42% na China e 37% no Chile. Algumas
iniciativas do governo federal vêm buscando resolver, ou antes, amenizar este cenário,
particularmente desde 2004, com propostas que apontam para um ensino médio mais flexível
e integrado à educação profissional (JAHN, 2011).
Este cenário leva a uma grave preocupação e a buscar refletir sobre o tema. Reporto-
me particularmente ao cenário presente no momento em que a Lei nº 12.513/11, que instituiu
o Pronatec, foi aprovada: a existência quase absoluta de cursos profissionalizantes
concomitantes ao ensino médio ou subsequentes a este ensino, embora com a Lei 5.154/04
(BRASIL, 2004), tenham sido possibilitados, além da realização desses cursos, os cursos
14
integrados (Ensino Médio Integrado à Educação Profissional – EMIEP). O documento base
desta lei, explica que “... a extrema desigualdade socioeconômica obriga grande parte dos
filhos da classe trabalhadora a buscar a inserção no mundo do trabalho visando complementar
o rendimento familiar ou mesmo a auto sustentação muito antes dos 18 anos de idade”
(MOURA, 2013).
A citada lei (Lei 5.154/04) determina, portanto, que os cursos de profissionalização, na
etapa do ensino médio, podem ser de três ordens: concomitante, subsequente e integrados
(BRASIL, 2004). Embora as políticas de formação de nível federal tenham acentuado na
última década a criação de cursos de EMIEP, de ensino médio integrado à educação
profissional, estes ainda estão longe de alcançar uma matrícula considerável, e de atender à
grande população de jovens que, cada vez mais, precisa cursar o ensino médio e também
necessita de profissionalização.
Ainda que haja um debate expressivo no país a respeito da necessidade de
profissionalizar o trabalhador brasileiro com qualificação cultural, científica e ética, o que só
estaria sendo atendido por cursos capazes de integrar de certa forma tal formação, prevalece
em determinados setores da sociedade, particularmente vinculados ao sistema empresarial, a
ideia de formações mais rápidas e diretamente fornecedoras de mão de obra para o sistema
produtivo.
É neste contexto rapidamente formulado que se instituiu a iniciativa recente do
governo federal, de formar trabalhadores, vinculada ao ensino médio, por meio do Pronatec,
instituído pela já citada Lei nº 12.513/11.
Entende-se que esta iniciativa de grande porte no país1, envolvendo várias
instituições de ensino2, precisa ser acompanhada e discutida pelos educadores brasileiros nos
1 Na segunda semana de junho de 2014 a presidente Dilma Rousseff anunciou que a 2ª fase do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) tem como meta ofertar 12 milhões de vagas nos
próximos quatro anos. Segundo a Presidente serão 12 milhões de vagas em 220 cursos técnicos e 646 cursos de
qualificação a partir de 2015, distribuídas por todos os estados do país, em parcerias com diversas instituições de
ensino e qualificação profissional. (PRONATEC: Inscrições Pronatec 2015. Disponível em:
http://www.pronatec2015.org/inscricoes-pronatec-2015/. Acessado em: 14/03/1015).
2Expansão da Rede Federal. A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica está presente em
todos os estados brasileiros, com mais de 350 unidades em funcionamento. [...]. Programa Brasil
Profissionalizado. [...] Rede e-TecBrasil. [...] Rede e-Tec Brasil são oferecidos gratuitamente cursos técnicos e
de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional, na modalidade a distância. [...] Acordo de
Gratuidade com os Serviços Nacionais de Aprendizagem O Acordo de Gratuidade tem por objetivo ampliar,
progressivamente, a aplicação dos recursos do SENAI, do SENAC, do SESC e do SESI, [...]. FIES Técnico e
15
seus mais diversos aspectos. Assim, pretende-se com este estudo contribuir para as análises
referentes ao Pronatec proposto pelo MEC em 2011, vinculado à Política de Educação
Profissional Técnica de nível médio, problematizando mais especificamente um dos seus
pressupostos: contribuir para a melhoria da qualidade do ensino médio público, por meio da
articulação com a educação profissional.
Como base para as análises, apontou-se inicialmente o contexto do Decreto nº
5.154/04 (BRASIL, 2004); as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996); e o
referencial teórico baseado nos autores histórico-críticos que tomam a relação educação e
trabalho como eixo para o estudo das políticas de escolarização voltadas ao ensino médio, tais
como: Ciavatta (2011) Kuenzer (2007); Saviani (2011), dentre outros.
Em análise ao texto da Lei nº 12.513/2011 que instituiu o Pronatec, evidencia-se de
forma expressa que este programa, embora executado pela União, esta tem autorização para
transferir recursos também para entes privados sem fins lucrativos:
Art. 1º É instituído o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego -
PRONATEC, a ser executado pela União, com a finalidade de ampliar a oferta de
educação profissional e tecnológica, por meio de programas, projetos e ações de
assistência técnica e financeira (sem grifo no original).
[...]
Art. 6º Para cumprir os objetivos do Pronatec, a União é autorizada a transferir
recursos financeiros às instituições de educação profissional e tecnológica das redes
públicas estaduais e municipais ou dos serviços nacionais de aprendizagem
correspondentes aos valores das bolsas-formação de que trata o inciso IV do art. 4o
desta Lei.
[...]
Art. 8º O Pronatec poderá ainda ser executado com a participação de entidades
privadas sem fins lucrativos, devidamente habilitadas, mediante a celebração de
convênio ou contrato, observada a obrigatoriedade de prestação de contas da
aplicação dos recursos nos termos da legislação vigente (sem grifo no original).
[...]. (BRASIL, 2011).
Assim, o Sistema “S” está ocupando um protagonismo relevante na política de
educação profissional3 proposta pelo Pronatec, eis que este sistema passou a executar parte
dos cursos custeados pela União no contexto do Pronatec.
Empresa FIES [...]. Bolsa-Formação [...] (PRONATEC. Objetivos e iniciativas, disponível em:
http://pronatec.mec.gov.br/institucional-90037/objetivos-e-iniciativas. Acessado em 09/08/2014).
3A educação profissional no Brasil teve seu início de institucionalização no período Imperial, [...]. Com o
advento da República, a característica assistencialista do ensino profissionalizante começou a alterar-se.
16
Convencionou-se chamar de Sistema “S” no Brasil as seguintes instituições: Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e Serviço Nacional
de Aprendizagem do Transporte (SENAT).
No presente estudo optou-se por analisar os cursos do SENAI, instituição na qual estão
inseridos os estudantes focalizados no estudo empírico. Ente paraestatal conceituado na
categoria de Serviços Sociais Autônomos, o SENAI é uma instituição privada brasileira de
interesse público, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado. Um de
seus principais objetivos é apoiar áreas industriais por meio da formação de recursos humanos
e da prestação de serviços técnicos e tecnológicos.
O SENAI trata-se, portanto, de uma instituição de ensino que busca com os seus
cursos preparar os estudantes para o mercado de trabalho. O SENAI é qualificado para atuar
em diferentes setores da indústria e do comércio, destacando-se que cada unidade de ensino
tem autonomia para implantar os seus cursos.
Instituído pelo Decreto 4.048 de 22 de janeiro de 1942, no governo de Getúlio Vargas,
o SENAI passou a ter como objetivo principal explicitado, a formação de mão-de obra para a
indústria brasileira. O SENAI foi criado, portanto, para atender uma determinada elite e ao
processo de industrialização do Brasil (o qual estava então iniciando).
Considerando o já exposto, esta Dissertação aborda como tema de estudo o
entrelaçamento entre o ensino profissionalizante (Pronatec) e o ensino médio, num contexto
de mediação4 entre formação humanística e técnica. Orientou-se pela seguinte
problematização: O Pronatec representa uma mediação significativa para estudantes,
Contudo, foi somente na Era Vargas (1930-1945), que a educação do trabalhador mereceu atenção contínua e
sistematizada. Esta política decorreu de significativas mudanças sociais, das quais faz parte o avanço da
industrialização, que exigiram maior atenção à educação profissional, [...]. Nesse contexto, foi criado o SENAI –
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) com o objetivo de formar trabalhadores para a indústria. Essa
escola do trabalho – SENAI –, seguindo o projeto político modernizador do governo vigente, teve na pessoa do
engenheiro Roberto Mange, seu principal mentor. Atualmente, o SENAI é a maior instituição de ensino
profissionalizante do Brasil. Desde sua criação, mais de 45,4 milhões de pessoas matricularam-se, dentre as
quais um número superior a 30 milhões fizeram cursos na instituição. (CAMARGOS, 2011. p. 1-6).
4 “[...] O conceito de mediação indica que nada é isolado”. Implica, então, o afastamento de oposições
irredutíveis e sem síntese superadora. Por outro lado, implica uma conexão dialética de tudo o que existe, uma
busca de aspectos afins, manifestos no processo em curso (CURY, 1995, p. 43).
17
matriculados neste programa nacional da educação profissional, completar sua formação no
Ensino Médio?
O objetivo desta dissertação consistiu, portanto, em analisar o Pronatec e se este
programa pode representar uma mediação significativa para estudantes completar sua
formação no Ensino Médio. Para tanto, além de discutir a relação entre educação e trabalho
numa perspectiva histórico-crítica, conhecer o contexto no qual se delineou e se implementa o
programa, foi realizado um estudo exploratório de natureza qualitativa focalizando um grupo
de alunos de cursos na modalidade Pronatec do SENAI/Videira/SC concomitantemente
matriculados no Ensino Médio regular na Escola de Educação Básica Governador Lacerda.
Foram delineados os seguintes objetivos específicos para a realização do estudo:
a) Discutir a questão do trabalho e sua relação com a educação, com ênfase no ensino
médio e ensino profissionalizante, com base em autores histórico-críticos;
b) analisar os objetivos do Pronatec e sua concomitância com o Ensino Médio;
c) compreender a inserção do Sistema “S” /Paraestatal, particularmente do SENAI, na
parceria da oferta do Pronatec e suas ilações;
d) identificar, entre estudantes dos cursos do Pronatec no SENAI/Videira, a mediação
que se estabelece entre a realização deste curso com sua permanência e conclusão no Ensino
Médio regular.
O foco da investigação empírica realizada consistiu então em verificar se os estudantes
que cursam concomitantemente ao Ensino Médio regular e cursos na modalidade Pronatec
têm sua permanência e conclusão da Educação Básica facilitada. Após esta Introdução, para
análise do entrelaçamento entre educação profissional, ensino médio e a formação do ser
humano, no segundo capítulo foi esquadrinhado o referencial teórico, entabulando um diálogo
com autores como: Camargos (2011) Ciavatta (2005), Jonh (2011), Saviani (2011), Tomazi
(2010), dentre outros. Ciavatta (2005), por exemplo, no livro “Ensino Médio Integrado –
Concepção e Contradições” destaca que uma formação humanística busca garantir ao
adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a
leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente
à sua sociedade política.
No terceiro capítulo foi apresentada a base normativa (Pronatec/Ensino Médio),
conservada sua devida articulação com o referencial teórico. Foram perquiridos os seguintes
18
documentos: a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988); as Leis nº 9.394/96 (BRASIL,
1996); a Lei nº 5.154/04 (BRASIL, 2004) e a Lei nº 12. 513/11 (BRASIL, 2011).
Abordou-se no quarto capítulo a história do sistema “S” com destaque para a origem
do SENAI, instituição na qual os estudantes protagonistas desta dissertação estão inseridos.
Para este último aspecto, buscamos informações basicamente em Camargos (2011) e na obra
de Silva (1999).
Já no quinto capítulo foi exposto o resultado de um estudo empírico realizado com um
grupo de estudantes de cursos na modalidade Pronatec do SENAI/Videira/SC
concomitantemente matriculados no Ensino Médio regular na Escola de Educação Básica
Governador Lacerda, também de Videira/SC, nos 2º e 3º anos.
Inicialmente foi realizado o levantamento de quantos e quais os estudantes que
concomitantemente frequentam cursos no SENAI/Videira modalidade Pronatec e que estão
regularmente matriculados no 2º e 3º ano na Escola de Educação Básica Governador Lacerda.
Feito este levantamento, e estando já em realização o estudo teórico a respeito da
temática, foi organizado um roteiro de questões para a orientação da investigação junto aos
estudantes, a partir de 05 (cinco) categorias orientadoras, quais sejam: i) satisfação ou não
com a frequência aos cursos do Pronatec; ii) motivos que levaram à realização do curso na
modalidade Pronatec; iii) o papel da bolsa/auxílio para a continuidade de cada estudante do
Pronatec para dar continuidade, de forma concomitante, ao curso regular de ensino médio; iv)
relação dos conhecimentos aprendidos no ensino médio com os do Pronatec; e v) percepções
sobre a continuidade dos estudos (Apêndice 01).
Estas categorias foram discutidas com os estudantes durante o diálogo estabelecido
com os estudantes durante a investigação. Dada esta característica, considerou-se que o estudo
contemplou não apenas a resposta ao questionário, individual, mas também um diálogo com o
grupo de estudantes.
O roteiro de questões foi disponibilizado no site www.brworks.com.br/pronatec/. Os
estudantes dos segundos e terceiros anos do período matutino (com matriculas concomitante,
ou seja, estudantes matriculados no ensino médio regular que no contra turno frequentam
cursos na modalidade Pronatec) inicialmente dirigiram-se ao laboratório de informática
localizado nas dependências internas da Escola de Educação Básica Governador Lacerda,
receberam as boas vindas da pesquisadora e, em seguida foram orientados a acessarem o link
19
onde se encontravam as questões a serem respondidas. Na sequência o diálogo foi entabulado
(tendo como base o roteiro de questões disponíveis no site). Os próprios estudantes
registravam as suas repostas. Para finalizar este processo as respostas foram salvas e
encaminhadas via e-mail ([email protected]) para a pesquisadora. Os dados coletados
estão disponibilizados em gráficos no capítulo cinco.
As respostas ao questionário foram analisadas (ver cap.5)
Realizadas as análises individuais em um segundo momento da etapa empírica,
busquei construir uma síntese analítica que, segundo Trivinõs (1987) a descrição analítica
compreende o momento em que os documentos são submetidos a uma análise, levando em
consideração as hipóteses e o referencial teórico. A partir dessa síntese analítica ordenamos
uma síntese conclusiva.
20
2. TRABALHO E EDUCAÇÃO
Como este estudo tem a finalidade de verificar a mediação representada por um
programa de profissionalização no sentido dos estudantes do ensino médio realizar e
completar a sua formação escolar básica, neste capítulo desenvolveu-se um referencial teórico
para a compreensão e análise da integração entre o trabalho e a educação escolar.
Inicia com uma reflexão sobre a natureza do trabalho humano, e sua constituição na
história da humanidade, evidenciando momentos diversos na sua compreensão e na sua
presença na educação.
O paralelismo entre a educação profissionalizante e a educação geral que caracterizou
o percurso educacional brasileiro é demonstrado no subitem seguinte, no qual fica evidente a
sua separação no percurso escolar, apesar de algumas tentativas de aproximação no sentido de
sua superação no que diz respeito ao ensino médio. Focalizou-se também a presença do
Estado, seu papel mais ou menos determinante nos encaminhamentos políticos e educacionais
da nação para melhor compreensão do processo que define os rumos do tema estudado.
No modelo capitalista adotado pela maioria dos países do mundo após a crise e queda
do sistema feudal tem-se a presença do Estado5, pessoa jurídica que possui um corpo
burocrático para administrar o patrimônio público, como as estradas, os portos, a saúde, as
comunicações, os transportes e também o sistema educacional, entre outros setores. Os atos
políticos e a ação do Estado estão presentes na vida de todos os seres humanos
cotidianamente, inclusive ajustando a educação escolar conforme a ideologia hegemônica que
está no poder.
As relações entre trabalho e educação sob o ponto de vista da politecnia finalizam o
capítulo, indicando uma forma superadora da dicotomia que tem caracterizado esta relação.
5 [...] entendido como meio pelo qual se superou o originário estágio natural em que viviam os homens [...]. Os
direitos naturais (vida, liberdade, saúde e propriedade) da humanidade em seu estágio de vida natural sustentam
a construção do direito positivo, ou seja, aquele que advém do contrato entre os homens. (MARTINS e
GROPPO, 2010, p. 11 e 12).
21
2.1. A NATUREZA DO TRABALHO E SUA CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA
A estreita relação entre trabalho e educação origina-se na própria constituição do
homem enquanto tal. Segundo Saviani (2007), para definir o que é o homem e como ele se
constitui há que se considerar esta estreita e fecunda relação entre a educação e o trabalho. Por
meio do trabalho, nos informa este autor, o homem adapta a natureza às suas necessidades. A
existência humana, contudo, não é constituída por uma dádiva natural, mas aprendida, e isso
ocorre pela educação. O que diferencia os homens dos demais animais é que estes últimos se
adaptam a realidade natural, enquanto os homens necessitam continuamente produzir sua
subsistência, e, assim, buscando adaptar a natureza a si, ou seja, transformá-la para facilitar a
sua existência. Nesse sentido, o diferencial é o trabalho humano, que não se caracteriza como
sendo qualquer atividade desenvolvida, mas sim como uma ação consciente, que antecipa
mentalmente uma finalidade, uma ação adequada.
A existência humana, portanto, alude primeiramente ao trabalho material. Entretanto,
como o processo de domínio da subsistência material implica em antecipar os objetivos reais,
isso significa conhecer o trabalho imaterial. Para Saviani a natureza da educação tem a ver
justamente com o trabalho imaterial (SAVIANI, 2011).
Nas comunidades mais primitivas, a educação coincidia de forma mais direta com o
trabalho material, pois prevalecia nesse período o modo de produção comunal, tudo era feito
em comum, numa unidade aglutinadora sendo que os homens se apropriavam coletivamente
dos meios de produção ao mesmo tempo em que aprendiam e ensinavam as novas gerações.
Já na antiguidade grega e romana, na qual prevalecia o modo de produção escravista, e a mão-
de-obra escrava garantia a produção suficiente para suprir as necessidades da população,
começa a surgir o dualismo educacional, ou seja, a institucionalização da educação, a escola6
para os homens livres, proprietários, com ensinamentos centrados na oratória, na arte e em
atividades intelectuais; e a escola para os escravos, os serviçais, local onde aprendiam o
próprio processo de trabalho (SAVIANI, 2007).
6 “A palavra escola deriva do grego e σχολή e significa, etimologicamente, o lugar do ócio, tempo livre. Era,
pois, o lugar para onde iam os que dispunham de tempo livre. Desenvolveu-se, a partir daí uma forma específica
de educação, em contraposição àquela inerente ao processo produtivo. Pela sua especificidade, essa nova forma
de educação passou a ser identificada com a educação propriamente dita, perpetrando-se a separação entre
educação e trabalho. ” (SAVIANI, 2007, p.155).
22
Como na sociedade greco-romano, também a sociedade feudal era constituída
daqueles que trabalhavam (os servos, os camponeses livres e os aldeãos) e dos que viviam do
trabalho dos outros (senhores feudais e os membros do clero). Neste período a educação passa
a ter forte influência da Igreja Católica, com as escolas anexas às catedrais ou aos mosteiros
(TOMAZI, 2010).
Ainda no sistema feudal intensificou-se o que pode denominar-se de cadeia produtiva,
o que foi gerando o excedente de produção e em consequência a troca, desencadeando o
surgimento das bases do sistema capitalista, (mercantilismo), no qual o processo produtivo
concentra-se nas cidades e não no campo, na indústria e não na agricultura. Rompe-se com a
sociedade baseada no direito natural, consuetudinário e o que passa a ser relevante, segundo
Saviani (2007), é o direito contratual, positivado.
Com a emergência do mercantilismo e o fim do sistema medieval o trabalho mudou de
configuração: se antes era visto como algo penoso, agora passou aos poucos a ser
considerado, pelas diferentes instituições, algo positivo, algo que dignifica o homem. Assim,
por exemplo:
a) a igreja passou a considerar o trabalho como algo divino, quem não trabalhasse não seria
abençoado;
b) os governantes passaram a penalizar os que não trabalhassem considerando-os vagabundos;
c) os empresários desenvolveram regras rígidas no interior das indústrias estabelecendo
horário de chegada e saída e;
d) as escolas passaram a disseminar a ideia de que o trabalho era essencial para a sociedade e
de que quem não trabalhasse “levava sempre a pior” (TOMAZI, 2010, p. 42).
Com o impacto dessas transformações o modo de produção capitalista vai se
consolidado e permitindo a ascensão de uma nova classe social, a burguesia, que aos poucos
se torna a classe dominante de um sistema baseado no novo modo de produção. As
transformações que foram ocorrendo a partir da ascensão da burguesia como classe dominante
vão abrir espaço para a ocorrência de um processo que passou a ser denominado de
Revolução Industrial7, pela importância que vai adquirindo a indústria na sua concretização.
7A Revolução Industrial foi um processo histórico iniciado na Inglaterra no século XVIII, principalmente, sendo
comumente associado ao início do modo de produção capitalista. Essa revolução consistiu primordialmente no
desenvolvimento de novas técnicas de produção de mercadorias, com uma nova tecnologia, e em uma nova
forma de divisão social do trabalho. [...] Durante o século XIX, novos mercados consumidores e de fornecimento
de matérias-primas foram conquistados no que se convencionou chamar de imperi,alismo. Por outro lado, novos
23
Com o sistema de maquinaria implantado exige-se um mínimo de conhecimento de
cunho geral inclusive do indivíduo trabalhador, para “conviver” no ambiente de produção.
Institui-se neste contexto a educação de formação geral (escola primária), como uma
exigência para toda a população. Neste mesmo contexto surgem as escolas
profissionalizantes, organizadas no âmbito das próprias empresas, nestas escolas era ofertado
conhecimento de cunho específico, eis que o processo de produção passou a exigir mão de
obra especializada em reparos, ajustes, adaptações das máquinas. Portanto, ocorreu a
bifurcação da educação: a de formação geral e a profissionalizante. Tal processo foi assim
definido por Saviani (2007):
A introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica, mas
impôs um patamar mínimo de qualificação geral, equacionado no currículo da escola
elementar. Preenchido esse requisito, os trabalhadores estavam em condições de
conviver com as máquinas, operando as sem maiores dificuldades. Contudo, além do
trabalho com as máquinas, era necessário também realizar atividades de
manutenção, reparos, ajustes, desenvolvimento e adaptação a novas circunstâncias.
Subsistiram, pois, no interior da produção, tarefas que exigiam determinadas
qualificações específicas, obtidas por um preparo intelectual também específico.
Esse espaço foi ocupado pelos cursos profissionais organizados no âmbito das
empresas ou do sistema de ensino, tendo como referência o padrão escolar, mas
determinados diretamente pelas necessidades do processo produtivo. Eis que, sobre
a base comum da escola primária, o sistema de ensino bifurcou-se entre as escolas
de formação geral e as escolas profissionais. (SAVIANI, 2007, p.159).
Com a ascensão da burguesia ao poder consolidou-se o dualismo educacional: de um
lado a educação para preparar o homem braçal, aquele que opera a máquina e executa as
atividades; por outro lado a educação para a elite, preparada para o domínio teórico, para o
comando (SAVIANI, 2007).
Uma acentuada divisão do trabalho passou a ser uma das características fundamentais
no desenvolvimento do sistema capitalista (sociedade moderna) no século XIX. Com o
aperfeiçoamento continuo do sistema produtivo (século XX), desencadeou-se uma divisão de
países investiram na industrialização, principalmente na Europa Ocidental e os EUA, ampliando o espaço
geográfico da Revolução Industrial. Com as descobertas do petróleo e outros produtos na área química, bem
como a eletricidade e o aço, um novo surto industrial se verificou no final do século XIX, conhecido como
Segunda Revolução Industrial. [...] Uma Terceira Revolução Industrial é apontada com o aprimoramento da
tecnologia informacional, principalmente depois da década de 1970. (PINTO, Tales dos Santos. Revolução
Industrial e início do capitalismo).
24
trabalho muito bem articulada, encadeada e sistematizada, com produção em série e consumo
em massa, cuja organização denominou-se fordismo8 (TOMAZI, 2010).
[...] Fordismo e taylorismo passaram a ser usadas para identificar um mesmo
processo: aumento de produtividade com o uso mais adequado possível de horas
trabalhadas, por meio do controle das atividades dos trabalhadores, divisão e
parcelamento das tarefas, mecanização de parte das atividades com a introdução da
linha de montagem e um sistema de recompensas e punições conforme o
comportamento dos operários no interior da fábrica. [...]. Com Ford e Taylor, a
divisão do trabalho passou pelo planejamento vindo de cima, não levando em conta
os operários. [...]. (TOMAZI, 2010, p. 49-50).
A Revolução Industrial fez a escola vincular-se, de um certo modo, ao mundo da
produção, e permitiu o aprofundamento da separação dos homens em dois grandes blocos:
aqueles das profissões braçais, para tanto a formação era limitada à execução das tarefas; e
aqueles das profissões intelectuais, com formação ampla e teórica, preparados para o domínio
das diferentes esferas da sociedade. Assim, segundo Saviani (2007), o homem passou a ter
uma preparação básica para sua adaptação e convívio na sociedade de classes. Com a
ampliação da escolarização e sua extensão, um maior número de jovens alcança os estudos
que correspondem hoje ao ensino médio, mas dependendo de suas possibilidades econômicas
e sociais finalizam seus estudos com um ensino profissionalizante (técnico) para ser então
mão-de-obra especializada, ou seguem seus estudos gerais recebendo uma formação mais
ampla. Segundo o autor:
Terminada a formação comum propiciada pela educação básica, os jovens têm
diante de si dois caminhos: a vinculação permanente ao processo produtivo, por
meio da ocupação profissional, ou a especialização universitária (SAVIANI, 2007,
p.160).
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a dualidade que foi se estabelecendo no
sistema capitalista também divide o mundo. De um lado os países ditos desenvolvidos que
“ditam” as estratégias educacionais, as inovações e novas técnicas de produção. Para estes há
8[...] numa referência a Henry Ford (1863-1947). Foi ele quem, a partir de 1914, implantou em sua fábrica de
automóveis um modelo que seria seguido por muitas outras indústrias. [...]. Frederick Taylor (1865-1915), em
seu livro Princípios de administração científica, propunha a aplicação de princípios científicos na organização
do trabalho, buscando maior racionalização do processo produtivo. Com as mudanças introduzidas por Henry
Ford em sua fábrica, as expressões fordismo e taylorismo passaram a ser usadas para identificar o mesmo
processo [...]. (TOMAZI, 2010. p. 49).
25
a efetiva articulação da educação básica com a formação profissional, com qualidade,
emancipadora e de cunho universal. Por outro lado, há os países que operacionalizam as
estratégias, com acentuada desigualdade de acesso e qualidade questionável de educação. No
caso específico do Brasil, a educação enquadra-se na segunda classificação de países,
inclusive com o controle linear do Sistema “S” na educação profissionalizante. Estes autores
declaram que:
No caso brasileiro, de um modo especial, pesa uma herança histórica da cultura "dos
coronéis e bacharéis", de forte estigma escravocrata e de uma perspectiva
filantrópica de educação profissional. Do ponto de vista da gestão, o Brasil é um
caso singular de controle quase unidimensional da educação profissional, pelo
patronato do Sistema “S’ (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 4).
O processo de “exploração e manipulação” nos diferentes segmentos econômicos,
políticos, culturais etc., por parte de alguns países (hemisfério norte) é histórico, situação que
se prolonga no tempo, e se efetiva cada vez mais com a globalização ou mundialização nos
dias atuais (após as décadas de 1950). Os países mais ricos ditam os padrões culturais,
tecnológicos, educacionais, estéticos etc., e passam a exigir através de organismos
internacionais o cumprimento de metas. Portanto, a essência do ser humano que é o trabalho
muitas vezes é manipulada em nome do lucro, eis que se exige muito mais do que a
transformação da natureza, inclusive desprezando-se seus limites e provocando danos à
natureza tais como a extinção da flora e da fauna. Neste contexto são negociados ou impostos
acordos internacionais entre países ricos (hemisfério norte) e países mais pobres (hemisfério
sul), em geral com a ajuda de uma elite local. Grande parte da população que participa da
produção do país, mas com acesso a uma educação deficitária, acaba aceitando como sendo
normal essa situação. Ainda neste contexto podem ser enquadrados os programas e currículos
educacionais, pensados, sobretudo por uma elite, que busca legitimar e manter o status quo.
Assim, para a maioria, basta a educação para a empregabilidade. (FRIGOTTO, CIAVATTA e
RAMOS, 2005).
A crise e queda do sistema feudal e a ascensão da burguesia como classe social
dominante traz também a presença do Estado9, pessoa jurídica que possui um corpo
9 [...] entendido como meio pelo qual se superou o originário estágio natural em que viviam os homens [...]. Os
direitos naturais (vida, liberdade, saúde e propriedade) da humanidade em seu estágio de vida natural sustentam
26
burocrático para administrar o patrimônio público, como as estradas, o sistema educacional,
os portos, a saúde, as comunicações, os transportes e outros tantos setores. Não é possível
entender as políticas de formação sem nos reportamos à compreensão do papel do Estado na
sociedade atual.
A concentração e a centralização de poder, mais acentuado ou não, caracterizam
diferentes formas de Estado. Interessante para compreender esta temática, no entanto,
pensamos que cabe discutir, nem que seja de forma mitigada, o pensamento de alguns autores
sobre a origem do Estado e suas diferentes formas. Dentre eles destacam-se, segundo Martins
e Groppo (2010), Hobbes, John Locke, Jean Jacques Rousseau entre outros.
Assim, Hobbes, que possuía uma visão pessimista do estado da natureza, entendeu que
viver-se-ia num estado de guerra, sem a presença forte do Estado, tal como o entendemos
hoje. O homem agiria como lobo do próprio homem, sem o controle racional do homem. Para
superar o estado de natureza, este autor considera a necessidade de criar o Estado, num pacto
importante para o início da vida civil, abolindo a guerra e as impunidades. Considerava,
portanto, que o poder do Estado controlado por um soberano se justificaria, pois, a ditadura de
um é preferível à ditadura de todos (MARTINS e GROPPO, 2010).
Já Locke, outro teórico que se destaca na discussão do Estado, diferente de Hobbes,
não possuía uma visão pessimista do estado de natureza. Mas entendia que este, para não ser
um estado de guerra, mas um estado de paz, necessitaria de um “terceiro” para julgar seus
conflitos. Assim, o surgimento do contrato permitiria a presença de um terceiro
imprescindível para a decisão das lides surgidas na vida social (BITTAR, 2002). Para Locke,
portanto, o “Estado Civil é erigido para garantir a vigência e proteção dos direitos naturais
que correriam grande perigo, no estado de natureza, por encontrarem-se totalmente
desprotegidos” (BITTAR, 2002, p.232).
Já para Rousseau o Estado surge a partir de um contrato social, de um pacto, uma
deliberação conjunta. “O contrato social possui o respaldo da vontade geral, que não se
constitui meramente da somatória das vontades particulares, mas que se coloca na posição de
representar o interesse comum” (BITTAR, 2002, p.241).
Estando os atos políticos e a ação do Estado presente na vida de todos os seres
humanos cotidianamente, inclusive ajustando o ensino conforme a ideologia hegemônica que
a construção do direito positivo, ou seja, aquele que advém do contrato entre os homens. (MARTINS e GROPPO, 2010, p. 11 e 12).
27
está no poder, apresentamos ainda que de forma breve as diferentes formas de Estado que,
embora tenham uma história que os diferencia, são formas recorrentes no processo social em
andamento.
Assim, o Estado absolutista, implantado primeiramente em Portugal no final do século
XIV, caracterizava--se principalmente pela alta concentração de poderes. Assumia o controle
das atividades econômicas e também a responsabilidade de centralizar e praticar a justiça e de
cuidar do contingente militar (TOMAZI, 2010). Como reação ao absolutismo e visando os
interesses da burguesia bem como do capital industrial, emergiu no século XVIII o
liberalismo. Tendo como valores primordiais o individualismo, a liberdade e a defesa da
propriedade privada (MARTINS e GROPPO, 2010).
O Estado liberal e seus valores assenta-se na famosa fórmula laissez-faire, laissez-
passer (deixai fazer deixar passar), deixando expressa a concepção de que o Estado não
intervém nas atividades econômicas privadas, assim o mercado se autorregula, a mão
invisível, de acordo com Adam Smith (MARTINS e GROPPO, 2010).
No final do século XIX, a concepção liberal começa a ruir e cai por terra com a
Primeira Guerra Mundial. Segundo Martins e Groppo (2010), em decorrência, dentre outros
motivos, da intensa concorrência entre as empresas, vão desaparecendo aquelas de pequeno
porte, compradas pelos grandes complexos empreendedores. O grande capital, cada vez mais
concentrado na mão de poucos, provoca a concorrência entre países e não entre empresas,
desencadeando a primeira grande conflito mundial (1914/1918), conflito que se deu entre as
nações imperialistas.
A partir da Primeira Guerra Mundial instauraram-se duas novas formas de organização
estatal: o fascismo (organizado primeiramente na Itália e depois na Alemanha com o
nazismo); e o socialismo (teve início em 1917 na Rússia) (TOMAZI, 2010).
O Estado fascista e o nazista defendiam a plena adesão de todos ao regime, e seus
líderes supremos não admitiam qualquer forma de oposição ao governo. Os meios de
comunicação são controlados pelo governo. Já o Estado socialista, segundo Tomazi (2010),
caracterizou-se por uma economia planificada e, por meio de um partido único, previa a
inexistência de classes sociais.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), disseminou-se nos países de base
capitalista a forma de organização estatal conhecida como Estado de Bem-Estar Social ou
28
Estado Social. Esse modelo pretendeu enfrentar dois interesses antagônicos: por um lado o
interesse do capital buscando se fortalecer e apresentar uma alternativa para construção de
uma ordem econômica e, por outro lado, o movimento dos trabalhadores que exigiam
melhores condições de vida (TOMAZI, 2010).
O Estado de Bem-Estar Social tem como característica a intervenção estatal nas
atividades econômicas, subsidiando-as, regulando-as e investindo em educação, saúde,
transporte coletivo, moradia, com a intenção de proporcionar um mínimo de bem-estar social
e econômico à população em geral, mesmo que numa situação contraditória em relação ao
desenvolvimento do capitalismo.
Após a crise do petróleo10 ocorrida particularmente na década de 1970 (hoje este
continua a representar um problema para um mundo que estabeleceu sua tecnologia, ainda em
grande parte dependente do petróleo), ocorreu uma nova mudança na organização estatal.
Além do desemprego acentuado, as empesas multinacionais precisavam se expandir,
aumentava o endividamento dos países em desenvolvimento e intensificavam-se as greves e
reinvindicações. Neste cenário nasceu o que se convencionou chamar de Estado Neoliberal,
um Estado mínimo, ou seja, um estado em que se privilegia o individualismo, as
privatizações, a livre iniciativa, o livre mercado, o poder de consumo como forma de
realização pessoal, dentre outras características (TOMAZI, 2010).
Enquanto forma de Estado hodierno vivenciamos o que ficou conhecido como pós-
neoliberal, que se desencadeou como consequência da política inerente ao Estado neoliberal,
pois se tem de um lado o crescimento econômico e de outro o aumento considerável da
desigualdade social11. Contrariando a ideologia neoliberal de que o Estado deve intervir
10 No início da década de 1970, os principais países produtores do Oriente Médio, como Arábia Saudita, Irã,
Iraque e Kuwait começam a regular as exportações do óleo às nações consumidoras. Mas o choque vem mesmo
em 1973, por motivações políticas. Literalmente, o petróleo árabe vira arma contra o mundo ocidental,
principalmente os Estados Unidos e países europeus que declararam apoio a Israel na Guerra do Yom Kippur
(Dia do Perdão) contra Egito e Síria. As retaliações causam pânico global: em 16 de outubro, as vendas para os
EUA, maiores importadores mundiais, e para a Europa são embargadas; a produção sofre firme redução em
tempos de alta demanda, forçando o preço do barril a subir cerca de 400% em três meses, de US$ 2,90, em
outubro de 1973, para US$ 11,65, em janeiro do ano seguinte. (IPEA. Petróleo: da crise aos carros flex). 11 Segundo dados da Comissão Econômica para América Latina – Cepal, entre 1980 a 2000, a pobreza cresceu
de forma significativa na região, tendo passado de 40% para 44% da população; a taxa de desemprego aumentou
de 6% para 9%, ou seja, eram 6 milhões de desempregados em 1980, aumentando para 17milhões em 2000, e
ainda houve queda na qualidade do emprego devido às inúmeras pessoas que trabalham no setor informal. Já a
Organização Pan-americana de Saúde informou, por volta de 2000, que 218 milhões de pessoas não têm
proteção à saúde, 100 milhões carecem de serviços básicos de saúde, e 82 milhões de crianças não têm acesso a
programas de vacinação. Conforme informações, em torno de 30 mil crianças morrem no mundo por causas
29
minimamente na economia, que o mercado se autorregula, estoura em 2008 a crise econômica
que iniciou nos Estados Unidos e, com efeito-dominó, prejudicou as economias do mundo
todo, necessitando novamente a intervenção do Estado, este inclusive injetando dinheiro
público para recuperar empresas privadas evitando a falência e em consequência demissões,
aumentando o desemprego e consequentemente a pobreza (MATOS e BUFFON, 2011).
É nesse cenário, descrito de forma muito breve e quase simbólica, que se situa também
o desenvolvimento histórico das relações entre o trabalho e a educação na escola brasileira,
com reflexos particularmente importantes no que diz respeito à formação dos estudantes no
ensino médio, etapa de ensino na qual se dá mais especificamente a divisão entre os
trabalhadores que se dirigem às tarefas manuais e aqueles que ascendem ás posições mais
intelectualizadas do trabalho e, portanto mais bem remuneradas.
No próximo item será abordado, ainda que de forma muito sintética, o
desenvolvimento da educação profissionalizante no Brasil, a partir de um período em que
houve uma maior atenção a esta educação por parte das autoridades governamentais. Nos
limites dessa pesquisa, nem toda a evolução histórica da educação profissionalizante e sua
relação com o ensino médio no Brasil puderam ser trazidas para o debate. Selecionou-se,
portanto, o seu desenvolvimento mais aproximado do momento atual para propiciar melhor a
sua compreensão.
relacionadas à pobreza; na América Latina, quase metade da população é pobre; em 1999, as 200 pessoas mais
ricas do mundo possuíam 1,135 bilhão de dólares, enquanto a soma do PIB total dos 582 milhões de habitantes
dos 49 países mais pobres era de apenas 146.000 milhões; no Brasil, 10% da população mais rica se apropriam
de 46% da renda nacional, enquanto metade da população possui apenas 15% dessa renda. Apesar de a água ser
elemento essencial ao ser humano, 1,3 bilhão de pessoas não tem água potável e morre anualmente por infecção
direta causada por ela; 828 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento têm fome crônica, e 2 bilhões
apresentam deficiência em micronutrientes e sais minerais. Portanto, desde 1980 a pobreza não está retroagindo,
mas aumentando. Os índices de exclusão e pobreza crescem de modo surpreendente em vez de diminuírem. Na
União Europeia, segundo estimativas da Comissão de Bruxelas, em 1975 havia 38 milhões de pobres, em 1985, 44 milhões, em 1992, 53 milhões, em 1998, 57 milhões, e em 2001 o número havia aumentado para 65 milhões.
Ou seja, de 1975 a 2001 (26 anos) houve um aumento estimado em 71% de pessoas pobres na União Europeia.
Isso ocorreu porque o projeto contemporâneo da globalização acentua a interdependência das economias
nacionais na esfera do grande conjunto mundial, gerando uma “brasilização” na União Europeia e nos demais
países desenvolvidos (MATOS e BUFFON,, 2011, p. (7).
30
2.2. A EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO
MÉDIO NO BRASIL
Um marco para compreender a evolução da educação profissionalizante no país pode
ser o que passa a ocorrer após a década de 1930, por meio das Reformas Capanema12 de 1942
e 1943, quando a educação profissionalizante foi de alguma forma efetivamente contemplada.
Daí resultou a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Com o
Decreto-lei 4.984 de 21 de novembro de 1942 (BRASIL, 1942), possibilitou-se a criação de
escolas de aprendizes de responsabilidade das empresas que possuíssem mais de cem
trabalhadores, permitindo-se ainda a articulação dessas escolas com o SENAI, eis que a
finalidade era dar formação profissional aos seus trabalhadores.
Segundo Kuenzer (2007), a educação no Brasil historicamente constitui-se numa
categoria “dualista estrutural”, na qual há nítida demarcação de processo educacional
vinculada ao dualismo de classe social: uma educação para as elites e outra para os
trabalhadores. Neste contexto os cursos profissionalizantes eram destinados àqueles que não
fossem à universidade, basicamente os jovens menos favorecidos.
O dualismo educacional parece começar a atenuar com a Lei de Diretrizes e Bases nº
4.024 de 20 de dezembro de 1961, a qual pretendeu diminuir a discriminação em desfavor do
ensino profissional, colocando este em grau de equivalência com o ensino secundário. Ou
seja, esta lei estabeleceu uma equivalência entre o curso profissionalizante e o ensino
secundário, permitindo a ambos o patamar de ingresso ao curso superior. O dualismo, no
entanto, embora mexido, persistiu assim como persiste até hoje. Os currículos que
12 Gustavo Capanema [...], promulgou as leis orgânicas do ensino, conhecidas como Reformas Capanema. Com
isso, embora por reformas parciais, toda a estrutura educacional foi reorganizada. As Reformas Capanema foram
baixadas por meio de oito decretos: a) Decreto-lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criou o SENAI; b)
Decreto-lei n. 4073, de 30 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial; c) Decreto-lei n. 4.244, de 9 de
abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino Secundário; d) Decreto-lei n. 6.141, de 28 de dezembro de 1943: Lei
Orgânica do Ensino Comercial; e) Decreto-lei n. 8.529, de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Primário; f)
Decreto-lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Normal; g) Decreto-lei n. 8.621, de 10 de
janeiro de 1946, que criou o Senac e h) Decreto-lei n. 9.613, de 20 de agosto de 1946: Lei Orgânica do Ensino
Agrícola. [...]. Do ponto de vista da concepção, o conjunto das reformas tinha caráter centralista, fortemente
burocratizado, separando o ensino secundário, destinado às elites condutoras, do ensino profissional, destinado
ao povo conduzido e concedendo apenas ao ramo secundário a prerrogativa de acesso a qualquer carreira de
nível superior; corporativista, pois vinculava estreitamente cada ramo ou tipo de ensino às profissões e aos
ofícios requeridos pela organização social. (SAVIANI, 2011, p. 268/270).
31
efetivamente preparavam para cursar o ensino superior não eram os dos cursos
profissionalizantes.
Posteriormente, já sob “escudo” do regime militar e principalmente para satisfazer
uma demanda econômica de mão-de-obra qualificada, foi sancionada a Lei nº 5.692/71
(BRASIL, 1971), que pretendeu uma verdadeira reforma educacional ao estabelecer a
obrigatoriedade de profissionalização para todos os alunos que cursavam o ensino médio. A
partir da vigência dessa norma deveria ocorrer a superação do dualismo (escola técnica e
escola secundária), pois as séries iniciais permitiriam a formação geral (continuidade)
enquanto que as séries finais do ensino médio passaram a ter um cunho profissionalizante
(terminalidade). Destaca-se que esta norma foi aplicada à rede pública. A rede privada de
ensino continuou a ofertar ensino propedêutico (objetivo principal acesso aos cursos
superiores), fator esse que gerou acentuada desigualdade, eis que os estudantes que possuíam
certa condição financeira migravam para o ensino privado provocando verdadeira
desvalorização do ensino público. Assim, neste período aumentou de forma expressiva a
busca pelo ensino médio (segundo grau) nas redes privadas de ensino.
Com o fim do regime militar e o processo de redemocratização do Brasil (iniciado em
1985), a educação também passou por modificações, com destaque para a Constituição de
1988 e a “nova” LDB (Lei nº 9.394/96), vigente atualmente, já com algumas emendas. O
ensino médio passou a ser configurado como uma etapa da educação básica, sua etapa final.
Ao aluno é facultado escolher entre ensino médio profissionalizante ou então ensino médio
propedêutico, mas também, segundo esta legislação, ficava permitido preparar o estudante
para o trabalho por meio do ensino médio, desde que não lhe fosse negada a formação geral:
Art. 36º. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo
e as seguintes diretrizes:
[...]
§ 2º. O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo
para o exercício de profissões técnicas (BRASIL, 1996).
Pouco depois, porém, pelo Decreto-Lei 2.208/97, o governo tomou a posição de só
permitir a oferta do ensino profissionalizante em caráter concomitante ou subsequente ao
ensino médio, sem permitir a equivalência e a integração da educação geral com a profissional
num mesmo curso. Houve, portanto, com este decreto, uma efetiva separação entre o que
passou a ser chamado de Educação Básica e o ensino profissionalizante.
32
Segundo Martins (2000) o Decreto 2.208/97 caracterizou-se como uma política
educacional neoliberal (forma de Estado adotada no Brasil), que atendeu às pressões das
gestões mundiais pela manutenção do capitalismo e a necessária reprodução da dualidade
existente na sociedade.
Posteriormente, em 2004, já durante o governo denominado popular, sob a égide do
Partido dos Trabalhadores, houve uma mudança em relação ao decreto citado por meio de
outro decreto, agora em vigor (Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, já citado
anteriormente) que, além de manter a oferta dos cursos técnicos de ensino médio nas
modalidades concomitante (para quem está cursando o ensino médio regular com duas
matrículas) e subsequente (para aqueles que já terminaram o ensino médio), permite a
educação integrada (educação profissional e ensino médio sob uma mesma matrícula).
Esta possibilidade de integrar o ensino profissional à formação regular na última etapa
do ensino básico foi uma reivindicação que vinha sendo articulada desde a elaboração da nova
LDB/1996 pelo movimento de educadores vinculados a uma visão histórico-crítica da
educação e, portanto, críticos ao desenvolvimento de uma concepção capitalista da relação
educação e trabalho, favorecedora da dualidade educacional. Estes educadores, representados
aqui neste trabalho por autores tais como Saviani, Kuenzer, Ciavatta (2005), Jonh (2011),
Moura (2013), tomam como ponto de partida para sua elaboração conceitual a respeito da
organização do ensino médio e da educação profissionalizante, a teorização da politecnia
como visão de educação superadora da desarticulação entre educação geral e trabalho. No
próximo item apresentamos uma discussão a respeito desta teorização.
Há ainda a considerar que, como nos alertam Kuenzer e Graboswski (2006), a partir
dos anos de 1980 intensificou-se a relação entre ciência, tecnologia e sociedade, com
consequências para a educação profissionalizante: o desenvolvimento da microeletrônica
passou a exigir um trabalhador com domínio do trabalho intelectual (antes pertencente
somente à elite), com capacidade para atuar em situações conhecidas como também nas
imprevistas, com criatividade e rapidez.
Os mesmos autores também nos informam que a gestão da educação profissional no
Brasil está fracionada, ou seja, está sob a reponsabilidade de vários órgãos: A rede de escolas
técnicas está sob a responsabilidade do Ministério da Educação (MEC); a formação dos
trabalhadores, pelo Programa Nacional de Qualificação (PNQ), está sob a égide do Ministério
33
do Trabalho e Emprego (MTE); a educação no campo está dividida entre o MEC e o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) por meio do PRONERA; ao Ministério da
Ciência e Tecnologia está afeta a política de formação tecnológica do país e os nove Sistemas
“S” estão afetos ao Ministério da Agricultura (SENAR), Ministério da Indústria e Comércio
(SEBRAE), Ministério da Ação Social (SESI e SESC), Ministério do Trabalho (SENAI e
SENAC), além do Pró-jovem, que se vincula à Secretaria Geral do Governo (KUENZER e
GRABOWSKI, 2006).
A educação profissional no Brasil, portanto, segundo os autores, carecia de
reponsabilidade constitucional expressa, que assegurasse recursos ou fundos para a sua
manutenção e desenvolvimento. A educação profissionalizante ficou durante muito tempo na
dependência das dotações orçamentárias ou de programas especiais financiados por convênios
internacionais (KUENZER e GRABOWSKI, 2006).
Uma das grandes mudanças a ser considerada ainda em relação à temática em tela foi
a Lei 12.513/11 a qual resta ser contextualizada no capítulo três.
2.3. O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO E A CONCEPÇÃO DE
POLITECNIA COM BASE EM SAVIANI (2003)
“Politecnia, literalmente, significaria múltiplas técnicas, multiplicidade de técnicas, e
daí o risco de se entender esse conceito como a totalidade das diferentes técnicas
fragmentadas, autonomamente consideradas” (SAVIANI, 2003). No entanto, na tradição da
teorização marxista, segundo este autor, politecnia não corresponde nem ao seu significado
literal e também não como um sinônimo de profissionalização do ensino médio. Politecnia diz
respeito à articulação entre o trabalho manual e intelectual, ao domínio do trabalho de forma
ampla, ou seja, ao processo todo, à sua essência. Consequentemente, é uma concepção que vai
além do entendimento do trabalho como algo que pode ser simplesmente treinado e/ou
adestrado para atividade repetitiva, manual:
Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas
que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos
fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados
princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação
politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando esses fundamentos, esses princípios,
o trabalhador está em condições de desenvolver as diferentes modalidades de
34
trabalho, com a compreensão do seu caráter, da sua essência. Não se trata de um
trabalhador adestrado para executar com perfeição determinada tarefa e que se
encaixe no mercado de trabalho para desenvolver aquele tipo de habilidade.
Diferentemente, trata-se de propiciar-lhe um desenvolvimento multilateral, um
desenvolvimento que abarca todos os ângulos da prática produtiva na medida em que
ele domina aqueles princípios que estão na base da organização da produção moderna
(SAVIANI, 2003, p. 140).
Um projeto que abarque a formação politécnica, portanto, corresponde à superação da
fragmentação do conhecimento, envolve articulação entre o manual e intelectual,
desencadeando uma formação completa, que vai além de saber fazer, que contempla a
compreensão do seu funcionamento.
Embora não haja total consenso entre os marxistas quanto ao conceito do termo
politecnia, assumimos neste estudo a posição encaminhada por Saviani e os outros autores já
citados para a nossa orientação teórica. Segundo Saviani (2003, p. 144) na abordagem
marxista o conceito de politecnia “implica a união entre escola e trabalho ou, mais
especificamente, entre instrução intelectual e trabalho produtivo”. Já para Manacorda, autor
também marxista, italiano, citado por Saviani (2003) há distinção entre os termos
politecnismo e tecnologia. Segundo Manacorda, nos informa Saviani, é o termo tecnologia
que compreende a união entre teoria e prática, enquanto que o politecnismo corresponderia à
disponibilidade para os diversos trabalhos e suas variantes.
Na obra intitulada “O Capital” escrito por Karl Marx, segundo Saviani (2003)
encontra-se referência a termos como “escolas politécnicas e agronômicas” e também às
“escolas de ensino profissional” onde os filhos dos operários recebem algum ensino
tecnológico e são iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos de produção. Essas
afirmações, segundo o autor, teriam levado Manacorda a entender que “politecnia” refere-se
às escolas ofertadas pela burguesia aos operários, onde de forma mitigada, estariam presentes
conteúdos pedagógicos desenvolvidos na educação tecnológica.
Em que pesem as considerações entabuladas por Manacorda em relação aos termos
ensino politécnico e ensino tecnológico, entende-se que em Marx, as expressões são
equivalentes. No período de Marx o termo tecnologia era usado de forma não muito
expressiva na economia e quase inaplicável no contexto pedagógico ofertado pela burguesia.
No entanto, esse cenário se modificou acentuadamente, enquanto o termo politecnia caiu
35
quase em desuso, mantido apenas nas escolas ligadas a atividade produtiva. No ramo das
engenharias o termo tecnologia foi definitivamente adotado pela concepção dominante.
Na tradição socialista a concepção politecnia foi preservada, sendo uma das formas de
distinguir a sua visão educativa daquela que é ofertada pela concepção burguesa dominante
(SAVIANI, 2003).
Para Saviani (2003) a expressão “escola politécnica” e suas derivações “ensino
politécnico”, “instrução politécnica”, etc., compreende sim uma educação que busca a partir
do desenvolvimento do capitalismo e de sua crítica, superar a postura burguesa de educação,
portanto, a instrução politécnica representa uma concepção crítica a uma educação que
mantém o status quo.
Historicamente e politicamente o termo politecnia se encontra em pauta no âmbito
pedagógico, sendo a concepção de educação que busca a partir da própria realidade
capitalista, a superação da percepção burguesa de educação.
[...] as transformações que vêm se processando na base material da Sociedade
capitalista desde os anos 70 do século XX, correntemente denominada “Terceira
Revolução Industrial”, “Revolução da Informática”, “Revolução Microeletrônica”
ou “Revolução da Automação”, vêm promovendo a transferência não apenas das
funções manuais para as máquinas, como ocorreu na Primeira Revolução Industrial,
mas também as funções intelectuais. [...] (SAVIANI, 2003, p.148).
A “Terceira Revolução Industrial”, “também conhecida como “Revolução da
Informática”, ‘Revolução Microeletrônica” ou “Revolução da Automação” desencadeou
inúmeras mudanças, gerando não somente a substituição das funções manuais pela
maquinaria, mas também por exigir o desenvolvimento de um indivíduo com qualificação
geral, sendo necessária para a sua formação, uma escola unitária que desenvolva ao máximo
as suas potencialidades, conduzindo para o desenvolvimento pleno de suas faculdades
intelectuais-espirituais. Com a produção sendo cada vez mais automatizada, e auto
regulamentada, desencadeia-se o processo do “reino da liberdade”, o indivíduo é liberado do
fazer, passa para a esfera do não-trabalho, generaliza-se o direito ao lazer, ao tempo livre
(SAVIANI, 2003).
Há, no entanto, a necessidade de buscar uma forma social para que todos os homens
possam se beneficiar do imenso desenvolvimento das forças produtivas provocado pela
maquinaria ao longo dos tempos e que foram obtidas com muito sofrimento pelo conjunto da
36
humanidade ao longo de sua existência. Na busca pela superação das estratificações não se
pode prescindir da educação, que numa proposta de ensino politécnico poderá contribuir para
superar as divisões sociais.
Em que pese a existência de diversos entendimentos em relação ao termo politecnia,
adoto para fins de estudo na Dissertação em tela o entendimento apresentado por Saviani que
em síntese compreende a articulação entre o trabalho manual e intelectual de forma plena,
conhecendo o processo todo, sua essência. Assim a formação contribuirá para o
desenvolvimento de um indivíduo consciente e não apenas treinado/adestrado para atividade
repetitiva, e se fizer isso, fará de forma consciente e livre.
Sintetizando, cabe entender que, segundo os autores que como Saviani advogam uma
compreensão da politecnia como um horizonte para pensar a educação na etapa do ensino
médio, manter a dualidade entre o conhecimento e o trabalho manual é próprio da concepção
capitalista burguesa, a qual espera que os trabalhadores só dominem os conhecimentos
necessários para a sua prática, limitando-se a isso uma vez que o conhecimento mais amplo
destina-se aos que devem conceber e controlar o processo de trabalho. A noção de politecnia
compreende que, na organização do ensino médio não cabe envolver múltiplas habilitações
para cobrir todas as formas de atividade na sociedade, mas sim organizar as atividades
educativas “de modo que se possibilite a assimilação não apenas teórica, mas também prática,
dos princípios científicos que estão na base da organização moderna” (SAVIANI, 2003, p.
141).
37
3. O PRONATEC E SUA CONCOMITÂNCIA COM O ENSINO MÉDIO
Neste capítulo, apresentamos inicialmente os aspectos históricos e legais do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego- Pronatec, fazendo menção ao PL (Projeto
de Lei) que antecedeu a Lei 12.513/11 que o implementou, visando compreender a tramitação
e os arranjos que a antecederam.
Na sequência é dado espaço para a discussão dos aspectos gerais do ensino médio e
do ensino profissionalizante e a relação entre o Pronatec e o ensino médio.
Antes de abordar os objetivos, ações, estratégias e parcerias do Pronatec, relatamos
brevemente o processo de tramitação do Projeto de Lei (PL) que instituiu este programa,
mostrando as articulações que o antecederam. O deslinde do PL será apresentado com base na
obra “Pronatec: múltiplos arranjos e ações para ampliar o acesso à educação profissional”, de
autoria de Cassiolatto e Garcia (2014).
A presidenta da república Dilma Rousseff encaminhou em 28 de abril de 2011 à
Câmara dos Deputados mensagem com o PL. A leitura em plenário pela Mesa Diretora foi
realizada no dia seguinte (29 de abril de 2011), passando a tramitar em caráter de urgência13.
O PL foi apalavrado às Comissões de Trabalho e Serviço Público, Educação e Cultura,
Finanças e Tributação, Constituição e Justiça e de Cidadania e recebeu o nº 1.209/2011.
A Mesa Diretora apreciou e indeferiu requerimento apresentado ao Plenário em 11 de
maio de 2011 o qual pleiteava que o PL fosse apreciado também pela Comissão de
Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CEDEIC).
O PL nº 1.209/2011 ao ser analisado nas comissões foi ampliado, recebeu novos
artigos com incidência na matéria. Recebeu oficialmente 37 emendas, sendo que três delas
possuíam dupla contagem. Ainda nas comissões foi proposta a realização de audiências
públicas (aconteceram em 06 capitais Salvador, Brasília, Belém, Natal, Goiânia e Recife) e a
rejeição de 19 emendas.
Por diversas sessões o PL 1.209/11 deixou de ir à votação, ultrapassando assim os 45
dias regulamentares. Diante do atraso na apreciação o PL do Pronatec foi novamente colocado
13 Artigo 64, §1o e §2o, quando o presidente da República solicita urgência para a apreciação de projetos de sua
iniciativa, e a Câmara e o Senado não se manifestam contrariamente, cada um deles terá 45 dias sucessivamente
para colocar a matéria em votação, sob pena de sobrestar todas as demais deliberações legislativas da respectiva
casa” (CASSIOLATTO e GARCIA, 2014, p. 21).
38
em caráter de urgência pelo presidente da Câmara. Urgência defendida por diferentes
parlamentares14.
O PL nº 1.209/11com atraso de 67 dias seguiu em urgência, foi ao plenário na sessão
deliberativa de 31 de agosto de 2011. Nessa única sessão foi aprovada a redação final,
assinada pelo deputado Jorginho Mello (PSDB-SC). Em 06 de setembro de 2011, após pouco
mais de quatro meses de tramitação, a Mesa Diretora remeteu o PL aprovado ao Senado
Federal para apreciação.
A leitura em plenário no Senado do PL nº 1.209/11 foi em 08 de setembro de 2011,
sendo informado que este tramitaria em caráter de urgência sendo apreciado simultaneamente
pelas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania; de Assuntos Econômicos; de Assuntos
Sociais; e de Educação, Cultura e Esporte.
Em 18 de outubro de 2011 o PL foi ao plenário do Senado sendo aprovado com um
voto contrário. Posteriormente foi encaminhado à sanção presidencial, sendo então,
sancionada a Lei 12.513/11 em 26 de outubro de 2011. A tramitação (desde a mensagem
emitida pelo Palácio do Planalto até a publicação no Diário Oficial) transcorreu no período de
seis meses.
Segundo Cassiolatto e Garcia (2014, p.28) a tramitação se deu em caráter de urgência
por atender ao interesse de vários segmentos da sociedade. “Pode-se afirmar que a Lei n.
12.513, de 26 de outubro de 2011, veio atender a um anseio dos trabalhadores pobres e a
satisfazer uma necessidade da estrutura produtora de bens e serviços do país”.
A Lei 12.503/11 dispõe em seu art. 1º Parágrafo Único e 2º seus objetivos e no art. 4º
as ações:
14Se o governo retirar a urgência do PRONATEC, nós teremos votações de projetos, como o que regulamenta a
Emenda Constitucional 29 e o que trata da ampliação do teto do Supersimples. Não havendo a retirada do
PRONATEC, nós ficamos com as medidas provisórias. Há a MP 528/11 e a MP 529/11, que poderão ser votadas
ainda na próxima semana, afirmou Marcos Maia (Agência Câmara Notícias, em 30 de junho de 2011)”. “A
ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, em reunião com parlamentares da
Comissão de Educação enfatizou que o governo tem pressa em cumprir o objetivo do PRONATEC de
profissionalizar pessoas por meio de bolsas aos estudantes, do financiamento do Sistema S ou da expansão das
vagas em escolas públicas. A decisão da presidente Dilma de não retirar a urgência do projeto tem uma
justificativa muito forte. É um projeto grande, ambicioso, que visa capacitar 8 milhões de jovens trabalhadores
até 2014, não pode ficar dormindo. A proposta implica a qualificação de trabalhadores neste momento em que o
país vive um crescimento fantástico, mas em que praticamente podemos dizer que há um “apagão” de mão de
obra, disse.(Agência Câmara Notícias, em 6 de julho de 2011) (CASSIOLATTO e GARCIA, 2014, p.22).
39
Artigo 1º
Parágrafo único. São objetivos do PRONATEC:
I - expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional
técnica de nível médio presencial e à distância e de cursos e
programas de formação inicial e continuada ou qualificação profissional;
II - fomentar e apoiar a expansão da rede física de atendimento da educação
profissional e tecnológica;
III - contribuir para a melhoria da qualidade do ensino médio público, por meio da
articulação com a educação profissional;
IV - ampliar as oportunidades educacionais dos trabalhadores, por meio do
incremento da formação e qualificação profissional;
V - estimular a difusão de recursos pedagógicos para apoiar a oferta de cursos de
educação profissional e tecnológica.
Artigo 2º
O PRONATEC atenderá prioritariamente
I - estudantes do ensino médio da rede pública, inclusive da educação de jovens e
adultos;
II - trabalhadores;
III - beneficiários dos programas federais de transferência de renda; e
IV - estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede
pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, nos termos do
regulamento.
Artigo 4º
O PRONATEC será desenvolvido por meio das seguintes ações
I - ampliação de vagas e expansão da rede federal de educação profissional e
tecnológica;
II - fomento à ampliação de vagas e à expansão das redes estaduais de educação
profissional;
III - incentivo à ampliação de vagas e à expansão da rede física de atendimento dos
serviços nacionais de aprendizagem;
IV - oferta de Bolsa-Formação, nas modalidades:
a) Bolsa-Formação Estudante; e
b) Bolsa-Formação Trabalhador;
V - financiamento da educação profissional e tecnológica;
VI - fomento à expansão da oferta de educação profissional técnica de nível médio
na modalidade de educação à distância;
VII - apoio técnico voltado à execução das ações desenvolvidas no âmbito do
Programa;
VIII - estímulo à expansão de oferta de vagas para as pessoas com deficiência,
inclusive com a articulação dos Institutos Públicos Federais, Estaduais e Municipais
de Educação; e
IX - articulação com o Sistema Nacional de Emprego. (BRASIL, 2011- sem grifo no
original).
Nos setores educacionais houve também posições contrárias a este programa, dada a
sua característica de profissionalização um tanto limitada no tempo de execução do seu
processo pedagógico. Mais ainda pela possibilidade que foi dada de parceria entre público e o
privado na sua execução.
40
Em defesa do programa foi indicado que este não só apresentava um conjunto de ações
para ampliar o acesso à educação profissional, mas também convergia no sentido de aumentar
a escolaridade dos futuros trabalhadores.
Extrai-se também da norma que há dois tipos de Bolsa-Formação envolvidos: a do
Estudante e a do Trabalhador, percebendo cada estudante em média R$2,00 (dois reais) por
hora estudada. A Bolsa-Formação Estudante é destinada aos alunos regularmente
matriculados no ensino médio público, ofertado na modalidade concomitante. Já quem pode
se beneficiar da Bolsa-Formação Trabalhador são os que estão em condições de
vulnerabilidade social.
Os cursos amparados pelo Pronatec com disponibilidade de Bolsa-Formação podem
ser executados pela Rede Federal de Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica, por
Escolas Estaduais e Unidades de Serviços Nacionais de Aprendizagem Integrantes do Sistema
“S”.
Para a modalidade trabalhador são ofertados cursos de Formação Inicial Continuada,
com duração mínima de 160 horas, conhecidos como cursos de qualificação. O MEC
disponibilizou um guia, que atualmente compõe-se de 518 opções de cursos, distribuídos em
13 eixos15 distintos, periodicamente atualizados.
A rede E-Tec16 Brasil também faz parte do Pronatec, que a partir do Decreto nº
7.589/11 tem ampliada a oferta da educação profissional através de cursos à distância. Há
também disponibilidade de financiamento às redes estaduais, que poderão ampliar e equipar
suas instituições através do Brasil Profissionalizado (instituído pelo Decreto no 6.302, de 12
de dezembro de 2007), visando entrelaçar o conhecimento do ensino médio à prática.
Segundo Cassiolatto e Garcia (2014, p.44) “Igualmente merece destaque, nesse
esforço de ampliar e democratizar o acesso à educação profissional de qualidade, o acordo
151. Ambiente e saúde (38 cursos) 2. Controle e processos industriais (102 cursos) 3. Desenvolvimento
educacional e social (29 cursos) 4. Gestão e negócios (24 cursos) 5. Turismo, hospitalidade e lazer (28 cursos) 6.
Informação e comunicação (19 cursos) 7. Infraestrutura (78 cursos) 8. Militar (0) 9. Produção alimentícia (31
cursos) 10. Produção cultural e design (53 cursos) 11. Produção industrial (63 cursos) 12. Recursos naturais (51
cursos) 13. Segurança (2 cursos) (Fonte: SETEC/MEC, apud, CASSIOLATTO e GARCIA, 2014, p.37). 16 A SETEC auxilia tecnicamente a instituição que se candidata para ofertar educação à distância, de acordo com
diretrizes já firmadas para os polos, financia a estruturação de laboratórios, paga bolsa aos tutores presenciais e
aos à distância, aos coordenadores de cursos, coordenadores de polos, mas não financia a infraestrutura física do
polo. Também fazem especialização em educação à distância (já foram abertas 2 mil vagas) para quem está
atuando na rede E-Tec. Ou seja, todo apoio necessário para o funcionamento do polo (CASSIOLATTO e
GARCIA,2014, p.42).
41
com o Sistema S, firmado em 2008, entre o governo federal e, inicialmente, com o SENAI e o
SENAC”.
O acompanhamento na implementação do acordo com o Sistema S é feito pelo MEC e
pelo SETEC (Secretaria de Educação e Tecnológica), com o auxilio do CGU (Controladoria
Geral da União). As Instituições e atores envolvidos na organização e execução do Pronatec
estão apresentados na figura abaixo:
Figura 1 - Instituições e atores envolvidos na execução do PRONATEC
Fonte: Cassiolatto, Garcia (2014).
Notas relativas à figura 517
Em relação ao acordo de gratuidade celebrado entre a União e entidades privadas,
como já sinalizamos anteriormente, há críticas: de um lado afirma-se ser imerecida a
transferência de dinheiro público a instituições privadas; por sua vez, a esfera privada também
critica o ente público, acusando o governo de querer estatizar o sistema.
Vale um pequeno parêntese para tratar do que chegou a ser chamada de a “batalha
do Sistema S”. Quando o MEC propôs que o sistema dedicasse a maior parte dos
recursos que arrecada para ofertar cursos gratuitos de EPT, o empresariado
17 ¹ Ministério do Desenvolvimento Social.
² Ministério do Turismo.
³ Ministério do Desenvolvimento Agrário.
4 Secretaria de Direitos Humanos.
5 Ministério das Comunicações.
6 Ministério da Justiça.
7 Ministério da Previdência Social.
8 Ministério da Cultura.
42
controlador das organizações sindicais patronais reagiu com grande intensidade.
Acusou o governo de querer estatizar o sistema, de transferir recursos privados para
o orçamento público, de comprometer a excelência do ensino propiciado pelas
escolas do sistema.
O MEC reagiu à altura, fazendo um consistente enfrentamento pela mídia e
buscando intensamente o apoio parlamentar. Simultaneamente, empreendeu uma
sequência de reuniões de esclarecimento e pressões com o empresariado
comprometido com o aumento de produtividade. As posições do MEC, sua
capacidade de comunicá-las e de angariar adesões entre os profissionais da área e os
defensores da educação de qualidade levou à obtenção de considerável apoio social.
Na articulação política e no enfrentamento das intransigências de setores do
empresariado e dirigentes do Sistema S, teve papel decisivo o vice-presidente José
Alencar. Líder empresarial de grande projeção, que como político angariou enorme
simpatia popular, jogou o seu peso na obtenção do Acordo de Gratuidade assinado
entre o MEC e as entidades do sistema. Foi uma conquista em uma disputa renhida e
não “a vitória do consenso” (CASSIOLATTO, GARCIA, 2014, p.53).
O Ensino Médio continua sendo um “nó”, um gargalo no sistema educacional
brasileiro. A sua universalização ainda está distante de ser alcançada e os resultados
atualmente apresentados no IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, não
correspondem ao mínimo esperado. No ano 2014 o Ideb esperado era de 3,9, no entanto, ficou
em 3,7, consideradas as redes pública e particular.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio definidas pela Resolução
CNE/CEB nº 02/2012 (BRASIL, 2012), designam o ensino médio como etapa final da
educação básica e como “um direito social de cada pessoa”. De acordo ainda com a LDB -
Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) a missão do ensino médio é consolidar e aprofundar a
bagagem de conhecimento que o estudante já edificou ao longo da trajetória escolar,
prosseguindo posteriormente com seus estudos. O ensino médio também tem a missão de
desencadear a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual, do pensamento
crítico e a preparação básica para o trabalho e para a cidadania.
As diretrizes citadas também indicam a necessidade de articular no currículo do ensino
médio quatro dimensões básicas, são elas: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. A
instituição do Pronatec traz justamente a inclusão de dois desses pressupostos básicos do
ensino médio - trabalho e tecnologia, objetivando dar maior possibilidade aos estudantes de
efetivamente cursar esta etapa da educação básica.
O Pronatec foi apresentado no cenário nacional tendo como objetivo geral o aumento
da oferta de educação profissional e tecnológica. No contexto do ensino médio o objetivo
específico consiste em ofertar cursos técnicos em nível médio de forma concomitante ao
43
ensino médio para alunos regularmente matriculados na rede pública estadual de ensino,
inclusive para aqueles matriculados na educação de jovens e adultos: “No âmbito do Pronatec,
serão atendidos, preferencialmente, alunos das 2ª e 3ª séries da rede pública estadual de
ensino e, quando houver proposta pedagógica específica, também poderão ser beneficiados os
alunos da 1ª série” (SAUDESKI, 2012, et al p. 8).
Após três anos de sua implantação, já é possível verificar se houve esta mediação e a
facilitação para o estudante concluir o ensino médio?
44
4. O SENAI NO CONTEXTO DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE NO BRASIL:
UM PERCURSO QUE VAI DESDE A ADEQUAÇÃO DO HOMEM AO
DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA NACIONAL ATÉ A SUA ADEQUAÇÃO AO
MERCADO DE TRABALHO
O SENAI é uma das instituições do Sistema “S” que mais tem atuado na oferta de
cursos do Pronatec. A preparação dos trabalhadores para a indústria nacional sempre foi o seu
eixo de atuação. No entanto, tal não ocorreu desvinculado dos momentos pelos quais a própria
indústria foi se desenvolvendo. Cabe destacar que a história do SENAI ilustra de forma quase
simbólica a natureza da formação profissionalizante ao longo de décadas no nosso país. A
oferta de cursos de profissionalização desta instituição é marcada pelos diversos momentos da
história econômica e industrial do Brasil. É com esta compreensão que passamos a relatar,
com base principalmente num trabalho desenvolvido por Uaci Edivaldo Matias da Silva
(SILVA,1999), e intitulado “O SENAI” (Série Formação de Formadores), alguns momentos
dessa história que ilustram o contexto do ensino profissionalizante no país, até a atualidade.
O SENAI foi instituído pelo Decreto 4.048 de 22 de janeiro de 1942, no governo de
Getúlio Vargas, tendo como objetivo principal a formação de mão-de-obra para a indústria
brasileira (CAMARGOS, 2011).
Com a Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937, tem-se o primeiro passo
para a criação do SENAI. Em seu art. 129, dispõe:
À infância e à juventude, o que faltarem os recursos necessários à educação em
Instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar,
pela fundação de Instituições Públicas de Ensino, em todos os graus, a possibilidade
de receber uma educação adequada às suas facilidades, aptidões e tendências
vocacionais.
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em
matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução,
fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados,
dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua
especialidade, escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou de
seus associados. A Lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que
caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios
a lhes serem concedidos pelo poder público (BRASIL, 1937).
45
Antes de ser outorgada a Constituição de 1937 ocorreu a crise de 192918 que provocou
dentre outras consequências no Brasil a crise dos cafeicultores, encerrando o grande ciclo
econômico rural do Brasil. Imediatamente começa o processo de industrialização do país, com
a instalação das indústrias de base ou produção com ênfase para a área de metal-mecânica
(ferro, aço, siderurgia, laminação, mineração não-metálica, carvão).
O processo industrial é ainda mais acelerado com o início da Segunda Guerra
Mundial, em 1939: Segundo Silva (1999, p.16),
entre 39 e 44, o crescimento médio da produção da indústria de transformação foi
de 30%, mas a produção de minerais não-metálicos cresceu 107% e a metalúrgica
77%, mudando o perfil da indústria brasileira. A produção industrial supera pela
primeira vez a agrícola.
Esse cenário justifica o fato de em todo o Brasil os cursos iniciais ofertados pelo
SENAI terem se dado na área metal-mecânica. As ocupações da metal-mecânica permeavam
todos os ramos industriais sendo denominadas de “ocupações universais”.
Desde cedo, contudo, o SENAI, dada a aceleração da industrialização no país, passa a
ofertar cursos de pequena duração para a formação de mão de obra. Assim, após 1956,
quando assume o governo do Brasil o presidente Juscelino Kubitschek, seu Plano de Metas
selecionou cinco grandes áreas prioritárias: energia, transporte, indústrias de base, construção
civil (com ênfase na construção da nova capital, Brasília) e educação. Tudo isto distribuído
em trinta e um projetos setoriais. São construídas então usinas hidrelétricas; há abertura de
rodovias; é implantada a indústria automobilística19 etc.
Em São Paulo, por exemplo, foram criados os chamados “cursos de emergências”, ou
seja, cursos com caráter de excepcionalidade, nas áreas de solda, ferraria, caldeiraria,
mecânica, fundição e eletrotécnica. Na sequência, expandiram-se progressivamente e
18 [...] pior crise econômica da história do capitalismo. A bomba estourou na Bolsa de Valores de Nova York. De
repente, o valor das ações começou a despencar. Os investidores correram para vender. E os valores
continuavam despencando. Um abismo que simplesmente levou à falência muitas empresas. [...] A crise se
espalhou por quase todos os cantos. Houve milionários que, de uma hora para outra descobriam que não tinham
mais nada. (SCHMIDT, 2002, p. 117).
19 VEMAG Veículos e Máquinas Agrícolas S/A, FNM Fábrica Nacional de Motores, Willys Overland,
Volkswagen, General Motors, Ford, Mercedes-Benz, DKW sueca, que se associou posteriormente à VEMAG e
Alfa Romeo, que comprou posteriormente a FNM.
46
rapidamente os cursos do SENAI, com ênfase em: cursos de Torneiro Mecânico, Ajustador
Mecânico, Fresador Mecânico, Serralheiro de Bancada, Ferramenteiro entre outros.
O modelo pedagógico dos cursos do SENAI, tanto de Aprendizagem quanto de
Qualificação, originou-se predominantemente a partir dos estudos do IDORT – Instituto de
Organização Racional do Trabalho. Criado em 23 de julho de 1931, em São Paulo, por ele
passaram vários engenheiros e pedagogos que formularam, conceberam e influenciaram o
modelo de Formação Profissional nos seus primórdios.
Assim, escreveu Aldo Mário de Azevedo um dos fundadores do IDORT:
Racionalizar não é transcendência, nem mistério, nem obra sobrenatural. Ao
contrário, está ao alcance de todas as inteligências que queiram acertar pela primeira
vez. Ela pode ser aplicada a todos os processos e atos da vida porque a
racionalização não é mais que usar a inteligência inteligentemente (...) em tudo na
nossa vida de todos os dias há lugar bem extenso e profundo para racionalização (...)
em todas essas operações a razão assume o comando, mas é a ciência, o saber
acumulado que indica os rumos a tomar e fornece os instrumentos hábeis para tal (AMARAL, 1961, apud, SILVA, 1999).
Percebe-se que o modelo pedagógico adotado pelo SENAI em seus cursos foi de
caráter mecanicista, tecnicista, cartesiano, onde as coisas eram estudadas, formatadas e
implantadas com rigor matemático, modelo que sobreviveu por no mínimo quatro décadas.
Embora a Organização Internacional do Trabalho (OIT20) tenha editado em 1939 a
Recomendação 57, que expandia o conceito de Formação Profissional (“preparação do
homem para o trabalho, considerando possíveis adaptações futuras”), o que predominou no
Brasil até as décadas de 50 foi o primeiro conceito editado pela OIT (“Adequação do homem
ao posto de trabalho pelo trabalho. ”).
O método racional na formação de trabalhadores foi difundido no Brasil em várias
instituições de ensino por Roberto Mange (mais tarde também professor do SENAI),
20 A OIT foi criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial.
Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na
justiça social. É a única das agências do Sistema das Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta de
representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores. A OIT é responsável pela
formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações) As convenções,
uma vez ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. O Brasil
está entre os membros fundadores da OIT e participa da Conferência Internacional do Trabalho desde sua
primeira reunião. (História. Publicado no site: OIT - Organização Internacional do Trabalho - Escritório no
Brasil. Disponível em: Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria. Acesso em:
02/08/2014).
47
professor da Escola Politécnica de São Paulo, que chegou a assessorar o Ministério da
Educação e Saúde na década de 30.
Entidades recém-criadas adotavam/aplicavam o método científico de racionalização,
quiçá esse fato dava ao SENAI, já na sua origem, a marca e o status de competência técnica.
Para a construção dos currículos, o SENAI adotou as ideias de operações e tarefas.
Surgiram assim as séries metódicas, aplicadas aos cursos de “Aprendizagem de Menores” e
adaptadas aos “Cursos de Qualificação Profissional” do SENAI. Estas Séries Metódicas
foram criadas e experimentadas na Cia. Paulista de Estrada de Ferro, portanto, antefato a
criação do SENAI.
Também se tinha como doutrina vigente a adequação do homem ao posto de trabalho.
Na parte prática do método de ensino o fundamental era a utilização das Séries
Metódicas que devem constituir um sistema progressivo de aquisição da técnica de
trabalho comparável a uma evolução biológica em que o Aprendiz, sem sentir e sem
se cansar, mas com interesse sempre vivo, adquire de forma mais rápida e racional
uma capacidade técnica de produção (SENAI. SP. Relatório 1946, apud,
SILVA, 1999, p. 24).
No período de 1956 a 1962 novas demandas apareceram alavancando a produção
industrial. Foi grande a expansão das atividades do SENAI visando suprir demanda de
trabalho ofertado pela industrialização em várias regiões do Brasil. Também passaram a ser
oferecidos pelo SENAI Programas de Suprimento21, inclusive para supervisores (mestres)
principalmente em decorrência da instalação da indústria automobilística e de autopeças. O
setor de maior demanda neste período era Metalúrgico, Mecânico e Elétrico.
O SENAI passou a operar então em três modalidades de atendimento: Aprendizagem,
Qualificação e Suprimento. Cabe ressaltar que as taxas de analfabetismo no Brasil eram
bastante expressivas e que ainda era ínfima a frequência da mulher nos cursos ofertados pelo
SENAI, isso em função da reduzida participação das mulheres na vida profissional e social. A
Tabela 1 mostra o quadro de analfabetismo então existente:
21 Treinamentos.
48
Tabela 1: Taxa de analfabetismo no Brasil (no período de 1940/1960) em %
Fonte: Almanaque Brasil – 1993-1994, pág. 259, apud, SILVA, 1999, p.26.
Para trabalhar no SENAI no processo de orientação (professores) eram capacitados
instrutores.
O primeiro curso de capacitação de instrutores instalado foi o “Curso de Quadros”, em
São Paulo, iniciado em 1948, com duração de seis meses. Dez anos mais tarde novos
requisitos passaram a ser exigidos para compor o quadro de instrutores. “Foram feitos acordos
internacionais, principalmente com a OIT. Técnicos e Gestores foram preparados na Europa,
notadamente no Centro da OIT em Turim, Itália” (SILVA, 1999, p.27).
Em 10 de janeiro de 1962 foi editado o segundo Regimento do SENAI, Decreto-Lei nº
494. A partir desse regimento o SENAI passa a ser fiscalizado pelo Ministério de Educação e
Cultura.
O SENAI deixou de ser simplesmente escolas de Aprendizagem e passou a ser
concebido e entendido como um sistema: o sistema SENAI. “A administração, inicialmente
centralizada, é passada às mãos dos Departamentos Regionais num processo de
descentralização, sem perder a unicidade de objetivos e propósitos institucionais” (SILVA,
1999, p. 29).
A seguir há um esboço (figuras 2 a 5) resumindo/representando o entendimento
exibido/descrito anteriormente em relação aos aspectos relevantes das circunstâncias do
SENAI desde sua criação até a década de 60, momento no qual além da edição de um novo
decreto ocorre também alteração no contexto econômico e social do Brasil.
TAXA DE ANALFABETISMO NO BRASIL (1940 A 1960)
EM %
Anos Homens Mulheres
1940 57,08 63,30
1950 53,96 60,67
1960 44,19 49,28
49
Figura 2 - As modalidades de atendimento se diversificam:
Fonte: Silva, (1999).
Figura 3 - O foco de análise para a construção dos currículos se altera:
Fonte: Silva (1999).
Figura 4 - O perfil da clientela muda no momento em que se diversificaram as modalidades:
Fonte: Silva (1999).
Figura 5 - O ambiente pedagógico sofre tênue expansão no seu conceito com a entrada do Estudo Dirigido.
Fonte: Silva (1999).
50
No período compreendido entre 1960 a 1984, o Brasil viu acontecer, ainda na década
de 1960 vários movimentos de contestação social desabrochando no mundo, dentre eles
destaca-se: o movimento hippie com a bandeira “Paz e amor” protestando contra qualquer
forma de violência; a metamorfose sexual e os movimentos feministas que ocorrem
particularmente com a descoberta da pílula anticoncepcional; o papel da música, que passou a
ser uma mistura de prazer e protesto; “cabelos longos, calças apertadas e drogas, que
passaram a fazer parte dos movimentos de rebeldia” (SILVA, 1999, p.35). Em paralelo às
contestações sociais também recrudesceram as diferenças ideológicas entre o capitalismo e o
socialismo; é construído o muro de Berlim e a Guerra Fria se intensifica; os Estados Unidos
invadem o Vietnã; explode o movimento estudantil na Europa, destacando-se, em Paris, o
movimento conhecido por “Maio 68”.
O Brasil à sua maneira também atravessa esse momento. Foram eleitos para governar
o país Jânio Quadros e como vice João Goulart. O Presidente Jânio Quadros enfrentou
dificuldades de toda ordem, renunciou após sete meses de governo. A partir daí o Brasil
enfrentou longo período de perturbações e conspirações políticas que desencadearam o golpe
militar de 1964, apoiado pelos Estados Unidos, grandes defensores do modelo capitalista,
regime também adotado no Brasil. Diante do cenário conturbado de 1961 – 1968, interrompe-
se o ciclo de crescimento econômico, foram reduzidos substancialmente os investimentos
tanto públicos quanto privados. Estas transformações atingiram o setor produtivo e seus
impactos se fizeram também presentes no SENAI.
Apesar da alteração do Regimento do SENAI ter sido efetivada em 1962, até 1967
praticamente não foram adotadas medidas significativas que modificassem seu modelo de
formação profissional, ou até a oferta de novos serviços ao mercado. Mas tal situação
começou a modificar-se após 1967: “Se, por um lado, os militares cassaram direitos políticos,
interviram no Congresso, castraram os movimentos estudantis e cercearam as liberdades
individuais de uma maneira geral, por outro lado iniciou-se em 1968 um processo vertiginoso
de crescimento no país que vai até 1980” (SILVA, 1999, p. 37). Certamente esta visão
apresentada por Silva (1999) deixa de contemplar a perda que o país teve com a falta de
democracia que perdurou durante todo o período da ditadura militar, inclusive com o
sacrifício de muitas vidas.
51
Em meio a essa ebulição econômica o SENAI “celebra” dois convênios: O Programa
Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra (PIPMO) e o de Formação de Trabalhadores para
Construção Civil. O primeiro convênio com o Ministério de Educação, que posteriormente
passou para o Ministério do Trabalho; o segundo com o Banco Nacional de Habitação e o
Ministério do Trabalho. Esses programas deram ao SENAI experiência significativa na oferta
de treinamentos noturnos em quantidade e diversidade que impactaram a gestão da instituição.
O SENAI passa a atender em suas Unidades Operacionais pessoas e profissionais, não
necessariamente oriundas da indústria, dando-se assim a sua abertura à comunidade.
Outro fato que afetou diretamente o SENAI ocorreu quando foi editada a Lei nº 5.692,
em 1971, que criou o regime de intercomplementaridade, o que significou a possibilidade de
dar aos cursos de Aprendizagem Industrial do SENAI, equivalência ao antigo 1º grau, hoje
ensino fundamental. O processo de ensino e aprendizagem fortaleceu-se no SENAI com esta
equivalência:
A equivalência trouxe para o SENAI condições mais favoráveis ao processo ensino
aprendizagem. Foram contratados novos profissionais em todo o Brasil que
oxigenaram a Instituição, inclusive culturalmente. Disciplinas como Português,
Moral e Cívica, Educação Física e Matemática se somaram a Ciências e Desenho, já
tradicionalmente desenvolvidas nas salas-ambiente do SENAI (SILVA, 1999,
p.38).
Registra-se também que, com esta ocorrência, houve ampliação do ambiente
pedagógico nessa instituição, ao incorporar a presença do professor e não mais apenas a do
instrutor.
Na década de 1970 o SENAI criou as Unidades Móveis, com a intenção de
interiorizar sua atuação. No governo do Presidente Geisel que tomou posse no ano de 1974, a
Instituição se fortaleceu no cenário nacional, ao ter seus laços mais estreitados com o governo
federal. Formalmente o SENAI passou a integrar o “Sistema Nacional de Formação de Mão-
de-Obra”. Segundo Silva (1999, p.41): “Não são mais só as indústrias que mantêm relações
diretas com o SENAI. Ministério do Trabalho, Ministério da Educação, Conselhos Estaduais
de Educação, Centros de Tecnologia e outros passam a fazer parte das relações permanentes
da Instituição”.
52
Outro fator importante para o SENAI foi à promulgação da Lei nº 6.297/75. Esta Lei
possibilitou a dedução do imposto de renda, pela empresa, de parte dos valores investidos em
Formação Profissional, o que significou oferta de treinamentos dentro das próprias empresas.
Novas mudanças para o SENAI ocorreram com o processo de redemocratização do
Brasil, a partir de 1985, quando uma nova Constituição, em 1988 (vigente atualmente, com
algumas Emendas), foi promulgada. Vários questionamentos foram então entabulados pela
comissão e subcomissões que compuseram a Constituinte, tais como: estatizar o Sistema “S”,
e extinguir o SENAI? Criar um fundo único de Educação? Adotar uma gestão tripartite –
indústria, governo e trabalhadores? Entre outros. O SENAI é questionado, não como antes,
em que a discussão era mais técnica, discutiu-se efetivamente o seu papel no sentido de uma
formação profissional.
Ainda segundo Silva (1999), diante do novo cenário nacional e dos questionamentos
que então se colocaram o SENAI procurou se auto-avaliar. A extinção da ditadura militar, a
redemocratização do país, e o próprio processo de globalização que então se acerbava fez com
que assoalhasse suas falhas internas. Conscientizou-se de que algumas mudanças ocorridas no
ambiente eram irreversíveis. Inicialmente foram desencadeadas simultaneamente três ações: i)
expandir e aprofundar a prospecção de mercado, para localizar as novas demandas da
indústria nacional; ii) capacitar os profissionais da Instituição, desenvolvendo competência
para “pensar”, planejar, promover e gerir mudanças e; iii) expandir a “Área de Assistência às
Empresas”.
Percebe-se, portanto, a ocorrência de algumas mudanças estratégicas na atuação do
SENAI: altera-se o seu foco de análise, passando do posto de trabalho para as tendências de
mercado. As demandas do mercado e não mais a indústria isoladamente é o foco mais
centralizado.
Com o objetivo de preparar profissionais para o novo momento foram desenvolvidos
entre os anos de 1988 e 1990 diversos programas de capacitação de pessoal (diretores e
gerentes, supervisores de ensino, técnicos em pesquisa, docentes, etc.,). Vários técnicos foram
encaminhados pelo SENAI para estudar na Europa entre 1989 e 1992 para procederem a
estudos comparativos.
Conforme já indicamos anteriormente, houve a inserção de docentes no SENAI em
substituição aos instrutores, o que não pode ser simplesmente interpretado como uma questão
53
de semântica, mas sim de mudança na formação, que passa a enfatizar o processo de ensino-
aprendizagem e de formação mais ampla dos trabalhadores, para o que passou a ser o
mercado de trabalho e tudo o que isto significa com o advento do neo-liberalismo que foi se
instalando no país na década de 1990.
Em 1994, após ter sido editado o “Plano Decenal de Educação para Todos” pelo MEC
em 1993, representando um conjunto de diretrizes com destaque na educação básica, o
SENAI editou o documento intitulado “SENAI – Desafios e Oportunidades: subsídios para
discussão de uma nova política de Formação Profissional para a indústria no Brasil”. Este
documento representou o início de um novo modelo de Gestão - a Gestão Estratégica, na
formação profissional, para atender a gestão empresarial:
É o tipo de gestão que leva uma empresa a dar atenção especial ao ambiente externo,
avaliando e gerenciando as ameaças e oportunidades por ele colocada. Neste tipo de
gestão, o gerente procura identificar e implementar um posicionamento estratégico
que assegure o futuro da organização, em face das perspectivas antevistas para o
ambiente externo (SILVA, 1999, p.73).
Consolidava-se também neste período, diante do cenário competitivo que se
desenvolvia, os princípios da Qualidade Total22.
Após longa tramitação no Congresso Nacional, em 20 de dezembro de 1996 foi
editada a Lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, que
oficialmente reconheceu a formação profissional, acarretando consequências significativas na
prática, eis que não há como profissionalizar sem uma boa base de educação geral. Assim,
infere-se um novo papel ao docente, a de educador, com embasamento, ou então, formação
didática pedagógica. É possível aqui visualizar um maior despertar da indústria para as
questões ideológicas do mercado de trabalho.
Após 1996 alguns Departamentos Regionais do SENAI passaram a se mobilizar para
iniciar a oferta de cursos superiores, seja licenciatura plena ou formação tecnológica.
22 [...] A partir de 1986, com influência da Europa Unida [...] a ideia da Qualidade Total toma corpo na forma da
Série ISO 9000. No Brasil foi criado em 1988 o PEGQ (Programa de Especialização em Gestão da Qualidade),
do Ministério da Indústria e Comércio, antecessor do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP),
criado em 1990. [...] O SENAI adota a Gestão pela Qualidade Total como ferramenta capaz de promover a
melhoria da qualidade de seus produtos e serviços, a partir do estabelecimento de padrões internos de qualidade
(SILVA, 1999, p. 75/76).
54
Iniciativa que vinha ao encontro das necessidades das empresas que necessitavam de
profissionais com maior escolarização.
O currículo nestes cursos passa a introduzir além de conhecimento técnico-científico
temas transversais (educação ambiental, metrologia, inglês técnico, informática, etc.,).
Segundo o autor:
[...] aprender passa a ser fundamental. Aprender sempre, em qualquer lugar.
As atividades são muitas vezes desenvolvidas em espaços alternativos, não pensados
anteriormente. São as telessalas, as teleconferências, os softwares educacionais, os
simuladores, a realidade virtual, a Internet... (SILVA, 1999, p. 83).
A partir de 1996, o SENAI também implanta na instituição uma Administração
Estratégica cujos pressupostos são análise permanente dos ambientes interno e externo e
planejamento de curto, médio e longo prazo. Este último nunca inferior a dez anos. O plano
estratégico do SENAI (1996-2010) deixou de contemplar somente a educação profissional:
passou a ter igualmente a missão de desenvolver atividades de assessoria técnica e
tecnológica, de informação tecnológica e até de pesquisa aplicada.
Este cenário novamente se modifica com a parceria firmada entre o Governo Federal e
o SENAI, que passa a ofertar/realizar cursos de forma gratuita à comunidade, financiados pela
União, conforme dispõe a Lei 12.513/11, resumidamente apresentado anteriormente.
Após esta apresentação do Senai no contexto do ensino profissionalizante no país e
que evidencia o percurso desta instituição formadora de mão de obra para a industria nacional
e cada vez mais, para o mercado de trabalho, passaremos a evidenciar, no próximo capítulo, o
resultado de um estudo empírico realizado com estudantes do Ensino Médio da Escola de
Educação Básica Governador Lacerda que no contra turno frequentam cursos do programa
Pronatec no SENAI/Videira. Os dados colhidos neste estudo permitirão visualizar algumas
indicações para compreender a mediação que se estabelece entre os cursos ofertados pelo
programa Pronatec e a permanência e a conclusão o Ensino Médio por alunos que cursam a
escola pública.
55
5. “HORA” DE OUVIR OS ALUNOS DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
GOVERNADOR LACERDA - PRONATEC: FACILITA A PERMANÊNCIA/
CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO REGULAR?
Neste capítulo apresentamos o estudo empírico realizado junto aos alunos com a
finalidade de captar suas representações a respeito da mediação entre Pronatec e Ensino
Médio; ou seja: o fato de estarem frequentando cursos na modalidade Pronatec tem facilitado
sua permanência no Ensino Médio Regular?
A abordagem tem como foco os alunos matriculados no 2º e 3º ano do Ensino Médio
Regular da Escola de Educação Básica Governador Lacerda e que concomitantemente
frequentam cursos do Pronatec na Unidade de Videira/SC.
Para dar maior visibilidade ao contexto em que se processou a pesquisa empírica
iniciamos o capítulo apresentando o universo institucional dos alunos envolvidos no estudo
(5.1) com informações sobre a Escola de Educação Básica Governador Lacerda, escola na
qual os estudantes pesquisados realizam o ensino médio regular; e em seguida sobre o
SENAI/Videira/SC, no qual os mesmos estudantes realizam curso vinculado ao programa
Pronatec, já apresentado em capítulo anterior. No item 5.2 são apresentados os resultados de
uma pesquisa com base no diálogo com estes alunos e ainda na resposta a um questionário
que lhes foi solicitado responder.
5.1. UNIVERSO INTITUCIONAL DOS ALUNOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA
Os sujeitos envolvidos na pesquisa frequentam dois universos institucionais bastante
distintos, ou seja, o Ensino Médio Regular na Escola de Educação Básica Governador
Lacerda e cursos técnicos ofertados na modalidade Pronatec no SENAI unidade de
Videira/SC. Passamos, a seguir, a discorrer sobre as instituições citadas.
56
5.1.1. Escola de Educação Básica Governador Lacerda
Localizado no Meio Oeste Catarinense, no Vale do Rio do Peixe, o município de
Videira iniciou sua colonização com a abertura da Estrada de Ferro – São Paulo/ Rio Grande
do Sul, em 1908.
Com o transcorrer dos anos, o município tornou-se conhecido como o Vale do Vinho,
pelo cultivo de videiras e a fabricação de vinho - uma das atividades agrícolas desenvolvidas
até hoje, trazida pelos colonizadores italianos.
O movimento econômico do Município está firmado na agroindústria, gerando
crescimento e uma permanente migração, oriunda de municípios e estados próximos. Decorre
daí uma constante atuação dos poderes públicos e de instituições a eles relacionados no que se
refere a oportunizar condições de moradia, saúde e educação. Nesse contexto, a Escola de
Educação Básica Governador Lacerda, por situar-se na zona central do município, tem uma
clientela diversificada, procedente do centro, dos bairros e do interior, o que exige dos
profissionais da instituição um trabalho voltado a essa realidade sócio - cultural.
A Escola de Educação Básica Governador Lacerda, foi criada em 1957, com a
denominação de Grupo Escolar “Imaculada Conceição”, foi estadualizada pelo Decreto n.º498
de 24 de outubro de 1957, tomando para si o nome de uma ilustre figura da Política
Catarinense, o então Governador Lacerda. Crescendo em extensão, em 05 de abril de 1972 é
transformada em Escola Básica Governador Lacerda pelo Decreto n.º 144/72.
Conforme portaria n.º 0017 de 28/03/2000, após a LDB – Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional de 1996, a Secretaria de Educação (SED) alterou a identificação deste
estabelecimento de ensino para Escola de Ensino Fundamental Governador Lacerda, por ser
uma instituição que apenas atendia à oferta da educação fundamental. Em 2011, com a
implantação do ensino médio a escola passou a se chamar Escola de Educação Básica
Governador Lacerda.
A escola atualmente atende 1025 (um mil e vinte e cinco) alunos, distribuídos em 36
turmas, nos períodos matutino e vespertino de 1ª a 8ª séries (Ensino Fundamental de 09 anos),
8ª séries (Turma de Conclusão do Ensino Fundamental de 08 anos) e 1ª a 3ª séries (Ensino
Médio). Oferece também ensino especializado para Deficientes Auditivos, Visuais e Mentais
(SAEDE Misto). O corpo docente é composto por 70 professores, 01 diretor, 01 assessor de
57
direção, 01 assistente de educação, 01 assistente técnico pedagógico, 05 serventes. A merenda
é terceirizada.
A escola está localizada no Bairro Santa Tereza, bairro essencialmente residencial,
mas também provido de áreas comerciais e de lazer. Quanto ao aspecto comercial, tem dois
supermercados de grande porte, restaurantes, posto de combustível, revenda de carros e lojas.
Próximo à escola encontra-se o Ginásio Municipal de Esportes, a creche do bairro Santa
Tereza, a Escola Municipal Paulo F. Penso e o Centro Comunitário do bairro.
5.1.2 . SENAI – Unidade de Videira/SC
O SENAI Unidade de Videira/SC teve como impulso inicial uma carta, enviada pelo
então presidente da ACIAV – Associação Comercial Industrial e Artesãos de Videira, datado
de 09 de setembro de 1974, endereçada ao Presidente da FIESC – Federação das Indústrias do
Estado de Santa Catarina.
Esta iniciativa propiciou os preparativos para a instalação da Unidade do SENAI no
município de Videira/SC, culminando com a nomeação do Sr. Antonio José Faiting para
dirigir os trabalhos.
Em 25 de julho de 1975 foi implantado o primeiro curso em instalações provisórias
locadas. Em 18 de novembro de 1983 ocorreu a inauguração da Unidade com prédio próprio
em terreno doado pela Prefeitura Municipal, localizado na Rua Josefina Henn, 85 – Bairro
São Cristóvão (onde atualmente desenvolve suas atividades).
Tendo como principal objetivo o atendimento às necessidades da região atua nas áreas
de: Eletromecânica, Mecânica, Eletrotécnica, Informática, Segurança do Trabalho, e
Alimentos, com cursos de Qualificação, Aperfeiçoamento, Aprendizagem Industrial, Ensino
Médio Articulado com a Educação Profissional e Cursos Técnicos.
A Unidade de Ensino conta com uma estrutura física que contempla além das salas
de aula, 07 (sete) laboratórios de ensino, biblioteca, quadra poliesportiva e unidades de
laboratórios móveis.
O SENAI Videira atende também aos municípios vizinhos desta cidade: Pinheiro
Preto, Tangará, Iomerê, Ibiam, Fraiburgo, Monte Carlo, Arroio Trinta e Salto Veloso. Em
58
2013 foi inaugurada a Unidade de Fraiburgo/SC que é uma extensão do SENAI Videira,
porém com autonomia para implantação dos cursos.
Em que pese a Lei 12.513 que instituiu o Pronatec estar vigente a partir de 2011, a
Unidade de Videira teve seus primeiros cursos na modalidade Pronatec implantados em 2012,
sendo incialmente dois cursos técnicos com duração de dois anos e onze cursos de formação
continuada de “curta duração” de 160 a 220 horas.
Atualmente, o programa tem em andamento os cursos de: ajustador mecânico,
desenhista mecânico, eletricista industrial, operador de empilhadeira, torneiro mecânico,
costureiro, soldador processo mig mag. Estes cursos têm duração de 180 horas, são requisitos
para matricular-se ter no mínimo quarto ano completo e a partir dos 15 anos de idade. Os
estudantes devidamente matriculados e frequentando recebem em média um valor de R$8,00
(oito reais) por dia presencial de aula. Também na modalidade Pronatec possui em andamento
cursos com duração que varia entre 1500 a 1600hs, são eles: eletromecânica, mecânica,
eletrotécnica, suporte manutenção de informática, alimentos e segurança do trabalho. Os
estudantes recebem R$8,00 (oito reais) por dia letivo, recebem através de um cartão
disponibilizado pela DR – Direção Regional, para saque do valor correspondente no Banco do
Brasil. Ainda oferta os cursos de informática, alimentos, eletricista industrial, mecânico, com
01 (um) ano de duração, estes na modalidade aprendizagem.
Neste cenário encontram-se os sujeitos selecionados para esta pesquisa e inquiridos
durante o diálogo, os quais responderam ao questionário analisado e apresentado na
sequência.
5. 2. PRONATEC: ALUNOS MATRICULADOS EM CURSOS DO PRONATEC TEM SUA
PERMANÊNCIA/ CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO REGULAR FACILITADO?
Dentre outras razões o Pronatec foi articulado visando aumentar o número de
matrículas, permanência e conclusão do Ensino Médio, conforme exposto anteriormente.
O acompanhamento do desenvolvimento do Pronatec por meio de estudos é uma
necessidade imperativa no sentido de aprimorar o atingimento dos seus objetivos,
considerando também o grande investimento de dinheiro público que está sendo realizado na
sua implementação. Assim, realizamos primeiramente um levantamento de alunos de 2º e 3º
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anos matriculados no Ensino Médio Regular da Escola Governador Lacerda (anteriormente
apresentada) que concomitantemente frequentam os cursos ofertados pelo SENAI/Videira/SC
na modalidade Pronatec.
Para realizar este levantamento contei com a ajuda da assistente técnico-pedagógica da
Escola de Educação Básica Governador Lacerda, bem como com o apoio da secretária da
escola representante/responsável legal, que nos forneceu os dados (lista) de estudantes
matriculados das turmas do Ensino Médio Regular.
O levantamento nos permitiu constatar que num total de 210 (duzentos e dez alunos)
matriculados no Ensino Médio nas 2ª e 3ª séries no ano de 2014, 26 (vinte e seis) alunos
frequentam concomitantemente cursos na modalidade Pronatec, no contra turno.
Para se chegar a essa conclusão, o procedimento empregado foi de visita às salas de
aulas dos 2ª e 3ª anos. Primeiramente agendei com a assistente técnico-pedagógica minha
visita as salas de aula para realizar o levantamento de quantos e quais eram os estudantes que
frequentavam cursos na modalidade Pronatec no contra turno no SENAI Unidade de
Videira/SC, posteriormente a assistente conversou com os professores dando ciência que eu
iria conversar com os estudantes. Assim, quando estive nas salas de aula fui bem
recepcionada pelos professores, eis que conheciam os motivos da minha presença naquele
período.
Na sequência agendei novamente um horário com a assistente técnico-pedagógica para
dialogar (maneira encontrada para apresentar/explicar o questionário, visualizando os alunos
responderem as questões) com os 26 estudantes identificados durante a visita, com matrícula
concomitante (ensino médio regular e cursos do Pronatec).
Posteriormente foi realizado um diálogo acompanhado de questionário com 21 (vinte e
um) alunos que possuíam ambas as matrículas, automaticamente digitalizando as respostas.
No dia em que fui realizar o diálogo estavam ausentes da aula 05 (cinco) alunos dos 26 que
cursavam concomitantemente Pronatec, assim, os dados coletados objeto de análise,
pautaram-se na resposta de 21 estudantes.
O roteiro das questões que nortearam o diálogo segue em anexo (apêndice 01). As
questões foram classificadas em 05 (cinco) categorias distintas. Tendo como objetivo
fundamental materializar ainda que parcialmente o entendimento dos sujeitos sobre as
questões que foram elaboradas/estruturadas com base na teoria que alimentou a presente
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pesquisa bem como nas informações já reunidas pela pesquisadora e levando-se em
consideração também os sujeitos envolvidos.
O roteiro de questões que orientaram o diálogo e sobre o qual a pesquisadora solicitou
respostas objetivas foi organizado em torno das seguintes categorias já anteriormente
referidas: i) satisfação com a frequência aos cursos do Pronatec; ii) motivos que levaram à
realização do curso na modalidade Pronatec; iii) o papel da bolsa para frequentar o curso
regular de ensino médio; iv) relação dos conhecimentos aprendidos no ensino médio e os do
Pronatec; v) e percepções sobre a continuidade dos estudos (compõem o apêndice 01).
Este roteiro de questões foi disponibilizado no site www.brworks.com.br/pronatec/. Os
21 estudantes dos segundos e terceiros anos do período matutino inicialmente foram
convidados a dirigir-se ao laboratório de informática localizado nas dependências internas da
Escola de Educação Básica Governador Lacerda, receberam as boas vindas da pesquisadora e,
em seguida, foram orientados a acessarem o link com as questões a serem respondidas. Na
sequência foi entabulado um diálogo com os alunos (tendo como base o roteiro de questões
disponíveis no site). Após este diálogo que focalizou cada uma das categorias os próprios
sujeitos presentes registraram as suas repostas aos questionamentos. Para finalizar as
respostas foram salvas e encaminhadas via e-mail ([email protected]) para a
pesquisadora. Os dados coletados estão disponibilizados em gráficos neste capítulo.
Durante o diálogo percebi que os sujeitos foram bem receptivos, inclusive relatando
em alguns momentos um comparativo dos conhecimentos obtidos nos diferentes
estabelecimentos de ensino, delataram a falta de tempo para atividades extraescolares e
mencionaram o cansaço/sono em alguns períodos. Também confirmaram que estão felizes em
poderem estar estudando no contra turno.
A pesquisa realizada pode ser entendida como um processo de pesquisa exploratória,
com base num diálogo com um grupo de alunos, utilizando um roteiro semiestruturado que
usou também como apoio um questionário objetivo.
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5.2.1. Análise das respostas apresentadas nos questionários
Os gráficos apresentados representam as respostas dos estudantes ao questionário (que
norteou o diálogo) respondido no momento em que a pesquisadora e sujeitos da pesquisa
dialogavam. Em paralelo segue análise das respostas.
5.2.1.1. Dados de identificação dos estudantes:
Dos vinte e um alunos envolvidos na pesquisa, 90,4% dos estudantes que frequentam
concomitantemente Pronatec e Ensino Médio são da zona urbana e apenas 9,5% residem na
zona rural. Destes 57,1% são mulheres e 42,8% homens.
Figura 6: Localização da moradia (zona urbana/rural).
Fonte: Autora (2014).
Figura 7: Gênero dos estudantes entrevistados
Fonte: Autora (2014).
Os sujeitos pesquisados constituem-se em grande maioria como residentes na zona
urbana pela própria localização da escola e possivelmente também por frequentarem o curso
durante o dia. A escola Govenador Lacerda somente oferta matrícula na modalidade diurna,
prejudicando assim a frequência de um maior número de jovens que residem na zona rural,
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que, quando estudam, optam por cursar o ensino médio no período noturno, pela necessidade
de ajudar os pais na lavoura durante o dia.
Destaca-se também, um maior número de jovens do sexo feminino entre os estudantes
pesquisado (Figura 7), resultado semelhante ao que ocorre no cenário nacional, conforme se
observa na tabela a seguir:
Tabela 2: Taxa de frequência à escola da população de 15 a 17 anos por gênero - Brasil 2004
e 2012
Ano Total Feminino Masculino
2004 81,9 82,5 81,3
2012 84,2 84,7 83,6
Fonte: MEC/Inep/Deed, apud, Relatório Educação para Todos no Brasil 2000-2015, p. 54.
Segundo dados do Relatório Educação para Todos no Brasil 2000-2015 o maior
percentual de pessoas de 12 a 16 anos que participam da formação de ensino fundamental
anos iniciais e anos finais são do sexo feminino. No que se refere à taxa de frequência à escola da
população de 15 a 17 anos os dados sobre gênero apontam diferença pouco significativa apresentando,
no entanto, maior número de estudantes do sexo feminino.
5.2.1.2. Satisfação ou não com relação à frequência aos cursos do Pronatec
Quando os estudantes foram inquiridos em relação à Satisfação ou não com a
Frequência aos Cursos do Pronatec, 100% das respostas indicaram satisfação.
A satisfação com a frequência aqui apresentada se extrai das respostas dos pesquisados
eis que responderam gostar de ir as aulas, participar das aulas é algo normal/tranquilo e a
“prática” ofertada no curso a qual frequentam satisfaz suas expectativas.
Dados ainda tímidos e regionalizados apontam grau de satisfação considerável com os
cursos na modalidade Pronatec, cita-se a título de exemplo a conclusão apesentada pela
pesquisa/ estudo da Qualidade em Cursos do programa na instituição de ensino Senac
(Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) na unidade Santana do Livramento/RS
(STANISLAW, et al, 2014), ratificando a percepção positiva dos alunos do programa em
relação à qualidade dos cursos prestados pela instituição.
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[...] A avaliação dos serviços prestados foi positiva, de modo que os alunos
demonstram-se satisfeitos com a qualidade oferecida. Os alunos reconhecem ainda
que as disciplinas dos cursos são validas e que os professores que ministram as aulas
possuem capacitação e qualificação para as funções que desempenham [...]
(STANISLAW, et al. p. 8).
Em que pese o Pronatec ser um programa recente, pesquisas revelam um grau de
satisfação por parte dos estudantes, por estarem apropriando-se de conhecimentos que
associam à teoria a prática e/ou porque percebem determinado grau de utilidade nos cursos
que frequentam.
5.2.1.3. Motivos que o Levaram a Realizar Cursos na Modalidade Pronatec
Já em relação aos motivos que levaram os estudantes a realizar cursos na modalidade
Pronatec, os dados informam que 57,1% dizem frequentar por influência dos pais, 33,3% por
conta própria e os outros 9,5% por influência de amigos (Figura 8).
Figura 8: Motivos que o Levaram a Realizar Cursos na Modalidade Pronatec
Fonte: Autora (2014).
A amostra dos dados apresentados no questionário reflete a circunstância em que o
jovem/adolescente encontra-se inserido, famílias em que os pais estão presentes, comentam,
ratificam a sua própria profissão, influenciam direta ou indiretamente a escolha dos filhos, ou
então, desencadeiam confiança, percepções para que estes realizem suas próprias escolhas.
Mesmo assim, estando os genitores mais ausentes ou não, a influência de amigos é
particularmente presente entre os estudantes. Estudos apontam:
[...] A história familiar é o ponto de partida para a constituição dos conceitos que os
jovens têm de si mesmos, assim como para a compreensão das suas aptidões. As
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escolhas vivenciadas se dão a partir de modelos familiares, que também acabam
influenciando no juízo de valores do sujeito acerca das profissões [...].
(LUCCHIARI, 1997, apud SANTOS, 2005, p. 59).
Adolescência legalmente falando compreende o período entre os 12 e 18 anos,
incompleto (BRASIL, 2010), fase onde a pessoa está deixando de ser criança, porém ainda
não é um adulto, período de relevante metamorfose biológica, da necessidade de
autoafirmação, de ser admirado/reconhecido pela família/grupo social em que vivem. É
também o momento de escolhas/direcionamento profissional. Essas necessidades além de
desencadear consequências específicas, de certo modo refletem o contexto social em que o
jovem/adolescente está inserido (SANTOS, 2005).
5.2.1.4. O Papel da Bolsa/auxílio para a Continuidade de Cada Estudante do Pronatec para dar
Continuidade, de Forma Concomitante, ao Curso Regular de Ensino Médio
Já em relação ao questionamento sobre o papel da bolsa/auxílio para a continuidade de
cada estudante do Pronatec para dar continuidade, de forma concomitante, ao curso regular de
Ensino Médio, as respostas indicaram que 9,5% frequentam o Pronatec pela contrapartida da
remuneração recebida; 9,5% preferiram não responder a esta questão; enquanto que 80,9%
não consideraram a bolsa como fator mais significativo para continuar também a frequentar o
ensino médio (Figura 9).
Figura 9: O Papel da Bolsa/auxílio para a Continuidade de Cada Estudante do Pronatec para dar
Continuidade, de Forma Concomitante, ao Curso Regular de Ensino Médio
Fonte: Autora (2014).
Em que pese uma parcela considerável (maioria) de estudantes terem respondido
frequentarem o curso na modalidade Pronatec, não pela bolsa que recebem, mas por
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desejarem orientação profissional, ainda assim, cabe considerar que a bolsa, que não significa
muito dinheiro, apenas uma pequena ajuda e a gratuidade para realização do curso no SENAI
como se escola pública fosse, são indicativos relevantes no cenário de oportunidades
educacionais e consequentemente de dignidade humana.
É fato que há jovens que necessitam da bolsa para a continuidade dos estudos (cursar
o ensino médio regular), situação que se arrasta e que afeta várias gerações. O Brasil tem uma
dívida histórica com parcela da população, herança de um período em que o ser humano era
visto/tratado como “coisa”, onde amparado por lei outro humano poderia dispor do seu corpo
e de sua força de trabalho da forma que melhor lhe conviesse. Após a proibição legal desse
tratamento, essa população passou a ter no discurso tratamento humanitário, no entanto,
desprovidos de qualquer condição financeira razoável para participar/competir na busca de
oportunidades, portanto, a bolsa ofertada pode ser uma maneira de ajudar a reparar tais danos,
de proporcionar oportunidade de prosseguir nos estudos e realizar escolhas profissionais. A
isonomia, no entanto, permanece como utopia. A igualdade desejada, princípio constitucional
desde 1988, não corresponde à realidade, pois, o ponto de partida na busca de oportunidades é
ainda acentuadamente desigual.
5.2.1.5. Relação dos conhecimentos aprendidos no Ensino Médio e os do Pronatec
Analisando as respostas dispostas sobre a relação dos conhecimentos aprendidos no
Ensino Médio e os do Pronatec, 33,3% dos estudantes assinalaram que em regra há relação
entre os conhecimentos aprendidos, já 66,6% negam a existência desta relação (Figura 10).
Figura 10: Relação dos conhecimentos aprendidos no Ensino Médio e os do Pronatec
Fonte: Autora (2014).
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As respostas dispostas sobre a relação dos conhecimentos aprendidos no Ensino
Médio e os do Pronatec, na qual a maioria dos estudantes (66,6%) nega a existência de
relação entre os conhecimentos ofertados e parcela de estudantes (33,3%) respondeu que há
relação (figura 10), requer uma análise peculiar e mais aprofundada. Vislumbra-se desse
cenário a fragilidade da pergunta apresentada no questionário, dando margem à simplificação,
à apresentação de uma resposta imediatista, desarticulada do contexto complexo em que o
próprio cenário se apresenta em que a formação dos cursos do Pronatec tem uma base
profissionalizante/prática enquanto que o ensino médio regular oferta conhecimento em regra
de cunho propedêutico, formação geral e conceitual. A relação entre a teoria e a prática não é
uma relação linear e que possa ser imediatamente visível.
A educação profissional é definida no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado
pela Lei nº 10.172 (Brasil, 2001) como uma modalidade de ensino paralelo ao ensino regular,
abarca três níveis distintos: básico, técnico e tecnológico. Portanto, tecnicamente observando,
o ensino médio e os cursos profissionalizantes são desvinculados legalmente e a base de
formação de cada categoria é distinta, não sendo possível articular/ associar em sua plenitude
(resposta apresentada pela maioria dos entrevistados) os conhecimentos apreendidos nas
diferentes esferas educacionais.
5.2.1.6. Percepções sobre a Continuidade dos Estudos
De acordo com as repostas dos sujeitos pesquisados todos eles (100%) manifestaram
desejo em continuar estudando, também revelaram unanimemente que pretendem fazer um
curso superior e não outro curso profissionalizante.
Unanimidade de sujeitos acalenta o desejo de continuar seus estudos ingressando em
um curso superior, dado otimista que, no entanto, não corresponde à realidade brasileira. O
acesso ao ensino superior não atinge a todos, o que é evidenciado pelos dados estatísticos que
esclarecem:
Mais de 49% da população adulta (25 anos ou mais) não completaram o curso
fundamental, segundo o Censo 2010 divulgado [...] pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. No outro extremo, estão apenas 11,3% que têm curso
superior completo. [...]. O nível de instrução cresce na população mais jovem. No
País, 49,3% dos adultos de 25 anos ou mais não têm fundamental completo e apenas
11,3% concluíram o curso superior. Na faixa de 25 a 29 anos, a proporção dos que
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não têm ensino fundamental completo cai para 28,2% e o superior completo sobe
para 13%. Entre os alunos que estão na universidade, 10,3% já têm o curso superior
completo e fazem outra faculdade. Trinta por cento dos estudantes de nível superior
com 40 anos ou mais já têm outro curso completo e fazem uma nova faculdade
(LEAL, 2012).
Também cabe considerar que este resultado (100% dos pesquisados desejando
prosseguir com os estudos, ingressado em um curso superior) aparentemente simplista, revela
uma realidade: é o ensino superior que propicia no nosso país uma possibilidade de melhores
salários e de reconhecimento social. Segundo Sparta e Gomes (2005) muitos estudantes
vislumbram como única alternativa após a conclusão do ensino médio o acesso a
universidade, assim, forçando o direcionando da formação exclusivamente para prestar o
vestibular, chegando a descaracterizar a formação integral, papel fundamental de formação no
ensino médio.
De acordo com a atual lei de diretrizes e bases da educação (Brasil, 1996), o ensino
médio permite o ingresso no ensino superior, mas não tem como objetivo a
preparação para o concurso vestibular, e sim o desenvolvimento global do educando
e a preparação básica para o trabalho e a cidadania. A educação profissional de nível
médio (cursos técnicos) não pode mais substituir o ensino médio regular, tendo-se
transformado em uma forma de educação continuada [...] O desejo do jovem
brasileiro de ingressar na educação superior não é, em princípio, um problema, [...]. (SPARTA e GOMES, 2005, p. 47).
Portanto, desconstruir esse entendimento consolidado pelo senso comum, de que o
ensino médio tem como objetivo a preparação para o vestibular permanece ainda como um
desafio para os educadores.
Concluindo este item 05, pode-se indicar, que o Pronatec, na visão dos estudantes
pesquisados é visto com perspectivas positivas, o que por si só, pode estar influenciando na
sua permanência no ensino médio regular – receber ao mesmo tempo uma possibilidade de
profissionalização. Não é, portanto, necessariamente a bolsa de estudo que auferem por
estarem frequentando cursos ofertados na modalidade Pronatec que os seguram na escola
média regular.
Todavia, não cabe a um estudo com poucos estudantes, e com base apenas nas
representações destes, afirmar que a mediação (objetivo da norma) vem sendo concretizada.
Que o fato de estarem frequentando cursos do Pronatec (com preparação, conhecimento
técnico para atuar no mercado de trabalho) recebendo a bolsa de estudo em contrapartida,
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permite-lhes a permanência/conclusão do Ensino Médio Regular no qual o ensino é/deveria
ser abrangente, analítico, crítico, vindo ao encontro de uma formação mais próxima do que
afirmou Saviani (2003) sobre conhecimento politécnico.
Contudo, embora fragmentado em dois cursos, duas matrículas, sua realização
concomitante, independente do que representam os estudantes, permite certa articulação entre
o manual e intelectual, desencadeando uma formação pelo menos mais próxima da integral,
que vai além de saber fazer, e que dá pistas para a compreensão do seu funcionamento.
A conclusão do ensino médio poderá aumentar ao longo dos anos se inserida a
oportunidade de alguma formação profissional ao longo do seu percurso, dada a situação de
classe economicamente desfavorecida da maioria dos alunos que frequentam a escola básica
pública. Com esta conjugação possibilitada pelo Pronatec hoje, maior número de estudantes
tem condições de realizar o ensino médio regular, desencadeando assim um entrelaçamento
entre a norma constitucional e a prática a qual prevê que é dever do Estado garantir educação
básica gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria.
Mas sabemos também que isto deveria ser uma situação transitória, ainda distante do
ideal, de uma escola pública de educação básica de qualidade para todos, que preze pelo
princípio da isonomia em todos os aspectos. O trabalho como princípio educativo e a
concepção de politecnia nos permitem visualizar uma situação na qual a escola não se
distancia da vida e da necessidade de sobrevivência de cada um, porém, dando a todos igual
oportunidade de crescimento nas tarefas profissionais, o que depende em grande parte de uma
formação básica sólida.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações que concluem este estudo, expostas a seguir, não têm pretensões
dogmáticas, acabadas, há que considerarmos que representam apenas um modesto recorte na
análise do Pronatec.
Em relação à abordagem que norteou o estudo realizado sobre o Pronatec, recente
programa nacional da educação profissional no país e que focalizou numa abordagem
empírica a mediação que este programa representa para os estudantes de Ensino Médio
completar sua formação, destacamos alguns pontos:
Inicialmente foram explorados aportes teóricos concernentes à natureza do trabalho,
sua evolução histórica e suas relações com a escolarização básica em diversos momentos da
história educacional brasileira. Ao longo deste processo sempre esteve presente uma
extraordinária dualidade acompanhando o desenvolvimento de uma sociedade vinculada ao
modo de produção capitalista, na qual o trabalho intelectual e o trabalho manual
tendencialmente se mantiveram polarizados, e quase determinados pela classe social de
origem dos cidadãos. O que ocorreu nas escolas e nos sistemas de ensino no Brasil
evidentemente não resultou de uma questão unicamente educacional, e sim socialmente
determinada. Mudanças ocorreram ao longo da trajetória econômica no país, principalmente
por obra da sua industrialização. Aos poucos a isonomia escolar avançou na etapa inicial da
escola fundamental, ficando para o ensino médio configurar-se como o momento crucial da
dualidade.
Na abordagem dos aspectos históricos as reflexões apresentadas permitiram verificar
que a metamorfose do processo educacional bem como do trabalho é constante. No entanto,
há questões que, embora precisem contar com mudanças nos sistemas escolares e na sua
organização, não dependem apenas delas. Na prática, aplicado ao Ensino Médio, o dualismo
educacional (educação para o comando ou então educação/formação operacional, treinado
para fazer), se concretiza quando a oferta da formação ignora a isonomia e possibilita às
classes menos privilegiadas formação de cunho meramente técnico, sem preocupação com a
sua formação para a compreensão mais ampla do processo de trabalho, que envolve ciência,
cultura e tecnologia entre outros aspectos. Já as classes mais privilegiadas têm a possibilidade
de formação mais geral, analítica, que lhes permite melhores empregos e consequentemente
melhores condições financeiras.
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A investigação realizada permitiu-nos visualizar o protagonismo do Sistema “S” no
contexto do ensino profissionalizante brasileiro (instituição que existe paralelamente desde o
início do processo de industrialização do Brasil), mostrando o quanto seu desempenho, desde
sua origem, esteve relacionado, sobretudo à esfera privada, do empresariado. Isso não
significa que em determinados momentos e objetivos tal protagonismo não tenha se articulado
aos objetivos da esfera pública, por meio de parcerias como a que se desenvolve hoje
decorrente da Lei 12.513/11. Esta é uma discussão complexa que envolve as relações do
público e do privado no país, e que tem a sua definição por ora, na Constituição Federal que
permite parcerias e encaminhamento de verbas públicas para atividades vinculadas às
instituições de fórum privado.
A possibilidade de mediação que o Pronatec vem ofertando aos estudantes para que
estes permaneçam e concluam o ensino médio pode tratar-se de uma iniciativa positiva. Eis
que, em paralelo a esta formação geral (ensino médio), o curso técnico profissionalizante,
além do auxílio que propicia com o pagamento de uma modesta bolsa de estudos, significa
uma possibilidade de preparação para um emprego no mundo do trabalho.
Na intenção de minimizar o problema da alta evasão do Ensino Médio, a iniciativa
ofertada pelo Pronatec às vistas de quem é beneficiário do programa parece positiva. Em que
pese que apenas uma minoria dos estudantes sujeitos envolvidos no estudo que realizamos
terem afirmado que dependem da bolsa que auferem para cursar o ensino médio, ainda assim
é relevante o dado, pois demonstra que existe uma parcela da população brasileira que vive
abaixo da margem da pobreza e cuja sobrevivência tem numa bolsa mensal média de R$
160,00 um importante auxílio não só para as necessidades básicas como para poder concluir o
ensino médio regular. Portanto, a mediação de certa forma está ocorrendo, eis que a parcela
da população menos privilegiada economicamente recebe uma ajuda financeira do Estado
subsidiando e facilitando sua permanência/conclusão do Ensino Médio Regular. Na
contramão desse discurso concluímos também que o modelo de Estado vigente (pós-
neoliberal) oferta os cursos na modalidade Pronatec (gratuitos) com o interesse de formar
mão-de-obra um pouco melhor qualificada para operar nas indústrias e no comércio em geral,
servindo de sustentação para o modelo capitalista vigente.
Assim, em suma acreditamos que a iniciativa do governo em ofertar a gratuidade
para os estudantes de cursos técnicos com matrícula no Ensino Médio é positiva num
71
momento de transitoriedade para a possibilidade ainda distante de uma efetiva formação
politécnica dos seus jovens. É um passo importante no sentido de contribuir com uma
formação básica a todos.
Arriscamo-nos a afirmar que o ensino politécnico em sua plenitude ainda é uma
utopia, pois se de um lado temos a escola regular ofertando ensino propedêutico, esta deixa a
desejar no quesito qualidade, na articulação da teoria com a prática, na formação crítica dos
educandos. Por outro lado, o ensino que percebem nos cursos na modalidade Pronatec são
currículos fechados, preparam para operar, para fazer, afastando-se do que propõe Saviani e
do entendimento ao qual nos filiamos de que politecnia consiste em compreender a
articulação entre o trabalho manual e intelectual de forma plena, conhecendo o processo todo,
sua essência. Assim a formação contribuirá para o desenvolvimento de um trabalhador
consciente do seu trabalho, protagonista do processo no qual está inserido, e não apenas
treinado/adestrado para atividades repetitivas, sem autonomia.
Na “contramão” das afirmações anteriormente dispostas (nas quais o Pronatec, às
vistas de quem é beneficiado é um programa positivo), também, há que considerarmos que a
iniciativa do Estado em ofertar cursos na modalidade Pronatec não é de toda desinteressada,
pois visa atender organismos internacionais e principalmente ajustar-se ao modelo capitalista
que tem interesses em mão de obra com diferentes níveis de qualificação e população
consumidora acima de tudo, não necessariamente crítica a este consumo. Portanto, estamos
ainda à distância de um modelo de educação crescentemente desalienada, preocupada com o
meio ambiente e a justiça social.
Encerramos o presente trabalho com uma preocupação e frustração inevitável, pois,
houve ainda que momentaneamente (primeiro semestre de 2015) a título de contenção de
gastos a “interrupção” do pagamento das bolsas para os estudantes matriculados em cursos do
Pronatec (Sistema “S”, SENAI/SC), gerando uma descontinuidade da proposta original no
que se refere à facilitação para os estudantes concluírem o ensino médio regular.
O presente estudo nos permitiu evidenciar que o ensino profissional no Brasil carece
não só de planejamento, recursos, mas de uma concepção mais unificada que permita o seu
desenvolvimento a favor de todos os trabalhadores.
Findamos, considerando que é relevante que outros estudos sejam desenvolvidos no
acompanhamento do programa Pronatec para que o mesmo efetivamente possa representar um
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passo em frente à escolarização de todos, especialmente daqueles que são considerados
trabalhadores manuais, para que esta dicotomia entre o manual e o intelectual vá se dissipando
cada vez mais. Como nos ensinou Gramsci (1982), todo homem é um intelectual, pois todo
homem pensa. São as relações sociais que hierarquizam o trabalho, dando a determinados
trabalhos maior valorização do que a outros.
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74
bases da educação nacional, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5154.htm. Acesso em
23 de jul. 2014.
______. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 59, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2009.
Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir,
anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da
União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de
que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de
forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência
dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao §
4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de
inciso VI. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/
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1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e institui o Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), no 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a
organização da Seguridade Social e institui Plano de Custeio, no 10.260, de 12 de julho de
2001, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, e no
11.129, de 30 de junho de 2005, que institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens
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APÊNDICE 01 – Roteiro mínimo de questões para entrevistas
Dados de Identificação:
Nome:
Idade:
Gênero: Masculino ou Feminino
Localização da moradia – Zona Rural ou Urbana:
Número de Membros que compõem a família:
Profissão dos Pais
Nível de escolarização dos pais
ROTEIRO MÍNIMO DE QUESTÕES PARA ENTREVISTAS
CATEGORIAS:
1. Satisfação ou não com a Frequência aos Cursos do Pronatec:
Você gosta de ir às aulas?
Frequentar o Ensino Médio e em paralelo as aulas do Curso Pronatec é algo normal/tranquilo
ou lhe traz desconforto?
A “prática” ofertada no curso satisfaz suas expectativas com o curso?
2. Motivos que Levaram a Realizar Cursos na Modalidade Pronatec:
Você decidiu sozinho frequentar o curso do Pronatec?
Sua família (pai, mãe, etc.,) colaborou na escolha do curso?
Você frequenta o curso por influencia de algum amigo?
Você frequenta o curso pela bolsa que recebe ou porque deseja prosseguir seus estudos na
área do curso técnico?
80
3. O Papel da Bolsa/auxílio para a Continuidade de Cada Estudante do Pronatec para
dar Continuidade, de Forma Concomitante, ao Curso Regular de Ensino Médio;
Você trabalha ou somente estuda?
Você recebe uma bolsa de estudo por estar frequentando o curso do Pronatec?
Essa bolsa que você recebe possibilita a permanência no Ensino Médio?
Você frequenta o curso porque deseja orientação profissional ou por que em contrapartida
recebe a bolsa?
4. Relação dos conhecimentos aprendidos no Ensino Médio e os do Pronatec:
Existe relação entre os conhecimentos obtidos, reflexões entabuladas nas diferentes
disciplinas do Ensino Médio e do Curso Técnico?
5. Percepções sobre a Continuidade dos Estudos:
Você pretende continuar estudando?
Pretende fazer outro curso profissionalizante ou fazer um curso superior?
Faria um curso superior na área do curso ofertado pelo Pronatec a qual está frequentando?
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