UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ELENIR HONÓRIO DO AMARAL
SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E
PRÁTICAS ESCOLARES DE PROFESSORES DO 2º E 3º ANO DO 1º CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Cuiabá-MT
2015
ELENIR HONÓRIO DO AMARAL
SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E
PRÁTICAS ESCOLARES DE PROFESSORES DO 2º E 3º ANO DO 1º CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para a obtenção do
título de Mestre em Educação na Área de
Concentração Educação, Linha de Pesquisa
Educação em Ciências e Educação Matemática.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da
Palma.
Cuiabá- MT
2015
DEDICO
Às minhas filhas, Janaina e Mariana, e às professoras participantes da pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Ao mais fiel companheiro nesta caminhada: Deus, com quem dividi todos os momentos.
Às professoras, às crianças e demais profissionais da escola pesquisada, sem os quais não seria possível a
realização deste trabalho. Obrigada pelo acolhimento, pela confiança em nos contar suas experiências, e pela
a oportunidade de compartilhar de seus cotidianos.
À SME de Cuiabá, pela licença remunerada, possibilitando a minha dedicação exclusiva ao mestrado, uma
experiência pessoal e profissional maravilhosa.
Às professoras Dra. Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid e Dra. Gladys Denise Wielewsski, por
aceitarem participar da banca de qualificação e de defesa, dando valiosas contribuições que nos ajudaram a
ampliar as reflexões.
Às colegas, do “Grupo de estudos e pesquisas em Educação Matemática na Educação Infantil e anos iniciais
do Ensino Fundamental”, Anne, Lysania, Marta, Vani, Suelene, Lezi e Micheli, pelos valiosos momentos
de aprendizagens mútuas e pelas amizades construídas.
Às minhas filhas, Janaina e Mariana, que durante suas vidas foram, em muitos momentos, privadas de
minha presença e atenção, para que eu pudesse me dedicar a uma das minhas maiores paixões: a educação
escolar. Desculpe filhas, foi necessário!
Ao meu paizinho Benedito, à minha querida “boadrasta” Noêmia, e aos meus irmãos Eny, Enio, Eleci,
Manoel, Núbia, Maria Lúcia, Edson e Eliane, por fazerem parte da minha vida ensinando-me o amor e o
respeito.
À Maurina, Leni, Dirce, Romilde, Nilza e Nete, pelo incentivo, apoio e amizades incondicionais a mim
dedicadas.
À Vani, minha colega de mestrado que durante esta caminhada se constituiu parceira e amiga-irmã, que
acredito, para o resto de nossas vidas.
Aos professores Cleomar, Marta, Lúcia Muller, Cândida, Rute e Tânia, e aos colegas da turma do Mestrado
em Educação UFMT – 2013, pelas importantes contribuições teóricas, pelos debates, pela motivação e
momentos de aprendizagens e convivência.
À todos aqueles que têm partilhado minhas vivências pessoais e profissionais, cujos nomes não cabem todos
aqui, mas que fazem parte da minha constituição como pessoa e profissional.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À minha orientadora, Rute Cristina Domingos da Palma, que me emprestou seus livros, me
“pressionou” e “cobrou” prazos, me acolheu e orientou sempre que precisei; me fez acreditar que era possível
a realização deste trabalho nos meus momentos de insegurança e hesitação. Obrigada professora Rute, pela
forma como contribuiu com a ampliação dos meus conhecimentos durante a pesquisa, através de sua:
A M I Z A D E D E D I C A Ç Â O D I S C I P L I N A O R I E N T A Ç Â O S E N S I B I L I D A D E C O M U N I C A Ç Â O M O T I V A Ç Â O I N T E R V E N Ç Â O
RESUMO
Esta pesquisa procura responder à questão: “que conhecimentos profissionais sobre o Sistema
de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º e 3º anos do Ensino
Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este conteúdo numa
escola da rede municipal de Cuiabá?”. Os referenciais que norteiam a investigação e análise
dos dados se pautam na abordagem histórico-cultural. Para tratar acerca dos fundamentos da
teoria histórico-cultural, recorremos aos estudos de Vygotsky (1988); Leontiev (1972); Rigon,
Asbahr e Moretti (2010); Moura (2010) e outros, de Shulman (1986,1987); Mizukami (2004)
e outros, sobre os conhecimentos profissionais; e, de Migueis e Azevedo (2007); Megid
(2009); Nacarato et al. (2011) e outros, sobre as discussões da matemática nos anos iniciais.
Sobre os aspectos históricos, teórico-metodológicos e das práticas escolares do Sistema de
Numeração Decimal (SND), referendamo-nos em Ifrah (2005); Boyer (1974); Lerner e
Sadovsky (1996); Lanner de Moura (2007) e outros. A pesquisa se configura numa
abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, referendada em Bogdan e Biklen (1994);
Gonzáles Rey (2012); Stake (2010) e André (1995). Participaram da investigação duas
professoras do 2º ano e uma do 3º ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental. As fontes dos
dados foram os questionários de caracterização, observações com registro em diário de
campo, entrevistas e documentos escolares. Os dados apontam, de modo geral, experiências
escolares pouco relevantes no sentido do acesso e da apropriação dos conhecimentos
matemáticos e um processo de formação profissional, inicial e continuada, insuficientes. A
ausência de uma proposta consolidada de trabalho pedagógico coletivo e de formação
contínua na escola em que atuam, reflete na prática pedagógica e compromete a possibilidade
de as professoras participantes da pesquisa ampliarem seus conhecimentos profissionais e de
promoverem mudanças qualitativas no processo de ensino e aprendizagem do SND. Os dados
indicam que apesar do trabalho pedagógico das professoras se diferenciar em alguns
momentos, suas práticas se aproximam ao ensinar o SND sem considerar a sua gênese e
historicidade e ao proporem exercícios que não promovem reflexões sobre suas regras e
propriedades. Constatamos que as professoras apresentam fragilidades nos conhecimentos
específico, pedagógico e curricular relacionados ao SND, principalmente quanto à
compreensão da base dez e do valor posicional dos algarismos e conhecimento das propostas
de abordagens do SND, presente nos referenciais curriculares oficiais, os quais repercutem na
maneira como desenvolvem o ensino deste conteúdo. A análise dos dados também nos leva a
conceber que o ensino do SND deva considerar a historicidade da criação deste conceito a
partir de situações problemas que possibilitem aos professores e alunos vivenciá-lo como
protagonistas. Para isto, o professor precisa ter condições objetivas de trabalho, estar inserido
em um projeto coletivo de educação que possa oportunizar a socialização de ideias, práticas e
novas aprendizagens. Além disso, é fundamental repensar a formação inicial e continuada de
professores que ensinam matemática nos anos iniciais.
Palavras-chave: Sistema de Numeração, Conhecimentos Profissionais, Práticas Escolares, 1º
ciclo.
ABSTRACT
This research aims to answer the question: “which are the professional knowledge about the
Decimal Numeration System are manifested by teachers of the 2nd
and 3rd
grades of
Elementary School and how they develop school practices related to this content in a city
school of Cuiabá?”. The references that guide the investigation and the data analysis
regularize themselves in the historic-cultural approach. To treat the foundations of historic-
cultural theory, we resort to the studies of Vygotsky (1988); Leontiev (1972); Rigon, Asbahr
& Moretti (2010); Moura (2010) and other, Shulman (1986, 1987); Mizukami (2004) and
other, about the professional knowledges; and Migueis & Azevedo (2007); Megid (2009);
Nacarato et al (2011) and other, about the discussions of the mathematics in the early years.
And, the historical aspects, theoretical-methodological and the school practices of SND we
refer to Ifrah (2005); Boyer (1974); Lerner & Sadovsky (1996); Lanner de Moura (2007) and
other. The research sets itself in a qualitative approach of case study, referred in Bogdan &
Biklen (1994); Gonzáles Rey (2012); Stake (2010); André (1995) and other. Two teachers of
the 2nd
year and one of the 1st year of the Elementary School participated of the investigation.
The sources of data are: characterization questionnaire, observation with record in a field
diary, interviews and school documents. The data showed, in general, schooling experiences
with little relevance in the access of construction/appropriation of mathematical knowledge
and the process of professional formation, initial and continuing, as insufficient. That the
absent of a proposal consolidated of collective pedagogical work and continuing formation in
the school where they act, reflect in the actual practice and compromises the possibility of the
teachers expanding their professional knowledge and promoting qualitative alterations in the
process of teaching and learning of SND. We ascertain that, even though the pedagogical
work of the teachers are different in some moments, their practices come close when teaching
the SND without considering their genesis and history and the knowledge already elaborated
by the students, they do not motivate the interaction between students and, also, the
pedagogical mediation characterize itself by the collective orientation about the procedures to
be adopted to the resolution of the proposed exercises. The teaching of SND is done,
generally, through the emphasis of the names of the units of order, when the realization of
numerical operations through conventional algorithms, without returning and promoting
reflections with the students about the rules and properties of SND, underlying operations.
We found that there are some blanks in the specific and curricular knowledge of the teachers,
specially, about the comprehension of the base ten and positional value of algorithms and
knowledge of the proposal approaches of SND presents in the official curricular references,
which reverberates in how they develop the teaching of this content. The analysis of data also
takes us to consider that the teaching of SND should consider the history and the creation of
the concept from problem situations that allow to the teachers and students to live them as
protagonists and not as mere transmitters and viewers. So the teacher needs to have objective
work conditions and the initial and continuing formation need to be rethought.
Keywords: System of numbers, Professional Knowledge, Schooling Practices, 1st year.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Algarismos da antiga numeração hindu para representar as unidades
simples...................................................................................................................... ........
54
Figura 2 - Representação oral em sânscrito dos nove primeiros números inteiros do
antigo sistema hindu.........................................................................................................
55
Figura 3 - Representação oral em sânscrito às diferentes potências de dez do antigo
sistema hindu................................................................................................................ ....
55
Figura 4 - Introdução sobre composição e decomposição de números no LD2-A......... 144
Figura 5 - Apresentação do número 100 no LD2-A....................................................... 147
Figura 6 - Exercício desenvolvido no dia 30/08/13, LD2-A........................................... 150
Figura 7 - Problemas de subtração realizado na turma do 2º ano no dia 16/09/13......... 158
Figura 8 - Apresentação da ideia de adição de parcelas iguais da multiplicação no
LD2-A..........................................................................................................................
161
Figura 9 - Operações de subtração para armar e efetuar, realizada na turma do 3º ano,
no dia 06/09/13.................................................................................................................
174
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Enturmação nas Escolas da Rede Municipal de Cuiabá/MT...................... 38
Quadro 2 - Caracterização da escola, local de realização da pesquisa....................... 87
Quadro 3 - Síntese da caracterização das professoras participantes da pesquisa........ 90
Quadro 4 - Questionários e suas finalidades................................................................ 91
Quadro 5 - Inventário dos dados da pesquisa.............................................................. 98
Quadro 6 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora
Leci......................................................................................................................... ......
139
Quadro 7 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora
Lúci......................................................................................................................... .......
153
Quadro 8 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora
Eliane.............................................................................................................................
165
LISTA DE SIGLAS
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEC Conselho Escolar Comunitário
DC
EM
Diário de Campo
Educação Matemática
EF Ensino Fundamental
HA Hora-atividade
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCR Matriz Curricular de Referência
MEC Ministério da Educação
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PLND Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
QCE Questionário de Caracterização da Escola
QCS Questionário de Caracterização dos Professoras
RC Projeto Roda de Conversa
SME Secretaria Municipal de Educação
SND Sistema de Numeração Decimal
ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 14
CAPÍTULO I – O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL E OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DOS
PROFESSORES..............................................................................................................
20
1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A PERSPECTIVA HISTÓRICO-
CULTURAL.....................................................................................................................
21
1.2 O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL............................................................................................................
29
1.3 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
EM MATEMÁTICA NO 1º CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL.....................
34
1.3.1 A proposta de organização do Ensino Fundamental em ciclos da Rede Pública
Municipal de Cuiabá.........................................................................................................
37
1.4 OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES: A BASE DE
CONHECIMENTOS PARA ENSINAR..........................................................................
40
CAPÍTULO II – O SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL................................
46
2.1 SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: PROCESSO HISTÓRICO DE
CRIAÇÃO.........................................................................................................................
46
2.1.1 A necessidade humana de contar e o número.......................................................... 47
2.1.2 A criação dos sistemas de numeração...................................................................... 51
2.1.3 Sistema de Numeração Hindu: o ancestral do nosso atual Sistema de Numeração
Decimal............................................................................................................................
53
2.2 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL INDO-
ARÁBICO...................................................................................................................... ...
59
2.3 O ENSINO DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL.....................................................................
60
2.4 O ENSINO E APRENDIZAGEM DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL
NOS ANOS INICIAIS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS BRASILEIRAS NO
PERÍODO DE 1996 A 2012.............................................................................................
72
CAPÍTULO III – METODOLOGIA: OS CAMINHOS DA PESQUISA.................
80
3.1 A OPÇÃO METODOLÓGICA PELA ABORDAGEM QUALITATIVA................ 80
3.2 O TIPO DE PESQUISA............................................................................................. 82
3.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA............................................... 85
3.4 O CONTEXTO E AS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA.......... 85
3.4.1 Os critérios e o processo de seleção da escola e professoras participantes da
pesquisa.............................................................................................................................
86
3.4.2 Caracterização da escola.......................................................................................... 87
3.4.3 Caracterização das professoras participantes da pesquisa....................................... 88
3.5 AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO DOS DADOS.............. 90
3.6 ORGANIZAÇÕES PARA A LEITURA DOS DADOS DA PESQUISA................. 98
CAPÍTULO IV – CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES AO ENSINAR O SISTEMA DE
NUMERAÇÃO DECIMAL: ALGUNS INDÍCIOS.....................................................
100
4.1 CAMINHOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS: AS CATEGORIAS DE
ANÁLISE.........................................................................................................................
100
4.1.1 O movimento de construção dos conhecimentos profissionais e das práticas
pedagógicas referentes ao conhecimento matemático – SND: os percursos pessoais
das professoras..................................................................................................................
103
4.1.1.1 Síntese dos percursos das professoras e dos conhecimentos profissionais
manifestados, referentes ao SND......................................................................................
121
4.1.2 A organização do trabalho pedagógico na escola: o contexto de atuação das
professoras.................................................................................................................. ......
123
4.1.2.1 Organização e utilização dos espaços e tempos escolares.................................... 124
4.1.2.2 Organização do ensino na escola: a relação entre o proposto e o observado na
prática escolar...................................................................................................................
127
4.1.2.3 Estudos, reflexões, planejamentos coletivos e avaliação..................................... 129
4.1.3 Práticas pedagógicas referentes ao SND: a ação das professoras na sala de aula... 137
4.1.3.1 Síntese das práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras em sala de
aula e os conhecimentos profissionais manifestados........................................................
176
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES .................................................................................
178
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
188
APÊNDICES...................................................................................................................
197
14
INTRODUÇÃO
O ensino de Matemática no universo dos problemas educacionais tem ocupado, nos
últimos tempos, espaço de destaque nos debates não só do meio acadêmico, como de outros
setores da sociedade brasileira. As temáticas que permeiam tais discussões evidenciam as
dificuldades de ensino e de aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, em todas as etapas
do processo de escolarização, preocupações que também se fizeram presentes, na minha
trajetória profissional1.
A minha formação profissional inicial se deu através da realização do curso Magistério
no Ensino Médio, graduação em Pedagogia e especialização em Avaliação Educacional.
Como professora efetiva das redes públicas de ensino do município de Cuiabá e do Estado de
Mato Grosso, exerci as funções de professora e de coordenadora pedagógica dos anos iniciais
do Ensino Fundamental por vinte e dois anos. Desse período, atuei dez anos como professora
polivalente em turmas do 2º ao 4º ano e de Matemática e Ciências Naturais em turmas de 5º e
6º ano. Nos últimos seis anos, compondo a equipe da Secretaria Municipal de Educação
(SME) de Cuiabá/MT, desempenhei as funções de assessora pedagógica, coordenadora de
avaliação e de formação continuada, e diretora de ensino.
Neste percurso, os desafios em relação ao ensino de Matemática nos anos iniciais do
Ensino Fundamental me instigaram, pessoal e profissionalmente, a buscar novos
conhecimentos acerca dessa problemática, por entender a importância dos conhecimentos
matemáticos e dos anos iniciais no processo de educação escolar.
Os anos iniciais do Ensino Fundamental são responsáveis pela introdução das primeiras
noções das diversas áreas do conhecimento e representam a base dos conhecimentos que as
crianças terão que consolidar ao longo de sua trajetória acadêmica. Assim, a forma como
esses conteúdos são trabalhados no início da escolarização pode concorrer para o sucesso ou
insucesso dos alunos na escola. No caso específico da Matemática, o problema nos parece
ainda mais sério e manifesto, sendo que quando o aluno não consegue uma fundamentação
dos conhecimentos matemáticos nesse início de escolarização, possivelmente, poderá
1 Neste momento escrevo na 1ª pessoa do singular por se tratar de uma experiência pessoal.
15
apresentar dificuldades para avançar na aprendizagem de conteúdos mais complexos e
consequentemente, apresentar dificuldades e/ou reprovações nos anos subsequentes.
Vislumbrando a possibilidade de aprofundar conhecimentos referentes ao ensino de
Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em 2010, aceitei o duplo desafio em
atuar como orientadora de estudos da formação em Matemática e coordenar a execução do
Pró Letramento2 na rede municipal de Cuiabá.
O desenvolvimento deste programa, com duração de dois anos, oferecia formação
continuada em Língua Portuguesa e Matemática para todos os professores do 1º ciclo3. Os
professores poderiam optar por uma das áreas para iniciar a formação. A maioria dos
professores escolheu participar, no primeiro ano, da formação em Língua Portuguesa,
alegando “não gostar de Matemática”. Este fato me chamou a atenção, pois de acordo com
Thompson (1997, p. 12), pesquisas em Educação Matemática revelam que há uma forte razão
para acreditar que as concepções e crenças “sobre o conteúdo e seu ensino desempenham um
papel importante, no que se refere à sua eficiência como mediadores entre o conteúdo e os
alunos”.
No início das formações, as percepções, a partir dos primeiros relatos dos professores,
apontavam indícios de dois fatores relacionados ao insucesso do ensino de Matemática nos
anos iniciais, que já mobilizavam minha atenção e preocupação, durante o exercício da função
de coordenadora pedagógica. O primeiro é de que o ensino de Matemática não é priorizado no
período de alfabetização, motivado à primeira vista pela preocupação, legítima, com a
aquisição da leitura e escrita da língua materna. O segundo é que, em relação aos conteúdos
trabalhados nos anos iniciais, as preocupações dos professores se voltam para ensino dos
números e operações, em detrimento aos demais conteúdos curriculares de Matemática para o
Ensino Fundamental.
No decorrer dos encontros formativos essas percepções iniciais foram expandidas com
indicativos de que embora o ensino de Matemática, nos 1º, 2º e 3º anos, girasse em torno dos
2Pró Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/ Séries Iniciais do Ensino
Fundamental, realizado pelo Ministério de Educação- MEC, em parceria com as Universidades que integram a
Rede Nacional de Formação Continuada, com a adesão de estados e municípios. Tem por objetivo geral a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/ escrita e Matemática nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. É composto por oito fascículos que tratam dos seguintes temas, respectivamente: Números
Naturais, Operações com Números Naturais, Espaço e Forma, Frações, Grandezas e Medidas, Tratamento da
informação, Resolução de problemas e Avaliação. Na Rede Municipal de Cuiabá, o programa foi implantado em
2010, envolvendo todos os professores do I ciclo, cuja participação das formações em linguagem e Matemática
se dava através de revezamento anual.
3 Dentro da proposta da rede municipal de Cuiabá de organização do Ensino Fundamental de nove anos em ciclo
de formação humana o 1º ciclo (Infância) é constituído do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental.
16
números e operações, os relatos dos professores sobre as práticas de ensino e, as dificuldades
apresentadas no desenvolvimento das atividades formativas, apontavam indícios de
conhecimentos incipientes dos professores e, consequentemente, de fragilidades no ensino
desses conteúdos.
Naquela ocasião, chamou-me à atenção, dentre outras, as dificuldades daqueles
professores em trabalhar os conteúdos, considerando os conhecimentos elaborados pelos
alunos, relacionar as dificuldades com a escrita numérica; as operações com a compreensão
do Sistema de Numeração Decimal (SND), e ainda, em propor atividades que possibilitassem
à criança avançar na apropriação da notação convencional e operações.
Nas atividades em que deveriam proceder à análise de trabalhos de alunos, os
professores manifestavam dificuldades para analisar as hipóteses de escrita numérica e de
resolução das operações utilizadas pelos educandos, no sentido de compreender quais os
conhecimentos implícitos e a quais dificuldades, acerca das regularidades do SND, tais
hipóteses estavam relacionadas.
As dificuldades de aprendizagem dos números e operações eram atribuídas à falta de
atenção e interesse dos alunos, raramente ao processo de ensino. Carvalho (2010) destaca que
uma das principais justificativas para as não aprendizagens das operações fundamentais está
vinculada à ausência de domínio de conhecimentos precedentes sobre os números e SND.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997) e as Diretrizes
Curriculares da rede municipal de Cuiabá (CUIABÁ, 2000/2010), para a disciplina de
Matemática no Ensino Fundamental, ressaltam a relevância dos conhecimentos matemáticos
para o exercício pleno da cidadania. Preconizam que o trabalho com o sistema de numeração
deve ocorrer ao longo desta etapa de escolarização. Tais premissas reforçam a importância de
um trabalho sistemático com SND nos anos iniciais, como garantia para o avanço conceitual
nos demais anos do Ensino Fundamental.
Diante das indagações suscitadas pelo cenário local e a convicção sobre a importância
do conteúdo do SND para o desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos, despertamos o
olhar para a necessidade de se buscar no cotidiano escolar, uma maior compreensão acerca do
ensino do sistema de numeração. Partindo do interesse de investigar tal assunto, ao
ingressarmos no Mestrado em 2013, realizamos4 um mapeamento (apresentado em outro item
4 Dialogarei a partir desse momento com o leitor, utilizando a primeira pessoa do plural, em razão de ser este
trabalho o resultado de uma construção realizada por muitos outros atores, cujas vozes ressoam junto com a
minha própria: minha orientadora; os pesquisadores estudados e as professoras participantes de minha pesquisa.
17
deste trabalho) das dissertações e teses produzidas no Brasil, referentes ao ensino e
aprendizagem do SND nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A partir da análise das pesquisas foi possível perceber a preocupação dos investigadores
no que se refere aos conhecimentos dos professores quanto à compreensão e ao tratamento
metodológico e curricular do sistema de numeração. As pesquisas ressaltam, também, que o
domínio do SND é essencial para o pensamento aritmético e condição para operar em
diversos conteúdos matemáticos. Por outro lado, assim como Maia (2007, p. 15), percebemos
que “a literatura revisitada evidencia poucas pesquisas dentro da perspectiva de analisar o
trabalho dos professores com o SND”. Essa justificativa tornou pertinente a realização do
presente estudo.
Nesse contexto, foi delineada a questão norteadora da investigação: que conhecimentos
profissionais sobre o Sistema de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º
e 3º anos do Ensino Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este
conteúdo numa escola da rede municipal de Cuiabá? Partindo desse questionamento,
estabelecemos como objetivo geral: investigar os conhecimentos profissionais e as práticas
pedagógicas de professores que atuam no 2º e 3º ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental,
referentes ao Sistema de Numeração Decimal. E, por objetivos específicos:
Caracterizar e analisar as trajetórias formativas das professoras acerca
do conhecimento matemático – Sistema de Numeração Decimal;
Investigar e analisar as interfaces entre a organização do trabalho
pedagógico e da formação continuada na escola e os conhecimentos profissionais e
práticas pedagógicas das professoras participantes da pesquisa, referentes ao
conteúdo de Sistema de Numeração Decimal;
Investigar e analisar os conhecimentos profissionais e as práticas
escolares das professoras participantes da pesquisa, referentes ao Sistema de
Numeração Decimal;
Investigar e analisar como as professoras se articulam pedagogicamente
para desenvolver a proposta de Matemática no 1º ciclo, especificamente o conteúdo
de Sistema de Numeração Decimal.
A pesquisa teve como local de investigação uma Escola Municipal de Educação Básica,
situada na zona urbana, da rede pública de educação do município de Cuiabá, Estado de Mato
Grosso. E nessa, duas turmas (uma de 2º e outra de 3º ano) do 1º ciclo do Ensino
Fundamental.
18
Nossa intenção inicial era investigar o trabalho com o SND nos três anos do 1º ciclo do
Ensino Fundamental. No entanto, como exposto no terceiro capítulo, devido ao cancelamento
da participação da professora do 1º ano na pesquisa, tivemos que reconfigurar a abrangência
da investigação para os dois últimos anos do 1º ciclo.
Em relação ao aspecto metodológico, dentro da abordagem metodológica qualitativa foi
desenvolvida uma pesquisa do tipo estudo de caso. Para a produção de informações
utilizamos o diário de campo contendo os registros das observações do contexto e das aulas de
Matemática das professoras participantes, entrevistas, análise de documentos escolares e
questionários de caracterização.
Para atender a seu propósito, essa pesquisa está organizada em quatro capítulos. O
primeiro capítulo, “O ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental e os
conhecimentos profissionais dos professores”, envolve a discussão de questões teóricas
relacionadas à educação escolar, ao ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e aos conhecimentos profissionais de professores. O primeiro ponto tratado no
capítulo I é a natureza histórico-cultural do desenvolvimento humano, questão fundamental
para compreensão das implicações da perspectiva histórico-cultural na educação escolar.
Posteriormente, abordamos o ensino de Matemática nos anos iniciais.
Destacamos, ainda, que são discutidas as influências do ensino tradicional na prática
docente e as perspectivas de mudanças no ensino e aprendizagem dos conhecimentos
matemáticos, a partir da Educação Matemática. Apresentamos, de forma sucinta, as
orientações curriculares para as práticas pedagógicas em Matemática e a proposta de
organização do Ensino Fundamental (EF) em ciclos, da rede municipal de Cuiabá. Ao final,
abordamos o modelo teórico, proposto por Shulman (1986; 1987) sobre a base de
conhecimento para o ensino.
O segundo capítulo, “O Sistema de Numeração Decimal”, é destinado à discussão
acerca do nosso sistema de numeração, considerando três aspectos: o movimento histórico de
sua construção; as orientações teórico-metodológicas para o seu ensino; e o que dizem as
pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem desse conteúdo nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Já o terceiro capítulo, “Metodologia: os caminhos da pesquisa”, retrata a trajetória
percorrida na realização da investigação, situando a opção metodológica e o tipo de pesquisa,
o contexto da investigação, as professoras participantes da pesquisa, os instrumentos e
procedimentos utilizados na produção das informações, bem como, a organização para a
leitura dos dados da pesquisa.
19
No capítulo quatro, “Conhecimentos profissionais e práticas pedagógicas de professores
ao ensinar o sistema de numeração decimal: alguns indícios,” são apresentadas as descrições e
análises dos dados, ancoradas no referencial teórico discutido nos capítulos anteriores, quando
tratamos sobre os percursos acadêmicos e profissionais das professoras, a organização do
trabalho pedagógico na escola, e a relação destes com os conhecimentos profissionais das
professoras participantes da pesquisa.
Procuramos, ainda, por meio das aulas observadas e dos planos de aula, atividades de
cadernos de alunos, analisar as práticas pedagógicas relativas ao SND nas turmas de 2º e 3º
anos e os conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares referentes a esse conteúdo,
manifestados pelas professoras.
Por último, tecemos algumas considerações nas quais é retomado o processo percorrido
para responder à questão central da nossa pesquisa, apresentando as possíveis conclusões.
20
CAPÍTULO I - O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL E OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DOS PROFESSORES
Neste capítulo, expomos o aporte teórico no qual fundamento as discussões sobre o
processo de ensino e aprendizagem, em particular, dos conhecimentos matemáticos nos anos
iniciais e os conhecimentos profissionais necessários aos professores para o ensino de
Matemática nesta etapa de escolarização.
Segundo Araújo e Moura (2005), assumir um referencial teórico significa que, por
opção política, ideológica e ética, elegemos determinado posicionamento em detrimento de
outros, ou seja, escolhemos o lugar do qual defendemos nossos pensamentos.
Neste trabalho, fizemos opção por abordar nosso objeto de estudo à luz dos referenciais
teóricos da perspectiva histórico-cultural. Tal opção se pauta no entendimento do
conhecimento matemático como humanamente construído, por homens e mulheres de todos
os tempos, produzido para responder às necessidades instrumentais e integrativas do homem
na sua relação com os outros homens e com a natureza. Portanto, a produção de
conhecimentos dar-se-á numa dimensão histórico-cultural (MOURA, 2007).
Diante desse entendimento, antes de discutirmos sobre o ensino e aprendizagem de
Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sobre os conhecimentos profissionais
de professores, fomos impelidos a, primeiramente, tratar, à luz da perspectiva teórica
assumida, sobre a concepção de homem, de educação, de escola, e de como se dá a
apropriação do conhecimento, aos quais está subjacente a compreensão da relação entre
aprendizagem e desenvolvimento.
Com esse propósito, organizamos o presente capítulo em três partes. A primeira parte
envolve as discussões vinculadas à natureza histórico-cultural do desenvolvimento humano,
questão central da perspectiva histórico-cultural e suas implicações na educação escolar. Na
segunda parte, apresentaremos as discussões de alguns autores sobre o ensino de Matemática
nos anos iniciais do EF e as orientações curriculares para as práticas pedagógicas nesta etapa
de escolarização. E, também, o processo de implantação da organização do Ensino
Fundamental em ciclos na rede pública municipal de Cuiabá-MT, na qual a escola, onde
atuam as professoras colaboradoras desta investigação, se insere.
E, por último, abordaremos os conhecimentos profissionais necessários aos professores
nas suas interações com seu objeto de trabalho – o ensino.
21
1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL
Entender o que é o ser humano, se as características humanas estão presentes desde o
nascimento, ou, como ocorre o processo de tornar-se humano, inquietam e inquietaram a
humanidade ao longo de sua existência (RIGON; ASBAHR e MORETTI, 2010).
Decorrente destas indagações, no campo educacional, a relação entre aprendizado e
desenvolvimento humano constitui questão primordial para os estudiosos dessa área. E a
forma de compreensão desta relação, têm influenciado, ao longo dos tempos, os processos
educacionais escolares. Para Vygotsky (1988), na análise psicológica do ensino, nenhum
estudo pode evitar essa questão teórica central,
[...] uma vez que pesquisas concretas sobre o problema dessa relação fundamental
incorporam postulados, premissas e soluções exóticas, teoricamente vagas, não
avaliadas criticamente e, algumas vezes contraditórias: disso resultou, obviamente,
uma série de erros (VYGOTSKY, 1988, p. 89).
Nesse contexto, Vygotsky, a partir de estudos para explicar o que caracteriza o ser
humano, isto é, o processo de humanização do homem, elabora a teoria psicológica histórico-
cultural do psiquismo humano, cuja origem epistemológica, está no materialismo histórico-
dialético, de origem marxista. Marx, segundo Rigon; Asbahr e Moretti (2010),
[...] considera que o humano é o resultado do entrelaçamento do aspecto individual,
no sentido biológico, com o social, no sentido cultural. Ou seja, ao se apropriar da
cultura e de tudo o que espécie humana desenvolveu – e que está fixado nas formas
de expressão cultural da sociedade – o homem se torna humano (RIGON; ASBAHR
e MORETTI, 2010, p. 15).
Corroborando com a afirmação anterior, Leontiev (1972) argumenta ser possível dizer
que cada indivíduo “aprende” a ser um homem. “O que a natureza lhe dá quando nasce não
lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso
do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (LEONTIEV, 1972, p. 267).
Para esse autor, o homem se torna humano ao se apropriar, mediado pela comunicação,
da cultura e de tudo que a espécie humana desenvolveu, manifestos nas formas de expressão
cultural da sociedade. A esse processo de transmissão e aquisição da cultura historicamente
produzida, Leontiev (1972, p. 272), denominou de “educação” – a forma universal do
desenvolvimento humano.
22
Rigon, Asbahr e Moretti (2010, p. 16) destacam que um dos pressupostos fundamentais
da teoria histórico-cultural, oriundo da teoria marxista, “é o papel central do trabalho,
atividade por excelência no desenvolvimento humano”. Nessa perspectiva, o trabalho é
entendido como uma atividade humana que fundamentalmente humaniza, e possibilita o
desenvolvimento da cultura. Na perspectiva marxista, é através do trabalho que o homem, ao
mesmo tempo em que transforma a natureza externa, objetivando satisfazer suas necessidades,
se transforma. E que essas transformações não são apenas de natureza biológicas, mas,
principalmente psicológicas.
No processo de transformação mútua com a natureza “o homem cria novas necessidades
que passam a ser tão fundamentais para ele quanto as chamadas necessidades básicas de
sobrevivência” (ANDERY apud MORETI, 2007, p. 35). O homem, assim como o animal,
possui necessidades que são orgânicas e vitais, como, por exemplo, de alimentação para
garantir sua existência biológica.
Porém, diferente do animal, o homem inventa necessidades, especificamente humanas,
as quais incluem o necessário e o supérfluo (diferente de dispensável), que tem por objetivo
garantir, não apenas sua vida biológica, mas, principalmente, sua existência cultural. O que
leva o homem a satisfazer tais necessidades, dominar e modificar a natureza e, nesse processo,
também se modificar.
Ao criar suas próprias necessidades e buscar satisfazê-las, o homem passa a agir sobre a
natureza de forma planejada e intencional. Esta ação intencional do homem em busca de
satisfazer às suas necessidades, configura-se, de acordo com Rigon, Asbahr e Moretti (2010),
como “atividade humana” que, ao mesmo tempo em que deixa marcas na natureza, passa a
controlar o comportamento do homem, modificando-o.
Segundo Moretti (2007, p. 80), “a atividade humana começa com um projeto ou com o
objeto ideal que se deseja produzir”. Ou seja, antes da ação (materialização), o homem realiza
mentalmente o que vai produzir. A atividade humana tem caráter consciente, atos
determinados pela consciência. Desse modo, então, para que uma atividade se configure como
atividade humana, é essencial que seja movida por uma “intencionalidade, sendo esta, por sua
vez, uma resposta à satisfação das necessidades, impostas ao homem na sua relação com o
meio natural ou cultural, no qual vive” (RIGON; ASBABR e MORETTI, 2010, p. 17).
O conceito de atividade, sistematizado por Aléxis Leontiev ao desenvolver a teoria
geral da atividade, constitui um dos princípios fundamentais da teoria histórico-cultural, na
compreensão da consciência humana em sua relação com as formas sociais de atividade.
Leontiev define por atividade, “os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que
23
o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que
estimula o sujeito a executar essa atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 1988, p.68).
Parafraseando o referido autor, a atividade é o processo psicológico que satisfaz a
necessidade do homem na sua relação com o mundo; origina-se de uma necessidade, que pode
ser de ordem espontânea ou criada, quando, por exemplo, suscitada em uma situação-
problema, comum no ambiente escolar; suscita motivos que o impulsiona às ações que são
direcionadas a objetivos concretizados através de operações, que são modos de realização da
ação dependente das condições concretas existentes.
Assim, motivo, ações, objetivos e operações são elementos que compõem a atividade;
na qual, diante de uma situação-problema, o sujeito atua ativamente a fim de conquistar seus
objetivos. Para Leontiev (1988), a constituição do sujeito, ocorre por meio de atividades
principais: o jogo, o estudo e o trabalho. Em cada momento de sua vida, a relação do
indivíduo com o mundo é marcada por uma destas atividades.
A docência, como trabalho, conforma-se para o professor como a sua atividade
principal, o ensino. O desenvolvimento da atividade do professor - o ensinar, é indissociável
da atividade principal do aluno- o estudo, que subjaz a aprendizagem. Embora indissociáveis,
em cada uma das atividades, há marcas dos atores em seus processos. Na atividade de ensino
é evidenciado o protagonismo do professor na organização do ensino. Na atividade de
aprendizagem, destaca-se a importância do aluno “como sujeito das suas ações no processo de
apropriação dos conhecimentos teóricos- conteúdo da atividade de ensino e de aprendizagem”
(MORAES e MOURA, 2009, p. 102).
Nesse sentido, a docência configura-se como uma profissão em movimento e de
interação. Em movimento, porque aos conhecimentos estabelecidos, de qualquer natureza,
somam-se outros, pela ação humana. Essa mesma ação humana, confere à docência a
dimensão interativa: “professor-aluno, aluno-aluno, professor-professor, professor-
conhecimento-aluno. Na docência, dar-se-á o encontro de gerações, de experiências, de
afetos, de valores, de saberes”. Assim, a docência, como trabalho, “é compreendida como
ação humana de natureza social e política, realizada coletivamente, e como tal, utiliza
instrumentos e signos que modificam não apenas o objeto, mas os seres humanos que o
realizam” (ARAÚJO e MOURA, 2005, p. 4).
Outro conceito fundamental da teoria histórico-cultural, advindo do materialismo
dialético marxista, é a “mediação”. Vygotsky (1988) estendeu o conceito de mediação na
interação homem-ambiente pelo uso de instrumento, ao uso de signos (a linguagem, a escrita,
o sistema de números), no campo do desenvolvimento intelectual. Para esse autor, “[...] o
24
signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um
instrumento para o trabalho”. Ressalta que “a analogia básica entre signo e instrumento
repousa na sua função mediadora que o caracteriza” (VYGOTSKY, 1988, p. 59-61).
Conforme enfatizado por Moretti (2007, p. 15), a mediação é de fundamental
importância “na construção do humano, uma vez que permite a este se apropriar da produção
histórica e social da humanidade ao agir sobre a realidade de forma mediada por instrumentos
e signos produzidos culturalmente”. A mediação “é o processo de intervenção de um
elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser
mediada por esse elemento” (OLIVEIRA, 1995, p. 26, grifo da autora).
No processo ensino e aprendizagem, o professor tem função de mediador entre o aluno
e os conhecimentos historicamente produzidos. Porém, é importante ressaltar que, o
entendimento do papel da mediação do professor, na relação o professo-aluno-aluno-
conhecimento, “é a mediação integral de um sujeito que pensa e que se coloca ativamente
diante da experiência” (GONZÁLES REY, 2005b, p. 190 apud MORETTI, 2007).
A partir destas reflexões e, ainda com base nos estudos de Vygotsky (1988),
compreende-se que, diferentemente do desenvolvimento do psiquismo animal, que é
determinado pelas leis da evolução biológica, o do ser humano está submetido às leis do
desenvolvimento sócio-histórico. As “funções psicológicas superiores”5, diferente dos
processos psicológicos elementares (reflexos de origem biológica, presentes na criança
pequena e nos animais), não estão presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são
adquiridos passivamente, graças à pressão do ambiente externo, como proposto pelas
perspectivas idealistas e racionalistas /inatistas e ambientalistas.
Para esse teórico, ao contrário, as funções psicológicas superiores “são construídas ao
longo da vida do indivíduo através de um processo de interação do homem e seu meio físico e
social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações precedentes” (REGO,
2012, p. 48-49). É na relação com os objetos do mundo, mediada pela relação com outros
seres humanos, que a criança tem a possibilidade de se apropriar das obras humanas e
humanizar-se. Entende-se, que os conhecimentos profissionais do professor são também
construídos na sua interação com os pares, ao desenvolver a sua atividade prático social – o
ensinar.
5 De acordo com Vygotsky (1988), são consideradas funções psicológicas superiores os processos cognitivos de
percepção, memória, pensamento, emoções, imaginação, vontade, linguagem, atenção, entre outros, utilizados de
maneira consciente e são especificamente humanos.
25
Assim, compartilhamos da opinião de Moura (2010), que a escola como espaço social,
constitui-se como lugar privilegiado para a apropriação dos conhecimentos produzidos
historicamente, pois
[...] embora o sujeito possa se apropriar dos mais diferentes elementos da cultura
humana de modo não intencional, não abrangente e não sistemático, de acordo com
suas próprias necessidades e interesses, é no processo de educação escolar que se dá a apropriação de conhecimentos, aliada à questão da intencionalidade social, o que
justifica a organização do ensino (MOURA, 2010, p. 89).
Nessa perspectiva, a educação escolar assume lugar de destaque no processo de
humanização do indivíduo, evidenciando-se, assim, o importante papel da escola e da ação
pedagógica do professor nesse processo. Portanto, a ação do professor deve ser intencional e
planejada, tendo em vista a garantia do direito da criança de apropriar-se dos conhecimentos
historicamente produzidos pela humanidade e a importância das relações sociais. Ao planejar
cada atividade deve ter claros os objetivos, os conteúdos, os conhecimentos que o aluno já
possui e seus interesses, propiciando momentos de interação como o meio e com o outro no
processo de ensino e aprendizagem.
O desenvolvimento do ensino escolar, numa perspectiva de “educação humanizadora”,
pressuposto da teoria histórico-cultural, subjaz a compreensão de que o processo educativo
que gera desenvolvimento psicológico é aquele que coloca o sujeito em atividade, no sentido
proposto por Leontiev (1972). O que envolve a ação do professor de colocar o aluno diante da
necessidade do conceito. Assim, conhecer a atividade principal ou dominante em cada
período contribui para a proposição de tarefas, situações problemas ou desafios, reais ou
inventados, que mobilizem as crianças a buscar soluções, construir hipóteses e sínteses.
A organização do trabalho docente por atividade possibilita colocar o aluno em contato
com o conhecimento, mediante uma postura ativa (não ativista) e prazerosa de
reconstrução/apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente. Desse modo, a partir
de situações problemas em que aluno vivencie, por exemplo, a necessidade de controlar e
registrar quantidades, o significado do SND que é social, o aluno passa a atribuir sentido
pessoal à aquisição dos símbolos e regras do nosso sistema.
Nesse sentido, assumirmos os princípios da perspectiva histórico-cultural do
desenvolvimento humano, como norteadores do processo educativo da escola, significa
admitirmos uma nova possibilidade de organização das práticas didático-pedagógicas dos
professores. Implica romper com as práticas de ensino mecânicas e reprodutivistas
(infelizmente, ainda presente em muitas escolas), advindas das compreensões teóricas nas
26
quais os fatores maturacionais e hereditários são vistos como definidores da constituição do
ser humano e do processo de conhecimento. Disso decorre o entendimento de que a educação
escolar pouco ou em nada pode contribuir com desenvolvimento intelectual dos alunos.
Dentro da perspectiva teórica proposta por Vygotsky, o processo de construção do
conhecimento, é um processo mediado em que o sujeito que aprende tem papel ativo. Numa
relação dialética, sujeito e objeto de conhecimento exercem influências recíprocas e se
constituem no processo histórico-cultural.
O sujeito na condição de produtor de conhecimento “não é um receptáculo que absorve
e contempla o real nem portador de verdades oriundas do plano ideal”. Como sujeito ativo na
sua relação com o mundo e como seu objeto de estudo, reconstrói (no seu pensamento) este
mundo. “O conhecimento envolve sempre um fazer, um atuar do homem” (REGO, 2012, p.
98).
Neste contexto, as interações sociais constituem elemento fundamental no processo de
construção do conhecimento. Vygotsky afirma que “o caminho do objeto até a criança e desta
até o objeto passa através de outra pessoa”. Para esse autor, “essa estrutura humana complexa
é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre
história individual e história social” (VYGOTSKY, 1988, p. 33). Ou seja, o homem não nasce
com capacidades inatas, mas adquire em processo inter e intrapsíquico, como bem explica
Vygotsky:
[...] um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as
funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível
social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e,
depois, no interior da criança (intrapsicológico). Isto se aplica igualmente para a
atenção voluntária, para memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as
funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos
(VIGOTSKY, 1998, p. 57-58, grifos do autor).
Desse modo, podemos entender o processo de apropriação de conceitos, ou seja, o
processo de aprendizagem, como decorrente da relação do sujeito com o meio físico e social,
mediado por instrumentos e signos6 (entre eles a linguagem). Evidenciando que a
aprendizagem não ocorre por meio de um processo de maturação ou exclusivamente por
condições biológicas, nem tampouco de forma espontânea, mas sim pelas interações sociais e
6 Os instrumentos são meios externos utilizados pelos indivíduos para interferir e, necessariamente, provocar
mudanças nos objetos e em si mesmo. Os signos, por outro lado, são mediadores internos (como lembrar,
relatar), não modificam em nada o objeto da operação psicológica, apenas dirigem e controlam as ações do
próprio indivíduo (VYGOTSKY, 1988, p. 62).
27
mediações acerca do acervo cultural constituído pela humanidade. A esse movimento do
social (relações interpsíquicas) ao individual (relações intrapsíquicas), Vygotsky chamou de
processo de internalização – a apropriação de conceitos e significados, a apropriação da
experiência social da humanidade (MOURA, 2010, p. 83). Significa que o aprendizado se
completa quando a criança internaliza o conceito e consegue abstrair o objeto, tornando-o
universal.
Vygotsky (1988, p. 102) compreende a relação entre aprendizagem e desenvolvimento
não como processos idênticos, mas como processos que constituem uma unidade, “pressupõe
que um seja convertido no outro”. Ao tratar sobre essa interação, na dimensão intrapessoal
quando a criança atinge a idade escolar, destaca a potencialidade de o aprendizado escolar
despertar os processos internos de desenvolvimento das funções intelectuais. Mediante
afirmação de que “aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro
dia de vida da criança” (VYGOTSKY, 1988, p. 95), o autor defende que o ensino-
aprendizagem deve incidir na “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP), que é a
[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1988, p.
97).
No contexto da educação escolar, entende-se que o nível de desenvolvimento real
refere-se a conhecimentos que a criança já domina, resultantes de processos já consolidados; e
a criança demonstra que pode cumprir a tarefa de forma independente sem nenhum tipo de
ajuda. O nível de desenvolvimento potencial refere-se, também, àquilo que a ela é capaz de
realizar, porém, somente com o auxílio do professor ou de colegas mais capazes. “Nesse caso,
a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da
imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhes são fornecidas” (REGO, 2012, p.
73).
Vygotsky (1988) ressalta a importância de o trabalho educativo do professor incidir
sobre a zona de desenvolvimento proximal, pois esta define as “funções que ainda não
amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que
estão presentemente em estado embrionário” e que, portanto, se caracterizam no melhor
momento para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1988,
p. 97).
28
O aprendizado cria a ZDP, pois, “desperta vários processos internos de
desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas
em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (VYGOTSKY, 1988, p.
101). Segundo Vygotsky, esses processos se internalizam e passam a fazer parte do
desenvolvimento individual da criança. Em suas palavras: “aquilo que é a zona de
desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo
que uma criança pode fazer com assistência hoje, será capaz de fazer sozinha amanhã”
(VYGOTSKY, 1988, p. 98).
Rigon et al. (2010) citando Duarte (2001), enfatiza a importância da ZDP para processo
educacional no contexto escolar, ao afirmar que:
Cabe ao ensino escolar, portanto, a importante tarefa de transmitir à criança os
conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários, selecionando o que
desses conteúdos se encontra, a cada momento do processo pedagógico, na zona de
desenvolvimento próximo. Se o conteúdo escola estiver além dela, o ensino
fracassará porque a criança é ainda incapaz de apropriar-se daquele conhecimento e
das faculdades cognitivas a ele correspondentes. Se, no outro extremo, o conteúdo
escolar se limitar a requerer da criança aquilo que já se formou em seu
desenvolvimento intelectual, então o ensino torna-se inútil, desnecessário, pois a
criança pode realizar sozinha a apropriação daquele conteúdo e tal apropriação não
produzirá nenhuma nova capacidade intelectual nessa criança, não produzirá nada
qualitativamente novo, mas apenas um aumento quantitativo das informações por ela dominadas (DUARTE, 2001 apud RIGON et al., 2010, p. 51).
Nesse sentido, o conhecimento do professor acerca da “zona de desenvolvimento
proximal”, é de fundamental importância, pois, o auxilia a compreender os processos de
maturação que já estão completos e os que estão em situação de formação nos alunos. E,
desse modo, planejar as melhores estratégias didático-pedagógicas, enfim, definir o melhor
caminho a ser trilhado. Acredita-se que é neste momento que a mediação do professor deve se
efetivar, a partir da proposição de atividades que promovam interações entre alunos, que
possibilitem a utilização dos conhecimentos já consolidados, potencializando sua
aprendizagem e desenvolvimento intelectual. Como sugere Vygotsky (1988, p.101): “o ‘bom
aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
O processo educativo no contexto escolar, na perspectiva da teoria histórico-cultural,
significa considerar o conhecimento em suas múltiplas dimensões, como produto da atividade
humana. No caso do conhecimento matemático, privilegiado neste estudo, envolve a
compreensão de que em cada conceito está gravado o processo sócio-histórico de sua
produção. Assim, o professor, ao organizar o ensino considerando a historicidade dos
conceitos, dá significação à aquilo que ensina, possibilitando ao aluno atribuir sentido pessoal
29
aos conteúdos que lhes dizem ser importante aprender, enfim, atribuir significados na
apropriação dos conhecimentos matemáticos, elaborados historicamente pela humanidade.
No item a seguir, discutiremos o ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
1.2 O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
O ensino da disciplina de Matemática no contexto escolar assume representações
contraditórias. De um lado, o status de ciência milenar, cujas aplicações na vida cotidiana, no
mundo do trabalho e das ciências são reconhecidas por toda comunidade escolar (pais, alunos
e professores). Por outro lado, a imagem da Matemática escolar, revelada nos depoimentos da
maioria das pessoas, parece dissociada da importância que a ela é atribuída. As experiências
ruins e dificuldades superam os relatos de sucesso e prazer. A Matemática escolar é apontada
como disciplina difícil, cuja aprendizagem é para poucos.
No nosso entendimento, isto tem relação direta com a forma como a Matemática é
trabalhada na escola, na qual predomina a prática de resolver exercícios, na maior parte das
vezes, repetindo o modelo e técnicas indicados pelo professor, com pouca ou nenhuma
relação com outros conteúdos aprendidos socialmente.
Esse modelo de aula, baseado no que Alro e Skovsmose (2010) denominaram de “o
paradigma do exercício”, é dividido, geralmente, em duas partes: o professor explica o
conteúdo matemático com alguns exemplos e, na sequência, os alunos resolvem os exercícios
propostos pelos professores, geralmente, reproduzidos de livros didáticos. Na etapa seguinte,
o professor faz as correções, que se limita a verificar respostas certas ou erradas (ALRO e
SKOVSMOSE, 2010, p. 51-52).
Essa maneira de ensinar, de acordo com Nacarato, Mengali e Passos (2011), traz
subjacentes concepções que os professores têm quanto à natureza da Matemática e quanto às
perspectivas do ensino e da aprendizagem, a saber: Matemática como ferramenta (concepção
utilitarista), em que prevalece o modo prescritivo de ensinar, com ênfase em regras e
procedimentos; “Matemática como corpo estático e unificado de conhecimento” (platônica),
decorrendo desta “o ensino com ênfase nos conceitos e na lógica dos procedimentos
matemáticos” (NACARATO; MENGALI e PASSOS, 2011, p. 24-25).
Segundo as mesmas autoras, nos dois modelos o professor desempenha o papel de
instrutor, determina o que fazer e os alunos executam – o processo de ensino está centrado
30
nele como sujeito ativo. O aluno é o sujeito passivo que aprende pela verbalização do
professor, pela mecanização e pela repetição de exercícios e de procedimentos.
Nesta abordagem, denominada de ensino tradicional, o ensino se configura na
transmissão e a aprendizagem do aluno pelo acúmulo de informações. A metodologia se
“baseia mais frequentemente em aula expositiva e nas demonstrações do professor à classe,
tomada quase como auditório” (MIZUKAMI, 1986, p. 15). O livro didático constitui, via de
regra, o único recurso utilizado pelo professor:
Utilizados em todas as fases do processo de ensino dos conteúdos, da introdução dos
conceitos a proposta de exercícios, o livro se tornou a base para o trabalho com a Matemática na sala, e tem determinado vários aspectos do ensino desta ciência,
como: ‘O que ensinar’ (seleção dos conteúdos); ‘Como ensinar” (metodologia de
ensino), e ‘Quando ensinar’ (intervenção no domínio cognitivo) (SOUZA, 2010, p.
9).
Percebemos que as descrições sobre como o ensino de Matemática tem sido realizado
não estão relacionadas a um passado distante, ao contrário, as discussões apresentadas pelos
autores referem-se ao contexto atual. Compartilhamos da opinião de Serrazina (2002, p. 10),
quanto ao entendimento de que para mudar essa realidade não basta mudar os currículos,
publicar materiais de apoio, etc. Quem faz a mediação de tudo isto é professor, “através das
suas concepções e crenças sobre como organizar a sala de aula de modo a promover a
aprendizagem da matemática, sobre a sua própria relação com a matemática ou sua natureza”.
E, ousamos acrescentar que o teor dessa mediação não se apoia apenas em suas concepções,
mas, também, nos seus conhecimentos profissionais.
Assim, além de se sentir à vontade com a Matemática, o professor precisa, também,
entre outros, conhecer e compreender as designações curriculares, dominar os conceitos e,
saber como ensiná-los mediante conhecimentos teórico-epistemológicos sobre os processos
cognitivos das crianças. No bojo dessas discussões, as contribuições de Megid (2009), são
bastante elucidativas. Para essa autora, no contexto do ensino de Matemática nos anos
iniciais, por vezes, o tipo de prática, mencionado anteriormente, se dá em função de que,
[...] os professores dos anos iniciais, até por conta dos fracassos e das falhas que
muitas vezes fizeram parte da sua trajetória de estudante, não se permitem utilizar
caminhos que não sejam os dos algoritmos e das atividades guiadas, que
dificilmente proporcionarão questionamento vindo dos alunos que não possam ser
prontamente solucionados por eles, professores (MEGID, 2009, p. 14, grifos nosso).
31
Desse modo, os reflexos de uma relação, geralmente não muito amistosa com a
Matemática nas suas trajetórias acadêmicas, aliada às tão propagadas fragilidades na
formação inicial e continuada destes professores acabam por interferir na construção de suas
práticas docentes. THOMAZ (2013, p. 26), complementa essa ideia ao afirmar que “o
professor pode sentir-se com poucas condições de utilizar ações diferentes daquelas
vivenciadas, quer por falta de conhecimento, quer por insegurança e falta de respaldo para
utilizar outros recursos”.
A partir dos pressupostos da teoria histórico-cultural, conceber a Matemática como
criação humana, significa compreendê-la como um conhecimento produzido por homens e
mulheres, ao longo do desenvolvimento da humanidade, em busca de responder às suas
necessidades instrumentais e integrativa sendo, assim, parte da cultura de um povo. Nesse
sentido, o conhecimento matemático é visto como condição necessária para que a criança se
aproprie da cultura na qual está inserida, ao apoderar-se da linguagem e signos matemáticos,
para com eles, atuar, criar e intervir em seu contexto social (MOURA, 2007).
A abordagem usual da Matemática, no contexto escolar, apresenta as noções
matemáticas como se estas existissem de forma natural no pensamento do homem,
originando-se não se sabe como. Um conhecimento pronto e acabado a ser transmitido pelo
professor, cujo aprendizado pelas crianças se reduz à assimilação de símbolos e regras
desprovidos de sentido pessoal. “Ensinar matemática sem considerar a sua origem, os
problemas da humanidade que a geram e a finalidade dos seus conceitos é continuar
contribuindo para o insucesso escolar” (MIGUEIS e AZEVEDO, 2007, p. 17).
Desta maneira, compreendemos que os conhecimentos matemáticos estão sempre em
processo de construção e transformação e que todos são capazes de construir conhecimentos
matemáticos. Entendemos que no processo de ensino e aprendizagem, professor e alunos são
ativos e construtores de conhecimento. Nesse processo, tanto o professor quanto o aluno,
constroem sentidos e significados para suas ações.
Deste modo, acreditamos que o ensino de Matemática deva considerar a historicidade
da criação do conceito a partir de situações problemas que possibilitem aos professores e
alunos vivenciá-las como protagonistas e não como meros transmissores e expectadores, mas
que os docentes construam significados para ensiná-la e, consequentemente, os alunos
atribuam sentido em aprendê-la.
O processo de ensino e aprendizagem da linguagem matemática “é mais que aprender
códigos e regras. É aprender um método de conhecer e transmitir o que aprendeu. É também
32
saber aplicar o que conheceu na solução de problemas que lhes são próprios no convívio com
os outros. É fazer-se humano” (MOURA, 2006, p. 496).
Nesse contexto, consideramos que o professor na sua atividade de ensino, tem a função
de motivador e mediador no processo de aprendizagem, uma vez que pode atuar na ZDP,
contribuindo para a apropriação dos conhecimentos matemáticos pelo aluno. Isso nos remete à
reflexão sobre a importância da intervenção e da interação do professor com o aluno, para que
possa atuar como mediador entre o aluno e o saber matemático.
Nesse sentido, não é possível pensar em melhoria na aprendizagem dos conhecimentos
matemáticos pelos alunos dos anos iniciais, dissociada do tipo de ensino desenvolvido pelo
professor. De igual forma, não é possível pensar na melhoria do ensino de Matemática nessa
etapa de escolarização, sem considerar os conhecimentos profissionais dos professores que ali
atuam. Estes, por sua vez, estão diretamente relacionados ao processo de formação inicial e
continuada destes professores.
Compartilhamos da opinião de Nacarato, Mengali e Passos (2011) que, dentre outros
fatores, a melhoria no ensino da Matemática nos exige avanços no atual modelo de formação
de professor:
No que diz respeito à formação inicial, o desafio consiste em criar contextos em que
crenças que essas futuras professoras foram construindo ao longo da escolarização
possam ser problematizadas e colocadas em reflexão, mas, ao mesmo tempo, que
possam tomar contato com os fundamentos da matemática de forma integrada às questões pedagógicas, dentro das atuais tendências em educação matemática. [...] No
que diz respeito à formação continuada, cursos centrados em sugestões de novas
abordagens para a sala nada têm contribuído para a formação profissional docente; é
necessário que as práticas das professoras sejam objeto de discussão. As práticas
pedagógicas que forem questionadas, refletidas e investigadas poderão contribuir
para a mudança de crenças e saberes dessas professoras (NACARATO; MENGALI
e PASSOS, 2011, p. 37-38).
As autoras, embora apontem que a melhoria no ensino da Matemática envolve as
dimensões da formação do professor, inicial e continuada, ressaltam a importância de
investimentos na formação inicial. Acreditam que sem investimento nesta primeira etapa da
formação de professores, “dificilmente conseguiremos mudar a situação da escola básica, em
especial, da forma como a matemática ainda é ensinada” (NACARATO; MENGALI e
PASSOS, 2011. p. 38).
Para Moretti (2014) a partir das contribuições da teoria histórico-cultural, compreender
“a formação docente passa por entendê-la como um processo de aprendizagem docente.
Sendo aprendizagem, também implica apropriação”. Nesse caso, destaca-se, entre outras,
33
“além da necessária aprendizagem do conceito a ser ensinado, a aprendizagem do professor
perpassa necessariamente, também, a organização didática do conteúdo” (MORETTI, 2014,
p.37).
E, nesse sentido, para que o processo formativo se constitua em necessidade
desencadeadora de aprendizagem da docência para o professor, o seu motivo (melhorar a
prática docente em Matemática), deve coincidir com o que é objetivado na formação. Ou seja,
os estudos de conceitos que os professores precisam aprofundar, articulados a “novas
propostas didático-metodológicas amparadas teoricamente e que consideram a realidade de
seus alunos” (MORETTI, 2014, p. 38).
De acordo com Araújo e Moura (2005), a partir dos aportes da teoria histórico-cultural,
[...] podemos compreender a formação do professor como um processo de
desenvolvimento profissional e pessoal, de natureza intencional, política e coletiva,
sustentada pelas interações do professor com seu objeto de trabalho- o ensino- no
qual está subjacente o conhecimento e que o possibilita ao professor lidar analítica e
sinteticamente com seu instrumento de trabalho – a atividade – na qual está
subjacente o ensinar (ARAÚJO e MOURA, 2005, p. 4).
Neste contexto, é ressaltada a relação de interdependência entre os conhecimentos
profissionais do professor e seu processo de formação docente, um processo de aprendizagem
permanente, abrangendo a dimensão individual e coletiva, que se inicia no processo de
escolarização, perpassando pela formação profissional inicial e contínua, durante sua atuação
profissional, quando no exercício de sua atividade de ensinar (ARAUJO e MOURA, 2008).
Antes de revisitarmos as discussões sobre os conhecimentos profissionais necessários
ao professor na sua atividade de ensinar, considerando o nosso problema de investigação,
julgamos importante trazer as indicações das orientações curriculares oficiais para as práticas
pedagógicas no ensino de Matemática nos anos iniciais. E, também, situar a implantação da
organização do Ensino Fundamental em ciclos na rede pública municipal de Cuiabá-MT, na
qual a escola, onde atuam as professoras colaboradoras desta investigação, se insere. É o que
expomos a seguir.
1.3 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM
MATEMÁTICA NO 1º CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Para discutir sobre as orientações curriculares para o ensino de Matemática no 1º ciclo
do Ensino Fundamental (EF), precisamos, mesmo que de forma breve, tratar sobre a
implantação da nova estrutura curricular do Ensino Fundamental obrigatório, ocorrida no
34
Brasil – a ampliação do tempo de duração de oito para nove anos, aliada ao ingresso das
crianças aos seis anos de idade7 – uma vez que as mudanças foram relevantes e com ênfase na
fase inicial desta etapa.
Para além das questões administrativas, a ampliação para nove anos, aliada ao ingresso
das crianças com seis anos de idade no EF, implicou na necessidade de reorganização do
tempo e espaço educativo, do currículo, do planejamento e realização da prática pedagógica,
entre outras questões relacionadas para atender as crianças e assegurar-lhes condições de
aprendizagem nesta nova realidade. Nessa perspectiva, ao implantar o EF de nove anos, as
orientações do MEC para inclusão das crianças de seis anos nesta etapa de escolarização
sinalizavam que os sistemas deveriam “rever currículos, conteúdos, práticas não somente para
o primeiro ano, mas para todo o Ensino Fundamental” (BRASIL, 2006b, p. 8).
Nesse mesmo documento, no que concerne às implicações do EF de nove anos para a
melhoria do ensino, verificamos que: “A aprendizagem não depende apenas do aumento do
tempo de permanência na escola, mas também do emprego mais eficaz desse tempo: a
associação de ambos pode contribuir significativamente para que os estudantes aprendam
mais e de maneira mais prazerosa” (BRASIL, 2006b, p. 7). Também é ressaltada a
necessidade de práticas pedagógicas que visam a respeitar as crianças como protagonistas no
seu processo de aprendizagem.
Em todos os documentos do MEC que discutem a melhoria do ensino, a partir da
implantação do Ensino Fundamental de nove anos, há um direcionamento de atenção especial
no que se refere aos três primeiros anos da escolaridade:
Os três anos iniciais são importantes para a qualidade da Educação Básica: voltados
à alfabetização e ao letramento, é necessário que a ação pedagógica assegure, nesse
período, o desenvolvimento das diversas expressões e o aprendizado das áreas de
conhecimento estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (BRASIL, 2008b, p. 2, grifos no original).
No entanto, apesar de todas as orientações e ações desenvolvidas pelo MEC, após a
implantação do EF de nove anos, os desafios e as dificuldades inerentes ao ensino nesta etapa
ainda estão longe de serem vencidos. Reconhecendo esta realidade, ao editar as “Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica” em 2013, o MEC ressalta que:
Os sistemas de ensino e as escolas não poderão apenas adaptar seu currículo à nova
realidade, pois não se trata de incorporar, no primeiro ano de escolaridade, o
7 De acordo com a Lei nº 11.274/2006, os sistemas de ensino tinham, como data limite para implantação, o ano
de 2010 (BASIL, 2006a).
35
currículo da Pré-Escola, nem de trabalhar com as crianças de 6 (seis) anos os
conteúdos que eram desenvolvidos com as crianças de 7 (sete) anos. Trata-se,
portanto, de criar um novo currículo e de um novo projeto político-pedagógico para o Ensino Fundamental que abranja os 9 anos de escolarização, incluindo as crianças
de 6 anos (BRASIL, 2013, p. 109).
As orientações, embora enfatizassem o atendimento à criança de seis anos,
considerando as características próprias dessa faixa etária, demonstravam a necessidade de
repensar todo o Ensino Fundamental. Portanto, percebe-se a importância de a ação
pedagógica assegurar o aprendizado das áreas de conhecimento nos três primeiros anos e, ao
mesmo tempo, considerar os aspectos pertinentes à infância, o que direciona a um repensar do
trabalho pedagógico desenvolvido nesta etapa.
Nesse contexto, é necessário compreender o significado abrangente do ensino de
Matemática no 1º ciclo do EF, tendo em vista as especificidades que o professor deve
considerar no trabalho pedagógico com as crianças.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental no Brasil,
lançado pelo Ministério da Educação, em 1997, são resultantes das discussões iniciadas a
partir da década 80, no bojo do movimento mundial de reformas educacionais. Já na parte pré-
textual, há indicações do documento enquanto um instrumento de apoio ao trabalho
pedagógico (elaboração de projetos educativos, planejamento das aulas, análise de material
didático etc.) e também para a atualização profissional dos professores, no contexto escolar.
Na organização estrutural do documento, o Ensino Fundamental é divido em quatro
ciclos. Vale ressaltar que por ocasião da publicação dos PCNs, ainda não havia ocorrido a
implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos. Desta forma, o primeiro ciclo (1º e 2º
anos) refere-se ao que hoje identificamos como 2º e 3º anos do 1º ciclo do Ensino
Fundamental. O conteúdo conceitual e procedimental indicado para esse ciclo contempla os
quatro blocos de conteúdos para o Ensino Fundamental: Números e Operações; Espaço e
Forma; Grandezas e Medidas; Tratamento da Informação.
Segundo orientações do documento, a indicação dos blocos de conteúdo deve ser
tomada pelos professores apenas como referência para seu trabalho. É colocado ao professor o
desafio de apresentá-los aos alunos da forma mais integrada possível, estabelecendo a relação
destes com os conhecimentos manifestados pelos alunos.
Outro desafio apresentado pelo próprio documento é o de definir a sequência em que
conteúdos matemáticos serão trabalhados e o nível de aprofundamento que lhes serão dados.
Ou seja, identificar em cada bloco de conteúdo, quais competências são socialmente
36
relevantes e em que medida contribui para o desenvolvimento do aluno. Nesse processo é
importante considerar que:
As crianças que ingressam no primeiro ciclo, tendo passado ou não pela pré-escola,
trazem consigo uma bagagem de noções informais sobre numeração, medida, espaço
e forma, construídas em sua vivência cotidiana. Essas noções Matemáticas
funcionarão como elementos de referência para o professor na organização das
formas de aprendizagem (BRASIL, 1987, p. 45).
Percebe-se a importância de o professor ao planejar a organização do ensino dos
conteúdos matemáticos, tomar como referência os conhecimentos que os alunos já
construíram em vivências sociais extraescolares.
O trabalho com a Matemática no primeiro ciclo tem como característica geral, a
proposição de atividades que “aproximem o aluno das operações, dos números, das medidas,
das formas e espaço e da organização de informações, pelo estabelecimento de vínculos com
os conhecimentos com que ele chega à escola” (BRASIL, 1997, p. 50). É fundamental que no
trabalho com a Matemática, nesta etapa, o professor oportunize ao aluno a exploração de um
bom repertório de problemas que lhe permita avançar no processo de formação de conceitos.
E não menos importante, que sejam criadas condições para que a criança adquira confiança
em sua própria capacidade para aprender Matemática. As orientações do documento,
referentes à abordagem metodológica, partem do princípio de que não existe uma forma única
e melhor para o ensino de qualquer disciplina, em particular, da Matemática. Salienta, porém,
a necessidade de o professor conhecer diferentes possibilidades e nesse sentido, trata como
“caminhos para fazer matemática na sala de aula” (BRASIL, 1997, p.15), indicando como
alternativa de superação das tradicionais práticas pedagógicas reprodutivistas, os recursos à
resolução de problemas, à história da Matemática, às tecnologias da informação e aos jogos.
Numa clara ênfase à abordagem metodológica de resolução de problemas, preconizam
que no processo de ensino e aprendizagem, “conceitos, ideias e métodos matemáticos devem
ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos
precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las”. Invertendo a lógica do
ensino tradicional, é definido que “o ponto de partida da atividade Matemática não é a
definição, mas o problema” (BRASIL, 1997, p. 32). Destaca ainda que o aluno, num contexto
de resolução de problemas, tem papel ativo na construção do conhecimento.
De acordo com as orientações contidas nos PCNs de Matemática, os alunos do primeiro
ciclo necessitam, inicialmente, ao explorar situações-problemas, fazê-lo com apoio de
recursos como materiais de contagem (fichas, palitos, reprodução de cédulas e moedas),
37
instrumentos de medida, calendários, embalagens, figuras tridimensionais e bidimensionais,
etc. Progressivamente, depois de algum tempo e com o incentivo do professor, “vão
realizando ações, mentalmente, e, após algum tempo, essas ações são absorvidas”, não sendo
mais necessário apoiar-se em materiais (Brasil, 1997, p.45). Apesar disso, as orientações são
gerais e pouco aprofundam a discussão.
De acordo com os PCNs, ao redefinir uma nova concepção sobre o papel do aluno
perante o saber – criança como protagonista da construção de sua aprendizagem – é preciso
redimensionar também o papel do professor que ensina Matemática no Ensino Fundamental.
O professor não pode mais ser aquele que fornece explicações e respostas. O papel do
professor ganha novas dimensões no processo de ensino e aprendizagem da Matemática nos
anos iniciais: organizador da aprendizagem; consultor e mediador das interações em sala de
aula.
A efetivação das proposições curriculares requer do professor, segundo Serrazina (2002.
p. 12), o desenvolvimento de competências profissionais: “O professor deve ser um
profissional que, perante uma proposta de currículo oficial, tem a capacidade de o interpretar,
adaptar e planificar para os alunos concretos que tem num determinado contexto e meio
social”.
No entanto, segundo Nacarato, Mengali e Passos (2011), as pesquisas em Educação
Matemática revelam que os princípios inovadores dos documentos curriculares, para o ensino
de Matemática nos anos iniciais, ainda são uma realidade distante na maioria das escolas. As
causas, segundo Curi (2005), para as dificuldades no ensino dos conhecimentos matemáticos
são diversas. Envolvem desde as fragilidades da formação inicial e continuada, até aos
reflexos na prática pedagógica, provenientes, da forma como os professores se relacionam
pessoal e profissionalmente com a Matemática.
Na sequência, apresentamos em linhas gerais, o processo de implantação dos ciclos na
rede municipal de Cuiabá, contexto de nossa pesquisa.
1.3.1 Organização do Ensino Fundamental em ciclos na Rede Pública Municipal de
Cuiabá
A partir da aprovação da LDBEN em 1996, através da Lei nº 9.394/96, a qual admitia,
ainda que não obrigatória, a matrícula no Ensino Fundamental a partir dos seis anos de idade,
sinalizando para o ensino obrigatório e gratuito passar de oito para nove, muitos estados e
38
municípios brasileiros iniciam experiências pioneiras na ampliação do Ensino Fundamental
para nove, entre eles está o município de Cuiabá-MT.
Em 1999, a rede pública de educação do município de Cuiabá efetiva uma nova
organização do Ensino Fundamental com a proposta de ciclos de formação humana,
denominando Projeto Escola Sarã8. Tal iniciativa se pautava, entre outros, no propósito de
desenvolver “uma nova proposta que superasse a fragmentação e rupturas na construção do
conhecimento encontrado na escola seriada” e, ainda, “promover o respeito ao ritmo de
aprendizagem e ao processo de construção de conhecimento da criança” (CUIABÁ, 2000, p.
20 e 65).
Relacionando a organização do tempo escolar aos ciclos da vida, a enturmação no
Ensino Fundamental ficou estruturada em três ciclos que correspondem a infância, pré-
adolescência e adolescência, sendo que cada ciclo é dividido em três etapas de um ano
(CUIABÁ, 2000). Atualmente, nos documentos oficiais da Secretaria Municipal de Educação
(SME), o termo “Etapas”, foi substituído por Ano. Desse modo, o Ensino Fundamental de
nove anos está estruturado conforme quadro abaixo:
Quadro 1: Enturmação nas Escolas da Rede Municipal de Cuiabá/MT.
Ciclos Anos Agrupamentos Fases de
Desenvolvimento
1º Ciclo
1º Ano 6 a 7 anos
Infância 2º Ano 7 a 8 anos
3º Ano 8 a 9 anos
2º Ciclo
4º Ano 9 a 10 anos
Pré-Adolescência 5º Ano 10 a 11 anos
6º Ano 11 a 12 anos
3º Ciclo
7º Ano 12 a 13 anos
Adolescência 8º Ano 13 a 14 anos
9º Ano 14 a 15 anos
Fonte: Dados organizados pelas pesquisadoras
Em relação às bases teóricas que orientam o ensino, ao declarar assumir a concepção de
“Educação Crítica”, sinaliza a “superação constante da racionalidade instrumental e do
paradigma positivista, que não consegue mais dar respostas aos problemas contemporâneos”
(CUIABÁ, 2000 p. 31). Preconiza o “desenvolvimento curricular dialético”, através uma
metodologia globalizada e interdisciplinar, tendo com eixo condutor o Tema Gerador e a
8 Denominação da organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana da Rede Pública
Municipal de Cuiabá (CUIABÁ, 1999, 2000).
39
metodologia de Projetos, entendidos como uma forma de “pensar e fazer currículo de modo
reflexivo, crítico, integrando a teoria e a prática, o fazer e o pensar” (Ibidem, p. 59).
Além dos aspectos pedagógicos e curriculares, nos documentos que tratam da
implantação dos ciclos de formação na rede pública municipal de Cuiabá – projeto “Escola
Sarã” (1999, 2000), são apresentadas, entre outras, as seguintes ações político-administrativas,
visando dar condições objetivas para a organização do ensino em ciclos: a) implementação do
processo de Gestão Democrática no Município, retomado em 1993, a partir da Lei nº 3.201 de
10/11/93, a qual definia a constituição de Conselhos Escolares Comunitários-CECs, eleição
de diretor escolar e transferência de recursos financeiros às unidades escolares; b) criação da
Sala de Apoio à Aprendizagem – compreende o atendimento, no contra turno, aos alunos que
apresentam dificuldades de aprendizagem; c) estabelecimento de 20% da carga horária do
professor, destinada à Hora Atividade9 e d) proposição de um programa de formação
continuada.
Trazendo para o contexto de nossa investigação, outro aspecto dos documentos que
tratam da implantação dos ciclos na rede municipal que julgamos ser interessante destacar, é o
pouco investimento em formação continuada dos professores dos anos iniciais, acerca das
implicações teórico-metodológicas do sistema de ciclos. Tendo por base depoimentos de
alguns professores, entre os quais se incluem as professoras participantes desta investigação,
logo após esse período, em virtude de mudanças no cenário político na prefeitura de Cuiabá,
há uma descontinuidade no processo de formação voltada para a implantação do ensino
organizado em ciclos na rede pública municipal.
Em se tratando de espaços de formação continuada na rede municipal, no momento
atual, a SME de Cuiabá no documento denominado “Plano Educação na Diversidade” propõe
o “Programa Revitalizando a Formação”, no qual explicita o objetivo de “desenvolver a
formação continuada para os profissionais da educação, por meio de processos coletivos de
reflexão [...] que garantam a melhoria da prática pedagógica e do ensino” (CUIABÁ/SME,
2007, p. 55). Entre os projetos de formação continuada que compõem o referido programa,
está o “Projeto Roda de Conversa”. Este projeto tem a escola como lócus da formação, sendo
previsto em calendário escolar os dias dos encontros mensais. De acordo com o documento, o
referido projeto tem, entre outros, os seguintes objetivos específicos:
9 Entende-se por hora-atividade aquela destinada ao planejamento e avaliação do trabalho pedagógico, às
reuniões pedagógicas, aos cursos de aperfeiçoamento profissional, à articulação com a comunidade escolar e à
colaboração com a gestão da escola, de acordo com a proposta da unidade de ensino e as políticas educacionais
da SME (Art. 33, Lei complementar nº 220 de 22/12/10).
40
- Subsidiar o coordenador pedagógico com elementos teórico-práticos para que
possa apoiar os docentes no exercício de suas funções, tendo como referência o PPP
da escola; - Estabelecer uma política de acompanhamento ao professor em seu lócus
de trabalho, por meio de estratégias reflexivas e investigativas, a fim de que o
processo de aprendizagem em sala de aula possa ser efetivamente ressignificado; -
Apoiar a formação de conhecimentos específicos dos diferentes profissionais da educação, de acordo com as necessidades formativas identificadas, articulando teoria
e prática e tendo como eixo a análise crítica do contexto e a reflexão da prática
pedagógica (CUIABÁ/SME, 2007, p. 57).
Outro aspecto do contexto atual da política educacional da rede municipal que merece
destaque, também, diz respeito à proposição de uma matriz curricular de referência para o 1º
ao 9º ano do Ensino Fundamental. Em 2009, a partir de um documento base, formulado pela
equipe da Secretaria Municipal de Educação, é elaborado com a “participação” das unidades
de ensino, o documento “Matriz Curricular de Referência para o 1º ao 9º Ano do Ensino
Fundamental (MCR) da Rede Pública Municipal de Cuiabá”, cuja estrutura se apresenta em
um rol de capacidades a serem desenvolvidas em cada ciclo.
Conforme escritos deste documento, a implantação da MCR a partir de 2010 objetivou
dar maior unicidade às ações educativas desenvolvidas pelas escolas, criando assim,
mecanismos para que os docentes estabeleçam metas efetivas a serem alcançadas em cada ano
do Ensino Fundamental. Constituía-se ainda como uma das ações essenciais na busca por
uma educação de qualidade (CUIABÁ, 2010).
Diante das discussões aqui apresentadas compreendemos que a efetivação da prática
pedagógica em sala de aula, a partir de perspectivas teóricas anunciadas e orientações
curriculares oficiais, depende de uma organização do trabalho pedagógico no âmbito da
escola e da rede como um todo. Além disso, é necessário que o professor tenha
conhecimentos profissionais para o exercício da docência. Trataremos sobre essa questão no
próximo item.
1.4 OS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES: A BASE DE
CONHECIMENTOS PARA ENSINAR
O termo “professor” designa, na sociedade atual, o sujeito que tem como atividade
profissional, a docência, o ensinar, cujo espaço de realização do seu trabalho é a escola.
Assim, de acordo com Moura (2002, p. 144), a partir das contribuições da teoria histórico-
cultural, ser professor significa ter como “prática principal ensinar algo a alguém, isto é, para
ser professor é necessária uma ação que visa transformar-se ao transformar outra pessoa,
41
mudar seu modo de ser e de agir”, a partir de situações intencionalmente planejadas,
implicando no desenvolvimento de atitudes de ensinadores:
As ações dos sujeitos, e em particular as do professor, são o que qualificam estes em
relação às suas atividades profissionais e que se revelam ao realizar o seu trabalho
no qual incluem: conteúdos, modos de ação educativa, uso das ferramentas didáticas
e organização dos espaços de aprendizagens (MOURA, 2004, p. 273).
Segundo Moura (2002), diferindo de outras práticas comuns de ensino, as práticas
inerentes à profissão de professor “acontecem como parte de um projeto coletivo que se
concretiza num determinado tempo e lugar”: a escola. E, acrescenta: “tem um objetivo social
de integração dos sujeitos na comunidade, dotando-os de conhecimentos que lhes permitirão
tomar parte no conjunto de saberes que constituem a cultura do seu povo” (p. 144).
Assim, a atividade docente como uma profissão, cujo principal objeto de trabalho é o
ensino, envolvem a organização de ações, objetivando veicular determinados conhecimentos
historicamente construídos, em resposta às necessidades instrumentais e integrativas do ser
humano. Isto significa que os professores como
[...] sujeitos que lidam com o conceito como ferramenta precisam ter acesso a meios
que os levem ao entendimento de seu objeto de modo muito preciso, pois necessitam
dar significado ao que ensinam para que seus educandos possam ver sentido naquilo
que lhes dizem ser importante de aprenderem (MOURA, 2004, p. 258).
Nesse sentido, é requerido ao professor, no exercício de sua atividade docente, possuir
conhecimentos inerentes à sua atuação profissional, ou seja, conhecimentos profissionais
específicos da docência. Assunto que, trazendo para o contexto de nossa investigação, ganhou
destaque nas pesquisas em educação, de modo geral e, em Educação Matemática (EM), ao
final da década de 1980. Até esse período, segundo Fiorentini e Lorenzato (2012), as
investigações em EM, tinham como foco principal a aprendizagem e a prática docente,
voltadas basicamente para o estudo da validade das técnicas ou materiais de ensino, focando
ainda a relação entre as concepções dos professores e suas práticas pedagógicas.
Em se tratando dos conhecimentos profissionais do professor que ensina Matemática
nos anos iniciais, Curi (2005) ressalta que, constitui tema de grande prioridade na área de
Educação Matemática, a formação específica do professor polivalente para o ensino desta
disciplina, visto que o mesmo é “responsável pela ‘iniciação’ das crianças nessa área de
conhecimento, pela abordagem de conceitos e procedimentos importantes para a construção
do pensamento matemático” (CURI, 2005, p. 21).
42
No bojo das investigações sobre a base de conhecimento profissional para o ensino de
um modo geral, os estudos de Shulman (1986; 1987) e seus colaboradores, ganharam
repercussões internacionais e influenciaram tanto pesquisas, como políticas de formação e
desenvolvimento profissional de professores, em diversos países, inclusive no Brasil
(MIZUKAMI, 2004). São esses estudos que tomaremos como referência em nosso trabalho,
considerando o nosso objeto de investigação.
A partir de um amplo programa de pesquisa acerca das políticas educacionais, no
âmbito das reformas norte-americanas, Shulman (1986, p. 5) identificou a ausência de foco no
conteúdo a ser ensinado, ao qual passou, então, a denominar de o problema do “paradigma
perdido”. O autor constatou que os estudos sobre o conhecimento do professor privilegiavam
a identificação de padrões de comportamento do docente em relação ao desempenho
acadêmico dos educandos (pesquisa processo-produto), e a compreensão da capacidade em
ensinar do professor. Desconsideravam o que o professor sabia sobre o conteúdo específico de
uma dada área de conhecimento e como esse conhecimento era transformado em
conhecimento de ensino (SHULMAN, 1986).
A preocupação com os conteúdos de ensino é uma das distinções dos trabalhos de
Shulman (1986), no entanto, o próprio autor ressalta que apenas o conhecimento do conteúdo
específico
não garante, por si só, um ensino que se traduza em aprendizagem do aluno. Ele
defende que os professores precisam de um conjunto de conhecimentos para o exercício de
sua função. Nesse sentido, propõe um modelo de “base de conhecimento para o ensino”, a
qual se refere a um repertório profissional composto por categorias de conhecimento que
traduzem “o que os professores precisam saber para poder ensinar e para que seu ensino possa
conduzir as aprendizagens dos alunos” (MIZUKAMI, 2004, p. 1).
Segundo Shulman (1987, p.10), esta base de conhecimento inclui inúmeras categorias:
conhecimento do conteúdo específico; conhecimento pedagógico geral; conhecimento
curricular; conhecimento pedagógico do conteúdo; conhecimento sobre os alunos e suas
características e como aprendem; conhecimento dos contextos educacionais; conhecimentos
dos fins, propósitos e valores educacionais e de suas bases filosóficas e históricas. Tais
conhecimentos possuem, no mínimo, quatro fontes básicas para a sua constituição: os
conteúdos das áreas específicas de conhecimento, os materiais didáticos e as estruturas
organizacionais, as pesquisas educacionais, e sabedoria adquirida com a prática.
Todos esses conhecimentos são necessários ao professor para que possa implementar o
processo ensino-aprendizagem, frente à realidade complexa da sala de aula em diferentes
níveis, modalidades e contextos. Dentre as categorias que compõem a base de conhecimento
43
para o ensino, Shulman (1986; 1987), utilizamos, neste trabalho, três categorias de
conhecimento do conteúdo necessárias para o professor ensinar, por julgarmos que estes nos
ajudam a responder o problema de investigação: o “conhecimento do conteúdo da disciplina”,
o “conhecimento pedagógico do conteúdo” e o “conhecimento curricular” (SHULMAN,
1986, p.10).
Para Shulman e seus colaboradores o “conhecimento do conteúdo da disciplina” refere-
se à compreensão do professor dos conteúdos da disciplina que leciona e, envolve, além da
compreensão de fatos e conceitos, o entendimento de suas estruturas substantivas (modo
específico de organização dos conceitos e princípios fundamentais de cada disciplina) e
sintáticas (regra de evidência e prova, adotada em cada disciplina, que orientam as pesquisas
na área, avaliando o novo conhecimento) (WILSON; SHULMAN e RICHERT, 1987).
Segundo estes autores, tal compreensão influencia nas escolhas do professor sobre o que e
como ensinar.
Shulman (1986) ressalta que o professor necessita, além de ter uma compreensão
mínima dos conceitos de um dado conteúdo, também saber justificar por que esse conteúdo é
ensinado e como ocorre o processo de construção dos conceitos que envolvem tal conteúdo. O
autor afirma que:
O professor precisa não só entender que algo funciona assim; o professor deve
entender porque é assim, em quais fundamentos isso é garantido e afirmado, e em
quais circunstâncias nossa crença nessa justificativa pode ser diminuída ou negada.
Além disso, nós esperamos que os professores entendam porque um dado tópico é
particularmente central para uma disciplina, ao mesmo tempo em que um outro pode
ser de alguma forma periférico. Isso será importante nos julgamentos pedagógicos
subsequentes em relação à ênfase curricular relativa (SHULMAN, 1986, p.11, tradução nossa).
Shulman e seus colaboradores (1987) sustentam que o conhecimento do conteúdo
específico é fundamental, mas não garante, por si só, o sucesso do processo de ensino e
aprendizagem. O professor necessita de “conhecimento pedagógico do conteúdo”, o que
envolve maneiras de ensinar, os procedimentos didáticos, explicações e exemplos, de modo a
tornar o conteúdo compreensível ao aluno. Ou seja, a forma de comunicar seus conhecimentos
para os alunos. Abrange o conhecimento do conteúdo específico e a dimensão do ensino
propriamente dita. “É o único conhecimento pelo qual o professor pode estabelecer uma
relação de protagonismo. É de sua autoria. É aprendido no exercício profissional [...]”
(MIZUKAMI, 2004, p. 7).
Shulman (1986) explica que o conhecimento pedagógico do conteúdo, inclui:
44
Para os tópicos mais ensinados em uma área disciplinar, as formas mais úteis de
representação dessas ideias, as analogias mais poderosas, ilustrações, exemplos,
explicações, e demonstrações - enfim: as formas de representar e formular o tópico que o faz mais compreensivo para outros. Pelo fato de não haver eficientes formas
isoladas de representação, o professor deve ter em mãos um verdadeiro arsenal de
formas alternativas de representação, algumas das quais derivam de pesquisas
enquanto outras originam de experiências práticas (SHULMAN, 1986, p.11,
tradução nossa).
Esse conhecimento ainda inclui a percepção e concepções do professor sobre processo
de aprendizagem dos alunos (o que torna fácil ou difícil as aprendizagens dos alunos acerca
de um assunto específico, as concepções dos mesmos a partir dos seus conhecimentos
prévios) e sobre as intervenções didático-pedagógicas necessárias para superar e transformar
as concepções iniciais dos alunos sobre um dado assunto (SHULMAN, 1986).
Já o “conhecimento curricular” compreende, de acordo com Shulman (1986), o
conhecimento dos professores sobre a organização e estruturação dos conhecimentos
escolares via programas de ensino (no nosso caso, Parâmetros Curriculares Nacionais e
diretrizes municipais). E, sobre os materiais instrucionais que contribuem para o ensino de
uma disciplina específica (livros didáticos, materiais para manipulação, jogos pedagógicos
etc.), bem como a capacidade de estabelecer relação entre os conteúdos trabalhados nas
diversas disciplinas (interdisciplinaridade), e também a visão dos conteúdos de uma mesma
disciplina que foram trabalhados nos anos anteriores e os que serão trabalhados nos anos
subsequentes.
É importante ressaltar, com base nos estudos de Shulman, que esses três tipos de
conhecimentos do conteúdo (específico, pedagógico e curricular) são interdependes,
exercendo influência recíproca, portanto, não podem ser analisados separadamente. Todos
esses conhecimentos se entrecruzam na prática do professor.
Após essas reflexões, cabe mencionar que, na primeira parte deste capítulo, procuramos
apresentar os fundamentos que norteiam nossa investigação. Assim sendo, buscamos situar a
nossa opção pela teoria histórico-cultural, bem como alguns pressupostos desta perspectiva e
suas implicações na educação escolar. Discutimos, ainda, a configuração do ensino de
Matemática a partir do modelo de ensino tradicional, e as possibilidades de superação desta
realidade, tendo como base o processo de ensino e aprendizagem pautado nos princípios de
uma abordagem histórico-cultural.
Posteriormente, situamos as orientações curriculares oficiais sobre as práticas
pedagógicas para o ensino de Matemática e a implantação do ensino organizado em ciclos da
rede municipal de Cuiabá. E, por fim, discutimos, a partir das proposições teóricas de
45
Shulman (1986; 1987) de base de conhecimentos para o ensino, sobre os conhecimentos
profissionais necessários aos professores, no exercício de sua atividade de ensinar, com vistas
ao estabelecimento da unidade dialética entre o ensino e aprendizagem dos alunos.
Tais discussões são importantes no sentido de contribuir na compreensão do movimento
do nosso objeto de estudo, os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das
professoras, referentes ao SND, no contexto da escola na qual suas práticas se efetivam.
No próximo capítulo, abordaremos o movimento lógico-histórico de construção do
conceito de SND, os aspectos teórico-metodológicos do seu ensino, bem como, o que já
apontam algumas pesquisas brasileiras acerca do ensino e aprendizagem deste conteúdo, no
contexto escolar.
46
CAPÍTULO II - O SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL
Neste capítulo, discorremos sobre o Sistema de Numeração Decimal, considerando três
aspectos: o movimento histórico de sua construção; as orientações teórico-metodológicas para
o seu ensino; e o que dizem as produções acadêmicas sobre o ensino e aprendizagem deste
conteúdo nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
2.1 SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: PROCESSO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO
A origem do Sistema de Numeração Decimal (SND) na história da humanidade passa
pelas construções do conceito de número e suas representações (a distinção entre um e muitos,
a correspondência um a um, as técnicas corporais do número, as formas primitivas de
contagem e os registros dessas contagens [...], até a conquista do patamar de uma plena
abstração), e os vários sistemas numéricos forjados por distintas civilizações na busca de
registros mais precisos para o controle de quantidades elevadas (DANTZIG, 1970; EVES,
2004; IFRAH, 2005).
Numa perspectiva histórico-cultural, entendemos o SND como um conhecimento
construído historicamente, sendo, portanto, uma produção humana, cujo processo de criação
ocorreu de forma lenta e complexa, ao longo de milhares de anos, e envolveu povos de
diferentes épocas e culturas, até chegar à forma atual. Sem dúvida alguma, a humanidade
percorreu um longo caminho até chegar a esse sistema de numeração que hoje é utilizado em
diversas partes do mundo.
De acordo com os escritos de Ifrah (2005), a utilização, quase universal, do nosso atual
sistema de numeração, não aconteceu de uma só vez,
[...] tem uma origem e uma longa história, destacando-se pouco a pouco, após
vários milênios de uma extraordinária profusão de tentativas e ensaios, de regressões
e de revoluções. Tudo se passou como se, no curso dos tempos e através de
diferentes civilizações, a humanidade tivesse experimentado as diversas soluções
para o problema da representação e da manipulação dos números, antes de se deter
naquela que seria a mais perfeita e a mais eficaz possível [...] (IFRAH, 2005, p.131).
Embora não seja o nosso objetivo aprofundar nas discussões acerca do conceito de
número, do ponto de vista histórico ou filosófico, julgamos necessário apresentar uma breve
47
contextualização da história deste conceito, antes de adentrar na discussão sobre sistemas de
numeração, foco principal deste estudo.
2.1.1 A necessidade humana de contar e o número
O desenvolvimento do processo de contar e do conceito de número antecede os
primeiros registros históricos, há evidências arqueológicas de que o homem já há uns 50.000
anos, era capaz de contar, o que torna a maneira como esse processo ocorreu largamente
conjectural (EVES, 2004).
No entanto, autores como Dantzig (1970), Eves (2004) e Ifrah (2005) acreditam que é
possível afirmar que em períodos anteriores o homem já teria alguma forma de “senso
numérico”, ou seja, a faculdade que lhe permitia reconhecer visualmente que algo muda numa
coleção de até quatro elementos, quando um objeto lhe é retirado ou acrescentado, sem que
tenha presenciado tal alteração. Ifrah (2005) considera essa faculdade, presente também em
algumas espécies animais, um tipo de aptidão natural “que chamamos comumente de
percepção direta dos números ou, mais simplesmente, de sensação numérica” (IFRAH, 2005,
p.16, grifo do autor).
Nesse sentido, o autor advoga que diante de possibilidades numéricas tão limitadas, a
criação numérica deve ter correspondido a preocupações de ordem prática e utilitária. Em
algum momento da civilização humana, o homem se deparou com a necessidade de controlar
as variações quantitativas do transcorrer de dias e noites, da sua produção, dos moradores de
sua tribo, e assim por diante. A capacidade de “percepção direta dos números” já não era
suficiente para responder às necessidades de controle de variações quantitativas nas
sociedades primitivas. O homem precisou buscar alternativas para realizar tal controle, o que
hoje chamamos de contagem.
Para Caraça (1998, p. 3), mesmo se o ser humano vivesse isolado, contar minimamente
lhe seria imperativo, porém, à medida que se intensifica a vida social, “a contagem impõe-se
como uma necessidade cada vez mais importante e urgente”. Nesse sentido o autor afirma
que,
A ideia do número natural não é um produto puro do pensamento, independente da
experiência; os homens não adquiriram primeiro os números naturais para depois
contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se formando lentamente pela a
prática diária de contagens. A imagem do homem, criando duma maneira completa a
ideia do número, para depois a aplicar à prática da contagem, é cômoda mas falsa
(CARAÇA, 1998, p. 4).
48
É provável, segundo Eves (2004, p. 26), que o modo mais antigo de contagem se
“baseasse em algum método de registro simples, empregando o princípio da correspondência
biunívoca”, ou em termo mais específico – “bijeção”. Esse procedimento ainda utilizado nas
culturas contemporâneas, não nos permite responder quantos objetos há numa dada coleção.
Apenas nos garante a comparação entre duas coleções de modo que possamos indicar, com
precisão, se ambas têm o mesmo número de elementos ou, qual das duas tem “mais” ou
“menos” elementos, no caso de conjuntos finitos, prescindindo da contagem abstrata.
Assim, para uma contagem de carneiros, por exemplo, o pastor primitivo podia dobrar
um dedo para cada animal. Podia “contar” também fazendo entalhes num pedaço de pau ou
osso (a prática do entalhe), nós numa corda e, ainda, utilizando outros elementos do seu
entorno como pedra, frutos secos, pérolas [...], ou mesmo uma sequência pré-definida de
partes do corpo humano. Desse modo, a contagem consistia na comparação entre os
elementos de dois conjuntos distintos: o conjunto no qual se desejava controlar a quantidade
(os carneiros) era comparado termo a termo, ou seja, um a um, com o segundo conjunto de
objetos (pedra, frutos secos, pérolas, etc.) usado como controle.
De acordo com Ifrah (2005), mesmo que o recurso de instrumentos materiais tenha sido
eficiente apenas para conjuntos reduzidos, a criação da “correspondência um a um” foi uma
etapa importante para o desenvolvimento da contagem e noção de número. Ao equiparar
termo a termo os elementos entre dois conjuntos, é evidenciado o caráter comum das duas
coleções, totalmente abstrato, que é justamente a quantidade de seus elementos. A natureza
dos elementos do conjunto que conta (pedras, nós em corda, etc.) não coincide,
necessariamente, com a natureza do conjunto contado (animais, pessoas, transcorrer dos dias,
etc.), ou seja, o que permite a comparação não é a natureza dos objetos e sim a sua
quantidade.
Ainda segundo o mesmo autor, embora o homem não tivesse consciência explícita
acerca da extensão dessa noção abstrata, em um primeiro momento, isto lhe possibilitou, com
o passar dos tempos, a criação de “conjuntos padrão”, aos quais pudesse sempre se referir
independente da natureza dos seus integrantes. Desse modo, com o tempo, o homem
conseguiu abstrair o caráter comum, por exemplo, de conjuntos como o dia e a noite, um casal
de animal, os braços, os seios ou as pernas de um ser humano, que é justamente o de ser
“dois”.
Pela facilidade e disponibilidade, o corpo humano se constituiu fonte ideal de conjuntos
padrão, como os dedos das mãos, ou mesmo uma sequência pré-definida de seus membros,
denominadas “técnicas corporais do número”. Conforme Dias e Moretti (2011, p. 18), “a
49
tomada de partes do corpo como referência para a contagem foi uma prática recorrente em
diferentes civilizações. Em muitos casos, evidencia-se que o princípio da contagem deu-se
com o auxílio das mãos”. Indícios dessa origem da contagem são verificados em diferentes
línguas, nas quais o número “cinco” é representado pela palavra mão, o número “dez” por
duas mãos ou por homem. Do mesmo modo, indícios dessa contagem manual são observados,
também, em algumas línguas que utilizam as mesmas palavras indicativas dos quatro
primeiros dedos das mãos para os quatro primeiros números (DANTZIG, 1970).
As técnicas corporais abriram caminho para a generalização da noção de sucessão e
ordem, aspectos que, junto com a equiparação, possibilitaram a contagem abstrata e noção de
número. Isto porque, ao se considerar certo número de partes do corpo numa ordem
previamente estabelecida e invariável, “sua sucessão, pela força da memória e do hábito,
acaba mais cedo ou mais tarde por tornar-se numérica e abstrata” (IFRAH, 2005, p. 43).
Nessa transição da contagem concreta para a contagem abstrata, o desenvolvimento da
linguagem foi fundamental, pois, de acordo com Dias e Moretti (2011),
[...] o homem passou a dar nomes a diferentes partes do corpo utilizando-os na
enumeração. Gradualmente, num processo de abstração, não houve mais a
necessidade de toque a cada parte do corpo citada. Apenas e expressão oral das
palavras correspondentes a essas partes era suficiente para indicar o ponto de parada
(p. 18).
Ainda de acordo com a mesma autora, nesse processo de desvinculação com contagem
concreta, os nomes indicados nas sequências “constituem-se, na denominação dada por
diferentes historiadores, como palavra-número ou palavra numérica", e que nessa transição
elas passam a indicar “o aspecto cardinal do conjunto observado”, sendo que diferentes
agrupamentos humanos escolhiam, para tal representação, palavras “relacionadas com a
experiência cotidiana dos povos” (DIAS e MORETTI 2011, p. 19, grifos da autora).
Ifrah (2005) ilustra a ocorrência da contagem abstrata e da noção de número com a
história de certo pastor mulçumano que por temor místico dos números, enumerou as ovelhas
a seu encargo recitando “o conjunto dos sete versos da fatiha (‘a abertura’), que abrem o
Corão e que todo mulçumano tem que saber de cor e recitar rigorosamente na ordem de sua
sucessão” (IFRAH, 2005, p. 42). Ao pronunciar as palavras do recitativo numa ordem de
sucessão previamente estabelecida e invariável, esta se constituiu numa ordem numérica. O
homem acabava de aprender a contar de maneira totalmente abstrata, pois de acordo com o
autor,
50
“Contar” os objetos de uma coleção é designar a cada um deles um símbolo (uma
palavra, um gesto, um sinal gráfico, por exemplo) correspondente a um número
tirado da “sequência natural de números inteiros”, começando pela a unidade e procedendo pela ordem até encerrar os elementos. Nesta coleção assim transformada
em sequência, cada um dos símbolos será, consequentemente, o número de ordem
do elemento ao qual foi atribuído. E “o número de integrantes deste conjunto” será o
número de ordem do último de seus elementos (IFRAH, 2005, p. 44. grifos do
autor).
Para que o homem desenvolvesse a capacidade de contar os objetos de uma dada
coleção e conceber os números, no sentido que hoje os entendemos, foram necessárias três
condições psicológicas, a saber: “ser capaz de atribuir um lugar” (um número de ordem: uma
palavra, um gesto, um sinal gráfico) a cada elemento da coleção; “ser capaz de intervir para
introduzir na unidade que passa a lembrança de todas as que a precederam” (acréscimo de
uma unidade ao número que o precede na sucessão natural dos números inteiros); e “saber
conceber esta sucessão simultaneamente” (o número de ordem do último objeto corresponde
ao número de elementos da coleção) (IFRAH, 2005, p. 45. grifos do autor). Independente da
ordem de enumeração dos elementos de uma dada coleção: mesmo que a enumeração se
inicie por um ou outro elemento, o resultado será sempre o mesmo.
Nesta atividade mental são manifestos os dois aspectos complementares e simultâneos
que constituem o número inteiro: “o chamado cardinal, baseado unicamente no princípio de
equiparação”, indica o total de elementos de um dado conjunto, “e o chamado ordinal, que
exige ao mesmo tempo o processo de agrupamento e o da sucessão”, especifica o lugar de
cada elemento em um dado conjunto (IFRAH, 2005, p. 49. grifos do autor).
Isto posto, tanto o aspecto ordinal, quanto o aspecto cardinal são fundamentais na
composição do conceito de número, apesar de que, na nossa experiência cotidiana com os
números, o aspecto cardinal seja mais evidente. Como declara Dantzig (1970),
Aprendemos a passar com tanta facilidade dos números cardinais para os ordinais
que os dois aspectos do número nos parecem apenas um. Para determinar a
pluralidade de uma coleção, isto é, seu número cardinal, não nos preocupamos mais
em encontrar uma coleção modelo com a qual possamos ‘compará-la’: nós a
contamos. E nosso progresso na Matemática deve-se ao fato de termos aprendido a identificar os dois aspectos do número. Pois, apesar de estarmos realmente
interessados no número cardinal, este último é incapaz de criar uma aritmética
(DANTZIG, 1970, p. 21).
Nesse sentido, podemos concluir que esses dois aspectos do número, cardinal e ordinal,
revestidos tanto da noção da correspondência, quanto da noção de ordenação, constituem a
essência do “conceito de número natural” e, assim sendo, permitiram a esse conceito
51
responder à necessidade humana de controlar quantidades, bem como, mais tarde, o
desenvolvimento da aritmética.
2.1.2 A criação dos sistemas de numeração
Ao ter acesso à abstração dos números, o homem pôde, desde então, aprender a
conceber conjuntos cada vez mais extensos e, conforme afirma Eves (2004), o processo de
contar precisou ser sistematizado. Assim, no decorrer da história da humanidade diferentes
estratégias para o registro e a representação da variação de quantidades foram desenvolvidas.
Há indícios de que algumas dessas representações são, provavelmente, anteriores ao
desenvolvimento da linguagem (BOYER, 1974).
Quando o homem fez uso dos aspectos cardinal e ordinal para a representação dos
números, passando a conceber quantidades, cada vez maiores, o desafio passou a ser a criação
de maneiras mais precisas de representações: “como designar (concretamente, oralmente ou,
mais tarde, por escrito) números elevados com o mínimo de símbolos possível?” (IFRAH,
2005, p. 52 e 53. grifos do autor).
Para representar números cada vez maiores, não podia multiplicar infinitamente
pedrinhas, entalhes, nós em corda; nem o número dos dedos das mãos nem o das partes do
corpo era extensível de acordo com sua conveniência. Do mesmo modo, ao utilizar símbolos
abstratos, não podia repetir um mesmo símbolo ou criar novos (palavra ou sinal gráfico) de
forma ilimitada.
Novamente, a necessidade humana de contagens mais extensivas levou o homem a
buscar alternativas, desta vez, para resolver o problema da representação de números
elevados. A solução encontrada foi privilegiar um agrupamento particular, ou seja, “escolher
um certo número b como base” (EVES, 2004, p. 27). A sequência regular dos números foi
então organizada segundo uma distribuição hierarquizada, fundada nessa “base”.
Dito de outro modo, segundo Ifrah (1997) “convencionou-se uma “escala” a partir da
qual é possível repartir os números e seus diversos símbolos, segundo estágios sucessivos aos
quais se pode dar os respectivos nomes: “unidade de primeira ordem, unidade de segunda
ordem [...]” e assim sucessivamente. Essa simbolização estruturada dos números evita os
esforços de memória ou de inúmeras representações. “É o que se chama o princípio da base”.
Tal descoberta balizou “o nascimento dos sistemas de numeração- sistemas cuja “base” nada
mais é do que o número de unidades que é necessário agrupar no interior de uma ordem dada
para formar uma unidade de ordem imediatamente superior” (IFRAH, 1997, p. 48, grifos do
52
autor). De acordo com Dias e Morreti (2011, p. 23), “o número de signos independentes
utilizados para a representação das quantidades define a base do sistema de numeração”.
Nesse contexto, cabe questionar: como se deu, então, a escolha da “base”, dos diversos
sistemas numéricos, criados por distintas civilizações? Lévy Bruhl citado por Ifrah (1997, p.
88) esclarece: “cada base adotada tem, na verdade, sua razão de ser nas representações do
grupo social em que a constatamos”.
Boyer (1974, p. 3) relaciona a incidência de sistemas quinário, decimal e quinário-
decimal, dentre os diversos sistemas propostos por diferentes culturas, à origem do processo
de aprendizado da contagem pela humanidade, utilizando os dedos das mãos. Segundo esse
autor, embora achados arqueológicos apontem o uso da base cinco, como uma das mais
antigas, “quando a linguagem se tornou formalizada, o dez já predominava”. Corroborando,
Ifrah (2005) afirma que a “base dez foi e permanece sendo, sem dúvida, a mais comum no
curso da história”. Assim, a mão do homem, considerada a máquina de contar mais simples e
natural que existe, exerceu papel considerável na gênese do nosso sistema de numeração
decimal.
Conforme afirma Dias e Moretti (2011, p.11), “o estudo da história da Matemática tem
nos mostrado soluções distintas para problemas comuns, teorias que não resistiram ao tempo e
testes sucessivos, obstáculos superados [...]”. Com o sistema de numeração decimal não foi
diferente. De forma análoga ao desenvolvimento da Matemática em geral, o nosso atual
sistema numérico resulta das distintas soluções propostas por diferentes civilizações a um
problema comum: a necessidade de registros mais precisos, para o controle de variações de
quantidades de um conjunto de objetos. Desse modo, entendemos que a construção do SND
não ocorreu de forma cumulativa e linear, ao contrário, foi um processo complexo, cheio de
impasses, superações e contou com contribuições de diferentes povos, em diferentes épocas.
Assim, quando pensamos no processo ensino aprendizagem do SND no âmbito da
escola, compartilhamos da opinião de Dias e Moretti (2011) ao afirmar que é importante,
Reconhecer esse movimento lógico-histórico de construção não linear do
conhecimento matemático, que se contrapõe ao que por vezes é apresentado no
ensino, e concebê-lo como parte de seu trabalho na organização do ensino,
entendemos ser o desafio do professor que ensina Matemática (DIAS e MORETTI,
2011, p. 11).
Partilhando da mesma opinião, Moura (1992, p.31) ressalta que “a história do conceito
matemático mostra o movimento deste, rumo à sua sistematização e abstração, o que pode
53
tanto ilustrar um possível caminho a ser adotado pedagogicamente, quanto revelar o grau de
complexidade do conceito”.
2.1.3 Sistema de Numeração Hindu: o ancestral do nosso atual Sistema de Numeração
Decimal
Baseados numa vasta documentação, vários setores e especialidades, desde o início do
século XX, têm apresentado provas de que o nosso sistema de numeração atual é de origem
indiana. Rodrigues (2001, p. 27), salienta que “não foi feita, entretanto, demonstração de
síntese que levasse em conta tais provas em seu conjunto, segundo um raciocínio rigoroso e
uma metodologia satisfatória”. Talvez por isso, apesar dos fortes indícios, não é consenso
entre os estudiosos do assunto, de que o povo indiano criou e aperfeiçoou, sem qualquer
influência estrangeira, todas as características e propriedades do sistema numérico que hoje
utilizamos.
Um dos estudiosos que se empenhou em comprovar que a civilização indiana constitui o
berço da nossa atual numeração foi George Ifrah. Com esse objetivo, conforme analisa
Rodrigues (2001), George Ifrah subdividiu a questão em vários problemas subjacentes e,
apoiado em toda uma documentação válida que se impõe, procedeu em seu livro A História
Universal dos Algarismos, da seguinte maneira:
Demonstrou que a grafia dos algarismos hindus, desde alta época, prefigura todas
as variedades atualmente em uso na Índia, Ásia Central e Sudeste Asiático, e também
as formas dos algarismos dos árabes orientais e ocidentais, bem como a grafia dos
nossos algarismos atuais;
Situou que os indianos alcançaram algarismos de base, independentes de qualquer
intuição visual direta;
Demonstrou que os hindus descobriram verdadeiramente o princípio de posição,
aplicando-o de modo consciente, nas diversas potências de dez;
Provou que eles inventaram o conceito de zero, ao qual souberam atribuir não
somente o sentido de “lugar vazio”, mas também de “quantidade nula” ou “número
zero”;
Demonstrou que os sábios da civilização indiana estabeleceram os métodos de
cálculo que deram origem aos métodos utilizados atualmente;
Demonstrou, enfim, que todas essas descobertas foram realizadas pelos indianos e
somente pelos indianos, independente, portanto, de qualquer influência estrangeira.
54
Desse modo, encontramos em Ifrah (1997, 2005) a confirmação da atribuição ao povo
indiano da invenção das bases de cálculo escrito e, consequentemente, do sistema numérico
que hoje utilizamos. Apesar de ter sido concebido e aperfeiçoado pelos hindus, a sua
propagação se deve ao povo árabe, por essa razão ficou conhecido como Sistema de
Numeração Indo-arábico.
Como toda produção humana, o sistema de numeração criado pelos hindus, não foi
inspiração individual de um inventor, mas de várias gerações de cientistas indianos, dedicados
à “reflexão contínua e aos estudos sobre os domínios mais diversos, em que o primordial era
as considerações místicas, simbólicas, metafísicas e religiosas”, conforme o contexto histórico
e cultural indiano (ROGRIGUES, 2001, p. 29).
O movimento histórico de criação do sistema de numeração hindu
Segundo Ifrah (2005), as primeiras inscrições comprobatórias da escrita numérica
hindu, remontam ao século III a.C. Tratava-se de uma numeração rudimentar que ainda não
continha o zero nem o princípio de posição, porém, já comportava uma das características do
nosso atual sistema de numeração; possuía “signos independentes de qualquer intuição visual”
para os nove primeiros algarismos representando as unidades simples, ou seja, já incluía a
ideia abstrata de número na sua representação sem evocar visualmente a quantidade
correspondente. Além do mais, seus grafismos, conforme Figura 1, já “constituíam a
prefiguração dos nove algarismos significativos atuais” (IFRAH, 2005, p. 265):
Figura 1 - Algarismos da antiga numeração hindu para representar as unidades simples
Fonte: Ifrah, 2005, p. 265.
Análoga a determinados sistemas da antiguidade, a numeração hindu, a princípio, não
era posicional. Tratava-se de uma numeração de base decimal, com princípio aditivo e
atribuía algarismos particulares não apenas paras as unidades simples, mas também, para cada
dezena, cada centena, cada milhar e cada dezena de milhar. Além das dificuldades de
representação dos números, cujo valor mais elevado correspondia 99.999, sendo preciso
55
justapor os algarismos, ainda não possuía características operacionais como os nossos
algarismos.
Com o passar dos tempos, ainda de acordo com Ifrah (2005), para contornar o problema
da representação dos números grandes, os sábios hindus passaram a comunicar oralmente os
números, atribuindo um nome particular em “sânscrito” (língua culta hindu) a cada um dos
nove primeiros números inteiros e às diferentes potências de dez, conforme Figuras 2 e 3,
abaixo:
Figura 2 – Representação oral em sânscrito dos nove primeiros números inteiros do antigo sistema hindu.
Fonte: Ifrah, 2005, p. 267.
Figura 3 – Representação oral em sânscrito às diferentes potências de dez do antigo sistema hindu.
Fonte: Ifrah, 2005, p. 268.
Assim, para exprimir um determinado número, indicavam à frente de cada potência de
dez a quantidade de vezes que ela deveria ser considerada. Mas, contrário a nossa numeração,
os hindus se acostumaram, a partir do século IV antes da nossa era, aproximadamente, a
comunicar “os números na ordem das potências ascendentes de sua base, começando pelas
unidades simples correspondentes”. Assim, por exemplo, onde diríamos “três mil setecentos e
nove”, os hindus exprimindo-se em sânscrito, enunciavam: “nava sapta sata ca trisahasra”.
Literalmente, nove, sete centenas e três milhares (IFRAH, 2005, p. 267).
Segundo Boyer (1974), a primeira referência específica aos numerais hindus ocorreu em
662 nos escritos de Severus Sebokt, um bispo círio, o qual mencionava a existência de um
objeto indiano do ano 595, em que a data 346 está escrita em notação decimal posicional.
56
Boyer ressalta que estes escritos faziam referência à apenas nove símbolos, ou seja, significa
que os hindus ainda não tinham um símbolo zero, como hoje o entendemos. Nesse contexto, o
autor pondera que:
A história da matemática contém muitas anomalias, e a não menor dessas é que “a
mais antiga ocorrência indubitável de um zero na Índia se acha numa inscrição de
876” isto é, mais de dois séculos depois da primeira referência aos nove outros numerais. Não se sabe sequer se o número zero (diferente do símbolo para posição
vazia) surgiu em conjunção com os outros nove numerais hindus (BOYER, 1974, p.
155).
A partir destes argumentos, diferentemente da opinião de Ifrah (1997; 2005) que atribui
a criação do conceito zero ao povo indiano, conforme detalharmos na sequência deste texto,
Boyer conjectura que “é bem possível que o zero seja originário do mundo grego, talvez da
Alexandria, e que tivesse sido transmitido à Índia depois que o sistema decimal posicional já
estava estabelecido lá” (BOYER, 1974, p. 155).
Em contraposição à opinião de Boyer, Ifrah (1997; 2005), em defesa da autoria do
nosso sistema de numeração pelo povo indiano, busca evidenciar em seus estudos o
movimento lógico-histórico realizado por esta civilização, na criação dos conceitos
constituintes do atual sistema de numeração, inclusive do zero. Neste momento, nos
referendamos em Ifrah para tratarmos sobre essa questão.
Esse autor nos relata que no século V de nossa era, os hindus dariam o grande passo
para se tornarem os primeiros povos a elaborar uma verdadeira numeração oral de posição,
com princípio multiplicativo no interior de cada ordem e na descoberta do zero, tal como o
hoje o concebemos:
Considerando as potências de 10 segundo esta nomenclatura regular e esta ordem de
sucessão invariável pela força do hábito, o processo acabou trazendo uma mutação
no século V de nossa era. Com a finalidade de abreviar, os matemáticos e
astrônomos hindus desta época venceram uma etapa importante: suprimiram, no
corpo dos números expressos deste modo, qualquer menção aos nomes indicadores da base e de suas diversas potências [...] E, do enunciado de um número, retiveram
apenas a sucessão dos nomes das unidades correspondentes, respeitando
evidentemente a ordem de sua sequência regular e se conformando no sentido da
leitura de acordo com as potências crescentes de 10 (IFRAH, 2005, p. 269).
Assim, ao operar tal simplificação, os valores dos nomes em sânscrito das nove
unidades simples passaram a variar, de acordo com a sua posição, na enunciação do número.
Um número como 7.629, por exemplo, passou a ser enunciado como:
57
“NOVE. DOIS. SEIS. SETE”.
(= 9 + 2 x 10 + 6 x 100 + 7 x 1000)
Ao aplicar rigorosamente o princípio de posição aos nomes das unidades simples, houve
necessidade de um vocábulo que indicasse a ausência de unidades de uma determinada
ordem. Para resolver o problema, os hindus recorreram à palavra em sânscrito sunya, que
significa o “vazio”. “Depois dos babilônicos e certamente ao mesmo tempo que os maias, os
hindus acabavam também de inventar o zero” (IFRAH, 2005, p. 270).
Ifrah (2005) nos diz que com o passar dos tempos, para não repetir uma mesma palavra
num enunciado, os sábios hindus, que também eram poetas, recorreram a diversos sinônimos
de nomes dos números em sânscrito, escolhidos em função do efeito poético desejado. O
autor ainda nos relembra que a poesia desempenhou um papel importante em toda cultura
hindu. As tábuas numéricas e os tratados matemáticos ou astronômicos, bem como as obras
literárias legadas por esse povo, foram quase sempre redigidas em versos.
Embora essa numeração permitisse enunciar e ajudasse a conservar na memória
números, de qualquer magnitude, era totalmente inoperante no campo das operações
aritméticas. A necessidade de realizar cálculos complexos levou os matemáticos e sábios
hindus, num primeiro momento, a recorrer a instrumentos aritméticos como o ábaco ou a
tábua de contar. Utilizavam, segundo Ifrah (2005), uma espécie de ábaco de colunas, traçando
sobre areia fina, sendo a primeira coluna da direita associada às unidades simples, a seguinte
às dezenas, a terceira às centenas, e assim por diante.
Contrariando os colegas ocidentais, ao invés de operar com pedrinhas ou fichas, os
hindus utilizaram os nove primeiros algarismos de sua remota notação numérica, deixando
uma coluna vazia para o sunya (vazio). Os algarismos eram traçados sobre a areia fina, nas
colunas, e apagados de acordo com a necessidade do cálculo. Por ser um método longo, era
realizado apenas por especialistas, pois, exigia dos operadores muita atenção e treinamento
assíduo.
Essas dificuldades operatórias motivaram, possivelmente, a grande transformação que
ocorreria no início do século VI de nossa era: os sábios hindus excluíram as colunas do ábaco,
passaram, também, a representar os resultados dos cálculos (notação numérica), “por meio de
algarismos escritos no ábaco, aplicando-lhes esta regra de posição e juntando-lhes uma
notação gráfica particular que representasse o sunya ou zero”. O símbolo empregado para
representar o zero foi um ponto “(bindu, “o ponto”, era uma das palavras-símbolos sinônimo
58
de vazio) ou também, por razões desconhecidas, por um pequeno círculo. Acabava de nascer
o zero dos tempos modernos” (IFRAH, 2005, p. 284, grifos do autor).
Tal criação resultou da percepção de que o vazio podia, e devia ser representado por um
símbolo tendo, precisamente, por significado “o vazio”, e posteriormente, pela força da
necessidade e da abstração, que vazio e nada (quantidade nula ou número zero), “concebidos
inicialmente como noções distintas, na realidade, eram duas expressões do mesmo conceito”
(RODRIGUES, 2001, p. 30).
Aliado ao princípio de posição, a concepção do conceito usual de zero, representava a
última abstração, para que o sistema de numeração hindu ganhasse os contornos de um
sistema de notação numérica e de cálculos, “muito simples”, superior aos demais sistemas
existentes, devido às suas limitações estruturais, conforme já relatadas, anteriormente. Todas
essas mudanças foram impondo modificações às técnicas operatórias, chegando alguns
séculos mais tarde, às próprias bases de nosso cálculo escrito atual.
Mesmo diante da praticidade de calcular e da notação numérica, o sistema de
numeração criado pelos hindus, levou mais um milênio para ser adotado pelo mundo
ocidental. Carvalho (2010) explica que, naquela época, o clero romano era o guardião de todo
conhecimento produzido pelas civilizações e, não lhes interessava que o sistema de
numeração romano fosse suplantado. “O sistema hindu foi considerado bruxaria e quem o
utilizasse para calcular corria o risco de morrer na fogueira” (CARVALHO, 2010, p. 18).
Como já mencionado anteriormente, a propagação do sistema de numeração hindu se
deve ao povo árabe. Em especial a um matemático árabe que viveu entre os anos 780 e 850 de
nossa era, chamado Mohammed Ibn Musa al-Khowarizmi, bibliotecário da corte do califa Al-
Mamun. Este “sábio é celebre por duas obras, que contribuíram para vulgarizar os métodos de
cálculo e os procedimentos algébricos de procedência hindu primeiro no mundo árabe e
depois no ocidente cristão” (IFRAH, 2005, p. 298). Inclusive as palavras algoritmos (técnica
operatória), algarismos e álgebra, são em homenagem a esse matemático.
A notação numérica hindu, ao ser reproduzida pelos escribas e copistas arábicos- persas,
foi, pouco a pouco, sofrendo modificações gráficas ao incorporar o estilo próprio de escrita
dos países árabes do oriente. Somente com o surgimento da impressa de Gutemberg, no
século XIV, a aparência que hoje conhecemos dos algarismos indo-arábicos, ganhou
estabilidade.
59
2.2 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL INDO-ARÁBICO
O atual SND possui, de acordo com Ifrah (2005) e Centurión (1994), as seguintes
características: utiliza apenas dez diferentes símbolos denominados algarismos indo-arábicos:
0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e com eles é possível escrever número de qualquer magnitude. Tem
base dez, ou seja, os agrupamentos no interior de uma dada ordem para formar uma unidade
de ordem imediatamente superior são feitos de dez em dez. Sendo assim, qualquer número
pode ser escrito em termos de potência de 10: 10¹, 10², 10³, etc.
Além de decimal, o nosso sistema numérico é posicional. Isto significa que a posição
ocupada por cada algarismo em um número altera seu valor em uma potência de 10 (base 10)
a cada ordem. Por exemplo, no SND (base 10), no número 425, o algarismo 4 representa
quatro centenas (ou 4 x 10²), o 2 representa duas dezenas (ou 2 x 10¹) e o 5 representa cinco
unidades (ou 5 x 10º).
É multiplicativo porque um algarismo escrito à esquerda de outro vale dez vezes o valor
posicional que teria se estivesse ocupando a posição do outro. É aditivo, o valor do número é
alcançado pela adição dos valores posicionais que os símbolos adquirem nos respectivos
lugares que ocupam. Por exemplo: 333 = 3 x 100 + 3 x 10 + 3.
Outra característica de destaque é o duplo papel do zero: marcar ordem vazia e operador
multiplicativo, ou seja, representa ao mesmo tempo a ausência de elementos que
correspondam a uma dada potência da base e a presença de uma posição: colocado ao lado de
um algarismo, multiplica por 10 o valor do algarismo (ZUNINO, 1995).
Para Ifrah (2005, p. 235), a superioridade do Sistema de Numeração Indo-arábico, em
relação aos sistemas precedentes, “provém na realidade da reunião do princípio de posição e
do conceito denominado zero”, princípios que distinguem o atual sistema numérico. Ainda
segundo esse autor, o surgimento do SND possibilitou o encontro das histórias paralelas da
notação numérica e do cálculo, abrindo caminho para o desenvolvimento da Matemática, das
ciências e das técnicas atuais.
Nesta perspectiva, Barreto (2011, p. 01) afirma que o sistema de numeração decimal “é
um componente do currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental considerado de suma
importância. Em nossa cultura os números, as medidas e as operações fundamentais têm-no
como base”. Assim, podemos inferir que a compreensão do SND, é de fundamental
importância para que o aluno possa avançar na construção de outros conhecimentos
matemáticos.
60
No entanto, entre os temas que tem sido discutido em Educação Matemática,
considerados problemáticos, está o SND. Como discutido por alguns pesquisadores
(BRANDT, CAMARGO e ROSSO, 2004; LERNER e SADOVSKY, 1996; NUNES, 2009;
ZUNINO, 1995; dentre outros), grande parte das dificuldades de aprendizagem do SND pelos
alunos, se deve, entre outros fatores, à maneira como esse conteúdo tem sido trabalhado no
contexto escolar. Discutiremos essa questão, a seguir.
2.3 O ENSINO DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
As discussões deste item foram subdivididas em quatro seções: na primeira,
apresentaremos as indicações curriculares oficiais para o ensino do SND nos anos iniciais. Na
segunda, discutiremos a abordagem usualmente utilizada pela escola no ensino deste
conteúdo. Na terceira e quarta seções, enfocaremos algumas perspectivas teórico-
metodológicas para o ensino escolar do SND, apresentadas por estudiosos da temática.
As proposições curriculares oficiais para o ensino do SND
Os PCN’s de Matemática (BRASIL, 1997), ao estabelecer os objetivos do ensino de
Matemática para o primeiro ciclo (o que corresponde às turmas de 2º e 3º anos) do Ensino
Fundamental de nove anos, propõem, em relação ao trabalho com números e SND (Conteúdos
Conceituais e Procedimentais) que se devam, entre outros, oportunizar ao aluno:
Utilização de diferentes estratégias para quantificar elementos de uma coleção:
contagem, pareamento, estimativa e correspondência de agrupamentos; Contagem
em escalas ascendentes e descendentes de um em um, de dois em dois, de cinco em
cinco, de dez em dez, etc., a partir de qualquer número dado; Formulação de hipóteses sobre a grandeza numérica, pela identificação da quantidade de algarismos
e da posição ocupada por eles na escrita numérica; Leitura, escrita, comparação e
ordenação de notações numéricas pela compreensão das características do sistema
de numeração decimal (base, valor posicional) (BRASIL, 1997, p. 50).
As orientações didáticas, relativas ao ensino de Números Naturais e SND, ao contrário
da prática, comumente utilizada pela escola, de explicitar, logo de início, as ordens que
compõem uma escrita numérica; unidade, dezena, etc., o documento ressalta que as atividades
de leitura, escrita, comparação e ordenação de notações numéricas devem tomar, como ponto
de partida, os números que a criança conhece. Assim,
61
As escritas numéricas podem ser apresentadas, num primeiro momento, sem que
seja necessário compreendê-las e analisá-las pela explicitação de sua decomposição
em ordens e classes (unidades, dezenas e centenas). Ou seja, as características do sistema de numeração são observadas, principalmente por meio da análise das
representações numéricas e dos procedimentos de cálculo, em situações-problema
(BRASIL, 1997, p. 48).
No entender de Pires (2012, p. 38), “o documento destaca que é importante que o
professor dê a seus alunos a oportunidade de expor suas hipóteses sobre os números e escritas
numéricas, pois essas hipóteses constituem subsídios para a organização de atividades”. Outro
aspecto importante, tratado pelos PCNs, favorecido por esse tipo de trabalho, é a confiança do
aluno em sua própria capacidade para aprender Matemática. Fator este que, aliado à
oportunidade de exploração de um bom repertório de problemas, permite que o aluno avance
no processo de formação de conceitos.
Em se tratando, especificamente, dos conhecimentos matemáticos referentes ao bloco
Números Naturais, a ser desenvolvido no 1º ciclo (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental, o
documento MCR – “Matriz Curricular de Referência para o 1º ao 9º Ano do Ensino
Fundamental da Rede Pública Municipal de Cuiabá” (CUIABÁ/SME/MCR, 2010) prevê as
seguintes capacidades:
Para o 1º Ano: a) Interpretar e produzir escritas numéricas, de acordo com as
regras e símbolos do Sistema de Numeração Decimal; b) Comparar quantidades por
processos numéricos e/ou geométricos, bem como por meio de seus registros no
Sistema de Numeração decimal.
Para o 2º Ano: a) Interpretar e produzir escritas numéricas, de acordo com as
regras e símbolos do Sistema de Numeração Decimal; b) Desenvolver procedimentos
de cálculo, utilizando a composição, a decomposição de números e as propriedades
das operações.
Para o 3º Ano: a) Interpretar e produzir escritas numéricas, de acordo com as
regras e símbolos do Sistema de Numeração Decimal; b) Resolver situações-
problema que envolva as quatro operações com números naturais.
Ao analisar o documento MCR, observa-se que nas discussões da área de Matemática,
assim como nas demais áreas, não são apresentadas orientações quanto às possíveis
abordagens didático-metodológicas para o desenvolvimento das capacidades previstas em
62
cada ciclo do Ensino Fundamental. Somente no item que trata da contextualização do ensino
de Matemática é anunciada, de forma implícita, a perspectiva de “resolução de problema”.
Sobre as “capacidades” que deverão ser atingidas ao longo de todo o Ensino
Fundamental, nas áreas do conhecimento, o documento recomenda, apenas, que estas devam
ser “organizadas de acordo com a opção metodológica da unidade escolar, explicitada nos
Projetos Políticos Pedagógicos, a saber, Tema Gerador ou Projetos Educativos, etc.”
(CUIABÁ/SME/MCR, 2010, p. 10).
O ensino do SND no contexto escolar
Podemos considerar o SND como um conteúdo de uso cotidiano e dominado
implicitamente pela população. Também podemos afirmar, a partir de conhecimentos
empíricos e da literatura disponível, que muitos dos problemas relacionados à compreensão
dos conteúdos matemáticos estão imbricados com a compreensão e o uso do SND.
Apesar de ser um conteúdo de uso cotidiano, o trabalho escolar com o SND, não é fácil.
Tal dificuldade origina-se na própria gênese de sua criação, processo que a humanidade levou
milhares de anos. “Produto cultural, objeto de uso social cotidiano, o sistema de numeração se
oferece à indagação infantil desde as primeiras páginas dos livros, a listagem de preços, os
calendários [...]” (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 80). No entanto, esse aspecto do SND,
como prática sociocultural, é deixado de lado ou até esquecido, “com a consolidação da
representação sintática formalizadora do aprendizado da numeração, molde privilegiado
quando o sistema de numeração passa a ser explorado pela educação escolar” (GUIMARÃES,
2005, p. 53).
As investigações de Lerner e Sadovsky (1996), sobre o enfoque usualmente adotado
pela escola para ensinar o SND, apontam que, em geral, o ensino deste conteúdo assume as
seguintes características:
Estabelecem metas definidas por série: na primeira trabalha-se números menores
que cem, na segunda com números menores que 1000 e assim sucessivamente [...];
Uma vez ensinados os dígitos, se introduz a noção de dezena como conjunto
resultante do agrupamento de dez unidades, e só depois apresenta-se [...] a escrita do
número dez, que deve ser interpretada como a representação do agrupamento (uma
dezena, zero unidades). Utiliza-se o mesmo procedimento cada vez que se apresenta
uma nova ordem; A explicação do valor posicional de cada algarismo em termos de “unidades”, “dezenas”, etc., para os números de determinado intervalo da série
considera-se requisito prévio para a resolução de operações nesse intervalo; Tenta-se
“concretizar” a numeração escrita materializando o agrupamento em dezenas e
centenas (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 118).
63
Para Lerner e Sadovsky (1996, p. 118), essa abordagem do SND em quotas anuais, “se
obstaculiza a comparação entre diferentes intervalos da sequência e dificulta-se a descoberta
das regularidades”, imprescindíveis para compreensão da organização do SND. Do mesmo
modo, argumentam que a interpretação dos algarismos em termos de “unidades” e “dezenas”,
só é necessária no momento de resolver operações, quando pensamos nos algoritmos
convencionais como único procedimento possível; deixa de sê-lo quando se considera os
procedimentos alternativos que as crianças elaboram.
Uma desvantagem evidente dos algarismos convencionais é que - por exigirem que
se some ou subtraia “em colunas”, isolando cada vez os algarismos que
correspondem a um mesmo valor posicional - pode-se perder de vista quais são os
números com os quais se está operando. Algo muito diferente acontece com as
propostas das crianças, já que [...] as formas de decomposição que elas colocam em
prática permitem conservar o valor dos termos na operação (LERNER e
SADOVSKY, 1996, p. 120).
Em suas investigações, as autoras observaram, também, que na resolução das operações
aritméticas, as crianças utilizam os famosos “vai um” e “peço emprestado”, sem nenhum
vínculo com as “unidades, dezenas e centenas”, anteriormente estudadas. Salientam que as
crianças investigadas, tanto as que cometiam erros ao resolverem as operações, como aquelas
que chegavam ao resultado correto, apresentavam esta ruptura. Ambas “pareciam não
entender que os algarismos convencionais estão baseados na organização de nosso sistema de
numeração” (LERNER, 1992 apud LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 80).
Sobre o mesmo assunto, os estudos de Curi (2011) indicam que a ênfase na “separação
dos números em casinhas” (reforço na identificação das classes das unidades), para efetuar as
operações, não garante aos alunos a capacidade de generalizar e ler números de qualquer
ordem e grandeza. Se o aluno não compreender as regularidades do sistema, não fazem
generalizações, apenas, utilizam “o vai um” e “empresto um” mecanicamente. Para a autora, o
fato de os alunos decorarem as ordens não resulta na compreensão do princípio de
posicionalidade do SND, ou seja, a compreensão de que o valor de cada algarismo num
número é obtido, multiplicando esse algarismo por uma determinada potência de base 10.
Nesse contexto, ancorado numa perspectiva linear dos conhecimentos matemáticos, sob
a égide empirista, o ensino do sistema de numeração é realizado de forma mecânica, baseado
na transmissão de regras desprovidas da compreensão dos conceitos envolvidos, ou seja, o
tratamento dado ao ensino e aprendizagem, mostra-se reducionista (BECKER, 1993). Tais
práticas se apoiam no pressuposto do SND, como um conhecimento que está posto,
necessário à vida escolar e em sociedade, isto é, um objeto a ser ensinado e aprendido,
64
desconsiderando que a criança tem contato com os códigos numéricos, desde que começa a
querer saber o que se passa a sua volta.
Ampliando as discussões sobre o ensino do SND no contexto escolar, Curi e
Nascimento (2012) apresentam os resultados do estudo das práticas docentes referentes ao
SND, realizado pelo Grupo de Pesquisa Conhecimentos, Crenças e Práticas de Professores
que ensinam Matemática (CCPPM). Segundo as autoras, o grupo realizou, com base em
Sacristán (2000), a análise dos currículos “prescritos” (nos referenciais curriculares oficiais –
PCNs e documento curricular da Prefeitura de São Paulo); “apresentados” (no livro didático –
utilizado nas escolas dos participantes); “moldados” (nos planos de ensino- planejado pelos
professores); “praticados e avaliados10
” (as ações praticadas no ensino – pelos integrantes do
Grupo) relativos ao SND (SACRISTÁN, 2000 apud CURI e NASCIMENTO, 2012).
Os resultados das análises apontam a coerência dos “currículos prescritos”, no que
refere às indicações de conteúdos referentes ao Sistema de Numeração Decimal, porém, os
documentos não exploram quais são as características do SND, seja nas prescrições de
conteúdos, ou nas orientações didáticas. Em relação aos currículos “apresentados” e
“moldados”, os resultados mostram que o livro didático do 5º ano, utilizado nas escolas
participantes, além de propor poucas atividades com o uso do SND, estas são com foco de
revisão, com números da ordem dos milhões, mas sem a preocupação de apresentar as
características do SND, nem de sistematizar as regras desse sistema. Os planos de ensino
eram semelhantes ao currículo prescrito, porém, não eram semelhantes às indicações dos
livros didáticos utilizados, apesar de que, este era mais utilizado que o primeiro.
Quanto às ações de ensino do SND, os resultados das análises dos depoimentos das
professoras participantes apresentam indícios de que, estas, “não se apoiavam nos currículos
prescritos por órgãos normativos, nem nos planejamentos realizados, ou no livro didático
adotado pela escola”. Suas práticas “manifestaram a influência do que estudaram no ensino
básico” (CURI e NASCIMENTO, 2012, p. 22).
Na busca pela superação do ensino e aprendizagem do SND, de forma mecanizada e
desprovida de significado para professores e alunos, estudiosos desta temática têm
apresentado diferentes alternativas teórico-metodológicas para o ensino e a aprendizagem
deste conceito fundamental, para o desenvolvimento dos conhecimentos matemáticos.
10 Denominação atribuída pelas autoras, ao que Sacristán (2000) chama de “currículo em ação”.
65
Algumas possibilidades teórico-metodológicas para ensino do SND
Nesse contexto, apesar de fazermos a opção pelo desenvolvimento desta pesquisa numa
perspectiva histórico-cultural, julgamos importante apresentar as discussões realizadas por
alguns estudiosos da temática em outras perspectivas teóricas.
Nunes et. al.(2009), no contexto dos debates educacionais acerca da relação entre
Educação Matemática e o desenvolvimento da inteligência, defende com base em teóricos da
Psicologia do Desenvolvimento como Vygotsky e Luria, que
[...] as capacidades humanas não são limitadas por sua formação biológica. Ao longo
da história, a humanidade desenvolveu inúmeros instrumentos que ampliam nossa
capacidade de perceber, de agir, e resolver problemas [...] Nem todos os
instrumentos amplificadores de nossas capacidades são objetos concretos. Muitos
são objetos simbólicos, isto é, são sistemas de sinais com significados culturalmente determinados, como a linguagem e os sistemas de numeração. Os sistemas de
numeração amplificam nossa capacidade de registrar, lembrar, e manipular
quantidades (NUNES et al., 2009, p. 18-19).
Nesse sentido, de acordo com essa autora, ao entendermos que é através da educação
que aprendemos a utilizar os instrumentos culturalmente desenvolvidos que ampliam as
nossas capacidades, fica evidenciado o papel fundamental que a educação escolar
desempenha, ou deveria desempenhar, no desenvolvimento da inteligência. É evidenciada,
também, a importância do ensino do SND, enquanto um instrumento simbólico amplificador
de nossa capacidade de “raciocinar sobre quantidades”. Um sistema de numeração de base
dez, como o nosso, facilita sobremaneira a tarefa de contar, principalmente, quantidades
elevadas. Seria impossível, por exemplo, para contarmos uma coleção com 1000 elementos,
memorizarmos mil palavras numéricas numa ordem fixa.
Ao ensinar Matemática nos primeiros anos do Ensino Fundamental, a escola enfatiza o
“contar” acreditando que nesse tipo de atividade está desenvolvendo o raciocínio e dando
início ao trabalho com SND. Porém, de acordo com Nunes e Bryant (1997), a simples
contagem termo a termo, embora seja importante, não é suficiente para a compreensão das
ideias matemáticas subjacentes ao nosso sistema, ou seja, da compreensão dos invariantes do
sistema: o valor relativo das unidades e a composição aditiva.
De acordo com Nunes (2009), quando a criança começa aprender a contar, ela não
percebe de imediato a organização do sistema em unidades de diferentes valores. Somente a
partir do vinte, esta se torna mais clara, pois começa aparecer um padrão que se repete a cada
dezena: vinte e um, vinte e dois, vinte e três... trinta e um, trina e dois, trinta e três... e, assim
66
sucessivamente. Porém, a percepção deste padrão e, consequentemente, a capacidade de
contar, não significa que a criança compreenda as ideias matemáticas implícitas na
organização do sistema:
[...] na sequência de números, cada número é igual ao anterior mais 1; 2 = 1 + 1; 4 =
3+ 1 etc. Além disso, qualquer número pode ser decomposto através da soma de dois
números que o precedem: 7 = 6 +1 ou 5 + 2 ou 4 + 3. Portanto, a sequência não é uma simples lista. A sequência numérica supõe uma organização, que chamamos
composição aditiva (NUNES et al., 2009, p. 21, grifos das autoras).
Além da composição aditiva, segundo a mesma autora, num sistema numérico de base
dez, como o nosso, por exemplo, existe também uma organização de natureza multiplicativa:
20 indica duas dezenas ou 2 x 10; 30= 3 x 10 etc. O SND usa os mesmos símbolos (0, 1, 2, 3)
porém com valores diferentes, pois depende de sua posição em relação aos outros símbolos na
representação do número, ou seja, as unidades possuem valores diferentes: unidades simples,
dezenas, centenas, unidades de milhar etc.
A autora destaca a composição aditiva do número como sendo uma propriedade
essencial do SND. E, que a não compreensão da ideia de composição aditiva por parte da
criança, representa um obstáculo para a sua compreensão de um sistema de numeração com
base, como é caso do sistema que utilizamos. Ela julga que a criança compreende o SND,
“quando compreende a ideia de que existem unidades de valores diferentes no sistema e que
as diferentes unidades podem ser somadas, formando uma quantia única” (NUNES et. al,
2009, p.20).
Diante destas considerações, Nunes (2009) e colaboradores, sugerem que nos primeiros
anos de escolarização, os professores promovam testes para avaliar a compreensão da criança
quanto à composição aditiva de números, a fim de planejar atividades que possibilitem o seu
desenvolvimento. Na opinião da autora, as atividades que envolvem contar unidades
diferentes utilizando, por exemplo, moedas, notas (dinheiro) ou fichas de diferentes valores,
blocos soltos e acoplados em pares, trabalhando sempre com totais numéricos, incluídos nos
conhecimentos de contagem que a criança já domina, e situações problemas que envolvam
parcelas “escondidas”, constituem importante estratégia didática.
Para a autora, esse tipo de atividade possibilita, além de o professor avaliar a
compreensão da criança acerca da composição aditiva do SND, que a mesma desenvolva esse
conceito. Entretanto, a mesma autora ressalta que as compreensões desses conceitos básicos
não constituem um pré-requisito para aprendizagem, esta ocorre quando a criança pensa e
resolve problemas.
67
Agranionih (2008) argumenta que, na verdade, o SND por ser um sistema posicional,
oculta algumas relações que as crianças não descobrem fácil e espontaneamente, a partir,
apenas, da interação criança- escritas numéricas. É preciso que o processo da interação seja
acompanhado de um processo reflexivo sobre as regularidades envolvidas na estrutura do
SND. Em outras palavras, não é o tipo de conhecimento que pode ser transmitido por simples
informação de outro.
Na opinião de Carvalho (2010, p. 24), para a criança perceber as regularidades do SND,
precisa ser exposta à “situação de contagem, para que façam as trocas e compreendam as
ordens numéricas”. Maranhão apud Carvalho (2010) ratifica a afirmação, acrescentado que as
propostas de atividades de controle de quantidades, contagem, partam de situações que façam
sentido para as crianças. Sugere, ainda, associar a contagem ao trato oral e o registro escrito
dos signos numéricos.
Brandt, Camargo e Rosso (2004, p. 94), referendados na perspectiva teórica de Piaget,
consideram que a criança opera com SND quando compreende, por exemplo, que “o 2 do
número 23 tem valor de 2 dezenas e o 3, de 3 unidades somente; porém, com a inversão dos
dígitos, será 32: o 3 já não expressa 3 unidades, mas 3 dezenas, e o 2 passa a ser duas
unidades, deixando de ser dezena”. O conceito de unidade e dezena permanece inalterado, e é
generalizável para qualquer dígito que ocupá-lo. O que exige manter e conservar o valor
variável dos algarismos, a depender da posição ocupada pelo numeral.
Na mesma perspectiva teórica, Kamii (2001, p.102) defende que “para que a criança
seja capaz de pensar no número 32 como compreendendo 3 dezenas e 2 unidades, entretanto,
ela precisa construir um sistema – o de dezena – sobre o sistema de unidade”. Na verdade,
para esses autores, é impossível construir o nível das dezenas, quando o nível das unidades
ainda não está bem apreendido.
Lerner e Sadovsky (1996), ao realizarem uma análise crítica das propostas de ensino
vigentes, ressaltam que as rupturas entre a resolução das operações aritméticas e as “unidades,
dezenas e centenas”, anteriormente estudadas, apresentadas pelas crianças que elas
investigaram não se constituem em um caso isolado. Estas foram detectadas e analisadas no
âmbito de estudos realizados em diversos países, dando origem a diferentes alternativas
didáticas.
Para exemplificar, Lerner e Sadovsky (1996) citam as proposições didáticas de Kamii
(1980; 1988) e Bernarz e Javier (1982). Comentam que, a primeira, “sugere deixar para
depois o ensino das regras de sistema de numeração”, por sua vez, o segundo, defende o
aperfeiçoamento do “trabalho sobre agrupamentos a partir de situações nas quais agrupar seja
68
significativo, lançando mão de distintas materializações”. No entanto, as autoras analisam que
as duas propostas, ignoram o fato de que as crianças têm oportunidade de elaborar
conhecimento acerca deste sistema de representação antes de iniciar a vida escolar (LERNER
e SADOVSKY, 1996, p. 80).
Com base nos resultados de investigações realizadas com crianças de 5 a 8 anos, Lerner
e Sadovsky (1996) afirmam que mesmo sem conhecer as regras do SND, as crianças elaboram
hipóteses sobre o princípio de posição e base dez, e aplicam na comparação entre números, e
que seus processos de construção da notação convencional não seguem a ordem da sequência
numérica. Para estas autoras,
[...] o conhecimento que as crianças têm a respeito da variação do valor dos
algarismos em função do lugar que ocupam não se faz acompanhar – e muito menos
preceder – pelo conhecimento das razões que originam esta variação. Estas crianças
não suspeitam ainda que “o primeiro é quem manda” porque representa
agrupamentos de 10, se o número tem dois algarismos, de 100, se tem três...
enquanto que as seguintes representam potências menores da base 10. Ainda não
descobriram as regras do sistema (usando o recurso da base 10), porém isto lhes
impede, em absoluto, de elaborar hipóteses referentes às consequências dessa regra – a vinculação entre quantidades de algarismos ou sua posição e o valor do número – e
utilizá-las como critérios válidos de comparação de números (LERNER e
SADOVSKY, 1996, p. 90).
As autoras acreditam que, embora tais critérios, a princípio não se generalizam de
maneira imediata a todas as situações, e enfrente conflitos, evidencia-se que já descobriram
que a posição dos algarismos cumpre uma função relevante em nosso sistema de numeração.
Assim, contrariando a lógica linear do ensino do SND em quotas anuais e em termos de
“unidades” e “dezenas”, as autoras propõem um trabalho didático que considere tanto a
natureza do SND como o processo de construção do conhecimento. O que envolve lidar com
a “complexidade e provisoriedade”, ou seja, significa, “optar pela reorganização progressiva
do conhecimento” (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 124). Nesse sentido, no trabalho
didático com o SND, as autoras defendem:
Trabalhar com a numeração escrita e só com ela; abordá-la em toda sua
complexidade; assumir que o sistema de numeração – enquanto objeto de ensino –
passará por sucessivas definições e redefinições antes de chegar a sua última versão
[...] Do uso à reflexão e da reflexão à busca de regularidades, esse é o percurso que
propomos reiteradamente. Usar a numeração escrita é produzir e interpretar escritas
numéricas, é estabelecer comparações entre tais escritas, é apoiar-se nelas para
resolver ou representar operações (LERNER e SADOVSKY, 1996, p. 122).
69
Para Lerner e Sadvsky (1996), ao pensar o trabalho didático com a numeração escrita, é
preciso considerar que “trata-se de ensinar – e de aprender – um sistema de representação”,
portanto, as situações de ensino devem permitir mostrar, não só “a própria organização do
sistema”, como descobrir “as propriedades da estrutura numérica que ele representa”:
“significados numéricos – os números, a relação de ordem e as operações aritméticas
envolvidas em sua organização” (LERNER e SADVSKY, 1996 p. 124). Nesse sentido,
propõem situações didáticas que envolvam quatro atividades básicas: operar, ordenar,
produzir e interpretar escritas numéricas.
Consideramos as proposições didático-pedagógicas, anteriormente apresentadas,
importantes para a apropriação dos aspectos lógicos formal do SND. Porém, entendemos que
a organização do ensino em que se privilegie o movimento lógico-histórico do conceito, como
norteador do trabalho docente, amplia a possibilidade de oportunizar ao aluno apropriação do
SND. Para essa discussão, a seguir, referendamo-nos em Kopnin (1978) e seus interpretes
Lanner de Moura (2007), Moura (2010; 1996), Moretti (2014) e Migueis e Azevedo (2007).
O movimento lógico-histórico do conceito SND como norteador do trabalho docente
Com base nos pressupostos da teoria histórico-cultural, entendemos que a criança
constrói o conhecimento a partir de interações com as outras pessoas e com o meio em que
vive. Nesta perspectiva, a escola se constitui como local social privilegiado para a apropriação
dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, condição para a
humanização do indivíduo. Esse entendimento significa, segundo Moura (2010, p. 89), que as
ações do professor devem ser organizadas de forma intencional para atingir essa finalidade.
Trazendo para o contexto de nossa investigação, numa perspectiva histórico-cultural o
SND é visto como um conhecimento construído historicamente por vários povos de diferentes
culturas, sendo aperfeiçoado ao longo de milênios até chegar à forma atual. Nesse sentido,
Migueis e Azevedo (2007) defendem que a abordagem metodológica no ensino desse
conteúdo deve considerar que,
Do mesmo que o homem, ao longo da história partiu do sentido do número para a construção abstracta deste, a criança também precisa de o fazer, sendo este um
processo de construção onde o factor tempo, no seu sentido evolutivo e histórico,
ocupa lugar relevante (MIGUEIS e AZEVEDO, 2007, p. 19)11.
11 Esta obra é uma publicação portuguesa e o idioma utilizado é o português de Portugal.
70
Esta abordagem implica a compreensão do conceito de SND como produção viva em
relação direta com as necessidades dos sujeitos e tempos históricos que os produziram. Sendo
assim, a apropriação deste conceito como produção histórica e cultural, “implica apropria-se –
além de sua estrutura lógica formal – também dos mecanismos de sua produção histórica e,
portanto, da essência das necessidades que moveram a humanidade na construção social e
histórica dos conceitos” (MORETTI, 2014, p. 34-35).
Segundo Kopnin (1978, p. 86) a unidade entre o lógico e o histórico do conceito se faz
necessária, considerando que o “lógico reflete não só a história do próprio objeto como
também a história do seu conhecimento”, como esse conhecimento foi sendo apropriado pelo
ser humano. Sendo assim, compreender o processo de produção dos conceitos que constituem
SND é parte do movimento de apropriação dos próprios conceitos. Assim, segundo Moretti
(2014, p. 35). “O conhecimento do objeto, desta forma, apenas faz-se possível na unidade
dialética entre os aspectos históricos e lógicos do objeto de conhecimento”.
Kopnin ainda complementa que,
A história do desenvolvimento do objeto cria, por sua vez, as premissas
indispensáveis para uma compreensão mais profunda de sua essência, razão porque,
enriquecidos com o conhecimento da história do objeto, devemos retomar mais uma
vez a definição de sua essência, corrigir, completar e desenvolver os conceitos que o
expressam. Desse modo, a teoria do objeto fornece a chave de estudo de sua história,
ao passo que o estudo da história enriquece a teoria, corrigindo-a, completando-a e
devolvendo-a. É como se o pensamento se desenvolvesse conforme um círculo: da
teoria (ou lógica) à história e desta novamente à teoria (lógica) (KOPNIN, 1978, p.
186).
Nesse contexto, a autora refere-se não só à história do objeto, sua produção e
desenvolvimento, mas também à história de como a humanidade se apropriou desse objeto, ou
seja, à história do seu conhecimento pelo ser humano. Na interpretação de Moretti (2014, p.
35), “o aspecto histórico, assim entendido, revela elementos essenciais para o conhecimento
do objeto. Estes elementos, ao serem apropriados pelo pensamento humano, constituem o
aspecto lógico”.
O conceito de SND, assim como os demais conceitos matemáticos, compõe a atividade
humana e estão presentes no cotidiano das crianças. No entanto, Lanner de Moura (2007)
referendada em Lima (1992), afirma “que a simples existência objectiva dos conceitos
matemáticos não determina a sua existência no nosso subjectivo”. Ou seja, existe um vazio de
“compreensão entre a manipulação mecânica e quotidiana de um conceito e a sua apreensão
conceptual”. Na opinião da autora, “quanto mais se intensifica a prática mecânica, mais o
71
conceito que a sustenta se torna invisível ao nosso pensamento” (LANNER DE MOURA,
2007, p. 67)12.
Tomemos, como exemplo, o experimento desenvolvido por Lanner de Moura (2007) de
uma atividade de movimento conceitual do número, a qual oportuniza a vivência da “tensão
criativa do conceito”, em dois momentos didático-pedagógicos interdependentes: a
problematização dos nexos conceituais (os conceitos de correspondência biunívoca, de
equivalência, de agrupamento, de grandezas discreta e contínua) e da dinâmica relacional
indivíduo-grupo-classe na resolução da (re) criação conceitual.
A atividade geradora se consistiu na proposição às crianças, a partir da história do
Negrinho do Pastoreio, pensar em como o personagem, ao recolher os cavalos do patrão, faria
o controle de quantidades- contagem (saber se nenhum havia se perdido), sem o recurso ao
número. A autora observou que, o desenvolvimento da atividade, a criação e comunicação de
hipóteses e a síntese coletiva, oportunizou as crianças integrar-se no movimento conceitual do
número, ao trazer “a história do conceito despida dos elementos ocasionais e centrada no acto
de criação [...] a dinâmica de saber-pensar o conceito” (LANNER DE MOURA, 2007, p. 73).
Baseada em Kopin (1978), Lanner de Moura (2007, p. 69) define “conceito como uma
forma de movimento do pensamento, que se torna conhecimento pela explicação da
actividade sobre a realidade em que o ser humano está inserido e se insere, ao construir-se
humano”. Deste modo, conclui-se que o conceito de número não está gravado no movimento
das quantidades na natureza, “mas no movimento do pensamento originado pela actividade de
controlar a variação dessas quantidades”. Segundo a autora, a atividade que possibilita uma
situação-problema geradora de conhecimento, para alunos e professor, constitui-se por
momentos distintos, que se interpenetram, no movimento do sujeito, e apresentam as
seguintes características:
1. Um instante que a necessidade é sentida, instante da sensação, quando a
necessidade toma forma de dilema, situação de embaraço; 2. Um momento de
percepção da sensação, cuja forma é o emblema, situação de simbolização; 3. O
momento do problema, isto é, o da elaboração da necessidade em forma de problema, cuja formulação traz em si, a percepção da solução que tornará a
necessidade um objecto conhecido (CARAÇA, 1998 apud LANNER DE MOURA,
2007, p. 70).
De acordo com esta autora, estes três momentos sintetizam-se sob a forma de conceito.
Ressalta, ainda, que “todo o movimento humano de criação de conceitos e,
12
Esta obra é uma publicação portuguesa e o idioma utilizado é o português de Portugal.
72
consequentemente, de teorias, passa pelo processo de problematização das necessidades”.
Apoiada em Caraça (1998), distingue, o dilema, o emblema e o problema, como fases do
processo de transformar a necessidade em problema. Aliados a estes momentos, a sensação, a
percepção e a dedução, são formas de pensamento que antecipam o conceito (LANNER DE
MOURA, 2007). Em síntese, a autora considera que a dinâmica histórica de criação do
conceito, encerra o próprio método de sua aprendizagem.
Diante das discussões, aqui apresentadas, entendemos que o panorama tanto das
dificuldades e insucessos, quanto das possibilidades e alternativas de avanços e melhorias no
ensino do SND nos anos iniciais do EF, impõe a necessidade da presença em sala de aula, de
um professor com determinados conhecimentos profissionais. Para planejar e organizar
atividades que possibilitem ao aluno se apropriar dos conceitos que constituem o SND, o
professor precisa, além de dominar os conceitos envolvidos, possuir conhecimento
pedagógico – saber ensinar, de forma a garantir o aprendizado dos alunos. Ou seja, para
ensinar o SND, o professor precisa compreendê-lo para si e também para poder ensinar a seus
educandos.
No item, a seguir, apresentamos o que já evidenciam algumas pesquisas brasileiras
sobre o ensino e a aprendizagem do SND, nos anos iniciais do EF.
2.4 O ENSINO E APRENDIZAGEM DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL NOS
ANOS INICIAIS: O QUE DIZEM AS PESQUISAS BRASILEIRAS NO PERÍODO DE
1996 A 2012
Com o intuito de conhecer as discussões que emergem dos estudos que abordam a
temática de nossa investigação, a fim de nos auxiliar na construção de nossa pesquisa,
realizamos em 2013 um levantamento das dissertações e teses produzidas no Brasil, sobre o
sistema de numeração decimal. A coleta de informações se deu por meio de uma busca em
bancos virtuais de teses e dissertações, no portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD). Nossa procura baseou-se nos termos “sistema de numeração decimal” e localizou 46
(quarenta e seis) pesquisas, distribuídas temporalmente entre 1996 e 2012.
Procurando melhorar a filtragem de nossa busca, passamos à leitura dos resumos e o
estudo exploratório das produções identificadas. Optamos por concentrar nossos estudos nas
teses e dissertações cujas investigações com foco no ensino e na aprendizagem do SND,
situavam-se nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por julgarmos, apresentar maior
73
significância ao nosso objeto de estudo. Identificamos quinze pesquisas. Essas foram
capturadas dos portais virtuais depositários e objetos de uma análise mais aprofundada.
A partir da leitura e análise dos quinze trabalhos na íntegra, foi possível identificar
quatro principais temáticas abordadas nas pesquisas sobre o SND: aprendizagem dos alunos;
conhecimentos profissionais; formação continuada e práticas pedagógicas.
Apresentamos, a seguir, por blocos de temáticas abordadas, um panorama de cada
pesquisa, destacando os objetivos, temática investigada e os resultados alcançados. Ao final
de cada bloco, faremos considerações relativas aos resultados alcançados e, para finalizar as
considerações gerais quanto à incidência da abordagem metodológica e da fundamentação
teórica que figura nas quinze investigações, bem como, sobre as contribuições para a nossa
pesquisa.
A aprendizagem dos alunos foi a temática privilegiada em cinco dos quinze trabalhos
analisados, sendo eles Losito (1996), Rodrigues (2001), Rodrigues (2006), Agranionih (2008)
e Barreto (2011), conforme detalhado, abaixo.
O estudo experimental de Losito (1996) objetivou analisar se a utilização de um método
diferenciado, baseado em princípios construtivistas, influenciava o desempenho de alunos na
solução de tarefas matemáticas envolvendo os conceitos de número e SND. Foram
investigados os procedimentos de alunos de uma escola com proposta de ensino
construtivista, e os procedimentos de alunos de outra escola com proposta distinta. Os
resultados de alunos de uma escola e de outra não apresentaram diferença em relação às
regularidades do sistema de numeração decimal, bem como em relação ao aspecto operatório
aditivo. Foram constatados melhores resultados em relação à construção do senso numérico,
do princípio multiplicativo do sistema de numeração decimal e da tomada de consciência do
erro, nos alunos da escola de orientação construtivista.
Em pesquisa histórica, Rodrigues (2001) estudou a trajetória de construção das escritas
numéricas aos conhecimentos do sistema de numeração decimal de alunos de diferentes séries
do Ensino Fundamental. Seu objetivo foi verificar como as crianças e jovens, desta etapa de
ensino, se apropriam do processo de agrupamentos e trocas na base dez. Os resultados
indicam que o processo de construção das ideias e procedimentos envolvidos nos
agrupamentos e trocas em base dez não acontecem em curto prazo. Destaca a necessidade de
um trabalho consistente em relação à produção de escritas numéricas para o desenvolvimento
do cálculo escrito e mental e para resolução de problemas que envolvem números naturais e
números racionais representados na forma de decimais.
74
O estudo experimental de Rodrigues (2006) objetivou verificar se a utilização do
software de ensino de Matemática – “Estação do Saber”13
potencializava a aprendizagem do
sistema de numeração decimal. Os resultados das duas turmas não apresentaram diferenças
significativas. Concluiu-se que o software “Estação do Saber” possui limitações. Seu uso
reforçou a compreensão do valor posicional, composição e decomposição e consciência do
zero.
Agranionih (2008) investigou as concepções iniciais e como se processa cognitivamente
a compreensão do valor posicional característico do sistema de numeração decimal, buscando
identificar as contribuições das notações de números multidígitos a esse processo de
conceituação do valor posicional do número. Evidenciou-se um processo construtivo não
linear, no qual as crianças construíram concepções próximas ao valor posicional, à medida
que as situações didáticas provocavam reflexões e sucessivas tomadas de consciência sobre as
notações em si e sobre as relações entre escritas e agrupamentos. A interação criança-escritas
numéricas, por si só, não garante o aprendizado do valor posicional característico do SND. É
preciso que o processo de interação seja acompanhado de um processo reflexivo sobre as
regularidades.
Por sua vez, Barreto (2011) investigou a compreensão da escrita numérica e do SND
apresentada por 92 alunos da 3.ª série do Ensino Fundamental (de duas escolas municipais de
uma cidade do norte paranaense: uma com o mais alto índice na Prova Brasil e outra com o
mais baixo índice da prova realizada em 2007). Os resultados confirmaram a hipótese de que
na 3.ª série os alunos ainda estão em fase de elaboração do SND, e que o domínio progressivo
das notações desempenha um papel importante na compreensão do nosso sistema de
numeração.
As cinco pesquisas apresentam diferentes enfoques sobre a aprendizagem do SND por
alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no entanto, os resultados coadunam na
indicação de que a aprendizagem dos conceitos inerentes ao SND demanda tempo, e trabalho
pedagógico sistemático ao longo desta etapa de escolarização. Evidenciam um processo
construtivo não linear e, que a interação criança-escritas numéricas, por si só, não garante o
aprendizado das regularidades do SND. É necessário que o professor oportunize situações
didáticas que provoquem reflexões e sucessivas tomadas de consciência sobre os princípios
que regem o SND.
13
Software de ensino de Matemática com atividades específicas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental,
disponível para a rede municipal de Campo Grande/ MS.
75
A temática conhecimentos profissionais foi contemplada nas investigações realizadas
por Dambros (2006), Maia (2007) e Batista (2012) e buscam investigar os conhecimentos dos
professores quanto ao desenvolvimento histórico do SND, domínio dos conceitos que o
constituem e, sua relação com o ensino que realizam sobre este conteúdo.
A investigação de Dambros (2006) teve como questão central as relações que podem ser
estabelecidas entre o conhecimento do desenvolvimento histórico de um conceito matemático,
pelo professor, e o ensino do mesmo. Os resultados mostram que a professora, após estudos
da história do SND, mudou a sua forma de compreendê-lo e ensiná-lo, evidenciado,
principalmente, na consideração que ela passou a demonstrar pelas formas de pensar dos seus
alunos.
Maia (2007) investigou o nível de elaboração conceitual de sete professores dos anos
iniciais do Ensino Fundamental sobre sistema de numeração decimal. Verificou-se, por parte
dos professores, a presença de diferentes erros na solução dos exercícios, dificuldades em
justificar a forma como resolveram, e fragilidades na percepção da relação existente entre os
diferentes conteúdos matemáticos e os princípios que regem o atual sistema de numeração. As
dificuldades de relacionar os conceitos com o SND mostraram-se muito próximas daquelas
vividas pelas crianças no processo de aprendizagem Matemática. Constatou que as
professoras apresentam diferentes estágios de elaboração conceitual e que o SND ainda não se
configura, para estas, como conceito científico.
Batista (2012) investigou os conhecimentos sobre os números e operações de um grupo
de professores do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) manifestos durante estudos e discussões
coletivas. Os resultados apontam a existência de lacunas no conhecimento específico sobre o
SND e no conhecimento curricular, destacando as dificuldades na utilização dos materiais
didáticos. A autora ressalta que a “não compreensão, pelo professor, do funcionamento do
nosso sistema de numeração decimal vai, inevitavelmente, refletir-se na formação Matemática
dos alunos” (BATISTA, 2012, p.126). Destaca a necessidade de rever os conteúdos
trabalhados na formação inicial e continuada, referente aos conhecimentos matemáticos e a
importância da formação contínua dos professores que atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental para a viabilidade desse ensino.
As cinco investigações sobre os conhecimentos profissionais, indicam a existência de
lacunas nos conhecimentos dos professores acerca do SND, envolvendo desde fragilidades
quanto ao conhecimento de sua história, o que é um sistema de numeração, sua estrutura e
funcionamento até, a percepção da relação existente entre os diferentes conteúdos
matemáticos e os princípios que regem o SND. Apontam ainda que as fragilidades no
76
domínio conceitual do SND por parte do professor interferem no ensino e aprendizagem deste
conteúdo.
A formação continuada dos professores sobre o SND constitui-se a temática das
investigações desenvolvidas por Guimarães (2005), Silva (2011) e Barreto (2011).
A pesquisa-ação realizada por Guimarães (2005), em mestrado profissional, objetivou
contribuir com um grupo de professores do ciclo básico de alfabetização na construção de
conhecimentos específicos e metodológicos, para o trabalho com o Sistema de Numeração
Decimal em sala de aula. Verificou-se durante a realização das atividades formativas que a
falta de domínio do conteúdo faz com que o sistema de numeração, seja ensinado, na maioria
das vezes, de forma mecânica. As análises das discussões e os comportamentos dos
professores durante a realização das atividades revelaram que estas provocaram reflexões
sobre as práticas de sala de aula.
A Pesquisa-ação realizada por Silva (2011) objetivou investigar como o professor, após
formação continuada sobre o ábaco manipulativo e informático, ressignifica a sua prática
pedagógica ao ensinar o SND e as operações convencionais de adição e subtração com (re)
agrupamento. Durante a realização das atividades formativas foram evidenciadas dificuldades
dos professores na representação numérica com zero, na resolução das operações de adição e
subtração utilizando o ábaco manipulativo e/ou informático e na realização do (re)
agrupamento na subtração. Os resultados apontam que, após a discussão com os professores
sobre tais dificuldades, foram realizados encaminhamentos didático-metodológicos das
operações de adição e subtração com (re) agrupamento que contribuem com o processo de
ensino e aprendizagem. Os resultados também mostram que, apesar de a formação contribuir
para ampliar as estratégias de ensino do SND, em alguns momentos, prevalecia a forma
convencional e mecânica de ensino, reproduzindo o ensino vivenciado nos tempos de
estudante.
A pesquisa interventiva de Barreto (2011) objetivou analisar os aspectos da formação
continuada de Matemática de forma a compreender as relações dessa formação com os
processos de mudança das práticas dos professores. Os resultados apontam que, durante a
formação, as professoras evidenciavam indícios de mudança no discurso e na prática,
ampliando a compreensão de como se aprende e como se ensina Matemática, e
especificamente, o sistema de numeração decimal. A autora ressalta que para a formação
continuada provocar mudanças, é preciso considerar os saberes e os não saberes dos
professores, valorizar a reflexão nas práticas e sobre as práticas ocorridas em ambientes reais
de entrelaçamento entre o ensino e a aprendizagem.
77
As três pesquisas sobre formação continuada evidenciam fragilidades na formação
inicial dos professores sobre conhecimentos matemáticos do SND e, a influência do ensino
vivenciado nos tempos de estudante, nas práticas docentes. Para que a formação continuada
produza alterações nas práticas pedagógicas, sinalizam a necessidade de se considerar os
saberes e os não saberes dos professores, valorizar a reflexão sobre o ensino e a aprendizagem
vivenciados na sala de aulas pelos professores envolvidos na formação.
A prática pedagógica referente ao SND foi abordada por Signorini (2007), Rosas
(2008) e Almeida (2012).
Signorini (2007) investigou se o ensino da aritmética (estruturas aditivas – operação de
adição e/ou subtração), com ênfase nos algoritmos convencionais, contribui para a construção
do sistema de numeração decimal. Os resultados indicam que tanto as crianças de terceira
como as de quinta série utilizaram o algoritmo convencional de adição e subtração com
reserva de forma automática, sem perceber a relação existente entre as técnicas operatórias
dessas operações e os princípios e as propriedades do nosso sistema de numeração. As
atuações das crianças indicavam que o SND não estava consolidado, e assim, pôde constatar
que o ensino da aritmética centrado nos algoritmos não possibilitou avanços significativos no
que se refere à efetiva construção do sistema de numeração decimal.
Já a pesquisa de Rosas (2008) apresenta uma análise qualitativa do uso de livro didático
de Matemática no ensino do sistema de numeração decimal por uma professora de 2º ano do
1º ciclo do Ensino Fundamental. Os resultados da análise do livro didático mostram que,
apesar de aprovado pelo PNLD, os princípios do atual sistema de numeração são pouco
explorados, priorizando as atividades repetitivas e de aplicação de regras e modelos. A prática
pedagógica da professora se caracteriza por uma abordagem do SND com ênfase nos aspectos
formais e nos procedimentos de resolução de algoritmo, tendo o livro didático como principal
orientador, possivelmente, em virtude de lacunas na formação Matemática da professora.
Por sua vez, Almeida (2012) em mestrado profissional, teve como questão central o uso
da história da Matemática como estratégia didática para o ensino do SND. Realizou a
construção e a validação de um caderno de atividades constituído de uma sequência didática
para o ensino do nosso sistema de numeração, através da comparação com o sistema de
numeração hieroglífico egípcio, o sistema de numeração grego alfabético e o sistema de
numeração romano.
Das três pesquisas que abordam a prática pedagógica referente ao SND, os estudos
Signorini (2007) e Rosas (2008) evidenciam a prevalência do ensino do SND baseado nos
aspectos formais e nos procedimentos de resolução de algoritmo e, que estas não possibilitam
78
a compreensão dos conceitos inerentes ao sistema numérico que utilizamos. Sendo que
Almeida (2012), tendo em perspectiva a história da Matemática, aponta como alternativa de
superação do ensino baseado na memorização de regras sem compreensão, o estudo do SND a
partir da comparação outros sistemas não posicionais, como, por exemplo, o sistema de
numeração hieroglífico egípcio.
Ao realizar esse levantamento, percebeu-se que ainda são poucos os estudos que
abordam o ensino e a aprendizagem do SND no 1º ciclo (1º, 2º e 3º anos) do Ensino
Fundamental. Cabe destacar que, embora os primeiros anos de escolarização sejam
considerados balizares para a melhoria da Educação Brasileira, as investigações sobre os
conhecimentos e as práticas dos professores e outros aspectos importantes, relativos,
especialmente, à Educação Matemática de um modo geral, são bastante reduzidas.
Outro dado relevante que notamos foi em relação à quantidade ínfima de teses
produzidas (apenas duas) quando comparada ao número de dissertações, o que se constitui em
um problema para a produção nessa área de investigação, pois tais estudos longitudinais são
muito importantes para a melhor compreensão acerca dos diferentes aspectos que envolvem a
Educação Matemática nos anos iniciais do EF.
Quanto à metodologia, a abordagem qualitativa constituiu-se a opção de todos os
estudos analisados. Outro aspecto observado, concernente à metodologia, refere-se ao uso
inexpressivo da observação da prática do professor em sala de aula, como procedimento para
a produção dos dados nas pesquisas em questão. O que evidencia a necessidade de outros
estudos sobre a real prática pedagógica do professor relativa ao ensino do SND,
especialmente, nos primeiros anos do EF.
A maioria dos pesquisadores (seis dentre os quinze) escolheu os estudos de Piaget como
o principal referencial teórico. Destacam-se, também, teóricos da didática francesa como Guy
Brousseau com a teoria das situações didáticas, Gerard Vergnaud com a teoria dos campos
conceituais e Shulman sobre a base de conhecimentos para o ensino, duas pesquisas
fundamentam suas investigações na perspectiva teórica dos estudos de Vygotsky.
Em relação ao enfoque, dez dos quinze estudos analisados, abordaram seus objetos do
ponto de vista do ensino, ou seja, os professores foram os participantes das investigações. E,
nestes é evidenciado a preocupação dos pesquisadores no que se refere aos conhecimentos dos
professores. Tal temática permeou, de forma explícita ou implícita, quatorze dos quinze
trabalhos em questão.
De um modo geral, as pesquisas analisadas, apontam indícios de que as características e
propriedades do SND, como a base dez, o valor posicional, a composição aditiva e
79
multiplicativa de um número, não são adequadamente compreendidas por alunos e
professores do Ensino Fundamental. No entanto, ao findarmos essa revisão, constatamos que
a literatura revisitada evidencia poucas pesquisas dentro da perspectiva de analisar o trabalho
dos professores com o SND e sua relação com os seus conhecimentos profissionais, o que
evidencia a importância do presente estudo.
No presente capítulo, buscamos evidenciar a historicidade do conceito de SND, os
aspectos curriculares e metodológicos inerentes ao processo de ensino e aprendizagem e, as
conclusões das pesquisas já realizadas, sobre o ensino escolar deste conteúdo. Estas
discussões nos ajudarão a interpretar e analisar os dados da pesquisa em busca de
compreender os conhecimentos específicos, metodológicos e curriculares e as práticas
pedagógicas das professoras participantes, referentes ao SND.
O próximo capítulo se destina à apresentação dos aspectos metodológicos da pesquisa.
80
CAPÍTULO III - METODOLOGIA: OS CAMINHOS DA PESQUISA
Neste capítulo, expomos o caminho metodológico percorrido em busca de responder ao
nosso problema de investigação – que conhecimentos profissionais sobre o Sistema de
Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º e 3º anos do Ensino
Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este conteúdo numa
escola da rede municipal de Cuiabá? Para melhor explicitar esse percurso, destacamos a
opção metodológica, o tipo de pesquisa realizada, a seleção do contexto e das professoras
participantes da pesquisa, além dos instrumentos e procedimentos utilizados para a produção
dos dados.
3.1 A OPÇÃO METODOLÓGICA PELA ABORDAGEM QUALITATIVA
Para responder às nossas inquietações acerca dos conhecimentos profissionais e as
práticas escolares de nossas professoras colaboradoras referentes ao SND, entendíamos que
todas as ações para a produção dos dados da pesquisa, deveriam ser realizadas no local em
que o objeto pesquisado se manifesta, ou seja, no ambiente escolar.
Compreendemos a realidade como uma construção humana, historicamente constituída.
Assim, os fenômenos educacionais manifestos no ambiente escolar, não podem ser
observados de forma estanque, desprovidos dos aspectos humanos subjacentes. Por isso,
mesmo construindo um planejamento que nos guiou, não ficamos submetidos a uma
sequência invariável de etapas, ao contrário, fomos construindo a pesquisa na medida em que
começamos a conhecer melhor o contexto escolar e as professoras participantes, no decorrer
do trabalho em campo.
Desse modo, buscando definir a metodologia deste trabalho, os estudos de Bogdan e
Biklen (1994), Minayo (1994), Chizzotti (2003; 2005), Lüdke e André (1986) e Gonzáles Rey
(2012), referendaram a nossa opção pela abordagem metodológica qualitativa. Baseadas
nestes autores, tivemos a convicção da perfeita adequação dessa perspectiva aos nossos
propósitos, no desenvolvimento deste trabalho. Acreditamos que a abordagem metodológica
qualitativa, por suas características particulares, nos possibilitou uma melhor e maior
aproximação com o nosso objeto de estudo.
81
Nesse contexto, outra contribuição relevante ao nosso estudo, em relação aos aspectos
metodológicos, foram as discussões de Gonzáles Rey (2012), referentes à concepção de
“produção” de dados, na pesquisa qualitativa, em contraposição ao termo “coleta de dados”,
usualmente utilizado pelas diferentes tradições de pesquisa no campo das ciências sociais.
Para esse autor, o pesquisador a partir de seus marcos referenciais prévios, produz os
dados da pesquisa, uma vez que “não está nas aparências do material empírico o objeto do
pesquisador, mas nas diversas formas de organização subjetiva presente em todo tipo de
comportamento ou expressão humana” (GONZÁLES REY, 2012, p. 117). Os dados não
existem por si mesmos, e não se mostram de forma direta na expressão intencional do sujeito,
é necessário que o pesquisador, além de lançar mão de instrumentos e procedimentos que
instigue e favoreça a livre expressão dos participantes, seja capaz de, na relação dialética entre
dados empíricos e teoria, interpretar o sentido subjetivo das informações das professoras
participantes, produzidas na pesquisa.
Nesse sentido, compartilhamos da opinião de Gonzáles Rey (2012, p. 100) ao afirmar
que não existe mais sentido em continuar definindo a coleta de dados como uma etapa da
pesquisa: “em primeiro lugar, porque realmente os dados não se coletam, mas se produzem e,
em segundo lugar, porque dado é inseparável do processo de construção teórica no qual
adquire legitimidade”.
A investigação qualitativa surgiu como alternativa de resposta aos desafios da
investigação em Ciências Humanas e Educação, uma vez que, conforme Bogdan e Biklen
(1994), essa abordagem não objetiva testar hipóteses e, as questões investigadas não se
colocam mediante operacionalização de variáveis, o que permite a investigação dos
“fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural”. Os autores salientam que,
tendo o investigador como principal instrumento num contato aprofundado com os
participantes da pesquisa, a produção de dados qualitativos, “privilegiam, essencialmente, a
compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos investigados”
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 16).
Partindo do entendimento de que os conhecimentos e as práticas escolares das
professoras acerca do SND estão inseridos num contexto social, fez-se necessário que a
pesquisadora se inserisse no universo das professoras participantes da pesquisa, tendo em vista
melhor compreender as relações existentes no contexto escolar que envolve o objeto
pesquisado. Esse aspecto da pesquisa coaduna com a proposição de Lüdke e André (1986),
quanto à necessidade, em pesquisa de cunho qualitativo, de relação direta e prolongada do
pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, por meio do trabalho
82
intensivo de campo, visando à obtenção de dados descritivos que privilegiem mais o processo
do que o produto, preocupando-se em retratar a perspectiva dos participantes.
A esse respeito, Bogdan e Biklen (1994, p. 67) são enfáticos ao afirmar que o trabalho
do pesquisador qualitativo tem como objetivo fundamental “construir conhecimento e não o
de dar opiniões sobre determinado contexto”. Ressaltam, ainda, que ao desenvolver a pesquisa
numa abordagem qualitativa, o pesquisador deve buscar “compreender o comportamento e
experiência humanos” (BOGDAN e BIKLEN, p.70). Isto significa direcionar seus esforços na
tentativa de captar o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever e
interpretar em que consistem tais significados.
O nosso problema de investigação como já explicitado, anteriormente, se insere numa
escola, e não buscamos generalizar os resultados da pesquisa. Nossa intenção é o estudo em
profundidade sobre que conhecimentos profissionais e práticas escolares, em relação ao SND,
são manifestados pelas professoras participantes da pesquisa, no contexto da escola em que
estes atuam. Nesta perspectiva, dentro da abordagem metodológica qualitativa, o estudo de
caso, mais do que outras estratégias de pesquisa, se mostrou ideal para o desenvolvimento
desta investigação. Devido às suas características particulares, entendemos que o estudo de
caso possibilitou-nos a compreensão do nosso objeto de estudo, “levando em conta seu
contexto e complexidade” (ANDRÉ, 2008, p. 29).
A perspectiva de estudo de caso, tomada nesse trabalho, é o que exporemos a seguir.
3.2 O TIPO DE PESQUISA
Desenvolvemos este estudo a partir da sistematização e da análise da diversidade de
fontes de dados (diário de campo contendo os registros das observações de eventos coletivos e
das aulas de Matemática das professoras, entrevista, análise de documentos escolares e
questionários de caracterização), onde buscamos “retratar a realidade de forma profunda e
mais completa possível enfatizando [...] a análise do objeto, no contexto em que ele se
encontra [...]”, o que caracteriza nossa pesquisa como um estudo de caso (FIORENTINI;
LORENZATO, 2012, p. 110, grifo nosso).
Como afirma Stake (2010, p. XI, tradução nossa), o “estudo de caso é o estudo da
particularidade e da complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade
83
dentro de importante circunstância14
”. Para André (1995) esse tipo de estudo deve ser
utilizado:
(1) quando se está interessado numa instância em particular, isto é, numa
determinada instituição, numa pessoa ou num específico programa ou currículo; (2)
quando se deseja conhecer profundamente essa instância particular em sua
complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado naquilo
que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados; (4)
quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos
conceitos sobre um determinado fenômeno; e (5) quando se quer retratar o
dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecer natural
(ANDRÉ, 1995, p. 26).
Ludke e André (1986) identificam características ou princípios fundamentais do estudo
de caso, tais como: os estudos “visam à descoberta” – partem de um quadro teórico, com
função de estrutura básica. Porém, novos elementos podem emergir durante o estudo.
“Enfatizam a interpretação em contexto”, ao considerar, em se tratando da Educação, os
fatores condicionantes que ajudam a explicar a ação pedagógica em foco. “Buscam retratar a
realidade de forma completa e profunda”, lançando mão de uma variedade de fontes. As
autoras ainda ressaltam o uso da observação participante, da entrevista e análise de
documentos, da existência de interação entre pesquisador e objeto pesquisado, a importância
no processo e não nos resultados da pesquisa, a não intervenção do pesquisador no ambiente
investigado e coleta de dados descritivos (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18-20).
Coadunando com as autoras, Angrosino (2009) ao ressaltar o diferencial do estudo de
caso, afirma que:
Ele é baseado na pesquisa de campo (conduzido no local onde as pessoas vivem e
não em laboratórios [...]). É personalizado (conduzido por pesquisadores que no dia
a dia, estão face a face com as pessoas que estão estudando e que, assim, são tanto
participantes quanto observadores das vidas em estudo). É multifatorial (conduzido
pelo uso de duas ou mais técnicas de coleta de dados – os quais podem ser de
natureza qualitativa ou quantitativa – para triangular uma conclusão [...]). Ele requer
um compromisso de longo prazo, ou seja, é conduzido por pesquisadores que pretendem interagir com as pessoas que eles estão estudando durante um longo
período de tempo (embora o tempo exato possa variar, digamos, de algumas
semanas a um ano ou mais). É indutivo (conduzido de modo a usar um acúmulo
descritivo de detalhe para construir modelos gerais ou teorias explicativas, e não
para testar hipóteses derivadas de teorias ou modelos existentes). É dialógico
(conduzidos por pesquisadores cujas conclusões e interpretações podem ser
discutidas pelos informantes na medida em que elas vão se formando). É holístico
(conduzido para revelar o retrato mais completo possível do grupo em estudo)
(ANGROSINO, 2009, p. 31, grifos do autor).
14 El estúdio de casos es el estúdio de la particularidad y de la complejidad e um caso singular, para llegar a
comprender su actividad em circunstancias importantes.
84
O estudo de caso por ser um tipo de pesquisa que tem como característica principal “o
contato direto do pesquisador com situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as
relações que configuram a experiência escolar diária” (ANDRÉ, 1995, 41). Na medida em
que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos participantes da pesquisa,
pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade
que os cerca e às próprias ações.
Esse “mergulho” do pesquisador no cotidiano da escola, por um lado, oferece condições
de compreender o processo de ensino e aprendizagem no contexto da cultura escolar. Por
outro lado, o desafio, segundo André (1995, p. 48), de saber articular “o envolvimento e a
subjetividade, mantendo o distanciamento que requer um trabalho científico”. No entanto, a
autora esclarece:
Distanciamento que não é sinônimo de neutralidade, mas que preserve o rigor. Uma
das formas de lidar com essa questão tem sido o estranhamento – um esforço
sistemático de análise de uma situação familiar como se fosse estranha. Trata-se de
saber lidar com percepções e opiniões já formadas, reconstruindo-os em novas
bases, levando em conta, sim, experiências pessoais, mas filtrando-as com apoio do
referencial teórico e de procedimentos metodológicos específicos, como por
exemplo, a triangulação (ANDRÉ, 1995, p.48, grifo da autora).
Com base nos pressupostos teóricos que orientam o presente estudo, buscamos
investigar o nosso objeto de estudo em seus processos de transformação e mudança, ou seja,
tendo em perspectiva a sua historicidade e movimento (VYGOTSKY, 1988). Isto, segundo
Palma (2010, p. 72), “significa considerar as contradições, a continuidade e a
descontinuidade, os saltos qualitativos e a superação”.
Nesse sentido, para compreender os conhecimentos profissionais e as práticas escolares
das professoras participantes da pesquisa referentes ao SND, foi preciso considerar o processo
histórico de formação (inicial e continuada) destas professoras. E, as suas práticas no contexto
das inter-relações entre situações e os atores do processo educativo, ou seja, das condições
objetivas de trabalho (a organização coletiva do trabalho pedagógico e de formação contínua,
as condições materiais, e outros), dentro do espaço escolar onde atuam, ou seja, da
organização do projeto educativo da escola onde as professoras atuam a qual estabelece a
organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana.
Exporemos, a seguir, o processo de construção desta pesquisa.
85
3.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
Segundo Nisbett e Watts apud André (2008, p.47), o desenvolvimento da pesquisa
qualitativa do tipo estudo de caso, pode ser caracterizado em três fases não lineares: a fase
“exploratória ou de definição dos focos de estudo; fase de coleta dos dados ou de delimitação
do estudo; e fase de análise sistemática dos dados”. Entendemos que tal caracterização se
mostra coerente com as etapas de realização de nossa pesquisa, conforme descreveremos a
seguir:
A primeira fase da pesquisa constituiu-se da revisão da literatura sobre a temática
investigada e da preparação para a entrada no campo. Para André (2008), essa fase
“exploratória”, é imprescindível para a delineação do problema e para a construção do olhar
teórico que orienta os questionamentos que guiarão o trabalho em campo, pois a partir daí, são
definidas “unidade (s) de análise – o caso –, confirma-se – ou não – as questões iniciais, [...]
estabelece mais precisamente os procedimentos e instrumentos de coleta de dados” (ANDRÉ,
2008, p. 48). Esta fase culminou com a elaboração do projeto de pesquisa.
A segunda fase da pesquisa compreende o trabalho de campo com a produção dos dados
da investigação. Neste percurso, além da observação do contexto e das aulas das professoras
investigadas registradas em diário de campo, recolhemos documentos escolares e realizamos
entrevistas semiestruturadas com as professoras. Todos os dados e informações foram
organizados para nos subsidiar na análise, interpretação e triangulação das informações.
Concomitantemente, prosseguimos com a revisão da literatura e a sistematização do
referencial teórico da pesquisa.
Na terceira e última etapa da pesquisa, passamos à “análise sistemática dos dados”
produzidos através dos distintos instrumentos e procedimentos utilizados durante a
investigação. Esta fase culminou com encaminhamentos finais que envolveram a organização
de todo o material da pesquisa, a redação da versão para a qualificação e defesa, e
posteriormente a versão final da dissertação.
3.4 O CONTEXTO E AS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Esta pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Educação Básica, denominada
por nós, Escola Tesouro15
, situada na zona urbana, da rede pública de educação do município
de Cuiabá, Estado de Mato Grosso. Participam da pesquisa três (03) professoras que lecionam
15 O pseudônimo dado à escola participante da investigação visa preservar a identidade da unidade escolar.
86
no 1º ciclo do Ensino Fundamental, sendo duas professoras do 2º ano (que atuaram na mesma
turma em períodos consecutivos durante o ano letivo 2013) e uma do 3º ano, do referido
ciclo.
Na sequência, detalhamos o processo de seleção da escola e das professoras e, a
caracterização da escola e a caracterização das professoras.
3.4.1 Os critérios e o processo de seleção da escola e professoras participantes da
pesquisa
Como pretendíamos realizar a pesquisa em escola urbana da rede municipal de ensino
de Cuiabá, iniciamos o processo de definição da escola investigada realizando um
levantamento junto à Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá (SME), referente às
unidades escolares que ofertavam o 1º ciclo do Ensino Fundamental. De acordo com as
informações da SME, das oitenta escolas localizadas na região urbana, sete escolas ofertam
apenas Educação Infantil, seis unidades atendem o 2º e 3º ciclos do Ensino Fundamental. O 1º
ciclo do Ensino Fundamental é ofertado num total de sessenta e sete escolas, das quais,
dezenove, limitam o atendimento à Educação Infantil e ao 1º ciclo.
Considerando as especificidades do nosso problema de investigação, optamos por
restringir a nossa escolha dentre as dezenove escolas que ofertam apenas a Educação Infantil
e o 1º ciclo do Ensino Fundamental. A escolha da escola e das professoras ocorreu de forma
simultânea, através dos seguintes critérios de seleção:
Escola localizada entre as regionais16 leste e sul;
Possuir em seu quadro docente, três professores efetivos (um de cada ano do 1º
ciclo), com mais de cinco anos de experiência na docência e atuação no 1º ciclo e
que aceitassem participar na pesquisa.
A preferência por uma escola situada nas regionais escolhidas se justifica pela
proximidade com a residência da pesquisadora, facilitando a locomoção até o campo de
investigação. Selecionamos professores com mais de cinco anos na docência e atuação no 1º
ciclo, por acreditarmos que esse período de experiência possibilita ao professor, construir
elementos que caracterizam a sua prática docente, nesta etapa de ensino.
16 Divisão geopolítica do perímetro urbano do município de Cuiabá, definida através da Lei nº 3.262/94, a qual
regulamenta o Art. 74 da Lei Orgânica do Município de Cuiabá, em quatro regionais administrativas: Regional
Sul abrangendo 34 bairros; Regional Norte, 10 bairros; Regional Leste, 41 bairros; Regional Oeste, 14 bairros
(CUIABÁ. Prefeitura Municipal de Cuiabá / Organização Geopolítica de Cuiabá. /IPDU - Instituto de
Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Cuiabá: 2007).
87
Após levantamento junto às escolas, identificamos quatro unidades que atendiam os
critérios estabelecidos. No primeiro semestre de 2013, visitamos as quatro escolas. Em
conversa com as equipes gestoras (diretor e coordenador pedagógico) e professores que
atendiam aos critérios estabelecidos, expusemos em linhas gerais a proposta de pesquisa. As
equipes gestoras destas escolas se mostraram favoráveis à realização da nossa pesquisa.
Porém, em três escolas, percebemos que embora alguns professores não se declarassem
contrários, demonstravam certo desconforto com a realização da pesquisa, especialmente,
quanto à perspectiva de nossa observação às suas aulas.
Entendemos que para o alcance de possibilidades objetivas de investigação no trabalho
de campo, faz-se necessário que o investigador tenha a confiança dos participantes, e que
estes se sintam à vontade com a presença do investigador (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.
113). Desse modo, naquele momento, selecionamos para realização da pesquisa a escola em
que tanto a equipe gestora (diretor e coordenador) como as professoras participantes da
pesquisa se mostraram receptivas à nossa proposta de investigação.
3.4.2 Caracterização da escola
No Quadro 2, a seguir, expomos a caracterização da Escola Tesouro, lócus da pesquisa.
Tal caracterização foi realizada conforme informações obtidas através do Questionário de
Caracterização da Escola (QCE), respondido pela diretora da unidade escolar, dos registros da
observação do contexto e da análise do documento Projeto Político Pedagógico (PPP).
Quadro 2 – Caracterização da escola, local de realização da pesquisa.
Caracterização da “Escola Tesouro”
Localização Região leste do município de Cuiabá
Ano de fundação 1986
Início do regime de ciclos 2001
Quantidade de professores Efetivos: 9 Contratados: 6
Quantidade de alunos Educação Infantil: 135
1º ciclo do Ensino Fundamental: 249
Quantidade de turmas Educação Infantil: 6
1º ciclo do Ensino Fundamental: 10
Quantidade de salas de aula 8
Fonte: Diário de Campo da Pesquisadora e PPP da escola.
A escola conta com sala de professores, secretaria, uma sala de leitura e um laboratório
de informática com 08 (oito) computadores e acesso a internet. Todas as dependências são
88
climatizadas e equipadas. A escola disponibiliza aos professores recursos midiáticos como
data show, aparelhos de televisor e DVD, aparelhos de som etc.; materiais pedagógicos de
linguagem (alfabeto móvel, quebra-cabeça silábico etc.) e de Matemática (dominó dos
numerais, material dourado, escala cuisenaire etc.), e um acervo de cerca de 700 títulos de
literatura infantil.
A equipe gestora é constituída de uma diretora, uma coordenadora pedagógica e uma
secretária escolar. O quadro docente é composto por quinze professores, dos quais, nove são
efetivos e seis prestadores de serviço por contrato temporário. Atende a população de sete
bairros periféricos, na zona urbana de Cuiabá-MT. A partir do seu quadro de funcionamento,
em 2001, a escola aderiu à proposta da SME, apresentada em outro item deste trabalho, de
organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana, denominando Projeto
Escola Sarã17.
3.4.3 Caracterização das professoras participantes da pesquisa
Conforme mencionamos anteriormente, nossa intenção inicial era investigar três
professores que atuam no 1º ciclo, sendo uma de cada ano que compõe o referido ciclo. No
entanto, durante o trabalho de campo ocorreram dois fatos que nos levaram a reconfigurar a
pesquisa. O primeiro refere-se à exclusão da professora do 1º ano devido à mesma não ser
graduada em Pedagogia. Outro fato é que a professora do 2º ano afastou-se de seus trabalhos
para o gozo de Licença Prêmio, não prevista no momento de seleção da escola e das
professoras participantes da pesquisa. Considerando que já tínhamos dados substanciais da
professora do 2º ano que entrou de licença e, mediante a disposição da professora que a
substituiu em participar da investigação, optamos por incluir na investigação mais uma
professora do 2º ano.
Deste modo, participaram da pesquisa três professoras que atuam no 1º Ciclo do Ensino
Fundamental, sendo duas no 2º ano (que atuaram na mesma turma) e uma do 3º ano,
identificadas pelos nomes fictícios de Leci (2º ano), Lúcia (2º ano) e Eliane (3º ano), para
garantir o sigilo dos seus nomes e o anonimato das informações produzidas.
A seguir, apresentamos as respectivas professoras, conforme informações obtidas
através do Questionário de Caracterização das Professoras (QCP – Anexo V):
17 Denominação da organização do Ensino Fundamental em Ciclos de Formação Humana da Rede Pública
Municipal de Cuiabá.
89
Leci (leciona no 2º ano do 1º ciclo – atuou de 04/02/2013 a 06/09/2013) tem 49 anos
de idade, concluiu o curso de Pedagogia em 1999 e a especialização em alfabetização em
2011, ambos em instituições particulares. É professora efetiva da rede pública de educação do
município de Cuiabá- MT e não exerce outra profissão. Possui 27 anos de experiência na
docência, dos quais, doze anos atuando no 1º ciclo, com jornada de 40 horas semanais na
escola investigada. Em relação à formação continuada sobre o ensino organizado em ciclos,
participou de seminários promovidos pela SME em 1999, ocasião das discussões para a
implantação dos Ciclos de Formação Humana (CUIABÁ, 2000) na rede municipal de ensino
de Cuiabá. Quanto à formação continuada em Educação Matemática nos últimos cinco anos,
participou do Pró Letramento Matemática.
Lúcia (leciona no 2º ano do 1º ciclo – atuou de 09/09/2013 a 12/12/2013) tem 42
anos, frequentou escolas públicas até o Ensino Médio. Já a graduação em Pedagogia,
concluída em 2003, foi cursada em uma instituição privada. Possui sete anos de experiência
na docência, sendo três anos no 1º ciclo do Ensino Fundamental na escola investigada, através
de prestação de serviços por contrato temporário junto a SME de Cuiabá- MT. À época,
possuía contrato de 40 horas semanais, trabalhados em duas escolas e não exercia outra
profissão. Questionada sobre a participação em formação continuada acerca do ensino
organizado em ciclos e Educação Matemática, afirmou não ter participando de nenhuma
formação continuada sobre as temáticas mencionadas.
Eliane (leciona no 3º ano do 1º ciclo) tinha à época, 48 anos de idade, teve a sua
formação acadêmica integralmente na rede pública de ensino, concluindo a graduação em
pedagogia em 2003. Exerce a função docente há 30 anos, sendo, os primeiros dez anos na
Educação Infantil e os últimos 20 anos nos anos iniciais/1º ciclo do Ensino Fundamental, dos
quais, três anos, na escola investigada. Efetiva na rede pública de educação do município de
Cuiabá-MT, não exerce outra profissão. Sobre a sua formação continuada referente ao ensino
organizado em ciclos, declarou ter participado de seminários promovidos pela SME no ano de
1999, ocasião das discussões para a implantação dos ciclos de formação humana (CUIABÁ,
2000) na rede municipal de ensino de Cuiabá. Quanto à formação continuada, específica, em
Educação Matemática, afirma que nos últimos cinco participou apenas do Pró Letramento
Matemática.
Apresentamos a seguir os dados de caracterização das professoras participantes da
pesquisa, resumidos no Quadro 3:
90
Quadro 3 – Síntese da caracterização das professoras participantes da pesquisa
Professora
Leci
Professora
Lúcia Professora Eliane
Idade 49 anos 42 anos 48 anos
Ano que leciona 2º ano 2º ano 3º ano
Formação inicial Pedagogia Pedagogia Pedagogia
Especialização Em Alfabetização Não Não
Formação continuada
Educação Matemática
Pró Letramento Não Pró Letramento
Atuação como docente 27 anos 7 anos 30 anos
Atuação no 1º ciclo 12 anos 3 anos 20 anos
Situação trabalhista Efetiva Prestação de serviço
contrato temporário
Efetiva
Jornada de trabalho
semanal
40h/aula 40h/aula 40h/aula
Turno que trabalha Matutino
Vespertino
Matutino
Vespertino
Matutino
Vespertino
Trabalha em outra
instituição escolar
Não Sim Não
Exerce outra profissão Não Não Não
Fonte: Questionário de Caracterização das Professoras (QCP).
Exporemos, a seguir, as fontes e os procedimentos de produção dos dados da pesquisa.
3.5 AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO DOS DADOS
Concluídos os processos de seleção e formalização da autorização da pesquisa,
iniciamos os trabalhos de campo. Em pesquisa com abordagem qualitativa do tipo estudo de
caso, que ora empreendemos, o trabalho do investigador no processo de produção dos dados
da pesquisa no ambiente natural onde o fenômeno estudado se manifesta, neste caso o espaço
escolar, constitui-se no momento mais importante da pesquisa (BOGDAN e BIKLEN, 1994;
LUDKE e ANDRÉ, 1986; GONZÁLES REY, 2012; STAKE, 2010 e outros).
Fiorentini e Lorenzato (2012, p. 101) ao destacar a importância do trabalho de campo
para a produção das informações, nos advertem, que estas “não nos fornecem gratuitamente as
explicações que buscamos”. O pesquisador, orientado pelas questões que se pretende
investigar, é quem produz os dados “mediante um processo interativo de diálogo e
questionamento da realidade”. Para os autores, “há várias formas de interrogar a realidade e
coletar informações [...]. O pesquisador, visando obter maior fidedignidade, pode lançar mão
de mais de uma técnica, procurando, assim, triangular informações” (FIORENTINI e
LORENZATO, 2012, p. 102).
91
Corroborando com a ideia da necessidade de diversidades de fontes de informação,
Triviños (1987, p. 137) afirma que a pesquisa com abordagem qualitativa, “não admite visões
isoladas, parceladas, estanques. Ela se desenvolve em interação dinâmica retroalimentando-se,
reformulando-se constantemente”. Nesse sentido, o investigador, num constante diálogo entre
teoria e realidade, deve lançar mão de diferentes instrumentos e procedimentos a fim de
produzir dados que lhe possibilite a interpretação dos sentidos e significados que os
participantes da pesquisa atribuem ao objeto investigado (GONZÁLES REY, 2012).
Nesta perspectiva, em nossa investigação, buscando as informações necessárias para
uma triangulação pela recorrência e singularidade dos dados, a observação com registro em
diário de campo, a entrevista semiestruturada, a análise documental e o questionário, foram
modos de produzir as informações sobre o nosso objeto de estudo, conforme descrevemos na
sequência.
Questionários
Em nossa investigação utilizamos dois questionários com a finalidade de levantar
informações que nos possibilitasse elaborar a caracterização da escola em que a pesquisa foi
realizada, e a caracterização das professoras participantes da investigação. Sua aplicação
ocorreu na ocasião em que se oficializou a realização da pesquisa na escola investigada,
marcando o início da nossa aproximação com o contexto e as professoras envolvidas na
pesquisa. O quadro 4, abaixo, relaciona os questionários utilizados e as informações que se
pretendeu alcançar com a aplicação de cada um deles.
Quadro 4 - Questionários e suas finalidades
Questionários Estrutura e finalidades
Questionário de Caracterização
da Escola (QCE)
Composto de questões mistas, teve como objetivo obter informações sobre
a estrutura e o funcionamento da escola, bem como dados referentes ao
acervo de materiais pedagógicos, de multimídia e livros de literatura da
escola lócus da pesquisa.
Questionário Caracterização
das Professoras (QCP)
Constituído de questões mistas, teve como objetivo obter informações das
professoras participantes sobre a formação acadêmica, as experiências
profissionais, bem como, sobre a formação continuada em Educação
Matemática e o ensino organizado em ciclos de formação humana.
Fonte: A autora
92
Diário de campo
Para registrar as observações realizadas pela pesquisadora durante o trabalho de campo,
utilizamos o registro escrito em “diário de campo”. A escolha deste instrumento se deu em
corroboração à opinião de Fiorentini e Lorenzato (2012) de que o “diário de campo” constitui
um dos mais ricos instrumentos de produção de dados durante as observações em campo, uma
vez que estes podem conter, simultaneamente, aspectos descritivos e interpretativos do
fenômeno investigado.
Ludke e André (1986, p. 26) ressaltam a importância da observação, como
procedimento de produção de dados nas investigações de cunho qualitativo, porque esta
possibilita o “contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado”, o que
permite uma verificação mais acurada do objeto estudado. Corroborando com a ideia das
autoras, Stake (2010, p. 60, tradução nossa), afirma que as observações “conduzem o
investigador para uma melhor compreensão do caso18
”. Isto porque, segundo o autor, o plano
de observação se forma mediante os objetivos, o que conduz o olhar do pesquisador para as
sutilezas dos aspectos relevantes do caso em seu contexto. “Durante a observação, o
pesquisador qualitativo em estudos de caso registra bem os eventos para oferecer uma
descrição relativamente inquestionável para posterior análise e relatório final19
” (STAKE,
2010, p. 61, tradução nossa, grifo do original).
Nessa investigação, a observação participante foi realizada durante o segundo semestre
de 2013. O termo “participante” é aqui empregado na acepção de Fiorentini e Lorenzato
(2012, p. 107), em que significa, “principalmente, participação com registro das observações,
procurando produzir pouca ou nenhuma interferência no ambiente de estudo”.
Stake (2010) ressalta a atenção especial que deve ser dada ao contexto nas observações
em campo. Nesse sentido, durante o trabalho em campo, além da observação das aulas das
professoras participantes, foram observadas e registradas, conversas informais, aspectos de
momentos coletivos e de eventos do cotidiano, concernentes ao trabalho pedagógico escolar,
relacionados direta ou indiretamente ao nosso problema de investigação, tais como: os
encontros do projeto Roda de Conversa20
(RC), a organização e funcionamento da Hora
18 Las observaciones conducen al investigador hacia uma mejor comprensión del caso. 19 Durante la observación, el investigador cualitativo en estudio de casos registra bien los acontecimientos para
ofrecer una descripción relativamente incuestionable para posteriores análisis y el informe final. 20
Projeto institucional de formação continuada da equipe gestora e professores da rede municipal de Cuiabá,
com os dias dos encontros previstos em calendário escolar, cujo objetivo, entre outros, é “apoiar a formação de
conhecimentos específicos dos diferentes profissionais da educação, de acordo com as necessidades formativas
93
Atividade21
(HA) das professoras investigadas e do planejamento anual de Matemática para o
1º ciclo durante a Semana Pedagógica22
(SP) de 2014.
As informações produzidas nos eventos coletivos nos auxiliaram na contextualização
dos conhecimentos e das práticas manifestadas pelas professoras participantes em sala de
aulas e nas entrevistas.
As conversas informais ocorreram ao longo de todo o trabalho de campo e serviram
para aproximar mais a pesquisadora do contexto e das professoras investigadas, propiciando o
conhecimento mútuo e o levantamento de informações que serviram para complementar os
dados obtidos com outros instrumentos.
As observações em sala de aula restringiram-se às aulas de Matemática das professoras
investigadas. Nestas observações, constituíram-se objeto de nossa atenção os conhecimentos
profissionais e as práticas das professoras referentes aos conceitos do SND, manifestos
através das falas, comportamentos e atitudes, a saber: a forma de abordagem do conteúdo, as
explicações e exemplos.
E, também, a utilização, ou não, de material pedagógico e manipulativo, a articulação
entre o conteúdo e as experiências culturais dos alunos; a valorização, ou não, das estratégias
individuais dos alunos na resolução das atividades propostas; a gestão da sala de aula e a
relação professor-aluno, entre outros. Tais aspectos nos parecem, à luz de nosso referencial
teórico, essenciais para desvelar os conhecimentos profissionais e situar as práticas escolares
das professoras particioantes da pesquisa, referentes ao ensino do SND.
Ao registrar as observações da prática pedagógica das professoras, procuramos realizar
o maior número de anotações no momento das observações das aulas, onde buscamos, dentro
do possível, reproduzir os diálogos, descrever atividades, procedimentos didáticos e a
dinâmica das aulas, bem como, as nossas reflexões teóricas frente aos aspectos observados e,
o nosso próprio comportamento enquanto observadora.
Essas anotações, posteriormente, foram digitadas e sistematizadas em relatos de
observação das aulas (OA), subdivididos em três partes: o cabeçalho de identificação, uma
parte descritiva, e outra interpretativa. No cabeçalho eram registrados data, nome da
identificadas, articulando teoria e prática e tendo como eixo a análise do contexto e a reflexão da prática
pedagógica” (CUIABÁ, 2007, p.57). 21 De acordo com a Lei Complementar Nº 220 de 20/12/2010, Art. 33, Parágrafo único – “Entende-se por hora-
atividade aquela destinada ao planejamento e avaliação do trabalho pedagógico, às reuniões pedagógicas, aos
cursos de aperfeiçoamento profissional, à articulação com a comunidade escolar e à colaboração com a gestão da
escola, de acordo com a proposta da unidade de ensino e as políticas educacionais da SME”. 22
Na rede municipal de ensino de Cuiabá, é denominado “Semana Pedagógica”, o período que antecede o início
do ano letivo, previsto em calendário escolar, destinado ao planejamento coletivo dos aspectos pedagógico e
administrativo do ano letivo escolar e, constitui-se a primeira etapa do projeto Roda de Conversa.
94
professora, número de alunos presentes e ausentes, duração das observações, conteúdo
trabalhado, o tipo de atividade e os procedimentos didáticos. A segunda parte compreendia a
descrição do desenvolvimento da aula, contemplando as situações de interação envolvendo a
tríade professora-aluno-conhecimento. Na terceira parte, registramos as nossas percepções e
opiniões, enfim, nossas reflexões a partir das situações observadas e nosso referencial teórico
– indicativos para futuras análises dos dados. Quanto às observações do contexto, buscando
maior acuidade das informações produzidas, os registros, quando não era pertinente a sua
realização em tempo real, foram realizados no mesmo dia das observações.
Conforme organização da escola investigada era previsto o trabalho com a Matemática
no 1º ciclo do Ensino Fundamental, duas vezes por semana em dias pré-determinados, sendo
duas horas aulas num dia e quatro horas no outro dia. Nesse sentido, as definições dos dias e
horários para a nossa observação das aulas das professoras, obedeceram a este planejamento
preexistente.
As observações das aulas de Matemática da professora Leci e da professora Lúcia que a
substituiu na turma do 2º ano eram realizadas nas terças-feiras, das 7h às 11h, e nas sextas-
feiras, das 9h30min às 11h. Foram observadas, no período de 06/08 a 06/9/13, em 07 (sete)
dias, 22 (vinte e duas) horas aulas da professora Leci. As observações das aulas da professora
Lúcia, ocorreram no período de 16/09 a 02/12/13, compreendendo 12 (doze) dias, nos quais
computamos 29 (vinte e nove) horas aulas.
Já o acompanhamento das aulas de Matemática da professora Eliane no 3º ano do 1º
ciclo, foi realizado nas quintas-feiras, das 13h às 16h, e nas sextas-feiras, das 13h às
15h15min, no período de 08/08 a 05/12/13, 14 (quatorze) dias, resultando na observação de
40 (quarenta) horas aulas.
O total de horas-aula mencionado refere-se apenas à carga horária de efetivo trabalho,
de cada professora, com a Matemática. Não foram computados os dias/horas aulas, em que
estivemos na escola e/ou permanecemos nas salas de aulas, mas as professoras, por motivos
diversos, não deram aulas, ou desenvolveram outras atividades nos dias/horários previstos
para o ensino de Matemática.
Entrevista semiestruturada
Para a produção de dados de nossa pesquisa, dentre os instrumentos utilizados, a
entrevista semiestruturada associada à observação, se constituiu estratégia fundamental da
investigação. Concebemos como entrevistas semiestruturadas, aquelas que o pesquisador
95
tendo como foco os objetivos da investigação, “organiza um roteiro de pontos a serem
contemplados durante a entrevista, podendo, de acordo com o desenvolvimento da entrevista,
alterar a ordem dos mesmos e, inclusive, formular questões não previstas inicialmente”
(FIORENTINI e LORENZATO, 2012, p.121).
Nesse sentido, Bogdan e Bikle (1994) ressaltam que as entrevistas semiestruturadas,
configuram-se em um instrumento de produção de dados descritivos na linguagem do próprio
entrevistado, permitindo, ao investigador, desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a
maneira como os participantes da pesquisa interpretam aspectos do mundo. Ou seja, essa
modalidade de entrevista valoriza a presença do pesquisador e oferece aos colabores da
pesquisa a possibilidade de se expressarem de maneira espontânea seus pensamentos e
experiências a respeito do objeto em questão.
Com esse entendimento, fizemos uso da entrevista semiestruturada objetivando elucidar
informações obtidas através de outros instrumentos e procedimentos. Assim, buscamos
aprofundar percepções acerca das trajetórias/experiências das professoras com a Matemática e
dos seus conhecimentos profissionais referentes ao SND. As entrevistas aconteceram após um
mês de observação em campo. Tal fato oportunizou o conhecimento mútuo e o ganho da
confiança das professoras pela pesquisadora, o que contribuiu para o clima amistoso em que
ocorreram as entrevistas. Estas se constituíram em forma de diálogo, no qual, mediante
informações apresentadas nas respostas, buscamos ampliar o campo investigativo acerca da
temática em pauta, o que colaborou para que as informações produzidas fossem mais
representativas.
Realizamos uma entrevista com cada professora, em ocasiões individuais, durante o
momento de “hora-atividade”, de acordo com as conveniências de cada professora e da equipe
gestora da escola. Estas aconteceram no espaço da sala de leitura, com duração de no máximo
uma hora e vinte minutos, variando de acordo com a entrevistada. Esse material foi gravado e,
posteriormente, transcrito
As entrevistas (E) foram conduzidas a partir de um roteiro (Apêndice VI), constituído
de perguntas subjetivas, divididas em dois blocos. O primeiro bloco teve como objetivo
compreender a relação das professoras com a Matemática durante vivências acadêmicas, tanto
na escola básica quanto na graduação, e a influência destas na sua prática docente. O segundo
bloco versou sobre o ensino e aprendizagem do Sistema de Numeração Decimal e objetivou
investigar os conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares das professoras
referentes ao SND.
96
Documentos escolares
Conforme destaca Stake (2010), quase todos os estudos requerem, de uma forma ou de
outra, a análise de documentos. Em nossa pesquisa o procedimento de “análise documental”
se mostrou necessário, uma vez que os “documentos são muitos úteis nos estudos de caso
porque complementam informações obtidas por outras fontes e fornecem base para a
triangulação dos dados” (ANDRÉ, 1995, p. 53).
Que documentos recolher e analisar? Stake (2010) nos indica o caminho ao esclarecer
que a decisão do pesquisador sobre quais documentos devem ser recolhidos e analisados, deve
levar em conta a utilidade potencial de cada documento, tendo em vista os objetivos da
investigação.
Como anunciado, anteriormente, investigar e analisar as práticas das professoras
participantes, referentes ao ensino do SND, faz parte de nossos objetivos. Entendemos que
apenas a observação das aulas não fornece todos os elementos para situarmos as práticas
docentes destas professoras, pois estas não se limitam à dimensão das interações no espaço da
sala de aula. Uma das atividades que compõe a prática docente é o planejamento da ação
educativa, em seus diferentes níveis: o planejamento da escola, representado no plano integral
da instituição, ou seja, no Projeto Político Pedagógico (PPP), o planejamento de ensino –
aprendizagem que se configura nos planos de curso e planos de aulas (VASCONCELLOS,
2012).
Com o propósito de complementar e contextualizar as informações produzidas nas
observações e entrevistas, fornecendo elementos para o cruzamento de dados, e
consequentemente aumentar as possibilidades de interpretação das práticas e dos
conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares das professoras investigadas referentes
ao SND, no processo de produção dos dados da pesquisa, recolhemos e analisamos os
documentos escolares (caracterizados com base em VASCONCELLOS, 2012), abaixo
relacionados:
1. Projeto Político Pedagógico da escola – sua elaboração envolve, ou deveria envolver
todos os segmentos da escola. Constitui no plano maior da escola abrangendo tanto a
dimensão pedagógica, quanto a comunitária e administrativa. Elemento de organização e
integração da atividade prática da escola define o tipo de ação educativa que quer realizar
enquanto instituição. O Projeto Político Pedagógico da escola contexto de nossa pesquisa foi
reelaborado em 2009. O documento contém a identificação da escola, a missão, os valores, a
visão de futuro, marco situacional e referencial (histórico do funcionamento da escola e
97
diagnóstico dos anseios e proposições da comunidade escolar e indicativos das bases legais e
teóricas para o projeto educativo da escola), a organização administrativa e pedagógica (opção
pela “Metodologia de Projetos de Trabalho”), os projetos desenvolvidos na escola (Sala de
Apoio, Projeto de Leitura, Projeto de informática, de Formação Continuada), a proposta
pedagógica para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental. Este documento foi cedido
para nossa pesquisa em agosto de 2013.
2. Planos de curso anual e bimestrais – articulado, ou deveria ser, ao PPP da unidade, é
elaborado, enquanto explicação da proposta geral de trabalho do professor para uma
disciplina/ano/ciclo possibilita a comunicação entre os professores, facilitando a integração
curricular e, evitando repetições e vazios curriculares. Em nossa pesquisa, os dois “Planos
Anual de Ensino” recolhidos – um para o 2º ano e outro para o 3º ano do 1º ciclo – foram
elaborados pelas professoras participantes da investigação durante a Semana Pedagógica 2013
(primeira semana, após o recesso, em que a escola se reúne para discutir o ano letivo que se
iniciará). Tais planos contem justificativa, o objetivo geral e os objetivos específicos e
conteúdos a serem desenvolvidos durante o ano letivo em cada área. Os planejamentos
bimestrais compreendem um recorte do plano anual para cada bimestre.
3. Caderno de plano do professor – é a proposta de trabalho de cada professora para
uma aula ou conjunto de aulas, com maior detalhamento e objetividade dos aspectos
didáticos-pedagógicos. Representa a orientação do que fazer em cada aula. Os cadernos foram
cedidos pelas professoras após o término do ano letivo na escola e devolvidos na data
combinada.
4. Cadernos de alunos – além dos planos produzidos pelas professoras, ao fim do ano
letivo, decidimos solicitar-lhes que nos disponibilizassem dois cadernos de seus respectivos
alunos, nos quais deveriam conter todo o conteúdo matemático trabalhado no decorrer do ano
letivo. Com isso, poderíamos ter uma noção do trabalho didático com o SND no universo dos
conteúdos matemáticos trabalhados em momentos não observados. Cada participante
selecionou e nos entregou dois cadernos para análise, porém, nem todos os cadernos traziam
as atividades do ano todo, apenas do segundo semestre. Assim limitamos nossa análise nos
cadernos dos alunos, aos aspectos relativos ao tipo de atividade e de correção, fazendo uma
interlocução com os planos de aulas das respectivas professoras.
Expomos, no próximo item, diretrizes sobre a organização para orientar a leitura dos
dados.
98
3.6 ORGANIZAÇÃO PARA A LEITURA DOS DADOS DA PESQUISA
Neste item, exibimos um inventário dos dados da pesquisa, conforme descrição no
Quadro 5. Na sequência, para facilitar a leitura e entendimentos das informações resultantes
da investigação, apresentamos os arranjos que adotamos para identificar os dados oriundos de
cada instrumento e procedimentos, nas análises feitas no corpo deste trabalho.
Quadro 5 - Inventário dos dados da pesquisa.
Fonte/Instrumentos e procedimentos Identificação/Sigla Quantidade
Questionário Caracterização da Escola QCE 1
Questionário de Caracterização das
Professoras
QCP 3
Diário de Campo DC 1
Entrevista E 3
Projeto Político Pedagógico da escola PPP 1
Planos de curso anual e bimestrais PA/PB 2º ano – 5 planos
3º ano – 3 planos
Caderno de planejamento do professor CP Leci e Lúcia
1 caderno (compartilhado)
Eliane - 1 caderno
Cadernos de alunos CA 04 cadernos (2 de alunos do 2º
ano e 2 do 3º ano)
Fonte: A autora
As informações produzidas por meio de questionários, ao serem citadas, são
identificadas pela sigla, precedida pelo nome da professora respondente. Exemplo: (Leci,
QCS), que corresponde à informação dada pela professora Leci no questionário de
caracterização.
De igual modo procedemos para as entrevistas, que serão identificadas pela letra “E”
(da palavra entrevista), antecedida pelo pseudônimo da professora entrevistada. Exemplo:
(Lúcia, E), indicando fala da professora Lúcia, durante a entrevista.
As anotações que foram feitas no Diário de Campo são apresentadas de duas maneiras:
através de Episódios, os quais compreendem relatos de parte das aulas de Matemática
realizadas pela professora que melhor ilustram a sua prática pedagógica. Segundo Lanner de
Moura (1995), os Episódios de Ensino são ações relativas ao ensino que ajudam responder
nosso problema de investigação. E, através de trechos dos diferentes registros durante o
trabalho de campo.
As anotações que correspondem às falas das professoras são identificadas com seus
respectivos nomes, a sigla DC (das iniciais de Diário de Campo) e a data da ocorrência. Desse
99
modo, (Eliane, DC, 06/08/13), significa algo pronunciado pela professora Eliane em 06/08/13
durante algum momento da observação de sua aula ou em alguma conversa informal conosco.
As falas de outros membros da escola serão identificadas pela função, a sigla DC e a
data de ocorrência. Assim, (Diretora escolar, DC, 10/11/13), significa uma fala da diretora da
escola. De igual modo procedemos com os relatos realizados pela pesquisadora durante o
trabalho de campo. Estes são diferenciados pela sigla do evento, identificação dos
participantes e data de ocorrência. Exemplos: (DC/RC, Equipe escolar, 29/07/2013), que
representa o nosso relato em Diário de Campo, referentes às observações do encontro coletivo
do projeto Roda de Conversa, realizado no dia 29/07/2013.
Em relação aos documentos, identificamos a sigla do documento, a professora em
questão e o ano que leciona. Assim, (CP, Leci- 2A) corresponde ao caderno de planos da
professora Leci do 2º ano; (CA, 3A, Eliane) indica caderno de aluno do 3º ano da professora
Eliane. Quando mencionamos os livros didáticos utilizados pelos alunos adotamos a sigla
LD2-A para indicar o livro usado pelos alunos do 2º ano e LD3-A para indicar o livro
utilizado pelos alunos do 3º ano.
Optamos por expor o movimento de construção das categorias de análise no próximo
capítulo, no qual apresentamos e discutimos os dados da pesquisa.
100
CAPÍTULO IV - CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES AO ENSINAR O SISTEMA DE NUMERAÇÃO
DECIMAL: ALGUNS INDÍCIOS
Neste capítulo, intentamos responder nosso questionamento acerca dos conhecimentos
profissionais e das práticas pedagógicas das professoras participantes deste estudo, referente
ao SND. Assim, apresentamos e discutimos as informações produzidas a partir de entrevistas,
observação do contexto e das aulas de Matemática das professoras e da análise de documentos
escolares, durante o trabalho de campo da pesquisa.
Desse modo, fundamentadas nos pressupostos teóricos que orientam o presente estudo,
entendemos que para compreender os conhecimentos profissionais e as práticas escolares das
professoras colaboradoras da pesquisa referentes ao SND, precisamos analisá-las tendo em
perspectiva a sua historicidade e movimento e constituição (VYGOTSKY, 1988). Isto
significou considerar o processo histórico de formação destas professoras, as suas práticas no
contexto das condições objetivas e subjetivas de organização do trabalho pedagógico e de
formação contínua, dentro do espaço escolar onde atuam.
4.1 CAMINHOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS: AS CATEGORIAS DE ANÁLISE
Como podemos notar a questão central de nossa investigação – Que conhecimentos
profissionais sobre o Sistema de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º
e 3º anos do Ensino Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este
conteúdo numa escola da rede municipal de Cuiabá? – envolve aspectos bastante complexos
no âmbito do ensino de Matemática nos anos iniciais. Tal complexidade nos encaminhou,
como já explicitado anteriormente, para o desenvolvimento de uma pesquisa do tipo estudo de
caso, requerendo a adoção de uma diversidade de instrumentos e procedimentos na produção
de dados na tentativa de buscarmos, dentro do possível, um estudo em profundidade do objeto
investigado.
Esse cenário da pesquisa nos impôs um grande desafio: como considerar os aspectos
multifacetados dos conhecimentos profissionais e das práticas pedagógicas de professores dos
anos iniciais referentes a um conceito fundamental para a construção dos conhecimentos
matemáticos, o SND, de maneira significativa? Ou, como diz Caraça (1998), ao tratar sobre
101
essa dificuldade de se estudar qualquer fato natural: “se tudo depende de tudo, como fixar a
nossa atenção num objeto particular do estudo? Temos que estudar tudo ao mesmo tempo?” O
próprio Caraça nos aponta como alternativa para superar essa dificuldade um recorte dessa
totalidade, que ele denominou de isolado: “um conjunto de seres e fatos abstraídos de todos os
outros que com eles estão relacionados”, ou seja, “uma seção da realidade, nela recortada
arbitrariamente” (CARAÇA, 1998, p. 105).
Na busca por um caminho para a análise dos dados da pesquisa, a ideia de “isolado” nos
ajudou diante da impossibilidade de compreender todas as dimensões dos conhecimentos
profissionais e das práticas pedagógicas das professoras relativas ao SND. Foi necessário
fazer um recorte desta realidade, para que compreenda nela “todos os fatores dominantes, ou
seja, todos aqueles cuja ação de interdependência influi sensivelmente no fenômeno a
estudar” (CARAÇA, 1998, p. 105).
A leitura dos dados foi nos revelando que os conhecimentos profissionais se apresentam
entrecruzados e em movimento, tanto no processo histórico dos percursos formativo e
profissional e nas práticas individuais efetivadas em sala de aula, quanto no contexto maior
onde as práticas das professoras se efetivam.
Por outras palavras, fomos percebendo a impossibilidade de análise dos conhecimentos
profissionais de forma estanque, baseado apenas nas declarações ou manifestações nas
práticas de sala de aula, no momento presente, sem considerar o movimento de construção e
transformação destes no entrelaçamento dos percursos individual e coletivo vivenciados pelas
professoras. Ou seja, percebemos que o movimento de construção e transformação dos
conhecimentos profissionais das professoras está inter-relacionado aos percursos formativos e
profissionais; à organização coletiva do processo educativo no contexto escolar e às práticas
pedagógicas efetivadas em sala de aula.
Esse processo de diálogo entre os dados empíricos e nosso referencial teórico nos levou
a eleger, a posteriori, as seguintes categorias de análise: 1) o movimento de construção dos
conhecimentos profissionais e das práticas pedagógicas referentes ao conhecimento
matemático SND: os percursos pessoais das professoras; 2) a organização do trabalho
pedagógico na escola: o contexto de atuação das professoras e 3) prática pedagógica referente
ao SND: a ação das professoras na sala de aula.
Nesse sentido, o “conhecimento do conteúdo específico”, o “conhecimento pedagógico
do conteúdo” e o “conhecimento curricular” das professoras participantes relativo ao SND,
serão discutidos de forma transversal nas três categorias.
102
A apresentação de cada categoria será feita no início do item em que faremos a
apresentação, interpretação e análise dos dados correlatos ao recorte privilegiado na categoria
em questão. Nesse momento, então, apenas anunciamos as características gerais de cada
categoria e a dinâmica utilizada na apresentação e análise dos dados nas três categorias.
O movimento de construção dos conhecimentos profissionais e das práticas
pedagógicas referentes ao conhecimento matemático SND: os percursos pessoais das
professoras - nesta categoria, tendo como ponto de partida as experiências escolares,
acadêmicas e profissionais das professoras referente à Matemática, buscamos compreender as
relações e concepções que cada professora foi estabelecendo com essa ciência e a forma como
foram constituindo os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas, especialmente
relativas ao SND, ao longo de suas trajetórias como estudantes e como professoras.
A organização do trabalho pedagógico na escola: o contexto de atuação das
professoras - nesta categoria objetivamos discutir como a organização e distribuição dos
tempos e espaços do trabalho educativo na escola e as condições de organização do trabalho
pedagógico (espaços coletivos e individuais de formação continuada, de planejamentos,
disponibilidade de materiais e recursos didático-pedagógicos) podem influenciar na
constituição dos conhecimentos profissionais e nas práticas pedagógicas das professoras em
sala de aulas.
Prática pedagógica referente ao SND: a ação das professoras na sala de aula - esta
categoria busca apresentar e discutir a ação pedagógica desenvolvida em sala de aulas pelas
professoras participantes ao trabalhar o SND, evidenciando os tipos de atividades que são
propostas, as formas de correção, os recursos utilizados, as interações e mediações na relação
professor-aluno-aluno-conhecimento, bem como, os conhecimentos específicos, pedagógicos
e curriculares manifestados.
Essas três categorias visam possibilitar a compreensão do movimento, individual e
coletivo, da constituição dos conhecimentos profissionais e das práticas das professoras
referentes à Matemática. Ainda, como a organização do trabalho pedagógico na escola pode
influenciar no processo de construção destes conhecimentos e consequentemente, nas práticas
pedagógicas das professoras. E, buscando responder ao nosso problema de investigação,
apresentar e analisar os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das professoras
participantes, sobre o SND.
Nesta perspectiva, adotamos duas formas de abordagem na apresentação e análise dos
dados. Na primeira e na terceira categoria realizamos, num primeiro momento, a apresentação
103
e a análise individual dos dados de cada professora. Posteriormente, apresentamos ao final de
cada uma das referidas categorias uma síntese das análises.
Já na segunda categoria, para melhor mostrar as interfaces entre os conhecimentos e
práticas das nossas colaboradoras e o contexto da escola onde atuam, procedemos à
apresentação e análise dos dados de maneira simultânea, ou seja, analisamos os dados
relacionados à organização do trabalho pedagógico e de formação continua na escola e das
três professoras concomitantemente.
4.1.1 O movimento de construção dos conhecimentos profissionais e das práticas
pedagógicas referentes ao conhecimento matemático SND: os percursos pessoais
das professoras
Nesta seção, apresentamos os percursos escolares e profissionais de Leci, Lúcia e
Eliane, relativos aos conhecimentos matemáticos. Nosso objetivo é apresentar e discutir,
individualmente, as experiências escolares e profissionais das professoras com a Matemática e
a relação destas com os conhecimentos profissionais manifestados e as práticas pedagógicas
referentes ao SND. As informações expostas nesta seção, em grande parte, são recortes das
entrevistas (E), nas quais dialogamos sobre suas experiências e os conhecimentos
matemáticos, primeiro na condição de aluna e depois na condição de professora que ensina
Matemática.
O Percurso de Leci
No período em que realizamos a pesquisa Leci tinha 49 anos de idade. A professora é
natural de uma pequena cidade do interior do Estado de São Paulo. Neste mesmo Estado
concluiu o Ensino Fundamental, o curso de Magistério e a graduação em Pedagogia, sendo o
último curso realizado em instituição privada. Exerce a profissão docente há 27anos, dos
quais 13 anos na atual escola e destes, 12 anos atuando em turmas do 1º ciclo/anos iniciais do
Ensino Fundamental.
A relação de Leci com a Matemática no período de estudante foi amistosa. Ela nos
conta que não teve dificuldades com essa área de conhecimento em nenhuma etapa de sua
escolarização. Afirma que desenvolveu o gosto por esta ciência influenciada pela sua
professora da 4ª série, em suas palavras:
104
Ela gostava tanto de Matemática que ela transmitiu isso para mim. Ela tinha tanta
facilidade que ela passou isso pra mim, eu simplesmente adoro Matemática23 [...].
Na quarta série tive essa professora que marcou, mas eu nunca tive dificuldades
com a Matemática. Eu acho que tive uma base boa no Ensino Fundamental [...].
Eu tenho facilidade com a Matemática, com o raciocínio lógico. Então eu acho que
é por isso que eu gosto da Matemática. Eu não sinto dificuldade com ela (Leci, E).
Estas declarações de Leci explicitam, felizmente, que a mesma vivenciou experiências
prazerosas com a Matemática, nos anos iniciais no Ensino Fundamental; que as referências
constituídas em relação à Matemática, nesta etapa de escolarização, foram positivas. No
entanto, seus relatos nos indicam, também, que o ensino de Matemática priorizou o seu
aspecto numérico com ênfase na lógica formal, e que a aprendizagem desta compreendia a
aquisição de técnicas operatórias. Suas referências a essa disciplina, neste período, enfatizam
o processo de ensino e aprendizagem das quatro operações e da tabuada. É o que
encontramos em algumas declarações da professora, quando comenta sobre o ensino e a
aprendizagem da Matemática no período escolar:
Eu lembro que tinham uns jogos, mas eu não lembro que jogos eram. É muito vago,
mas eu lembro que usava muitos jogos, principalmente com tabuada e as quatro
operações. [...]. Os livros de agora são muito diferentes dos livros de antigamente.
A gente não estudava probabilidade, estatística... As crianças de hoje veem mapas,
localização em Matemática, a gente não via essas coisas! (Leci, E).
Prosseguindo a narrativa sobre a trajetória de formação, Leci nos conta que cursou o
Magistério e a graduação em Pedagogia. A opção pelos referidos cursos, segundo a
professora, resultou da fusão de um desejo pessoal pela carreira docente e em decorrência das
particularidades do contexto. À época em que professora concluiu o Ensino Fundamental, na
maioria das cidades do interior do nosso país, o curso técnico de Magistério era, na maioria
destas, a única opção para prosseguir os estudos, em nível de Ensino Médio. Do mesmo
modo, a escolha pelo curso de Pedagogia foi circunstancial, já que existia um desejo pessoal
vinculado a um campo específico de conhecimento, a Matemática:
Meu sonho era fazer a faculdade de Matemática. Só que na época que eu fiz a
faculdade, não tinha o curso na cidade. Então eu fiquei na Pedagogia. Não tenho
nenhuma frustração por causa disso, mas o meu xodó de todas as matérias é a
Matemática (Leci, E).
23
Os destaques em negrito nesta e nas demais declarações das professoras participantes, correspondem a
aspectos, fragmentos de falas, que queremos chamar atenção dentro do recorte considerado na citação, por
sintetizarem as ideias comunicadas. São aspectos que queremos destacar nas afirmações.
105
Leci afirma não existir frustração por ter cursado Pedagogia enquanto formação acadêmica,
porém transparece sutilmente nas suas declarações que esta formação não atendeu suas
expectativas, quanto ao aprofundamento dos conhecimentos específicos da Matemática:
Eu tive (referindo-se à disciplina de Matemática), mas assim, para trabalhar com
crianças, na época da Pedagogia e no Magistério também [...]. Era didática, como
trabalhar com as crianças, por exemplo, o sistema de numeração decimal. A gente montava jogos que eram aplicados nas aulas do estágio (Leci, E).
Parece que nos cursos de Magistério e de Pedagogia, não houve nas disciplinas que
tratavam de Matemática, a abordagem ou estudo dos fundamentos da Matemática de forma
integrada às questões pedagógicas. A ênfase recaía sobre o aspecto da instrumentalização para
o ensino, isto é, a construção de jogos para trabalhar os conteúdos matemáticos. A professora
cita o SND como um dos conteúdos para qual montava jogos a serem utilizados no estágio.
Neste contexto, podemos inferir que na formação acadêmica de Leci, as disciplinas
voltadas para Matemática não priorizaram o aprofundamento de fatos e conceitos
concernentes a esta área de conhecimento. Parece-nos que a professora não considera a sua
formação profissional inicial, como fator relevante para a ampliação dos conhecimentos
matemáticos adquiridos no EF e formação necessária sobre como ensinar, ou seja, sobre a
organização didática do ensino.
As lacunas na formação profissional inicial do seu curso de Pedagogia, sinalizadas pela
professora Leci, não se configuram um caso isolado. Essa mesma realidade é apontada em
pesquisas realizadas por Barreto e Gatti (2009), Curi (2005), Nacarato, Mengali e Passos
(2011) entre outros, indicando que os futuros professores não vivenciam, de maneira
consistente, no curso de Pedagogia, estudos sobre os fundamentos da Matemática e as práticas
de ensino e de pesquisa em Educação Matemática.
Ao comentar seu processo de “formação docente”, aqui entendida no sentido atribuído
por Araujo e Moura (2008, p. 77-78), o qual inicia no período de escolarização perpassando a
formação profissional inicial e continuada, Leci nos revela que a sua trajetória profissional
também não oportunizou uma formação contínua em Matemática, que contemplasse os
conhecimentos específicos, pedagógicos, curriculares, dentre outros (SHULMAN, 1986;
1987), requeridos na “atividade docente”. O único curso de Matemática que a professora se
lembra de ter participado, o “Pró Letramento Matemática”, ao que parece, também enfat izou
os aspectos metodológicos: “Aprendi novas metodologias, onde aplico em sala de aula”
(Leci, QCP), diz Leci ao comentar sobre o referido curso.
106
Neste contexto, fazendo uma reflexão sobre a sua formação e atuação docente, Leci nos
diz:
Continuei estudando! Principalmente na época que aqui na escola tinha até o 6º
ano e trabalhávamos por áreas. Eu só pegava Matemática e Ciências Naturais.
Então, eu estudava para recordar, para eu transmitir paras crianças. Eu cheguei
até a olhar no espelho para ver como eu ia falar, para ver como as crianças iam
entender [...]. Até hoje eu não me esqueço de fazer uma revisão antes de dar a
matéria de Matemática. Quando faço o planejamento eu até imagino a maneira que
eu vou... a maneira mais fácil de aplicar, de transmitir para as crianças. [...] a
gente tem de estudar antes, não é pegar o livro, abra na página tal vamos lá, e
depois pensar como é que eu vou passar isso? Eu sempre dou uma olhada antes,
para saber como vou passar e para sanar se eu tiver alguma dúvida (Leci, E).
De um modo geral, estas declarações da professora elencam aspectos importantes da
docência. Percebemos que Leci tem a preocupação em planejar e tornar o conteúdo acessível
ao aluno. Demonstra a necessidade pessoal de aprendizagem contínua, motivada pela
necessidade de sua “atividade” de ensinar. Por outro lado, também percebemos nas suas
afirmações que para ensinar a Matemática nos anos iniciais, ela precisa estudar os conteúdos
do livro didático, desta etapa escolar. Tal situação aponta indícios de conhecimentos
matemáticos incipientes. Suas declarações revelam ainda, aspectos característicos da
perspectiva empirista de conhecimento. Nesta, o conhecimento advém de fonte externa: o
professor, o qual teria condições de transferir ao aluno que receberia passivamente (BECKER,
1994).
Aparentemente, para Leci a significação e a percepção do seu papel é o de responsável
por transmitir o conteúdo a ser ensinado. E, consequentemente, da aprendizagem dos alunos
apenas como assimilação de conhecimentos através da observação, memorização e repetição.
Neste contexto, a relação professor-aluno-aluno-conhecimento é pouco ativa e interativa.
Estas características remetem claramente a uma perspectiva tradicional de ensino e
aprendizagem da Matemática. Assim, podemos inferir que Leci, ao ensinar os conteúdos de
Matemática, provavelmente, tem como referência principal a forma como lhe foi ensinado no
período escolar.
Nos relatos de Leci sobre a trajetória escolar e profissional transparece a insuficiência
ou mesmo a ausência de um processo formativo contínuo, de natureza intencional, coletiva e
individual, que lhe possibilitasse um desenvolvimento satisfatório da “aprendizagem da
docência” (MORETTI, 2014). Esta envolve, entre outras, a apropriação dos conceitos a serem
ensinados, bem como, a aprendizagem específica do saber ensinar: a organização didática do
conteúdo. Os reflexos deste processo histórico de formação incidem diretamente nos
107
conhecimentos profissionais referentes ao SND, manifestados pela professora Leci, como
veremos a seguir.
Ao ser questionada sobre seus conhecimentos específicos relativos ao SND (nome,
processo histórico de criação, características e propriedades) Leci, inicialmente, prefere
comentar sobre como ensina e envereda por outros assuntos: “Eu introduzo, vamos falar
como eu introduzo para as crianças que é mais fácil para mim [...]. Eu entendo que a
Matemática está em todos os lugares: forma geométrica, gráficos, tudo que você olha lembra
a Matemática [...]”.
Somente num segundo momento, quando retomamos o assunto, reformulando nossos
questionamentos no decorrer da entrevista, foi que Leci expôs sua compreensão acerca do
SND e a forma como trabalhou este conteúdo com os alunos, no início do ano. Trazemos a
seguir, trechos das declarações de Leci que dão indicativos sobre seus conhecimentos
específicos, relativo ao sistema que utilizamos:
O sistema de numeração decimal tem esse nome porque tem a base dez. Porque de-
ci-mal? Quais são os números? [...] zero, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete,
oito, nove [...], tem dez [...], e é a partir desses dez números que a gente vai criar ou
escrever qualquer quantidade [...]. Vamos pegar as unidades, conforme o local, a
ordem que ele está, ele tem um valor. Por exemplo, o número 22, são dois números
iguais, entre aspas, mas na hora de você falar, decomposição, ou colocar no quadro
valor de lugar, ele vale uma determinada unidade, uma determinada quantidade, é
isso que eu explico para minhas crianças, é isso que eu entendo de quadro valor de lugar, é a ordem que o número se encontra [...]. Tem gente que fala que o zero não
vale nada, mas ele vale. Por exemplo, como eu vou te explicar, tenho dificuldades
pra falar. Eu falo muito para eles (alunos): mesmo quando o papai está com a
conta do banco negativa, tem o zerinho, a gente nunca deve falar que o número
começa, vamos dizer aqui na linha reta, do zero, tem o negativo. Eu não me
aprofundo nesse assunto, mas eu tento mostrar para eles, que conforme o local, a
ordem desse zero, ele tem o seu valor. Eu só consigo na prática, falando assim não
sai, não sai [...] (Leci, E).
Com estas declarações percebe-se que Leci demonstra conhecimento sobre as
características do SND. Porém há indícios de fragilidades quanto à compreensão de dois
princípios fundamentais do SND: a base dez e valor posicional dos algarismos no número.
Isto é evidenciado quando não consegue fazer a relação do termo “decimal” à questão dos
agrupamentos de dez em dez no interior de uma dada ordem (a base dez) e as trocas entre as
ordens formando uma unidade de ordem imediatamente superior (posicionalidade), que
constituem e caracterizam o atual sistema de numeração (IFRAH, 2005). Em suas afirmações
há indicações, também, de confusão entre a compreensão de número, enquanto total de
elementos de um grupo ou coleção, e de algarismo, representação simbólica deste número.
108
Em relação ao zero, Leci demonstra algum entendimento sobre a função e a importância
deste no SND: “tem gente que fala que o zero não vale nada, mas ele vale [...], conforme o
local, a ordem desse zero, ele tem o seu valor”. Percebemos que a mesma manifesta uma
compreensão elementar acerca do duplo papel do zero, pois, não expressa claramente a
significação de ausência de quantidade de elementos de uma dada potência da base e, a
presença de uma posição (operador multiplicativo), ou seja, colocado ao lado de um
algarismo, multiplica em dez o valor deste algarismo (ZUNINO, 1995).
Buscando compreender o “conhecimento pedagógico do conteúdo”, questionamos a
professora acerca de como ensina o SND (por onde começa e que tipo de atividades propõe),
se utiliza algum recurso didático, como ela entende que a criança aprende o SND, e que
dificuldades apresentam, em relação ao SND. Respondendo aos nossos questionamentos
sobre como ensina o SND, Leci nos diz:
Eu começo pela história do pastor, contando a história dos números que quem
criou o sistema de numeração decimal e divulgou foram os árabes. Eu sempre conto
que os pastores não conheciam os números e sim a quantidade. Aquela historinha
que eles colocavam as pedrinhas para contar a ovelha, então uma pedrinha para
contar uma ovelha e uso o social depois, para eles verem que tudo gira em torno da Matemática e não só da linguagem. [...] desde o comecinho: quantidade, as
unidades primeiro, depois as dezenas, que dez unidades são uma dezena [...]. Eu
sempre tento fazer junto e depois dar o mesmo tipo, mudando alguma coisa, para
ver se eles entenderam as atividades [...]. Então eu peguei desde o comecinho, e
sempre com o material dourado. Eu acho que no concreto eles pegam mais rápido
[...]. Tenho 26 alunos, eu fiz pra cada aluna um quadro valor lugar. Fiz 26 unidades
de cada unidade, 26 dezenas de cada uma até noventa, das dezenas exatas, as
centenas, todas as quantidades, então eu trabalhava com Quadro Valor Lugar, as
cartelas com os algarismos e mais o material dourado (Leci, E).
Percebe-se que a professora tem a preocupação de situar o aspecto histórico do número
e do SND. No entanto, o faz de forma ilustrativa e atribui a sua criação ao povo árabe e não
aos indianos, conforme nos mostra os escritos de Ifrah (2005). Ao explicar a continuidade do
ensino do SND, enfatizando apenas os agrupamentos em termos de dezenas e centenas, não
fica claro como aborda as implicações dos agrupamentos na base dez para formar uma ordem
superior, o princípio de posicionalidade do SND.
Quando a professora declara utilizar os recursos didáticos, Quadro Valor de Lugar-QVL
e Material Dourado sinaliza um movimento de busca em superar o ensino mecânico do SND.
No entanto, as fragilidades na compreensão dos princípios da “base de dez” e valor
posicional, já observado anteriormente, podem interferir no “conhecimento pedagógico do
conteúdo”, de modo a não alcançar a efetividade no uso destes recursos, na compreensão dos
conceitos que o constituem. É o que se pode inferir das declarações da professora quando não
109
consegue explicitar claramente que características do SND, tais recursos possibilitam
explorar: “O valor dos números, a quantidade, por exemplo, chegou a dez unidades, eu posso
trocar por uma dezena, e aí chega a dez dezenas que eu vou trocar por uma centena, e para
eles ficam mais fácil [...]”.
Quanto ao “conhecimento curricular”, a professora declara utilizar os referenciais
curriculares oficiais (no caso específico, PCN de Matemática, Matriz Curricular e Avaliativa
para rede municipal de Cuiabá) para planejar e organizar as atividades de ensino. No entanto,
a mesma parece desconhecer as propostas de abordagens do SND presentes nos documentos
que citou: “O primeiro item lá é: conhecer, codificar, é isso [...]? Se os alunos identificam,
codificam, comparam os sistemas, é a base do sistema. Vêm três questões, eu não lembro com
detalhes, mas tem três questões nua e crua do sistema de numeração decimal [...]”.
As manifestações de desconhecimento do tratamento curricular, presentes nos
documentos oficiais, concernente ao SND, aliados aos indícios de lacunas nos conhecimentos
específicos e pedagógicos, podem explicar a aparente dificuldade de Leci em justificar a
importância do ensino do SND, argumentando apenas: “por que eu acho muito importante,
não pode ser isso?” Segundo Shulman (1986, p. 12), um professor precisa conhecer as
designações curriculares existentes para o ensino de “matérias e tópicos particulares” para
cada nível de escolarização, pois elas interferem nas escolhas sobre o que e como ensinar.
Apoiando-nos na compreensão de interdependência entre as três vertentes do modelo
teórico de base de conhecimento para o ensino, proposto por Shulman (1986), podemos inferir
que o não conhecimento das indicações curriculares, aliados a possíveis fragilidades nos
conhecimentos específicos e pedagógicos sobre o SND, pode comprometer o ensino deste
importante conhecimento matemático.
Ao analisar os percursos acadêmico e profissional de Leci, podemos depreender que
apesar da boa relação que estabeleceu com a Matemática, a mesma teve poucas oportunidades
de significação dos conhecimentos matemáticos, de refletir sobre seu processo formativo e
sua prática pedagógica no ensino de Matemática. Enfim, que a professora não teve acesso a
um processo de formação profissional, inicial e continuada, que lhe possibilitasse a superação
de crenças e a ampliação de saberes construído no período de escolarização, e, a construção
de conhecimentos profissionais e práticas pedagógicas em conformidade com as perspectivas
apontadas por Fiorentini e Lorenzato (2012); D’ Ambrosio (1986) de concepção da Educação
Matemática.
Entendemos que, como defendido por Shulman (1986), os diferentes tipos de
conhecimentos que constituem os conhecimentos profissionais do professor são
110
interdependentes e se influenciam mutuamente. Assim, o indicativo de lacunas no
“conhecimento do conteúdo específico” referente ao SND, manifestado por Leci, no que
concerne aos princípios da base e posicionalidade deste sistema, pode repercutir no
“conhecimento pedagógico do conteúdo” e no “conhecimento curricular” e, se influenciarem
mutuamente, com reflexos na prática pedagógica da professora no ensino deste conteúdo.
O Percurso de Lúcia
A professora Lúcia, à época da pesquisa com 42 anos, é natural de Cuiabá tendo
realizado o ensino médio em Créditos e Finanças e a graduação em Pedagogia. Atua como
professora, através de contrato temporário, há sete anos, dos quais, três lecionando para
turmas 1º ciclo do EF.
Em entrevista, a narrativa da professora sobre os primeiros anos de escolarização
demonstra que a mesma não teve dificuldades no processo de alfabetização. Aprendeu a ler no
primeiro ano, chegando a ajudar sua prima e colega: “eu propunha para ela: hoje, quando a
gente for brincar de casinha, traz seu material de escola que vou ajudá-la nas tarefas e te
ensinar a ler. Eu já brincava de professora!” Lúcia fala com entusiasmo e afeto das
experiências vivenciadas no início de sua escolarização na aprendizagem da leitura e escrita
da língua materna. Não menciona o ensino e a aprendizagem, nesse período, de outras áreas
do conhecimento.
No entanto, ao questionarmos sobre as suas memórias referentes à Matemática, já não
observamos o mesmo posicionamento. Lúcia inicia seu relato explicitando que a sua
experiência com a Matemática escolar, a partir de quando consegue lembrar-se, foi marcada
por medo e insegurança quanto à aprendizagem dos conhecimentos nesta área. E, atribui isso
ao tipo de relação professor-aluno-conhecimento pautado na perspectiva tradicional de ensino,
ao qual vivenciou: “Eu tinha muito medo da professora e procurava me esquivar da
Matemática [...] quando falavam de Matemática, era aquela coisa pra mim, cálculo, aff! [...].
Para mim tudo era difícil, não sei se era por causa do tipo de ensino na nossa época [...]”.
Ela conta que suas professoras ensinavam Matemática com muita rigidez e ênfase na
memorização de regras e procedimentos matemáticos, dentre os quais, destaca a tabuada, que
era verificada através de chamada oral. Lúcia relata que caso não respondessem corretamente
os resultados, os alunos recebiam como castigo a elaboração da tabuada, por escrito, inúmeras
vezes. “Quando a gente chegava à sala o professor já tomava a tabuada. Ah, não sabe?
Então vai fazer a tabuada de 2 até 10. Isso acontecia todos os dias. Se errasse um resultado,
111
já recebia o castigo”. A professora confidencia que mesmo fazendo a tabuada inúmeras
vezes, nunca conseguiu memorizá-la. Percebendo que “saber” a tabuada era uma condição
para prosseguir nos estudos sem reprovar, a alternativa que encontrou foi aprender o processo
de elaboração da tabuada com apoio da contagem nos dedos das mãos:
Eu me bloqueei [...]. Sei até alguns números, mas não procurei decorar [...] porque
eu não queria ficar com ela na minha cabeça [...]. Procurei aprender como se fazia
a tabuada. Se eu tenho alguma dificuldade, eu faço toda a tabuada de vezes.
Demora, é mais cansativo, mas pelo menos eu aprendi como se faz. [...] eu procurei
outra forma [...], para poder ir em frente, porque como é que eu ia? (Lúcia, E).
Prosseguindo com as memórias, Lúcia nos conta que a sua experiência na sétima série
foi marcante e reforçou o medo que já tinha da Matemática e da possibilidade de reprovação,
mesmo não tendo reprovado nenhuma vez. Ao relatar essa experiência, ainda hoje demonstra
certo ressentimento diante da não valorização e reconhecimento por parte da sua professora,
dos seus esforços para conseguir tirar boas notas, acusando-a de ter colado numa prova em
que, pela primeira e única vez, tirou dez em Matemática.
Então chegou uma série que eu me lembro bem, era a sétima série. A professora de
Matemática era muito ‘caxias’! Eu procurava de todas as formas, tirar boas
notas: sentava na frente, não colava. No entanto, ela estava sempre me acusando
de cola: ‘mas como você tira 10 de Matemática?’ Mas foi a única série (risos), que
eu tirei 10 em Matemática. Neste mesmo ano, a minha irmã reprovou por meio
ponto. Ela reprovou o ano todo da minha irmã por meio ponto na recuperação [...].
Fiquei traumatizada. Eu pensava: poxa vida, vou reprovar com essa professora se
eu não estudar [...]. Devido ao medo que tinha dessa professora, eu estudava a
matéria dela mais do que a de todos os demais professores [...]. Ela cobrava
mesmo, mas não era aquela cobrança de mandar fazer. Não! Ela cobrava na
prova. Na prova e pronto, entendeu? (Lúcia, E).
Ao fazer um balanço sobre o seu percurso no Ensino Fundamental, Lúcia avalia:
“consegui assim, dar conta do recado, mas não ainda de me apaixonar pela Matemática”.
Podemos perceber que as experiências escolares da professora com a Matemática, nesta etapa
de ensino, não foram agradáveis e deixaram marcas que, como veremos mais adiante, ainda
hoje influencia a forma como lida pessoal e profissionalmente com esta ciência. Este exemplo
evidencia o papel excludente do ensino de Matemática orientado no modelo tradicional de
ensino (MIZUKAMI, 1986), traduzidos na dinâmica de exposição oral dos conteúdos e
repasse de técnicas operatórias pelos professores para serem memorizados pelos alunos
através da repetição de exercícios.
Parece que as experiências afetivas negativas e as vivências do ensino da Matemática
desprovido de significados, não possibilitaram à Lúcia condições de atribuir sentido pessoal à
112
aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, durante o Ensino Fundamental. É evidenciada
em seus relatos a indicação da relação entre tirar boas notas e o ensino, suplantando ao que
talvez seja o fundamental: a aprendizagem do aluno, desta forma, o que importava era tirar
boas notas.
Lúcia relata que concluído o EF, por influência da família, fez curso técnico em
Créditos e Finanças no ensino médio, e chegou a iniciar a graduação em Contabilidade,
porém, não conseguiu prosseguir: “chegando ao final do primeiro semestre foi me dando
quase uma depressão, porque não era aquilo que eu queria [...]. Chegou a um ponto que eu
disse basta, chega, deixa eu ir para o meu lado!” Retomando seus estudos, após algum
tempo, decide fazer o curso de Pedagogia que, segundo ela, proporcionava a realização de um
sonho de infância: ser professora.
Adentrando ao assunto da sua formação acadêmica, perguntamos à Lúcia se no curso de
Pedagogia ela teve alguma disciplina relacionada com a Matemática. Ela diz: “no último ano
nós tivemos Matemática, mas muuuita teoria [...] Fundamentos da Matemática. Foi só isso
que nós estudamos. [...] era muita teoria e a prática mesmo, nós não fizemos nada,
praticamente nada mesmo.” O estágio, que na opinião da professora deveria ser o momento
de vivenciar a prática de ensino, também foi insuficiente:
No final do semestre, o professor propôs o desenvolvimento de uma atividade que
contemplasse o ensino de Matemática através de uma brincadeira. Realizamos a
atividade, brincamos e pronto. Foi só isso e terminou o semestre. Não tivemos nada
como vocês tiveram (fazendo referência a quem cursou o Magistério) prática e
teoria, teoria e prática (Lúcia, E).
Lúcia não esconde a insatisfação com a sua formação acadêmica. Considera que a
mesma não lhe proporcionou a preparação necessária para ensinar Matemática, tanto em
relação ao domínio dos conhecimentos específicos, quanto aos aspectos metodológicos
relacionados a como ensiná-la. Ela se recente por não ter feito o Magistério no Ensino Médio.
Acredita que o antigo curso oferecia uma melhor base para o trabalho docente: “[...] eu creio
que a Matemática era bem melhor ensinada no magistério, à forma como se faz, as aulas
práticas eram mais detalhadas. [...] nós pedagogos não aprendemos como passar a
Matemática [...] como relacionar a prática e a teoria, é muito difícil”.
Nas afirmações da professora é evidenciada uma compreensão de que o antigo curso de
Magistério respondia às necessidades formativas para o exercício da docência. Devemos
considerar, no entanto, que o curso de magistério teve uma conotação importante, em termos
de instrumentalização, no processo de formação dos professores, porém, numa ênfase
113
tecnicista, própria dos cursos técnicos. Os aspectos políticos e sociais, envolvidos no ato da
docência, a visão do todo da educação, eram pouco discutidos.
Em relação às fragilidades, na abordagem dos conhecimentos específicos e pedagógicos
do curso de Pedagogia, essa não é uma crítica isolada. Curi (2005), ao analisar 36 cursos de
Pedagogia, destaca que:
Uma das críticas mais frequentes aos cursos de formação de professores é a
desarticulação quase total entre os conhecimentos específicos e conhecimentos
pedagógicos. Nos cursos de formação de professores polivalentes, a crítica que pode
ser feita é a da ausência de conhecimentos específicos relativos às diferentes áreas
do conhecimento com as quais o futuro professor irá trabalhar (CURI, 2005, p. 160).
Em estudo análogo ao desenvolvido por esta autora, Gatti e Barreto (2009, p. 151),
evidenciam que nesses cursos de formação de docentes, os conteúdos a serem ensinados na
educação básica, dentre os quais estão os conteúdos matemáticos, “comparecem apenas
esporadicamente; na maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma genérica ou
superficial no interior das disciplinas de metodologia e práticas de ensino, sugerindo frágil
associação com as práticas docentes”.
Os reflexos das experiências negativas com a Matemática na trajetória escolar, aliada a
uma formação deficitária (inicial e continuada) refletem diretamente nas concepções, nos
conhecimentos profissionais e nas práticas pedagógicas do futuro professor (MEGID, 2009;
NACARATO, MENGALI e PASSOS, 2011; SERRAZINA, 2002; THOMPSON, 1997; entre
outros). É o que se pode encontrar nas afirmações de Lúcia ao refletir criticamente sobre os
seus conhecimentos matemáticos e a sua atuação profissional:
Eu me acho bem precária nessa questão, do ensino da Matemática. Eu gostaria
até de fazer cursos e algumas oficinas. É difícil aparecer essas oficinas pra gente, mas eu tenho vontade de fazer para tirar essa coisa da Matemática, esse trauma da
Matemática para eu poder ensinar melhor. Mas para isso você precisa dominar e
ser instruída naquilo que está fazendo [...] o trauma da Matemática não é porque
não gosto da Matemática, é porque eu não tenho realmente o domínio total dela
ou alguma coisa que possa me motivar (Lúcia, E).
A relação que Lúcia foi estabelecendo com a Matemática e a não construção dos
conhecimentos específicos relativos aos conteúdos desta área, durante a formação escolar e
acadêmica, influencia no modo como lida e o sentido que a professora atribui ao ensino dos
conhecimentos matemáticos na sua ação docente. Isto é evidenciado, por exemplo, quando a
mesma declara: “aquilo que você passa com amor é aquilo que você tem domínio, e como eu
não tenho tanto domínio da Matemática, às vezes você passa por necessidade porque tem que
114
passar para a criança”. Percebe-se que a ação da professora no ensino dos conteúdos
matemáticos é motivada pela obrigação de cumprir o programa de ensino que é atribuído à
Matemática: tem que passar para a criança, porém, desprovido de significado social e
sentido pessoal para esta professora.
Como pudemos observar, a professora Lúcia explicita por diversas vezes uma
autopercepção quanto ao não domínio dos conhecimentos matemáticos. No caso do
conhecimento matemático referente ao SND, privilegiado neste estudo, questionamos as
professoras sobre o que sabia a respeito do sistema de numeração que utilizamos (nome,
processo histórico de criação, características e propriedades). Lúcia expressa sua compreensão
acerca do SND, dizendo:
Assim, em termos de teoria? (Silêncio). Ah... Seriam todas as questões dos números,
como você conta, se ele é trazido para (como é que fala?), da moeda também, traz
para moeda, traz para a divisão, multiplicação [...]. Tem a questão da fração que
você pode trabalhar o SND, você pode trabalhar com vírgula [...] (Lúcia, E).
As hesitações e os silêncios de Lúcia, diante dos nossos questionamentos, davam a
entender que a mesma desconhecia o teor de nossas indagações, ou seja, os conceitos
inerentes ao SND. Na tentativa de explicar o sistema, nomeia diversos conteúdos: sistema
monetário, multiplicação, divisão e frações. Porém, demonstra insegurança e não consegue
explicitar a relação do SND com esses conteúdos, por exemplo, com as operações. Fica
implícito que Lúcia relaciona o nome “decimal” à representação fracionária dos números,
relativas ao conjunto dos racionais, sem fazer a relação com a base dez do SND. São indícios
de conhecimento incipiente sobre as regularidades do nosso sistema e também em relação aos
tipos de conjuntos numéricos.
Ao comentar sua atuação docente, Lúcia demonstra a preocupação importantíssima com
a aprendizagem de todos os alunos. Porém, nas afirmações que se seguem transparecem
concepções arraigadas em bases epistemológicas apriorista e empirista que indicam a
dependência de capacidades inatas para a aprendizagem Matemática via assimilação:
[...] parece que eu sou meio perfeccionista, porque eu quero que todos aprendam, e
claro que não é assim. [...] eu procurava me esquivar da Matemática e tem
crianças que são desse jeito também. E já tem outras que têm mais facilidades. Você vê o C., ele tem muita facilidade com a Matemática [...] Falta leitura para
interpretar, mas o pouco que ele consegue ler, ele consegue fazer. Eu não entendo,
como que pode? Penso como consegue? Mas já é (dele), a pessoa já vai para
aquele lado, cada um tem seu jeitinho (Lúcia, E).
115
Também podemos perceber que a professora discorda do modelo tradicional de ensino,
o qual vivenciou enquanto aluna. No entanto, por não saber ensinar de forma diferente, acaba
reproduzindo-o em sua atuação como professora. Em suas palavras:
Hoje em dia você já não pode usar aquele método tradicional, que você tinha que decorar, tinha que, querendo ou não, decorar a Matemática, a tabuada, tinha que
decorar as regrinhas, tudinho. Hoje parece que fica muito light. Mas eu também
não sei fazer esses outros métodos de hoje em dia (Lúcia, E).
No decorrer da entrevista, a professora demonstra o início de um movimento de reflexão
sobre a importância da formação continuada para a melhoria da prática docente: “quando eu
participava desses cursos, eu me sentia mais leve naquilo que ia ensinar. Se você tem
conhecimento, tem domínio daquilo que vai ensinar, acho que é mais fácil. Acho não, com
certeza é mais fácil. Mas se você não tem [...]” E, sobre a necessidade pessoal de buscar os
conhecimentos indispensáveis para ensinar Matemática e que não foram oportunizados na
graduação, assim indica: “se o que eu aprendi não foi o suficiente, eu também não busquei”.
Demonstra, também, a vontade de superar a prática de ensino baseada apenas em aulas
expositivas, ou seja, numa perspectiva tradicional do ensino:
Por exemplo, eu vou ensinar a multiplicação, vou usar muita fala, fala [...]. Aí tento
fazer no quadro: é bolinha, é objeto que desenho, mais eu acho assim mais difícil [...]. Queria ter como fazer aquele exemplo na prática. Ter como manusear o
material, um material pedagógico [...] (Lúcia, E).
No entanto, apesar da consciência de que o professor deve constantemente buscar a
ampliação dos conhecimentos específicos e de como ensiná-los, Lúcia declara que devido à
falta de tempo diante das demandas pessoais e as atribuições profissionais na escola, ela não
consegue realizar tais estudos. Em suas palavras: “por mais que a gente se desdobre, tenta
fazer, muitas vezes você acaba ficando só mesmo para preparar aquela aula, para dominar
aquela aula que você está fazendo [...] você vai dando o que pode”.
As afirmações da professora traduzem a contradição manifestada na busca de superar
uma prática, sem adquirir outros conhecimentos. Acreditamos que apenas ter vontade de
mudar a prática, não mobiliza o professor para um processo de formação contínua.
Entendemos que o professor busca novos conhecimentos para melhorar a sua prática quando é
impulsionado pela necessidade que tem de, no exercício de sua atividade docente, possibilitar
a aprendizagem dos alunos.
116
Ao analisarmos a trajetória escolar de Lúcia, podemos perceber que o modelo de ensino
de Matemática que ela vivenciou no período escolar ocasionou sentimentos de medo e de
insegurança quanto à aprendizagem dos conhecimentos matemáticos. E, que a graduação não
oportunizou uma formação profissional suficiente do ponto de vista da construção dos
conhecimentos profissionais necessários para ensinar Matemática. Parece que sua trajetória
profissional também pouco contribuiu para que pudesse avançar na construção dos
conhecimentos profissionais e das práticas pedagógicas, no caso particular, referente ao SND,
de modo a lhe possibilitar atribuir sentido para o seu ensino.
O percurso de Eliane
A professora Eliane, à época da pesquisa com 48 anos de idade, nasceu no Estado do
Paraná. Em sua formação profissional inicial cursou o Magistério no ensino médio e a
graduação em Pedagogia, ambos em instituições públicas. Exerce a profissão docente há trinta
anos, dez dos quais atuando na Educação Infantil, e nos últimos vinte anos em turmas de pré-
escola e de 1º ciclo/anos iniciais do Ensino Fundamental. No período em que realizamos a
pesquisa a professora atuava, pelo terceiro ano consecutivo, no 3º ano do 1º ciclo, na escola
em que a pesquisa foi realizada.
Eliane iniciou o relato (E) sobre a sua relação com a Matemática, declarando: “Eu
gosto, mas eu tenho trauma”. A sequência de sua narrativa chama atenção, pois, diferente dos
depoimentos da maioria dos professores que alegam sentimentos de medos e traumas da
Matemática em virtude de suas experiências escolares, o depoimento de Eliane, mesmo
evidenciando dificuldades em sua trajetória escolar, relaciona o trauma ao tratamento
depreciativo que seu pai, professor de Matemática e diretor da escola em que cursou 1ª série,
lhe dispensava.
Eu lembro até hoje quando tirei dez na prova de Matemática, na primeira série.
Meu pai foi professor de Matemática e era o diretor da escola, a professora disse:
nossa puxou ao pai, dez na prova de Matemática! Isso eu não esqueço. Eu adorava
aquele caderno de quadradinho, fazia os números, achava lindo. E quando eu entendi que 12, era o 1 e o 2, era só pegar a sequência, aí não errava mais. Eu fui
crescendo e as dificuldades foram aumentando [...]. Meu pai era muito rígido, em
todos os sentidos. Quando nos ensinava Matemática, ele xingava muito a gente. Ele
chamava de burra, e eu era a mais burra de casa. Naquela época era conceito: O
(Ótimo), MB (Muito Bom), e B(Bom). E para eu tirar um O, era só na religião,
porque o resto era só MB e B. Minhas irmãs só tiravam O (ótimo). Então, meu pai
quando lia meu boletim falava: MB- muito burra; B- burra. Essa era a leitura que
meu pai fazia do meu boletim [...]. Eu pedia para ele me explicar Matemática,
porque eu tenho uma grande dificuldade principalmente se tiver três raciocínios no
problema. Quando eu pedia para explicar reta e semirreta, ele falava: semirreta é
117
fácil, é só você lembrar que é uma semiburra, você não é totalmente burra, é
quase burra (risos). Meu pai era uma beleza! (Eliane, E).
Nos relatos que se seguem, a professora deixa transparecer que a vivência destas
situações depreciativas na infância, ocasionou sentimentos de insegurança, aparentemente
ainda não superados, que interferem na sua relação com a Matemática:
Eu fui pegando raiva da Matemática, pela dificuldade que eu encontrava [...] A minha dificuldade é por causa do meu nervosismo que me dá um bloqueio. E
quando eu consigo fico tão feliz, igual às crianças nas aulas de Matemática. Meu
Deus estava tão na cara, como eu não vi. Mas eu não sei se o meu nervoso foi
gerado pela cobrança de meu pai ou, se é um problema que eu tenho mesmo, do
sistema nervoso [...]. Eu acho que é uma resistência de medo. Quando fala
Matemática, eu já penso: ai meu Deus, eu não vou conseguir! (Eliane, E).
Solicitamos a Eliane que nos contasse como foi o seu processo de formação profissional
inicial, em Matemática. A narrativa da professora evidencia que os cursos de Magistério e
Pedagogia, que poderiam ser uma oportunidade de superar os sentimentos negativos e
possíveis dificuldades em relação aos conteúdos matemáticos (conhecimento específico), e de
aprender a trabalhar com estes em sala de aulas (conhecimento pedagógico ), não atenderam a
tais necessidades: “no magistério tive só Estatística, e aula de Matemática que faz parte do
currículo. A Matemática básica do segundo grau [...]. Eu me lembro até hoje, que o professor
mandou fazer um plano de aula de Matemática e eu senti muita dificuldade para fazer”. A
esperança de que a graduação em Pedagogia lhe daria “base” para ensinar Matemática,
também foi frustrada:
Eu pensei: como eu já dou aula, a Pedagogia vai me dar base para continuar o que
eu já faço. Então, veio uma professora dar aula de Metodologia da Matemática de
primeira a quarta série, mas ela nunca tinha entrado em uma sala de primeira serie
a quarta série. Ela só dava aula para cursinho e na universidade. O conteúdo em si
eu não me recordo, mas eu me lembro de que na sala todo mundo já era professor. O que tinha menos tempo de docência, tinha 10 anos. Começamos a falar para ela
que coisas que ela dizia, os textos que ela trazia não tinha nada a ver com a nossa
realidade, era totalmente fora. Não adiantava a gente falar (Eliane, E).
A partir deste e dos relatos de Eliane que se seguem, percebemos que a sua formação
profissional inicial (Magistério e Pedagogia), não lhe proporcionou os conhecimentos
necessários para ensinar Matemática. Restou para ela buscar a superação de suas dificuldades,
em sua própria prática. Em suas palavras: “[...] não para dar aula de Matemática. Diante
das minhas dificuldades, não! [...] eu fui aprender muita coisa dando aula. Não foi na
faculdade, não foi no magistério, foi dando aula”. De igual modo, a professora evidencia a
118
ausência de um processo de formação contínua individual e coletiva, oferecida pela instituição
empregadora, durante sua trajetória profissional. O único curso de formação em Educação
Matemática que a professora diz ter participado, nos últimos cinco anos, foi o “Pro
Letramento Matemática” (Eliane, QCP).
A relação negativa que a professora foi estabelecendo com a Matemática durante a sua
escolarização, aliada a uma formação profissional inicial e continuada insuficientes,
interferiram em sua trajetória profissional. Eliane indica em seus relatos que, apesar de ser
apaixonada por criança, a sua opção por atuar mais de 20 anos com a Educação Infantil/pré-
escola, 1º e 2º anos, só deixando de atuar quando começou ter problemas na voz, foi
motivada, em parte, pela as suas dificuldades com a Matemática: “Por que eu não dava aula
para o terceiro ano? Porque eu tinha medo da Matemática. Justamente por causa da
Matemática, eu nunca tinha lecionado para o terceiro ano”.
Ao ser indagada sobre como lidou e como lida, atualmente, com a Matemática, já que
precisa ensinar essa disciplina, Eliane nos diz:
Era na base da decoreba mesmo, como eu aprendi, eu passava mesmo. E eu
mesma fui me ensinando. Foi dando aula para aprender [...]. Tenho até dó dos
meus primeiros alunos, só que eu não me sinto tão culpada. Eu sinto por ser uma
profissão tão importante e eu fiz uma coisa mal feita. Mas eu não me culpo tanto,
por que eu também não sabia. Eu não fui preparada para isso [...]. Hoje, eu tenho
mais segurança para fazer, mas ainda tenho bastante dificuldade [...] eu dou uns
tropeços [...]. Às vezes, eu tenho que estudar dar uma boa lida mesmo, para
entender o que eu vou ensinar para o terceiro ano. (Eliane, E)
As declarações de Eliane exemplifica o paradoxo vivenciado pelos professores em ter
que ensinar conteúdos que não dominam e, “do desafio de ensinar conteúdos específicos de
uma forma diferente da que aprenderam, além de precisarem romper com crenças
cristalizadas sobre práticas de ensino de Matemática pouco eficazes para a aprendizagem dos
alunos” (NACARATO, MENGALI e PASSOS 2011, p. 10).
Ainda sobre a influência das experiências escolares na atuação docente do professor,
D’Ambrosio (2010) acrescenta que, as memórias de experiências, são carregadas de emoção e
noção intuitiva, mas também é racional. O que o professor aprende durante o período de
estudante, incorpora à prática docente. E conforme vão desenvolvendo a reflexão crítica sobre
ela, juntamente com as observações teóricas que acumulam, constroem elementos para
aprimorá-la. O autor acrescenta que, “todo professor, ao iniciar sua carreira, vai fazer na sala
de aula, basicamente, o que ele viu alguém, que o impressionou, fazendo. E vai deixar de
fazer algo que viu e não aprovou” (D’AMBROSIO, 2010, p. 91).
119
Adentrando na questão dos conhecimentos profissionais referente ao SND, objeto deste
estudo, indagamos Eliane sobre o que ela sabia acerca do sistema, como ensina, e em que
referenciais se baseia para organizar o ensino deste conteúdo. A seguir, apresentamos trechos
das declarações de Eliane que nos dão indicativos acerca dos conhecimentos específicos,
pedagógicos e curriculares da professora, referente ao sistema de numeração que utilizamos.
[...] eu demorei a entender que o nosso sistema é decimal porque é dez, de um ao
dez. E depois, que uma dezena com mais um, eu tenho onze unidades. [...] quando
eu dou aula fico lembrando que quando eu era criança, entendia que se eu empresto
o um para o três, ia ficar quatro e não treze. E as crianças também entendem assim
[...]. Então, depois que eu fui entender isso aí, que o nosso sistema de numeração é
de dez em dez. Por exemplo, o 23 são duas dezenas e três unidades [...]. O zero é
difícil de explicar. Tem aquela historinha: eu tenho uma régua, tiro uma fica zero, o
zero não representa nada. Mas se eu tiver 1 e colocar ele depois do 1, eu vou ter 10. Então, o zero, dependendo da ordem dele, ele vai representar uma quantidade.
Agora para explicar melhor eu não sei não me preparei para isso (Eliane, E).
Com estas declarações, percebe-se que Eliane demonstra conhecimento sobre as
características do SND. No entanto, apesar de anunciar evolução quanto ao seu entendimento
das regularidades do nosso sistema de numeração, ainda demonstra um nível elementar de
compreensão. Isto é manifesto quando relaciona o termo “decimal” aos algarismos distintos,
sem conseguir explicar os consequentes agrupamentos de dez em dez (a base dez) e as trocas
entre as ordens que resultam no valor posicional dos algarismos no número.
Como já dito, para o professor ensinar é necessário (não suficiente) conhecimento
específico do conteúdo. Além do domínio do conteúdo que se pretende ensinar, é necessário
que o professor possua, entre outros, conhecimentos pedagógicos e curriculares, daquilo que
pretende ensinar. Esses conhecimentos são interdependes e se entrecruzam na prática do
professor.
Confirmando tais ideias, podemos observar que as fragilidades evidenciadas por Eliane
em relação ao conhecimento específico do SND, trazem implicações quanto ao seu
conhecimento pedagógico e curricular. É o que se apresenta nos relatos da professora ao
responder nossos questionamentos sobre como ensina o SND (por onde começa e que tipo de
atividades propõe), se utiliza algum recurso didático, como ela entende que a criança aprende
o SND e, que dificuldades apresentam, em relação ao SND.
Eliane inicia seu relato sobre como ensinou o SND, declarando: “Eu acho que da
maneira mecânica. [...] a princípio, seguindo o roteiro do livro”. Na sequência ela descreve
as estratégias que utilizou e as dificuldades que os alunos apresentaram:
120
[...] coloquei um monte de tampinhas em cada mesa e pedia, por exemplo, que
separassem três dezenas. Não, primeiro eu pedia para separar de 10 em 10.
Depois, fulano, quantas dezenas você formou? E ele contava trinta e três, três dezenas. Sobrou algum? Quantas unidades sobraram? Três. Então você formou o
que aí? Três dezenas e três unidades. Eu registrava no quadro. Quanto que são três
dezenas e duas unidades? Respondiam: trinta e dois [...]. Eu pedi explicação, sobre
como eles tinham entendido o reagrupamento da dezena e da unidade [...]. A
maior dificuldade que eu percebi foi a questão do empresta um. E, para
entenderem, por exemplo, que 22, são duas dezenas para formar o vinte e mais duas
unidades, para formar o 22[...]. Solicitei ajuda da coordenadora, pedi um jeito,
uma linguagem para eu explicar isso com eles. [...] peguei o material dourado,
sentei com eles no chão, peguei o papel, fiz a conta com eles usando o material
dourado, e aí eles foram percebendo no concreto o que acontecia naquela relação
(Eliane, E).
Apesar de Eliane declarar que ensina o SND de “maneira mecânica [...], seguindo o
roteiro do livro”, ao mesmo tempo, transparece na sequência do seu relato que a professora
busca superar essa prática de ensino “mecânica” do SND. Isto pode ser percebido quando
descreve o uso de material manipulativo; demonstra a preocupação em entender a
compreensão dos alunos acerca dos agrupamentos; busca ajuda junto à coordenada, e recorre
à utilização de recurso didático (material dourado), para explicar “o empresta um”, ritual
usualmente utilizado na escola na realização da operação de subtração.
Reconhecemos os esforços da professora, no entanto ao analisarmos seu relato sobre
como utilizou o material dourado (MD), não fica claro como a mesma realiza as reflexões
com os alunos sobre os agrupamentos na base dez. Por outras palavras, a professora não
explora, por exemplo, as potencialidades do MD enquanto ferramenta didática para explicar
os agrupamentos e trocas de dez em dez (a base dez) inerente ao SND.
Ao que parece, as dificuldades apontadas pela professora a seguir, ainda não foram
inteiramente superadas repercutindo no conhecimento pedagógico do conteúdo:
Então, até eu entender esse empresta um, eu usava o empresta um. Eu falo com
vergonha. Eu não entendia isso. Então como é que eu ia ensinar, se eu não
entendia? Eu sabia as regras, mas não conseguia explicar. Eu não sabia como
passar isso para eles. Era muito difícil eles entenderem isso, mas era eu quem não
entendia (Eliane, E).
Ao ser questionada sobre quais referenciais utiliza para planejar o ensino do SND,
Eliane declara que “a referência maior é o livro didático [...] porque para mim o livro
didático é elaborado a partir das normas estabelecidas”. Diz não se lembrar de ter lido, ou
não, os referenciais curriculares oficiais (PCN de Matemática, matriz de avaliação em larga
escala – Prova Brasil): “Se eu ler, falo se eu conheço, mas se você me perguntar agora eu não
lembro”. Perguntamos a Eliane se consulta a matriz curricular e avaliativa da rede municipal
121
de Cuiabá, para planejar suas aulas. Obtivemos como resposta: “A matriz? É o que vem para
a gente e nós temos que fazer o nosso plano daquilo ali? Às vezes sim [...]”.
O desconhecimento das propostas curriculares oficiais, e a não utilização de outros
referenciais, se limitando apenas ao livro didático, pode explicar a dificuldade de Eliane em
justificar a importância de ensinar o SND. Apesar de afirmar que o SND “é a base de tudo”,
ela não consegue justificar tal afirmação, acrescentando vagamente: “tudo o que você vai
ensinar, medida [...]”.
Ao analisar os percursos acadêmico e profissional de Eliane podemos depreender que o
seu processo de escolarização e de formação profissional, inicial e continuada, não
favoreceram a aquisição dos conhecimentos profissionais (específicos, pedagógicos e
curriculares) necessários para ensinar Matemática, e no caso particular, para ensinar o SND,
com segurança.
4.1.1.1 Síntese dos percursos das professoras e dos conhecimentos profissionais
manifestados, referentes ao SND
Averiguamos que as três professoras participantes de nossa investigação, de modo geral,
vivenciaram experiências pouco relevantes no sentido do acesso e da elaboração dos
conhecimentos matemáticos no processo de escolarização. No entanto, Leci denota que suas
experiências escolares lhe possibilitou desenvolver uma boa relação e o gosto pela
Matemática. O mesmo não ocorreu com as professoras Lúcia e Eliane.
É muito comum, conforme ressaltam Nacarato, Mengali e Passos (2011), professores
dos anos iniciais trazerem marcas profundas carregadas de sentimentos negativos em relação
à Matemática, que muitas vezes implicam em bloqueios para aprender e ensinar essa
disciplina.
Outro ponto em comum nos relatos das professoras é a indicação, e a consciência por
parte das mesmas, de um processo de formação profissional inicial insuficiente. E, também,
que as suas trajetórias profissionais não oportunizaram uma formação contínua em
Matemática, que contemplasse os conhecimentos específicos, pedagógicos, curriculares,
dentre outros (SHULMAN, 1986; 1987), necessários para as professoras ensinar os conteúdos
matemáticos, de modo a possibilitar aos alunos atribuir significado à aprendizagem destes.
Neste contexto, compartilhamos do pensamento de Lorte citado por Imbernón (2010):
por vezes, as experiências como alunos na educação básica, permanecem como referências
mais importantes que as adquiridas nos cursos de formação profissional. Nesta mesma
122
perspectiva, Lima e Carvalho (2012, p. 105), entendem que “as concepções apropriadas pelos
professores ao longo da sua formação influenciam profundamente seu trabalho educativo e, de
certo modo determinam a forma de pensar e praticar a ação educativa”.
Em relação aos conhecimentos profissionais das professoras referentes ao SND, nossa
percepção é de que embora apresentem diferentes níveis de compreensão dos conceitos
inerentes ao nosso sistema de numeração, as declarações das três professoras apontam
indícios de lacunas no “conhecimento específico do conteúdo” (SHULMAN, 1986).
A professora Lúcia, ao que parece, possui apenas um conhecimento de uso cotidiano do
SND. Isto é evidenciado pelos silêncios e hesitações da professora, diante dos nossos
questionamentos, dando a entender que a mesma desconhecia o teor das nossas indagações,
ou seja, os conceitos inerentes ao SND.
Leci e Eliane, apesar de demonstrarem conhecimento sobre as regularidades SND, suas
afirmações evidenciam fragilidades quanto à compreensão dos consequentes agrupamentos de
dez em dez no interior de cada ordem (a base dez) e as transformações entre as ordens
formando uma unidade de ordem superior (valor posicional dos algarismos), dois princípios
fundamentais do SND.
Em se tratando do “conhecimento curricular”, Eliane, ao declarar que “a referência
maior é o livro didático”, traduz o que implicitamente Leci e Lúcia deixam transparecer,
quanto à utilização do mesmo enquanto referência principal para o ensino do nosso sistema
numérico. Ambas, apesar de considerarem importante o ensino deste conteúdo, não
conseguem apresentar argumentos consistentes para fundamentar suas crenças.
Em relação ao “conhecimento pedagógico do conteúdo”, os relatos das três professoras
sobre como ensinam o SND deixam transparecer a preocupação e o desejo de promover um
ensino que possibilite aos alunos atribuir sentido e significado à aprendizagem deste conteúdo
matemático.
No entanto, o conjunto de suas declarações sobre como desenvolvem o ensino do SND
apontam que as fragilidades nos conhecimentos específicos e curriculares, refletem no
“conhecimento pedagógico do conteúdo”, manifestado pelas professoras. Apreendemos que,
de modo geral, seus relatos evidenciam práticas pedagógicas que oscilam entre valorizar o
movimento histórico do conceito e da criança e um ensino pautado na aplicação das regras do
SND, sem compreensão.
Entendemos que os conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das
professoras participantes, referentes ao SND, resultam dos seus processos históricos de
formação e trajetória docente. De igual modo, entendemos que as condições subjetivas e
123
objetivas de organização do trabalho educativo no contexto escolar onde atuam, podem
influenciar nas práticas pedagógicas efetivadas pelas mesmas na sala de aula. Sobre esse
aspecto, trataremos no item a seguir.
4.1.2 A organização do trabalho pedagógico na escola: o contexto de atuação das
professoras
A partir dos pressupostos da teoria histórico-cultural a importância do meio e das
relações entre os indivíduos assumem lugar de destaque na compreensão dos fenômenos da
realidade. Esta perspectiva tem como premissa que todo o ser humano aprende e o faz pela
vida toda. Assim, o conhecimento é visto como uma construção permanente. Ainda, que as
interações sociais constituem elemento fundamental no processo de construção do
conhecimento (VYGOTSKY, 1988).
Tendo por referência tais fundamentos, compreendemos que os conhecimentos
profissionais e as práticas docentes de sala de aula das professoras participantes, referentes ao
sistema de numeração decimal, estão inseridos num contexto social, portanto, não se dão de
forma isolada. Além do conjunto de fatores oriundos do processo histórico de formação e de
trajetórias profissionais das professoras, já discutidos anteriormente, faz-se necessário
considerar o contexto de atuação destas professoras para o entendimento do objeto
pesquisado.
Nesse sentido, no presente item, buscamos compreender as condições objetivas de
trabalho e de organização do trabalho pedagógico na escola. E, como estes repercutem nos
conhecimentos profissionais e na prática pedagógica das professoras referente ao ensino do
SND.
Como já mencionado anteriormente, a rede municipal de ensino de Cuiabá e a escola
onde a pesquisa foi desenvolvida adotam a organização do Ensino Fundamental de nove anos
em ciclos. De acordo com Azevedo (2007, p. 15), a organização do ensino em ciclos,
enquanto possibilidade de superação da escola tradicional requer “outras concepções de
organização da escola, de currículo, de organização do ensino e de avaliação”, entre outras
questões relacionadas, direcionadas para atender as crianças e assegurar-lhes condições de
aprendizagem nesta nova realidade.
Nesta perspectiva, a efetivação da organização do ensino em ciclos envolve a criação de
espaços coletivos para a efetiva participação dos atores educativos, aspecto essencial dos
ciclos, nas discussões e decisões conjuntas das intervenções a serem feitas na rede como um
124
todo, nas escolas e nas salas de aula, acompanhadas de um processo de formação permanente
dos professores (AZEVEDO, 2007; FREITAS, 2004).
Todas essas questões devem estar relacionadas a um processo coletivo de reflexão mais
ampla sobre as finalidades da educação. Nas discussões da escola com vistas à construção de
um projeto educacional consistente, na direção da organização em ciclos, o “processo de
aprendizagem e a discussão sobre as intervenções pedagógicas que sejam adequadas às
características dos alunos” deve ser considerados aspectos centrais deste processo
(MAINARDES, 2008, p. 121).
Neste contexto, compreendemos que a realização da prática pedagógica em sala de aula,
por parte das professoras participantes da pesquisa, está inserida num contexto de inter-
relações, portanto, dependem e refletem a organização do trabalho pedagógico no âmbito da
escola e da rede como um todo, sendo necessário que estas professoras possuam determinados
conhecimentos profissionais.
Para compreendermos as influências do contexto nos conhecimentos profissionais e nas
práticas pedagógicas das professoras participantes, utilizamos informações oriundas do diário
de campo da pesquisadora, das entrevistas e da análise de documentos. Dividimos as
discussões nas seguintes subunidades: “Organização e utilização dos espaços e tempos
escolares”; “Organização do ensino na escola: a relação entre o planejado e o observado na
prática escolar” e “Estudos, reflexões, planejamentos coletivos e avaliação”.
4.1.2.1 Organização e utilização dos espaços e tempos escolares
Ao levar em consideração que a organização diária dos tempos e espaços escolares
reflete diretamente no trabalho pedagógico do professor em sala de aula, compreende-se que
muitas ações realizadas pelas professoras com os seus alunos seguem algumas determinações
que são gerais na rede pública municipal de ensino de Cuiabá, que por sua vez seguem
diretrizes nacionais para o Ensino Fundamental.
Na escola onde realizamos a pesquisa, observamos que há uma rotina na organização do
espaço e do tempo escolar. Quanto ao espaço físico, como já apresentado na caracterização da
escola no item 3.4.2, a escola apesar de possuir o espaço de circulação da área externa
reduzido, dispõe de uma estrutura física adequada, em boas condições e sempre muito limpa.
As salas de aulas são climatizadas e com as dimensões que atendem a legislação em vigor.
Todas as salas de aula das professoras participantes possuem um “cantinho da leitura”
com significativo número de livros em boas condições. Não observamos em nenhuma das
125
salas destas professoras, no entanto, materiais didáticos e/ou jogos pedagógicos voltados para
a Matemática.
Tão importante quanto as condições físicas e espaciais de um ambiente propício à
aprendizagem, outros elementos merecem atenção, para que as crianças tenham reais
condições de aprendizagem. Entre outros, destacamos a importância de um ambiente
acolhedor e aconchegante, e a existência de materiais manipulativos, jogos pedagógicos etc., à
disposição das crianças.
Na organização e utilização do espaço, de modo geral, foi possível perceber a relação
entre o espaço e as pessoas que dele se utilizam, pois, é perceptível que além do espaço físico,
material, este se constitui também, num espaço de interação, de vivências entre os alunos e
entre estes e demais componentes da equipe escolar. Constituindo-se assim, num espaço de
aprendizagens, para todos.
Em relação ao tempo escolar diário, a escola tem horário para iniciar suas atividades,
servir o lanche, intervalo e para terminar as aulas, que é seguido, rigorosamente, por todos na
escola. Assim, a rotina organizacional da escola possibilita que seja cumprido o tempo
mínimo que determina a LDB nº 9394/96 no artigo 34, que estabelece a jornada escolar no
Ensino Fundamental de, pelo menos, quatro horas de efetivo trabalho educativo.
Na organização e distribuição do tempo escolar, nesta unidade de ensino, as turmas do
2º e 3º anos do 1º ciclo incluem rotinas como a “acolhida aos alunos”, com a formação de
filas no pátio da escola, antes de entrarem para as salas de aulas, com duração, de no máximo,
dez minutos. Também ocorre a distribuição das aulas (horários) de Língua Portuguesa,
Matemática, ciências, história, geografia (ministradas pelas professoras referência24), das
aulas de áreas específicas, a saber, arte, educação física e das aulas do “Projeto Sala de
Leitura”, em dias da semana predeterminados.
As aulas de Arte, Educação Física e as aulas do “Projeto Sala de Leitura”, de cada
turma, são concentradas num único dia da semana. Com isso, cada professora referência tem
um dia por semana sem aula com a sua turma, no qual realizam a sua hora-atividade destinada
a planejamentos e estudos, entre outras atividades, conforme explicitado anteriormente. O
horário é organizado de modo que dois professores do mesmo ano realizem a hora-atividade
juntos.
Em relação à utilização do tempo da hora-atividade pelos professores e o suporte
oferecido pela escola para sua realização, a professora Leci comenta:
24 Denominação do professor pedagogo, titular da turma.
126
Faço a hora-atividade na escola. Faço meu plano de aula semanal e os registros no
GAP (Gestação Acadêmica Pedagógica- refere-se ao diário de classe eletrônico,
utilizado na rede). Pesquiso atividades diferenciadas para os alunos que apresentam
dificuldades. Quando preciso a coordenadora me auxilia. Ela sempre me dá dicas de atividades, para serem trabalhadas com os alunos que apresentam dificuldades.
No final entrego o plano para que ela (coordenadora) olhe e coloque visto no
caderno (Leci, E).
Sobre o mesmo assunto a professora Eliane nos diz:
Faço minha hora atividade uma vez por semana, na sala dos professores, com
minha colega do mesmo ano [...]. Confecciono atividades para xerocopiar, o
planejamento semanal, lanço conteúdos no GAP. Sigo as recomendações de manter
o GAP em dia, trabalhar conteúdos que abrangem a provinha Brasil, trabalhar
leitura [...]. Sempre que senti necessidade fui atendida, mas, não é muito frequente, pois coordenador é psicólogo de professor, enfermeira, assistente social, ai falta
tempo pra ser coordenadora, fora as reuniões na SME. O que julgo importante é o
coordenador ter tempo para os professores [...]. Existem auxilio, mas, não como
deveria ser pelos motivos que mencionei acima (Eliane, E).
Ao observar a rotina na organização do tempo, mencionada no início deste item e, as
afirmações anteriores, percebemos que há, por parte da escola, uma organização do tempo
para que as professoras desenvolvam sua hora-atividade, em que as mesmas realizam ações
relacionadas à função docente. Ao mesmo tempo é evidenciado, também, que não há, por
parte da escola, um suporte e acompanhamento sistemático ao professor no planejamento das
aulas. Não observamos também, uma mobilização para trabalhos coletivos sobre a prática
docente entre os professores do 1º ciclo, nesse tempo.
A organização do horário, de modo que apenas dois professores do mesmo ano realizem
a hora-atividade ao mesmo tempo, revela a ênfase no ano escolar. Esta organização não
favorece a interação e articulação entre os professores de todo o ciclo, possibilitando a
constituição de uma unidade didático-pedagógica, enfim, a continuidade no ciclo. Por outro
lado, o fato de dividir o mesmo tempo e espaço, não significa trabalhar em parceria:
As professoras participantes da pesquisa Leci e Lúcia (2º ano, mesma turma) e Eliane (2º ano matutino e 3º ano vespertino) realizam a hora-atividade conjunta nas
quintas-feiras, período matutino, nos espaços da sala dos professores ou da sala
leitura. Durante o trabalho de campo, no período de 29/07 a 12 12/13, embora não
tenha permanecido junto com as professoras o tempo todo da hora-atividade,
observei que as mesmas realizam diferentes atividades: selecionar atividades,
preparar o plano de aulas, preencher o diário eletrônico [...] No entanto, durante esse
período, não presenciei a realização de planejamento ou troca de ideias sobre o
trabalho pedagógico no 1º ciclo, entre as professoras participantes ou destas com
outras professoras da escola, que atuam no referido ciclo. Em relação ao
acompanhamento da coordenação pedagógica, apenas uma única vez, presenciei
127
conversa da coordenadora com a professora Lúcia, referente ao plano de aulas,
durante sua hora-atividade (Pesquisadora, DC, 2013).
Os dados nos apontam que a escola possui uma disposição dos tempos e espaços
escolares que possibilita o desenvolvimento do trabalho educativo de forma organizada,
garantido o cumprimento do tempo escolar. No entanto, podemos perceber que não há ainda
uma proposta materializada de trabalho pedagógico coletivo na escola, que oportunize e
estimule a interação pedagógica entre todos os professores do 1º ciclo, na prática cotidiana.
4.1.2.2 Organização do ensino na escola: a relação entre o proposto e o observado na
prática escolar
Observando a rotina de organização e distribuição do tempo escolar, é possível inferir
que os conteúdos curriculares são trabalhados de forma compartimentada nas disciplinas
escolares. Ao analisarmos os documentos escolares, podemos perceber um distanciamento
entre a proposta pedagógica oficial da escola e o trabalho pedagógico da escola, efetivado em
sala de aula. Coerente com a perspectiva de organização do ensino em ciclos, na grade
curricular definida pela escola para o 1º ciclo do EF, as áreas de conhecimentos, Base
Nacional Comum (Lei nº 9394/96), compreende a dimensão do “Ensino por atividade”. No
Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola é estabelecida para o 1º ciclo do EF, a
metodologia de projetos de trabalho:
Os temas a serem desenvolvidos podem ser gerados ou pelo interesse espontâneo
dos grupos de crianças, mediante suas narrativas e necessidades desenvolvimentais
e/ou pela iniciativa dos educadores seguindo uma intencionalidade pedagógica bem
definida. Em geral na metodologia de Projetos de Trabalho as atividades giram em
torno de uma situação de resolução ou de um produto final [...] (“ESCOLA TESOURO”, 2010, p. 27-28).
No entanto, a partir da observação das aulas de Matemática, percebemos que não há um
efetivo trabalho com projetos. A Matemática em geral e, o conteúdo SND, como evidenciado
posteriormente a partir da análise dos episódios de ensino, é abordado de forma
descontextualizada, centrado nas atividades do livro didático. Percepção que é corroborada
pelas declarações da coordenadora da escola e das professoras Lúcia e Leci ao comentarem
sobre a organização do ensino e o planejamento das aulas de Matemática:
Sobre as aulas de Matemática, varia de professor. Devido à utilização do livro, as
professoras do 2º e 3º anos definiram um horário que é repassado para os pais. As
128
professoras do 1º ano ficam com o livro na sala de aulas, trabalha intercalado
(Coordenadora pedagógica, DC, 29/07/13).
Eu peguei substituição [...] o professor titular que planeja tudo [...] então não
mudou, porque aqui sempre seguiu o livro, então eu procuro, vejo, mas eles que já
deixam o conteúdo programado pra gente. Então a gente cumpre aquilo que eles
pedem (Lúcia, E).
Olha esse ano eu senti que eles (alunos) tinham um pouquinho mais de dificuldades,
por exemplo, trabalhar com unidades e dezenas. Então eu parti lá do começo, da
base. [...] falava muito com a coordenadora: o conteúdo do livro didático está
atrasado, eu precisei pegar lá da base (Leci, E).
Estas afirmações apontam indícios de uma organização do ensino, nesta escola,
orientado pelo livro didático, não se constituindo num trabalho pedagógico organizado
coletivamente, em que se considerem a dimensão sociocultural dos professores e alunos no
processo de ensino e aprendizagem.
Compreendemos que a maneira como é organizado o trabalho pedagógico na escola
reflete o sentido que os atores envolvidos no processo educativo atribuem à escola, à atividade
docente, aos significados dados à fase de desenvolvimento dos alunos, ao entendimento
(concepções) de ensino e aprendizagem, no caso específico, às implicações teóricas dos
Ciclos de Formação para as práticas escolares, enfim, à compreensão do papel social da
escola.
A partir das contribuições da teoria histórico-cultural, podemos perceber uma ruptura
entre a significação do Projeto Político Pedagógico como um importante instrumento de
organização da escola, da atividade pedagógica (ASBAHR, 2005) e o sentido atribuído a este,
pelos atores do processo educativo da escola pesquisada.
O projeto pedagógico, para ser entendido como atividade (no sentido proposto por
Leontiev, 1978), deve ser um projeto do coletivo da escola a partir da necessidade de
melhorar a prática docente, de garantir que os alunos se apropriem do saber historicamente
produzido, sistematizado, especificidade da atividade docente do professor.
Para Asbahr (2005), “ao convergirem seus motivos pessoais em motivos coletivos, os
professores articulam-se em torno de objetivos definidos em comum e passam a desencadear
ações planejadas”. A mesma autora conclui: “a cisão significado e sentido pessoal no trabalho
docente compromete o produto do trabalho educativo e interfere diretamente na qualidade do
ensino ministrado” (ASBAHR, 2005, p. 115-116).
Um dos pressupostos do sistema de ciclos, segundo Freitas (2004), é que os professores
e toda comunidade escolar pensem, discutam e definam metas coletivas para a aprendizagem
das crianças, ou seja, o que se quer ao final do ciclo. Mas, à medida que a escola não possui
129
um projeto pedagógico definido, entendido e assumido por todos, cada professor tende a
organizar, planejar e conduzir suas aulas com estratégias, métodos, conteúdos, enfim, com as
práticas pedagógicas baseadas em suas próprias experiências como estudante e docente.
Na ausência de um trabalho pedagógico coeso e colaborativo, em outras palavras, cada
professor tende a adotar as práticas que lhe proporcionam mais segurança, suplantando ao
que seria essencial: a opção por práticas pedagógicas que melhor oportunizem o
desenvolvimento e aprendizagem de todos os alunos. Tal aspecto, além de não possibilitar a
unidade pedagógica imprescindível à continuidade do ensino e aprendizagem no ciclo, não
favorece o processo de formação contínua do professor, oportunizado pela interação com seus
pares e seu objeto de trabalho – o ensino.
A consolidação de um projeto pedagógico, favorável ao desenvolvimento e à
aprendizagem de aluno e professores, depende de algumas condições. Além da organização
dos tempos e espaços de modo a oportunizar a interação dos atores envolvidos na realização
da atividade educativa cotidiana, são necessários a criação e efetivação dos espaços coletivos
de estudos e planejamentos, aspectos estes que trataremos no próximo item.
4.1.2.3 Estudos, reflexões, planejamentos coletivos e avaliação
Como já anunciado anteriormente, o “Projeto Roda de Conversa”, compreende o espaço
institucional garantido em calendário escolar, destinado à formação dos professores,
planejamentos, reuniões pedagógicas, enfim, às discussões e reflexões coletivas acerca do
processo de ensino e aprendizagem desenvolvido em cada escola. As questões de ordem
gerencial e administrativas, em tese, deverão ocorrer em momentos distintos do tempo
previsto para o referido projeto.
Assim, no presente item discutimos a organização na escola dos espaços coletivos de
estudos, reflexões e planejamentos do seu processo educativo, tendo como indicador o
desenvolvimento do projeto em questão. Buscamos evidenciar a relação entre a forma como
esse processo ocorre na escola como um todo, e os conhecimentos profissionais e as práticas
pedagógicas das nossas colaboradoras.
Por outras palavras, buscamos compreender os reflexos e as contribuições (para
ampliação) da organização da escola, dos espaços-tempo coletivos, nos conhecimentos
profissionais e, consequentemente nas práticas pedagógicas das professoras. Também
buscamos compreender os significados e sentidos atribuídos, pelas professoras participantes
130
da pesquisa ao planejamento e formação continuada, focando o ensino de Matemática no 1º
ciclo.
Para o ano letivo de 2013 eram previstos em calendário escolar, além da “semana
pedagógica” que constitui a primeira etapa do Projeto Roda de Conversa, mais sete encontros
no decorrer do ano letivo. Solicitamos a coordenadora uma cópia do planejamento destes
encontros, ela disse que ainda não havia terminado a elaboração e que assim que terminasse
nos disponibilizaria, o que não aconteceu.
Dos quatro encontros do Projeto Roda de Conversa, realizados no segundo semestre
letivo/13, em dois encontros: 31/08/2013 e 27/09/2013 foram desenvolvidos, respectivamente,
avaliação de desempenho dos membros da equipe gestora (diretora, coordenadora pedagógica
e secretária escolar) e definição das ações do PDE interativo, nos quais julgamos não ser
pertinente a nossa presença. Acompanhamos dois encontros realizados nos dias 29/07/2013 e
12/12/2013. A seguir, uma síntese dos registros da pesquisadora, relativos ao encontro do
projeto “Roda de conversa” realizado nas dependências da escola, no dia 29/07/2013, das 7 às
11h e das 13 às 17h:
A primeira parte do encontro foi conduzida pela diretora da escola, onde foram
abordadas questões gerenciais/ administrativas. Depois do intervalo, a partir das
09h10min, apenas professores e monitores do “Programa Mais Educação”
participaram da reunião, que passou a ser conduzida pela coordenadora, a qual tratou
sobre os seguintes assuntos: 1) Informes gerais (avaliações de aprendizagem
previstas para 2013: 1º Ano: Provinha Cuiabá, 2º Ano: Provinha Brasil e 3º Ano:
Avaliação Nacional do PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa;
Programa de Avaliação institucional da SME: previsão de capacitação com a
Fundação Carlos Chagas; PNAIC: comunicado que chegou o kit de materiais para
organizar os cantinhos de leitura nas salas de aulas; Projeto Trilhas: orientação aos
professores para realizarem o cadastro no portal do MEC; Projeto piloto “Amigos do ZIP”: segundo a coordenadora, este “trabalha a parte emocional, a criança
identifica os sentimentos de raiva e suas ações. Analisa as reações e suas
consequências”; 2) Avaliação do desenvolvimento dos Projetos da Sala de Leitura
(apontado falta de manutenção e cuidados com os livros e equipamentos;
manutenção de um cronograma de utilização do espaço pelo ensino regular e o
“Programa Mais Educação”. Não foram abordados os aspectos relativos ao
desenvolvimento das atividades pedagógicas da sala de leitura, a avaliação se
limitou aos aspectos organizacionais), e da Sala de apoio à Aprendizagem (os
participantes avaliaram positivamente, ressaltando a comunicação da professora de
apoio com professores referência. Na avaliação dos professores e coordenadora os
alunos encaminhados para o apoio estão apresentando desenvolvimento na aprendizagem. Não foram tratadas sobre quais áreas dos conhecimentos e/ou
dificuldades aprendizagem apresentam os alunos encaminhados para o apoio
pedagógico); 3) Repasse do encontro do “Roda de Conversa” de coordenadores,
realizado pela SME, sobre as ações do PNAIC, em que a coordenadora participou
(A coordenadora fez a leitura dos slides, disponibilizado no referido encontro, sobre
gêneros textuais e os Direitos de Aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º
ciclo, definido no PNAIC. Teceu alguns comentários sem abrir para
questionamentos e/ou discussões). No final da tarde (a partir das 15h. 30 min.) os
professores foram liberados para arrumação das salas de aulas e elaboração
individual do plano de aulas para o 1º dia do segundo semestre letivo/2013. As
131
professoras participantes da pesquisa utilizaram o restante do tempo na organização
das salas, não realizando o planejamento (Pesquisadora, DC, RC- 29/07/2013).
Observando o relato anterior percebemos que no encontro em questão, não são
contempladas situações de momentos de estudos, nem de planejamentos pedagógicos
coletivos ou individuais. Do mesmo modo, as questões específicas do desenvolvimento do
ensino e da aprendizagem dos conteúdos curriculares, não foram objeto de discussão.
Também chama a atenção o fato de que o ensino e a aprendizagem de Matemática não foram
mencionados em nenhum momento.
Durante todo o encontro, os assuntos tratados tiveram como foco principal o repasse de
informações sobre programas e projetos oriundos da SME e as discussões de cunho
administrativo do dia-a-dia da escola. As declarações apresentadas na sequência demonstram,
ao que parece, que esse pode não ser um episódio isolado:
O “Roda de Conversa” é um ganho muito importante, é um tempo precioso que
conquistamos, mas nem sempre é usado como deveria. Algumas vezes os encontros
contemplam seu objetivo, mas na maioria das vezes acaba perdendo o foco. Não
sei se por falta de um bom planejamento ou por interesse dos professores, mas
muitas vezes acaba sendo uma lavação de roupa suja das insatisfações de cada
professor (Eliane, E).
Os indicativos de ausência de uma organização coletiva do trabalho pedagógico
desenvolvido na escola dentro do espaço-tempo destinado para tal finalidade, como o projeto
Roda de conversa, explicitados nas afirmações anteriores, são corroborados pelos relatos de
nossas colaboradoras e da coordenadora pedagógica, sobre o processo de elaboração dos
planos anual, bimestrais e planos de aulas, a seguir:
O plano anual é feito na semana pedagógica, por nós. Cada professor faz junto com
o seu colega, por exemplo, dois do segundo ano, dois do terceiro ano, as professoras do primeiro, as da Educação Infantil (Leci, E).
Não há exatamente uma interação, o que acontece são trocas de informações de
professores do mesmo ano, mas depende do professor, do coleguismo. O que fica
definido entre os professores do mesmo ano são os conteúdos, é trabalhar os
mesmos conteúdos (referindo-se ao trabalho desenvolvido no início do ano) (Eliane,
E).
Não tive auxílio! Ela (coordenadora pedagógica) me deu o plano da “Leci” do
terceiro bimestre e as capacidades, e pediu o planejamento dentro daquele
projetinho que eles estão desenvolvendo sobre a África. Eu dei o tema e o subtema do projeto, fiz as justificativas, procurei colocar não todos os conteúdos que a
“Leci” deixou, mas os conteúdos que eu vi que realmente estavam fora [...] (Lúcia,
E).
132
No início do ano fazemos o repasse de informações sobre os alunos [...] Não temos
trabalho pedagógico coletivo. Às vezes as professoras que têm mais afinidade,
trabalham juntas (referindo-se ao planejamento das aulas) (Eliane, DC, 25/10/13).
Nas declarações anteriores é evidenciado um aspecto importante das atividades
escolares para a execução de seu projeto educativo: a existência da prática de elaboração dos
diferentes planos escolares. No entanto, as narrativas das professoras sobre a forma como
acontece essa ação na escola, e a análise dos documentos escolares recolhidos (ver quadro 5),
apontam um distanciamento entre as proposições para o trabalho pedagógico, através da
metodologia de projetos, constantes no PPP da unidade escolar e o que foi apresentado nos
demais planos escolares, que as professoras nos disponibilizaram.
De acordo com Vasconcellos (2012, 41), “O planejamento é político, é hora de tomada
de decisões, de resgate dos princípios que embasam a prática pedagógica. Mas para chegar a
isto, é preciso atribuir-lhe valor, acreditar nele, sentir que planejar faz sentido, que é preciso,”.
Desse modo, o planejamento realizado pelo professor, explicitado nos planos de curso e
planos de aulas, são reveladores não só da concepção do processo de planejamento, como dos
diferentes conhecimentos que embasam a prática do professor: conhecimentos específicos,
conhecimento pedagógico e conhecimento curricular (SHULMAN, 1986).
Na análise dos planos de ensino da Matemática, realizados pelas professoras, percebe-se
uma cisão entre a significação para a elaboração e o papel dos planos escolares, conforme
descrito por Vasconcellos (2012), e a forma como esse processo se dá, nesta escola. Ao que
parece, o sentido e significado atribuído pelas professoras participantes na elaboração dos
planos anual e bimestrais, é o de cumprimento de uma atribuição inerente à função do
professor, sem, no entanto, possuir um sentido pessoal para tal ação, enquanto uma
necessidade para a sua ação docente.
Outro aspecto que chama a atenção, sem querer aprofundar nesta discussão, é a forma
de interação entre a coordenação pedagógica da escola e os professores nesse processo. Há
indicativos de que esta interação, de modo geral, ocorre no sentido de acompanhar o
cumprimento das atribuições das professoras, não se constituído numa relação de apoiamento
e colaboração com as professoras para a realização de sua prática pedagógica. Esta percepção
é corroborada pelas as seguintes declarações da coordenadora:
Os professores fazem os planejamentos e depois me entregam. Elas (as
professoras) planejam junto com a colega que tem afinidade. Começaram a planejar
juntas: terceiro com terceiro, primeiro com primeiro [...] Mas, não persistem
(Coordenadora pedagógica, DC, 06/08/13).
133
Olho os cadernos semanalmente, às vezes converso com as professoras para
entender o plano, ver onde estão as capacidades trabalhadas [...] (Coordenadora
pedagógica, DC, 03/10/13).
A indicação de elaboração conjunta dos planejamentos pelas professoras que atuam no
mesmo ano escolar, com base no coleguismo e afinidade entre as professoras, manifestadas
nas declarações anteriores, evidencia que a elaboração coletiva dos planos escolares não se
constitui uma premissa no encaminhamento da escola no desenvolvimento do seu projeto
educativo.
No transcorrer de todo o período de trabalho de campo, foi possível perceber que a
realização do novo modelo da avaliação de desempenho profissional, a partir da implantação
do programa de avaliação institucional da rede municipal de ensino de Cuiabá, mobilizou toda
a equipe escolar e ganhou destaque tanto nas conversas informais como nas discussões da
escola no âmbito do projeto “Roda de conversa”.
Esta nossa percepção é confirmada nas afirmações da coordenadora ao fazer um balanço
sobre desenvolvimento do referido projeto no ano de 2013, por ocasião da realização do
último encontro: “A avaliação foi o tema central esse ano: a avaliação de desempenho da
equipe gestora e de todos os profissionais a partir de evidências e avaliação da
aprendizagem” (Coordenadora, DC, RC-12/12/2013).
O processo das avaliações de desempenho individuais apontou aspectos importantes, já
evidenciados pelos dados da pesquisa apresentados anteriormente, tais como: ausência de um
acompanhamento sistemático e consequente da aprendizagem dos alunos, de discussões
pedagógicas coletivas, de orientação, apoio e acompanhamento aos professores por parte da
coordenação pedagógica, na realização do processo ensino e aprendizagem em sala de aula.
Isto é manifestado, entre outras, nas declarações da diretora escolar e da professora Eliane ao
comentarem o processo de avaliação de desempenho profissional:
O processo foi muito desgastante, mas positivo. Foi um momento de reflexão [...] o
item de maior incidência negativa na avaliação dos professores, foi em relação ao
registro sobre a aprendizagem dos alunos (Diretora escolar, DC, 21/10/13).
Zeramos em dois itens da avaliação de desempenho: aplicar as discussões coletivas
do projeto “Roda de Conversa” e as orientações da coordenadora. Como aplicar
algo que não aconteceu? Nos encontros do “Roda de conversa” não têm
acontecido discussões coletivas sobre o ensino, só discussão e avaliação da equipe
gestora, PDE, repasse de reuniões na SME. Tiramos zero por um trabalho que dependia do trabalho da coordenadora e ela não fez! (Eliane, DC, 25/10/13).
134
Foi possível perceber nesse processo que, apesar de não ter havido discussões teórico-
pedagógicas sobre a avaliação, os resultados das avaliações suscitaram reflexões. E,
principalmente provocaram mudanças na forma de condução e nas ações realizadas no último
encontro do “Roda de conversa”, se comparado ao encontro do início do semestre, conforme
relato anteriormente exposto. A seguir trechos dos registros da pesquisadora sobre encontro
realizado em 12/12/2013:
Com a declaração “para a avaliação precisamos de teoria”, a coordenadora propôs
a próxima atividade: leitura e discussão coletiva do texto: “Desafios à prática
reflexiva na escola” (LINO DE MACEDO, REVISTA PÁTIO, ano VI, n. 23,
set./out. 2002). Durante as discussões registramos algumas falas dos participantes:
P1- Tenho dúvidas, dificuldades para teorizar a prática. No dia-a-dia é tanta coisa,
que não paramos para questionar: por que faço tal coisa?
P2 - Precisamos superar o individualismo...
P3 – Precisa haver troca entre os professores para ter uma linha única no trabalho
pedagógico da escola.
C: Cada um tem uma concepção de mundo, de ensino, de escola. Transformação,
mudança de concepção e de prática, implica abertura e querer. A coordenadora concluiu a atividade declarando: “vejo a necessidade de mais
encontros coletivos para tratar do pedagógico”. Afirmação que teve a concordância
dos professores, avaliando positivamente a dinâmica do encontro, ao contemplar
momentos de estudos e reflexões coletivas (Pesquisadora, DC/RC, Equipe escolar,
12/12/2013).
Ao analisarmos o relato da pesquisadora, percebemos uma mudança nas atividades e na
forma de mediação da coordenadora na condução do referido encontro. Podemos inferir que,
provavelmente, os resultados das avaliações provocaram esse avanço qualitativo. Percebemos
nas afirmações dos participantes indicativos de tomada de consciência da necessidade de
reflexões, tanto individual como coletivas, sobre a prática pedagógica realizada na escola.
Acreditamos que este episódio pode representar um possível início do processo de
mudança em direção à concretização de momentos coletivos de estudos, de planejamento,
enfim, de organização coletiva do trabalho pedagógico da escola.
Diante do aqui exposto é possível fazermos algumas inferências sobre a organização do
trabalho pedagógico na escola onde realizamos pesquisa e os possíveis reflexos deste contexto
nos conhecimentos profissionais e nas práticas pedagógicas das professoras participantes,
referente ao SND.
Todos os dados descritos indicam que não há ainda uma proposta materializada de um
trabalho coletivo na escola, pensando num projeto educativo para a escola no qual a
ocupação principal, na sua essência, seja com o pedagógico e com as mudanças qualitativas
no processo de ensino e aprendizagem.
135
Os espaços-tempo institucionais existentes através do projeto “Roda de conversa”, ao
que parece, não são utilizados pela escola exclusivamente para estudos, reflexões e
planejamentos coletivos dos professores, como preconiza o referido projeto.
Embora a escola possua uma organização dos tempos e espaços escolares eficientes, a
forma como está estruturada pouco favorece a integração curricular e as interações entre as
professoras do 1º ciclo, na prática cotidiana.
Em se tratando do ensino dos conteúdos curriculares de Matemática no 1º ciclo, os
dados apresentados evidenciam ausência de discussões e estudos coletivos sobre o tema, ou
seja, de foco no ensino e na aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, nesta etapa de
escolarização. Pelo menos, não durante o período de realização da pesquisa.
Podemos verificar, também, indícios de encaminhamentos da escola na organização do
ensino de Matemática, orientado pelo livro didático. A gênese e historicidade dos conceitos
matemáticos, bem como, a dimensão sócio-histórico-cultural dos professores e alunos no
processo de ensino e aprendizagem, não são considerados.
O contexto de organização e utilização da escola dos espaços-tempo para organização
coletiva do trabalho pedagógico pouco favorece o processo de formação contínua do grupo de
professores que a compõe. E, consequentemente, pouco estimula as mudanças na prática
pedagógica em direção à superação do modelo tradicional de ensino.
No caso particular das professoras participantes da pesquisa, isto significa ausência de
oportunidade de superar as fragilidades nos seus conhecimentos profissionais, apontados
anteriormente, e melhorias na prática pedagógica, referentes ao ensino de Matemática e,
particularmente o ensino do SND.
A maneira como é organizado o trabalho pedagógico na escola (por ocasião da
realização da pesquisa), parece não traduzir as perspectivas do ensino organizado em ciclos de
formação, assumido oficialmente pela escola. A possibilidade da organização em ciclos, de
que os coletivos de professores dos ciclos possam discutir e decidir juntos (tendo por
referência a proposta pedagógica contida no PPP da escola) o desenvolvimento do ensino e as
metas coletivas para a aprendizagem das crianças, ainda não se constitui uma realidade nesta
escola.
Nas experiências brasileiras com a implantação dos ciclos figuram dois tipos de
proposições, que definem a efetivação ou não, do processo educativo dentro das perspectivas
teóricas da escola ciclada: aquelas que têm uma “proposta pedagógica com referências
teóricas progressistas, e operaram mudanças qualitativas no processo educacional; e aquelas
136
que apenas operam no plano burocrático administrativo, juntando séries artificialmente
denominadas de ciclos” (AZEVEDO, 2007, 13).
Neste contexto, Freitas (2004) chama a atenção para a necessária diferenciação entre as
experiências consideradas de progressão continuada e de ciclos, as quais estão relacionadas
com as finalidades educacionais que são atribuídas às possíveis mudanças nos tempos e
espaços escolares:
A progressão continuada, do ponto de vista curricular, apesar das junções de séries,
continua tratando cada ano escolar de forma seriada e vê os conteúdos escolares
como conjuntos de competências e habilidades a serem dominados pelos alunos. A
progressão continuada não se contrapõe à seriação, como alguns creem. Ela
simplesmente limitou o poder de reprovar que a avaliação formal tinha ao final de
cada série [...] a questão, portanto, não é optar entre progressão continuada ou série
mas entre avaliar com poder de reprovar ou não (FREITAS, 2004, p. 10, grifos do
autor).
Desse modo, então, as experiências com a progressão continuada, preserva os atributos
da seriação incorporando a não reprovação no processo de avaliação. “Diferentemente da
progressão continuada, os ciclos propõem alterar os tempos e espaços da escola de maneira
mais global, procurando ter uma visão crítica das finalidades educacionais da escola”
(FREITAS, 2004, p. 11).
Lembramos, no entanto, da necessidade de considerarmos as práticas pedagógicas das
professoras no contexto de organização do trabalho pedagógico na escola, e desta, no
contexto da política educacional da rede municipal de Cuiabá. Assim, entendemos que a
realidade da escola em relação à perspectiva dos ciclos, reflete, provavelmente, a forma como
a política de organização do Ensino Fundamental de nove anos – os ciclos de formação se
materializa na rede pública municipal de ensino de Cuiabá, como um todo.
Para Mainardes (2008, p. 119) em termos gerais, o caráter conservador ou progressista
de uma política de ciclos, além de “estar relacionado à concepção de Estado e de política
educacional que fundamenta cada gestão”, depende, entre outros, de aspectos, tais como:
- dos objetivos e propósitos atribuídos à política de ciclos; - das estratégias usadas na
formulação e na implantação da política (espaços de participação, discussão e decisão conjunta das intervenções a serem feitas na rede como um todo, nas escolas
e nas salas de aulas); - do papel atribuído à apropriação do conhecimento
sistematizado; - da infraestrutura garantida às escolas; - do tipo de formação
permanente dos professores (MAINARDES, 2008, p. 120-121).
Neste contexto, não querendo aprofundar esta discussão em virtude da necessidade de
delimitação do trabalho, identificamos a necessidade de futuros estudos sobre a política de
137
ciclos da rede de ensino de Cuiabá, para que possamos melhor compreender a prática
pedagógica do professor em sala de aula e as ações da escola como um todo.
O próximo item se destina à apresentação e discussão das práticas pedagógicas
desenvolvidas pelas professoras em sala de aula, ao ensinar o SND.
4.1.3 Prática pedagógica referente ao SND: a ação das professoras na sala de aula
Na presente seção nosso olhar recai sobre a ação pedagógica desenvolvida em sala de
aula e os conhecimentos profissionais manifestados pelas professoras participantes, ao
trabalhar o conhecimento matemático relacionado ao SND. Como já assinalamos
anteriormente, para a produção de informações a respeito das práticas pedagógicas
desenvolvidas pelas professoras colaboradoras da pesquisa em duas turmas (uma de 2º ano e
outra de 3º) do 1º ciclo do EF, referentes ao SND, realizamos as observações das aulas de
Matemática nas referidas turmas, durante o segundo semestre de 2013.
Durante as observações e, no momento, ao nos debruçarmos sobre as descrições das
aulas com intuito de compreender as práticas pedagógicas das professoras e os conhecimentos
profissionais subjacentes a estas, voltamos o nosso olhar para os tipos de atividades propostas
para trabalhar com o SND (as formas de abordagem do conteúdo, a articulação entre os
conteúdos e as experiências culturais dos alunos, valorização, ou não, das estratégias
individuais dos alunos na resolução das atividades e as correções) e os recursos utilizados, as
interações e mediações pedagógicas (gestão da sala de aula, relação professor-aluno-
conhecimento, aluno-aluno).
Estes aspectos são essenciais para situar as práticas pedagógicas e desvelar os
conhecimentos profissionais das professoras, referentes ao ensino do SND. O motivo para
afirmação está no entendimento, à luz de nosso referencial teórico, que o ensino de
Matemática numa perspectiva de educação humanizadora, pressuposto da teoria histórico-
cultural, subjaz a compreensão de que o processo educativo que gera desenvolvimento
intelectual é aquele que coloca o aluno em “atividade”, no sentido proposto por Leontiev
(1972), de aprendizagem.
Isto envolve a ação do professor de colocar o aluno diante da necessidade do conceito, a
partir da proposição de tarefas, situações problemas ou desafios, reais ou elaborados, que
mobilizem as crianças, individual e coletivamente, a buscar soluções, elaborar hipóteses e
sínteses (LANNER DE MOURA, 2007). Aspectos imprescindíveis para possibilitar aos
alunos a produção dos conhecimentos matemáticos referentes ao SND.
138
Desse modo, podemos inferir que no processo de ensino e aprendizagem, a criança tem
papel ativo no seu aprendizado. O papel do professor é o de mediador entre a criança, o objeto
a ser conhecido e o meio que o circunda. Assim, a ação do professor em sala de aula deve ser
intencional e planejada. Ao planejar cada atividade deve ter claros os objetivos, os conteúdos,
os conhecimentos que o aluno já possui e seus interesses.
Neste sentido, as interações e mediações pedagógicas em sala de aulas são
imprescindíveis no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, a constituição de
interações e mediações pedagógicas em sala de aula “exige um conjunto de habilidades
interpessoais do professor para conceber e participar das interações e mediações com e entre
os alunos, com o objetivo de proporcionar a aprendizagem e o desenvolvimento dos mesmos”
(FURGHESTTI, 2013, p. 120).
Além destas habilidades, para o professor ensinar é necessário que o mesmo possua,
entre outros, conhecimentos específico, pedagógico e curricular do conteúdo da disciplina que
vai lecionar. No caso deste estudo, para ensinar o SND, é necessário que as professoras
participantes da pesquisa possuam os conhecimentos profissionais mencionados
anteriormente, acerca do SND.
Práticas pedagógicas sobre o SND, turma do 2º ano, professora Leci
A professora Leci trabalhava os conteúdos matemáticos em dois dias da semana
previamente definidos: às terças-feiras (período integral) e às sextas-feiras (das 7h. às 9h.).
Realizamos as observações em 07 (sete) dias, totalizando 22 (vinte e duas) horas aulas, no
período de 06/8/2013 a 06/09/2013. Após essa data a professora se licenciou, sendo
substituída pela professora Lúcia.
Com a análise dos registros das aulas observadas, percebemos que o trabalho com os
conteúdos matemáticos se restringia em completar os exercícios do livro didático. A
professora pouco oportuniza a interação entre os alunos e a sua mediação compreende em
repetir as explicações coletivas sobre como se faz um determinado exercício. As de Leci
apresentam um padrão invariável.
No quadro 625
, a seguir, apresentamos sínteses das aulas de Matemática observadas
identificando, como exposto no início deste item, os conteúdos e atividades propostas, os
recursos utilizados, as estratégias de ensino e correção das atividades, as formas de interações
25 Quadro análogo ao elaborado por Furghestti (2013).
139
entre professor-aluno e aluno-aluno, de modo a oferecer um panorama da prática pedagógica
desenvolvida na sala de aula pela professora Leci ao ensinar os conteúdos matemáticos.
Quadro 6 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora Leci, ao ensinar Matemática,
na turma do 2º ano do 1º ciclo do EF, no período de 06/08 a 06/09/2013.
Conteúdo/
Atividade/Recurso
Estratégia de ensino e
correção das atividades.
Relação/
Atendimento aos alunos
Como os alunos
realizam atividades
1ºd
ia 06/0
8/1
3
Composição e
decomposição de
números (dezenas
inteiras e unidades)
Números pares e
impares.
Recortar fichas de
números do encarte
do livro didático. Completar
atividades do livro
p. 130-134.
Inicia as aulas fazendo a
localização no tempo e espaço
(dia da semana, mês, ano,
cidade estado, país), através de
questionamentos orais e
localização no calendário e
mapa mundi afixados na
parede da sala (atividade de
rotina).
Geralmente a professora
posiciona-se frente à turma ao
lado do quadro. Relembra o
assunto estudado na última
aula, anuncia e registra no
quadro assunto do dia e as
páginas do livro didático em
que vão trabalhar.
Faz a introdução do assunto
através de explicações e exemplos, seguindo,
geralmente, o mesmo roteiro e
exemplos do livro didático ou,
explicações e exemplos
similares aos do livro.
Para completar as atividades
do livro, normalmente, a
professora lê ou pede para um
aluno ler o enunciado da
questão, vai fazendo questionamentos e, na maioria
das vezes, ela mesma os
responde ou reforça a resposta
do(s) aluno(s), registrando as
A professora mantém uma
disciplina rígida, os alunos
não conversam nem
levantam da carteira.
Durante as explicações e a
realização dos exercícios,
tenta manter todos os
alunos atentos, repetindo o
alerta: “presta atenção”! Se tem algum aluno distraído,
estala os dedos ao dizer
“fulano acorda”!
Elogia os alunos que
respondem aos
questionamentos durante a
realização das atividades.
Caminha entre as carteiras
e orienta os alunos na
realização dos exercícios e/ou para a refazer de
acordo com a resolução ou
correção feita no quadro,
dá mais atenção aos alunos
que não acertam as
respostas ou não copiam
corretamente as respostas
do quadro. Ao final vista
todos os livros.
A correção (verificação) da tarefa de casa,
geralmente, leitura e cópia
de textos do livro didático
de português, é feita
Individualmente e
em silêncio, sem
apresentar dúvidas
ou perguntar alguma
coisa.
Quando é dado um
tempo, alguns alunos
resolvem as atividades sozinhos,
a maioria espera a
professora resolver
no quadro e copiam
as respostas.
2º
dia
0
9/0
8/1
3
Dúzia.
Unidade e dezena.
Algoritmo da
subtração.
Completar
atividades do livro,
p. 135-138.
3ºd
ia
20/0
8/1
3
Números com três
algarismos: 3º
ordem- centena.
Ideias da adição:
juntar e
acrescentar. Algoritmo da
adição.
Copia o cabeçalho.
Escrever numerais
de 0 a 100.
Completar
atividades do livro,
p. 139, 140, 174-
176.
140
4º
dia
30/0
8/1
3
Operação de adição
com
reagrupamento/
algoritmo
convencional.
“Probleminhas” de adição do tipo
padrão.
Escrever numerais
de 100 a 199.
Cópia do
cabeçalho.
Completar
atividades do livro,
p. 184.
respostas no quadro. Algumas
vezes, ela resolve o primeiro
item da atividade no quadro, e
pede que os alunos completem
o restante da atividade, porém,
não é dado um tempo para que todos resolvam. E, adota o
mesmo procedimento anterior.
Ao terminar de completar e/ou
corrigir as atividades no
quadro (um exercício por vez),
a professora circula pela sala
conferindo se os alunos
“acertaram” (copiaram
corretamente as respostas) e
dando visto nas atividades/livros dos alunos.
- Não incentiva a colaboração
entre os alunos para ajuda
mútua, troca de ideias e
trabalhos coletivos.
São desenvolvidas apenas as
atividades propostas no livro
didático adotado. A professora
não planeja/ propõe atividades
diferenciadas e com outras metodologias ou recursos
didáticos para os alunos que
apresentam dificuldades ou
não resolvem as atividades
sozinhos, limitando a copiar as
respostas do quadro.
individualmente no
caderno do aluno. Nesse
momento a professora,
sentada à sua mesa chama
um aluno por vez para dar
visto nos cadernos.
5º
dia
03/0
9/1
3
Operação de
Subtração/
algoritmo
convencional.
Ideias da subtração: retirar uma
quantidade de outra
e comparar
quantidades.
Cópia do
cabeçalho.
Escrever numerais
de 200 a 299.
Completar
atividades do livro,
p. 220 – 227.
6ºd
ia 0
6/0
9/1
3
Revisão das
operações de
adição e subtração
com reagrupamento/
algoritmo
convencional e
probleminhas do
tipo padrão.
Cópia do
cabeçalho.
Completar
atividades do livro,
p. 228 – 230. Fonte: Diário de Campo da pesquisadora.
Conforme demonstrado no quadro 6, a professora Leci segue uma rotina de início das
aulas na turma do 2º ano, a qual denomina de “construção coletiva do cabeçalho”. A partir de
questionamentos orais (Que dia é hoje? Hoje é terça, ontem foi? Amanhã é? Qual o primeiro
dia da semana? Em que mês e ano estamos? Qual cidade, Estado, país que moramos? etc.),
seguidos de conferência no calendário e localização no mapa mundi afixados na parede, das
respostas dos alunos, a professora realiza uma localização no tempo e espaço.
141
Podemos verificar, sem querer aprofundar em tais discussões, que nessa atividade de
rotina são abarcados diversos conteúdos matemáticos como, por exemplo, medidas de tempo,
antecessor, sucessor, sequência, ordem etc. Nos demais momentos das aulas observadas, os
conteúdos trabalhados compreendem, segundo a classificação de conteúdos dos PCN de
Matemática (BRASIL, 1997), o bloco de conteúdos “Números e Operações”, no qual se
insere o conteúdo sistema de numeração decimal.
Entendemos que a referida atividade de rotina, se intencionalmente planejada, favorece
a exploração do SND. No entanto, parece que a professora realiza esse momento de
“construção do cabeçalho” sem ter a consciência que já está trabalhando, e de maneira
significativa, alguns conhecimentos matemáticos. A professora deixa transparecer o
entendimento de que compreende como efetivo trabalho com a Matemática, a ação de
completar exercícios que envolvam os procedimentos matemáticos convencionais.
Apresentamos a seguir análises mais detalhadas sobre as práticas pedagógicas e os
conhecimentos profissionais manifestados pela professora Leci sobre o SND durante as aulas
observadas. Com esse intuito reportamo-nos aos nossos relatos em diário de campo e
selecionamos dois episódios de ensino que exemplificam a prática pedagógica da professora
ao ensinar o SND e, consequentemente, os conhecimentos profissionais subjacentes.
Como já mencionado anteriormente, a professora no início da aula registra, no quadro,
as páginas do livro didático que vão ser trabalhadas e anuncia o conteúdo que será abordado
na aula. Posteriormente, relembra os assuntos estudados nas aulas anteriores. Faz a introdução
do assunto através de explicações e exemplos seguindo, geralmente, o mesmo roteiro e
exemplos do livro didático do aluno.
Em nossas observações, em uma das aulas, a professora desenvolve o tema “compor e
decompor números”, episódio que descrevemos abaixo, e que ilustra bem a sua prática
pedagógica em sala de aula.
Episódio 1 (Parte da aula da professora Leci do dia 06/08/13)
142
Após escrever no quadro “Livro26: p. 130-138: Compor e Decompor Números”, a professora
inicia a aula:
P- Estamos estudando a numeração decimal, estamos agrupando de [...] (alguns alunos
responderam de dois, de cinco, outros de dez). A professora prossegue: No material dourado
a barrinha tem? Dez unidades é uma dezena. Presta atenção! Registra no quadro o número
130, conforme indicado abaixo e, ao mesmo tempo, vai perguntando e respondendo às
próprias perguntas e escrevendo no quadro o número 130 decomposto.
P- Uma centena é? Cem. Quanto são três dezenas? “Trinta” (alguns alunos respondem
juntos):
100 + 30 + 0
A professora interrompe a explicação e solicita aos alunos que recortem os numerais do
encarte do livro. Indica então que numerais com dois algarismos, são as dezenas, e com um
algarismo, são as unidades. Dá um tempo para que os alunos realizem a tarefa, enquanto
circula pela sala acompanhando o trabalho. Quando percebe que todos concluíram diz:
P- Vamos separar as dezenas e unidades. Presta atenção! Vai até a carteira de um aluno e
mostra como faz. Seguindo a orientação os alunos separam-nos em duas colunas: os números
formados por dezenas exatas de um lado e números menores que dez de outro lado.
Referindo-se aos numerais que os alunos recortaram, assim indica:
P- Vocês receberam dezenas fechadas, a gente também chama de dezena exata, termina com
0. Foi falando e registrando no quadro: 10, 20, até 90. Prosseguiu do mesmo modo:
P- Temos também 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, são as unidades e, com esses números,
escrevemos qualquer número. Prossegue falando e registrando no quadro: Veja o exemplo 85
= 80+5, isso é decompor. 50 + 3 = 53 compor. O que é compor?
A: É juntar o cinquenta mais o três (respondeu um aluno). A professora pegou um
dicionário e leu as definições de compor e decompor. Os alunos ouviram a leitura em
silêncio. Prosseguiu lendo e resolvendo no quadro as atividades do livro inseridas nas
páginas 130 e 131. Alguns alunos já haviam resolvido os exercícios durante as explicações, a
maioria copiou a resposta do quadro.
C
1
D
3
U
0
26
Refere-se ao Livro Didático do aluno adotado pela escola para os três anos do 1º ciclo do Ensino Fundamental:
DANTE, Luiz Roberto. Ápis: Alfabetização Matemática. São Paulo: Ática, 2011. Obra em 3 v. para alunos do
1º ao 3º ano.
143
O episódio nos mostra que a professora anuncia algumas características do SND ao
tratar sobre a composição e decomposição dos números. No entanto, não problematiza de
modo a possibilitar que os alunos expressem as compreensões já existentes, ou levá-los a
perceberem e construírem as regularidades do nosso sistema de numeração.
Quando a professora relembra aos alunos que estão estudando sobre o SND e questiona-
os sobre os agrupamentos neste sistema, não considera as respostas dos alunos indicando
diferentes agrupamentos e prossegue mencionando o Material Dourado, reforçando apenas a
noção de dezena como conjunto resultante do agrupamento de dez unidades.
Da mesma forma, a característica do SND de utilizar apenas dez diferentes algarismos
para escrever número de qualquer magnitude, é anunciada pela professora, também, como
uma manchete: “temos também 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, são as unidades, com esses números
escrevemos qualquer número”. E não promove discussões, limita-se apenas à exposição
indireta de uma das características do SND, que é possuir dez algarismos distintos. Também
podemos observar que a professora não faz distinção entre algarismo e número. O termo
número é empregado tanto para designar a expressão de quantidade, quanto para indicar os
símbolos abstratos que utilizamos para representar os números.
Embora não tenhamos questionado a professora sobre um possível trabalho anterior
com a base dez e outras bases, acreditamos, mediante a análise do caderno de planos de aulas
da professora e caderno dos alunos, que as respostas dos alunos, dizendo que estão agrupando,
de dois, de cinco, de dez, não têm relação com o conceito de base de um sistema de
numeração. Provavelmente os alunos tomam como referência os exercícios envolvendo
contagens com diferentes intervalos, observados em outras aulas, daí suas respostas.
Esse tipo de atividade por si só, não possibilita estabelecer relação ou compreender o
que significa os agrupamentos de dez em dez (a base dez) do SND. Da mesma forma, a
simples memorização das ordens em termos de unidade, dezenas, não resulta na compreensão
do princípio de posicionalidade (CURI, 2011), sendo esta uma das características que
distingue o nosso SND dos demais sistemas de numeração.
A proposta de recortar os numerais do encarte do livro, de acordo com o enunciado do
livro didático, tinha por objetivo auxiliar os alunos (mediar) na resolução dos exercícios sobre
a composição e decomposição de números, porém, isso não ocorreu. Como mostra o episódio,
foi realizada apenas a separação, seguindo o modelo mostrado pela professora, dos numerais
representando dezenas exatas e unidades simples. Esta foi uma atividade mecânica que pode
ter contribuído pouco para a compreensão do assunto estudado, já que as atividades foram
resolvidas no quadro pela professora e copiadas pelos alunos.
144
Apesar de a professora começar anunciando as características do SND, quando aborda o
assunto “composição e decomposição de números” não estabelece essa relação, apenas
reproduz o exemplo do livro: Veja o exemplo 85 = 80+5 – isso é decompor. 50 + 3 = 53
compor. A seguir a figura do livro didático anteriormente mencionado.
Figura 4 - Introdução sobre composição e decomposição de números no LD2-A
Fonte: LD2- A, p. 130.
Para explicar o conteúdo “compor” e “decompor” números ao invés de explorar os
agrupamentos e trocas no interior das ordens, faz a leitura do significado de termos
composição e decomposição no dicionário, que o livro sugeria que os alunos fizessem. Essa
ação pouco auxilia na compreensão das ideias Matemáticas envolvidas na ação de compor e
145
decompor as unidades, apenas o significado linguístico dos termos, como revela a
compreensão do aluno ao que significa “compor”: “É juntar o cinquenta mais o três!”
No desenvolvimento das atividades do livro sobre compor e decompor os números não
são explorados os princípios multiplicativos e aditivos subjacentes ao valor posicional dos
algarismos na escrita numérica. Acaba se reduzindo à mecanização de procedimentos, através
da reprodução do modelo apresentado no livro.
As explicações da professora e a forma diretiva como encaminha o desenvolvimento das
atividades do livro, além de não possibilitar reflexões sobre as características do nosso
sistema, não oportuniza que os alunos manifestem que conhecimentos acerca do SND já estão
consolidados e quais ainda requerem um trabalho sistemático para que possam ser
construídos.
Consideramos o SND um instrumento simbólico desenvolvido pela humanidade para
lidar com o registro de grandes quantidades utilizando o mínimo de símbolos possível.
Portanto, uma obra viva e em relação direta com as necessidades dos sujeitos e dos tempos
históricos de sua produção.
Reportando-nos a Kopnim (1978), entendemos que na compreensão do conceito de
SND, a unidade entre o lógico e o histórico do conceito é uma necessidade. Apoiando-nos em
Moretti (2014), entendemos que oportunizar a criança compreender o processo histórico de
produção dos conceitos (os nexos conceituais) que constituem o SND é parte importante no
movimento de apropriação deste conceito. “O conhecimento do objeto, desta forma, apenas
faz-se possível na unidade dialética entre os aspectos históricos e lógicos do objeto de
conhecimento” (MORETTI, 2014, p. 35).
Tendo por referência o episódio anterior e mediante a declaração de Leci, “começo pela
história do pastor, contando a história dos números [...]”, ao explicar como ensina o SND, é
possível conjeturar que a professora já tenha trabalhado o aspecto histórico do conceito de
SND. Nesse contexto, podemos inferir que a professora poderia ter explorado, se
intencionalmente planejada uma “revisão” sobre as regularidades do sistema decimal, os
agrupamentos de dez em dez (a base dez), durante a aula referida no episódio. Poderia ainda,
entre outras possibilidades, ter utilizado recursos didáticos como o Material Dourado e o
ábaco, para que as crianças pudessem vivenciar a ação de agrupar e reagrupar de dez em dez,
imprescindíveis para compreender a posicionalidade do SND.
A seguir, apresentamos o segundo episódio utilizado pela professora para introduzir a
ordem da centena, o qual ilustra a abordagem que a mesma utiliza no ensino do SND.
146
Episódio 2 (Parte da aula da professora Leci do dia 20/08/13)
Entrei na sala depois de 10 minutos do início da aula. No quadro estava escrito: páginas
139, 140, 174, 175 e 176. Os alunos com os livros já abertos na página 139, em silêncio
copiavam do quadro o “cabeçalho”. A professora sentada à sua mesa chamava um a um
pra apresentarem os cadernos de “dever de casa”. Terminada a conferência das tarefas, a
professora se posiciona a frente do quadro:
P: Nós trabalhamos até 99, mas muita gente aqui já faz até 200. Registra no quadro:
P: Cada dezena vale quantas unidades? Se eu falar tenho cinco dezenas, tenho que contar
de dez em dez. Dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta (indicando com os dedos). Cem, tem
quantas unidades? Alguns alunos respondiam: dez, cem. Se eu falar que tenho duas
centenas, tenho que contar de [...] (ela mesma respondeu) de cem em cem. Prossegue com
exemplos registrando no quadro: 2 centenas = 200 unidades - 6 centenas = 600
unidades. A professora prossegue a explicação:
P: Depois do 99 vem o 100. Veja a coleção de moedas do Celso (referindo-se à ilustração
da página 139 do livro do aluno). Lembram como decompõe? E registra no quadro:
99 = 90+9 (decomposição) 90+9 = 99 (composição). O aluno tinha noventa e nove
moedas e ganhou mais uma. Registra no quadro o algoritmo da operação 99 + 1, e
pergunta para a turma:
P: O que eu faço?
A: Pede emprestado!
P: Não é de menos, presta atenção! Realizando a contagem de risquinhos e “vai um”
resolve a operação, conforme abaixo:
P: Não é de menos, presta atenção! Realizando a contagem de risquinhos e “vai um”
resolve a operação, conforme abaixo:
C D U
(1) (1)9 9 ////////
1 /
1 0 0
P- Como eu decomponho e componho o número cem? Vai falando e registrando no
quadro: 100 = 99+1 e 99+1= 100.
Prossegue fazendo a leitura dos enunciados dos exercícios do livro e respondendo no
quadro. A cada exercício, circula entre as carteiras para verificar se “acertaram”.
D U
9 9
147
Na sequência, a figura da página do livro didático do aluno, ao qual fazemos referência
no episódio.
Figura 5 – Apresentação do número 100 no LD2-A
Fonte: LD2- A, p. 139.
Observando o episódio em questão, podemos inferir que o objetivo da professora ao
introduzir a “centena”, era trabalhar a noção de centena como conjunto resultante do
agrupamento de dez dezenas e a interpretação da escrita do número cem como a representação
do reagrupamento (uma centena, zero dezena, zero unidade). No entanto, podemos perceber
que a professora não explica os agrupamentos de dez em dez e as trocas (base dez, princípio
de posicionalidade) para formar a terceira ordem-centena.
148
A professora ao expressar, “se eu falar tenho cinco dezenas, tenho que contar de dez em
dez [...] se eu falar que tenho duas centenas, tenho que contar de cem em cem”, e ao
apresentar o “exemplo: 2 centenas= 200 unidades, 6 centenas = 600 unidades”, se limita à
contagem, e não consegue estabelecer relação com os agrupamentos em base dez, com o valor
posicional, enfim, com as regularidades do SND.
Podemos observar, também, que aparecem, na exposição da professora, registros da
decomposição e composição do número cem, como sendo respectivamente 100 = 99+1 e
99+1= 100. A professora não faz decomposição decimal dos termos. Segue, provavelmente,
o modelo da apresentação do número cem (100) do livro didático (figura 5): 100= 99 +1.
Ocorre que a abordagem do livro didático na apresentação do número cem (100) não
explora a noção de centena como conjunto resultante do reagrupamento de dez dezenas (base
dez) etc. A ênfase recai sobre a ideia de “composição aditiva” (NUNES et al., 2009) presente
na organização da sequência numérica em que cada número é igual ao anterior mais 1. Assim,
100 = 99 + 1. De igual modo, entendemos que o objetivo do exercício do livro, é possibilitar
à criança perceber o padrão que se repete na escrita numérica ao adicionar outros números ao
cem (100).
As mudanças que se produzem nos números, quando se soma (ou subtrai) um, não são
exploradas pela professora. A mesma enfatiza o algoritmo ‘encaixando’ os algarismos nas
‘casinhas’ para reforçar os agrupamentos em termos de “unidade”, “dezena” e “centena”, sem
refletir com as crianças sobre o processo de agrupar e desfazer os agrupamentos e trocas
envolvidos na operação.
Este procedimento, de acordo com os dados da pesquisa, traduz a forma usual do
trabalho que a professora desenvolve no ensino do SND e operações. É enfatizado o
procedimento, a técnica operatória: “Toda operação eu quero que faça armada, o número
maior fica em cima [...]. Toda operação ou problema tem que armar. Armar é colocar os
números em pé, ou seja, na vertical” (Leci, DC, 03/09/13).
Esta afirmação da professora aponta para uma compreensão do conhecimento
matemático como algo pronto e acabado. E, que apenas uma resposta de resolução é aceita,
cabendo ao aluno aplicar os procedimentos de cálculo, previamente memorizados. Este fato
nos remete às narrativas anteriores de Leci sobre o modelo tradicional de ensino da
Matemática, que a mesma vivenciou em sua trajetória escolar. Podemos inferir que a
professora ao trabalhar Matemática com seus alunos, transpõe para a sua prática o modelo de
ensino que foi vivenciado por ela no período escolar.
149
As pesquisas acerca desta problemática corroboram com tal percepção. Entre outros
pesquisadores, Nacarato, Mengali e Passos (2011, p. 23), ressaltam que as “futuras
professoras trazem crenças arraigadas sobre o que seja Matemática, seu ensino e sua
aprendizagem. Tais crenças, na maioria das vezes, acabam por contribuir para a constituição
da prática profissional”.
Acreditamos que uma formação inicial e uma formação continuada que oportunizem
aprendizagem dos conceitos matemáticos, a apropriação de referências teórico-metodológicos
sobre aprender e aprender a ensinar Matemática, bem como, a vivência de experiências de
aprendizagem mais significavas, podem contribuir para que os professores reavaliem as suas
concepções acerca da Matemática, da aprendizagem e do ensino da Matemática e,
consequentemente a construir práticas de ensino mais propícias ao processo de aprendizagem
de seus alunos. No entanto, as narrativas anteriores de Leci evidenciam que a mesma não teve
acesso a uma formação profissional, inicial e continuada, com essas características. Neste
contexto, como a professora pode superar o ensino de Matemática baseado em algoritmos e
cálculos mecanizados se esse foi modelo que aprendeu?
Acreditamos que sem um processo de formação com as características anteriormente
apresentadas, a superação do modelo tradicional de ensino de Matemática, pode ser para as
professoras um desafio praticamente insuperável, pois, de acordo com Palma (2010, p. 23),
“os estudos revelam, ainda, que parte das concepções e das crenças permanecerá inalterada se,
durante o processo de formação, os futuros professores não tiverem oportunidade de
reconstituir a sua relação com a Matemática”.
Esta situação fica muito evidenciada no episódio em tela. Mesmo em situações onde nas
atividades do livro didático é proposta a utilização de estratégias próprias ou de modelos
diferenciados de resolução, a professora “cobra” a técnica operatória usual, como podemos
observar, por exemplo, na figura 6, a seguir:
150
Figura 6- Exercício desenvolvido no dia 30/08/13.
Fonte: LD2-A, p. 181.
Percebemos que os procedimentos empregados nas técnicas operatórias, por vezes são
utilizados pelos alunos mecânica e aleatoriamente. Isto é revelado no episódio anterior,
quando respondem ao questionamento da professora sobre o que fazer para realizar a
operação 99 + 1, dizendo: “pede emprestado!” Este seria, no nosso entendimento, o momento
da professora problematizar confrontando as diferentes compreensões dos alunos em buscar
detectar e estabelecer as regularidades do sistema envolvidas nas operações aritméticas. No
entanto, a mesma ao expressar “não é de menos, presta atenção”, considera o “erro” do aluno
como falta de atenção.
Como podemos observar no episódio em questão, desde a fala inicial da professora,
“nós já trabalhamos até 99”, ao introduzir uma nova ordem, a centena, é evidenciado que o
ensino do SND é realizado passo a passo a partir do trabalho com os números e operações
desprovidas de referência a seu uso social, restringindo-se a um determinado intervalo da
série numérica. Essa constatação é corroborada pela professora ao relatar como tem
desenvolvido o trabalho com este conteúdo:
Eu peguei desde o comecinho: quantidades, as unidades primeiro, depois as
dezenas, que dez unidades são uma dezena [...] Se entregasse para mim (referindo-se ao trabalho do professor com aos alunos do 1º ano) até as duas dezenas o 20, mas
bem trabalhado [...], já era meio caminho andado [...]. Eu não vou dar para a
criança, ou forçar até 1000[...]. Mas eu acho assim, se eu trabalhar a centena, é
151
lógico que com a criança que sabe eu vou pra frente, mas se eu trabalhar até a
centena 999, quem pegar daqui para frente, vai ter uma facilidade enorme (Leci, E).
Essa abordagem gradual do SND utilizada pela professora constituiu, de acordo com
Lerner e Sadovsky (1996), o enfoque usualmente adotado pela escola para ensinar este
conteúdo. Neste contexto, para cada ano escolar são definidos previamente os intervalos da
sequência numérica que serão trabalhados. No primeiro ano, geralmente, trabalha-se com
números menores que cem, no segundo com números menores que mil e assim por diante.
Geralmente, após ensinar os algarismos, introduz-se a noção de dezena como o
agrupamento de dez unidades e a escrita do número dez como a representação do
agrupamento (uma dezena, zero unidade), e assim sucessivamente a cada nova ordem. O valor
posicional de cada algarismo é explicado em termos de “unidades”, “dezenas” etc.,
consideradas requisito para resolver as operações aritméticas envolvendo números do
intervalo priorizado no ano escolar. Como já demonstram algumas investigações, os
processos de construção das crianças sobre a notação convencional não seguem a ordem da
sequência numérica.
Concebemos o conhecimento matemático relacionado ao SND, como resultante da
atividade humana produzido historicamente para responder às suas necessidades instrumentais
e integrativas. Assim, compreendemos que as crianças constroem e se apropriam do SND
quando têm oportunidade de pensar e resolver problemas formulados pelo uso da numeração,
que lhes possibilite vivenciar a essência das necessidades que motivou a humanidade a
construir este conceito (LANNER DE MOURA, 2007; MIGUEIS e AZEVEDO, 2007).
Para tanto as crianças precisam, através da mediação do professor, serem estimuladas e
desafiadas a utilizarem estratégias próprias, a confrontar suas estratégias com as dos colegas,
a organizar e reorganizar o conhecimento na resolução de problemas. Além disso, de acordo
com Lerner e Sadovsky (1996, p. 124), a criança precisa vivenciar “quatro atividades básicas
– operar, ordenar, produzir e interpretar” escritas numéricas, em situações que tais ações
tenham sentido.
A partir dos dados, podemos dizer que a prática pedagógica da professora segue um
padrão invariável de aulas expositivas, com explicações baseadas, geralmente, no roteiro do
livro didático e a proposição de completar exercícios do livro didático com o intuito de fixar
os conteúdos. O SND não é ensinado considerando sua gênese e historicidade. O aspecto do
SND como prática sociocultural é desconsiderado, ignorando o fato de que as crianças
utilizam e presenciam a utilização da numeração de forma irrestrita nas suas interações
152
sociais, ou seja, ouvem e visualizam números de toda magnitude, portanto, têm oportunidade
de elaborar conhecimentos acerca do sistema numérico antes do período de escolarização.
A abordagem do SND se restringe à ênfase do nome das unidades de ordem, unidade
simples, dezena e centena, a partir de exercícios descontextualizados de composição e
decomposição de números. Ainda, da memorização dos procedimentos envolvidos nos
algoritmos convencionais das operações aritméticas. Nestas, os agrupamentos e
reagrupamentos no interior das ordens (base dez, posicionalidade, princípio multiplicativo e
aditivo) subjacentes às operações, não são refletidos e problematizados.
Através do procedimento de “encaixar” os algarismos da operação nas “casas” da
unidade (U), dezena (D) e centena (C), adota-se o ritual, usualmente utilizado pela escola, de
“tomar emprestado” e “subir” o algarismo para a ordem imediatamente superior. Nesse
contexto, a mediação pedagógica da professora se limita a apenas explicar o procedimento,
verificar erros e acertos e, mediante incidência de erros, repetir a explicação.
Estas práticas pedagógicas da professora Leci, no nosso entender, refletem diretamente
tanto o seu percurso formativo e profissional, quanto à forma de organização do trabalho
pedagógico da escola, discutidos anteriormente. Traduzem a concepção de conhecimento
matemático visto como pronto e acabado e, portanto, precisa ser transmitido – características
do modelo tradicional de ensino. Evidencia as lacunas nos conhecimentos específicos,
pedagógicos e curriculares acerca do SND, resultante do processo insuficiente de formação
docente inicial e continuada, vivenciada em suas trajetórias escolar e profissional.
Práticas pedagógicas sobre o SND, turma do 2º ano, matutino: professora Lúcia
As observações das aulas de Lúcia, na turma do 2º ano do 1º ciclo do Ensino
Fundamental, ocorreram no período de 16/09/2013 a 02/12/2013, compreendendo 12 (doze)
dias, nos quais computamos 29 (vinte e nove) horas aulas de Matemática.
Durante as observações e ao analisarmos as descrições das aulas de Lúcia percebemos
que a mesma utiliza, de modo geral, uma abordagem didático-pedagógica ao ensinar os
conteúdos matemáticos, análoga às manifestadas nas práticas pedagógicas da professora Leci,
que a antecedeu nesta turma.
Este fato, que a primeira vista seria positivo, no aspecto da sequência no processo de
ensino, acabou por mostrar a continuidade de um ensino centrado em aulas expositivas
baseadas, geralmente, no roteiro do livro didático e a proposição de completar exercícios, com
o intuito de fixar os conteúdos. Características que nos remetem ao modelo tradicional do
153
ensino de Matemática que, como já evidenciado em diversos estudos, apresentando limitações
quanto às contribuições para a aprendizagem e desenvolvimento das crianças.
No quadro 7, a seguir, são apresentadas sínteses das aulas observadas, dando
visibilidade às impressões anteriores ao retratar um panorama geral da prática pedagógica da
professora Lúcia, materializada na sala de aula. Para tanto, no referido quadro destacamos os
conteúdos trabalhados e, nestes, o enfoque dado ao SND, às estratégias de ensino, os tipos de
atividades propostas, os recursos utilizados, as interações e as mediações pedagógicas (gestão
da sala de aula, relação professor-aluno-conhecimento, aluno-aluno).
Quadro 7 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora Lúcia, ao ensinar Matemática,
na turma do 2º ano do 1º ciclo do EF, no período de 16/09 a 02/12/13.
Data
Conteúdo/Atividades
propostas
Estratégias de
ensino e correção
Relação/Atendimento aos
alunos
Como os alunos
realizam as
atividades
16
/09/1
3
Operações de adição e
subtração. Cópia de atividades do
quadro: probleminhas (tipo
padrão - classificar e empregar
técnica de resolução), armar e
efetuar a operação através do
algoritmo convencional.
Em sua organização
diária, geralmente, primeiro arruma
corretamente as filas
de cadeira dos
alunos.
Posiciona-se frente à
turma, fala sobre o
que vão estudar
naquele dia e faz
explicações gerais
sobre o assunto,
seguindo o roteiro e exemplos do livro
didático.
Depois de
apresentar as
atividades (do livro
do aluno,
xerocopiadas ou
passar no quadro),
algumas vezes
resolve um item da questão para mostrar
como se faz, outras
vezes deixa que o
aluno leia e resolva
autonomamente.
Destina o tempo
necessário para que
todos os alunos
completem os
exercícios.
Apesar de manter uma
fisionomia fechada e coibir qualquer burburinho, a
professora estimula os
alunos a solicitam a sua
ajuda, porém, os alunos
não o fazem
deliberadamente.
Por acompanhar todos os
alunos individualmente,
durante a realização das
atividades faz as
intervenções (algumas vezes de forma ríspida) no
momento em que o aluno
demonstra dúvida ou
incompreensão na
resolução da atividade.
Geralmente, os
alunos realizam as atividades
individualmente e
em silêncio,
porém, são
estimulados pela a
professora a
chamá-la caso não
entendam ou não
consigam resolver
sozinhos os
exercícios.
Algumas vezes, os
alunos que
apresentam
dificuldades em
algumas atividades
são ajudados pelos
colegas que já
realizam a
atividades sem
maiores
problemas.
24
/09/1
3 Aplicação de prova de
Matemática (3º bimestre) -
xerocopiada.
27
/09/1
3
Introdução da multiplicação e
tabuada do 2, 3, e 4.
Cópia do quadro da tabuada do 2 (modelo).
Elaborar as tabuadas do 3, 4,
e 5.
01/1
0/1
3
Multiplicação/ tabuada do 2 e
3.
Verificação individual de
quem fez a tarefa de casa-
livro de Matemática.
Correção coletiva da tarefa no
quadro.
Completar atividades do livro
didático do aluno, p. 194.
08
/10/1
3
Tabuada do 2.
Cópia de atividades do
quadro.
(Aula conduzida por uma
estagiária de Pedagogia. A professora permaneceu em
silêncio, sentada ao fundo da
sala).
154
22/1
0/1
3
Dobro, triplo, algoritmo
convencional da
multiplicação/probleminhas
(do tipo padrão).
Verificação individual de
quem fez a tarefa de casa de português (não corrige).
Completar atividades do livro
didático do aluno, p. 197, 198
e199.
Nesse período
circula pela sala
acompanhando o
desenvolvimento dos
alunos na realização das atividades.
Auxilia
individualmente os
alunos que não estão
conseguindo ou que
não estão
completando
corretamente.
Dedica maior
atenção aos alunos que apresentam
dificuldades. Às
vezes, incentiva os
alunos que terminam
primeiro a ajudar o
colega com
dificuldade,
ressaltando que não é
para fazer para o
colega, mas, ensiná-
lo a fazer.
Não deixa nenhum
aluno sem realizar as
atividades.
25/1
0/1
3
Verificação individual de
quem fez a tarefa de casa.
Correção no quadro da tarefa;
atividades xerocopiadas:
dobro (livro distinto do usado
pelos alunos).
Completar atividades do livro
didático, p. 201 (Revisão dos
conteúdos estudados).
05
/11/1
3
Verificação individual de
quem fez a tarefa de casa (não
corrige).
- Completar atividades do livro didático, p. 203 e 204,
envolvendo a tabuada do 3.
12
/11/1
3 Completar atividades do livro
didático, p. 205, envolvendo a
tabuada do 4.
26
/11/1
3
Multiplicação e introdução da
operação de divisão usando
algoritmo convencional.
Completar atividades
xerocopiadas de livro distinto
do utilizado pelos alunos.
29
/11/1
3 Divisão.
Completar atividades
xerocopiadas de livro distinto
do utilizado pelos alunos.
Fonte: Diário de Campo da pesquisadora.
Ao analisarmos o quadro 7 é possível observar que a professora Lúcia deu sequência ao
trabalho, iniciado pela professora Leci, com as operações aritméticas, abarcando as operações
de multiplicação e divisão. Também é possível perceber um acentuado enfoque na “tabuada”
de multiplicar e nas técnicas convencionais ao ensinar operações de multiplicação e divisão.
A alusão às regularidades do SND ocorre por meio da ênfase aos nomes das unidades de
ordem: unidade simples, dezena e centena, quando da realização de operações aritméticas
através dos algoritmos convencionais.
155
Em relação aos tipos de atividades propostas, podemos verificar o predomínio da ação
de completar exercícios de livros didáticos, sejam os contidos no livro dos alunos ou
transcritos de livros distintos no quadro para os alunos copiarem. O livro didático do aluno,
cópias de outros livros e quadro negro, foram recursos didáticos utilizados pela professora.
Também podemos perceber que a professora ao propor geralmente a realização dos
exercícios individualmente e não permitir a movimentação e conversa durante as aulas, as
interações e trocas entre os alunos são pouco significativas ou praticamente inexistentes.
Um aspecto que chama a atenção positivamente é a atitude da professora em
disponibilizar tempo para que todos os alunos resolvam os exercícios. Também, a sua
iniciativa de intervenção seja nas explicações do quadro, ou ao ajudar individualmente os
alunos com dificuldades. No entanto, devido ao tipo de atividades propostas e a forma como
realiza esta ação, pouco contribui para que criança reflita e utilize estratégias próprias, pois,
fala de imediato a resposta e indica o procedimento a ser adotado, como evidenciado nos
episódios que se seguem.
As crianças precisam de tempo e desafios para avançar na construção dos
conhecimentos matemáticos. É justamente a reflexão, o questionamento e a busca de soluções
diante de situações problemas reais ou criadas pelo professor, que possibilitam o avanço da
criança na produção e apropriação dos conhecimentos matemáticos.
De acordo com Vygotsky (1988), as relações entre sujeito e objeto do conhecimento não
ocorre de forma direta, e sim mediada. Assim, o professor atua de forma a oportunizar a
construção de conhecimentos, quando estimula o diálogo, a cooperação mútua, a troca de
informações e o confronto de ideias entre os alunos. Neste sentido Furghestti (2013, p. 130)
reportando à Barbato (2008), ressalta que “as interações sociais no contexto escolar passam a
ser entendidas como condição necessária para a apropriação e produção dos conhecimentos
por parte dos alunos”.
Um maior detalhamento sobre a prática pedagógica e os conhecimentos profissionais da
professora Lúcia, referentes ao ensino dos conteúdos matemáticos, especialmente o SND,
pode ser percebido nos dois episódios de ensinos apresentados a seguir. Estes foram
selecionamos dentre as descrições das aulas observadas, por retratarem a forma usual da ação
pedagógica da professora.
Como já apresentado anteriormente, as quatro operações aritméticas foram os conteúdos
desenvolvidos pela professora Lúcia. Destas, as operações de adição e subtração foram
abordadas enquanto revisão. A professora iniciou o trabalho com a multiplicação e a divisão.
156
Em nossas observações, em uma das aulas a professora propõe exercícios (de revisão)
envolvendo as operações de adição e subtração, episódio abaixo:
Episódio 3 (Parte da aula da professora Lúcia do dia 16/09/13)
Depois de arrumar as carteiras que não estavam enfileiradas corretamente, a professora
Lúcia posiciona-se à frente da sala, cumprimenta a turma com um “bom dia”, e anuncia:
P: Hoje não vamos usar o livro de Matemática porque já terminou o conteúdo do livro
para o 3º bimestre. Vou continuar com adição e subtração na questão dos probleminhas,
para exercitar, para fixar... Semana que vem começaremos com a multiplicação: dois
vezes um, dois vezes dois (recita com voz cantada), agora vocês ainda estão no dois mais
dois, dois menos um. É igual andar de bicicleta, no começo cai machuca o joelho é
treinar, treinar... Vamos pra os probleminhas, é só não esquecer o padrão, dezena,
unidade, dezena, unidade.
Em seguida transcreve no quadro seis “problemas” (do tipo padrão, copiados de outro
livro didático distinto do utilizado pelos alunos) e seis operações de adição e subtração
para armar e efetuar. Enquanto os alunos copiam a professora fica sentada olhando o
caderno de plano. Após alguns minutos levanta e circula pela sala verificando os cadernos,
reclama da letra pequena, de parte dos alunos, alegando que não consegue enxergar,
manda apagar e escrever com letra maior. Depois de confirmar que todos haviam copiado
e, alguns, respondido as atividades a professora inicia a correção no quadro. Narramos à
correção feita pela professora de dois probleminhas:
P: Na fazenda de José há 54 porcos. Ele vai dar 25 porcos a Lucas. Com quantos porcos
José vai ficar? A turma permanece em silêncio. A professora lê o problema mais uma vez
e pergunta: Qual é a operação? Os alunos respondem em coro: subtração! Diante da
resposta dos alunos, registra o algoritmo da operação 54 - 25. Apontando com o dedo o
algarismo quatro na operação questiona:
P: Quatro dá pra tirar cinco? Vamos emprestar o um do cinco.
Escreve o numeral 14 acima do “U” (unidade). Um aluno diz que tem que riscar o
algarismo 4. Vai até o quadro e mostra como se faz. A professora diz (com uma calma
resignada):
P: Estou indo por etapas com vocês.
Outro aluno argumenta: É que a professora “Leci” risca o quatro.
157
P: Já está riscado, satisfeito?! (responde já aparentando irritação) Continua:
P: Agora não vamos mais operar com cinco e quatro (diz apontando os algarismos 4 e 5
que formam o número 54).
P: Agora é catorze e quatro. Catorze para tirar cinco, cinco pra catorze? Começa a
contar, indicando nos dedos, seis, sete... Os alunos acompanham. Conclui a operação,
explica como deve ser dada a resposta.
Correção do problema: Em uma escola rural há 42 alunos, sendo 18 meninos. Quantas
meninas? Depois de ler o problema questiona: o que é uma escola rural? Descreve uma
escola rural fazendo comparações com a “Escola Tesouro”, fala do lanche, da dedicação
dos alunos da escola rural e, complementa:
P: Vamos valorizar mais o que vocês têm aqui. Olha o sapato bonito da L, a mochila da
V, na escola rural, os alunos vão descalço, não tem caderno capa dura, borracha que o
governo dá. A mochila é uma sacola de arroz. Comenta que ela também usou sacola de
arroz como mochila e hoje está dando aula. Ressalta a importância de valorizar os estudos
para ter um bom emprego. Retoma o problema em questão. Lê mais uma vez o problema e
questiona:
P: Quantas meninas? Como você vai achar a quantidade de meninas?
Uma aluna comenta: Somando quarenta e dois mais dezoito, deu cinquenta.
P: Cinquenta dá mais que o total de alunos. É interessante no probleminha, trabalhar com
todos os números. Temos primeiro que descobrir a conta.
Registra no quadro: Meninos: 18. Meninas?? Total: 42.
P: Qual é a continha? Diante do silêncio dos alunos escreve o algoritmo da operação 42-
18=
D U
4
- 1
2
8
P: Vamos pegar o um do quatro. O quatro agora ai ser quatro? Sem esperar as respostas
dos alunos continua. Risca o numeral dois e escreve acima da “U” (unidades) 12, risca o
numeral quatro e escreve acima da “D’” (dezena) 3. Indicando com o dedo o numeral oito:
P: Tenho oito bolinhas, pra chegar ao doze... Começa contar indicando quatro dedos:
nove, dez, onze, doze, treze, catorze. Conclui a operação e comenta escrevendo a resposta
no quadro.
P: Eu quero a resposta assim: Estudam 24 meninas. Eu quero ver se dezoito está dentro
158
de quarenta e dois. Agora a continha é de mais. (entendi que seria a verificação se a
operação estava correta pela operação inversa). Registra no quadro: 24 + 18 = 42. A
correção dos exercícios se prolongou até ao final da aula.
A seguir imagem de caderno de aluno ilustrando os problemas apresentados pela
professora no episódio anteriormente narrado.
Figura 7 - Problemas de subtração realizado na turma do 2º ano no dia 16/09/13
Fonte: CA, 2ª, Lúcia.
O primeiro aspecto que chama atenção no episódio anterior se refere aos indícios de
organização do currículo de Matemática e de concepção de aprendizagem/ conhecimento,
manifestados nas primeiras declarações de Lúcia aos alunos: “Hoje não vamos usar o livro de
Matemática porque já terminou o conteúdo do livro para o 3º bimestre. Vou continuar com
adição e subtração na questão dos probleminhas, para exercitar, para fixar[...]” Como
evidenciado anteriormente, é possível perceber indicativos de uma organização do ensino de
Matemática norteado pelo livro didático, com definição prévia de blocos de conteúdos para
cada ano escolar e para cada bimestre deste. E, de que o conhecimento se dá por memorização
através de repetições. Entendimento que traduz uma concepção do conhecimento fundada em
bases empiristas (BECKER, 1993).
Esta forma de organização do currículo manifestada nas afirmações da professora
contrapõe às perspectivas das implicações teóricas dos ciclos de formação, para as práticas
159
escolares. Ao contrário, ela nos remete à organização de currículo do sistema seriado, pois, de
acordo com Krug (2004, p. 4), “A série organiza-se com base em blocos de conteúdos
previamente definidos para cada ano escolar a ser cursado, compartimentando o
conhecimento, com base na ideia de linearidade”.
As atividades propostas no episódio de “arme e efetue” e “problema-padrão” (DANTE
apud DARSIE e PALMA, 2013, p. 14) se mostram coerentes com a ideia de que
aprendizagem ocorre através de sucessivas repetições, explicitada nas afirmações “[...] é
treinar, treinar [...] é só não esquecer o padrão, dezena, unidade, dezena, unidade”.
De acordo com Darsie e Palma (2013), a proposição de “problema-padrão” com intuito
de fixar a técnica operatória, previamente apresentada, tem sido a prática usual no trabalho
com resolução de problemas matemáticos. Para as autoras, esse tipo de atividade “não
constituem um problema, e, sim, um exercício” (p. 14). E, acrescentam: “Dessa forma, o
aluno, depois de resolver alguns ‘problemas’, percebe que não precisa mais analisar os outros
enunciados, basta retirar os números do texto e fazer a conta que foi trabalhada
anteriormente” (p. 13, grifos das autoras).
Corroborando com essa ideia, Davidov apud Moura (2010, p. 137), avalia que nesse
trabalho com problemas do tipo padrão, “cujo objetivo é identificar o método resolutivo, já
assimilado, o aluno não interpreta a situação problema buscando resolução, apenas classifica
o problema e aplica a técnica de resolução”.
Confirmando o que apontam esses autores, podemos observar na correção dos
problemas que a ênfase recai em identificar qual é a operação? E, na memorização dos
procedimentos envolvidos nos algoritmos convencionais das operações aritméticas. No
segundo problema, percebemos que a professora tenta contextualizar o exercício, porém, os
exemplos e as ilustrações que utiliza, estigmatizam tanto os alunos da escola rural, como os da
escola urbana.
Partilhamos do pensamento de Darsie e Palma (2013, p. 15) no sentido de que este tipo
de situação-problema descrito no episódio anterior, geralmente “não apresenta significado
para o aluno”. Ainda ao a firmarem que:
Assumir a concepção de resolução de problemas como mero exercício não
possibilita ao aluno aprender Matemática resolvendo problemas ou usar ideias
Matemáticas já anteriormente aprendidas na resolução de problemas. A proposição da situação problema com enfoque no produto corrobora o fracasso escolar e
desapropria o aluno daquilo que se configura necessário para resolver um problema:
o ato de pensar (DARSIE e PALMA, 2013, p. 16, grifo das autoras).
160
É evidenciado, também, que os agrupamentos e reagrupamentos no interior das ordens,
enfim, as características e propriedades do SND (base dez, posicionalidade, princípio
multiplicativo e aditivo) ocultas na resolução das operações, não são refletidas e
problematizadas. A abordagem a estas, se restringe à ênfase do nome das unidades de ordem,
unidade simples, dezena e centena.
O episódio de ensino que se segue, apresenta a descrição de parte da aula em que a
professora Lúcia faz a apresentação da multiplicação.
Episódio 4 (Parte da aula da professora Lúcia do dia 27/09/13)
A professora Lúcia, depois de escrever no quadro “multiplicação”, pede para os alunos
abrirem o livro de Matemática na página 192. Não faz referência ao livro, porém, ao fazer a
introdução da multiplicação, iniciando pela a ideia de adição de parcelas iguais, reproduz o
exemplo apresentado no livro didático do aluno. Lúcia inicia a explicação desenhando dois
conjuntos sete elementos cada e, ao mesmo tempo, vai explicando e registrando no quadro,
conforme indicado abaixo.
P: Tenho dois grupinhos de sete. Eu posso dizer que tenho sete mais sete que é igual a
catorze, ou que eu tenho duas vezes o grupo de sete, que também é igual a catorze.
7 + 7 = 14
2 x 7 = 14
P: Vamos relembrar: o sinal da adição é o mais (+); o da subtração é o menos (-); e, o da
multiplicação é o vezes (x). Diz a professora Lúcia ao mesmo tempo em que faz o registro no
quadro, dos nomes das operações, precedidos de seus respectivos “sinais”. Prossegue:
P- Vamos aprender como se monta a tabuada do 2.
Explicando e, ao mesmo tempo, registrando no quadro, a professora ensina como se “monta”
a tabuada do 2, através do esquema de somar ao resultado anterior o número 2, conforme
indicado, a seguir:
2x1 = 2
2x2 = 2 + 2 = 4
0000
000
0000
000
161
2x3 = 4 + 2 =6
2x4 = 6 +2 = 8
Depois de concluir a tabuada do 2, a professora solicita aos alunos que copiem e, façam as
tabuadas do 3, 4 e 5, seguindo o modelo. Durante a realização desta tarefa a professora
circulou pela sala ensinando, individualmente, os alunos que não entenderam o modelo.
Percebemos que ao elaborar a tabuada, alguns alunos, ao invés de multiplicar, por exemplo, 2
x 8= 16, eles somavam 2 x 8= 10. A professora mandava apagar e, explicava como “montar”
a tabuada. Registramos as falas da professora ao orientar o trabalho de um aluno em sua
carteira:
P: Tabuada não se monta desse jeito. Foi essa estrutura que montei no quadro? Apaga e faz
do jeito que fiz no quadro. Se errar um número aqui em cima, o resultado todo vai ficar
errado. Todo número multiplicado por um dá ele mesmo. Não pode desconcentrar, se você
esquece o número, não sabe pra onde vai. Três vezes um é três, o três você já tem na cabeça
(diz tocando a cabeça do aluno), fica com a mãozinha em cima da mesa, três mais três mais
três (indicando e separando os dedinhos do aluno), agora conta.
Essa atividade se prolongou até ao final da aula.
A seguir a figura do livro didático do aluno sobre as ideias da multiplicação, utilizada
pela professora como referência para apresentar este conteúdo.
Figura 8 – Apresentação da ideia de adição de parcelas iguais da multiplicação no LD2 – A
Fonte: LD2- A, p. 192.
162
As descrições das explicações de Lúcia para apresentar o conteúdo multiplicação,
apontam que a professora usou como referência a abordagem contemplada no livro didático
(figura 8) referente ao assunto. No entanto, podemos observar que a ideia de adição sucessiva
que o livro apresenta, não é explorada pela professora. Isto é evidenciado quando a professora
ensina o esquema de “montar a tabuada do 2” através da adição do número 2 ao resultado
anterior, não usando a ideia de adição sucessiva.
O modelo da tabuada apresentado pela professora, além de desprovido de significado,
não traduz corretamente a ideia de multiplicação enquanto adição de parcelas iguais mostrada
no livro, ao qual a professora tomou por referência. É possível inferir que as orientações da
professora desestimula o raciocínio “certo” das crianças sobre as ideias envolvidas na
multiplicação.
A sequência do trabalho com a multiplicação, como evidenciado no episódio anterior e
nas descrições da pesquisadora das aulas subsequentes, recai sobre o ensino da tabuada, pois,
em suas palavras: “acho difícil já iniciar trabalhando as atividades do livro” sobre as ideias
da multiplicação (adição de parcelas iguais, disposição retangular e combinatória). E justifica:
“os alunos não entendem “o vezes”, sem a tabuada” (DC, Lúcia, 27/09/13).
Estas declarações da professora são bastante reveladoras, pois, apontam indícios de
concepção de ensino e aprendizagem dos conhecimentos matemáticos numa perspectiva do
modelo de ensino tradicional. Ao mesmo tempo apontam desconhecimento das discussões
atuais acerca da tabuada no âmbito escolar, as quais indicam que se as atividades de
construção e consulta da tabuada forem significativas, é grande a probabilidade de a maioria
dos alunos as memorizarem naturalmente, ou seja, os fatos aritméticos da multiplicação
tendem a ser apreendidos e internalizados pelos alunos, sem grandes esforços e traumas.
Podemos observar que o ensino da multiplicação realizado pela Lúcia compreende a
memorização da tabuada e do algoritmo convencional, como indicado no episódio a seguir:
Episódio 5 (Parte da aula da professora Lúcia do dia 22/10/13)
P: Já vimos como forma os conjuntos da multiplicação, agora vamos para os probleminhas.
A professora Lúcia faz a leitura do enunciado de uma questão do livro didático que traz a
ilustração de um álbum de figurinhas onde são apresentadas 3 linhas, com 3 figuras cada.
Explicação, seguida de registro no quadro, da professora depois de desenhar no quadro a
ilustração do livro:
163
P: Tem um jeito mais reduzido de fazer 3 + 3+3 = 9, posso fazer 3x3= 9. Tem um jeito mais
fácil ainda, posso armar:
x
3
3
9
Nos dois episódios, é possível perceber indícios de dificuldades por parte da professora
tanto relação ao domínio do conteúdo (conhecimento específico), quanto no que diz respeito a
como ensinar (conhecimento pedagógico). Aspectos que confirmam as indicações da
professora, ao comentar que a sua formação não lhe deu base para ensinar esse conhecimento
matemático, acha que faltou prática, para saber usar recursos didáticos e exemplos, que
facilite o acesso do aluno a esse conhecimento:
[...] eu vou ensinar a multiplicação, queria trazer um objeto para poder mostrar na
prática com a criança para ver se ele aprende, se ele assimila, se ele faz essa
relação[...]. Queria ter como fazer aquele exemplo na prática. Ter como manusear
um material pedagógico, para eles conseguirem fazer, assimilando e fazendo a
multiplicação [...]. Eu tento fazer no quadro. É bolinhas, é objeto que desenho. Mas
eu acho assim mais difícil [...] (Lúcia, E).
Relembrando as narrativas anteriores de Lúcia sobre a sua escolarização, podemos
verificar ali explicitado, o desacordo da professora com o modelo de ensino centrado na
memorização da tabuada ao qual vivenciou. De igual modo, podemos ali verificar também,
que a sua trajetória de formação inicial e continuada não lhe possibilitou a ampliação dos
conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares (SHULMAN, 1986), para que pudesse
ensinar a multiplicação, o SND e, a Matemática de um modo geral, de forma diferente da que
aprendeu no período escolar. Bem como, não contemplou possibilidade de atribuir
significação e sentido pessoal para aprender e ensinar esta disciplina. Assim, a professora
acaba reproduzindo o tipo de ensino que vivenciou como aluna, apesar de não aprová-lo.
A análise dos dados sobre a prática pedagógica da professora Lúcia nos aponta que,
apesar dos seus esforços em dar um atendimento individualizado aos alunos, buscar outra
forma de ensinar a tabuada distinta da memorização, ou seja, para não repetir na sua prática
docente “algo que viu e não aprovou” (D’AMBRÓSIO, 2010, p.10) na sua vivência como
aluna, não foram exitosas. Embora não exija a memorização dos cálculos da tabuada, a
professora “cobra” a repetição exaustiva da elaboração da mesma.
164
As fragilidades, reconhecidas pela professora, em relação aos seus conhecimentos
profissionais, como evidenciadas anteriormente, resultam num ensino dos conhecimentos
matemáticos, especialmente do SND, embasados na concepção tradicional de ensino.
Ao trabalhar com as operações a professora não aborda o SND. O ensino do atual
sistema de numeração se restringe aos nomes das unidades de ordem, quando da resolução das
operações, sem possibilitar reflexões com alunos acerca de suas características e propriedades.
É enfatizado o estudo da tabuada e a reprodução de procedimentos e regras inerentes aos
algoritmos das operações aritméticas. As atividades propostas, geralmente, compreendem
copiar e completar exercícios extraídos de livros didáticos, com intuito de fixar os conteúdos.
Práticas pedagógicas sobre o SND, turma do 3º ano, vespertino: professora Eliane.
O acompanhamento das aulas de Matemática da professora Eliane no 3º ano do 1º ciclo
foi realizado no período de 08/08/2013 à 05/12/2013, 14 (quatorze) dias, resultando na
observação de 40 (quarenta) horas aulas.
No quadro 8, apresentado abaixo, são exibidas sínteses das observações das aulas da
professora Eliane. Sua leitura nos permite uma visão geral de sua prática pedagógica.
Podemos perceber que as aulas de Matemática da professora não seguem um padrão fixo. Ela
usa diferentes estratégias, atividades e recursos didáticos ao desenvolver os conteúdos, no
intuito de proporcionar a apropriação dos conhecimentos.
Normalmente a professora procura fazer explicações gerais e coletivas, mas também
quando alguma criança pede ajuda, ou percebe alguma dificuldade, ela intervém
individualmente. Outro aspecto positivo é a atenção que a professora dispensa para entender
como o aluno pensou e as estratégias utilizadas para chegar aos resultados das atividades.
Todos os alunos fazem as atividades propostas.
Apesar de em alguns momentos a professora elevar a voz ao dizer um, dois, três, uma
espécie código para fazer silêncio, e chamar a atenção com veemência diante de conversas
paralelas, as relações interpessoais na sala de aula são amistosas. Ela é carinhosa com os
alunos e vice versa. Professora e alunos brincam e riem juntos de forma espontânea. O clima é
leve na relação professor-aluno-aluno, favorecendo as interações e mediações pedagógicas.
165
Quadro 8 - Síntese das atividades realizadas na prática pedagógica da professora Eliane, ao ensinar Matemática,
na turma do 3º ano do 1º ciclo do EF.
D
ata
Conteúdos /Atividades
propostas
Estratégia de ensino e
correção
Relação/
Atendimento
aos alunos
Como os alunos
realizam as
atividades
08/0
8/1
3
Sistema monetário,
operações de adição com
reagrupamento.
Vivência de situações problemas envolvendo
compra e venda
(utilização de
dinheirinho: cálculo,
troco, possibilidades de
composição de valores a
partir das diferentes
cédulas).
Resolução de
probleminhas do livro
didático.
Começa, geralmente, a
abordagem do conteúdo
através de questionamentos
aos alunos sobre o que entendem ou já sabem
sobre o assunto, relaciona o
saber matemático às
situações da realidade.
Enquanto os alunos
resolvem as atividades,
pouco caminha entre as
carteiras para acompanhar
o desenvolvimento dos
alunos, porém, a maioria destes vão
espontaneamente até sua
mesa.
Dirige-se a determinados
alunos questionando se
estão conseguindo realizar
as atividades, em caso de
negativa, os chama até sua
mesa.
A correção das atividades é feita, geralmente em três
momentos: correção
individual no livro ou
caderno, conforme vão
terminando as atividades;
um e/ou grupo de alunos
vão ao quadro resolver as
atividades; a professora faz
a correção com a
participação da turma ou
corrige junto com o aluno, pedindo que mesmo
explique como pensou e
resolveu, e o ajuda refazer,
caso não esteja correta a
resolução.
Modifica o tipo de
atividade ou sequência dos
conteúdos conforme o
desenvolvimento dos
alunos, por exemplo,
quando percebeu a dificuldades dos alunos
com operações de adição
Existe diálogo entre
professora e alunos.
A professora escuta com interesse suas
histórias, discutem
assuntos veiculados na
mídia, na comunidade,
sorriem juntos e
brincam
espontaneamente.
Durante o
desenvolvimento das
atividades, controla a movimentação e
conversas contando 1,
2, 3! Uma espécie de
acordo que todos
respeitam.
Percebe-se uma leveza
na relação
professora/aluno/
aluno.
Todos os alunos
realizam as atividades propostas.
A professora,
geralmente, elogia o
que fazem e os
motivam a fazer sempre
mais, incentiva a ajuda
mútua e a troca entre os
alunos.
Apesar de mesas e cadeiras individuais,
estas são organizadas
em filas dupla ou
triplas.
Atendimento e
intervenção individual
constante, a cada
atividade e a cada
correção, seja no
caderno ou no quadro,
sempre pede para o aluno explicar para ela
e, ás vezes, socializar
Não existe um
padrão de comporta-
mento.
Às vezes sozinhos e
em silêncio, outras
vezes apesar de
resolverem
individualmente
levantam vão até a
professora ou até a
mesa do colega, pedir
ajuda, conferir se o
do colega esta igual
ao seu, tirar alguma dúvida.
Algumas vezes, em
duplas ou trios.
09
/08/1
3
Verificação individual de quem fez a tarefa de
casa de Matemática
(operações de adição
com reagrupamento) com
visto nos cadernos dos
alunos.
Correção da tarefa em
dois momentos: cada
aluno resolve uma
atividade no quadro;
depois a professora faz a
correção com a participação da turma.
Copiar e resolver (arme
e efetue) operações de
adição com
reagrupamento utilizando
algoritmo convencional.
29/0
8/1
3
Resolver atividades do
livro didático, p. 90 e 91:
problemas de subtração
envolvendo sistema
monetário, com apoio de
material didático: “dinheirinho”.
30/0
8/1
3
Revisão: números
ordinais, pares, ímpares;
ordem crescente e
decrescente.
Copiar e completar
atividades do quadro.
06
/09/1
3 Resolução de operações
de subtração com
reagrupamento utilizando
o Material Dourado.
166
12/0
9/1
3
Copiar do quadro e
resolver operações de
adição e subtração com
reagrupamento, fazendo a verificação pela
operação inversa.
com reagrupamento,
retomou o trabalho com
material dourado.
com a turma, como
pensou ou como
chegou no resultado.
Percebi que três alunos
que ainda não resolvem
sozinhos ou só com a
ajuda do colega do
lado, ocupam as três
primeiras cadeiras da
fila em frente sua mesa,
possibilitando uma
constante intervenção.
13/0
9/1
3
Correção das operações
aritméticas da aula
anterior: primeiro é
distribuído uma operação
para cada aluno resolver
no quadro, em seguida a
professora faz a correção
com a participação da
turma.
Confecção de “Material Dourado” em papel
cartão (cada aluno fez o
seu).
19
/09/1
3
SND: agrupamento e
reagrupamentos de dez
em dez, com o uso do
material dourado.
Copiar e completar
atividades do quadro
envolvendo a
representação com
material dourado da
escrita numérica e vice-versa.
26
/09/1
3
Aplicação de prova
escrita de história e
geografia- 3º bimestre.
Resolver atividades do
livro didático
(operações de adição e
subtração com
reagrupamento
empregando algoritmo).
03/1
0/1
3
Ideias da multiplicação:
adição de parcelas iguais,
disposição retangular e combinatória.
Completar atividades do
livro didático e
atividades do quadro
envolvendo as ideias da
multiplicação.
24/1
0/1
3
Verificação individual e
visto nos livros e
cadernos dos alunos das
atividades da última aula.
Socialização dos alunos
dos resultados e do processo de resolução de
cada atividade- correção
coletiva.
167
25/1
0/1
3
Verificação individual
de quem fez a tarefa de
casa de Matemáticas:
atividades do livro didático e xerocopiadas,
envolvendo as tabuadas
de 2 ao 7.
Correção das tarefas
usando o mesmo
procedimento da aula
anterior.
31/1
0/1
3
Completar atividades do
livro didático
envolvendo cálculo
mental, em multiplicação
por zero, multiplicação com números
decompostos (principio
aditivo e
multiplicação/SND) e
com algoritmo, termos
da operação.
08
/11/1
3
Correção coletiva do
simulado de Matemática-
“Prova ANINHA”
(simulado enviado pela
SME, preparatório para a
ANA - Avaliação
Nacional da Alfabetização).
21
/11/1
3
Correção coletiva da
tarefa de casa de
Matemática, através de
questionamentos e
socialização dos
procedimentos:
atividades xerocopiadas
envolvendo situações
problemas.
28/1
1/1
3
Copiar do quadro e
resolver operações de
divisão. Correção das atividades
em dois momentos:
primeiro é distribuído
uma operação para cada
aluno resolver no quadro,
em seguida a professora
faz a correção com a
participação da turma.
168
29/1
1/1
3
Resolver atividades do
livro didático
envolvendo operações de
divisão. Correção no quadro:
cada aluno resolve uma
operação no quadro,
quando erra a professora
chama o aluno, pergunta
como ele pensou, e refaz
junto com aluno.
Fonte: Diário de Campo da pesquisadora
As sínteses do quadro anterior indicam que nas aulas observadas, a professora Eliane
trabalhou os seguintes conteúdos: sistema monetário, as operações de adição e subtração com
reagrupamentos, multiplicação, divisão e o SND.
Para desenvolver os referidos tópicos, a professora utilizou várias estratégias
metodológicas: a vivência de situações envolvendo compra e venda / relação consumidor e
comerciante, explicações orais coletivas, completar exercícios do livro didático, do quadro e
em folhas xerocopiadas, confecção pelos alunos em papel cartão de uma representação do
material dourado (MD), chamar o aluno ao quadro para resolver operações aritméticas,
fazendo intervenções individuais, e com a participação da turma. Observamos também o uso
de recursos didáticos, tais como: material dourado, cédulas e moedas (imitações) de diferentes
valores, quadro e giz, livro didático do aluno, atividades xerocopiadas.
As intervenções e correções das atividades, comumente acontecem em três momentos.
Primeiro individualmente durante a realização da atividade; depois mediante solicitação de
ajuda ou quando percebe que algum aluno não está conseguindo resolver sozinho; corrige
individualmente os cadernos, conforme os alunos vão terminando as atividades.
Num segundo momento, chama grupos de alunos para resolver no quadro e, geralmente,
faz intervenções e mediações individuais através de questionamentos, dicas ou explicações.
Por último corrige no quadro, com a participação da turma.
Em todas estas etapas a professora questiona o aluno sobre como resolveu, o que ele
não entendeu e, por vezes, pede que o aluno socialize com os colegas, o modo como
desenvolveu seu pensamento e chegou ao resultado. Geralmente, os alunos resolvem as
atividades individualmente, mas, como sentam em duplas, conversam com o colega. A
professora incentiva os alunos que terminam primeiro a ajudar outros colegas.
Observamos que, na maioria das vezes, as atividades propostas pela professora são
atividades tradicionais como “arme e efetue” e as do livro didático do aluno ou reproduzidas
169
de livros didáticos distintos. No entanto, a forma como a professora faz a mediação
pedagógica, através de questionamentos e diálogo com os alunos ou ao promover a interação
entre os alunos, tornam tais atividades interessantes e mobiliza a participação e o entusiasmo
dos alunos na realização dos trabalhos em sala.
Apresentamos a seguir, três episódios de ensino que ilustram as descrições anteriores
sobre a forma como a professora realiza a mediação da aprendizagem a partir de situações
problemas e atividades simples, estimula as estratégias individuais, promovendo a interação
entre os alunos.
Episódio 6 (Parte da aula da professora Eliane do dia 08/08/13)
A professora solicita aos alunos que peguem os envelopes com “os dinheirinhos”, para
fazerem uma atividade. Escolhe quatro alunos para irem à frente. Explica que vão simular
uma situação de compra e venda de materiais escolares. Os quatro alunos seriam os
compradores/consumidores e o restante da turma seriam os comerciantes de materiais
escolares. Orienta que os “comerciantes” deveriam selecionar o que iriam colocar à venda e
definir o preço de cada objeto. Comenta que antes de comprar precisamos fazer pesquisa de
preço, pedir desconto, analisar a qualidade da mercadoria, entre outros aspectos da relação
entre consumidor e comerciante.
Os dois grupos participaram com entusiasmo da atividade. Os “consumidores” circularam de
mesa em mesa fazendo as “compras”, discutem o valor dos objetos, do troco [...]
Incorporaram os respectivos papeis. Após algum tempo, a professora avisa que havia
terminado o período de “compra”. Pediu que os compradores relatassem quanto haviam
gasto, registrando no quadro os valores relatados pelos quatro alunos. Passa a discutir com os
alunos os valores dos objetos, analisando se correspondia ao preço real.
Na sequência formula, oralmente, situações problemas para que os alunos, em duplas,
resolvessem utilizando as cédulas. Todos os alunos participam ativamente. Quando chamou
para iniciar as atividades do livro, uma aluna disse: profa não vendi nada! A professora,
sorrindo, disse que teriam mais cinco minutos. Os quatro compradores foram negociar com a
colega. Nesse ínterim, um aluno anuncia: estou fazendo promoção! Outros o imitam. A
atividade se estendeu por mais alguns minutos.
170
Selecionamos o episódio anterior pela singularidade desta aula da professora Eliane.
Mesmo utilizando uma forma diferenciada de encaminhamentos das resoluções das atividades
pelos alunos, como destacado anteriormente, a maioria das atividades propostas
compreendem exercícios matemáticos comuns aos livros didáticos. Nesta aula, porém, a
estratégia metodológica de simular uma situação comum do dia-a-dia, oportuniza a
aprendizagem do conteúdo sistema monetário, de forma contextualizada e interdisciplinar.
Possibilita aos alunos, ampliar e aplicar os conhecimentos já existentes sobre o sistema
monetário e operações aritméticas, também contempla aspectos da relação consumidor e
comerciante importantes, para o no exercício da cidadania.
Podemos inferir que, ao propor esse tipo de atividade, Eliane deixa transparecer uma
compreensão de que o processo de ensino e aprendizagem da Matemática “é mais que
aprender códigos e regras. É aprender um método de conhecer e transmitir o que aprendeu. É
também saber aplicar o que conheceu na solução de problemas que lhes são próprios no
convívio com os outros. É fazer-se humano” (MOURA, 2006, p. 496).
Episódio 7 (Parte da aula da professora Eliane do dia 24/10/13)
Depois de dar visto nos cadernos, conferindo quem fez a tarefa, a professora inicia a correção
coletiva da tarefa, no quadro. A cada questão, pede para um aluno fazer a leitura do
enunciado. Em seguida questiona o que compreenderam, e qual o resultado. A cada resposta
a professora pergunta como chegaram ao resultado. Uma determinada questão apresentava
ilustrações com figuras, seguidas de questionamentos, como por exemplo: uma figura de 6
animais quadrúpedes, seguida do questionamento: quantas pernas; 7 estrelas de 6 pontas:
quantas pontas etc. Alguns alunos relatam ter utilizado a multiplicação, outros a adição, e
alguns dizem ter se valido da contagem. A professora elogia as alternativas utilizadas.
Na sequência passa alguns exercícios no quadro. Exemplo:
Pinte da mesma cor a operação e resultado:
5x4 7x3 8x9 7x4 6x8
48 72 20 21 28
Correção no quadro. A professora pergunta ao aluno J como ele descobriu o resultado (ele
ainda não sebe ler). Com as suas palavras, o aluno explica que foi deduzindo a operação e o
resultado, comparando a magnitude dos números. A professora ficou radiante, foi até a
carteira do aluno e o abraçou, elogiando a sua esperteza.
171
Episódio 8 (Parte da aula da professora Eliane do dia 08/11/13)
Correção no quadro da prova “ANINHA” (simulado enviado pela SME para a Avaliação
Nacional da Alfabetização - ANA). Para a correção da prova, a professora pede que cada
aluno faça a leitura de uma questão, pergunta quem errou e qual foi a compreensão, porque
achou que seria a resposta que assinalou, e como os que acertaram, conseguiram encontrar o
resultado etc. Exemplo e explicação dos alunos sobre como chegou ao resultado correto:
A aluna M explicou e registro no quadro como resolveu a operação 12x3:
10 2
+10 2
10 2
30 + 6=36
Estratégia de resolução do aluno L, sem utilizar o algoritmo convencional, para o
probleminha: Paula tem R$ 32,00 quer comparar uma boneca no valor de R$ 58,00. Quanto
vai faltar?
LF: “Pode contar também nos dedos, começando no 33 até o 58!” Apontando nos dedos
mostra como fez: LP: 33...42, deu dez. 43... 52, deu dez. 53....58, deu seis. Dez mais dez
mais seis, deu vinte e seis. A professora vibra, acha graça das explicações dos alunos,
parabeniza a esperteza dos que acertaram. Não censurava os que erraram. Percebemos, por
vezes, que ao questionar como o aluno havia entendido, o próprio aluno identificava onde e
porque errou.
As descrições nos dois episódios anteriores nos permitem inferir que as estratégias
utilizadas pela professora no encaminhamento das atividades com os alunos oportunizam que
estes resolvam as atividades com bastante autonomia. Como podemos observar, nas duas
situações, os alunos utilizam alternativas de resolução distintas, de acordo com os seus
conhecimentos prévios.
A professora ao considerar as diferentes alternativas que os alunos utilizarem nas
resoluções das atividades descritas nos dois episódios e, promover a socialização das ideias,
sinaliza uma prática pedagógica, mais voltada a uma proposta interacionista do que embasada
na concepção tradicional.
172
No entanto, devido, provavelmente, às fragilidades nos conhecimentos específicos
anteriormente mencionados, não promove reflexões com os alunos sobre os conceitos
matemáticos, a partir das estratégias que apresentam (a resolução da multiplicação através
adições sucessivas, a operação de adição decomposta, comparação...), apenas dá liberdade do
aluno se expressar e elogia a iniciativa.
Entendemos que nas situações descritas nos dois episódios, a professora deixa passar a
oportunidade de problematizar e refletir sobre as regularidades do SND, como, por exemplo,
o princípio multiplicativo e aditivo, os agrupamentos e reagrupamentos nas ordens e classes, e
o valor posicional dos algarismos no número.
De acordo com Nadal citado por Furghestti (2013, p. 130), a mediação da aprendizagem
se efetiva “quando o professor faz perguntas, dá devoluções sobre suas colocações e
produções, problematiza o conteúdo com a finalidade de colocar o pensamento do aluno em
movimento e também quando possibilita os alunos a dialogarem entre si sobre suas
atividades”.
Antes de discutirmos sobre o trabalho realizado pela professora Eliane com o SND, faz-
se necessário uma breve contextualização do trabalho que a professora desenvolvia, quando
iniciamos a observação de suas aulas. Naquela ocasião, Eliane estava começando ensinar as
operações de adição e subtração com reagrupamento, através dos algoritmos convencionais.
Percebemos que os alunos demonstravam dificuldades em compreender as explicações
da professora sobre o “subir o um” e tomar “tomar emprestado”, para resolver as operações.
Ao mesmo tempo parecia que Eliane, também, tinha dificuldades em explicar de forma
diferente, como revela uma cena da aula da professora Eliane do dia 29/08/13, a seguir:
Alunos resolvendo exercícios do livro. A professora Eliane em sua mesa, e os alunos com
dificuldades vão até ela. Uma aluna se aproxima e mostra a operação 45 – 19, já armada, e
diz:
A: Não sei como é que faz essa conta!”
P: Ué, não sabe mais fazer subtração!
A professora observa a operação por instantes e ao invés de explicar, orienta a aluna a ler do
começo (explicação da operação de subtração com reagrupamento do livro didático da
aluna). A aula é interrompida para a uma apresentação de alunos do projeto Mais Educação.
173
Na aula seguinte, a professora anuncia que não vão continuar com as atividades da aula
anterior. Passa exercícios no quadro sobre números ordinais, pares ímpares para os alunos
copiar e completar. Nesse ínterim, Eliane se aproxima de mim e comenta: “percebi que não
estão entendendo como tomar emprestado. Vou aproveitar minha hora-atividade para
estudar um pouquinho antes, e trabalhar com material dourado”.
Demonstrando reconhecer a relação entre as dificuldades nas operações com a
compreensão do SND, nas aulas subsequentes a professora desenvolve atividades envolvendo
as operações e o SND, utilizando o material dourado.
A seguir apresentamos um episódio de ensino que ilustra este trabalho.
Episódio 9 (Parte da aula da professora Eliane do dia 06/09/13)
Após fazer a chamada e conferir individualmente quem fez a tarefa, a professora Eliane
anuncia:
P: Vou inventar uma conta. Escreve no quadro:
3 5
- 2 9
P: Essa conta tem que emprestar. Vou explicar com o material dourado.
Reúne os alunos ao fundo da sala, sentados em círculo no chão. Transcreve a conta do
quadro para o papel flicharp e questiona:
P: Quem sabe como fazer essa conta?
Nenhum aluno responde. Ela dispõe três “barrinhas” acima do numeral 3, e cinco
“cubinhos” acima do numeral 5. Comenta:
P: Tem que emprestar!
Sem mencionar que faria a decomposição de uma dezena em dez unidades, pega uma
“barrinha’ e troca por dez “cubinhos”, colocando-os juntos com outros cinco. Conta nove
cubinhos e retira para o lado, questionando quantos ficaram. Os alunos acompanham atentos
e respondem aos questionamentos. Ela registra com giz o resultado no papel. Escreve mais
duas operações: 57 – 28; 93 – 56 e resolve com a participação dos alunos.
Durante a explicação verificamos que, às vezes, a professora em alguns momentos disfarçava
e olhava numa folha com anotações da aula, que segundo ela havia planejado com a
coordenadora, ou em tom de brincadeira comentava: deixa eu olhar a minha cola.
174
Na sequência a professora solicita que os alunos retornem para as carteiras e formem duplas.
Desenha no quadro nove “barrinhas” e nove “cubinhos’. Indicando o desenho comenta: se
colocar mais uma unidade fica cem (100). Depois de distribuir certa quantidade de
“barrinhas” e “cubinhos”, para duplas de alunos, registra no quadro alguns números para que
os alunos representem com o MD. Se dirigindo a mim diz: se você quiser pode ajudar os
alunos! Aceito.
Durante a representação dos números com MD, percebi que um aluno representou o número
127, utilizando doze “barrinhas” e sete “cubinhos”, ou seja, não fez o reagrupamento, apenas
contou de dez em dez, e a professora disse estar certo.
Depois de aproximar de mim enquanto eu ajudava um aluno a representar o número 132,
explicando o agrupamento de dez em dez e as trocas nas ordens, a professora voltou à
carteira do aluno que havia dito estar certa a representação de 127, e comentou brincando que
se confundiu por que já está muito velhinha, e disse que para representar o “cem” ele teria
que trocar dez “barrinhas’ por uma “placa”.
Na sequência registra no quadro dez operações de subtração para armar e efetuar com o
apoio do MD.
A seguir imagem de caderno de aluno onde retrata as operações propostas pela
professora no episódio 9.
Figura 9 – Operações de subtração para armar e efetuar, realizado na turma do 3º ano, no dia 06/09/13
Fonte: CA, 3A, Eliane.
175
A proposição da professora, diante das dificuldades dos alunos em realizar operações
com reagrupamento, de retomar o estudo do SND ao trabalhar com material dourado, foi
assertiva. De acordo com Carvalho (2010), uma das principais explicações para as
dificuldades na aprendizagem das operações aritméticas está associada à ausência de
conhecimentos precedentes sobre números e o SND.
No entanto, podemos observar que a forma como Eliane utilizou o referido material
pouco possibilitou a exploração das regras e propriedade do SND, ocultas nas operações. Ao
que parece, o intuito foi de apenas, reforçar (materializando) o “um emprestado” e os
procedimentos do algoritmo. A professora não explora o potencial do material dourado, para
fazer com que os alunos percebam a lógica dos agrupamentos de dez em dez, os princípios
aditivo e multiplicativo, a base dez, do SND, que o referido material possibilita.
Estas situações descritas no episódio anterior apontam, de acordo com Shulman (1986),
fragilidades no “conhecimento do conteúdo específico” de Eliane. Segundo esse autor, este
conhecimento envolve, entre outros, a compreensão de fatos e conceitos inerentes ao
conteúdo da disciplina que o professor leciona. E, no “conhecimento curricular”, o qual
abarca entre outros, o conhecimento e a compreensão dos materiais instrucionais sobre o
ensino de uma disciplina específica, e como utilizar os jogos pedagógicos, de modo a facilitar
a aquisição do conteúdo pelo aluno.
Confirmando o que aponta Shulman (1986), sobre a interpendência entre os diferentes
tipos de conhecimentos profissionais mobilizados pelo professor na sua prática pedagógica,
podemos observar que a insuficiência nos conhecimentos específico e curricular acaba
interferindo no conhecimento pedagógico que Eliane demonstra possuir, conforme
manifestado no modo como a professora realiza a mediação pedagógica em sala de aula,
anteriormente explicitado.
Em síntese, os dados sobre a prática pedagógica da professora Eliane, ao ensinar
Matemática, evidencia que a professora busca diversificar as estratégias didático-
metodológicas ao desenvolver os conteúdos, no intuito de proporcionar a apropriação dos
conhecimentos. As aulas de Matemática da professora não seguem um padrão determinado.
A professora considera as diferentes alternativas que os alunos utilizam nas resoluções
das atividades, estimula os alunos a socializarem como entendeu e o modo como desenvolveu
o pensamento para chegar ao resultado do exercício ou situação problema, promovendo a
interação entre os alunos. Porém, não explora, pedagogicamente, as estratégias de resolução
que os alunos apresentam, motivado, provavelmente, pelas fragilidades demonstradas em
relação ao conhecimento específico.
176
Quanto às práticas pedagógicas referentes ao SND, os dados revelam que a professora
denota compreensão da relação entre o nosso sistema de numeração e as operações. Recorre
ao uso de material pedagógico. No entanto, a forma como desenvolve o ensino, as
características e propriedades do SND subjacentes às operações não são problematizadas e
refletidas. Apenas enfatiza o nome das unidades de ordem, ao realizar as operações. Através
do procedimento de “encaixar” os algarismos da operação nas “casas” da unidade (U), dezena
(D) e centena (C), a abordagem das regras e propriedades do SND, subjacentes às operações,
se restringem ao ritual de “tomar emprestado” e “subir” o algarismo. O SND não é ensinado
considerando sua gênese e historicidade.
A prática pedagógica da professora Eliane no ensino deste conteúdo corrobora as
indicações, anteriormente apresentadas, de fragilidades no conhecimento específico no que se
refere à compreensão dos agrupamentos de dez em dez e trocas nas ordens (a base dez) e o
princípio de posicionalidade do SND, repercutindo no modo como ensina este conteúdo.
4.1.3.1 Síntese das práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras em sala de aula
e os conhecimentos profissionais manifestados
As práticas pedagógicas observadas evidenciam, de modo geral, que o modelo
tradicional de ensino da Matemática, embora em níveis diferentes, ainda predomina no fazer
pedagógico das professoras participantes da pesquisa. Traduzem a concepção de
conhecimento matemático visto como pronto e acabado e, portanto, precisa ser transmitido.
O SND não é ensinado considerando sua gênese e historicidade. O aspecto do nosso
sistema de numeração como prática sociocultural não é considerado, ignorando o fato de que
as crianças em suas vivências sociais, têm oportunidade de elaborar conhecimentos acerca do
sistema numérico antes do período de escolarização.
A abordagem do SND se restringe à ênfase do nome das unidades de ordem, unidade,
dezena e centena, na realização das operações numéricas. Nestas, as regras e propriedades do
SND (os agrupamentos na base dez, valor posicional dos algarismos, conceito de zero e o
princípio multiplicativo e aditivo) subjacentes, não são refletidos e problematizados. Através
da memorização dos algoritmos, a abordagem às regularidades do SND se restringe ao ritual,
usualmente utilizado pela escola, de “tomar emprestado” e “subir” o algarismo para a “casa”
das dezenas e centenas.
Dentro deste contexto geral, no entanto, existem variantes nas práticas pedagógicas
individuais que merecem ser destacadas. Das três professoras participantes, as práticas
177
pedagógicas das professoras Leci e Lúcia apresentam maior grau de similaridade. O ensino
dos conhecimentos matemáticos desenvolvido pelas professoras na turma do 2º ano,
concernente ao SND, geralmente, é baseado em aulas expositivas, seguido da proposição de
completar exercícios de livros didáticos com o intuito de fixar os conteúdos. Operam com o
sistema numérico sem refletir e problematizar de modo a possibilitar ao aluno a compreensão
de suas regularidades. Nesse contexto, a mediação pedagógica das professoras se caracteriza
pela ação de explicar coletivamente o procedimento, verificar erros e acertos e, mediante
incidência de erros, repetir a explicação individual, ou coletivamente.
Já a professora Eliane apesar de, na maioria das vezes, também propor atividades
tradicionais como arme e efetue, e as do livro didático, incorrendo no mesmo tipo de ensino
do SND de suas colegas, sua prática pedagógica possuiu um diferencial. A professora faz a
mediação pedagógica, através de questionamentos e diálogo com os alunos. Considera as
diferentes alternativas que os alunos utilizam nas resoluções das atividades. Estimula os
alunos a socializarem como entendeu e o modo como desenvolveu o pensamento para chegar
ao resultado do exercício ou situação problema, promovendo a interação entre os alunos. A
atuação da professora aponta para uma prática pedagógica mais voltada a uma proposta
interacionista, do que embasada na concepção tradicional.
Em síntese, podemos inferir que as práticas pedagógicas das professoras, referentes aos
SND e os conhecimentos profissionais manifestados, refletem diretamente os processos
insuficientes de formação profissional inicial e continuada em Matemática, vivenciados por
nossas colaboradoras em suas trajetórias, como exposto anteriormente.
De igual modo, entendemos que a ausência de uma proposta materializada de trabalho
pedagógico coletivo e formação contínua, na escola em que atuam, compromete a
possibilidade de as professoras refletirem sobre suas práticas e ampliar seus conhecimentos
profissionais, podendo promover alterações qualitativas no processo de ensino e
aprendizagem que realizam em sala de aula.
178
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Retomamos aqui, brevemente, o percurso que possibilitou-nos chegar a este momento
do trabalho. O interesse por essa investigação foi se constituindo ao longo de nossa trajetória
profissional, e se consolidou durante nossa atuação na formação em Educação Matemática de
professores do 1º ciclo do Ensino Fundamental, da rede pública de educação do município de
Cuiabá, referente ao conteúdo sistema de numeração decimal.
As percepções, a partir dos relatos daqueles professores sobre as práticas de ensino e, as
dificuldades apresentadas no desenvolvimento das atividades formativas, apontam indícios de
conhecimentos incipientes e, consequentemente, indícios de fragilidades no ensino desse
conteúdo.
Diante deste contexto, delineamos a questão norteadora da pesquisa e cuja possibilidade
de resposta justificou a realização desta investigação: que conhecimentos profissionais sobre o
Sistema de Numeração Decimal são manifestados por professores do 2º e 3º anos do Ensino
Fundamental e como desenvolvem práticas escolares relacionadas a este conteúdo numa
escola da rede municipal de Cuiabá?
Antes de apresentarmos os resultados da pesquisa, sentimos necessidade de expor
algumas ponderações da pesquisadora.
Em primeiro lugar, investigar a presença ou a ausência de conhecimentos e as práticas
pedagógicas relativas ao SND, de nossos pares, para nós foi algo que gerou muitas dúvidas e
auto questionamentos. Em alguns momentos nos identificamos com as professoras quanto às
suas trajetórias de formação, dificuldades e conflitos, diante da complexidade e desafios do
trabalho docente.
Porém, prevaleceu à convicção da necessidade de novas pesquisas sobre tais
problemáticas, as quais possam apontar novos caminhos para a formação e práticas de
professores que atuam nos anos iniciais do EF. Ao pensar assim, sentimo-nos motivadas e
mais à vontade para prosseguir com a investigação.
Ao buscarmos compreender as conexões que se estabelecem entre os conhecimentos das
professoras sobre o SND, e a maneira como ensinam, ficou evidente o quão complexo é o
trabalho docente. Em nosso estudo analisamos apenas, algumas facetas desse trabalho
relativas aos conhecimentos e às práticas pedagógicas em Matemática. Isso, porém, não
significa que entendamos que o trabalho docente do professor envolva somente o domínio dos
objetos de ensino. Como bem defendido por Esteves (2009, p. 126), respaldada em Sacristán
179
(1995), “a prática educativa, que é histórica e social, não pode ser tratada como simples
aplicação de conhecimentos científicos”.
De igual modo, entendemos que a presença ou ausência de conhecimentos e, de
determinadas práticas pedagógicas das professoras participantes, não se constituem verdades
imutáveis. Devemos considerar a essência subjetiva, histórica e social das professoras e de
seus conhecimentos. Assim, ressaltamos que os conhecimentos e as práticas das professoras
participantes, apresentadas na pesquisa, poderão sofrer transformações e mudanças contínuas.
Contudo, com base nos estudos de Shulman (1986), queremos chamar atenção para
importância de o professor dos anos iniciais, possuir conhecimentos sobre os objetos de
ensino (conhecimento do conteúdo específico, conhecimento pedagógico do conteúdo e
conhecimento curricular), neste caso, os conteúdos relativos ao SND, pois estes interferem no
modo como ensinam e, consequentemente, na aprendizagem dos alunos.
Por último, queremos salientar que apesar de as análises aqui apresentadas terem sido
respaldadas teoricamente, não representam um resultado final e absoluto. Dado a
subjetividade inerente às investigações qualitativas, tais reflexões e considerações aqui
expostas, apenas revelam o olhar das pesquisadoras sobre o fenômeno investigado e, este,
limitado a um determinado contexto. Portanto, sujeito e aberto a outros olhares e
interpretações.
Em busca de produzir informações que nos possibilitassem responder nossa questão de
pesquisa, utilizamos os seguintes procedimentos e instrumentos: observação com registros em
diário de campo, entrevistas, questionários de caracterização e análise de documentos
escolares.
Uma vez que não buscamos generalizar os resultados da investigação e, coerente com o
aporte teórico privilegiado neste estudo, acreditamos que foi adequada a nossa opção pela
abordagem metodológica qualitativa, tendo o estudo de caso (ANDRÉ, 2008; FIORENTINI e
LORENZATO, 2012; STAKE, 2010) como estratégia de pesquisa. Com efeito, as
construções teóricas realizadas durante a pesquisa e o percurso metodológico, possibilitou-nos
compreender nosso objeto de estudo, levando em conta o seu contexto e complexidade.
Nesta perspectiva, organizamos, apresentamos e discutimos os dados sobre os
conhecimentos profissionais e as práticas pedagógicas das professoras participantes,
referentes ao SND, considerando sua historicidade e contexto no seu movimento de
constituição. E, sua materialização no desenvolvimento do ensino deste conteúdo, na sala de
aula. Para tanto, utilizamos três categorias de análise. Os conhecimentos específico,
180
pedagógico e curricular das professoras, referente ao SND, são discutidos de forma
transversal nas três categorias.
Na primeira categoria, “percursos pessoais das professoras”, pelos relatos de nossas
colaboradoras averiguamos que ambas, de modo geral, vivenciaram um processo de
escolarização insuficiente quanto ao acesso e apropriação dos conhecimentos matemáticos.
Seus depoimentos revelam também a vivência de um ensino de Matemática pautado no
modelo tradicional. E, o conhecimento matemático visto pronto e acabado, portanto, precisa
ser transmitido e, cuja aprendizagem se reduz a assimilação de símbolos e regras.
Apesar disso, Leci conseguiu desenvolver uma boa relação e o gosto pela Matemática.
O mesmo não ocorreu com suas colegas. Os relatos de Lúcia e Eliane evidenciam
experiências afetivas negativas, resultando em sentimentos de medo e insegurança em relação
à Matemática. Estes, aparentemente ainda não superados, interferem na forma como lidam
pessoal e profissionalmente com esta disciplina, e, podem implicar em bloqueios para
aprender e ensinar essa área do conhecimento.
Outro ponto em comum nos depoimentos das professoras é a indicação e a consciência
por parte das mesmas, de processos de formação profissional, inicial e continuada,
insuficientes. Em síntese, as análises dos percursos acadêmicos e profissionais das
professoras, corroboram que ambas vivenciaram poucas oportunidades de significação dos
conhecimentos matemáticos.
E, também, parece que as professoras não tiveram acesso a um processo de formação
profissional satisfatório, inicial e continuada, que lhes possibilitassem a superação de crenças
e a ampliação de saberes construídos no período de escolarização, e, a construção de
conhecimentos específicos, pedagógicos, curriculares, dentre outros, relativos aos conteúdos
matemáticos, neste caso, ao SND, requeridos na “atividade docente”.
Assim, podemos inferir que as professoras, ao ensinarem este conteúdo têm como
referência, provavelmente, a forma como a elas foi ensinado no período escolar. Sob esse
prisma, é possível que o modelo tradicional de ensino da Matemática vivenciado por estas
professoras permeie suas concepções, conhecimentos e práticas pedagógicas no ensino desta
disciplina.
Sem um processo de formação profissional contínuo que possibilite às professoras a
construção dos conceitos matemáticos e, de referências teórico- metodológicas sobre aprender
e ensinar Matemática e ainda, que oportunize a cada uma reconstruir sua relação com a
Matemática, mediante a vivência de experiências de aprendizagem mais significava, a
181
superação do modelo tradicional de ensino de Matemática, pode ser para as professoras um
desafio, praticamente, insuperável.
Neste sentido, entendemos que os conhecimentos e as práticas das professoras possuem
uma historicidade e se inserem num contexto social, portanto, não se dão de forma isolada.
Desse modo, além dos percursos formativos individuais, fez-se necessário considerar o
contexto de atuação destas professoras, ou seja, as condições objetivas de trabalho, de
organização trabalho pedagógico e formação contínua, na escola onde atuam, e como estes
repercutem nos conhecimentos profissionais e na prática pedagógica das professoras referente
ao ensino do SND.
A análise dos dados na segunda categoria, “o contexto de atuação das professoras”,
aponta que a escola possui uma disposição dos tempos e espaços escolares que possibilita o
desenvolvimento do trabalho educativo de forma organizada, garantindo o cumprimento do
tempo escolar.
No entanto, apesar dessa organização dos tempos e espaços escolares, ser bastante
funcional, a forma como está estruturada pouco favorece à integração curricular e às
interações entre as professoras do 1º ciclo, na prática cotidiana. Observando a rotina de
organização e distribuição do tempo escolar, é possível inferir que os conteúdos curriculares
são trabalhados de forma compartimentada nas disciplinas escolares, aspectos que apontam
para uma organização típica de sistemas seriados.
Em se tratando do ensino dos conteúdos curriculares de Matemática no 1º ciclo, os
dados apresentados evidenciam ausência de discussões e estudos coletivos sobre o tema, ou
seja, de foco no ensino e na aprendizagem dos conhecimentos matemáticos, nesta etapa de
escolarização, pelo menos não durante o período de realização da pesquisa.
Podemos verificar também, indícios de uma organização do ensino, nesta escola,
orientado pelo livro didático, não se constituindo num trabalho pedagógico organizado
coletivamente, em que se considerem a dimensão sociocultural dos professores e alunos no
processo de ensino e aprendizagem. A gênese e historicidade dos conceitos matemáticos, bem
como, a dimensão sócio-histórico-cultural dos professores e alunos no processo de ensino e
aprendizagem, não são considerados.
Na análise das aulas observadas e dos planos de ensino da Matemática, realizados pelas
professoras participantes, percebe-se uma cisão entre a significação para a elaboração e o
papel dos planos escolares, e a forma como esse processo se dá nesta escola. Ao que parece, o
significado atribuído pelas professoras participantes na elaboração dos planos anual e
bimestrais é o de cumprimento de uma atribuição inerente à função do professor, sem, no
182
entanto, possuir um sentido pessoal para tal ação, enquanto uma necessidade para a sua ação
docente.
A maneira como a escola realiza seu projeto educativo (por ocasião da realização da
pesquisa), parece não traduzir as perspectivas do ensino organizado em ciclos de formação,
assumido oficialmente pela escola, no seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Foi possível
perceber um distanciamento entre a proposta pedagógica oficial da escola e o trabalho
pedagógico efetivado na mesma em sala de aula.
A possibilidade da organização em ciclos, onde os coletivos de professores dos ciclos
possam discutir e decidir juntos o desenvolvimento do ensino e as metas coletivas para a
aprendizagem das crianças, ainda não se constitui uma realidade nesta escola. Os espaços-
tempo institucional existentes através do projeto “Roda de Conversa”, ao que parece, não são
utilizados pela escola exclusivamente para estudos, reflexões e planejamentos coletivos dos
professores, como preconiza o referido projeto. Por outras palavras, percebemos que não há
ainda uma proposta materializada de trabalho pedagógico coletivo na escola, que oportunize e
estimule a interação pedagógica entre todos os professores do 1º ciclo, na prática cotidiana.
Essa ruptura, observada, entre a significação do Projeto Político Pedagógico e o sentido
atribuído a este, pelos participantes do processo educativo da escola pesquisada, pode
interferir na qualidade do ensino que ali é realizado. Este documento como um importante
instrumento de organização da escola, da atividade pedagógica, deve ser um projeto do
coletivo da escola, criado a partir da necessidade de melhorar a prática docente, de garantir
que os alunos se apropriem do saber historicamente produzido. “Ao convergirem seus
motivos pessoais em motivos coletivos, os professores articulam-se em torno de objetivos
definidos em comum e passam a desencadear ações planejadas” (ASBAHR, 2005, p. 116).
Na ausência de um trabalho pedagógico coeso e colaborativo, cada professor tende a
adotar práticas que sente mais segurança, suplantando ao que seria essencial: a opção por
práticas pedagógicas coletivas que melhor oportunizem o desenvolvimento e aprendizagem de
todos os alunos. Tal aspecto, além de não possibilitar a unidade pedagógica imprescindível à
continuidade do ensino e aprendizagem no ciclo, não favorece o processo de formação
contínua do professor, oportunizado pela interação com seus pares e seu objeto de trabalho –
o ensino.
Concluindo, entendemos que a ausência de uma proposta materializada de trabalho
pedagógico coletivo e formação contínua, na escola em que atuam, compromete a
possibilidade de as professoras participantes da pesquisa refletirem sobre suas práticas e
ampliarem seus conhecimentos profissionais. E, assim, promover alterações qualitativas no
183
processo de ensino e aprendizagem de Matemática, de um modo geral, e especificamente do
SND, que realizam em sala de aula.
Por fim, acreditamos que a realidade da escola em relação à perspectiva dos ciclos
reflete, provavelmente, a forma como a política de organização do Ensino Fundamental em
ciclos de formação se materializa na rede pública municipal de ensino de Cuiabá, como um
todo. Assim, chamamos a atenção para a necessidade de futuros estudos sobre a política de
ciclos da rede de ensino de Cuiabá, para que possamos melhor compreender a prática
pedagógica do professor em sala de aula e as ações da escola como um todo.
A seguir, primeiro tecemos considerações sobre os conhecimentos específicos,
pedagógicos e curriculares, manifestos nos relatos das professoras. Posteriormente, sobre as
práticas pedagógicas referentes ao SND. Estas serão retomadas nesse momento apenas
resumidamente para não incorrermos em repetições.
Salientamos que essa organização objetiva uma maior explicitação das respostas a nossa
pergunta de investigação. No entanto, ressaltamos que esses conhecimentos (específico,
pedagógico e curricular) se entrecruzam na prática do professor exercendo influências
recíprocas, portanto, precisam ser considerados no seu conjunto.
Os resultados obtidos em nosso estudo evidenciam, de modo geral, a existência de
lacunas nos conhecimentos profissionais das professoras, relativos ao SND. Apontam, então,
que os reflexos das trajetórias acadêmicas e profissionais (“formação docente”) e das
condições objetivas e subjetivas de organização do trabalho educativo no contexto escolar
onde atuam, incidem diretamente sobre o que sabem as professoras e a forma como ensinam o
referido conteúdo.
Em se tratando do “conhecimento específico do conteúdo” (SHULMAN, 1986), a
professora Lúcia, ao que parece, possui apenas um conhecimento de uso cotidiano do SND.
Isto é evidenciado pelos silêncios e hesitações da professora, diante dos nossos
questionamentos, dando a entender que a mesma desconhecia o teor das nossas indagações,
ou seja, os conceitos inerentes ao SND.
Leci e Eliane, apesar de demonstrarem conhecimento sobre as regularidades do SND,
suas afirmações evidenciam fragilidades quanto à compreensão das propriedades
multiplicativas e aditivas inerentes aos consequentes agrupamentos de dez em dez no interior
de cada ordem (a base dez) e as transformações entre as ordens formando uma unidade de
ordem superior (valor posicional dos algarismos), dois princípios fundamentais do SND.
Em se tratando do “conhecimento curricular”, Eliane ao declarar que “a referência
maior é o livro didático”, traduz o que implicitamente Leci e Lúcia deixam transparecer,
184
quanto à utilização do mesmo enquanto referência principal para o ensino do nosso sistema
numérico. Ambas, apesar de considerarem importante o ensino deste conteúdo, não
conseguem apresentar argumentos consistentes para fundamentar suas crenças.
Em relação ao “conhecimento pedagógico do conteúdo”, os relatos das três professoras
sobre como ensinam o SND deixam transparecer a preocupação e o desejo de promover um
ensino que possibilite aos alunos atribuir sentido e significado à aprendizagem deste conteúdo
matemático. No entanto, o conjunto de suas declarações sobre como desenvolvem o ensino do
SND apontam que as fragilidades nos conhecimentos específicos e curriculares, refletem no
“conhecimento pedagógico do conteúdo”, manifestado pelas professoras.
As práticas pedagógicas observadas evidenciam, de modo geral, que o modelo
tradicional de ensino da Matemática, embora em níveis diferentes, ainda predomina no fazer
pedagógico das professoras participantes da pesquisa. Traduzem a concepção de
conhecimento matemático visto como pronto e acabado e, portanto, precisa ser transmitido.
O SND não é ensinado considerando sua gênese e historicidade. O aspecto do sistema
de numeração como prática sociocultural não é considerado, ignorando o fato de que as
crianças em suas vivências sociais têm oportunidade de elaborar conhecimentos acerca do
sistema de numeração que utilizamos, antes do período de escolarização.
A abordagem do SND, geralmente, se restringe à ênfase do nome das unidades de
ordem, na realização das operações numéricas. Através do procedimento de “encaixar” os
algarismos da operação nas “casas” da unidade (U), dezena (D) e centena (C), através dos
algoritmos convencionais, a abordagem das regras e propriedades do SND, subjacentes às
operações, se traduz ao ritual de “tomar emprestado” e “subir” o algarismo, na maioria das
vezes, sem refletir com as crianças sobre o processo de agrupar e desfazer os agrupamentos e
trocas envolvidos na operação.
Esse tipo de atividade por si só, não possibilita estabelecer relação ou compreender o
que significa os agrupamentos de dez em dez (a base dez) do SND. Da mesma forma, a
simples memorização das ordens em termos de unidade, dezenas, não resulta na compreensão
do princípio de posicionalidade, sendo esta uma das características que distingue o nosso
SND dos demais sistemas de numeração.
Dentro deste contexto geral, no entanto, existem nuances nas práticas pedagógicas
individuais que merecem ser destacadas. Das três professoras participantes, as práticas
pedagógicas das professoras Leci e Lúcia apresentam maior grau de similaridade. O ensino
dos conhecimentos matemáticos desenvolvido pelas professoras na turma do 2º ano,
185
concernente ao SND, geralmente, é baseado em aulas expositivas, seguido da proposição de
completar exercícios de livros didáticos com o intuito de fixar os conteúdos das operações.
Operam com o sistema numérico sem refletir e problematizar de modo a possibilitar ao
aluno a compreensão de suas regularidades. Nesse contexto, a mediação pedagógica das
professoras se caracteriza pela ação de explicar coletivamente o procedimento, verificar erros
e acertos e, mediante incidência de erros repetirem, individual ou coletivamente, a mesma
explicação sobre como resolver um determinado exercício.
Já a professora Eliane apesar de, na maioria das vezes, também propor atividades
tradicionais como “arme e efetue”, e as do livro didático, incorrendo no mesmo tipo de ensino
do SND de suas colegas, sua prática pedagógica possuiu um diferencial. A professora faz a
mediação pedagógica, através de questionamentos e diálogo com os alunos. Considera as
diferentes alternativas que os alunos utilizam nas resoluções das atividades. Estimula os
alunos a socializarem como entenderam e o modo como desenvolveram o pensamento para
chegar ao resultado do exercício ou situação problema, promovendo a interação entre os
alunos. A atuação da professora aponta para uma prática pedagógica mais voltada a uma
proposta interacionista, do que embasada na concepção tradicional.
Apreendemos que, de modo geral, as práticas pedagógicas observadas, oscilam entre
valorizar o movimento histórico da criança e um ensino pautado na aplicação das regras do
SND, desprovido de significação.
O ensino de Matemática numa perspectiva de educação humanizadora, pressuposto da
teoria histórico-cultural, subjaz a compreensão de que o processo educativo que gera
desenvolvimento intelectual é aquele que coloca o aluno em “atividade” de aprendizagem, o
que envolve a ação do professor de colocar o aluno diante da necessidade do “conceito”.
Isto é possível a partir da proposição de tarefas, situações problemas ou desafios, reais
ou inventados, que mobilizem as crianças, individual e coletivamente, a buscar soluções,
elaborar hipóteses e sínteses. Estes são aspectos imprescindíveis para possibilitar aos alunos a
produção dos conhecimentos matemáticos.
Consideramos o SND um instrumento simbólico desenvolvido pela humanidade para
lidar com o registro de grandes quantidades utilizando o mínimo de símbolos possível.
Portanto, constitui-se em uma obra viva e em relação direta com as necessidades dos sujeitos
e dos tempos históricos de sua produção.
Sendo assim, entendemos que oportunizar à criança compreender o processo histórico
de produção dos conceitos que constituem o SND é parte importante no movimento de
apropriação deste conceito. Desta maneira, compreendemos que as crianças constroem e se
186
apropriam do SND quando têm oportunidade de pensar e resolver problemas formulados pelo
uso da numeração, que lhes possibilitem vivenciar a essência das necessidades que motivou a
humanidade a construir este conceito.
Para tanto as crianças precisam, através da mediação do professor, serem estimuladas e
desafiadas a utilizarem estratégias próprias, a confrontar suas estratégias com as dos colegas,
a organizar e reorganizar o conhecimento na resolução de problemas. O professor atua de
forma a oportunizar a construção de conhecimentos, quando estimula o diálogo, a cooperação
mútua, a troca de informações e o confronto de ideias entre os alunos.
As crianças precisam de tempo e desafios para avançar na construção dos
conhecimentos matemáticos. É justamente a reflexão, o questionamento e a busca de soluções
diante de situações problemas reais ou criadas pelo professor, que possibilitam o avanço da
criança na produção e apropriação dos conhecimentos matemáticos.
Deste modo, compreendemos que o ensino do SND deva considerar a historicidade da
criação deste conceito (sua origem, os problemas da humanidade que motivaram sua criação e
a finalidade do mesmo) a partir de situações problema que possibilitem aos professores e
alunos vivenciá-lo como protagonistas e não como meros transmissores e expectadores.
Assim, os professores podem construir significados para ensiná-la e, consequentemente, os
alunos atribuirem sentido em aprendê-lo.
Concluindo, outro resultado importante advindo deste estudo foi em relação ao nosso
próprio crescimento enquanto pesquisadora e, acima de tudo, enquanto professora dos anos
iniciais, que ensina Matemática, e enquanto componente da equipe da SME de Cuiabá-MT.
Pudemos ampliar os nossos conhecimentos profissionais relativos à Matemática em
geral, e ao SND em particular. E, principalmente, refletir sobre a necessidade de prosseguir
estudando, pois este foi apenas um pequeno passo no necessário processo contínuo de
aprendizagem docente. Não sei se conseguirei ser uma professora melhor, mas com certeza,
não sou mais a mesma professora de quando ingressei no mestrado.
Enquanto membro da equipe da SME suscitou em mim a preocupação com a
necessidade de refletir com os meus pares daquela instituição, acerca da condução das
políticas educacionais, pois, estas podem impactar positiva, ou negativamente, no trabalho
pedagógico do professor em sala de aula, e da escola como um todo.
E ainda, salientamos que no desenvolvimento desta pesquisa emergiu, entre outras
questões que possam inspirar novas investigações, a necessidade de se construir no chão da
escola um processo de formação contínua sobre os conteúdos matemáticos dos anos iniciais.
Um processo formativo capaz de possibilitar que as crenças construídas pelos professores ao
187
longo de seus percursos acadêmicos e profissionais possam ser problematizadas e colocadas
em reflexão. Ao mesmo tempo, possam se apropriar dos fundamentos da Matemática de
forma integrada às questões didático-pedagógicas.
Por fim, esperamos que este estudo, juntamente com pesquisas já realizadas, e que
tiveram como foco os conhecimentos profissionais e práticas de professores dos anos iniciais,
referentes ao SND, possa ser referência para pesquisadores e professores, no sentido de
contribuir para o avanço no ensino e aprendizagem deste importante conteúdo, para a
construção dos conhecimentos matemáticos.
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CEMPEM- FE/UNICAMP. v. 5, n. 8, jul./dez/ 1997.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VASCONCELOS, Celso dos Santos. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e
projeto político-pedagógico. 22. ed. São Paulo: Libertad Editora, 2012.
VYGOTSKY, Lev Semenovich, 1896-1934. A formação social da mente: o
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Editora Martins Fontes,
1988.
_____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998.
ZUNINO, D. L. A Matemática na escola: aqui e agora. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
WILSON, Suzane; SHULMAN, Lee; RICHERT, Anna. 150 different ways of knowing:
representations of knowledge in teaching. In: CALDERHEAD, J. (Ed.). Exploring
teachers’ thinking. Grã-Bretanha: Cassell Educational Limited, 1987. p. 104-124.
196
APÊNDICES
APÊNDICE I – Carta à diretora escolar solicitando autorização para a realização da pesquisa
na escola
Senhor (a) Diretor (a),
Solicitamos de Vossa Senhoria que a aluna Elenir Honório do Amaral, mestranda do
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, cuja
orientação encontra-se sob responsabilidade da Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da
Palma, possa realizar nesta escola, a coleta de dados para a sua pesquisa, que tem como
objeto “os conhecimentos profissionais e as práticas escolares em relação ao Sistema de
Numeração Decimal de professores que atuam no 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo do Ensino
Fundamental”.
As informações prestadas, observações realizadas, documentos analisados e demais dados
coletados com o professore de cada ano, não serão repassados a terceiros. Os dados utilizados
na dissertação, os nomes da escola, do professor e alunos serão mantidos em absoluto
anonimato.
Agradecemos, desde já, o apoio à pesquisa e a atenção dispensada.
______________________________________
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da Palma
____________________________________
Mestranda: Elenir Honório do Amaral
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
APÊNDICE II – Termo de autorização da diretora da escola para a realização da pesquisa
Eu, ________________________________________________________
Diretor (a) da Escola ________________________________________
Autorizo a realização das atividades de pesquisa pela aluna do Programa de Pós-Graduação
em Educação (Mestrado) da Universidade Federal de Mato Grosso: Elenir Honório do
Amaral.
Para tanto, autorizo o acesso da referida aluna na sala de aula do 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo do
Ensino Fundamental para a realização da observação participante, análise de documentos da
escola, do professor e dos alunos produzidos no ano letivo de 2013, nesta instituição escolar,
bem como a utilização das informações concedidas em questionários e entrevistas, como fonte
de pesquisa para sua dissertação.
Cuiabá – MT, __/_____/2013.
_____________________________
Carimbo e assinatura do (a) Diretor (a)
197
APÊNDICE III – Carta às professoras solicitando autorização para pesquisa em suas turmas.
Senhora Professora,
Solicitamos a autorização para que a aluna, Elenir Honório do Amaral, mestranda do
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, cuja
orientação encontra-se sob responsabilidade da Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da
Palma, realize a pesquisa, que tem como objeto “os conhecimentos profissionais e as
práticas escolares em relação ao Sistema de Numeração Decimal de professores que atuam
no 1º, 2º e 3º anos do 1º ciclo do Ensino Fundamental”.
Para o desenvolvimento da pesquisa solicitamos a autorização para realizar a observação
participante em sua sala de aula no período de agosto a dezembro de 2013. Além disso,
pedimos a colaboração da professora para conceder-nos entrevista gravada, responder aos
questionários, permitir o acesso aos cadernos, atividades e avaliações dos alunos e aos
planejamentos de ensino produzidos no período letivo de 2013, que se constituem em fonte de
dados para a nossa dissertação.
Os dados disponibilizados não serão repassados a terceiros. Caso estes dados sejam utilizados
na dissertação, os nomes da escola, da professora e alunos serão mantidos em absoluto
anonimato.
Certas, de sua especial atenção, antecipadamente agradecemos.
____________________________________
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rute Cristina Domingos da Palma
__________________________________
Mestranda: Elenir Honório do Amaral
Cuiabá, ___/___/2013.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
APÊNDICE IV – Termo de autorização do professor (a)
Eu, __________________________________________, professor (a) da Escola
___________________________________________________, autorizo a realização das
atividades de pesquisa pela aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da
Universidade Federal de Mato Grosso: Elenir Honório do Amaral.
Para tanto, autorizo o acesso da referida aluna a sala de aula do _____ ano do 1º ciclo para a
realização da observação participante, disponibilizo para consulta os cadernos, atividades e
avaliações dos alunos e planejamentos de ensino produzidos por mim durante o ano letivo de
2013, nesta instituição escolar, bem como a utilização das informações concedidas em
questionários e entrevistas, como fonte de pesquisa para sua dissertação.
________________________________________________
Assinatura do (a) professor (a)
Cuiabá, ___/____/ 2013.
198
APÊNDICE V – Questionário de Caracterização da Escola (QCE).
Nome da escola: __________________________________________________
Endereço: _______________________________________________________
Tel.: ______________________ E-mail da escola: _______________________
Nome do (a) diretor (a) da escola: ____________________________________
Data do início de funcionamento da escola: _____________________________
Etapas/Ciclos que atendem: _________________________________________
Ano que iniciou o regime de ciclos: ___________________________________
Turnos de funcionamento: ( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno
N°. total de salas de aula: _____________ N°. total de alunos: ______________
N°. total de professores: Efetivos ______________ Contratados ____________
Biblioteca: ( ) Sim ( ) Não. Outros:_______________________________
Laboratório de informática: ( ) Sim ( ) Não
Sala de vídeo: ( ) Sim ( ) Não
Materiais pedagógicos:
Materiais de multimídia:
Livros de literatura
_______________________________
Carimbo e assinatura do (a) Diretor (a)
Data: ______/______/ 2013.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
APÊNDICE VI – Questionário Caracterização das Professoras (QCP)
Professora: _________________________________
1. Dados Pessoais
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Data de Nascimento: ______/______/______ Natural de: _________________
E-mail: ________________________________ _________________________
Telefone: ( ) __________ - __________ Cel.: ( ) __________ - __________
2. Formação Acadêmica
Graduação
Curso/Habilitação: ________________________________________________
Instituição: ______________________________________________________
Cidade/Estado: ___________________________________________________
Modalidade do curso: ( ) Presencial ( ) Distância ( ) Semipresencial
Ano de Início: _____________________ Ano de término: _________________
Pós-graduação
( ) Especialização
( ) Mestrado
( ) Não cursei ou não completei curso de Pós-Graduação
Ano de início: _____________________ Ano de término: _________________
Área: ___________________________________________________________
199
3. Situação e Experiência Profissional
a) Qual sua situação trabalhista:
( ) Efetivo
( ) Concursado em estágio probatório
( ) Prestador de serviço por contrato
b) Turno que trabalha nesta escola:
( ) Matutino
( ) Vespertino
c) Você trabalha em outra escola? ____________________________________
d) Qual sua jornada de trabalho semanal? ______________________________
e) Exerce outra profissão além de professor?
( ) Sim
( ) Não
Qual? _______________________________ Onde? _____________________
f) Há quantos anos você leciona? _____________________________________
g) Já atuou em quais etapas da Educação Básica?
Creche ( )
Educação Infantil: ( ) 4 anos ( ) 5 anos
Ensino Fundamental: ( ) Anos Iniciais ( ) Anos Finais
Ensino Médio ( )
h) Há quantos anos você trabalha nesta escola?__________________________
i) Há quantos anos você leciona no 1º Ciclo?___________________________________
j) Em quais anos do 1º Ciclo do Ensino Fundamental você já atuou? Registre o período
(anos).
( ) 1º ano_____anos. ( ) 2º ano_____anos. ( ) 3º ano_____anos.
l) Neste ano, em qual turma do 1º Ciclo você atua? Quantos anos consecutivos?
( ) 1º ano_____anos. ( ) 2º ano_____anos. ( ) 3º ano_____anos.
m) Neste ano, quantos alunos você possui em sala de aula?
( ) 1º ano Matutino: ______________ Vespertino _______________
( ) 2º ano Matutino: ______________ Vespertino _______________
( ) 3º ano Matutino: ______________ Vespertino _______________
4. Formação continuada:
a) Você participou de alguma atividade de formação em que se discutiu o ensino organizado
em Ciclos de Formação? Caso a resposta seja positiva, qual foi a natureza das atividades
(projetos de pesquisa, grupo de estudo, seminários, oficinas, congressos, cursos, palestras...) e
a carga horária?
b) Você participou de alguma atividade de formação continuada em Educação Matemática
nos últimos cinco anos? Caso a resposta seja positiva, qual foi a natureza das atividades
(projetos de pesquisa, grupo de estudo, seminários, oficinas, congressos, cursos, palestras...) e
a carga horária?
c) A formação continuada em Matemática contribuiu para a melhoria de sua prática em sala
de aula? Se não, justifique. Se sim, em que aspectos?
Cuiabá, ______/______/ 2013.
Obrigada pela sua atenção!
200
APÊNDICE VII - Roteiro da entrevista semiestruturada
BLOCO 1 – Sobre a construção dos conhecimentos matemáticos e do ensino de Matemática
(trajetória escolar e profissional):
a) Você gosta de Matemática? Por quê?/ Justifique.
b) Como foi a sua relação/experiência com a Matemática durante sua formação escolar?
c) Na graduação, você teve alguma disciplina específica sobre Matemática? Esta
formação inicial foi suficiente pra você ensinar Matemática? Por quê? Em que
sentido?
d) Você sente dificuldades pra ensinar Matemática? Quais?/Justifique.
e) Em sua opinião, o que o professor precisa saber pra ensinar Matemática?
BLOCO 2 – Conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares sobre o sistema de
numeração decimal:
f) O que você sabe sobre o Sistema de Numeração Decimal- SND?
(se mencionar: Base dez, Valor posicional, princípios multiplicativo e aditivo, 10
algarismos distintos – perguntar o que significa cada característica).
g) Que características do sistema de numeração decimal determinaram a sua prevalência
sobre os demais sistemas numéricos precedentes?
h) Qual é a função/importância do ZERO no SND?
i) Como você ensina o SND? Neste ano, foi assim que ensinou?
j) Esse é um conceito fácil de ensinar? Por quê?
k) O SND tem que ser ensinado em que ano/série? (se mencionar nos três anos – Como
nos três anos?). O que deve ser ensinado em cada ano?
l) Você utiliza algum recurso didático pra ensinar o SND? (se sim, com qual objetivo? O
que esse material possibilita/contribui?).
m) Como a criança aprende o SND? Como você percebe a aprendizagem do aluno sobre
SND?
n) Os teus alunos (desse ano) tem apresentado dificuldades para aprender/ compreender o
SND? Como você os ajuda superar essas dificuldades apontadas?
o) Que tipo de atividades sobre o SND, você mais trabalhou com os alunos esse ano/ Por
quê?
p) Você tem dificuldade para ensinar o SND? (Se afirmativo) Quais?
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q) O SND é um componente curricular, em sua opinião, porque é importante ensinar
esse conceito / no 1º ciclo?
r) A compreensão do SND possibilita que a criança compreenda outros conteúdos
matemáticos? Quais?
s) Como são realizados os planejamentos: plano anual, bimestral, plano de aula?
(No que se apoia: troca com alguma das professoras do 1º ciclo?). Tem auxílio da
coordenadora? A escola adota alguma estratégia de integração curricular? Qual?
t) Onde busca referências para organizar a sequência dos conteúdos a serem
trabalhados?
u) Você já leu os PCN para Matemática? Que dizem sobre SND? E as orientações
curriculares da rede municipal de Cuiabá (Escola Sarã, MCR de Matemática)?
BLOCO 3 – Sobre o desenvolvimento da hora-atividade e planejamento.
Como e onde faz? Com quem faz? Etc.
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