UniversidadeEstadual de Londrina
MARCOS ANTONIO DE SOUZA
A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRONO NORTE DO PARANÁ: ESTUDO DE CASO
Londrina, 2008.
MARCOS ANTONIO DE SOUZA
A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRONO NORTE DO PARANÁ: ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Geografia.
Londrina, 2008.
MARCOS ANTONIO DE SOUZA
A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO NORTE DOPARANÁ: ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Geografia.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________Profª. Drª. Eliane Tomiasi Paulino (orientadora)
Universidade Estadual de Londrina
_____________________________________ Profª. Drª. Ideni Terezinha Antonello Universidade Estadual de Londrina
______________________________________ Profª. Drª. Tânia Maria Fresca Universidade Estadual de Londrina
Londrina, ______, de dezembro de 2008.
SOUZA, Marcos Antonio de. A territorialização do agronegócio canavieiro no norte do Paraná: estudo de caso. 2008. Monografia (Bacharelado em Geografia) –Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
Nas ultimas três décadas vem ocorrendo no espaço agrário brasileiro uma vertiginosa expansão do agronegócio sucroalcooleiro, motivado primeiramente pela implementação do Proálcool, sendo que na atualidade este avanço se dá no âmbito da produção em larga escala de agrocombustíveis de cana-de-açúcar. O objetivo deste trabalho é analisar a territorialização do agronegócio canavieiro no norte do Paraná, processo este que vem sendo intensificado nos últimos anos pelo aumento no mercado interno e externo da demanda por etanol. Como conseqüência desta expansão, se constata a existência de uma concentração fundiária, com vistas a se auferir a maior renda territorial possível. Por outro lado, o avanço da monocultura canavieira sobre áreas anteriormente ocupadas pelas lavouras policultoras, acaba provocando uma retração na produção de alimentos, além de expandir a fronteira agrícola rumo à ecossistemas ameaçados, como é o caso da Amazônia e do Cerrado, uma vez que as culturas que cedem espaço para a cana-de-açúcar procuram se reterritorializar no espaço agrário brasileiro.Não obstante, há ainda uma precarização das relações de trabalho, expressa na super-exploração do cortador de cana, realidade esta que contradiz com os altos níveis de rentabilidade auferidos pelo agronegócio sucroalcooleiro.Este trabalho faz ainda uma análise histórica do ordenamento territorial do espaço agrário dos municípios em questão, contrapondo a dinâmica da produção do agronegócio canavieiro com os demais cultivos.
Palavras-chave: agrocombustíveis, agronegócio sucroalcooleiro, renda fundiária, insegurança alimentar, concentração fundiária, precarização do trabalho.
SOUZA, Marcos Antonio de. The territorialization of the sugar agribusiness in northern Paraná: a case study.2008. Monograph (Bachelor of Geography) - State University of Londrina.
ABSTRACTIn the last three decades has occurred within the Brazilian agrarian a dizzying expansion of agribusiness of sugar cane, motivated primarily by the implementation of Proálcool, whereas in actuality this move takes place within the framework of large scale production of agrofuels from sugar cane. The purpose of this study is to analyze the territory of the sugar agribusiness in northern Paraná process which has been intensified in recent years by increased domestic and external demand for ethanol. As a result of this expansion, there is the existence of an agrarian concentration, aiming to earn a higher income area possible. Moreover, the advancement of sugar monoculture on areas previously occupied by plowing several agricultural crops, just causing a shrinkage in food production, in addition to expanding the agricultural frontier towards the threatened ecosystems, such as Amazon and the Cerrado, since crops that give space for the sugar cane is seeking relocate i n brazilian space agrarian. H owever, there is still a precarious social relations of production, expressed in the super-exploitation of the cane cutter, that this reality contradicts with the high levels of return earned by agribusiness of sugar cane. This work is still a historical analysis of agrarian land area of the municipalities concerned, contrasting the dynamics of the agribusiness production of sugar with other agricultural crops.
Key words: agrofuels, agribusiness sugar, ground rent, food insecurity, land concentration, precariousness of work.
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Estrutura fundiária brasileira - 2003........................................................15
Tabela 02 - Previsão da demanda por etanol – 2010...............................................22
Tabela 03 - Variação na área colhida – 1990 – 2007...............................................26
Tabela 04- Condição da produção agrícola por produtos selecionados..................28
Tabela 05 - Estrutura fundiária em 1960..................................................................78
Tabela 06 - Uso do solo em 1960.............................................................................78
Tabela 07 - Evolução da área ocupada pela cana entre 1970-1985........................81
Tabela 08 - Evolução da cultura cafeeira entre 1970-1985......................................82
Tabela 09 - Evolução do número de estabelecimentos entre 1970-1995/96...........83
Tabela 10 - Participação da cana-de-açúcar na área ocupada pelas atividades
agropecuárias entre 1970-1985................................................................................84
Tabela 11 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul de 1970 a 1985..........87
Tabela 12 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul - 1980 a 2006............88
Tabela 13 - Evolução do uso do solo em Colorado - 1970 a 1985..........................89
Tabela 14 - Evolução do uso do solo em Colorado - 1980 a 2006..........................89
Tabela 15 - Evolução do uso do solo em Porecatu - 1970 a 1985..........................90
Tabela 16 - Evolução do uso do solo em Porecatu - 1980 a 2006..........................90
Tabela 17 - Evolução do uso do solo em Nossa Srª. das Graças - 1970 a 1985....91
Tabela 18 - Evolução do uso do solo em Nossa Srª. das Graças - 1980 a 2006....92
Tabela 19 - Preço pago por metro de cana cortada na usina Alto Alegre no mês de
setembro de 2008...................................................................................................100
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 - Evolução da área plantada com cana-de-açúcar -1975- 2006.............. 14
Gráfico 02 - Evolução da área ocupada com algodão no Paraná entre 1990-2006.........52
Gráfico 03 - Evolução da área ocupada com algodão no Brasil entre 1990-2006............................................................................................................................53
Gráfico 04 - Evolução na participação do Paraná na produção nacional de cana-de-açúcar...........................................................................................................57
Gráfico 05 - Tamanho médio cultivado por unidade agroindustrial canavieira no Paraná – 1980-2007..............................................................................................58
Gráfico 06 - Evolução da produção de cana-de-açúcar no Paraná 1980-2006.........59
Gráfico 07 - Área ocupada por culturas selecionadas - 1980....................................61
Gráfico 08 - Área ocupada por culturas selecionadas – 2006...................................61
Gráfico 09 - Evolução da produção de açúcar no Paraná - 1990-2008.....................64
Gráfico 10 - Evolução da produção de álcool no Paraná - 1990-2008......................64
Gráfico 11 - Evolução do número de estabelecimentos agropecuários -1970-1995/96.............................................................................................................83
Gráfico 12 - Evolução das principais culturas agrícolas no município de Guaraci -1980 – 2006...............................................................................................................98
Gráfico 13 - Situação educacional dos cortadores de cana entrevistados................99
Gráfico 14 - Profissões aspiradas pelos cortadores de cana entrevistados............105
LISTA DE MAPAS E FIGURAS
Figura 01 - Comparação das áreas com aptidão agroclimática para o cultivo da cana-de-açúcar com áreas prioritárias de conservação.............................................20
Figura 02 - Localização Geográfica das Usinas Sucroalcooleiras.............................21
Figura 03 – Localização geográfica da produção canavieira no Paraná...................41
Figura 04 - Localização geográfica das unidades agroindustriais do setor Sucroalcooleiro no estado do Paraná........................................................................56
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALCOPAR Associação de produção de Bioenergia do estado do Paraná
CANASAT Mapeamento da Cana via Imagens de Satélite
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
COOPERSUCAR Cooperativa de Produtores de Cana-de-açúcar de São Paulo
CTC Centro de Tecnologia Canavieira
CTNP Companhia de Terras Norte do Paraná
EIA Agência de Informação Energética (EUA)
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
PCB Partido Comunista do Brasil
PSF Programa Saúde da Família
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
1 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOBRASIL......................................................................................................................131.1. A expansão do agronegócio canavieiro pós 1970..............................................131.2. O processo de territorialização do capital no agronegócio canavieiro:aspectos conceituais.................................................................................................32
2 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOPARANÁ.....................................................................................................................412.1. Fatores de localização geográfica no agronegócio sucroalcooleiro no Paraná........................................................................................................................422.2. A expansão canavieira........................................................................................54
3 - A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOS MUNICÍPIOS ANALISADOS.............................................................................................................673.1. Antecedentes da formação do espaço agrário dos municípios de Colorado, Porecatu, Guaraci, Centenário do Sul e Nossa Senhora das Graças.......................67 3.2. Os conflitos fundiários na região: a Revolta Armada de Jaguapitã e a Guerrilha de Porecatu............................................................................................703.3. Ordenamento agrário no período de 1950 a 1970..............................................76
4 – A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOS MUNICÍPIOS ANALISADOS ENTRE 1980-2006.............................................................................814.1. Expansão canavieira versus produção de alimentos..........................................864.2. A expansão do agronegócio canavieiro e as relações de trabalho.....................95
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................109
REFERÊNCIAS........................................................................................................112
ANEXOS...................................................................................................................117
11
INTRODUÇÃO
Há cerca de trinta anos o espaço agrário brasileiro vem sendo cenário de
uma voraz expansão do agronegócio canavieiro, cuja origem está no Proálcool. Na
atualidade este negócio vem sendo impulsionado por agentes públicos e privados,
q u e t ê m c o m o p a r â m e t r o a nova geopolítica energética internacional,
potencialmente capaz de incorporar o etanol de cana-de-açúcar como matriz
energética em um cenário em que a diminuição da dependência para com o petróleo
e demais fontes de energia fóssil é um imperativo.
No intuito de se compreender impactos socioambientais inerentes a esse
processo de expansão do agronegócio sucroalcooleiro, essa pesquisa se concentra
em um recorte geográfico específico, correspondente aos municípios de Colorado,
Centenário do Sul, Porecatu, Nossa Senhora das Graças e Guaraci, dado que os
quatro primeiros se inserem na dinâmica da expansão da cana, enquanto que o
último foi englobado no recorte espacial deste trabalho por ser um dos municípios
que servem de base territorial para a força de trabalho empregada nos canaviais.
Este recorte de pesquisa justifica-se pela atualidade do tema, e a
importância de debatê-lo à luz dos impactos sociais, econômicos e ambientais
inerentes à atual conjuntura política e econômica para a produção de
agrocombustíveis, mais especificamente o etanol de cana-de-açúcar.
Trata-se, pois, de um esforço em contribuir para os estudos que já vem
sendo realizados, cujo foco está na forma e na intensidade que estes impactos
podem exercer sobre o conjunto da sociedade. Em particular, este estudo levanta, a
partir do recorte em questão, uma série de hipóteses no intuito de demonstrar que
há um alto custo social vinculado à expansão do agronegócio sucroalcooleiro,
particularmente no que diz respeito à intensificação da concentração fundiária, da
exploração da força de trabalho e dos conflitos sociais no campo, no encarecimento
do preço dos alimentos, sem falar nos aspectos ambientais.
Foram realizados levantamentos bibliográficos, consultas a banco de
dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES),
do CANASAT, além dos Censos Agrícola e Agropecuários realizados entre 1950 e
1995/96 e demais dados divulgados pelo IBGE. Também foi aplicado um
questionário para cortadores de cana no município de Guaraci (anexo), privilegando-
se metodologias qualitativas de investigação, sendo entrevistados dez bóias-frias.
12
No primeiro capítulo fazemos uma contextualização do processo de
territorialização do agronegócio sucroalcooleiro nas últimas três décadas,
enfatizando a conjuntura criada após a implantação do Proálcool e as tendências
que emergem junto com a nova geopolítica energética internacional. Considerada
esta conjuntura, são levantadas hipóteses e são feitas projeções,
Ainda neste capítulo há algumas considerações acerca do processo de
territorialização, correlacionando este conceito à sua dimensão econômica da
territorialização do agronegócio sucroalcooleiro.
O segundo capítulo aborda de que forma ocorreu e quais são os impactos
mais visívieis do processo de expansão do agronegócio sucroalcooleiro no estado
do Paraná, atendo-se ainda a fatores de localização geográfica que orientam a
alocação espacial desta atividade econômica. A concentração espacial desta
atividade na porção setentrional do estado é entendida como desdobramento da
combinação convergente de uma série de fatores que lhe conferem vantagens
locacionais.
No terceiro capítulo são discutidos os antecedentes da formação agrária
nos municípios analisados, abordando-se o processo de colonização, os conflitos
agrários, assim como as transformações ocorridas nesta porção territorial desde
meados do século XX.
Já no capítulo quatro o foco é o processo de expansão do agronegócio
sucroalcooleiro nos municípios de Porecatu, Colorado, Nossa Senhora das Graças e
Centenário do Sul. Neles, busca-se identificar os principais impactos da expansão
canavieira, como é o caso da concentração fundiária, a ameaça à soberania
alimentar e a precarização das relações de trabalho.
13
1 – A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO BRASIL
Nas últimas três décadas o espaço agrário brasileiro vem sendo cenário
de uma voraz expansão da cultura da cana-de-açúcar, motivada primeiramente pela
criação do Próalcool na década de 1970, e atualmente impulsionada pela nova
geopolítica energética internacional empreendida principalmente pelos Estados
Unidos, pela União Européia e demais paises ditos “desenvolvidos”, que objetivam
reduzir a dependência em relação ao petróleo, mediante a incorporação do etanol à
sua matriz energética. É esse o contexto no qual se insere o processo de
territorialização do agronegócio sucroalcooleiro no Brasil e que, nos últimos anos,
vem sendo alvo de intensos debates, em face de uma série de impactos
socioambientais inerentes a esta expansão, conforme será visto a seguir.
1.1. A Expansão do Agronegócio Canavieiro pós 1970
Na década de 1970 o governo militar brasileiro lança o Proálcool, que
segundo os ideólogos e defensores desta política pública, serviu para diversificar a
matriz energética brasileira e tornar o país menos dependente do petróleo frente a
ocorrência de crises internacionais, como a ocorrida em meados desta década.
O fato é que este programa nada mais foi que uma estratégia engendrada
pelo Estrado brasileiro, que interveio mais uma vez na salvaguarda dos interesses
da oligarquia sucroalcooleira, frente a uma crise e um endividamento do setor que já
vinha se arrastando desde meados da década de 1960.
Na metade dos anos sessenta [...] o aparecimento de uma crise de superprodução [...] apresentou seus primeiros sintomas em meados de 1964, quando as exportações brasileiras foram atingidas por uma queda acentuada nos preços do mercado mundial. A retração no mercado externo coincidiu com o grande aumento da produção brasileira, propiciando a formação de volumosos excedentes que não podiam ser absorvidos pelo mercado interno, também em recessão. (YOSHINAGA, 2006, p.78-79).
Há de se considerar que em meio a retração do mercado externo do
açúcar, desde os anos 1960 já vinha ocorrendo no plano interno uma modernização
do setor produtivo agropecuário, no âmbito do que se convencionou denominar
“modernização conservadora”.
Neste contexto, os agroindustriais do setor sucroalcooleiro contraíram uma
divida considerável para modernizar e implantar novas unidades produtivas pelo
14
país, em vista de, nesse momento, o mercado internacional ainda se apresentar
favorável, como aponta Yoshinaga (2006, p.78).
Desta forma, a crise no mercado externo de açúcar se converteu em um
problema ante a capacidade produtiva instalada no Brasil; ademais, o endividamento
no setor sucroalcooleiro era, em grande medida, resultado da ampliação e
modernização pela qual passara o agronegócio canavieiro.
Isto fez com que o Estado brasileiro engendrasse a estratégia do
Proálcool, criado por meio do decreto n° 76.593 de 14 de novembro de 19751. Para
superar a crise do setor sucroalcooleiro, esgotadas as possibilidades de exportação
em parâmetros rentáveis, restava empreender estratégias de criação/fortalecimento
do mercado interno, o que beneficiaria também a indústria automobilística.
Para se ter uma idéia desta expansão, do ano de 1979, quando se inicia a
produção em larga escala de automóveis movidos a etanol no Brasil, até 2006,
houve um incremento de quase 280% na área plantada de cana–de–açúcar,
passando de 2,54 milhões de ha para 7,04 milhões, conforme mostra o gráfico a
seguir.
Gráfico 01: Evolução na área plantada com cana-de-açúcar entre 1975-2006Fonte: IBGE, 2008.
O fato é que esta grande expansão canavieira vem produzindo uma série
de impactos no espaço agrário brasileiro, a começar pela concentração fundiária2.
Isto porque a produção sucroalcooleira se concentra em grandes unidades
1 A criação do Proálcool se deu dois anos depois da primeira crise do petróleo, ocorrida em 1973.2 A esse respeito, cabe ressaltar que a estrutura fundiária brasileira já se apresenta bastante concentrada, conforme demonstra a tabela 01.
15
agroindustriais, que tendem a se expandir por determinados pontos do país, e desde
estas coordenadas geográficas, as mesmas acabam por orientar sua expansão
sobre as terras adjacentes.
Tabela 01 – Estrutura fundiária brasileira, 2003.
Grupos de área total
Imóveis % d o s imóveis
Área total (ha)
% de área Área média
Menos de 10
1.388 31,6% 7.616.113 1.8% 5.7
De 10 a 25 1.102.999 26% 18.985.869 4,5% 17,2%De 25 a 50 684.237 16,1% 24.141.638 5,7% 35,3%D e 5 0 a 100
485.482 11,5% 33.630.240 8% 69,3%
De 100 a 200
284.236 6,7% 38.574.392 9,1% 135,6
D e 2 0 0 a 500
198.141 4,7% 61.742.808 14,7% 311,6
D e 5 0 0 a 1.000
75.158 1,8% 52.191.003 12,4% 694,4
De 1.000 a 2.000
36.859 0,9% 50.932.790 12,1% 1.381,8
De 2.000 a 5.000
25.417 0,6% 76.466.668 18,2% 3.008,5
5.0 0 0 e mais
6.847 0,1% 56.164.841 13,5% 8.202,8
Total 4.238.421 100,0% 420.345.382 100,0%Fonte: INCRA apud Oliveira, 2004.
Isso parece reforçar a tese das vantagens técnicas e econômicas da
grande propriedade unificada, como atesta Kautsky (1980), e que neste caso
específico permite racionalizar o processo produtivo, sobretudo porque é
antieconômico transportar cana a longas distâncias.
Some-se a isso o fato de que a fragmentação das áreas cultivadas
subordinadas a uma mesma agroindústria oneraria todo o processo produtivo,
inviabilizando então o lucro máximo pretendido pelo agro-empresário. Desta forma,
pode-s e d i z e r q u e o modus operandi do Complexo Agroindustrial (CAI)
sucroalcooleiro supõe tanto a concentração da propriedade privada quanto a
territorialização em larga escala.
Os resultados mais visíveis, no primeiro momento desta concentração, é o
aniquilamento dos usos anteriormente dados ao solo, agora concentrado ou
vinculado a um único empreendimento agroindustrial. Destoa, portanto, da dinâmica
em que dezenas ou até mesmo centenas de pequenos e médios agricultores
16
detinham propriedades nas quais cultivava-se desde sua subsistência até grande
parte dos alimentos consumidos local e extra-localmente.
E isto pode ser atestado nas regiões onde ocorreu e ainda ocorre esta
expansão, conforme será demonstrado posteriormente. Em outras palavras, existem
municípios nos “territórios da agroindústria canavieira” onde quase a totalidade da
sua área agricultável se encontra dedicada à monocultura da cana-de-açúcar,
geralmente subordinada a uma única unidade agroindustrial. E é justamente este
cenário de expansão que torna visível outro impacto no campo oriundo desta nova
geopolítica energética internacional: o rearranjo do espaço agrário brasileiro.
No caso específico da cana-de-açúcar, o Estado foi o grande estimulador
da expansão, via Proálcool, quando a agroindústria canavieira enfrentava uma crise
marcante. Na atualidade, o Estado volta a estimular a produção de agrocombustível,
agora visando o mercado externo, no contexto da nova geopolítica energética
internacional.
Desse modo, o estímulo estatal logo se converte em “conjuntura
favorável” capaz de atrair cada vez mais produtores, consolidando e fortalecendo o
mercado de etanol. Nesse contexto,
[...] a grande exploração do tipo comercial [...] [como é o caso da cana – de – açúcar] tende, quando a conjuntura lhe é favorável, a se expandir e absorver o máximo de terra agricultáveis, eliminando lavouras independentes, proprietários ou não, bem como suas culturas [...] (PRADO JR., 1981, p.31).
Como já constatara nosso interlocutor, em momentos favoráveis, como o
atual, a tendência é de que no intuito de aumentar a margem de lucros, o agricultor
capitalista aumente sua área plantada, caso já se ocupe desta atividade agrícola, ou
abandone aquelas menos lucrativas para se dedicar ao agronegócio canavieiro. Isso
resultará em redefinição dos usos do solo nas regiões aptas à expansão, logo, em
rearranjo do espaço agrário brasileiro.
Caso a cotação do algodão, do milho e da mandioca esteja em baixa, ao
mesmo tempo em que as áreas de pastagem encontram-se degradadas, pouco
produtivas, em contraposição à cotação favorável do etanol, para não dizer do
açúcar, haverá uma migração dos produtores, ainda mais se houver estímulos
creditícios para aqueles que venham a se dedicar à produção agromercantil.
17
Esta é uma das razões pelas quais os estados de São Paulo, Paraná,
Mato Grosso do Sul, entre outros, registraram um avanço quantitativo da cultura
canavieira, que avançou sobre áreas anteriormente dedicadas à pecuária leiteira e
de corte, bem como à produção de alimentos e demais culturas do agronegócio.
Neste contexto, não raro pequenos proprietários de terras endividados,
sem políticas públicas adequadas à produção de pequena escala, acabam
vendendo ou alugando suas terras para o agroindustrial canavieiro adjacente, o que
redefinirá o uso deste solo, ora convertido em base territorial da produção de
agrocombustíveis.
Da mesma forma, pequenos e médios proprietários que não se encontram
geograficamente alocados no entorno da agroindústria, mas nas suas proximidades,
acabam se convertendo em fornecedores de cana-de-açúcar, motivados ora pelo
cenário propício ao cultivo desta cultura, ora por esta apresentar-se como única
alternativa aos sucessivos fracassos de suas antigas atividades produtivas,
vulnerabilizadas pelas incipientes políticas públicas.
Nesse contexto, estas propriedades se especializam em vender produtos
“in natura” para complementar a produção agroindustrial, sendo, pois parte
suplementar da matéria-prima de que necessitam as usinas . Como estratégia
complementar, trata-se de um vantajoso negócio para o agroindustrial, que não
necessitará mobilizar investimentos para adquirir terras, nem remunerar a força de
trabalho; tampouco despenderá gastos com insumos ou com a reprodução dos
meios de produção. Ademais, fatores de ordem climática ou econômica que
porventura possam prejudicar o ciclo produtivo são preocupações a cargo do
produtor em questão, que por razões já evidenciadas, encarrega-se de parte da
matéria prima para produção de agrocombustíveis.
Trata-se de uma tendência generalizada, havendo várias associações de
fornecedores de cana que atuam na cadeia produtiva desta agroindústria no estado
de São Paulo (ANDRADE; DINIZ, 2007), entre os quais incluem-se até assentados
da reforma agrária ,que historicamente vem empreendendo uma luta contra o
latifúndio e o agronegócio.
A facção do MST l iderada por José Rainha no Pontal do Paranapanema [...] não participou do “abril vermelho”, mas [anunciou] aos três mil assentados presentes [...] um plano de adesão às oportunidades econômicas que estão sendo abertas pela era do biocombustível. Os assentados forneceriam a matéria prima [...] Rainha anunciou parceria com o agronegócio e empresas
18
estrangeiras [...] O projeto tem apoio do presidente [LULA] [...] [mas] não é apoiado pelo MST. (MARTINS, 2007, p.J5).
Esta tendência expansionista, que não poupa sequer assentamentos da
reforma agrária, revela mudanças nos usos do solo em dadas localidades, na quais
outras culturas, como a de alimentos, por exemplo, são penalizadas. Por isso, é
fundamental levar-se em conta o histórico apoio do Estado brasileiro à atividade
agromercantil de exportação, numa lógica do desenvolvimento capitalista marcado
pela.
[...] expansão das culturas de exportação via de regra financiadas com incentivos fiscais oriundos das políticas territoriais do estado que[no caso citado, várias instituições estatais como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa econômica Federal e alguns ministérios apoiaram o referido projeto proposto por Rainha] [...] atuou no sentido de estimular os setores competitivos, deixando praticamente abandonado as culturas que se tem constituído historicamente a alimentação básica dos trabalhadores brasileiros. (OLIVEIRA, 1995, p.37).
No que diz respeito à questão agrária, seria interessante discutir a
questão do valor da terra, do custo social em se produzir etanol, num contexto em
que a terra, esta mercadoria “sui generis”, é tratada como reserva de valor.
Como vimos, em momentos favoráveis para a produção de um
determinado gênero agrícola, se observa o aumento das atividades especulativas,
em face do intento de se auferir renda capitalista da terra em escala ampliada.
Neste contexto a implantação de uma unidade agroindustrial
sucroalcooleira em dada localidade implica também em movimentação no mercado
fundiário, manifestada na compra de propriedades tanto pelo agroindustrial quanto
por especuladores, culminando na “valorização das terras” adjacentes à
agroindústria.
Deste modo, o agricultor capitalista, que tende a expandir seu negócio à
medida que este vai se tornando mais lucrativo, acaba por englobar gradualmente
as áreas contíguas à sua propriedade.
O fato é que esta expansão é absolutamente previsível pelos
especuladores, que acabam adquirindo terras nas adjacências da usina. Isso se
converte em obstáculo à expansão da agroindústria, removido por preços acima da
média, “valorizados” pelas vantagens locacionais monopolizadas pelos
especuladores ou por proprietários fundiários (pequenos, médios ou grandes) que
19
preferem arrendar suas terras a cultivá-las, tendo em vista a possibilidade de se
auferir maior renda, a qual pode ser utilizada para comprar mais terras a fim de
valorizar seu capital, ratificando o caráter de reserva de valor que a terra adquiriu
historicamente no Brasil.
Outra estratégia especulativa manifesta-se quando o proprietário, ao ter
acesso a créditos facilitados pelo Estado, investe apenas uma parte destes na
produção, o restante é investido ora no mercado de capitais, ora na compra de mais
terras, ou mesmo bens de consumo, como carros, casas etc.
Tais ações, que com maior ou menor intensidade estão presentes desde
a modernização conservadora, podem insinuar-se com particular intensidade, haja
vista as condições criadas pela nova geopolítica energética internacional. Trata-se
enfim, de custos que combinados com a redução das áreas policultoras, com a
concentração fundiária, com a super exploração da força de trabalho empregada nos
canaviais, parecem por demais expressivos para o país.
Cabe ressaltar que a busca pela inserção do território brasileiro em um
“mercado global de etanol” se dá no âmbito da histórica divisão internacional do
trabalho, que delegou ao Brasil, assim como a vários outros países, a “função” de se
especializar, de se tornar a base territorial de determinados gêneros. No caso dos
biocombustíveis, a tendência é que venha acompanhado de fortes investimentos na
compra de terras, na construção de usinas, na constituição de sociedades
empresariais por parte do capital estrangeiro, acentuando ainda mais a
concentração de terras no país, como apontam alguns estudiosos. Enfim, aprofunda-
se a desnacionalização do solo agricultável, meio essencialmente estratégico para a
segurança alimentar do país.
Ainda assim, alguns teóricos argumentam que a produção de etanol, no
âmbito do agronegócio, seria benéfica para a economia do país, por ser capaz de
gerar empregos, de dinamizar a agroeconomia e de gerar superávits na balança
comercial. Apela-se à conveniência de utilização das vantagens comparativas que o
Brasil possui neste setor, como tecnologia, disponibilidade de terras agricultáveis
propícias, mão – de – obra, a fim de projeção sem concorrentes na produção global
de biocombustíveis. (SILVA, 2006, p.3).
Para tais defensores do agronegócio canavieiro, a expansão da lavoura
da cana – de – açúcar não traria grandes impactos ao espaço agrário brasileiro,
20
principalmente no que tange à disponibilidade de terras para os alimentos. O
argumento é justamente a dimensão das terras agricultáveis do Brasil.
Sob a ótica da ocupação do espaço físico, o limite será dado em algum ponto que é impossível prever no momento. A fronteira parece infinita. A cana pode avançar nas áreas hoje cultivadas no Brasil que somam cerca de 60 milhões de hectares, e, quando se pensa em áreas novas a serem ocupadas, 90 milhões de hectares de cerrado estão disponíveis. Assiste-se assim a ramificação da cultura na geografia brasileira no noroeste de São Paulo, Norte do Paraná, Triângulo Mineiro, Sul do Maranhão, Oeste da Bahia, Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins [...] (CARVALHO, 2006, p.5).
Observa-se assim que, para o autor “a fronteira parece infinita”. O fato é
que embora exista espaço físico privilegiado, muitas áreas estão geograficamente
localizadas em domínios de ecossistemas ameaçados, como é o caso do Cerrado.
(Figura 01). Como o que prevalece é o critério da rentabilidade, a expansão da cana
– de – açúcar não se limitará aos solos degradados pela pecuária extensiva, embora
se faça crer que esta é a regra na atualidade.
Nesse contexto, cabe ressaltar que o debate agroenergia x rearranjo
espacial requer novos argumentos, pois não parece razoável ter como parâmetro
uma expansão ao limite das áreas agricultáveis, pois isso supõe o esgotamento do
potencial agrícola do país.
Figura 01: Comparação das áreas com aptidão agroclimática para o cultivo da cana-de-açúcar (rosa) com áreas prioritárias de conservação (verde).Fonte: WWF, 2008.
21
A discussão a ser feita exige uma mudança de foco, privilegiando a lógica
que orienta a expansão canavieira no país. Isto porque a localização espacial do
cultivo/agroindústria canavieira se dá por uma conjugação de vários fatores que
tornam possível a viabilidade comercial e lucrativa deste empreendimento do
agronegócio, tais como as propriedades biogeoquímicas do solo, ou seja, aptidão
agrícola para tal, fatores climáticos, disponibilidade de mão de obra, canais de
distribuição já constituídos para fluidez de tal produção, seja para o interior do
território, seja para exportação etc.
A lógica da alocação espacial da agroindústria canavieira pode não
coincidir com os fatores conjunturais existentes nas áreas potencialmente
incorporáveis, como temos visto até então.
É o que mostra o mapa da localização geográfica das usinas (Figura 02).
Observa-se que em determinados espaços do território nacional há uma maior
concentração espacial destas unidades agroindustriais do que em outros. Não é por
pura coincidência que 85% da produção de cana se concentra no Centro-Sul, e mais
surpreendente, 60% de toda produção nacional está concentrada em um único
estado, a saber, São Paulo. (AGROANALYSIS, 2005).
Figura 02: Localização Geográfica das Usinas Sucroalcooleiras Fonte: Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico, 2008.
22
Portanto, estamos diante do processo de territorialização do capital, o
qual avança sobre áreas tradicionalmente produtoras de alimentos e outros gêneros
agrícolas, como demonstra a lógica de alocação espacial da agroindústria
sucroalcooleira representada na figura anterior.
A discussão não passa, portanto, pelo eventual esgotamento do espaço
físico agricultável do Brasil, embora em alguns municípios isso já ocorra, mas para a
inexistência de uma política estatal de zoneamento agrícola: “[...] no Brasil, o uso do
solo agrícola não é regulado, disciplinado ou limitado, ficando ao livre arbítrio das
forças de mercado a destinação das áreas disponíveis à produção de cana ou de
alimentos” (ANDRADE e DINIZ, 2007, p. 67).
Diante do cenário favorável, nas áreas já incorporadas economicamente,
aumenta-se os canaviais, sem equivalência dos demais cultivos. Nas áreas de
expansão, igual lógica se sobressai, com a fronteira pressionada pela realocação
geográfica de determinadas culturas “engolidas” pela cana, que avançam rumo às
áreas ainda incultas.
Portanto, o argumento de que a substituição de atividades anti-
econômicas pela cana-de-açúcar é benfazeja é inconsistente. Antes, a discussão
dos impactos desta geopolítica energética não pode ficar restrita à superficialidade
de um improvável esgotamento físico do solo agricultável do país. Deve-se
compreender como a lógica do “livre arbítrio das forças de mercado” ordena a
territorialização dessa atividade agrícola em detrimento de outras.
Tabela 02 - Previsão da demanda por etanol - 2010País Demanda Prevista
Brasil 16,9 bilhões de lts
Eua 18 – 20 bilhões de lts
Japão 6 a 12 bilhões de lts
Eu 9 a 14 bilhões de lts
Leste Europeu 1 a 2 bilhões de lts
Total 57 bilhões de litros
Fonte: AGRONALYSIS, 2005, p.35. Org. Marcos Antonio de Souza
Desta forma, a questão é o “quanto expandir”. Atualmente o plantio de
cana-de-açúcar ocupa cerca de 0,6% do território nacional (AGROANALYSIS,
2005), embora os principais promotores da nova geopolítica energética estabeleçam
23
em 12% a porção do país apta à cana. A tabela 02 traz uma previsão da demanda
por etanol no ano de 2010, cujos dados podem confrontar-se com as pretensões em
expandir a cultura canavieira.
Diante desse cenário, que inclui países interessados em adicionar o
etanol à sua matriz energética, como Tailândia, Índia, China, México etc. a demanda
de etanol seria de 57 bilhões de litros, em média. Na safra 2006/07 o Brasil produziu
cerca de 21,4 bilhões litros de álcool em mais de 7 milhões de hectares, conforme
apontam os dados do MAPA (2008).
Levando-se em conta a conjuntura atual, as previsões são de amplo
crescimento da área plantada nos próximos anos, devido à demanda que só tende a
aumentar, uma vez que estas projeções foram feitas em 2005, antes de ações
coordenadas em torno da atual geopolítica energética internacional. O quanto
expandir é a questão, ainda mais levando-se em conta que mais de 75% da
produção brasileira é proveniente do Centro-Sul, grande produtor de alimentos,
assim como de outros gêneros agrícolas.
Se com o advento do Proálcool, em 1979, o atendimento da demanda
interna resultou no salto de 2,4 para 11,8 bilhões de litros de álcool produzido em
1986 (ápice da fabricação de veículos a álcool, com 699.183 unidades), com o
conseqüente avanço da área colhida de 2.536.976 ha para 3.944.68 ha, (PINAZZA,
2000, p.33), imagine o que seria substituir 20% do petróleo consumido nos EUA,
como é a meta do governo daquele país, sem contar a demanda do Japão, União
Européia etc.
Considerando que a maior potência do globo consome cerca de 20
milhões de barris diários de petróleo, conforme aponta a Agência de Informação
Energética dos EUA, (EIA, 2007), 20% representariam anualmente cerca de 1,4
bilhões de barris.
Segundo o Centro de Tecnologia Canavieira - CTC - (2002), 0,8t de cana
produzem em etanol o equivalente a um barril de petróleo, o que significa que a
demanda estadunidense gira em torno de 1,1 trilhões de toneladas de cana – de –
açúcar, sendo que na safra 06/07 a produção brasileira foi de cerca de 428,3 bilhões
de toneladas (MAPA, 2008).
Levando-se em conta que o rendimento nesta mesma safra foi de 74,05
toneladas/ ha, IBGE (2007), seriam necessários quase 19 milhões de hectares só
24
para atender a demanda estadunidense, desprezando-se a demanda interna e dos
demais países.
Embora não se possa admitir que o Brasil possa produzir 100% do etanol
demandado pelos EUA, até porque aquele país já produz esse agrocombustível em
larga escala, via produção de milho, a simulação também despreza a demanda da
União Européia, China, Índia, Japão, além da própria demanda interna brasileira e
outros potenciais consumidores de etanol.
Cabe ressaltar ainda que esta tendência à monocultura canavieira pode
trazer sérios riscos ao próprio agronegócio, como já demonstra a história dos ciclos
econômicos brasileiros.
É sabido que os países dependentes de um mercado global de etanol não
ficariam dependentes de um eventual monopólio brasileiro. Em outras palavras,
estimular-se-ía outros países a incrementarem este mercado global, o que
pressionaria uma baixa de preços e afetaria diretamente os produtores nacionais.
Por sua vez, aumentaria ainda mais a subjugação dos trabalhadores rurais, uma vez
que os mecanismos de apropriação da mais valia seriam ainda mais rigorosos para
sustentar os lucros do agroindustrial e mantê-lo competitivo nestas novas condições.
Por outro lado, paises importadores poderiam criar mecanismos
protecionistas para determinados países produtores, os quais passariam a contar
com subsídios à produção canavieira, dificultando a posição privilegiada do Brasil
neste mercado.
Numa simulação, os EUA poderiam privilegiar importações de etanol
oriundas do México, que tem tradição na produção de cana – de - açúcar e é
membro do NAFTA, ou ainda poderia atuar no âmbito do Tratado de livre comércio
entre os EUA – América Central e Republica Dominicana (CAFTA-DR ), priorizando
a produção destes países, que possuem acordos econômicos com os EUA e que
possuem condições para a expansão canavieira.
Desta forma, os mecanismos protecionistas e de incentivo à ampliação de
um mercado global deste agrocombustível transcenderiam o raio de atuação dos
paises importadores em suas próprias fronteiras nacionais, atingindo as fronteiras
dos blocos econômicos dos quais fazem parte.
Aumenta-se a oferta mediante esses estímulos, beneficiando a curto
prazo as elites agrárias destes países que adentram essa lógica produtiva, embora
piorem as condições dos trabalhadores rurais. Não obstante, caso isso ocorra, o
25
Brasil, líder global desta produção, será pressionado a baixar os custos do processo
produtivo para manter a competitividade, o que supõe a intensificação da exploração
da força de trabalho nacional e dos próprios biomas.
Outro ponto a ser destacado nesta discussão é a questão da segurança
alimentar do país frente a expansão voraz do agronegócio canavieiro.
No Brasil, os sistemas de produção agrícola historicamente estiveram
sujeitos à Divisão Internacional do Trabalho, prevalecendo a monocultura
agroexportadora em detrimento da produção de alimentos. No plano interno, a
exploração agrícola capitalista tem privilegiado a produção de monocultivos
destinados a suprir a necessidade externas, enquanto a produção de alimentos foi
delegada a pequenos proprietários de terras, arrendatários, parceiros, posseiros
etc., que geralmente empregam a família na sua unidade de produção, praticando
majoritariamente a policultura camponesa, como aponta Paulino (1997, p.18).
Desta forma pode-se dizer que as estruturas agrárias do país, que no seu
processo de formação e consolidação tiveram um forte apoio estatal, interferem
diretamente na disponibilidade e acessibilidade dos alimentos.
Desde 1998, embalado por um conjunto de eventos favoráveis e sucessivos, o agronegócio cresceu muito, principalmente em sua orientação para o mercado externo. Um caminho sem reversibilidade. Os investimentos expandiram a área plantada em quase um terço, enquanto as exportações praticamente dobraram. (AGROANALYSIS, 2005, p.13).
Levando-se em conta que a expansão do agronegócio canavieiro implica
redução da área plantada com os principais alimentos consumidos pelos brasileiros,
atingindo inclusive assentamentos da reforma agrária, não se pode descartar
problemas de abastecimento, o que pressionaria os preços, dificultando o acesso da
população à comida, fato já observado no passado.
Devido à avidez do lucro, a principal preocupação desde o início foi plantar cana para o fabrico de açúcar, ficando em segundo plano a produção de gêneros alimentícios de subsistência [...] no período canavieiro, a crise da agricultura de subsistência chegou atingir tão graves proporções que a metrópole teve de intervir através de uma legislação que tornava obrigatório [...] destinar uma parte de seu domínio ao plantio de gêneros alimentícios de subsistência. (ADAS, 1988, p.42).
26
Trata-se de uma possibilidade, já confirmada no ciclo açucareiro colonial
no Caribe, no ciclo do Cacau no Nordeste, do café, entre outros ciclos monocultores
e em diferentes regiões do planeta.
A partir do momento em que a monocultura apresenta resultados
lucrativos, estimulados por incentivos fiscais e financiamentos por parte do Estado,
ocorre uma mobilização de recursos materiais e humanos, além de terras, para a
produção agromercantil, ficando a produção de alimentos relegada a segundo plano
e, ainda, sem contar com os mesmo incentivos estatais com os quais conta o
agronegócio em questão.
Daí a necessidade de se refletir sobre os estímulos aos agrocombustíveis,
pois na medida em que a monocultura canavieira avança, o país fica mais
dependente do comércio mundial de alimentos, o qual é dominado por grandes
transnacionais do setor. Isso dificulta ainda mais o acesso da população pobre aos
principais alimentos, contrastando com a grande disponibilidade de terras e mão de
obra que poderia ser mobilizada para suprir a demanda interna.
Esse cenário de expansão do agronegócio, em detrimento da produção
de alimentos, já pode ser observado no país, conforme evidenciam os dados a
seguir.
Tabela 03 - Variação na área colhida – 1990 – 2007Gênero Agrícola Variações
Cana-De-Açúcar +44,4%
Soja +80,2%
Tomate -8,1%
Feijão -8,9%
Batata Inglesa -9,4%
Arroz -24,9%
Fonte: IBGE, 2008
Org. Marcos A. Souza.
Esses dados ratificam nossas ponderações acerca do avanço monocultor
sobre as áreas de produção de alimentos, pois a soja e a cana-de-açúcar
apresentaram uma dinâmica inversamente proporcional às culturas alimentares, que
apresentaram um declínio na área colhida.
Sobre esta questão, Oliveira (2008) pondera que:
27
O avanço de um, reflete inevitavelmente no recuo dos outros. Daí a crítica radical de Jean Ziegler [...] que classificou o etanol como “crime contra a humanidade”. A área plantada de cana - de- açúcar na última safra chegou perto de 7 milhões de hectares, e em São Paulo, onde se concentra mais de 50% do total, já ocupa a quase totalidade dos solos mais férteis existentes [...] Os dados do IBGE entre 1990 e 2006, revelam a redução da produção de alimentos impostas pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu nesse período mais de 2,7 milhões de hectares.Tomando-se os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana no período, se verifica que neles, ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz. Esta área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional e 1 milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-se nesses municípios a produção de 400 mil litros de leite e mais de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino.
Muitos poderão afirmar que embora possa ser constatada uma
diminuição da área plantada de determinados gêneros alimentícios, nesse período
houve aumento de produtividade, o que compensaria tal decréscimo. Ocorre que
esta mesma produtividade aumentou consideravelmente no caso da soja e da cana-
de-açúcar, paralelamente ao aumento da área plantada.
Considera-se que o país poderia aumentar a oferta de alimentos,
reduzindo seus preços e facilitando o acesso a uma parcela que possui dificuldades
para tal. Isto num contexto em que 72 milhões de brasileiros estão numa situação de
insegurança alimentar, dos quais cerca de 14 milhões passam fome3. (IBGE, 2006,
p.27).
Não obstante, constata-se que se o privilégio dos cultivos voltados
preferencialmente ao mercado externo, sob a hégide da grande exploração
mercantil, embora seja a agricultura familiar4 a que produz a maior parte de alguns
dos principais alimentos consumidos internamente, senão vejamos a tabela 04.
Outros tantos poderão argumentar que entre 1979 e 1986, que
corresponde ao início da produção de carros movidos a etanol em larga escala e ao
ápice desta produção industrial, respectivamente, embora a produção tenha
3 De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/Segurança Alimentar publicada em 2006, referente ao ano de 2004, dos 72 milhões de brasileiros que estavam em situação de insegurança alimentar, 16% apresentavam insegurança alimentar moderada, 12,3% leve, e 6,5% grave. Na região Sul, a insegurança alimentar estava presente em 24,5% dos domicílios, sendo que em 14,9%, esta era moderada, 7,3% leve e em 3,5% grave.4 Neste estudo realizado pelo CEPEA (2008), foi considerado como estabelecimento de agricultura familiar aqueles menores de 100 hectares.
28
aumentado em cerca de 71%, e a área plantada 55,5% (IBGE, 2007) o preço dos
alimentos não sofreram reajustes significativos.
Há que se retratar que [...] a economia brasileira era fechada e o governo administrava os preços dos produtos considerados relevantes [inclusive do álcool]. Convivia-se com um ambiente que mascarava o livre mercado. (ANDRADE, DINIZ, 2007. p.66).
Desta forma, a existência de uma incipiente e desproporcional política agrícola
voltada para a produção de gêneros que compõe a base alimentar dos brasileiros pode
ser desmontada, trazendo maiores riscos à soberania alimentar do país.
Tabela 04 - Condição da produção agrícola por produtos selecionadosProdutos < 100 hectares
(familiar)>100 hectares
(patronal)Mercado
Relevante
Arroz 29,1 70,9 ExternoBatata 63,2 36,8 InternoCana 12 88 ExternoFeijão 71 29 Interno
Mandioca 85 15 InternoSoja 25,1 75 Externo
Tomate 67,3 32,7 InternoFonte: CEPEA, 2008.
Org. Marcos Antonio de Souza.
Não é demais recordar o fato de que nas antigas áreas dedicadas ao
cultivo da cana - de - açúcar, como é o caso do Nordeste açucareiro, do Haiti, Cuba,
etc declinaram vertiginosamente a produtividade do solo após sucessivos cultivos de
cana-de-açúcar.
[...] hoje se sabe que a perda da fertilidade é um fator importante no mecanismo da erosão e a cana esgota rapidamente a fertilidade dos solos, alterando sua estrutura e diminuindo sua resistência às forças de desagregação. [...] A história da economia canavieira (...) tem sido uma demonstração categórica desta capacidade que tem a cana de dar mui to no pr inc ip io , p / devorar d e p o i s q u a s e t u d o autofagicamente. (CASTRO, 2001, p. 98, 99).
Isto se torna preocupante na medida em que esta expansão se
territorializa e passa a exercer um monopólio sobre as mais promissoras áreas de
aptidão agrícola do país, como é o caso da terra roxa estruturada, no norte do
Paraná.
29
Portanto, ao se discutir a relação entre agroenergia e soberania alimentar
se quer destacar não o esgotamento físico do território, mas sim o desdém à
produção de alimentos em prol do agronegócio canavieiro.
Por outro lado, a cultura da cana - de - açúcar, ao empregar agrotóxicos,
provocar desmatamento no processo de expansão, além das sucessivas queimadas,
acaba por esgotar e alterar as propriedades bioquímicas do solo, enfraquecendo e
erodindo-o. Isso faz diminuir significativamente a produtividade destas terras, que
outrora serviam de base territorial da produção de alimentos, o que revela o custo
social de tal expansão.
Outro ponto a ser destacado diz respeito às contratações. O fato é que
historicamente o trabalho nas lavouras canavieiras tem sido considerado desumano,
tento em vista o desgaste físico e mental, assim como as baixíssimas remunerações
pagas aos cortadores de cana, mesmo com o agronegócio canavieiro lucrando cada
vez mais. Isso corrobora o fato de que:
[...] o desenvolvimento agrícola por si só não proporciona elevação compensadora dos níveis de vida e que a obtenção de maior produtividade e de maior renda do capital invertida, não é acompanhada pela elevação dos padrões de vida de população rural. (PRADO JUNIOR, 1981, p. 31).
Sobre os cortadores de cana, há que se advertir sua ligação histórica com
a terra, ora como lavrador, ora como assalariado rural, como aponta Silva (2008,
p.63). Com a crise nas atividades produtivas às quais estavam subordinados, foram
expulsos do campo, de modo que a base física de sua existência, fundada na
residência e no trabalho foi rompida com a “modernização conservadora”. Desde
então, foram convertidos em trabalhadores sazonais, que tem como última opção
vender sua força de trabalho ao agroindustrial canavieiro. (D’INCAO, 1984, p.16).
Com relação a sua origem, estes empreendem verdadeiros fluxos
migratórios, principalmente da região nordeste para o centro-sul do país, onde são
submetidos a condições subumanas; no âmbito do processo de apropriação da
mais-valia, suas condições materiais de existência se assemelham a de escravos do
período colonial. Cabe ressaltar ainda o intenso fluxo migratório pendular destes
trabalhadores, que se deslocam cotidianamente dos seus municípios localizados em
regiões produtoras para a lavoura canavieira.
30
O fato é que essa super exploração da força de trabalho tende a
aumentar com a expansão do agronegócio canavieiro, uma vez que o processo de
concentração fundiária, já abordado, faz com que haja maior abundância de mão de
obra, uma vez que expropria ou expulsa o camponês de sua unidade de produção.
No âmbito do mercado de trabalho, isso acaba por rebaixar os salários já baixos, e
submete os trabalhadores a uma exploração cada vez maior.
Em condições de excesso de oferta de mão de obra no mercado de
trabalho, o agricultor capitalista tem a possibilidade de apoderar-se de uma quantia
maior de mais valia, o que conseqüentemente irá aumentar seus lucros, que
poderão ser reinvestidos no incremento e na expansão física de sua produção,
agravando ainda mais a exploração do trabalhador.
Assim, são exigidos níveis de produtividade cada vez maiores, ao mesmo
tempo em que pioram as condições de trabalho e são rebaixados os salários, afinal,
se os trabalhadores, expropriados e sem alternativa para sustentar suas famílias,
não se submetem a essas condições, existe um exército de reserva gigantesco,
pronto a substituí-los. Este é composto majoritariamente por expropriados da terra,
resultado do histórico processo de concentração fundiária que se agrava durante os
ciclos econômicos baseados na exploração agromercantil.
A expansão da produção de agrocombustíveis sobre áreas de policultura
faz com que haja uma expropriação crescente dos trabalhadores destas unidades de
produção, que para se reproduzirem tem de vender sua força de trabalho sob
condições impostas pelo agroindustrial. Aí se manifesta uma contradição gigantesca
entre o lucro cada vez maior do agroindustrial e as péssimas condições materiais de
existência do assalariado rural, num contexto em que:
[...] a cultura da cana – d e – açúcar [intensificada pela nova geopolítica energética internacional] se processa em um regime de autofagia: a cana devorando tudo em torno de si engolindo terras e mais terras, consumindo o humo do solo, aniquilando as pequenas culturas indefesas e o próprio capital humano, da qual sua cultura tira toda a vida. (CASTRO, 2001, p. 99).
Portanto são as condições de super exploração da força de trabalho que
fazem com que o Brasil, no âmbito da divisão internacional do trabalho, ao produzir
etanol, utilize a apropriação de mais valia e a converta em uma vantagem
comparativa. Eis uma das razões pelas quais o país é o mais competitivo do mundo
neste setor econômico
31
Esta conjugação de fatores supõe a disponibilidade de milhões de
hectares agricultáveis, em uso ou não, incentivos estatais, além de tecnologia
mundialmente reconhecida e ainda sem competidores à altura.
Isto sem contar com o multitudinário exército de mão – de – obra a ser
explorado, resultado de políticas semelhantes que priorizaram a monocultura
agroexportadora, expropriando milhões de trabalhadores de suas unidades de
produção. Estes migraram forçosamente para as periferias das grandes cidades,
principalmente, e agora retornam ao campo sob a condição de “bóias - frias”, se
submetendo à lógica do capital. Ainda assim, há quem afirme que a expansão da
monocultura, com fins de se produzir agrocombustíveis, trará benefícios para toda a
sociedade.
Embora possa ser lucrativa e rentável temporariamente para o
agronegócio (basta considerar outros ciclos econômicos nacionais baseados na
agroexportação), o fato é que justamente em épocas de maior expansão deste setor,
maior tem sido a exploração e subjugação da força de trabalho. Na atualidade, ela é
equivalente à da escravidão colonial, como apontam alguns estudiosos.
Outra hipótese a ser levantada é que a expansão desordenada da
monocultura canavieira pelo território intensificará conflitos sociais. Isto porque no
Brasil a luta pela terra tem sido uma forma de resistência empreendida pelos
expropriados, visto que como assinala Martins (1995, p.35) parte do campesinato
brasileiro, após ser expulso da sua unidade produção, empreende toda uma luta
para a terra reconquistar.
Estamos, pois diante de um cenário em que o avanço da monocultura
canavieira poderá aprofundar situações de conflito social no campo, pois à
expropriação some-se o avanço sobre áreas onde já existem fortes tensões sociais,
o que por si só ratifica esta colocação.
De acordo com o MAPA (2007) existem cerca de 330 usinas no Brasil, as
quais processam a cana produzida em cerca de 7 milhões de há. Isso representa
uma área média de 21,2 mil ha. por unidade agroindustrial. (IBGE, 2007)
O fato é que os principais conflitos sociais observados no campo
brasileiro estão intimamente ligados à luta pela reconquista de terra retirada do
camponês, em processos não muito diversos do da expansão da cana – d e –
açúcar. Foi o avanço de atividades do agronegócio, em diferentes períodos
históricos, que motivaram contraditoriamente processos de resistência camponesa,
32
desde os quilombos, passando pelas ligas camponesas, movimentos regionais
diversos, chegando até o MST e outros movimentos sociais.
Portanto, a nova geopolítica energética internacional, ao buscar
transformar o etanol na mais nova commoditie do agronegócio brasileiro, poderá
absorver e concentrar grandes parcelas de terra, expropriando milhares de
trabalhadores rurais, o que possibilitará, por outro lado, a intensificação da histórica
luta pela terra no Brasil.
1.2. O processo de territorialização do capital no agronegócio canavieiro: aspectos conceituais
Antes de se iniciar a discussão acerca das implicações do processo de
territorialização do capital no agronegócio canavieiro do norte do Paraná, faz-se
necessário realizar algumas considerações que ajudarão a caracterizar e a
compreender algumas peculiaridades deste processo.
Em primeiro lugar, quando se faz referência à territorialização do
agronegócio canavieiro, se está falando do processo pelo qual os grupos detentores
do capital empregado nesta atividade econômica se apropriam física e
(simbolicamente) de uma porção do espaço geográfico, delimitando desta forma sua
área de atuação, ou seja, seu território, conforme elucida Raffestin (1993, p.143).
Contudo isso não significa que este capital exercerá a partir de então um
controle tão somente sobre a base física em que está assentada a sua produção,
quer dizer, sob as áreas de plantações de cana de açúcar, a unidade agroindustrial
onde esta cana é processada (usina), objetos estes que geralmente são propriedade
privada do negócio agroindustrial.
Pelo contrário, esta apropriação territorial vai além destes domínios físicos
privados, compreendendo ainda o controle sobre a força de trabalho necessária a
sua produção, e em muitos casos o aparelho de estado na sua representação local.
Enfim, os limites deste território passam a ser definidos pelo controle de tudo aquilo
que é necessário para a reprodução ampliada do capital do agronegócio canavieiro.
Este processo acaba resultando em um território gestionado e ordenado
por este tipo de capital, o que acaba produzindo formas espaciais e práticas sociais
33
bem específicas, produzidas no âmbito desta territorialização, cuja concretude no
visível e no invisível (essência e aparência) são os limites deste território.
E as delimitações destes territórios se dão através de relações de poder,
como aponta Raffestin (1993, p.144), poder este que emana dos grupos detentores
do capital investido no agronegócio canavieiro e que travam uma luta com outras
formas territoriais já existentes. Isto para se apropriarem e subjugarem tudo aquilo
de que necessitam para auferir a máxima renda fundiária possível, ou seja, os solos
(aqui se compreende a fertilidade e a localização dos solos propícios ao cultivo da
cana de açúcar5), a infra-estrutura para circulação de insumos e da produção
canavieira, a força de trabalho necessária para esta produção, e por outro lado,
influindo de forma determinante no comércio, na qualidade de vida da população
local, fatores estes que acabam caracterizando a territorialidade das formas e das
práticas sociais aí existentes.
Isto representa dizer que no interior destes territórios geridos por este
poder econômico, grande parte do que nele ocorre está de uma forma ou de outra
relacionado com o tipo de atividade econômica que territorializou o espaço.
No caso específico do processo de territorialização do agronegócio
canavieiro, há de se considerar que existe uma subordinação da dinâmica urbana
dos municípios que possuem porções de seu território político-administrativo como
base territorial do CAI sucroalcooleiro. O principal motivo desta subordinação se dá
pela dependência econômica destes núcleos urbanos com relação ao capital aí
territorializado.
E como se sabe, o agronegócio canavieiro é uma atividade econômica,
que por sua estrutura de produção se apresenta como sendo altamente
concentradora de terras e renda, daí o fato de que a renda fundiária auferida pelos
agroindustriais capitalistas acaba ficando nas mãos de uma minoria detentora do
capital investido neste negócio, que na maioria das vezes não reside na região da
base territorial da produção, o que significa uma evasão da renda fundiária gerada
pelo agronegócio canavieiro.
Ora, se a riqueza socialmente produzida pelos trabalhadores não fica
nestes municípios, pode-se dizer que a dependência econômica de que se fala, é
uma dependência pelo salário destes trabalhadores, que ao adquirir os gêneros
5 Fatores que possibilitam ao agroindustrial auferir renda diferencial da terra.
34
necessários para sua reprodução o colocam sob circulação no comércio local.
Isto pode se comprovado pelo fato de que, é na época das safras que
duram em média 8 meses, que se constata uma maior prosperidade no comércio
local, uma vez que este depende do dinheiro circulante dos assalariados da
agroindústria canavieira, sendo pois geralmente um comércio que existe
primeiramente para suprir as necessidades imediatas destes trabalhadores.
Aí está uma contradição na divisão da renda socialmente produzida:
mesmo explorando a mão-de-obra local, os recursos naturais etc, cujo processo de
territorialização assegura, há uma evasão da renda fundiária para o exterior do
domínio político-administrativo do município. E isto justifica o fato de que mesmo o
agronegócio canavieiro sendo tão rentável, os municípios dos territórios do capital
sucroalcooleiro são extremamente pobres.
Pobres porque sua dinâmica geoeconômica gira em torno da ínfima parte
desta riqueza socialmente produzida que fica nestes municípios sob a forma de
salário pago ao trabalhador para sua reprodução como pessoa.
É desta forma que cai por terra o discurso dos defensores do
agronegócio, que apregoa as benesses da dinâmica econômica dos municípios que
constituem a base territorial do empreendimento agroindustrial canavieiro, como
será demonstrado posteriormente.
Como pode haver esta dinamicidade econômica se o CAI sucroalcooleiro
ao territorializar sua área de atuação subordina os "sistemas de objetos e de ações"
aos interesses da reprodução ampliada do capital aí investido, sendo incompatíveis
com a distribuição da riqueza socialmente produzida?
E como se sabe, a canavicultura de base empresarial é uma atividade
que concentra terras tanto do ponto de vista quantitativo, quanto espacial, fato que
justifica sua territorialização de forma concentrada no entorno da agroindústria, por
razões de ordem da racionalidade econômica capitalista.
Ora, esta concentração espacial, aliada a subordinação massiva de todos
os fatores de produção existentes no local, dificulta a diversidade econômica, (pelo
menos de atividades de grande porte), devido ao monopólio territorial exercido pelo
agronegócio canavieiro, o que por sua vez aumenta ainda mais a dependência deste
município, principalmente no que tange a sua dinâmica econômica.
Subordinação esta que vai além da dependência econômica destes
municípios, uma vez que o agronegócio canavieiro “[...] adota as mais avançadas
35
formas de controle social e de domínio ideológico dos trabalhadores” (THOMAZ JR,
2007, p.3), o que por sua vez acaba submetendo a força de trabalho local aos
interesses da reprodução ampliada do capital aí investido.
Primeiramente esse controle social e ideológico deste indispensável fator
de produção que se encontra sob a territorialidade do capital sucroalcooleiro, se
manifesta através de “[...] uma inversão do real no plano ideológico [...]” (OLIVEIRA,
1995, p.62), que configura no processo de alienação capitalista, pelo qual o
trabalhador não consegue enxergar a riqueza socialmente produzida por ele como
fruto de seu trabalho.
O próprio discurso da eficiência produtiva e do “agronegócio que
emprega”, parece funcionar como ferramenta ideológica de subordinação de toda
sociedade, e de forma mais intensa o trabalhador, num contexto onde:
É comum ouvir de um trabalhador que o capitalista tem o direito de obter o lucro, pois ele é o dono do capital. Sendo assim, tem o direito de aumenta – lo, pois sem ele (o capital) não haveria trabalho para os trabalhadores. (OLIVEIRA, 1995, p.62).
Por outro lado não são dispensados outros mecanismos de coerção da
força de trabalho, como as ameaças e o cumprimento das mesmas feitas a
trabalhadores ou lideranças comunitárias que reivindicam melhores condições de
trabalho e de salário.
E como a força motriz destes municípios é a agroindústria canavieira, a
insubordinação a este processo de exploração pode significar a única possibilidade
de trabalho com que contam estes trabalhadores para sustentar a si e a sua família.
Por outro lado, até mesmo a escolaridade da força de trabalho é de certa
forma influenciada pelo tipo de atividade e pela forma de produção que territorializou
este espaço, sendo está de acordo com o nível de automação exigido por esta
atividade, sendo no caso da cana de açúcar baixa, uma vez que grande parte da
demanda por trabalhadores deste setor é para o corte de cana, função esta que não
requer muito ou nenhuma instrução formal.
Por outro lado, as condições de saúde da população desta territorialidade
estão de certa forma subjugadas ao poder de controle do território canavieiro. As
sucessivas queimadas, por exemplo, aumentam a ocorrência de problemas
respiratórios da população local, assim como as péssimas condições de trabalho na
36
lavoura, os movimentos repetitivos executados pelos cortadores de cana acabam
por aumentar a incidência de certos tipos de doenças entre os trabalhadores.
Desta forma, pode-se dizer que existe uma relação direta entre estas
doenças com a atividade econômica que territorializou-se em uma determinada
porção do espaço geográfico, influindo assim no modo de vida da população que
habita este território controlado pelo capital sucroalcooleiro.
Se a língua nacional, a coesão étnico-cultural, por exemplo, caracterizam
por assim dizer a territorialidade de um Estado-Nação, o sentimento de
pertencimento do sujeito ao território gerido e ordenado pelo poder econômico se dá
mediante constatação da sua relação direta como dependente ou influenciado por
este poder, principalmente no âmbito das relações sociais de produção, assim como
em outras esferas do seu cotidiano, o que acaba conferindo unidade e
pertencimento na sujeição a um mesmo objetivo territorializado, daí o fato de esta
territorialidade abranger tudo e todos que em um determinado espaço estão sujeitos
a uma mesma estrutura de poder.
Outro ponto fundamenta l para esta anál ise é a questão da
multiterritorialidade que caracteriza o atual estágio da evolução estrutural do
capitalismo. Isto ocorre porque há uma série de dimensionamentos em que se é
possível territorializar vários objetivos distintos sobre uma mesma porção do espaço
geográfico, sendo isto possível devido ao fato de que “[...] o território se apóia no
espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço.” (RAFFESTIN
1993, p.144).
Ora, cada representação de poder territorializa sua área de atuação sob o
espaço e passa a controlar e a exercer este poder segundo a dimensão que requer
o objetivo que territorializou este espaço. Por exemplo, os territórios controlados
pelo setor sucroalcooleiro ocupam uma porção do espaço geográfico que também é
parte do território do estado-nação.
Há neste caso uma sobreposição de territórios, de formas territoriais
distintas, onde cada agente o controla dentro da sua “soberania”, neste caso
especifico o poder político e o poder econômico, cada qual atuando dentro de sua
dimensão, podendo sim ocorrer (quando os objetivos do Estado são confluentes
com os objetivos de classe aí territorializados) a união destes com o intuito de
combinarem sua ação de controle sobre este mesmo espaço geográfico, embora
37
que de formas distintas, no intuito de perpetuar a forma territorial que lhes garanta o
poder de controlar estes territórios, cada qual na sua dimensão.
Não obstante ao processo descrito anteriormente, o fato é que via de
regra, agentes do poder econômico de um setor como o canavieiro acabam
exercendo também o controle das políticas de gestão do território do estado-nação
sob a forma de lobbyes, que no âmbito do poder político, exercem um papel de
favorecimento ao grupo econômico os quais representam.
Outro ponto a ser destacado é a questão da não continuidade física do
espaço geográfico que compõe o território do capital do agronegócio canavieiro,
quer dizer, a área delimitada por este setor não é necessariamente uma porção
geográfica contínua, dotada de uma paisagem homogeneizada pelas plantações de
cana de açúcar ou pelos meios necessários para sua produção.
Pelo contrário, se trata de uma série de porções geográficas descontinuas
espacialmente6, embora não na essência que garante a totalidade e a unidade do
território do capital do agronegócio sucroalcooleiro, uma vez que este exerce sua
“soberania” de forma conjunta e não isolada, seguem uma mesma lógica de
expansão e reprodução do capital investido sob uma mesma atividade econômica, e,
sobretudo são mediados nos seus interesses (do capital) por um mesmo Estado,
ocupando um espaço geográfico, mesmo que descontinuo, de um mesmo estado-
nação.
Por outro lado esse território do agronegócio canavieiro, por ser um
empreendimento capitalista, não é controlado por uma única pessoa física ou
jurídica, gestionado como se fosse algo unitário. Neste caso, como o da
territorialização de uma atividade econômica qualquer, cada proprietário privado de
cada unidade agroindustrial delimita sua área de atuação e orienta sua expansão de
forma individual (ainda que seguindo critérios padronizados), sendo regulados tão
somente pelos mecanismos de mercado.
Separados geograficamente através da descontinuidade física do espaço
e pela propriedade privada da terra e dos meios de produção com que conta cada
unidade agroindustrial canavieira de uma gestão única, mas totalidade enquanto
6 As áreas territorializadas pelo agronegócio sucroalcooleiro podem ser até homogêneas quando se leva em consideração a escala regional, dada a existência dos chamados “mares de cana”. O fato é que numa escala nacional, estas territorialidades se encontram geograficamente localizadas em vários pontos do país, separadas por outras ocupações do solo.
38
atividade econômica que se expande pelo território de um mesmo estado-nação
seguindo os mesmos critérios.
Totalidade territorial que se expressa, sobretudo pelos mesmos
interesses de reproduzir amplamente o capital investido numa mesma atividade
econômica, que se territorializa e gestiona esse território de forma padronizada
como se fosse um todo.
Deste modo, embora apareçam espacialmente fragmentados em áreas
esparsas pelo território nacional, pode se afirmar que existe um território do capital
sucroalcooleiro, território-totalidade demarcado pelos mesmos meios e para os
mesmos fins, e deve ser concebido como único porque é “[...] uma delimitação em
relação a outros objetivos possíveis” (RAFFESTIN, 1993, p.153), ou seja, um capital
empregado numa mesma atividade econômica, com um mesmo objetivo, o que une
os espaços descontínuos geograficamente por se diferenciarem dos demais que
também se territorializam.
O fato é que se não há dúvida de que várias ilhas e outras áreas a
milhares de quilômetros de um país pertencem a um único estado-nação (Ilhas
Malvinas no Atlântico Sul pertencentes a Inglaterra, O Alaska aos EUA, etc.), não
pode haver dúvida para a unidade territorial destes espaços que se encontram
fragmentados espacialmente.
E não dá para dizer que são manchas, porções espaciais desconexas
entre si, porque na verdade estão interconectadas concreta e abstratamente através
das redes tecidas pelo meio técnico-cientifico-informacional.
Sendo o território segundo Raffestin (1993, p.144), produto das relações
de poder, a constituição do território do capital sucroalcooleiro não se dá de forma
“pacifica”, quer dizer, sem encontrar resistência.
E se há resistência é porque há nessa porção geográfica ambicionada
uma territorialidade já constituída. É nesse contexto que se processa a
desterritorialização de antigas práticas e representações espaciais (uma atividade
econômica, por exemplo) juntamente com uma mudança nas relações sociais de
produção, estas últimas se adaptando as exigências da nova territorialização.
É de fato uma luta travada entre poderes, porque não dizer luta de/entre
classes pela demarcação do território. Cabem as forças enfraquecidas em vias de
desterritorialização, resistirem in loco ao novo poder, que neste caso significa
mesmo em condições adversas, continuar insistindo nas antigas práticas e na
39
manutenção mesmo que sob a forma de resquícios, das antigas formas territoriais,
ou seja, o não arrendamento das terras ou a não venda ao agroindustrial
sucroalcooleiro, ou ainda, reterritorializar suas práticas e sua atividade econômica
em outras porções espaciais do território nacional.
Mas o fato é que comumente essa resistência se expressa na
permanência de resquícios das antigas territorialidades em meio ao novo território.
É justamente por isso que nos territórios dominados pelo capital
sucroalcooleiro, por exemplo, onde impera a cana-de-açúcar, e onde o território
passa a ser gestionado e ordenado de acordo com os interesses desta produção,
não se exclui por completo outras formas espaciais, tais como a agricultura
policultora familiar, pastagens, lavouras de soja, milho, entre outras remanescências
da desterritorialização de outras atividades econômicas.
Desta forma,
“[...] o território deve ser apreendido como síntese contraditória, como totalidade concreta do processo/ modo de produção/ distribuição/circulação/consumo e suas articulações supraestruturais [...] onde o território é produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência [...]. (OLIVEIRA apud PAULINO, 2006, p.15).
Onde hoje é território da cana-de-açúcar, no passado pode ter sido
território do café, das pastagens e assim por diante. Os grupos que controlam
determinado processo produtivo, ao se depararem com uma porção do espaço
geográfico que congrega uma série de fatores necessários à sua produção, tratam
de apropriá-lo e subjugá-lo como o território para a reprodução ampliada do seu
capital.
Não é por pura coincidência que a territorialização sucroalcooleira segue
uma lógica de localização geográfica que é produto da conjugação de vários fatores,
sejam eles de ordem natural (propriedades biogeoquimicas do solo, condições
climáticas, localização quanto ao mercado interno e externo, etc.), econômicas
(facilidades na fluidez da produção, dos insumos etc.), sociais (disponibilidade de
mão-de-obra e possibilidade de explorá-la sem nenhum ou poucos marcos
regulatórios), políticos (infra-estrutura, possíveis incentivos, etc.), dentre outros
possíveis.
40
É o capital monopolista travando uma batalha pela melhor localização,
(onde o capital investido seja melhor remunerado) desterritorializando outras
atividades econômicas, num cenário em que:
[ . . . ] são as re lações soc ia is de produção e o processo contínuo/contraditório de desenvolvimento das forças produtivas que dão a configuração histórica especifica ao território [...] a construção do território é contraditoriamente o desenvolvimento desigual, simultâneo e combinado, o que quer dizer: valorização, produção e reprodução. (OLIVEIRA apud PAULINO, p.16, 2006).
É nesse contexto que o poder triunfante nesta disputa por território acaba
por controlar as terras, subjugar os objetos naturais, o comércio local, além de
redefinir o processo de produção do espaço geográfico através de suas demandas
(por máquinas, infra-estrutura, mão-de-obra, etc.), enfim, o capital sucroalcooleiro ao
delimitar a área para o seu objetivo, reserva para si o papel preponderante tanto no
ordenamento quanto na gestão deste território, cuja produção e “[...] a reprodução
do território, deriva da reprodução ampliada do capital.” (OLIVEIRA, 2004, p.40).
41
2 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO PARANÁ
A cana-de-açúcar não se encontra distribuída de forma homogênea pelo
território brasileiro. Pelo contrário, sua produção se encontra concentrada, sobretudo
na região Centro-Sul, mais especificamente no Sudeste, onde só o estado de São
Paulo é responsável por quase 60% da cana-de-açúcar cultivada no Brasil (MAPA,
2008).
O mesmo ocorre no estado do Paraná, segundo maior produtor nacional
de cana-de-açúcar. Nesse estado existe uma concentração geográfica da área
plantada (assim como das usinas) na porção setentrional, mais especificamente nas
regiões do Norte Pioneiro, Norte Central e Noroeste paranaense que, juntos,
concentram 92,5% da cana cultivada no Paraná, como apontam Shikida e Rissardi
Jr. (2007, p. 23), e se pode observar no mapa a seguir:
Legenda
Figura 03 - Localização geográfica da produção canavieira no ParanáFonte: Canasat, 2008 – Safra 2007/2008.
42
Nesse contexto, caberia então debater os fatores e variáveis que geram
essa distribuição territorial da cana-de-açúcar tanto quando se leva em consideração
a escala nacional, e principalmente o Paraná, como será abordado a seguir.
2.1. Os Fatores de Localização Geográfica no Agronegócio Sucroalcooleiro no Paraná.
Anteriormente foi abordado o processo de territorialização do agronegócio
canavieiro a partir da perspectiva da disputa territorial7 envolvendo empresários do
setor sucroalcooleiro com outros interesses de classe no campo.
Assim, a lógica que estaria norteando o processo de territorialização da
canavicultura está diretamente ligado à disputa pela melhor possibilidade de auferir
a maior renda fundiária possível, e isso se define em virtude da melhor localização
geográfica, da fertilidade diferencial dos solos, da topografia e demais variáveis que
interferem na produtividade das lavouras, entre outros.
Em outras palavras, essa disputa se dá pela combinação convergente,
em uma mesma base física, dos fatores naturais (clima, topografia, condições
pedológicas etc), econômicos (infra-estrutura, fluidez, distância dos mercados
consumidores e poder de compra destes, disponibilidade e custo de mão-de-obra
etc) e políticos (favorabilidade das políticas territoriais do Estado, manifestadas na
existência e aplicação da legislação tributária, creditícia, ambiental, trabalhista etc.).
Obviamente trata-se de uma combinação que não se pauta na estabilidade, tendo
em vista as mudanças que se operam nos mercados, no pacto hegemônico, no
controle do aparelho de Estado etc.
Cumpre, pois, atentar para os fatores que explicam o fato de mais de 90%
da cana-de-açúcar cultivada no Paraná encontrar-se nas regiões norte e noroeste
paranaense.
Como se sabe, o clima é um dos principais fatores que influenciam na
localização de uma determinada cultura agrícola, devido a dificuldade de se
minimizar os impactos nos ciclos produtivos dos chamados fenômenos extremos,
como secas acentuadas, precipitações torrenciais e geadas..
7 O foco desta disputa territorial é a tentativa de controle da terra, base de toda atividade econômica e instrumento privilegiado da especulação.
43
De acordo com Alfonsi et al. (apud PARANHOS, 1987, p.52), o
desenvolvimento da cana-de-açúcar está intimamente ligado à temperatura do
ambiente em que esta é cultivada, considerando-se ót imo para o pleno
desenvolvimento desta, uma média anual superior a 20°C.
Quando se faz uma análise do mapa climático do estado do Paraná,
pode-se constatar que as maiores médias de temperatura são registradas
predominantemente na porção setentrional do estado, sendo estas mais elevadas no
extremo norte desta porção territorial.
Nesta, a média anual é de 21°C, podendo chegar a mais de 22°C na
região noroeste, como aponta o IAPAR (1994, p.34).
Cabe ressaltar ainda que esta porção territorial, correspondente ao Norte
Pioneiro, ao Norte Central e ao Noroeste do Paraná, apresenta as maiores médias
das temperaturas máximas, sendo estas superiores a 26°C, podendo alcançar
médias anuais de 28°C no Noroeste e em todo o extremo norte da porção
setentrional, na faixa de divisa com o estado de São Paulo.
Por outro lado, estas regiões apresentam ainda as maiores médias anuais
das temperaturas mínimas, variando entre 15°C e 17°C (IAPAR, 1994, p.35).
Não se pode esquecer ainda que o norte e o noroeste paranaense
apresentam a menor incidência de dias com geadas por ano ( geadas estas que
podem inclusive matar a planta durante o período de crescimento ), variando de 2 a
5 dias anuais , em contraste com as demais regiões do estado , que segundo o
IAPAR (1994, p.42) apresentam uma média de 10 a 25 dias de geada por ano .
Ressalte-se que a viabilidade do cultivo da cana-de-açúcar, dadas as
condições técnicas atuais, deixa de existir em áreas com ocorrência superior a sete
dias de geadas por ano, como apontam Koffler e Donzeli (apud PARANHOS, 1987,
p.38).
Outro ponto importante, quando se trata do clima , é a precipitação
pluviométrica. E a cana-de-açúcar possui uma necessidade hídrica que varia entre
1100 mm a 1500 mm (ALFONSI et al., apud PARANHOS, 1987, p.43).
Com relação à precipitação pluviométrica, o Paraná não apresenta áreas
com déficits de precipitação capazes de comprometer as necessidades hídricas da
cana-de-açúcar.
Nesse contexto, a distribuição das precipitações ao longo do ano é
compatível com o desenvolvimento da cultura, que necessita de chuvas mais
44
generosas durante o período de crescimento da planta, e de chuvas mais esparsas
durante a maturação, como apontam Alfonsi et al. (apud PARANHOS, 1987, p.46).
Este ótimum na distribuição das precipitações pluviométricas ocorre
também nas regiões canavieiras do norte e noroeste paranaense, onde o período
mais chuvoso corresponde a janeiro e fevereiro (plantio da cana-de-açúcar), e o
mais seco vai de meados de junho até setembro, época de maturação da cana-de-
açúcar .
Esta região de clima temperado e quente, segundo Maack (2002, p.219),
apresenta ainda um índice pluviométrico médio superior a 100 mm mensais, sendo
que no mês de menor ocorrência de precipitações, este índice é superior a 60 mm.
Ainda sobre as exigências climáticas da cana-de-açúcar, há que se
destacar a necessidade de um nível elevado de insolação, uma vez que,
A cana-de-açúcar é considerada uma planta [...] [de] alta eficiência fotossintética e ponto de saturação luminosa elevado. Portanto,quanto maior for a intensidade luminosa, mais fotossíntese será realizada pela cultura, e logicamente, maior o seu desenvolvimento e acúmulo de açucares. (ALFONSI et al. apud PARANHOS, 1987, p.45).
Quanto a esta variável, as áreas canavieiras do norte e noroeste
paranaense apresentam a maior quantidade de insolação do estado do Paraná,
variando de 2400 até 2600 horas anuais na maior parte das áreas cultivadas com
cana-de-açúcar, como apontam os dados do IAPAR (1994, p.39).
Outro fator de ordem natural que pode interferir na escolha da base física
do cultivo da cana-de-açúcar é a topografia do relevo, uma vez que esta condição
pode dificultar ou facilitar a drenagem e a retenção das águas das precipitações, ,
assim como a mecanização da cultura.
A esse respeito, Ross (2006, p.62-63) aponta que as condições do relevo
pode se converter em um elemento facilitador ou dificultador do processo de
ocupação da terra agrícola, senão vejamos:
Até meados do século XX, terras boas eram aquelas que detinham solos naturalmente férteis. Nas últimas décadas, terras boas são aquelas que apresentam relevos planos ou pouco inclinados, com solos com cujas características físicas possibilitem implementar com sucesso as práticas agrícolas em sistemas mecanizados de produção.
45
Com relação às condições topográficas das regiões canavieiras do norte
e noroeste paranaense, pode-s e dizer que são uma das mais propicias ao
desenvolvimento da canavicultura, uma vez que apresenta relevos regulares e
suavemente ondulados, o que propicia um índice de mecanização de 82,3%
(BRASIL, 1981, p.52-60).
Por outro lado, a capacidade produtiva do solo pode ser apontada como
um dos principais, senão o principal fator responsável pelo bom desempenho deste
empreendimento agrícola, e que tem assegurado índices elevados de renda
diferencial da terra.
Assim, são as áreas de fert i l idade natural , e que apresentam
características biogeoquímicas compatíveis ao ambiente edáfico da cana-de-açúcar,
as primeiras a serem disputadas pelos agroindustriais do setor sucroalcooleiro.
E monopolizar estes solos, seja através da conversão do agroindustrial
canavieiro em proprietário fundiário, ou mesmo em arrendatário, passa a ser uma
estratégia fundamental para a extração deste lucro extraordinário, que vem a ser a
renda territorial.
Koffler e Donzeli, (apud PARANHOS, 1987, p.20-33), ao investigarem as
áreas aptas à prática da canavicultura no Paraná, indicam que esta ocorre
fundamentalmente nos domínios pedológicos da terra roxa estruturada, do latossolo
roxo e latossolo de textura média.
Sobre esses tipos de solos, os autores apontam que a terra roxa
estruturada, são solos férteis, normalmente profundos e argilosos, o que por sua vez
atende de forma satisfatória as exigências pedológicas para o pleno
desenvolvimento da cana-de-açúcar.
Não obstante, de acordo com Koffler e Donzeli, (apud PARANHOS, 1987,
p.20-33), os latossolos apresentam predominância de características favoráveis à
cultura de cana-de-açúcar, sendo que dentre estes, o latossolo roxo é aquele que se
destaca pelos bons resultados que tem proporcionado à canavicultura.
Isto fez das regiões norte e noroeste do Paraná uma das porções do
espaço geográfico mais disputadas nas últimas duas décadas para se constituírem a
base territorial do agronegócio canavieiro.
A esses fatores de ordem natural somam-se os econômicos, uma vez que
de acordo com Kautsky (1980, p.91), “não são apenas as diferenças de fertilidade
46
dos terrenos que constituem a renda fundiária, mas ainda as diferenças de situação,
a distância do mercado”.
Assim, pode-se destacar dois fatores que exercem um grande poder de
atração sob a alocação geográfica de qualquer atividade produtiva: a distância dos
mercados consumidores e o poder de compra aí existente.
No caso específico da cana-de-açúcar, sua expansão se deu com maior
intensidade na década de 1970, quando foi criado o Proálcool, cujo objetivo era criar
uma fonte de energia que reduzisse a dependência do petróleo e ao mesmo tempo
alavancasse o setor açucareiro que estava mergulhado em mais de uma de suas
cíclicas crises.
As ações dirigidas no sentido de prover a demanda dos veículos movidos
a álcool tinham um cunho territorial claro: era preciso buscar localizações próximas à
maior demanda solvável. Eis a razão pela qual o estado de São Paulo,
primordialmente, e a região centro-sul, posteriormente, convertem-se em foco
privilegiado da expansão canavieira.
Desta forma, a expansão da cana se deu primeiramente rumo ao interior
do estado de São Paulo, e à medida que as possibilidades de ampliação das
lavouras iam se esgotando, com a incorporação das áreas de melhores condições
edafoclimáticas e melhor posicionamento em face aos mercados8, buscaram-se
novos vetores de expansão, mesmo que fora dos limites territoriais deste estado.
É nesse contexto que o norte / noroeste paranaense se apresenta, em
meados da década de 1980, como a melhor localização geográfica possível para a
prática da canavicultura.
Assim, as agroindústrias que aí se alocaram, além de contarem com
fatores naturais condizentes com as necessidades da cana-de-açúcar, também
puderam desfrutar da posição geográfica estratégica em relação aos maiores e mais
potenciais mercados consumidores do país.
Cabe ressaltar que o fator força de trabalho não foi um empecilho para a
instalação destes Complexos Agroindustriais Canavieiros no norte e noroeste
paranaense. Tal como ocorreu em todo o espaço agrário brasileiro, a tecnificação da
agricultura ocorrida após meados da década de sessenta expulsou milhões de
trabalhadores de suas unidades de produção e os converteram em um gigantesco
8 De acordo com Moreira (2007, p.41), “em relação à renda diferencial I de localização, o que conta não é uma localização absoluta, mas uma localização em relação aos mercados”.
47
exército de assalariados rurais, os chamados “bóias-frias”, que comprovadamente
vende sua força de trabalho por um salário que não garante dignamente sua
reprodução e a de sua família.
O rearranjo territorial que se processava nesta porção territorial do espaço
agrário paranaense, e que sistematicamente desempregava e expulsava esses
trabalhadores, criou as condições necessárias para a subjugação desta força de
trabalho, o que foi favorável à territorialização da agroindústria canavieira.
Ainda analisando a influência dos fatores econômicos sobre a alocação
geográfica do agronegócio sucroalcooleiro, o “valor” da terra também não poderá ser
desconsiderado.
Como o mercado de terras no Brasil é regulado pelo princípio da
“reserva de valor”, quando a possibilidade de auferir renda fundiária se apresenta
em desvantagem em relação à taxa de lucro proporcionada pelo mercado de
capitais , por exemplo, via de regra há um rebaixamento do preço desta mercadoria
“sui generis”, uma vez que os investimentos tendem a migrar para outros setores da
economia.
Este fato pode estar atrelado à expansão das lavouras mecanizadas
nesta região, que passaram a ser uma alternativa à agricultura de base empresarial
diante do declínio da cafeicultura (e conseqüentemente declina também a renda
fundiária) incluindo nesse contexto a expansão da canavicultura no norte do estado
do Paraná.
Outro ponto a ser destacado é a influência que exerce o fator político na
localização geográfica do setor sucroalcooleiro no norte e noroeste paranaense.
Primeiramente porque o Estado, ao desenvolver suas políticas
territoriais9, acaba por criar condições especiais que podem se converter numa
vantagem comparativa, e até mesmo orientar a expansão de uma atividade
econômica em uma determinada porção do espaço geográfico.
A intervenção do Estado, sobretudo via disponibilidade de crédito para o
setor sucroalcooleiro, (e também para outras culturas comerciais,) criou uma
conjuntura favorável à expansão. E em muitos casos, como o da cana, essas
políticas territoriais se valem do aparelho legislador para ampliar o mercado, como é
o caso da lei que obriga o incremento do etanol à gasolina.
9 E o Proálcool efetivamente constituiu-se numa destas políticas territoriais do Estado.
48
Outra intervenção do Estado que pode influenciar a localização do
agronegócio canavieiro diz respeito à infra-estrutura, principalmente no que tange à
eletricidade, mesmo porque num primeiro momento esta é fundamental. Somente
quando a usina alcança capacidade produtiva considerável é que ela pode se tornar
auto-suficiente na geração de eletricidade.
Outro fator é a existência de uma boa malha rodoviária / ferroviária, que
pode contar e muito na alocação de um empreendimento, uma vez que a não
existência desta infra-estrutura acaba impedindo a fluidez da produção pelo
território.
Não se pode esquecer ainda que o Estado, nos seus mais diversos níveis
de representação, pode atuar como agente de atração destas agroindústrias, na
medida em que pode se beneficiar da arrecadação de ICMS caso estas se instalem
nos seus limites político-administrativos.
Para tanto, interferem na organização territorial, seja ele a nível municipal,
estadual e até mesmo nacional, produzindo arranjos que os tornem atrativos, por
meio da melhoria da infra-estrutura, doação do terreno, isenção de determinados
tributos por um período de tempo determinado, cessão de máquinas de seu parque
técnico, entre outros.
Ora, caso a combinação de todos estes fatores expostos se
materializarem numa base física, estará concretizada a melhor localização
geográfica para a instalação do agronegócio canavieiro.
E foi justamente a combinação entre fatores naturais, econômicos e
políticos que fizeram com que mais de 90% da cana cultivada no Paraná viesse a se
concentrar geograficamente na porção norte e noroeste.
Outro ponto a ser destacado é o grau de importância que possui cada um
desses fatores geográficos de localização. Isto se faz necessário porque os mesmos
podem variar em cada setor da economia, quer dizer, o que pode ser desnecessário
para a instalação de uma indústria ou um shopping center, como é o caso da
fertilidade natural dos solos, é um fator imprescindível para a agricultura.
Dito de outra forma, a lógica que permeia a alocação geográfica do
empreendimento privilegia, num primeiro momento, as áreas que possuem uma
combinação convergente dos fatores naturais, sem desconsiderar as variáveis
sociais, políticas e econômicas.
49
É por esse motivo que as áreas consideradas aptas ao cultivo de cana-
de-açúcar do ponto de vista edafoclimático, mas que estão geograficamente
afastadas dos grandes mercados consumidores, das porções menos privilegiadas
na perspectiva do meio técnico-cientifico-informacional10, além de estarem fora do
raio de atuação das principais políticas territoriais do Estado voltadas para o setor,
tendem a ter uma ocupação tardia pelo agronegócio sucroalcooleiro.
Consideração esta que, Kautsky (1980, p. 90) elucida muito bem ao
sentenciar que “[...] não é o melhor terreno o que se lavra primeiro, mas o mais
acessível.”.
Monopolizar este espaço físico privilegiado de modo a convertê-lo em
fração do território sucroalcooleiro é a garantia da extração de uma renda fundiária
superior às demais localizações, onde esta combinação convergente não se
materializa integralmente.
Desta forma, as frações territoriais do capital sucroalcooleiro no Brasil
estão demarcadas pela combinação favorável do máximo de variáveis positivas
numa mesma porção geográfica, e que primeiramente supõem fatores
irreprodutíveis pelo trabalho humano, a saber, o solo, a insolação, as precipitações
pluviométricas etc.
Diante desta constatação, uma outra questão que deve ser colocada é o
uso do solo por outras culturas em áreas propícias ao cultivo da cana-de-açúcar e
que, por vezes, pode instaurar um conflito pelo monopólio deste solo entre os
distintos interesses de classe no campo.
E compreender a lógica inerente ao uso do solo agrícola é um exercício
fundamental para se discutir os possíveis impactos oriundos da expansão
canavieira, principalmente a competição da canavicultura com as demais culturas (a
de alimentos, por exemplo ), e a expansão da fronteira agrícola rumo a biomas que ,
por consenso universal , deveriam ser protegidos.
Com relação à disputa com outras culturas, inclusive a de alimentos, é
voz corrente entre os defensores do agronegócio que a expansão da cana-de-
açúcar não irá trazer impactos negativos, dado as dimensões geográficas do Brasil e
a existência de milhões de hectares disponíveis, principalmente no cerrado e nas
10 O meio técnico-cientifico-informacional é um conceito trabalhado por Milton Santos.
50
demais regiões onde abundam áreas de pastagens degradadas, como sugere
Carvalho (2003, p.05).
Como foi visto anteriormente, existe uma série de fatores que orientam a
localização geográfica da lavoura canavieira, e a combinação entre eles pode não
ser favorável nestas áreas supostamente aptas à sua expansão.
Nesse contexto, a disputa da lavoura canavieira por melhor localização
tende a reordenar o espaço agrário das regiões já inseridas dinamicamente na
economia nacional / in ternacional , uma vez que sua expansão se dá
preferencialmente nas áreas que asseguram maior renda fundiária possível,
independentemente de se tratar de áreas cultivadas com feijão, trigo, milho,
pastagens, soja, mandioca etc, conforme será demonstrado posteriormente.
E o agroindustrial canavieiro não irá medir esforços para conseguir a
melhor localização geográfica possível para um determinado período histórico,
assim como os demais empresários do agronegócio. Muitos poderão, por exemplo,
refutar esta tese, argumentando que o alto grau de desenvolvimento cientifico e
biotecnológico pode “ criar ” condições especiais , como a correção de diversos tipos
de solos , criação de variedades de cana-de-açúcar que se adaptam aos mais
diversos domínios pedológicos e climáticos do país .
Não que isto seja uma inverdade, porque de fato não o é. Ocorre que o
agroindustrial busca num primeiro momento territorializar as porções de espaço
geográfico que naturalmente possuem vantagens comparativas superiores às
demais localidades, a fim de evitar maiores investimentos e, por sua vez, redução da
margem de lucros.
Ora, que capitalista irá imobilizar parte de seu capital na correção de
solos, ou em pesquisa e tecnologia para o desenvolvimento de uma variedade de
cana específica, quando dispõe de ambientes que dispensam tais investimentos?
Isso só faria sentido quando se esgotarem as possibilidades da melhor localização
natural. Enquanto isso não ocorre, a disputa segue a lógica da territorialização das
porções do espaço geográfico que permitem uma maior renda fundiária.
Segundo as leis da física, dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar
no espaço, de modo que as áreas ocupadas por feijão, pecuária, trigo, soja, algodão
etc serão objeto de interesse dos agroindustriais canavieiros, quando localizadas
nos vetores de expansão da cana-de-açúcar.
51
E isto irá ocorrer independente da existência de milhões de hectares
vagos ou subaproveitados pela pecuária, mas que não dispõem de vantagens
locacionais para a viabilidade comercial e econômica do agronegócio
sucroalcooleiro.
Levando-se em conta que a única racionalidade que conta é a
racionalidade econômica capitalista, ganha esta disputa por território aquela
atividade que apresentar as melhores possibilidades de extração de renda fundiária
para um mesmo solo.
E é esta mesma lógica de territorialização que atua na expansão da
fronteira agrícola rumo a biomas e ecossistemas fortemente ameaçados, como a
Amazônia e o Cerrado, por exemplo .
Se por um lado os defensores do agronegócio afirmam ser ínfima a
participação da produção de cana na Amazônia, por exemplo , ignoram o fato de
que atualmente não existe o interesse , muito menos a necessidade de se expandir
rumo a esta porção territorial , tendo em vista os próprios fatores locacionais
tratados anteriormente , e que não refletem na atualidade na melhor localização
possível .
Embora o centro-sul do Pará, Rondônia e o estado do Acre possuam
solos favoráveis ao cultivo da cana-de-açúcar (KOFFLER; D O N Z E L I apud
PARANHOS, 1987, p.37), existe uma série de fatores “limitantes” no momento, como
a distância dos mercados, as condições logísticas nem sempre viáveis, em oposição
à abundância de terras na região Centro-Sul do Brasil, onde os fatores locacionais
são mais atrativos, mesmo que estejam ocupadas por outras culturas.
É aí que a expansão canavieira é mais um fator a ameaçar os biomas
indicados. Isto porque estaria se processando um rearranjo territorial no espaço
agrário brasileiro, posto que culturas desterritorializadas pela expansão da cana-de-
açúcar acabariam se reterritorializando em áreas de fronteira, como a Amazônia e o
Cerrado por exemplo..
E o algodão e as pastagens ilustram bem este processo conforme será
abordado posteriormente.
Em outras palavras, ainda que a cana não invada a Amazônia
diretamente, as pastagens, a soja, o milho o farão. E esta invasão indireta ocorrerá
até que a cana-de-açúcar encontre disponível uma localização geográfica superior
que a da região amazônica, por exemplo.
52
Se por acaso estas virem a se esgotar, e continuar existindo uma
demanda considerável, aí sim será viável investir na biotecnologia, na correção dos
solos, enfim na adaptabilidade artificial da canavicultura a áreas que atualmente se
apresentam hostis, assim como pode vir a ocorrer o direcionamento das políticas
territoriais do Estado para esta região.
A partir desta situação, a cana-de-açúcar estaria diretamente na linha de
frente da expansão da fronteira agrícola sob estes biomas e ecossistemas, fato que
até o momento não se apresenta de forma viável do ponto de vista da racionalidade
econômica capitalista, embora não se possa isentar o agronegócio sucroalcooleiro
dos danos provocados pela expansão da fronteira agrícola para estas localidades,
uma vez que este comportamento já ocorreu com outras culturas do agronegócio,
como é o caso da soja e a própria cana cultivada no Cerrado mato-grossense, por
exemplo.
Quanto ao rearranjo territorial destas culturas, embora tenha havido uma
expansão extraordinária da cana-de-açúcar nos últimos anos, todas as culturas que
puderam se relocalizar no território não sofreram grandes quebras na produção,
como é o caso do algodão, conforme demonstram os gráficos 2 e 3.
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
1990 1995 1998 2002 2006ton
elad
as
Gráfico 2: Evolução da área ocupada com algodão no Paraná – 1990-2006Fonte: IPARDES, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.
53
-
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
1.600
1990 1995 1998 2002 2005
To
ne
lad
as
Gráfico 3: Evolução da área ocupada com algodão no Brasil– 1990-2005.Fonte: MAPA, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.
Isto ocorre porque a demanda por estes produtos continuou existindo,
principalmente a externa, e estas culturas não deixaram de ser produzidas no país.
Foram sim desterritorializadas, mas motivados pelos altos rendimentos que seu
cultivo pode oferecer devido a continuidade da demanda, se reterritorializaram,
procuraram se realocar na melhor localização geográfica disponível, mesmo que as
conseqüências disto possam se configurar na destruição das base naturais da
própria vida , além de potencializarem os conflitos fundiários em regiões
conflagradas e monopolizarem dezenas de milhares de hectares de terras em prol
da reprodução ampliada de seu capital .
É nesse contexto da busca e da disputa pela melhor localização
geográfica possível num determinado período histórico, que se explica todo o
rearranjo territorial do espaço agrário brasileiro, em que monopolizar as porções do
espaço geográfico dotadas de uma combinação convergente entre os vários fatores
de localização, significa a possibilidade real de se extrair uma maior renda fundiária.
E ao desfrutar da melhor localização geográfica, classes ou frações de
classe passam a auferir renda em patamares diferenciais, além de controlar a terra,
os recursos naturais, a força de trabalho, as políticas públicas etc, numa
demonstração incontestável de controle e capacidade de ordenação territorial
conforme interesses privados.
54
2.2. A Expansão Canavieira
Ao contrário do que ocorreu na região nordeste, o estado do Paraná não
fez parte do ciclo da cana-de-açúcar durante o período colonial. Do ponto de vista
econômico, mesmo na primeira metade do século XX, a produção estadual era
praticamente inexpressiva.
Isto porque este estado somente veio a se constituir como fronteira
econômica no século XIX, ao contrário do Nordeste, que por características
geográficas inalienáveis, sobretudo a localização com relação aos fluxos do e para o
além mar, aliado as condições edafoclimáticas, converteu-se em espaço privilegiado
para a implantação da monocultura açucareira nos moldes conhecidos.
Enfim, a própria localização geográfica do Paraná é um fator não
negligenciável, tendo em vista a posição em relação ao grande mercado consumidor
europeu, que durante o período colonial era o principal e praticamente exclusivo
destino das exportações do açúcar produzido nos trópicos.
A região que congregava as condições naturais, econômicas e sociais
para o pleno desenvolvimento da cultura de cana-de-açúcar no estado do Paraná,
que corresponde geograficamente às faixas de terras localizadas nas regiões norte e
noroeste, principalmente, só seriam ocupadas e teriam expressividade econômica a
partir da segunda metade do século XX, quando se inicia o processo de ocupação e
colonização desta porção territorial.
Como se sabe, a incorporação econômica do norte do Paraná foi um
apêndice da expansão da cultura cafeeira que já se encontrava há quase um século
instalada no vizinho estado de São Paulo, e que predominou no espaço agrário do
norte/noroeste paranaense até meados da década de 1970, sendo que, de acordo
com WESTPHALEN et al (1969, p.223), o Paraná chegou a produzir um terço da
produção mundial de café.
Nesse contexto, a região da Zona da Mata nordestina, que corresponde
ao chamado Nordeste Açucareiro, bem como as diversas “ilhas de produção” da
região sudeste, eram as duas áreas de maior expressividade na produção de cana-
de-açúcar, embora já na década de 1950 já se observasse a instalação de grandes
unidades de produção agroindustrial no estado do Paraná, como é o caso da” Usina
Central” em Porecatu, que já figurou entre as maiores usinas sucroalcooleiras da
América Latina.
55
O grande marco na expansão do agronegócio canavieiro pelo estado do
Paraná foi a criação pelo governo militar brasileiro do Proálcool na década de 1970,
cujo objetivo principal era alavancar a agroindústria sucroalcooleira através da
criação de uma demanda interna por etanol diante de uma crise internacional no
preço do açúcar e do endividamento dos agroindustriais canavieiros, como aponta
Yoshinaga (2006, p.78).
Neste mesmo período da década de 1970, ocorria no estado do Paraná,
(assim como no estado de São Paulo) a intensificação de um processo que se
iniciara em meados da década de 1960, que era a substituição das lavouras
cafeeiras por outras culturas.
Nesse contexto, a cana-de-açúcar surge como uma alternativa econômica
à agricultura de base empresarial, e ainda, esta substituição foi favorecida pelos
recursos públicos do estado brasileiro, que começou a atuar nesse sentido já na
década e 1960 no estado de São Paulo, e depois em todo o Centro-Sul:
A expansão da agroindústria canavieira no estado de São Paulo ocorreu conforme o planejamento político engendrado pelo Grupo Executivo de racionalização da Agricultura – G E R C A – cujos estudos realizados desde 1961 apontava que as usinas de açúcar eram as atividades agroindustriais prioritárias para substituir a agricultura cafeeira [...] o Instituto Brasileiro do Café – IBC- firmou convenio com o IAA, visando a coordenação conjunta do programa de erradicação dos antieconômicos cafeeiros. (YOSHINAGA, 2006, p.78)
É a partir destas iniciativas empreendidas pelo Estado brasileiro, cujo
papel histórico no processo de formação econômica nacional privilegiou as formas
de produção agropecuária mercantil, que ocorreu no Paraná uma expansão
vertiginosa da agroindústria sucroalcooleira.
E isso pode se comprovado mediante a ampliação tanto da área plantada
quanto no aumento do número de usinas e destilarias implantadas, sobretudo nas
regiões norte e noroeste paranaense, onde as condições naturais constituem de
forma satisfatória o ambiente edafoclimático da cana-de-açúcar, além do fato de que
a porção setentrional do Paraná se encontra geograficamente na região de maior
frota nacional de automóveis e conseqüentemente o maior mercado consumidor de
etanol, que é o Centro-Sul.
Se na safra de 1978/1979 existiam no Paraná apenas quatro unidades
produtoras de cana moída, em 1986 já eram 26, como aponta Shikida (2001, p.34),
56
o que representa um aumento da ordem de 650% em apenas 7 anos. Atualmente
existem 30 usinas e destilarias em operação no Paraná, concentradas
principalmente no norte/noroeste, e se apontam tendências para uma franca
expansão tanto no aumento da área plantada quanto na construção de novas
unidades agroindustriais. (Figura 04).
Figura 04: Localização Geográfica das Unidades Agroindustriais do Setor Sucroalcooleiro no estado do ParanáFonte: ALCOPAR, 2008.
Esta ação coordenada pelo Estado, que atuou no sentido de instituir “[...]
canais de financiamentos para montagem de usinas [...] nas regiões cafeeiras [...]”
(YOSHINAGA, 2006, p. 78), explica o fato de que várias cooperativas cafeeiras do
Norte e do noroeste do estado investiram na implantação de agroindústrias
sucroalcooleiras, como é o caso da COROL, COFERCATU, Nova Produtiva, etc,
como alternativa do declínio do agronegócio cafeeiro, que significava anteriormente
a maior participação da renda destas cooperativas.
Nesse contexto, no período entre 1980-2006, houve uma diminuição de
82,4% na área ocupada pelo café no norte e noroeste paranaense (IPARDES,
2008), passando de 513.757 hectares em 1980 para apenas 89.925 em 2006.
57
No que diz respeito à área cultivada no estado do Paraná, desde a
implantação do Proálcool, os dados mostram a passagem de 47.570 ha11 em 1978
para 486.127 ha12 na safra 2006/07, o que equivale a um aumento de cerca de
1021%.
Outro ponto a ser destacado, e que confere importância do estado do
Paraná no cenário do agronegócio canavieiro, é o aumento da participação da
produção paranaense na produção nacional de cana-de-açúcar, que registrou um
aumento de 282% no percentual de participação (gráfico 04), passando de 2,8% da
produção durante a safra 1978/1979 para 7,9% da safra brasileira em 2003/2004,
como apontam Shikida e Rissardi (2007, p.21).
Gráfico 04: Participação do Paraná na produção nacional de cana-de-açúcar. Fonte: ALCOPAR, 2008.
Org. Marcos Antonio de Souza
Quando se verifica uma expansão em proporções tão pronunciadas como
esta, faz-se necessário refletir sobre as conseqüências inerentes à expansão das
principais culturas do agronegócio pelo território nacional, que é a concentração
fundiária. E o estado do Paraná não fugiu à regra, reafirmando o processo de
monopolização do patrimônio fundiário desde os primórdios da formação econômica
do Brasil.
Só para se ter uma idéia desta concentração, em 1986, ano ápice da
fabricação de automóveis movidos a etanol no âmbito do Proálcool, se tinha no
11 Conf. Shikida (2001, p.30).12 Conf. ALCOPAR (2008).
58
estado do Paraná uma média de 6 mil hectares de área plantada para cada unidade
agroindustrial.
Na safra 2007/2008 esta média já era de 16.200 hectares por cada
unidade, o que significa um aumento de 270%, num contexto em que “[...] a
presença de grandes complexos agroindustriais [...] produção agropecuária [...]
redefine toda a estrutura no campo.” (OLIVEIRA, 1995, p. 05).
Gráfico 05: Tamanho médio cultivado por cada unidade agroindustrial canavieira no Paraná – 1980-2007. Fonte: ALCOPAR, 2008. Org Marcos Antonio de Souza.
Ora, e quando se fala nesta redefinição da estrutura produtiva se está
falando em novos critérios da gestão do território sujeitando-o a uma nova forma de
produzir, onde o monopólio das terras (através da propriedade privada ou do
arrendamento) passa a desempenhar um papel preponderante no auferimento da
renda fundiária, que é a lógica da racionalidade econômica capitalista no âmbito da
agricultura de base empresarial.
É necessário compreender que esta concentração fundiária é inerente ao
modus operandi do agronegócio, o que representa dizer que o capitalista só investe
no campo para remunerar o seu capital aí investido, ou melhor, reproduzi-lo de
forma ampliada, ao contrário do camponês, que cultiva na terra para retirar dela a
sua subsistência e a de sua família.
Aliada a esta discussão da concentração fundiária há ainda o debate que
envolve a dualidade existente entre a expansão da monocultura canavieira e a
produção dos alimentos para o mercado interno.
59
De acordo com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social (IPARDES), em 1980 havia 390.545 hectares cultivados com arroz no estado.
Já em 2006 a área havia caído para 59.545 hectares, o que representa uma queda
de 84,7%.
Outro alimento fundamental que compõe a base alimentar do brasileiro é
o feijão. Em 1980 se colheu 815.088 hectares no Paraná, segundo dados do Ipardes
(2008). Por outro lado, em 2006 a área colhida foi de 590.050 hectares, o que
representa um declínio da ordem de 27,6%.
Esta mesma constatação pode se estender batata – inglesa que teve uma
diminuição da área plantada da ordem de 33,4% nesse período, passando de
42.630 hectares em 1980, para 28.384 hectares em 2006 (IPARDES, 2008).
Gráfico 06: Evolução da produção de cana-de-açúcar no Paraná 1980-2006Fonte: IPARDES, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza
Por outro lado, a cana-de-açúcar registrou um aumento expressivo na sua
área colhida durante o período analisado (gráfico 06), passando de 57.990 hectares
em 1980 para 432.815 hectares em 2006 (IPARDES, 1980), o que representa um
aumento nesta área colhida de 646%, a taxas de crescimento anual da ordem de
24,8%.
Muitos poderão salientar que esses dados referentes a todo o Paraná são
incoerentes com esta análise, dada a diversidade geoeconômica do estado, num
contexto em que q u a l o otimum de localização geográfica seria a porção
60
norte/noroeste paranaense. Em outras palavras, há que se atentar para o discurso
de que o avanço da cana-de-açúcar não poderia estar associado à diminuição das
áreas destinadas à produção de alimentos, como arroz e feijão.
Nesse contexto, nada melhor que tomar as mesmas variáveis observadas
anteriormente, mas agora tendo como foco o território do agronegócio canavieiro,
que corresponde ao Norte Pioneiro, ao Norte Central e ao Noroeste Paranaense.
No ano de 1980 nestas mesorregiões do Paraná, que concentravam
92,5% da cana-de-açúcar plantada no estado (SHIKIDA e RISSARDI JR, 2007,
p.23), a área colhida de arroz foi de 193.370 hectares. Já em 2006, esta mesma
porção territorial colheu 31.020 hectares de arroz (IPARDES, 2008), o que equivale
a uma queda de 83,9%.
Por outro lado, a área colhida de feijão diminuiu vertiginosamente entre
1980 e 2006, conforme indicam os dados do IPARDES. Se em 1980 o
norte/noroeste paranaense colheram juntos 262.254 hectares de feijão, em 2006
esta área foi 58,3% menor, passando para 109.130 hectares.
Já com a cana-de-açúcar ocorreu o inverso. Neste período, a porção
norte/noroeste paranaense apresentou um aumento de 662,2% na área colhida de
cana, passando de 51.189 em 1980 para 394.189 hectares em 2006.
Crescimento ainda maior apresentou a lavoura canavieira na região
noroeste do Paraná, que de apenas 815 hectares em 1980, passou para 190.068
hectares (IPARDES, 2008), o que representa um aumento da ordem de 23.221%.
A título de comparação, vejamos os gráficos 8 e 9, que ilustram bem este
processo de expansão da lavoura canavieira e seus impactos à produção de
alimentos.
Ora, o comparativo entre esses dois gráficos acima, revelam esse
rearranjo territorial do espaço agrário do norte e noroeste paranaense, onde
avançou o agronegócio canavieiro.
Em 1980 as mesorregiões do Norte Pioneiro, o Norte central e o Noroeste
Paranaense cultivaram 506.813 ha de arroz, feijão e cana-de-açúcar. Desse total,
89,9% foram cultivados com arroz e feijão em 1980.
61
Gráfico 07: Área ocupada por culturas selecionadas 1980Fonte: IPARDES, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.
Gráfico 08: Área ocupada por culturas selecionadas - 2006Fonte: IPARDES, 2008.Org. Marcos Antonio de Souza.
Já em 2006 esta situação se inverte radicalmente. A área ocupada por
arroz, feijão e cana-de-açúcar somavam 534.339 ha, sendo que desse total, a cana
que ocupava em 1980 apenas 10,1% da área plantada com esses três cultivos,
passou a ocupar 73,7%.
Desta forma, esses dados, ao revelar a constatação de que
paralelamente ao crescimento vertiginoso da área colhida de cana-de-açúcar, houve
também uma queda acentuada da área colhida de arroz, feijão, batata inglesa,
62
dentre outros gêneros, demonstram não se tratar apenas de uma simples discussão
ideológica atrasada, como quer fazer crer a mídia e os defensores do agronegócio,
que propalam ufanicamente a eficiência produtiva da agricultura de base
empresarial, sem atentar para a super exploração da força de trabalho, os impactos
ambientais, a soberania alimentar, dentre outros fatores.
Pelo contrário, estes comprovam um rearranjo espacial no agrário
paranaense, e de forma mais acentuada na área de territorialização da cana-de-
açúcar no estado, que controla e se expande pela porção que concentra um dos
domínios pedológicos mais férteis do país, e que está sendo utilizado para a
produção de um gênero agroexportador em detrimento da produção de alimentos.
Ora, com uma expansão desta ordem, é óbvio que o espaço agrário local
foi drasticamente impactado: os resultados mais concretos e empiricamente
verificáveis são, num primeiro momento, o predomínio de uma nova cultura na
paisagem, o que significa a destruição de usos que prevaleceram no período
anterior a esta expansão.
E não é difícil de constatar que esta substituição foi orientada pela
rentabilidade, posto que os cultivos alimentares, via de regra, apresentam margem
de lucro incompatíveis com as taxas médias de lucro perseguidas pelo agronegócio,
o que as tornam momentaneamente inviáveis para a agricultura de base
empresarial.
O fato é que no processo de expansão canavieira, estas culturas
“inviáveis”, podem estar geograficamente localizadas em áreas que também são
objeto da pretensão do agroindustrial.
Sabidamente este não irá poupar esforços em controlar a melhor
localização, no intuito de auferir um lucro extraordinário, em face das vantagens aí
contidas (solos mais férteis, menores distâncias a serem percorridas, menor
suscetibilidade a fatores climáticos etc), o que lhe permitirá auferir maior renda
diferencial.
Sobre a competição da lavoura canavieira com a cultura da mandioca,
Sepulcril e Groxco (2007, p. 3) revelam que:
A prática usada pela indústria sucroalcooleira, na disputa do espaço na região, é de arrendamento da terra aos produtores. Para o estabelecimento dos preços [...] se utilizam três critérios: fertilidade dos solos distância da indústria e facilidade de mecanização. [...] a indústria paga por ano entre 30 e 50 toneladas de cana por alqueire
63
ao preço de 38 reais (ALCOPAR, 2007). Assim nas áreas mais férteis [...] o preço [...] é de 1900 reais por hectare/ano [...] e os menos férteis (...) 1140 reais por hectare/ano [...] com contratos de no mínimo cinco anos sem correr risco algum[...] os plantadores de mandioca [...] pagam em média 620 reais por hectare para uma safra de dois anos, [...] 310 reais/ha/ano.
Isto demonstra que se torna muito mais vantajoso para os proprietários
fundiários localizados na área estudada pelos autores anteriormente citados
arrendarem suas terras ao empresário do setor sucroalcooleiro, uma vez que isso
lhes permitirá auferir uma renda entre 267% e 512% maior, para a pior e a melhor
localização respectivamente.
Não se pode esquecer ainda do impacto que a expansão da lavoura
canavieira produz no aumento dos custos de produção de várias culturas que estão
no entorno da sua expansão, refletidos não somente no aumento do valor e do
aluguel da terra, mas também na regulação dos preços do frete, disponibilidade da
força-de-trabalho e consecutivo aumento do valor desta mercadoria, assim como o
aumento nos custos relativos a hora trabalhada pelas máquinas, que passam a
operar tendo como marco regulatório os valores comparativos pagos pela
agroindústria canavieira.
Ao mesmo tempo, esta expansão canavieira rumo às terras ocupadas por
outras culturas acaba produzindo um encarecimento no preço, assim como no
aluguel da terra,facilitando assim a especulação imobiliária nas adjacências do
empreendimento agromercantil, e diante do monopólio exercido pelo agroindustrial
sucroalcooleiro, acaba-se dificultando o acesso a terra por parte dos camponeses
policultores.
Um outro ponto que se deve atentar é para o processo já descrito
anteriormente, que retrata a dependência econômica dos municípios para com a
ínfima porção da riqueza socialmente produzida que fica nestes sob a forma de
salário pago aos trabalhadores do setor sucroalcooleiro.
Isto parece explicar o fato de que estes municípios localizados nas
territorialidades do agronegócio canavieiro são bastante empobrecidos, uma vez que
se constata que os lucros oriundos da obtenção da renda territorial fundiária não fica
nesses municípios da base territorial da produção da agroindústria canavieira.
Não se pode esquecer ainda quando se analisa os impactos da expansão
da cana-de-açúcar pelo território paranaense, ou mesmo brasileiro, o fato de que se
64
está diante de uma produção que tende a se expandir em quantidade e velocidade
difíceis de prever, uma vez que a expansão verificada neste período se deu
majoritariamente para atender a demanda interna, criada pelo Proálcool.
No entanto, não se deve desprezar a demanda interna e externa de
açúcar13, senão vejamos os gráficos 9 e 10:
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
1990/91 1993/94 1997/98 2002/03 2007/08
To
ne
lad
as
Gráfico 9: Evolução da produção de açúcar no Paraná 1990-2008Fonte: ALCOPAR, 2008. Org.Marcos Antonio de Souza.
0200.000400.000600.000800.000
1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.0002.000.000
1990/91 1993/94 1997/98 2002/03 2007/08
met
ros
cúb
ico
s
Gráfico 10: Evolução da produção de álcool no Paraná 1990-2006Fonte: ALCOPAR, 2008. Org.Marcos Antonio de Souza.
13 Apesar de atualmente a mídia, ou os estudiosos do assunto derem uma atenção maior a produção de etanol, não se pode desprezar a produção nacional de açúcar, uma vez que o Brasil é líder mundial neste segmento.
65
Este questionamento procede na medida em que as projeções apontam
para uma possibilidade de uma demanda externa gigantesca, motivada por uma
nova geopolítica energética internacional que visa diminuir a dependência do
petróleo. Isso poderá converter o etanol em mais uma commoditie para atender uma
demanda externa que na atualidade ainda é pequena, enquanto que as outras
culturas do agronegócio já trabalham com uma demanda interna e externa bastante
extensa. Se os desdobramentos descritos decorrem da demanda interna, o que não
dizer quando existir concretamente um mercado externo a ser suprido.
Outro ponto que deve ser destacado ao se analisar a diminuição da área
ocupada de arroz e feijão no Paraná é um fato que vem a corroborar o que os dados
censitários já confirmam: são os camponeses, agricultores familiares, que produzem
a maior parte dos alimentos e em pequenas parcelas de terras.
Isto pode ser comprovado ao se levar em conta que durante o ciclo da
lavoura cafeeira no Paraná, as relações sociais de produção predominantes não se
baseavam exclusivamente no pagamento de salário pelo trabalho executado, ou
seja, constata-se no período a vigência de relações pré-capitalistas. Um fazendeiro
cafeicultor, por exemplo, poderia ceder os frutos da primeira colheita ao trabalhador
que “formou” o seu cafezal, acrescido do direito deste último cultivar entre as ruas de
café alguns gêneros alimentícios, como o milho e a mandioca.
Outros tantos tinham o mesmo direito, ao executar os tratos culturais
(capina, “arruamento” etc), podendo estes cultivar entre as ruas, ou nos espaços
vagos e inviáveis para o cultivo do café, como é o caso dos “brejos” e alagados nos
fundos de vale das fazendas, áreas estas propícias ao cultivo de arroz, como
assevera Padis (1981, p.108).
Como a população no campo era majoritária até a chamada
“modernização conservadora”, e os camponeses cultivavam vários produtos
destinados a sua subsistência enquanto trabalhavam para o fazendeiro numa
lavoura voltada para exportação, é óbvio que uma grande quantidade de alimentos
era produzida por estes.
Isto justifica fato de que as transformações ocorridas no espaço agrário do
norte/noroeste paranaense eliminaram tanto o café, quanto uma enorme quantidade
de arroz, feijão, mandioca, dentre outros gêneros alimentícios, desinteressantes
para o setor produtivo do agronegocio até a atualidade.
66
As lavouras de soja, cana-de-açúcar, as pastagens etc, que ocuparam
estas áreas, eliminaram por completo esta produção de subsistência, até porque o
trabalhador destas culturas geralmente não se fixa mais no campo, uma vez que o
modus operandi do agronegócio se pauta na extração da renda territorial fundiária
com vistas a reproduzir amplamente o capital aí investido, sendo distinto do
processo de reprodução camponesa ainda persistente no espaço agrário do norte e
noroeste paranaense.
Nesse contexto, da inexpressividade econômica da primeira metade do
século passado, passando pela implantação do Proálcool na década de 1970, que
impulsionou a expansão tanto de novas usinas de álcool e açúcar quanto num
crescimento expressivo da área plantada, o Paraná se consolidou como sendo o
segundo maior produtor de cana de açúcar do país, respondendo por quase 8% da
produção nacional.
Isto em um contexto de conjuntura favorável para a expansão do
agronegócio sucroalcooleiro, motivado tanto pela recuperação do preço do açúcar
no mercado internacional, quanto pela incorporação em larga escala do etanol à
matriz energética brasileira e internacional.
67
3. A E X P A N S Ã O D O A G R O N E G Ó C I O C A N A V I E I R O N OS MUNICIPIOS ANALISADOS
Conforme já foi abordado anteriormente, a porção setentrional do Paraná
até o século XIX não estava integrada ao espaço econômico brasileiro, uma vez que
no início do processo de colonização do território, houve uma maior ênfase na busca
por metais preciosos, extração de madeira nobre e, posteriormente, na produção
açucareira, sobretudo na região Nordeste, por razões também já abordadas.
Por outro lado, a produção de erva-mate, que foi no século XIX uma das
mais importantes atividades econômicas do estado, se concentrava geograficamente
em áreas do sul e do litoral paranaense, como atesta Padis (1981, p.86).
Nesse contexto, somente no final do século XIX e início do XX que se
concretizou a inserção da região norte do Paraná à economia nacional, por meio da
presença de agricultores interessados em cultivar café nessa região, sendo que
Cancian (1981, p.14) descreve os anos iniciais do século XX até a crise de 1929,
c o m o s e n d o u m p e r í o d o d e i n c e n t i v o à p r o d u ç ã o c a f e e i r a.
O fato é que este processo de ocupação só veio a acontecer de forma
mais intensa após a década de 1940, com o avanço da frente pioneira, que
incorporou à economia de mercado capitalista as porções territoriais pouco densas
demográfica e economicamente, ou ainda que apresentassem uma produção de
subsistência e comercialização de excedentes, típica da frente de expansão.
3 . 1 . Antecedentes da formação do espaço agrário dos municípios de Colorado, Porecatu, Guaraci, Centenário do Sul e Nossa Sra. das Graças.
Após a década de 1920, o governo do estado começou a empreender as
políticas de colonização privada para a porção setentrional do Paraná, que giravam
em torno das concessões destas áreas para grupos imobiliários, os quais
empreenderam o processo de incorporação demográfica e econômica da região
n o r t e d o e s t a d o , p o r m e i o d a c o m e r c i a l i z a ç ã o das te r ras .
Bragueto (1996, p.49) ao caracterizar o processo de colonização do Norte
Novo (região na qual estão inseridos os municípios de Colorado, Porecatu, Guaraci,
Centenário do Sul e Nossa Senhora das Graças), dividiu-o em três períodos, sendo
o primeiro o de 1920 a 1930. Segundo o autor, este período ficou marcado pela
68
concessão de significativas porções de terras devolutas para grandes imobiliárias
que as lotearam e as venderam.
Não é demais lembrar que este período a que se refere Bragueto é
caracterizado por Cancian (1981, p14) como sendo a última década de incentivo à
produção cafeeira (1906-1929), daí a importância em se correlacionar a expansão
cafeeira com a inserção econômica do norte do Paraná ao espaço econômico
brasileiro propriamente dito, uma vez que:
Antes dela [a cafeicultura], a agricultura paranaense era quase que de subsistência [...] e se fazia em pequenas propriedades [...] ou nas roças dos “safristas”, lavradores nômades que devastavam a floresta e engordavam porcos nas plantações de cereais, na parte não colhida. (CANCIAN, 1981, p.107).
O fato é que a procura por estes loteamentos na região se deu em
grande parte por colonos e fazendeiros oriundos, sobretudo das regiões cafeeiras
paulistas, demonstrando que o desenvolvimento econômico do norte do Paraná tem
sua gênese na expansão do espaço econômico paulista, por meio do avanço da
frente pioneira em busca da melhor localização geográfica possível naquele
momento histórico.
Sobre esta constatação, Mombeig (1935 apud FRESCA e CARVALHO,
2007, p. 01) revela que apesar desta região pertencer ao Paraná, “[...] não deixa de
ser de facto uma região econômica paulista [...] [até pelo] prolongamento do grande
círculo dos arenitos de Botucatu, que em território paulista formam um solo
particularmente fértil pela decomposição da terra roxa [...]”.
Ora, isto vem ratificar a tese de que a expansão cafeeira ocorreu no norte
do Paraná, inclusive no período da depressão econômica de 1929, quando o
governo brasileiro restringiu a produção cafeeira nos grandes estados produtores,
exceto no Paraná, cuja produção estava abaixo da cota estipulada para esta
restrição, como aponta Westphalen et al. (1969, p.214), o que fez da região norte do
Paraná uma nova fronteira agrícola, mais especificamente para o café.
Isto se deu, em parte, devido à ambiente edafoclimático condizente com a
cultura cafeeira, somado ao fato de que as companhias colonizadoras, principalmente
a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), implementaram e consolidaram
uma infra-estrutura composta por ferrovias e estradas rodoviárias, indispensáveis ao
escoamento da produção, o que também colaborou com a expansão da fronteira,
69
como aponta Cesáreo (1991 apud PAZ, 1991, p.42), e que marcaria o segundo
p e r í o d o d e s c r i t o p o r B r a g u e t o ( 1 9 9 6 , p . 4 2 ) , q u e v a i d e 1 9 2 9 -1940.
Cumpre salientar que naquele momento, o processo de ocupação e
colonização descrito ainda não tinha culminado na formação dos municípios de
Porecatu, Centenário do Sul, Guaraci e Nossa Senhora das Graças.
A gênese destes municípios remonta a um período posterior,
caracterizado por Bragueto (1996, p.49) como sendo uma etapa em que o Estado
passaria a ocupar o restante dessa região, por meio da criação de suas próprias
colônias, sendo as áreas ainda não incorporadas ao processo de colonização
repassadas a pequenas companhias colonizadoras particulares:
O governo do estado do Paraná, proprietário ainda de grandes áreas de terras devolutas e de antigas concessões anuladas que retornaram ao seu patrimônio, iniciou também a partir de 1939, diretamente, um programa de colonização das muitas destas áreas no Norte do Paraná. Foram assim de iniciativa oficial [...] as colônias de [...] Jaguapitã (1943), Centenário (1944) [...] (WESTPHALEN et al,1969, p.216).
É nesse contexto que começa o processo de formação econômica e
demográfica dos municípios aqui estudados, uma vez que Colorado e Guaraci se
desmembraram da "Colônia Estadual de Jaguapitã” em 1954 e 1955,
respectivamente. Já o município de Nossa Senhora das Graças, se desmembrou de
Guaraci no ano de 1960.
Com relação ao município de Centenário do Sul, este se origina, assim
como Jaguapitã, do processo de colonização empreendido pelo governo do estado
em 1944, sendo que a única exceção deste processo colonizador empreendido
diretamente pelo Estado é o município de Porecatu, que corresponde a uma
concessão feita a um particular, o qual promoveu o loteamento, sendo “[...] fundado
em 1941, por Ricardo Lunardelli [...] proprietário de uma vasta área de terras, que
dividiu-as em lotes e as vendeu, facilitando assim a aquisição por parte de grande
número de colonos”. (PORECATU, 2008). Desta forma, Porecatu permaneceu
como distrito político administrativo do município de Sertanópolis até 1947, quando
foi emancipado.
No que diz respeito à formação do espaço agrário destes municípios,
temos que considerar, primeiramente, que na Colônia Estadual de Jaguapitã (de
onde desmembraram-se os municípios de Colorado, Guaraci e Nossa Senhora das
Graças), o sistema de colonização praticamente foi similar àquele empreendido pela
70
CTNP, pautado na divisão de pequenos lotes vendidos aos colonos (WESTPHALEN
et al., 1969, p.217).
O mesmo procedimento, segundo a autora, não se aplica à Colônia
Estadual de Centenário (atual Centenário do Sul), uma vez que esta foi loteada em
propriedades “[...] onde foram estabelecidas [...] grandes fazendas de café e também
de cana-de-açúcar.” (BRAGUETO, 1996, p.80).
Já no município de Porecatu, o loteamento não privilegiou a pequena
propriedade, uma vez que desde o inicio do processo de colonização deste
município, o foco foi culturas de agroexportação assentadas na grande propriedade
privada, como é o caso da cana-de-açúcar e o café, as principais culturas desde a
época da sua fundação (PORECATU, 2008).
Só para se ter uma idéia desta concentração fundiária que remonta aos
primórdios da formação do espaço agrário municipal, em 1950 Porecatu possuía
apenas 127 propriedades, que juntas, ocupavam uma área de 79.223 hectares, o
que corresponde a média de 624 hectares cada (IBGE, 1950).
Ademais, o município de Porecatu era um dos poucos a praticar a
cafeicultura de forma monocultural (CANCIAN, 1981, p.107), apresentando-se “[...] o
café como ocupação total das terras de espigões menos sujeitos à geadas e as
pastagens nos vales”.
Portanto, desde a origem, Porecatu apresenta uma estrutura fundiária
altamente concentrada, o que foi decisivo para a hegemonia da agricultura de base
empresarial, instalada neste município desde os seus primórdios, como será visto
posteriormente.
3.2. Os conflitos fundiários na região: a Revolta Armada de Jaguapitã e a Guerrilha de Porecatu
O processo histórico de formação do espaço agrário norte paranaense,
especialmente naquelas porções territoriais em que o estado promoveu a
colonização após a década de 1940, foi marcado por intensos conflitos envolvendo a
posse da terra. Foi o que ocorreu, mais especificamente no ano de 1946 em
Jaguapitã (Colônia Estadual de onde desmembraram os municípios de Colorado,
Guaraci e Nossa Senhora das Graças), e em 1950, em Porecatu, englobando
71
inclusive algumas áreas do município de Centenário do Sul que, conforme abordado
anteriormente, também fora uma colônia estadual.
Ocorre que “[...] além da colonização particular, espontânea ou dirigida, e
da oficial, houve muitas vezes, a ocupação pura e simplesmente de terras devolutas,
ou pertencentes a particulares ausentes” (WESTPHALEN et al., 1969, p.231).
Ou seja, paralelo aos empreendimentos colonizadores, vários
trabalhadores rurais oriundos de outras regiões do país se estabeleceram nestas
terras, e formaram aí posses, até porque a grande maioria desta porção territorial
estava composta por terras devolutas ou pertenciam a particulares, embora
abandonadas e sem nenhum uso.
Silva (1996, p.29), ao abordar o processo de ocupação pelos posseiros na
região de Porecatu, descreve-a da seguinte maneira: “Soube-se então que aquelas
terras eram de ninguém. E por ser de ninguém, eram de todos. Ali bastava chegar e
ir tomando posse, buscando defender-se como podia dos mais fortes”.
Ora, para o posseiro a terra não é uma mercadoria mediante a qual se
paga uma quantia para ocupá-la, como assevera Martins (1980, p.61):
Posseiro não pode ter acesso a terra e dela é expulso porque não pode pagar por ela [...] [para o posseiro], é o trabalho que legitima a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade. Este direito está em conflito com os pressupostos da propriedade capitalista.
Para ele, a terra é um meio necessário para produzir aquilo que ele e sua
família necessitam para sobreviver, daí a lógica do lema: “A terra é de quem nela
trabalha”.
Mas os projetos de colonização empreendidos pelo Estado e pelas
imobiliárias apresentavam-se com objetivos distintos aos dos posseiros aí
estabelecidos, uma vez que o processo de colonização do norte do Paraná, de
acordo com Bragueto (1996, p.49) pode ser caracterizado como sendo uma
colonização do tipo capitalista, num contexto em que o próprio Estado “[...]
proporcionou a incorporação das terras livres ao capital”.
Diante desse antagonismo de objetivos de classes instaurados no campo,
os conflitos que se seguiram nesta porção do espaço agrário paranaense foram, em
grande medida, decorrentes da diferença de significado que a terra possui para os
camponeses (no caso, os posseiros), para o Estado e para os agentes imobiliários.
72
Isto num contexto em que para os últimos, a terra se transforma numa
“mercadoria”, cujo acesso só pode se dar mediante a compra e venda, para
posteriormente ser convertida em um meio de produção capaz de reproduzir
amplamente o capital aí investido, por meio da renda territorial.
Aí está a diferença, o antagonismo de que se fala. De um lado as terras
ociosas que passam a ser ocupadas por camponeses, com o objetivo de fazê-las
produzir para tirar daí o seu sustento e o de sua família, e de outro lado, os agentes
colonizadores capitalistas que se apropriam destas terras e a transformam numa
mercadoria.
Mercadoria esta valorizada no mercado de terras, uma vez que estas
posses ocorriam nas áreas propícias à expansão cafeeira, intensificada após 1940,
razão pela qual Cancian (1981, p.14) classifica o período de 1945 a 1970 como de
conjuntura dinâmica para este processo.
E se de fato esses posseiros eram um obstáculo a serem removidos para
prosseguir o processo de “incorporação das terras livres (embora ocupadas) ao
capital”, como assinala Bragueto (1996, p.49), o Estado não pouparia esforços para
expulsá-los destas áreas em favor dos colonizadores, conforme será abordado
posteriormente.
Em meio ao contexto em que se excluía o posseiro do processo de
colonização, surge o primeiro conflito armado nesta região, fato ocorrido em 1946 no
município de Jaguapitã (Colônia Estadual), quando cerca de 1500 famílias, na sua
maioria posseiros, entraram em choque com os proprietários juridicamente
constituídos, sendo que estes últimos empreenderam uma política de expulsão e até
mesmo de despejos violentos contra os primeiros. (WESTPHALEN et al, 1969,
p232).
Não obstante, a revolta dos posseiros passa a ter status de conflito
armado a partir de 1947, quando,
[...] um grupo armado tentou ocupar as terras da Fazenda Guaracy, e os sitiantes reagiram a bala, deixando um saldo de vários mortos e inúmeros feridos. O tiroteio se prolongou por mais alguns dias..Os lavradores enviaram sua famílias para os matos, e permaneceram atocaiados pelos picadões, com o dedo no gatilho, para defender suas posses contra novos assaltos.” (WESTPHALEN et. al, 1969, p.232).
73
Diante do recrudescimento do conflito agrário no município de Jaguapitã,
o governo do estado do Paraná interveio, prometendo terras devolutas em outra
colônia estadual, no atual município de Paranavaí, inclusive com moradia14, para
que estes posseiros abandonassem estas áreas.
O fato é que esta promessa não foi cumprida pelo governo, o que levou à
conflagração do conflito armado, uma vez que os posseiros, crentes na promessa do
Estado, prepararam-se para a retirada, desmontando toda a sua estrutura produtiva
enquanto esperavam pela mudança. Ao não se concretizar a transferência, esses
posseiros se viram inclusive diante da escassez e da fome, o que intensificou ainda
mais a sua revolta.
Embora o fim do conflito somente tenha ocorrido no final da década de
1940, conforme será demonstrado posteriormente, o fato é que o Censo Agrícola de
1950 registrava 197 estabelecimentos em situação “terras ocupadas”, totalizando
6.486 hectares (IBGE, 1950).
Não se pode esquecer ainda o fato de que o Estado anulara a concessão
“Alves Almeida” (município de Porecatu), e passara a promover o processo de
colonização da região, incentivando a vinda de colonos de várias partes do país sem
que houvesse uma regularização fundiária em definitivo.
Esta é a razão pela qual os colonos ocuparam tanto áreas no interior das
concessões anuladas, quanto a de supostos proprietários privados, que adquiriram
terras com o intuito de especular, daí a ociosidade. Outros ainda se valeram da
grilagem, com a anuência do Estado, invocando a propriedade de terras que na
verdade nunca lhes pertenceram. (WESTPHALEN et al., 1969, p.233).
Muitos colonos chegaram a comprar tais lotes, mas a ausência de um
marco jurídico tornava praticamente impossível a comprovação de propriedade legal
das terras pelos mesmos. É o que demonstra o depoimento de um desses colonos,
extraído de Silva (1996, p.01): “Quando nós chegamos o sertão era bruto e a
civilização um sonho. Compramos terras, sangramos as mãos, pagamos impostos,
vivemos felizes. E agora nos expulsaram, mas só sairemos mortos.”.
14 De acordo com Westphalen et al... (1969, p. 232), o governo do Estado prometera “dez alqueires para cada família, uma casa de madeira e transporte, caso deixassem a região. Diante da promessa, os lavradores ultimaram suas colheitas, reuniram suas ferramentas, prepararam os ranchos para o desmonte e a remoção, e não plantaram mais nada frente à proximidade da mudança. Mas o governo não consumou a promessa e ficaram lavradores e suas famílias, sem produção, e mesmo sem alimentos.”.
74
Por outro lado, o autor retrata que, mediante a propaganda estatal, os
posseiros migravam de várias partes do Brasil15, estabelecendo suas posses na
região de Porecatu, na qual derrubou-se a mata, cultivou-se a terra e construi-se
toda uma infra-estrutura produtiva, como cercas, casas, galinheiros, estábulos etc.
Como já foi assinalado anteriormente, o fato de a região possuir terras
férteis contribuiu para despertar o interesse de grandes cafeicultores, que acabaram
por se instalar ali.
Era comum encontrar-se na região agrimensores medindo terras em nome de seu doutor fulano de tal [...] Em sua ingenuidade as pessoas acreditavam [...] na titulação definitiva [...] Aos poucos os posseiros foram percebendo o engodo em que caíram. Cercas erguiam-se da noite para o dia cortando suas terras. Grandes placas chamavam-se aqui e ali com nomes de fazenda tal, propriedade de fulano de tal [...] deixando os posseiros sem saber o que fazer, uma vez que não possuíam escrituras definitivas [...]. (SILVA, 1996, p.65-66).
Diante de tamanha desordem no processo de ocupação destas áreas, a
tal ponto de Braga e d'Horta (1953, p.45) classificarem a situação como sendo fruto
de “[...] uma verdadeira orgia no Instituto de Terras do Paraná”, o governo do estado,
mais uma vez, a exemplo de Jaguapitã, prometera novos lotes a estes posseiros,
para que estes desocupassem estas terras, sendo que novamente o Estado não
cumpriu esta promessa (WESTPHALEN et al., 1969, p.233).
Num contexto em que o governo do estado não efetiva a concessão de
terras em outras regiões do Paraná a estes posseiros, somado às constantes
ameaças feitas pelos jagunços a serviço de fazendeiros, eclodiu um dos maiores
conflitos armados no âmbito da questão agrária paranaense, inclusive com
repercussão nacional, principalmente após o recurso à luta armada, promovida pelo
Partido Comunista Brasileiro (PCB) em favor dos posseiros.
Não se passaram muitos meses, e aqueles homens pacíficos, com as mãos calejadas nos cabos dos machados e das foices, e no puxar das enxadas [...] sofreram uma mudança radical em relação a seus direitos. Diante da idéia de que a terra por direito, justiça e delegação do Criador pertence a quem nela trabalha, aquelas pessoas ficaram cegas e prontas para enfrentar com todos os meios quem quer que tentasse apoderar-se de suas propriedades [...] todas dispunham de armas para caçar [...] As pessoas foram divididas por águas e bairros [...] A enxada ou a foice na roça se acrescentava a carabina, e ao
15 De acordo com Silva (2006, p. 65-66), as autoridades governamentais propagandeavam pelo Brasil, que as terras ainda disponíveis no Paraná seriam distribuídas gratuitamente aos colonos.
75
facão e farnel acompanharia o embornal de munição. (SILVA, 1996, p.88-89).
É desta forma que tem início os conflitos fundiários, ou melhor, a
resistência dos posseiros na região de Porecatu frente ao poder armado dos
grandes interessados em “[...] incorporar essas terras livres ao capital [...]”
(BRAGUETO, 1996, p.49), que se valeram de jagunços16, além do próprio aparelho
repressivo do estado, que enviou centenas de efetivos policiais para a região
conflagrada. Convém ressaltar ainda que esta força policial enviada pelo governo do
estado, “[...] em vez de fazer justiça, cumprindo a palavra dada aos posseiros, ficou
do lado dos grandes, os verdadeiros invasores.” (SILVA, 1996, p.95).
Isto revela claramente a feição do Estado no Brasil17, que historicamente
vem atuando de maneira parcial nos conflitos de classe, favorecendo a manutenção
da estrutura social vigente, o que “[...] denuncia claramente o Estado brasileiro como
um Estado de classe onde [...] a justiça e a polícia estão com freqüência
subordinadas à ordem privada”. (MARTINS, 1980, p. 49-112).
Apesar de os posseiros saírem vitoriosos em vários embates contra os
jagunços e as forças policiais, Westphalen et al. (1969, p.234) afirma que “os
lavradores foram atraídos para o entendimento e desarmados”, sendo que em março
de 1951, o novo governo paranaense empreende a primeira desapropriação por
“interesse social” do país, ao declarar essas terras como sendo de “utilidade
pública”.
Ora, este contexto conflituoso em que se assenta o processo de formação
do espaço agrário dos municípios de Colorado, Guaraci, Nossa Senhora das
Graças, Porecatu e Centenário do Sul18, revelam aquilo que já foi discutido na
primeira parte deste trabalho, que é a disputa motivada por projetos territoriais
distintos. Nesse caso especifico, a luta sangrenta pelo controle da mesma porção do
espaço geográfico é, em suma, a materialização da luta de classes, posto que a
17 A esse respeito, Althusser (2001, p.74) revela que na sociedade capitalista o Estado, através dos seus aparelhos ideológicos e repressores, desempenha um papel que, na essência, consiste em garantir por diversos mecanismos, incluindo a repressão policial “[...] as condições políticas da reprodução das relações de produção[...]”, atuando sempre em favor “[...] da classe dominante que detém o poder do Estado”18 Quanto a localização geográfica dos embates da “Guerrilha de Porecatu”, “ [...] o conflito eclodiu no perímetro formado pelos municípios de Jaguapitã, Guaraci, Centenário do Sul, e Porecatu [...]” (HELLER, 2006, p.56).
76
apropriação e demarcação obedece a duas lógicas em confronto: a da terras de
trabalho e a da terras de negócio. (MARTINS, 1981, p.33).
Nos conflitos fundiários de Jaguapitã e Porecatu (e em outras disputas
territoriais) a ausência de neutralidade do Estado é notória, a começar pelo incentivo
à migração de posseiros para áreas de terras devolutas no contexto do que
podemos denominar frentes de expansão, e que antecede à instalação da frente
pioneira. Após “amansar a terra”, tarefa da frente de expansão constituída por
posseiros, se estimulará o uso capitalista do território, e para isso a mediação do
Estado é fundamental, de sorte que os projetos imobiliários descritos inscrevem-se
nessa lógica.
Qualquer óbice a essa ordem, e que se supõe inevitáveis, pois os sujeitos
da ordem anterior perdem seu papel social, será tratada como uma questão de
Estado, o que explica o fato de o governo se valer de seu aparelho repressor em
favor de uma fração de classe identificada com a agricultura mercantil, no caso a
cafeicultura.
Não é demais ressaltar o fato de que a configuração atual do espaço
geográfico nos municípios estudados (assim como qualquer outra localidade), nada
mais é do que um resultado concreto dos processos que foram sucedendo-se, sob a
forma de lutas e contradições, ora materializadas em distintas formas territoriais.
3.3. Ordenamento territorial do espaço agrário dos municípios analisados entre 1950 e 1970
Conforme já foi visto anteriormente, durante o período que vai de 1950 a
1970, a cultura comercial predominante nos municípios estudados era o café.
De acordo com o Censo Agrícola de 1950, havia no município de
Porecatu19 apenas 127 estabelecimentos agropecuários20 que, juntos, ocupavam
uma área de 79.223 hectares, o que representa uma média de quase 624 ha para
cada propriedade.
19 Não é possível proceder a análise de forma detalhada acerca do uso e ocupação do solo dos demais municípios estudados, uma vez que até 1950 os mesmos ainda não haviam sido emancipados de Porecatú. Da mesma forma, é preciso salientar que a área total do município, na ocasião, era muito superior à atual.20 Aqui também se inclui os estabelecimentos agropecuários do município de Alvorada do Sul, uma vez que até 1951, este município ainda não havia se emancipado de Porecatu.
77
Esta é uma evidência de que desde a chegada da frente pioneira, foi
imposto o monopólio fundiário no município, a pretexto da implementação das
culturas de larga escala, como o café e a cana de açúcar, com as quais tiveram que
competir as pequenas propriedades, nas nesgas de terras que ainda haviam
restado.
Em termos de uso do solo, em 1950 havia 10.938 hectares ocupados com
café, seguido pela cana-de-açúcar, que naquela ocasião já ocupava 2.467 hectares
da área municipal21. (IBGE, 1950).
Por outro lado, o arroz, o feijão e o milho, cultivados majoritariamente
pelos camponeses no âmbito da subsistência e da comercialização dos excedentes,
somavam 1.792 hectares plantados.
Isto revela o fato de que há um privilégio por parte dos produtores
agrícolas em cultivar nas suas terras produtos que apresentem uma alta
rentabilidade, sendo que esta constatação já se faz presente desde os primórdios da
formação do espaço agrário do município de Porecatu, caracterizado pela produção
mercantil.
É a grande exploração agromercanti l de base terri torial necessariamente extensa [...] [em que] a atividade econômica gira em torno de algum gênero essencial de grande valor comercial, deixando o mais, e particularmente os gêneros necessários àsubsistência da população trabalhadora local, em segundo e apagado plano." (Prado Jr., 1981, p.50).
Esse privilégio às culturas mais rentáveis ficou evidente em Porecatu,
pois como foi visto, enquanto 13.405 hectares foram destinados á agricultura
mercantil (voltada tanto para o mercado interno, quanto para a agroexportação),
apenas 1.792 hectares foram cultivados com milho, arroz e feijão. (IBGE, 1950),
sendo conveniente ressaltar que, para Cancian (1981, p.14), a consolidação
econômica destes municípios coincidiu com o período de expansão dinâmica da
cultura cafeeira (1945-1970).
Cabe lembrar, porém, que em meados da década de 1960 a produção
cafeeira começa a declinar a nível nacional, por conta da queda da cotação deste
produto no mercado internacional, como assevera Yoshinaga (2006 p.72-74).
21 O predomínio destas duas lavouras no município de Porecatu está expresso inclusive no hino municipal, em que se pode encontrar os seguintes versos: “ Teus exuberantes cafezais.Teus lençóis de cana verdejante [...] em parte alguma poderá haver iguais, as tuas duas gigantes chaminés [referencia a já instalada Usina Central] [...]”.
78
Nesta mesma década, com exceção de Nossa Senhora das Graças,
todos os municípios estudados já tinham se emancipado, o que torna oportuno
arrolar alguns dados sobre a respectiva estrutura fundiária.
Tabela 05 - Estrutura Fundiária em 1960Municípios Nº. de
PropriedadesÁrea Ocupada
(ha)Área Média
(ha)Centenário do Sul 630 40.308 64Colorado 1.189 33.180 28Guaraci22 931 32.022 34Porecatu 60 31.525 525Fonte: Censo Agrícola de 1960, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.
A tabela 4 quadro evidencia os desdobramentos das diferenças em
termos de colonização privada empregados em cada município. Enquanto que em
Colorado e Guaraci, a divisão dos loteamentos se deu sob a hégide da pequena
propriedade, em Porecatu e Centenário do Sul ocorreu justamente o contrário,
predominando a média e grande propriedade no âmbito da constituição de fazendas
cafeicultoras e canavieiras.
Outro ponto a ser destacado é o uso do solo nesta década:
Tabela 06 - Uso do Solo em 1960Município Lavouras
Permanentes (ha)
Lavouras Temporárias
(ha)
Pastagens(ha)
Centenário do Sul 19.962 3.184 8.259
Colorado 19.029 3.221 5.884
Guaraci 14.285 8.532 8.532
Porecatu 19.920 3.687 5.352
Fonte: Censo Agrícola de 1960, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.
Embora os dados do Censo Agrícola de 1960 não especifiquem o uso do
solo por cultura, é possível ainda assim, notar o predomínio das lavouras
permanentes em detrimento da policultura.
22 Nos dados de Guaraci, estão incluídos os de Nossa Senhora das Graças, que ainda não havia se emancipado ainda.
79
Não se pode esquecer ainda o fato de que as plantações de milho, feijão
e arroz desenvolveram-se basicamente como intercalares ao café, fato este que
evidencia muito bem a divisão, entre o agronegócio e o campesinato, uma vez que
estas culturas intercalares eram produzidas tanto pelos colonos, parceiros, quanto
pelos pequenos produtores de café, como aponta Carvalho (1991, p.14).
Se no período entre 1950-1960 o café era o principal produto agrícola
destes municípios, na década de 1970 não foi diferente, embora já em escala
descendente, devido à queda de preços no mercado mundial. É nesse momento que
as lavouras temporárias e as pastagens começam a se expandir em prejuízo das
áreas cafeeiras, conforme será demonstrado a seguir.
No âmbito nacional, o GERCA23 já vinha promovendo uma série de
medidas no intuito de substituir os cafeeiros considerados antieconômicos. De
acordo com Yoshinaga (2006, p.74-78), os empresários já estavam em busca de
alternativas mais viáveis, e a implantação de unidades agroindustriais
sucroalcooleiras nas antigas áreas produtoras de café foi uma delas.
Esse processo torna-se proeminente nos municípios estudados entre o
final da década de 1970 e início dos anos 1980, época em que se intensificou o
processo de tecnificação do espaço agrário brasileiro, como aponta Paulino (2006,
p.4), quando “[...], as bases do uso do solo foram alteradas, emergindo o modelo de
intensificação de lavouras mecanizáveis, em substituição às culturas que
demandavam intensa mão-de-obra.”.
Estas transformações de que tanto se falam, ficou marcada pela adoção
de novos sistemas técnicos na produção agrícola de base empresarial, sendo a
década de 1970, o marco do surgimento dos Complexos Agroindustriais, que
passaram a integrar a produção agropecuária e redefinir toda a estrutura
socioeconômica e política no campo.
Se no início da expansão do capitalismo ocorreu uma separação entre
agricultura e indústria, além da especialização do agricultor nas atividades primárias
no âmbito da divisão social do trabalho (KAUTSKY, 1980, p.283), nesta etapa atual,
marcada pela territorialização do capital, ocorre justamente o contrário:
O desenvolvimento, portanto da agricultura (via industrialização) revela que o capitalista está unificando o que ele separou no início
23 De acordo com Cancian (1981, p.47), o programa básico do GERCA era erradicar dois bilhões de cafeeiros, considerados antieconômicos.
80
do seu desenvolvimento: indústria e agricultura. Esta unificação está sendo possível porque o capitalista se tornou também proprietário de terras, latifundiário, portanto [...] onde atualmente indústria e agricultura são parte de um mesmo processo. (OLIVEIRA, 2004, p.42)
Ora, esta mudança na base técnica da produção agrícola acabou levando
à expansão dos Complexos Agroindustriais, e consequentemente, há um incremento
das culturas produzidas com este fim em detrimento das demais, conforme será
abordado posteriormente.
Não obstante a estas profundas transformações, ocorre ainda neste
período, uma expulsão em massa no campo brasileiro, para atender “[...] as
premissas indispensáveis à produção capitalista” (KAUTSKY, 1980, p. 269), nesta
nova etapa do capitalismo no campo, marcado pelo processo de monopolização do
território pelo capital.
A este respeito, Martins (1980, p.54) elucida o fato de que este processo
se deu devido a concentração fundiária que promoveu a expulsão de milhões de
camponeses de suas unidades de produção, sendo que esta constitui “ [...] uma
característica essencial do processo de crescimento do capitalismo, é um
componente da lógica do capital [...] [no qual] uma lei básica do capital é subjugar o
trabalho”.
Subjugação esta que se deu através da concentração fundiária para a
prática da agricultura mercantil, tendo que ocorrer uma substituição dos “[...]
trabalhadores residentes – colonos, parceiros, ou rendeiros – pelos trabalhadores
assalariados associados a maquina [...]” (D’INCAO, 1984, p. 16-17).
Todas essas transformações foram se processando no espaço agrário
dos municípios estudados, ao mesmo tempo em que a cafeicultura ia entrando em
declínio, e novas culturas iam sendo implantadas no âmbito desta nova conjuntura,
como alternativa à agricultura de base empresarial, dentre estas a agroindústria
canavieira (YOSHINAGA, 2006, p.78), que se expandiu de forma mais intensa,
sobretudo após o Proálcool.
E este rearranjo territorial no espaço agrário dos municípios estudados
projeta-se com maior intensidade a partir da década de 1980, quando foram
implantadas várias unidades agroindústrias sucroalcooleiras no Paraná, dentre elas,
a Usina Alto Alegre, em 1978 no município de Colorado e a Destilaria de Álcool da
Cofercatu em 1986.
81
4 – A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOS MUNICÍPIOS ANALISADOS ENTRE 1980-2006
Foi visto anteriormente que a década de 1970 foi marcada pelas
profundas transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro, culminando com a
implantação dos Complexos Agroindustriais, dentre eles o sucroalcooleiro.
Por outro lado, foi visto também como o Estado brasileiro converteu-se
em agente primaz desta expansão, dada a implantação do Proálcool em 1975.
Nesse contexto, “se delineia um claro predomínio das lavouras para
exportação e/ou para o atendimento das agroindústrias [...]” (CANCIAN, 1980,
p.138-139), sendo que a cana-de-açúcar fora uma das que mais se expandiram nos
municípios estudados.
Até a década de 1970, dentre esses municípios, somente Porecatu e
Centenário do Sul produziam cana-de-açúcar com a finalidade de abastecer as
usinas açucareiras, sendo que o primeiro já contava com uma destas unidades
processadoras desde os primórdios de sua fundação.
Tabela 07 - Evolução da área ocupada pela cana entre 1970-1985 Município 1970
(ha)1975(ha)
1980(ha)
1985(ha)
Variação (%)
Centenário do Sul
1.040 2.204 4.724 6.667 +541%
Colorado 20 14 2.567 5.494 +27.370%Porecatu 7.649 6.504 8.908 9.348 +22%Guaraci24 5 - 55 99 +1.180%
Nossa Sra. das Graças
3 - 56 355 +11.733%
Total 8.717 8.722 11.586 15.296 +74,3%Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1985, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.
Em Porecatu, por exemplo, em 1970 a cana já ocupava 7.650 hectares,
ou seja, uma área maior que os 7.290 hectares cultivados com café, que ainda era a
principal cultura comercial da maioria dos municípios do norte do Paraná (IBGE,
1970). Por sua vez, em Centenário do Sul, a lavoura canavieira era a segunda
24 Embora o % da expansão no município de Guaraci e Nossa Senhora das Graças seja astronômico, o fato é que a expansão absoluta foi insignificante para os padrões agroindustriais, uma vez que esta expansão pode estar relacionada ao aumento do autoconsumo de cana-de-açúcar nas propriedades agropecuárias, principalmente para alimentação de animais.
82
cultura em termos de área ocupada, registrando 1.040 hectares cultivados, contra
8.782 hectares destinados ao café.
O fato é que a partir da década de 1980, após a implantação da Usina
Alto Alegre, em Colorado, e da destilaria de Álcool, em Porecatu, houve uma
expansão expressiva da cana-de-açúcar em três dos municípios estudados, como
se pode observar na tabela 6.
Trata-se de um cenário em que o cultivo do café e da cana obedeceram a
uma lógica inversamente proporcional, com o primeiro registrando franca retração.
Assim, está evidenciado que neste período a cana-de-açúcar já se
apresenta como uma das alternativas para as propriedades exploradas sob bases
empresariais, sobretudo em Centenário do Sul e Porecatu, o que decorre, ao menos
parcialmente, do arrefecimento dos créditos à cafeicultura e a própria mediação das
cooperativas, que paulatinamente foram mudando o foco nas mediações
estabelecidas com o setor produtivo.
Tabela 08 - Evolução da cultura cafeeira entre 1970-198525
Município 1970(ha)
1975(ha)
1980(ha)
1985(ha)
Variação (%)
Centenário do Sul
8.782 11.019 7.609 1.588 -82%
Colorado 6.584 8.078 7.198 4.434 -33%
Porecatu 7.290 5.492 2.462 967 -88%
Guaraci 2003 3.081 2.552 1.515 -24%Nossa Senhora das Graças
999 2.335 1.694 730 -27%
Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1985, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza
E esta expansão do agronegócio canavieiro, principalmente nos três
municípios em que este processo se deu de forma mais intensa, se deu no âmbito
de uma nova conjuntura, marcada pela “[...] territorialização dos monopólios que
atuam simultaneamente no controle da propriedade da terra, no processo produtivo
no campo e do processo industrial da produção [...]” (OLIVEIRA, 2008),
25 Nota-se que a retração do café se processou de forma mais intensa neste período nos municípios em que houve um avanço maior do agronegócio canavieiro.
83
caracterizado pela concentração fundiária expressa na redução do número de
estabelecimentos no período que vai de 1970 até o ano de 1996.
Tabela 09 - Evolução do número de estabelecimentos de 1970-1995/96Municípios 1970 1975 1980 1985 1996Centenário do Sul
684 577 567 617 364
Colorado 1.537 588 945 648 629Porecatu 145 74 74 157 70Nossa Srª. das Graças
652 426 264 401 262
Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1995/96, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
1970 1975 1980 1985 1996
nº
de
es
tab
ele
cim
en
tos
Centenário do Sul
Colorado
Porecatu
Nossa Srª. DasGraças
Gráfico 11: Evolução do número de estabelecimentos agropecuários 1970-1995/96.Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1995/96, IBGE. Org. Marcos Antonio de Souza.
Como apontam os dados da tabela 8, há uma clara concentração da
propriedade fundiária, evidenciada pela diminuição do número dos mesmos,
principalmente após a década de 1970, quando da consolidação, nestes municípios,
do CAI sucroalcooleiro.
Convém mencionar ainda o fato de que houve um maior aumento no
tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários nos municípios que mais
incrementaram sua área de produção com cana-de-açúcar, como aponta o IBGE
(1970-1995/96).
Se em 1970, o tamanho médio do estabelecimento agropecuário em
Centenário do Sul era de 55 hectares, em 1996, esta já era 78% maior, ou seja 98
84
hectares. Em Colorado este processo de concentração fundiária foi ainda mais
intenso, passando de 29 hectares em 1970 para 62 hectares em 1996, o que
representa um aumento de 145% no tamanho médio desses estabelecimentos.
Até mesmo Porecatu, tradicional produtor canavieiro, e que desde o final
da década de 1940 já produzia cana em larga escala, apresentou neste período um
aumento de 95% no tamanho médio desses estabelecimentos, passando de 197
hectares em 1970, para 385 em 1996.
Já no município de Nossa Senhora das Graças, cuja expansão canavieira
seria um pouco mais tardia, este incremento foi de 137%, uma vez que o tamanho
médio dos estabelecimentos agropecuários passou de 29 hectares, em 1970, para
68 hectares, em 1996.
É interessante ressaltar ainda o aumento da participação da cana-de-
açúcar na área total dos estabelecimentos agropecuários dos três municípios que
apresentaram uma maior expansão do agronegócio canavieiro:
Tabela 10 - Participação da cana-de-açúcar na área ocupada pelas atividades agropecuárias entre 1970-1985Município 1970 1975 1980 1985
Centenário do sul
3% 6% 13,1 17%
Colorado 0,05% 0,04% 7% 14%
Porecatu 26% 25% 35% 37%
Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1975, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza
Nesse contexto, estes dados sugerem que esse processo de expansão
da produção voltada para atender as agroindústrias, que se processou também nos
municípios estudados, tem na concentração fundiária uma de suas bases de
sustentação, uma vez que isto se torna indispensável para esta nova fase do
desenvolvimento do capitalismo no campo, marcado pela territorialização do capital.
Processo este que necessariamente age de forma a expulsar o s
trabalhadores do campo para que “[...] a lógica especificamente capitalista se
desenvolva na sua plenitude.” (OLIVEIRA, 2004, p.42), consolidando a concentração
85
fundiária como fator determinante para subjugar o trabalho, e desta forma auferir o
lucro máximo (MARTINS, 1980, p.54).
Isto num contexto em que o agroindustrial canavieiro26 é ao mesmo tempo
o proprietário das terras e da unidade de produção industrial, o que faz com que ele
“[...] embolse simultaneamente o lucro da atividade industrial e da agrícola e a renda
da terra gerada por esta atividade [...]”, como elucida Oliveira (2004, p.42).
Não obstante, esta concentração fundiária está “[...] fundamentalmente
determinada pela renda, e renda subjugada ao capital”, como aponta Martins (1995,
p.177). Isto explica o fato de que as atividades econômicas que possibilitam um
auferimento maior de renda fundiária passem a ser praticadas pelo agroempresário
sobre a hégide da grande exploração capitalista, a qual garante uma maior renda
territorial, fato evidente na atividade sucroalcooleira.
Concentração esta que pode tanto se dar por meio da compra de terras,
ou pelo arrendamento destas, sendo que nesta modalidade, “[...] o capitalista não
precisa necessariamente imobilizar capital na compra de terra [...] [o que] permite
que o capitalista preserve totalmente seu potencial econômico para a produção [...]”
(PAULINO, 1997, p.149).
[O processo de territorialização do capital é um] [...] mecanismo distinto da reprodução ampliada do capital, uma vez que esta se dá exclusivamente no circuito propriamente capitalista, através do cálculo em que parte da riqueza produzida pelo trabalho vendido aos proprietários dos meios de produção é convertida em salário eparte irá compor a taxa de lucro (mais-valia). Quando a exploração da terra está pautada nessa relação, estar-se-á diante daterritorialização do capital. Por outro lado, no processo de formação do capital, em que necessariamente concorrem relações não-capitalistas, não é o trabalho que está sujeito aos capitalistas, mas a renda da terra, a qual está contida na produção camponesa. No momento em que essa produção é comercializada a um preço inferior ao valor trabalho ali contido, ocorre a transferência da renda. Essa é a lógica da monopolização do território pelo capital. (PAULINO, 2006, p. 416)
É nesse contexto que o monopólio de um setor, como o canavieiro,
sobres estas grandes extensões de terras, acaba assegurando ao “[...] capitalista o
direito de cobrar da sociedade inteira um tributo pelo uso da terra ( MARTINS, 1980,
p.60), que vem a ser a renda fundiária, sujeitada pois ao capital, mediante a junção
26 Lembramos que este processo não está limitado ao setor agroindustrial canavieiro, e o privilegiaremos tão somente por ser este o nosso objeto de investigação.
86
do proprietário fundiário e do capitalista, justificando desta forma o caráter
monocultural da produção agrícola canavieira, o que acaba produzindo uma série de
impactos socioambientais, conforme será tratado a seguir.
4.1. Expansão canavieira versus produção de alimentos
Anteriormente foi visto que nas últimas décadas o desenvolvimento do
capitalismo no campo brasileiro assumiu novas feições, em face das mudanças
técnicas e do processo de expulsão/expropriação a que foram submetidos os
camponeses, paralelamente à intensificação da concentração fundiária, como
elucida Martins (1980, p.54).
Destacou-se também que o processo de territorialização do capital possui
vinculação estreita com as potencialidades de apropriação da renda fundiária, o que
tem levado os empresários agrícolas a optarem por culturas que a possibilitem em
maior escala, como é o caso do agronegócio canavieiro, atividade altamente
concentradora de terras, conforme demonstrado anteriormente.
O fato é que a atual conjuntura para a expansão do agronegócio
sucroalcooleiro, com vistas à produção de etanol, abre caminhos para a discussão
sobre os desdobramentos da produção em larga escala de agrocombustíveis para a
produção de alimentos no Brasil.
No plano dos posicionamentos que esta questão encerra, há os que
defendem a expansão do agronegócio canavieiro no país, negando que possa haver
algum impacto à produção de alimentos, pela grandeza territorial e terras
agricultáveis. É o que verificamos em Carvalho (2003, p.05), que aponta as áreas de
pastagens degradadas e terras “disponíveis” no cerrado, como áreas a se expandir.
Por outro, há os que entendem que “o avanço de um se reflete
inevitavelmente no recuo dos outros” (OLIVEIRA, 2008), no âmbito de novos
arranjos impostos pela demanda agroenergética. Nesta linha, a expansão canavieira
viria acompanhada de uma disputa territorial, em vista das possibilidades ampliadas
de auferimento da renda fundiária, sem falar de lucros.
E para tanto, a lógica que nortearia estas disputas seria, conforme
abordado no capitulo II, a busca pela melhor localização geográfica, e que converge
para porções espaciais dotadas de uma série de fatores que potencializam a
rentabilidade.
87
É desta forma que não se pode ficar preso somente aos critérios
quantitativos, ou seja, terras aptas à expansão, como acredita Carvalho (2003, p.5).
Antes, há que se analisar também os aspectos qualitativos em questão, e neste
caso, a localização geográfica, fator fundamental de incremento de renda diferencial.
Eis aí uma variável primordial a orientar os rumos da expansão canavieira, ainda
que não exclusivamente, já que os demais cultivos agrícolas partilham da mesma
lógica.
Entretanto, no contexto dos rearranjos territoriais marcados pela
expansão da fronteira agrícola, pode-se afirmar que a primeira vem sobressaindo-
se, provocando um processo de monoculturação que impacta negativamente a
produção de alimentos. É o que se pode verificar nos municípios estudados, senão
vejamos.
Em 1970, o uso do solo em Centenário do Sul estava marcado pelo
predomínio do café, com 8.782 hectares cultivados. Embora a cana de açúcar já
fosse a segunda lavoura, em extensão, ocupando 1.040 hectares, as lavouras de
arroz feijão, mandioca e amendoim, juntas, somavam uma área superior à cultivada
pela cana-de-açúcar, ou seja, 1.073 hectares (IBGE,1970).
Tabela 11 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul - 1970 a 1985 (ha.)Cultura 1970 1975 1980 1985 Variação %Amendoim 538 91 151 56 -89,5%Arroz 315 629 357 184 -41,5%Feijão 207 167 539 64 -70%Cana 1.040 2.204 4.724 6.667 +541%Soja 4 1.010 365 928 +23.100%27
Café 8.782 11.019 7.609 1.588 -82%Milho 2.621 1.498 2.993 3.538 +34,9%Fonte: Censos Agropecuários, 1970-1985 Org. Marcos Antonio de Souza
No ano de 1980, a área ocupada com cana já havia sofrido uma
expansão de cerca de 355%, chegando a 4.173 hectares. Ao mesmo tempo, houve
uma redução de 13,5% da área cultivada com café e de 1,6% na área cultivada com
os alimentos anteriormente citados.
27 Embora a soja apresente uma expansão percentual 46 vezes maior que a cana-de-açúcar nesse período, o fato é que em termos absolutos, a área ocupada pela soja era apenas 14% da área ocupada pela cana.
88
Impacto maior no espaço agrário do município foi registrado a partir de
1985, quando da instalação da Usina Alto Alegre, em Colorado, e da Destilaria de
Álcool da Cofercatu, em Porecatu, municípios vizinhos. É o que mostram os dados
apresentados na tabela 10.
Estes dados reforçam a tese de que paralelamente a expansão do
agronegócio canavieiro e sojicultor, houve também, a diminuição da produção de
alimentos, tendência esta também observada no período subseqüente, como mostra
o quadro a seguir:
Tabela 12 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul - 1980 a 2006 Cultura 1980
(ha)1990(ha)
2006(ha)
%
Amendoim 500 - 6 - 99 %Arroz 240 150 6 - 97,5%Feijão 539 1.230 855 + 59%Cana 5.114 6.056 6.356 + 25%Soja 500 2.000 3.210 +542%Café 6.891 1.904 423 -94 %
Fonte: IPARDES, 200828.Org. Marcos Antonio de Souza.
A dinâmica observada em Centenário do Sul também pode ser
constatada em Colorado, que começa efetivamente a produzir cana-de-açúcar em
larga escala a partir do final de década de 1970, quando se dá a instalação de uma
unidade agroindustrial em Alto Alegre, distrito deste município.
A partir de então, constatou-se uma expansão vertiginosa, tanto da cana
quanto da soja, em detrimento da produção de alimentos, conforme revelam os
dados a seguir.
28 Foram utilizados os dados do IPARDES ao invés dos do IBGE para demonstrar a evolução do usos do solo nestes municípios no período 1980-2006, uma vez que o Censo Agropecuário de 1996 não traz esses dados por município, mas por microrregião.Por outro lado, até o mês de novembro de 2008 o Censo Agropecuário de 2006 ainda não tinha sido divulgado.Optou-se por representá-los em tabelas diferentes, uma vez que são produto de metodologias distintas. Este mesmo procedimento se repetirá em todas as análises deste tópico referente ao uso dos solos nos municípios estudados.
89
Tabela 13 - Evolução do uso do solo em Colorado - 1970 a 1985
Culturas 1970(ha)
1975(ha)
1980(ha)
1985(ha)
%
Amendoim 808 193 206 128 - 84%Arroz 339 281 191 31 - 91%Feijão 387 221 591 158 - 59%Cana 20 14 2567 5494 + 27.370%Soja 1 174 305 144 +14.300%Café 6584 8078 7198 4434 - 33%Milho 1929 1364 1850 1377 - 29%
Fonte: Censos Agropecuários, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.
Não obstante, dados do Ipardes relativos a um período mais extenso
(1980 a 2006) revelam uma redução ainda mais significativa da área das demais
lavouras, como se poderá observar na seqüência.
Tabela 14- Evolução do uso do solo em Colorado - 1980 a 2006
Culturas 1980(ha)
1990(ha)
2006(ha)
%
Amendoim 1.130 - 5 -99,5%Arroz 420 50 5 -99%Feijão 1.642 250 20 -99%Cana 3.094 5621 11585 +274%Soja 364 200 1310 +259%Café 6.886 3200 440 - 94 %Milho 2.180 900 717 - 67%Algodão 1.205 3096 4 -99,5%Fonte: Ipardes, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.
Porecatu, por sua vez, fora ocupado sob a hégide da produção
monocultora, na qual a cana - de açúcar tinha destaque desde a década de 1950,
em virtude da existência de uma usina açucareira neste município.
Ainda assim, a área ocupada por esta lavoura aumenta cerca de 210%
entre 1950-1970, enquanto que a ocupada com arroz, feijão e milho recua 60%.
Como se pode verificar, esta situação persiste no período de 1970 a 1985, com
especial destaque para a soja, que supera sobremaneira a dinâmica da expansão
canavieira.
90
Tabela 15 - Evolução do uso do solo em Porecatu - 1970 a 1985 Culturas 1970
(ha)1975(ha)
1980(ha)
1985(ha)
%
Amendoim 28 - 12 15 - 46 %Arroz 77 134 6 28 - 64 %Feijão 54 12 30 4 - 92 %Cana 7650 6504 8986 9348 + 22%Soja 44 392 924 2236 + 4.982%Café 7290 5462 2462 967 - 88 %Milho 438 498 1238 758 + 73%
Algodão 268 - 60 402 + 50%Fonte: Censos Agropecuários, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.
Cumpre salientar que a presença histórica da cana no município demarca
uma dinâmica diferenciada em relação aos demais municípios estudados, sobretudo
porque a sua voracidade, em termos de área incorporada, é contida, sobretudo a
partir da década de 1990, quando o Grupo Atala, que controla a Usina Central de
Porecatu, passa pela primeira das sucessivas crises financeiras desde então
verificadas.
Desde então, a área ocupada com cana se mantém estável, embora isso
não tenha redundado em qualquer recuperação de área para produção de alimentos
até porque esta retração na área colhida pode estar intimamente ligado as
condições climáticas do ano de 2006 (CONAB, 2007) que afetaram negativamente a
produção do agronegócio canavieiro.
Isto pode ser corroborado mediante os dados do Canasat (2008),
que estimam que a safra 2007/2008 seja a maior da história, com uma área total
cultivada de 13.204 hectares.
Tabela 16- Evolução do uso do solo em Porecatu - 1980 a 2006 Culturas 1980
(ha)1990(ha)
2006(ha)
%
Amendoim 50 - - - 100%Arroz 80 100 - -100 %Feijão 100 10 50 - 50%Cana 10086 10609 9656 - 4 %Café 3095 1298 84 - 97 %Soja 1200 2600 3360 180 %Milho 600 400 461 - 23 %
Algodão 250 805 - - 100 %Fonte: IPARDES, 2008.Org. Marcos Antonio de Souza
91
Já no Município de Nossa Senhora das Graças, a expansão do
agronegócio canavieiro é um pouco mais tardia, ocorrendo somente no final da
década de 1980 (IPARDES, 2008). É nesse momento que se registra o maior
declínio da produção de gêneros alimentícios, conforme revelam os dados a seguir.
Tabela 17 - Evolução do uso do solo em Nossa Srª. das Graças - 1970 a 1985Culturas 1970
(ha)1975(ha)
1980(ha)
1985(ha)
%
Amendoim 3 - 56 355 + 11.733%Arroz 116 325 38 36 - 69%Feijão 94 143 189 55 -41,5%Cana 3 - 56 355 + 11.733%Soja 1 27 9 81 +8.000%Café 999 2335 1694 728 - 27,1%Milho 688 1646 630 1015 + 47%Algodão 1537 348 542 1974 + 29%Fonte: Censos Agropecuários, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza
Com relação ao município de nossa Senhora das Graças, cabe ressaltar
que apesar de um aumento percentual astronômico, o fato é que a expansão
absoluta da cana de açúcar foi inexpressiva, uma vez que ao que tudo indica, para o
a alimentação dos animais fundamentalmente.
Mas sem dúvida, algumas considerações devem ser feitas. Em oposição
aos demais municípios, em que o agronegócio canavieiro projetou-se no período,
Nossa Senhora das Graças registrou a menor retração absoluta de lavoura cafeeira,
assim como a de alimentos, inclusive registrando um aumento significativo da área
plantada com amendoim. Por outro lado, dentre os municípios analisados, foi aquele
que apresentou o menor índice de expansão da cana-de-açúcar no período.
É somente ao final da década de 1990 que se poderá verificar aí o que já
ocorrera nos demais municípios em que o agronegócio canavieiro avançou: a
diminuição, quando não a extinção, das áreas cultivadas com os principais alimentos
consumidos internamente. Enfim, isso revela uma dinâmica em que alimentos e
monoculturas obedecem a uma lógica inversamente proporcional no que diz respeito
ao controle sobre as terras, logo, ao volume da produção.
92
Tabela 17- Evolução do uso do solo em Nossa Sra. das Graças - 1980 a 2006 Culturas 1980
(ha)1990(ha)
2006(ha)
%
Amendoim 308 - 20 - 95%Arroz 160 50 - 100 %Feijão 250 350 130 - 48%Cana 355 1633 5730 + 1514 %Soja 10 250 2500 +24.900 %Café 598 400 89 - 85 %Milho 300 400 550 + 83 %
Algodão 500 17501 85 - 83 %Fonte: IPARDES, 2008.Org. Marcos Antonio de Souza.
Ora, a realidade agrícola de Centenário do Sul, Colorado, Porecatu e
Nossa Senhora das Graças, expressa nos dados, permite afirmar que a relação
entre a expansão do agronegócio sucroalcooleiro e sojicultor e a retração das áreas
policultoras se repete na própria dinâmica dos distintos modos de produzir, e que se
pautam na propriedade privada capitalista da terra, em oposição à propriedade
privada camponesa da terra.
Enfim, há uma clara expansão das culturas que possibilitam um maior
auferimento da renda da terra, em detrimento das demais, o que nos permite
apontar o risco do avanço da cana para a soberania alimentar, como assinala
Paulino (1997, p. 150):
[...] As culturas que compõe a alimentação básica da população não tem se tornado atrativas para os capitalistas justamente em função da renda menor e dos altos riscos quem as caracterizam. Dessa maneira, não são os capitalistas quem produzem a maior parte dos alimentos, mas os trabalhadores que detém os instrumentos de trabalho e a terra [...].
Não raro, a mudança na base técnica da produção agrícola, os oligopólios
que controlam a produção de sementes e insumos, bem como o endividamento
camponês o obriga a vender ou a arrendar sua propriedade ao empresário do setor
sucroalcooleiro, possibilitando assim o aprofundamento do processo de
territorialização do capital.
Ora, quando o agronegócio canavieiro começa a se expandir por esta
porção geográfica do norte do Paraná, estas terras não estavam incultas, pelo
contrário, conforme nos revelam os dados censitários, a produção cafeeira estava
consolidada, em um sistema de produzir que embora fosse controlado pelo
93
empresariado rural, comportava a agricultura camponesa, inclusive em tais terras,
pois a concessão de uso era um imperativo para a obtenção do trabalho necessário
aos tratos culturais e demais ciclos da lavoura. Isso sem falar nas terras
camponesas, jurídica e economicamente estabelecidas.
Como foi visto, o declínio da cafeicultura se deu num contexto de
profundas mudanças técnicas, as quais impulsionaram o processo de
territorialização do capital. Na área em estudo, vários fatores favoreceram tal
expansão, senão vejamos:
1. A localização privilegiada do ponto de vista edafoclimático, em
termos das exigências próprias da cana de açúcar;
2. Há uma proximidade com relação aos grandes centros
consumidores, principalmente o estado de São Paulo;
3. A infra-estrutura existente é suficiente para atender as
necessidades da agroindústria canavieira;
4. A mão-de-obra não só é abundante quanto as condições
materiais de sua mobilização no contexto regional favorecem a
super-exploração.
Por tudo isso, as disputas por território são uma constante, de modo que
a orientação da expansão canavieira, como de outra qualquer, não poderia se
processar em qualquer lugar, mas sim onde existe uma combinação convergente
entre fatores de ordem natural, política, econômica e social.
Caso haja outras culturas espacializadas em locais que proporcionam
maior renda fundiária, certamente as disputas territoriais serão mais acirradas,
disputas essas que nem sempre se manifestem na mobilização da força ou
violência, embora isso possa ser verdadeiro.
Estas características descritas anteriormente, e que inseridas na
conjuntura criada pelo Proálcool na década de 1970 e no processo de
territorialização do capital, fizeram com que estas disputas territoriais fossem
expressivas nestes municípios, provocando a retração da policultura camponesa.
Cumpre salientar que esse processo não poderia dar-s e s e m a
intervenção direta do Estado, que atuou no sentido de estimular a concentração das
atividades de alta rentabilidade. Trata-se, pois de considerar o contexto de “[...]
controle do aparelho institucional por um segmento de classe que [...] tem
privilegiado a agroindústria e as culturas voltadas ao mercado externo, em
94
detrimento da policultura destinada ao abastecimento do mercado interno [...].”
(PAULINO, 1997, p.18).
É nesses termos que a expansão da monocultura canavieira nestes
municípios se explica, num cenário em que o seu recrudescimento é bastante
provável, em face da atual conjuntura, em que se busca transformar o etanol na
mais nova commoditie do agronegócio brasileiro, com vistas ao mercado externo.
Trata-se, pois, de uma ameaça à propriedade privada camponesa da terra
na região, que vulnerabilizada pelas baixas possibilidades de auferimento da renda,
em vista da própria escala, não raro acaba se convertendo em espaço para a
territorialização do capital, quando arrendada, senão propriedade privada capitalista
da terra, situações que dificilmente permitirão a produção de alimentos.
Isso porque na conversão de áreas policultoras à produção sucroalcooleira toda a
infra-estrutura existente é destruída, como cercas, moradias, pomares. Ademais,
“[...] quem arrendar sua propriedade para o cultivo de cana, terá de gastar um bom
dinheiro se quiser voltar a plantar outra cultura, porque a cana consome rapidamente
muitos nutrientes do solo”, como atesta Moura (2007, p.26).
E esta parece ser uma das estratégias utilizadas pelo agroindustrial
sucroalcooleiro, uma vez que nesta modalidade, o empresário rural não necessita
imobilizar parte do seu capital para efetuar possíveis correções ao solo, por
exemplo.
Quando este solo apresentar níveis de produtividade que já não mais
interessam o agroindustrial, este poderá simplesmente arrendar outras áreas de
terras, ficando o prejuízo por conta do proprietário fundiário.
Esse ônus será transferido aos proprietários fundiários quando arrendam
suas terras para aqueles que, ao empregar métodos inadequados de mecanização
intensiva a produção agrícola, acabam contribuindo para o processo de erosão. Ao
agroindustrial canavieiro não interessa a preservação da terra de outrem. Pelo
contrário, seu objetivo é auferir a maior renda territorial possível.
Quando as propriedades biogeoquimicas do solo já não possibilitem tal
feito, ele simplesmente abandona essas áreas impactadas pelo alto consumo de
nutrientes da cana, além dos fertilizantes aplicados em grande escala e os
processos erosivos. Fatores estes que contribuem para uma perda do equilíbrio
natural do ambiente, e que consecutivamente acaba interferindo nos índices de
95
produtividade de outras culturas que possam ser produzidas nesse local
posteriormente.
4.2. A expansão do agronegócio canavieiro e as relações de trabalho
Conforme já foi visto anteriormente, as décadas de 1960 e 1970 foram um
verdadeiro marco para o espaço agrário brasileiro, momento em que ocorre a
intensificação da mecanização das atividades produtivas no campo, da
concentração fundiária e expulsão em massa dos trabalhadores de sua unidade de
produção, mudanças estas que ocorreram no âmbito de um processo que
aprofundou a subjugação da terra e do trabalho ao capital.
E isto não se deu por acaso. Conforme já advertira Kautsky (1980, p.269)
a proletarização da população agrícola e a concentração fundiária são as premissas
indispensáveis da produção capitalista.
Nesta lógica, faz-se necessário que “[...] os trabalhadores se transformem
em trabalhadores livres, isto é, libertos de toda propriedade que não seja [...] a força
de trabalho [...]” (MARTINS, 1981, p.152), uma vez que a partir do momento em que
já não mais possuem acesso à terra e aos meios de produção, não tem outra
alternativa senão vender ao capitalista aquilo que lhe resta, como forma de
sobrevivência:
A certo grau de evolução [...] o trabalhador deixa de ser proprietário de seus meios de produção”. O capitalista se opõe ao trabalhador que perdeu toda propriedade na qualidade de proprietário dos meios de produção. O produtor [...] torna-se um trabalhador assalariado. (Kautsky, 1980, p.80).
Nesse contexto em que o avanço do capitalismo provoca a expulsão dos
trabalhadores, sua proletarização e subjugação aos interesses do capital, surge o
“bóia-fria”, um “[...] trabalhador temporário [com] [...] baixíssima capacidade de
barganhar na venda de sua força de trabalho e consequentemente, recebendo
baixíssimos salários e não tendo a garantia de quaisquer direitos humanos ou
trabalhistas”. (D’INCAO, 1984, p.11).
Nesse período, marcado pela territorialização do capital, a transformação
nas relações sociais de produção vigentes até então é flagrante, pois os colonos,
rendeiros, parceiros etc são expulsos de sua unidade de produção e substituídos por
trabalhadores assalariados, como aponta D’Incao (1974 p.16-17).
96
Isto vem ratificar o fato de que “a apropriação capitalista da terra permite
que o trabalho que nela se dá [...] se torne subordinado ao capital”. (MARTINS,
1981, p.162).
Sem acesso à terra e aos instrumentos de trabalho, essa massa de
trabalhadores expropriados, agora nas cidades, passa a disputar as poucas vagas
disponíveis em serviços urbanos. Some-se a isso o fato de não terem, em sua
maioria, a qualificação necessária para tais funções, o que os obriga a aceitar
qualquer trabalho sob quaisquer condições, já que para a sociedade e para si
mesmos são “trabalhadores sem profissão”. (D’INCAO, 1984, p.20-25).
Esta condição passa a ser explorada pelos empresários rurais, uma vez
que este processo de expropriação formou um gigantesco exército de reserva, que
regula as remunerações destes “bóias-frias”, obrigados a se submeterem a jornadas
sobre-humanas, sob péssimas condições de trabalho.
A superpopulação relativa é o fundo sobre a qual se move a lei da oferta e da procura de trabalho. Graças a ela, o raio de ação desta lei se encerra dentro dos limites que convém em absoluto a cobiça e ao despotismo do capital. (MARX apud D’INCAO, 1984, p.87).
Se não se sujeitam a tal situação, existem várias fileiras deste exército
dispostas a enfrentar as condições destacadas. A falta de qualificação para outras
funções contribui para a falta de alternativas, reafirmando um ciclo vicioso de
privações e falta de oportunidades.
É nesse contexto que estão inseridos os cortadores de cana, bóias-frias
sujeitados ao rentável e opulento agronegócio sucroalcooleiro, e que é marcado por
contradições inerentes à própria lógica do capitalismo. Nos municípios analisados,
grande parte da colheita ainda é manual, ainda que algumas máquinas já estejam
em operação.
Paradoxalmente, a despeito da existência de máquinas sofisticadas,
aptas a substituírem de 80 a 100 homens no corte da cana, essa modalidade de
trabalho subsiste, o que exige que se fique atento à lógica subjacente:
Quanto mais baixo os salários, tanto mais difícil a introdução de máquinas [...] No campo os salários são [...] muito inferiores aos da cidade. Por conseguinte, é aí menor a tendência a substituir-se a força de trabalho humano pela máquina. (KAUTSKY, 1980, p.60).
Ora isto nos sugere que se está diante de um processo de super –
exploração dos cortadores de cana da região, uma vez que a irrelevância das
97
máquinas em terras mecanizáveis somente pode ser explicada pela ótica dos
custos.
Aliás, no Brasil os êxitos comerciais do agronegócio se devem
essencialmente ao binômio concentração fundiária e abundância de força de
trabalho (PRADO JR., 1981, p.48-50). Daí o sentido da expulsão, para o auferimento
de uma maior renda de terra, combinado à intensificação da apropriação da mais
valia que, juntas, propiciam maior margem de lucros ao empresário rural, No caso do
agronegócio canavieiro, essa dupla fonte de receitas é drenada por um único
agente, que é o agroindustrial. (OLIVEIRA, 2004, p. 42).
Nos municípios analisados estão estabelecidas três agroindústrias
sucroalcooleiras: a Usina Alto Alegre em Colorado, a Usina Central do Paraná e a
Destilaria de Álcool da Cofercatu em Porecatu.
De acordo com os dados de CANASAT (2008), na safra 2008/2009
Porecatu, Colorado, Nossa Senhora das Graças e Centenário de Sul deverão colher
43.072 hectares de cana-de-açúcar, a maioria submetida ao corte manual.
Os bóias-frias que atuam no corte da cana nestes municípios são
provenientes dos próprios, municípios, bem como de cidades vizinhas, como é o
caso de Jaguapitã, Guaraci, Miraselva, Florestópolis, dentre outras.
Guaraci, por exemplo, é um município que nos últimos anos converteu-se
em grande fornecedor de força de trabalho para as agroindústrias. Conforme o
cadastro do Programa Saúde da Família - PSF (2008), há cerca de 500 cortadores
de cana, para uma população economicamente ativa de 2.282 pessoas (IPARDES,
2008).
Antes de aprofundarmos esta análise, algumas considerações são
oportunas. Primeiramente, ao contrário do que ocorreu nos municípios analisados
anteriormente, foram as pastagens29, a soja e a avicultura30 que vieram em
substituição do café e, posteriormente, do algodão em Guaraci ( gráfico 12).
Enfim, as atividades que se territorializaram no espaço agrário
guaracience não necessitam de mão de obra significativa, gerando um excedente de
mão de obra que ao não encontrar trabalho no município, é obrigado a fazê-lo nos
municípios circunvizinhos.
29 Houve nesse período um incremento do rebanho bovino no município, passando de 16.277 cabeças em 1980, para 24.672. (IPARDES, 2008)30 Com relação á avicultura, o número de galináceos passou de 125.525 em 1980 para 865.526 em 2006.(IPARDES, 2008).
98
Aliás, durante anos foram empreendidas migrações sazonais de bóias-
frias de Guaraci para a colheita de café em Minas Gerais, assim como a de laranja
no estado de São Paulo.
Não obstante, grande parte dos bóias – frias que ficavam no município
passaram a trabalhar em múltiplas culturas, a maior parte delas fora de Guaraci.
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
1980 1990 2006
hec
tare
s
café
soja
cana
arroz
milho
feijão
algodão
Gráfico 12 - Principais culturas agrícolas no município de Guaraci 1980 – 2006Fonte: Ipardes, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.
O fato é que com a expansão do agronegócio sucroalcooleiro nos
municípios vizinhos, paralelamente ao declínio do algodão e demais culturas
intensivas em mão de obra, esta atividade passou a demandar um número maior de
bóias – frias que, como forma de sobrevivência, tem aí a única alternativa para
vender sua força de trabalho.
Foi o que se pode aferir a partir do questionário aplicado a cortadores de
cana de Guaraci, já que 100% dos entrevistados afirmaram ser pela falta de outras
opções que passaram a desenvolver tal atividade.
Opinião esta externada por estes bóias-frias que condiz com uma dura
rotina cumprida durante a safra, que começa em março e vai até a primeira quinzena
de dezembro, em média.
São pessoas que na sua maioria absoluta apresentam baixa
escolaridade, o que não os impede de atuarem nos tratos culturais e corte da cana,
que não necessita de nenhuma instrução formal. Entrementes, ao não possuírem
qualificação alguma, são ainda menores as possibilidades de inserção em atividades
99
produtivas menos degradantes. Eis o perfil educacional dos cortadores de cana
entrevistados em Guaraci:
Gráfico 13: Situação educacional dos cortadores de cana entrevistadosFonte: Pesquisa in loco, setembro de 2008.Org. Marcos Antonio de Souza
.A jornada de trabalho destes cortadores de cana começa logo de
madrugada, quando iniciam o preparo da refeição a ser levada para o trabalho.
Devem estar no “ponto” antes da 5:00 da manhã, quando o transporte que os
conduzirá até o local do corte passa em Guaraci, para onde só retornarão apenas às
5:00 da tarde.
Esses sujeitos saem munidos de seu facão, garrafa d’água, além de uma
mochila na qual carregam a marmita, a capa de chuva, o avental31, um par de luvas
e o “mangote”32, além do óculos para se proteger da cana.Os demais equipamentos
de proteção, a caneleira e a botina com biqueira de aço, assim como o chapéu, a
camisa de manga comprida, já vão no corpo do bóia-fria.
Geralmente esses trabalhadores percorrem longas distâncias antes de
chegarem ao destino, conforme relata um cortador de cana que trabalha na Usina
Alto Alegre:
A gente anda muito e o ônibus saculeja demais. Tem vez que nóis vai cortá cana lá no estado de São Paulo, depois do Panema. Demora muito pra chegar lá, umas duas, até três horas tem veiz. E o pior é que quando a gente chega lá a gente já tá bem cansado. (M.A. O, 37 anos, Cortadora há 2 anos na U.A.A.).
31 Impede que o trabalhador suje a calça e uma parte da camisa de carvão.32 Apóia o braço que apóia/abraça a cana para ser cortada.
100
Chegando na lavoura, recebem do fiscal um “eito”, que no caso da Usina
Alto Alegre corresponde a sete “ruas”33 de cana, ou seja, um retângulo com largura
de 9 metros (ALVES,2006 E P.92). Nesta usina, assim como nas demais analisadas,
a medição do trabalho do cortador de cana é feita através do metro linear, isto é, do
comprimento em que trabalhador avançou no corte, no seu eito de 9 metros.
Assim, o trabalhador recebe por quantidade de cana cortada, ou seja, não
possui um salário fixo. Sobre esse sistema de pagamento por produção Alves (2006
p.93) considera que este é: “[...] uma das mais perversas formas de pagamento [...]
como eles trabalham pela subsistência, trabalham cada vez mais para melhorar as
condições de vida, isso provoca o aumento do ritmo de trabalho”.
Não obstante, a remuneração por metro de cana cortada é baixa, o que
faz com ele tenha de se esforçar cada vez mais para receber um salário capaz de
garantir sua reprodução. Vejamos os preços pagos pelo metro de cana cortada entre
agosto e setembro de 200834 aos bóias –frias da Usina Alto Alegre:
Quadro 01 - Preço pago por metro de cana cortada na usina Alto Alegre no mês de setembro de 2008
Dia Preço por metros em R$
Cana cortada em metros
26 0,35 78
27 0,28 122
28 0,28 76
29 0,28 140
30 0,22 102
01 0,30 64
02 0,26 72
03 0,36 76
04 0,30 104
05 0,27 86
06 0,28 91
08 0,27 75
09 0,25 105
33 Ruas são as linhas onde é plantada a cana-de-açúcar.34 Para compreender as diferenças dos valores pagos pelo metro de cana cortada, vide p.101.
101
10 0,28 88
11 0,33 66
12 0,35 92
15 0,20 95
16 0,36 69
17 0,23 98
18 0,29 124
19 0,33 64
20 0,27 85
22 0,25 77
23 0,53 35
24 0,37 100
25 0,26 87
Fonte: Holerite/Comprovante de corte de cana, Usina Alto Alegre, 2008. Org.Marcos Antonio de Souza.
Diante desses dados, pode-se constatar que o metro de cana cortada foi
remunerado ente agosto e setembro de 2008 a um preço médio de 0,30 centavos.
Por outro lado, o máximo que este bóia-fria (considerado um médio cortador)
conseguiu cortar foram 140 metros, sendo que o mínimo foi 63 metros de cana.
O fato é que para aumentar sua produção, muitas vezes o cortador reduz
drasticamente seu tempo de descanso, inclusive para as refeições.
Olha tem gente que come dentro do ônibus mesmo, durante a viagem pra depois não parar nem pra comer. Outros chegam na roça e comem cedo também [...] eu mesmo parava as 10:30 e era a conta de comer e eu já pegava o facão e ia eito a dentro. Agora o fiscal geral colocou uma ordem que a gente tem de parar para comer uma hora no almoço. Isso é ruim porque a gente ganha menos. (A.P.M. 56 anos-cortador há 11 anos na Usina Alto Alegre).
Ora, este depoimento de um cortador de cana da Usina Alto Alegre,
vem ratificar o exposto anteriormente por Alves (2006 p.93), que considera esta
forma de pagamento perversa e desumana. Ainda mais se for considerada a forma
em que se dá a refeição destes:
Nóis come no sol mesmo. Nem tem nenhuma arve por perto e a cana não tapa o sol não. Tem gente que traz guarda chuva pra fazer sombra, mais eu não trago não, porque não resolve muito, isquenta
102
demais. Fica parecendo praia na hora da comida. (J.M.O. 29 anos, cortador de cana há 5 anos na Usina Central do Paraná).
Cabe ressaltar ainda que os cortadores reclamam bastante do preço pago
pelo metro na cana, sendo esta a principal reivindicação destes. O reajuste
comparece como algo que poderia ser melhorado no seu trabalho, como
responderam 100% dos entrevistados.
E esta reclamação pode ser explicada por dois motivos principais. A
primeira delas é o fato de que mantendo os preços baixos, há a necessidade de o
cortador de cana aumentar sua produtividade, dando um lucro maior para o
agroindustrial.
Por outro lado, 90% dos entrevistados disseram desconfiar da metragem e dos critérios que fixam o preço:
Tem veis que a gente acha que rachou de ganhar dinhero, mais depois que a gente fica sabendo quanto foi o preço da cana, aí é ladroage. (A.G.S. cortador de cana há 6 meses na Usina Alto Alegre).
Isto ocorre porque os cortadores de cana sabem a quantidade em metros
que cortaram, mas desconhecem o valor de cada metro, uma vez que esta quantia
não é fixada previamente, mas:
[...] é fixado depois que a cana foi pesada; [...] O valor do metro de cana para cada talhão é atribuída pela usina depois que a cana é pesada em suas balanças, localizadas distantes do eito [...] nas usinas [...]. Como é feito nas usinas pelo seu departamento técnico, esse cálculo é feito sem controle do trabalhador [...] Algumas vezes [...] a medição só é realizada depois que os trabalhadores se retiram do eito. (ALVES, 2006, p. 93).
Não obstante, há uma série de exigências a serem cumpridas pelo
cortador de cana. Não basta simplesmente cortar de qualquer jeito. Silva (1999, p.
201) aponta a necessidade de um corte de qualidade, que seja rente ao solo para
facilitar a rebrotação. É necessário ainda aparar as pontas e transportar a cana
cortada para montes que devem ser feitos, na “rua” central para facilitar o
carregamento feito pelas máquinas.
Um bom cortador de cana na Usina Alto Alegre corta em média 200
metros de cana por dia num eito que tem 9 metros de largura aproximadamente,
levando em consideração as constatações de Alves (2006, p.93 – 94). Assim, esse
103
cortador de cana tem de caminhar 6.600 metros e despender o equivalente a 99.999
golpes por dias35.
Além disso, carregam cerca de nove toneladas de cana, fazendo cerca de
600 trajetos e 600 flexões, levando nos braços por uma distância de até 4,5 metros,
cerca de 15 kg.
Fazem ainda mais,
[...] de 30 mil [...] flexões e entorses torácicos para golpear a cana. Perde em média, 8 litros de água por dia, por realizar esta atividade sob sol forte (...) os efeitos da poeira, da fuligem [...] trajando uma indumentária que o protege da cana, mas aumenta sua temperatura corporal. (Alves, 2006, p.94).
Expostos ao calor excessivo, do sol e da indumentária obrigatória,
somando ao esforço excessivo, não é raro passarem mal, desmaiarem e até mesmo
morrerem no “eito”.
Isso pode ser constatado, mediante o fato de que 70% dos bóias -frias
entrevistados relataram já ter passado mal no corte de cana, principalmente sofrido
câimbras e desmaios. O mais surpreendente é que 100% destes presenciaram estas
cenas no seu trabalho:
É normal quando o sol esquenta muito, nego cai e rola no chão de câimbra. Às vezes enrola até a língua ou fica desacordado, tem gente que mesmo com a pressão alta e pobrema de coração vem corta cana. Porque vai faze o que? Passar fome não da né. Tem que dá graças a Deus porque ainda tem esse servicinho. (R.J.S, 46 anos, cortador de cana há 7 anos na Usina Alto Alegre.).
Cabe ressaltar ainda que estas constatações comuns ao ambiente
canavieiro são apenas a ponta visível do iceberg, uma vez que existem uma série de
implicações à saúde física e mental destes cortadores de cana, que somente darão
sinais após vários anos de esforço intenso.
Silva (2005, p.28) ao analisar esta situação, exemplifica os casos das
mortes causadas pelo câncer, que podem ter origem no uso indevido de veneno, ou
mesmo da fuligem que estes respiram durante todo o tempo em que estão cortando
cana, além de doenças respiratórias, alérgicas, da coluna etc, que não sendo
tratadas devidamente pela falta de recursos, acabam trazendo sérias complicações
futuras.
35 Estes cálculos tiveram por base os dados levantados por Alves (2009 p.93-94).
104
São seres humanos totalmente subjugados e, porque não dizer, presos
ao trabalho, uma vez que devido ao esforço excessivo em ambiente inóspito, ao
retornarem para suas casas, tem que repousar. Verificou-se que vão dormir por volta
das 20:00 horas, para recuperarem as forças que serão necessárias no novo dia,
que se inicia próximo às quatro da madrugada, em jornadas de seis dias semanais.
E como habitam cidades com poucas opções de lazer, tendem a procurar na bebida
alcoólica, quando não nas drogas ilícitas, a fuga desta dura realidade.
É o que constatou-se em Guaraci, onde 70% dos entrevistados relataram
fazer uso de bebida alcoólica nos dias de folga, geralmente domingos, o que por sua
vez compromete ainda mais sua saúde físico-mental.
Ademais, os níveis de esforço vêm aumentando nos últimos anos, com a
exigência de níveis de produtividade cada vez maiores: como há abundância de
mão-de-obra, a permanência no serviço depende do cumprimento de metas
estabelecidas pelas usinas, somado ao rebaixamento do preço por metro de cana
cortada, o que os obriga ao esforço progressivo.
A partir na década de 1990, houve um grande aumento da produtividade do trabalho. Para garantir seus empregos os cortadores de cana precisavam cortar 10 toneladas de cana por dia aumentando a média de cana cortada para 12 toneladas por dia. Portanto a produtividade média cresceu 100% passando de 6 toneladas/homem/dia na década de 1980 a 12 toneladas de cana por dia na década de 1990 (ALVES, 2006, p.96).
Fato este comprovado nos municípios analisados, uma vez que 80% dos
cortadores de cana entrevistados revelaram que antigamente se ganhava mais
trabalhando menos.
Há assim uma flagrante contradição, somente explicada no âmbito da
lógica do desenvolvimento capitalista. Qual o sentido da crescente precarização das
relações de trabalho, em um contexto de elevados rendimentos auferidos pelo
agronegócio canavieiro? Eis a fórmula da acumulação tão bem explicitada pela
teoria do valor trabalho, e que pode ser vislumbrada na prática: 80% dos
entrevistados relataram ser este o pior dos serviços, o que leva a muitos a aspirarem
novas ocupações. (gráfico 14).
105
Gráfico 14: Profissões aspiradas pelos cortadores de cana entrevistadosFonte: Pesquisa in loco, setembro de 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.
Recentemente mais de mil trabalhadores entraram em greve na Usina
Central do Paraná, em Porecatu, greve esta motivada por um atraso de 2 meses no
pagamento dos salários. Este episódio, que durou um mês, parece paradoxal, pois a
conjuntura atual é bastante favorável ao agronegocio canavieiro. É ai que se
constata o quão frágil é o propalado desenvolvimento trazido pelo agronegócio, fato
aliás devidamente denunciado por autores como Prado Júnior (1981, p. 31-32),
quando sentenciou que “[...] o desenvolvimento agrícola por si só,,a obtenção de
maior renda [...] não é acompanhada pela elevação dos padrões de vida [...]” dos
trabalhadores.
O episódio da greve na Usina Central do Paraná, em Porecatu, acabou
por desencadear uma ação do Ministério do Trabalho, que flagrou centenas de
trabalhadores em condições análogas a escravidão:
As condições flagradas pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego na Usina Central do Estado [...] estão entre as mais graves encontradas nos últimos tempos no setor sucroalcooleiro. A afirmação foi feita [...] pela auditora fiscal do trabalho Jaqueline Carrijo, coordenadora da ação que resgatou 228 trabalhadores da empresa. [...] o grupo móvel lavrou 153 autos de infração interditou cinco frentes de trabalho – por ausência de sanitários, água fresca e produtos para higienização e apreendeu 39 (dos 43 ônibus irregulares que transportavam trabalhadores) [...]Segundo os fiscais, enxadas, limas e outros instrumentos utilizados no trabalho eram descontados do salário dos trabalhadores. Os cortadores de cana retornavam ao alojamento da empresa – sem luz elétrica nem instalações sanitárias – depois de uma jornada
106
excessiva de trabalho de 12 horas, sem direito a repouso. Pessoas aplicavam agrotóxicos sem equipamentos de proteção individual expostos a risco de intoxicação aguda. “Eles iam para suas casas com as roupas contaminadas, colocando em risco a vida de seus familiares, sem nenhuma orientação de como proceder”, destacou
Jaqueline. (REPÓRTER BRASIL, 2008)
Cabe salientar que as condições a que estavam submetidos os
cortadores de cana em Porecatu não representa uma exceção, antes confirma a
regra, evidenciada pelas recorrentes notícias de irregularidades encontradas em
diferentes usinas do país.
Entretanto, as ações do Estado tem surtido alguns efeitos, aliás, é a
fiscalização recente que tem exposto o problema da precarização das condições de
trabalho nos canaviais, fato constatado entre os “bóias-frias” entrevistados,
principalmente os da Usina Alto Alegre de Colorado, que relataram algumas
modificações introduzidas na jornada de trabalho após as autuações lavradas em
Porecatu.
Desde então, fora fixado a parada obrigatória de uma hora para o almoço
e quinze minutos à tarde, medida que não agradou aos trabalhadores, pois isto
significou um rebaixamento de seus salários:
Essa ordem que o fiscal deu não é bom não. Nóis descansa uma hora, só que nóis podia tá cortano cana, aproveitando que o sol não ta muito quente. A gente descansa, só que como nóis ganha pelo tanto que a gente corta, uma hora é muito tempo (...)”. A.J.O (43 anos, V.A.S., cortador há 2 anos na Usina Alto Alegre).
Ora, a usina em questão, assim como as demais, fazem nada mais do
que transferir para os cortadores de cana ônus pelo seu descanso. Como os
trabalhadores recebem por produção, o que era para ser um beneficio acaba se
convertendo em um prejuízo, ratificando o caráter desgastante e desumano desse
regime de contratação, no qual até mesmo as necessidades mais elementares do
corpo humano são subjugadas à máxima do mercado, na qual “tempo é dinheiro”.
Assim, quanto mais se trabalha, mais poderá o empresário extrair mais –
valia. Enfim, trata-s e de uma riqueza produzida pelo cortador de cana que,
contraditoriamente, reforça sua miséria humana e social.
Isto explica a manutenção destas relações sociais de produção no
agronegócio sucroalcooleiro, uma vez que ainda é mais vantajoso ao capitalista
107
pagar salários do que arcar com os custos da implantação e manutenção das
máquinas, as quais podem substituir o corte manual.
O fato é que o custo da mecanização é um ônus ao próprio capitalista, ao
passo que as operações manuais apenas o são parcialmente, pois em um contexto
de expressivo exército de reserva, os salários não precisam cobrir sequer os custos
de reprodução da força de trabalho, já que haverá tantos substitutos quanto
necessário aos que foram esgotados no processo produtivo.
Não obstante, a máquina não poderá, por s i só, aumentar a
produtividade, já que durante sua vida útil, a capacidade operacional corresponderá
ao nível técnico do momento em que foi fabricada. Assim, qualquer incremento de
produtividade exigirá o emprego de máquinas mais eficientes, o que supõe
imobilização de capital para a renovação do parque de máquinas o que, aliás, é um
imperativo da produção tecnificada.
Isto não é necessário quando se emprega bóias-frias, por exemplo. Só
para se ter uma idéia, na década de 1950 a produtividade média de um cortador de
cana era de 3 toneladas por dia, passando para 6 toneladas na década de 1980 e
atingindo 12 no final da década de 1990. (Alves, 2006, p.92). Como se pode
depreender, em apenas 20 anos a produtividade média do bóia-fria cresceu 100%,
sem que o agroindustrial investisse um só vintém neste fim, o qual foi alcançado
meramente pela subjugação do trabalho ao capital.
Assim, a manutenção do corte manual, contrastando com o que há de
mais moderno em tecnologia no que diz respeito ao corte mecanizado só se explica
em face de “[...] os próprios empresários rurais em seus cálculos operacionais
perceberem que é mais vantajoso utilizar o bóia-fria para estas tarefas do que a
máquina.” (D’ INCAO, 1984, p.21)
Por outro lado, não se poderá desdenhar os fatores limitantes à
produtividade do bóia-fria, como é o caso da lei que proíbe a queima de cana - de
açúcar. Nesse cenário, certamente a mecanização será mais vantajosa ao
agroindustrial. E isto não deixa de ser alarmante, uma vez que significaria a extinção
de centenas de milhares de postos de trabalho que, embora precários, possibilitam
um retorno monetário mínimo, do qual não podem prescindir aqueles cuja única
moeda de troca capaz de lhe assegurar a sobrevivência é a força de trabalho.
Este é um dos fatos destacados como preocupantes pelos cortadores de
cana entrevistados, dos quais 90% afirmaram temer perder seu trabalho para as
108
máquinas, num contexto em que Silva (2005, p.32) sustenta que cada uma delas
poderá eliminar automaticamente até 400 postos de trabalho.
Situação não menos sombria pode ser apontada para a dinâmica
econômica dos municípios inseridos nos territórios do agronegócio canavieiro, uma
vez que estes dependem fundamentalmente da renda salarial gerada pela
agroindústria sucroalcooleira, composta majoritariamente pelos dividendos auferidos
pelos cortadores de cana.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a implementação do Proálcool ocorrida na década de 1970, tem
havido uma expansão vertiginosa da cana-de-açúcar no país, sendo que na
atualidade, diante da perspectiva de transformação do etanol na mais nova
commoditie do agronegócio nacional, este processo tem se intensificado ainda mais.
Conforme foi demonstrado ao longo deste trabalho, vários são os
impactos desta expansão, a começar pelo processo de concentração fundiária nas
áreas onde o agronegócio sucroalcooleiro se instala.
Não por acaso, verifica-se a diminuição progressiva do número de
estabelecimentos agropecuários nos municípios analisados, assim como o aumento
expressivo da área média ocupada pela agroindústria canavieira, fato aliás não
restrito à área de estudo, mas ao estado como um todo.
Não obstante, os dados revelam que paralelamente ao processo de
concentração fundiária, houve também o recuo das lavouras policultoras. Basta
considerar que algumas delas, a exemplo do arroz e feijão, praticamente
desapareceram nos municípios analisados.
Por outro lado, ao salientar-se que a expansão do agronegócio
sucroalcooleiro é nociva à produção de alimentos, buscou-se projetar uma leitura
que destoa dos cálculos formais, baseados na mera projeção da fatia a ser ocupada
pela cana, em um cenário de vastidão de terras agricultáveis.
Antes, demonstrou-se que no âmbito do agronegócio, há uma lógica que
impele ao cultivo daquelas lavouras que possibilitam maior auferimento da renda da
terra em um determinado período histórico. É o que se verifica atualmente com a
cana-de-açúcar, que avança sobre as áreas policultoras, fundamentais para o
abastecimento interno de alimentos. .
Trata-se de um debate que muito mais do que uma questão retórica,
envolve uma questão de método, referência aos que argumentam que o avanço da
produção de agrocombustíveis não irá impactar a produção das demais culturas,
como a alimentar, dada a grandeza territorial do Brasil.
O fato é que estas áreas supostamente aptas a tal expansão podem não
adequar-se à lógica locacional da agroindústria sucroalcooleira, conforme
abordamos no primeiro capítulo. Pelo contrário, e o mapa da localização das
unidades agroindustriais no país mostra que existe uma concentração espacial das
110
mesmas, confirmando que esta expansão ocorre nas áreas que possibilitam maior
auferimento da renda fundiária, e não sob terras incultas, onde não há uma
combinação convergente de fatores que a potencializam.
Outro argumento utilizado pelos defensores da produção em larga escala
dos agrocombustíveis é o de que esta produção não ameaça os ecossistemas da
Amazônia e do Cerrado, uma vez que a cana-de-açúcar não é expressiva nestes
domínios.
Entretanto, ao avançar sobre áreas em que anteriormente se cultivava o
algodão, a soja, o arroz, as pastagens, há um processo de expansão da fronteira
agrícola rumo a esses ecossistemas, uma vez que a demanda por esses produtos
continua existindo. Assim, mesmo que a cana não se faça presente de forma intensa
nos domínios destes ecossistemas, seu avanço em áreas tradicionalmente
ocupadas acaba por se refletir nestes, com a reterritorialização das atividades
desalojadas.
Cabe ressaltar que ambos os processos tem sido possíveis graças à
inexistência de qualquer mecanismo, por parte do Estado, capaz de regular o uso do
solo agrícola, fazendo-se necessário implantar uma política de zoneamento que
normatize a gestão do território a partir de lógicas outras, além daquelas de
mercado.
Por outro lado, foi visto também que no âmbito da expansão do CAI
sucroalcooleiro, ocorreu o processo de precarização nas relações sociais de
produção, mediante a super-exploração do “bóia-fria” que, nestas duas últimas
décadas, teve que dobrar sua produtividade, a despeito do movimento inversamente
proporcional em seus salários. Isso revela uma das muitas contradições inerentes ao
modo capitalista de produção, em que a opulência do rentável agronegócio
canavieiro contrasta com a miséria e a subjugação do cortador de cana, ora
submetido à condições de trabalho análogas a da escravidão.
Isto mostra que o agronegócio sucroalcooleiro não pode, simplesmente
por sua rentabilidade e pujança econômica, advinda da disponibilidade de terras e
da superexploração da força de trabalho, dinamizar economicamente a região em
que se terrirorializa, visto que há uma evasão da renda socialmente produzida. Isso
porque os empresários do negócio canavieiro geralmente residem longe dos
municípios locus da produção.
111
Dito de outra forma, as cidades do agronegócio sucroalcooleiro se
tornaram altamente dependentes não apenas do montante total da renda gerada
pela produção agroindustrial, bem como dos tributos correspondentes, mas sim de
uma fração ínfima da mesma, materializada no salário dos trabalhadores,
majoritariamente cortadores de cana.
Tanto nesta quanto naquelas transformadas em cidades dormitórios de
cortadores de cana, há uma pronunciada estagnação econômica, cuja
“prosperidade” está diretamente relacionada ao período das safras.
Não obstante, esta força de trabalho fortemente sujeitada aos padrões de
acumulação do agronegócio sucroalcooleiro se vê diante de uma ameaça iminente,
que é justamente a mecanização do corte da cana. E este processo, que poderia se
converter em instrumento de libertação das péssimas condições às quais estão
submetidos, poderá ser ainda mais aviltante, confirmada a tendência de perda dos
postos de trabalho.
Como não possuem nenhuma qualificação para se inserir em outras
atividades produtivas, se é que há tantas vagas quanto se sugere, tampouco lhes é
permitido o acesso à terra, o que os fará seguir “errantes”, a procura de quem
compre a sua força de trabalho.
112
REFERÊNCIAS
ADAS, Melhen. A fome: crise ou escândalo? São Paulo: Moderna, 1988.
AGROANALISYS. Cadeia sucroalcooleira. Rio de Janeiro: FGV, v. 23, n. 2, p.4-6, abr. 2003.
______. Depois da febre aftosa. Rio de Janeiro: FGV, vol.25, nº. 11, p.35, nov.2005.
ALCOPAR. Mapa de localização das unidades produtoras de álcool e açúcar do estado do Paraná. Disponível em: <http://www.alcopar.org.br/associados/mapa. htm> Acesso em: 07 abr. 2008.
______. Histórico da produção no Paraná. Disponível em: <http://www.alcopar.org.br/estatisticas/hist_prod_pr.htm > Acesso em: 07 abr. 2008.
ALTHUSSER, l. Aparelhos ideológicos de estado. São Paulo: Graal, 2001.
ALFONSI (et al.) Condições climáticas para a cana-de-açúcar. In: PARANHOS, S.B. Cana-de-açúcar: cultivo e utilização. Campinas: Fundação Cargill, 1987. p. 42-55
ALVES, Francisco. Porque morrem os cortadores de cana? Revista Saúde e Sociedade. São Paulo: FSP/USP, v.15, n. 3, p. 90-98, set/dez 2006. Disponível em:<http://www.apsp.org.br/saudesociedade/XV_3/revista%2015.3_artigo%2006.pdf>.Acesso em: 23 mar. 2008.
AMORIM, Guilherme. Biocombustíveis e investimento externo. Revista Análise Conjuntural. Curitiba: IPARDES, v. 29, n. 05/06, p.8-10, maio/jun.2007. Disponível em: <http:// www.ipardes.gov.br/webisis.docs/bol_29_3b.pdf> Acesso em: 23 mar. 2008.
ANDRADE, Manuel Correia de. Modernização e pobreza: A expansão daagroindústria canavieira e seu impacto ecológico e social. São Paulo: UNESP, 1994.
ANDRADE, J.M. F, DINIZ, K.M. Impactos ambientais da agroindústria da cana-de-açúcar: subsídios para gestão. São Paulo. Monografia (Gerenciamento Ambiental) – USP- Escola Superior de Agricultura, Piracicaba, 2007. Disponível em:< http:// http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11132/tde-07052002-091407/ > Acesso em: 22 mar. 2008.
BRAGA, R.; D’HORTA A.P. Dois repórteres no Paraná. Curitiba: Câmara de Expansão Econômica do Paraná, 1953.
BRAGUETO, C.R. A inserção da microrregião geográfica de Londrina na divisão internacional do trabalho. (Dissertação de Mestrado) São Paulo: USP, 1996.
113
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Departamento da Cana-de-açúcar e Agroenergia. Produção brasileira de álcool e cana - de açúcar, 2002-2007. Brasília: MAPA, 2008. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/pls/ portal/docs/page/mapa/estatisticas/producao/prod_cana_acucar_alcool_mensal.pdf>Acesso em: 10 mar. 2008.
______. Usinas e destilarias cadastradas. Brasília: MAPA, 2008. Disponível em:<http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/page/mapa/servicos/usinas_destilarias/usinas_cadastradas/ups_24-03-2008_0_0.pdf> Acesso em: 17 fev. 2008.
______. Agricultura brasileira em números/anuário 2005. Brasília: MAPA, 2008. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/page/mapa/estatisticas /agricultura_em_numeros_2005/03.02.05_1.xls>. Acesso em: 20 fev. 2008.
CANASAT. Mapeamento da cana via imagens de satélites de observação da terra. São Jose dos Campos: INPE, 2008. Disponível em: <http://www.dsr.inpe.br/ mapdsr/pr/frame.html>. Acesso em: 20 mar. 2008.
______. Relatório da produção por município. São José dos Campos: INPE, 2008. Disponível em: <http:// www.dsr.inpe.br/mapdsr/pr/frame.html>. Acesso em: 20 mar. 2008.
CANCIAN, N.A. A cafeicultura paranaense: 1900/1970. Curitiba: Grafipar, 1981.
CARVALHO, Glauco Rodrigues. O Setor sucroalcooleiro em Perspectiva. Revista Conjuntura Agropecuária: Sucroalcooleira. Campinas: EMBRAPA, mar. 2006. Disponível em: <http://www.cnpm.embrapa.br/conjuntura/0603_Sucroalcooleiro. pdf>.Acesso em: 23 mar. 2008.
CARVALHO, M.S. A pequena produção de café no Paraná. Tese (Doutorado) -Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
CASTRO Josué de. Geografia da fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
CESÁREO, A.C. Norte novo: a expansão da fronteira e seu conteúdo simbólico. In. PAZ, F. M. (org) Cenários de economia e política do Paraná. Curitiba: Prephacio, 1991. p.17-46.
D’INCAO M.C. A questão do bóia-fria. São Paulo: Brasiliense, 1984.
IAPAR. Cartas climáticas do estado do Paraná. Londrina: IAPAR, 1994.
IBGE. Pesquisa nacional por amostragem de domicílios: segurança Alimentar -2004. Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
______. Censo agrícola de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1952.
______. Censo agrícola de 1960. Rio de Janeiro: IBGE, 1965.
114
______. Censo agropecuário 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1975.
IBGE. Censo agropecuário 1985. Rio de Janeiro: IBGE, 1991.
______. Censo agropecuário 1995- 1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1998.
IPARDES. Base de dados do estado. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/ imp/index.php>. Acesso em: 12 maio 2008.
KAUTSKY, Karl. A questão agrária. São Paulo: Proposta, 1980.
KOFFLER, N. F.; DONZELLI, P. L. Avaliação dos solos brasileiros para a cultura da cana - de - açúcar. In: PARANHOS, S.B. Cana-de-açúcar: cultivo e utilização.Campinas: Fundação Cargill. p. 17-41.
MACEDO, Isaías C. A Energia da Cana – de – Açúcar. Revista Agroanalisys. Rio de Janeiro: FGV, v. 25, n. 10, p. 35, out.2005.
MAACK, R.A. Geografia física do estado do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.
MARTINS, J.S. O cativeiro da terra. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.
______. Os camponeses e a política no Brasil. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
______. O “abril verde” do outro lado do MST. O Estado de São Paulo. 6 maio 2007. Sessão Aliás, p.J5.
______. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec, 1980.
MOMBEIG, Pierre. A zona pioneira do norte do Paraná. In: FRESCA, T.M.; CARVALHO, M.S. Geografia e norte do Paraná: um resgate histórico. Londrina: Humanidades, 2007, p.1-18.
MOREIRA, Roberto José. Renda da natureza e territorialização do capital: reinterpretando a renda da terra na competição intercapitalista. Estudos Sociedade e Agricultura. Buenos Aires: CLACSO, p. 89-111, jul.1995. Disponível em: <http:// bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/quatro/moreira4.hm>. Acesso em: 31 mar. 2008.
______. Terra, poder e território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
OLIVEIRA, A.U. Modo capitalista de produção e agricultura. São Paulo: Ática, 1995.
115
______. Geografia agrária: perspectivas no inicio do século XXI. In: OLIVEIRA, A.U.; MARQUES, I.M. (Orgs). O campo no século XXI: o território de vida, de luta e de construção de justiça social. São Paulo: Casa Amarela, 2004. p. 29-70.
OLIVEIRA, A.U. Agrocombustíveis e produção de alimentos. MST, 23 abr. 2008. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=5310> Acesso em:15/05/2008.
PADIS, P.C. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo: Hucitec, 1981.
PARANHOS, S.B. Cana-de-açúcar: cultivo e utilização. Campinas: Fundação Cargill, 1987.
PAULINO, E.T. O Limite das Cercas: Desdobramentos da apropriação capitalista da terra e as estratégias da exploração familiar em Presidente Prudente, Dissertação (Mestrado). Presidente Prudente: UNESP-FCT, 1997.
______. Por uma geografia dos camponeses. São Paulo: Unesp, 2006.
______.Agricultura e tecnificação: notas para um debate.Agrária. São Paulo: nº. 4, 2006, p.3-19. Disponível em
<http://www.geografia.fflch.usp.br/revistaagraria/revistas/4/texto_1_paulino_e_t.pdf>
Acesso em 23 out. 2008.
PAZ, F. M. (org) Cenários de economia e política do Paraná. Curitiba: Prephacio, 1991.
PORECATU. A cidade de Porecatu. Disponível em: <http://www.porecatu.pr.gov.br>. Acesso em: 21 jun. 2008.
PRADO JÚNIOR, Caio. A Questão agrária no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981.
PINAZZA, L.A.; ALIMANDRO, R. Brasil açúcar e álcool: a era da emancipação. Agroanalisys. Rio de Janeiro: FGV, v. 20, n. 03, p.14-20, mar. 2000.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
ROSS, J. Ecogeografia do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2006.
REPÓRTER BRASIL. Mais de 200 cortadores são resgatados em usina de Porecatu. Repórter Brasil – Agência de Notícias. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1407>. Acesso em: 20 out. 2008.
116
RISSARDI JR, D; SHIKIDA, P. A agroindústria canavieira do Paraná pós-desregulamentação: uma abordagem neoschumpeteriana. Cascavel: Coluna do Saber, 2007.
SANTOS, M.A. A natureza do espaço. São Paulo, Hucitec, 1996.
SANTOS, Régis R. A territorialização do capital e as relações camponesas de produção. Campo-Território: Revista de Geografia Agrária. v. 2, n.3, p. 40-54, fev.2007. Disponível em: <www.campoterritorio.ig.ufu.br/include/getdoc.php? id=134 &article=86&mod e=pdf>. Acesso em: 09 abr. 2008.
SEPULCRIL, O.; GROXCO, M. Competição econômica entre a mandioca e a cana-de-açúcar no Paraná. Revista CERAT. Botucatu: Unesp, 2007. Disponível em:<http://64.233.169.132/search?q=cache:zBbW0HZFIFkJ:www.cerat.unesp.br/revistarat/volume3/artigos/117%2520Odilio%2520sepulcri.pdf+competi%C3%A7%C3%A3o+economica+entr+a+mandioca&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br> Acesso em: 12 jul. 2008.
SHIKIDA, P. F. Agroindústria canavieira no Paraná: análises, discussões e tendências. Cascavel: Coluna do Saber, 2001.
SILVA, Joaquim Carvalho da. Terra roxa de sangue: a Guerra de Porecatu.Londrina: EDUEL, 1996.
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Trabalho e trabalhadores na região do “mar de cana e do rio de Álcool”. Agrária, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 2-39, 2005. Disponível em:<http:// http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/cerest/publicacoes/mar-cana.pdf>.Acesso em: 02 abr. 2008.
______. Errantes do fim do século. São Paulo: Unesp, 1999.
______. Produção de alimentos e agrocombustíveis no contexto da nova divisão mundial do trabalho. Revista Pegada, v. 9, n. 4, p. 3-19, 2006. Disponível em:<http://www4.fct.unesp.br/ceget/PEGADA%209%201/04-9-1-MariaAparecidaMoraes Silva.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2008.
SILVA, C.R.L., CARVALHO, M.A. Biocombustíveis e insegurança alimentar. Análise e Indicadores do Agronegócio. São Paulo: IEA, v.2, n. 7, jul. 2007. Disponível em:<http:// http://www.iea.sp.gov.br/OUT/verTexto.php?codTexto=9022>.Acesso em: 31mar. 2008.
THOMAZ JUNIOR, A. As formas de controle social do capital agroindustrial canavieiro sobre o trabalho na região de Presidente Prudente. Disponível em:<http://br.monografias.com/trabalhos/controle-social-capital-agroindustrial-canavieiro/ controle-social-capital-agroindustrial-canavieiro.shtml>. Acesso em: 15 out. 2008.
USA. Energy Information Administration- EIA .Selected Countries Most Recent Annual Estimates, 1980-2006. Disponível em: <http://www.eia.doe.gov/emeu/ international/RecentCoalConsumptionMST.xls>. Acesso em: 15 fev. 2008.
117
YOSHINAGA, E.M.S. As políticas de exploração da cana-de-açúcar no Brasil: da ocupação colonial à produção sucroalcooleira. Dissertação (mestrado). São Paulo, Universidade São Marcos. Disponível em: <nourau.smarcos.br/document/?down=274>.Acesso em: 10 jun. 2008.
WESTPHALEN, M. C.H. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969.
ANEXOS
118
Questionário aplicado a cortadores de cana
Idade: ______________ Sexo: ( ) masc. ( ) fem.
1 - Escolaridade: __________________________________Estado civil Naturalidade
2 - A casa onde mora é: ( ) própria ( ) alugada ( ) cedida
3 - Número de filhos ( ) menores ( ) maiores
4 - Na sua casa há mais pessoas que trabalham no corte da cana?
5 - Há quanto tempo você corta cana? O que você fazia antes?
6 - Quais foram os motivos que levaram você a cortar cana:( a ) Porque considero ser um bom serviço( b ) Pelo bom salário( c ) Pela falta de outras opções
7 - Como você avalia este tipo de serviço?( a ) penoso( b )desgastante( c ) há serviços piores( d )é o pior dos serviços
8 - Você tem expectativa de mudar de profissão? Qual e por quê?
9 - Quantos metros (ou toneladas) de cana você corta por dia?
10 - Como são escolhidos os cortadores? É por capacidade de corte ou há outros critérios? Quais?
11 - Você é considerado um ( ) bom (médio) ( ) fraco cortador de cana?
12 - Como é feita a distribuição dos eitos de cana entre os cortadores? Existe alguma distribuição entre piores e melhores áreas de corte?
13 - De um modo geral, os cortadores são sempre os mesmos?Senão, quais são os principais motivos que levam à dispensa deles pela empresa?
14 - Você é funcionário da usina ou de terceiros? Tem carteira assinada?
119
15 - Como fica seu contrato de trabalho no período da entressafra?
16 - Qual é o período da entressafra na região?
17 - O que você faz na entressafra?( a ) trabalha em outras atividades na usina ( como o plantio ou o trato da cana)( b) Trabalha em outras atividades agrícolas fora da usina( c ) Fica desempregado.
18 - A empresa fornece equipamentos de segurança? Quais?
19 - E ferramentas de trabalho?
20 - Qual é o horário da sua jornada de trabalho?
21 - A que horas sai e chega em casa?
22- Qual é o dia de semana que tem folga?
23- Quantas refeições você faz durante o dia de trabalho? Qual o tempo destinado a elas?
24 - A empresa fornece as refeições?
25- O que você faz para recuperar as energias para um novo dia de trabalho?
26 - Quando chove durante o dia o trabalho é interrompido?
27 - Você já passou mal por cansaço ou viu alguém passar mal?Se sim, com que freqüência?
28- Qual é o horário habitual de ir dormir e levantar-se, durante o período do corte?
29- Você acha justo o preço pago pelo metro/tonelada de cana?
30- Um cortador de cana ganha o suficiente para o sustento da família?
120
31- Se você corta cana há pelo menos três anos:( a ) Você acha que antigamente se ganhava mais trabalhando menos.( b )Ganhava-se menos se esforçando mais( c ) Não percebeu a diferença.
32- O que você acha que deveria mudar no corte de cana?
33- Você participa de alguma organização que reivindica melhores salários e melhores condições de trabalho?Por que?
34 - Quais são as suas perspectivas de futuro trabalhando no corte de cana?
35- A empresa já possui corte mecânico de cana?
36- Você teme perder seu trabalho para as máquinas?
37- Quanto a sua saúde, você acha que o corte de cana a prejudicou? De que forma?
Top Related