UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Instituto de Ciências Humanas
Curso de Bacharelado em Antropologia
Trabalho de Conclusão de Curso
O caderninho de receitas está nas nuvens:
um estudo on e off-line sobre práticas alimentares veganas
Lidiane da Silva Hirdes
Pelotas, 2016
Lidiane da Silva Hirdes
O caderninho de receitas está nas nuvens:
um estudo on e off-line sobre práticas alimentares veganas
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Instituto de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Antropologia.
Orientadora: Drª Renata Menasche
Pelotas, 2016.
Lidiane da Silva Hirdes
O caderninho de receitas está nas nuvens:
um estudo on e off-line sobre práticas alimentares veganas
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Instituto de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Antropologia.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________
Profª Drª Renata Menasche
_____________________________
Prof. Dr. Mártin César Tempass
_____________________________
Profª Drª Patrícia dos Santos Pinheiro
Dedico este trabalho
a meu companheiro João,
e as minhas filhas Cecília e Sofia.
Agradecimentos
Ao João, pelo carinho, compreensão e amizade.
Cecília e Sofia, pelos sorrisos, carinhos e afetos que fizeram este caminho ficar mais
leve.
A Guida, mãe tu sempre tens uma palavra de incentivo, um gesto de amor e carinho.
A Dona Sandra, minha sogra que tenho como uma amiga, um anjo protetor que está
sempre por perto.
Ao Lucas, pela paciência durante conversas online e off-line. Nossas discussões,
trocas e interesses em comum fizeram com que esses momentos se
transformassem em apreço e amizade.
A Luiza, por sua calma e luz que transmitiu em cada momento que convivemos.
Grande mulher, empreendedora vegana que admiro muito.
Aos Los Compadres, que despertaram interesse pelo tema deste trabalho.
A Jöana Vegana, pelas conversas, amizade, carinho, indicações de leituras, vídeos,
pratos e afins.
Aos administradores do grupo “Vegano Pelotas” por manterem o ambiente online
que propiciou a pesquisa de campo que compõe este trabalho.
Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura (GEPAC)
que leram e discutiram meu trabalho. Esse processo foi fundamental para o
desenvolvimento desta escrita.
E, especialmente, à Professora Renata, pela competência, sabedoria, incentivo e
amizade. Obrigada pelo aprendizado ao longo desta trajetória.
Resumo
HIRDES, Lidiane da Silva. O caderninho de receitas está nas nuvens: um estudo
on e off-line sobre práticas alimentares veganas Trabalho de Conclusão de Curso –
Curso de Bacharelado em Antropologia, Instituto de Ciências Humanas,
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2016.
A alimentação foi tema de interesse da Antropologia nas diferentes fases de formação do saber antropológico, a relevância do tema está associada ao fato de ser prática essencial a todo grupo humano. É assim que identidades e valores de distintos grupos podem ser observadas a partir de suas concepções sobre o que, quando e de que forma comer. Sob essa perspectiva, este trabalho diz respeito à constituição de valores e práticas alimentares associados ao veganismo, ativismo de libertação que se caracteriza pelo consumo de produtos e serviços que não dependam, em sua base de produção e consumo, do sacrifício e exploração animal. Assim, buscando entender os saberes culinários veganos, em um contexto em que as práticas de alimentação vegana têm se expandido, coloca-se como questão: Como são (res)significados e transmitidos os saberes culinários veganos? Para o desenvolvimento da pesquisa, a delimitação do universo empírico abarcou o grupo vegano localizado na cidade de Pelotas, que se utiliza do meio virtual como articulador de valores políticos e ideológicos, bem como para a transmissão de conhecimentos em torno de direitos animais e outras informações de interesse do grupo. Para apreender o contexto cultural do grupo, optou-se pelo método etnográfico e pela técnica de pesquisa observação participante em duas modalidades: off-line e online, tomadas como complementares. Com a análise das receitas veganas nos ambientes off-line e online, pode-se evidenciar características de um consumo politizado, aspecto que reverbera em receitas adaptadas e construídas com embasamento nos valores do grupo. A cooperação, o compartilhamento e a socialização de hábitos alimentares e de consumo é pautada pelo respeito aos animais, estimulando a re(construção) de determinadas receitas familiares, delas eliminando os ingredientes originários de animais. Nota-se que há um esforço na adaptação de receitas oriundas das famílias de origem dos membros do grupo. A memória coletiva e a dimensão comunicativa da comida servem como subsídios para reconstrução das receitas veganas. As transformações e inovações das receitas, com a inserção ou o (des)uso de elementos, afetam e (re)definem as características da cozinha vegana. Essas adaptações circulam especialmente nos espaços online, onde as trocas de receitas acontecem. É desse modo que o caderninho de receitas veganas está nas nuvens.
Palavras-chave: antropologia da alimentação; veganismo; receitas
Abstract
HIRDES, Lidiane da Silva. The book of vegan recipes is in the clouds? Work Completion of course - B.Sc. in Anthropology, Institute of Human Sciences, Federal University of Pelotas, Pelotas, 2016. The food was the theme of Anthropology’s interest in many different stages of
formation of anthropological knowledge, the relevance of the topic is associated with
the fact that it is essential to practice every human group. This is how identities and
values the distinct groups can be observed from his views on what, when and how to
eat. From this perspective, this work concerns the formation of food values and
practices associated with veganism, liberation activism that is characterized by the
consumption of goods and services that do not depend on the base of production
and consumption, sacrifice and animal exploitation. Thus, seeking to understand the
constitution of vegan culinary knowledge in a context where the vegan feeding
practices have expanded, is placed as a question: How are (re) meanings and
transmitted the vegan culinary knowledge? For the development of the research, the
delimitation of the empirical universe encompassed the vegan group located in the
city of Pelotas, which uses the virtual environment as articulator of political and
ideological values, and for the transmission of knowledge surrounding animal rights
and other information of interest to the group. To grasp the cultural context of the
group, it was decided by the ethnographic method and the participant observation
research technique in two modes: offline and online, taken as complementary. With
the analysis of vegan recipes in offline and online environments, it can show
characteristics of a politicized consumption aspect that reverberates adapted recipes
and built with foundation in the values of the group. Cooperation, sharing and
socialization of eating habits and consumption is guided by respect for animals by
stimulating re (construction) of certain family recipes, eliminating them the ingredients
originating from animals. Note that there is an effort in adapting derived revenues
from families of origin of the group members. The collective memory and
communicative dimension of food serve as subsidies for reconstruction of vegan
recipes. The changes and innovations of revenues, with the insertion or the (mis) use
of elements, and affect (re) define the vegan kitchen features. These adaptations
circulate especially in the online spaces where the exchange of recipes happen. This
is how the book of vegan recipes is in the clouds.
Key-words: anthropology of food; veganism; recipes
SUMÁRIO
1 Uma receita vegana: introdução.............................................................. 09
2 Ingredientes: o alimento no despertar de sensibilidades...................... 11
2.1 Olhar a natureza: a emergência de uma nova concepção.............. 14
2.2 Por que não como carne? porque não cabe no meu prato............. 16
3 Modo de preparo: metodologia................................................................ 20
3.1 A carniceira da espécie humana...................................................... 20
3.2 Etnografia com etnografia virtual..................................................... 23
3.3 Inserção em campo.......................................................................... 26
3.4 Campos off-line e online……………………………………………….. 28
4 Cozimento: a memória das escolhas alimentares.................................. 31
4.1 Os significados de um açougue vegano.......................................... 36
4.2 Um olhar antropológico acerca das receitas veganas..................... 39
4.3Análises das receitas veganas.......................................................... 39
5 A cereja do bolo: considerações finais................................................... 47
Referências..................................................................................................... 49
Anexos............................................................................................................ 52
Anexo A.......................................................................................................... 53
1 UMA RECEITA VEGANA: INTRODUÇÃO
A ceia de Natal do ano de 2010 aconteceria de maneira atípica. Naquele ano,
era recente meu namoro com João, o companheiro que hoje é parte de minha
história.
Apesar de o romance ser novo e, por isso, tomado por expectativas, contava
que a ceia teria a mesma sequência de fatos e pratos, em ritual semelhante aos que
conhecera ao longo dos 25 anos de minha vida. Mas não seria de forma tão
previsível que as coisas aconteceriam.
Naquele ano, um ente querido em nossa família havia sido acometido por
uma doença grave, que levaria a seu óbito na véspera da ceia de Natal. Por
consequência, minha família passaria a noite realizando os trâmites do funeral.
Devido à situação, João convidou-me para passar a noite de Natal com um
casal de amigos dele. Contíguo ao convite avisou-me que não saberia o que seria
servido, tendo em vista que os dois serem veganos. Aceitei o convite e lá chegamos
para a ceia.
Antes da ceia foram servidas algumas sementes acompanhadas de cerveja. E
conforme a conversa se desenrolava, surgiam comentários como: “Nesta hora, em
nome de Jesus, vários animais estão sendo sacrificados nas mesas de milhares de
cristãos”. Colocações como essas eram seguidas de dados estatísticos sobre o
aumento do número de perus e chesters mortos nesta época do ano.
Até então, eu não conhecia veganos, não sabia de seu ativismo, não
conhecia seus hábitos alimentares1 e tampouco tinha contato com as leituras que
abordam a importância do processo de estranhamento em campo, pois ainda não
havia ingressado no curso de Antropologia – o que se daria apenas no segundo
semestre de 2011 – e não tinha, portanto, noção do que seria um campo de
pesquisa etnográfica.
Mas sei que, naquela ocasião, o desconhecido tomou conta de meus
pensamentos. Mesmo distante da Antropologia, aquela experiência proporcionou-me
vivenciar ao menos um de seus ensinamentos: o estranhamento.
1 Entende-se como hábitos a concepção abordada por Barbosa (2007, p,89) onde: “O conceito de
hábitos implica a pressuposição da existência de um padrão repetitivo de práticas e representações, que se reproduziriam no interior da sociedade.”
10
E a ceia? O que comeríamos? Pois não pode frango, peru, carne, leite... o
que seria servido? Meu pensamento estava em torno destas questões e ainda: O
que comem eles durante os dias comuns?
Nossa ceia naquele ano foi macarrão penne ao molho branco à base de
amêndoas. Após cearmos, minha saciedade traria o pensamento e a sensação de
que a típica carne branca consumida na ceia não havia feito falta em nosso
cardápio.
O fato é que essa experiência despertou muitas curiosidades. Mais tarde, a
convivência com estas pessoas – que hoje são padrinhos de uma de nossas filhas –
acarretaria no desafio de (re)pensar cardápios e saborear novos pratos.
Nesse percurso, a Antropologia, mais especificamente a Antropologia voltada
à Alimentação permite-me pensar sobre essas e outras vivências “extracampo”
correlacionadas com meu campo de pesquisa. Assim, para este estudo coloca-se
como questão: Como são (res)significados e transmitidos os saberes culinários
veganos? Essa reflexão tem por objetivo principal entender a constituição dos
saberes culinários veganos, em contexto em que as práticas de alimentação desse
tipo têm se expandido. Além disso, buscam-se elementos que permitam aclarar
aspectos relacionados aos objetivos específicos desta pesquisa: conhecer o modo
de compartilhamento dos saberes culinários veganos; analisar, a partir da
cibercultura, a sociabilidade entre veganos; e, identificar formas de transmissão
simbólica contidas nas receitas veganas.
Para tanto e com o intuito de compreender o contexto cultural do grupo,
optou-se pelo método etnográfico e pela técnica de pesquisa observação
participante em duas modalidades: off-line e online.
Importa comentar que não se pretende julgar os alimentos selecionados e
consumidos. E tampouco apresentar generalizações a respeito de hábitos
alimentares veganos, uma vez que há várias possibilidades alimentares que
caracterizam as distintas formas de ser vegano(a).
2 INGREDIENTES: O ALIMENTO NO DESPERTAR DE SENSIBILIDADES
Apesar do atendimento das necessidades alimentares ser indispensável à
subsistência dos seres vivos, segundo Garine (1987, p.4), o homem “deve sua
fisiologia de onívoro e seu caráter de animal social dotado de cultura, de função
simbólica e de capacidade de recriar um microambiente que seja favorável à
possibilidade de subsistir tão bem nas regiões polares quanto nas florestas
equatoriais”.
As ocupações em territórios distintos e os deslocamentos habituais dos
hominídeos primitivos (LEAKEY, 1995) desencadearam uma dieta alimentar pautada
pelas variações ambientais. Ainda assim, de acordo com as ideias do autor, a dieta
alimentar à base de vegetais e restos mortais de animais era característica comum
entre os bandos deste período. Para o arqueólogo Leakey (1995), o hominídeo
primitivo estava um pouco além do grau de competência cognitiva e social do
chimpanzé. Conforme esse autor, nesse estágio evolutivo as características de
caçador e coletor da espécie humana começaram a ser estabelecidas. Com esse
tipo de comportamento e abstração, o homem desse período pré-histórico esboçava
determinadas evidências alimentares baseadas em uma dieta vegetal e animal.
No paleolítico inferior, há aproximadamente dois milhões de anos, deu-se
início ao processo gradual de substituição do hábito de comer os animais que são
encontrados mortos, pela prática da caça, ou seja, animais vivos que
subsequentemente são mortos para o consumo. Sobre este aspecto, Flandrin e
Montanari (1998) abordam o aumento significativo da caça e do consumo de carne
em períodos pré-históricos posteriores:
A caça ocasional, diversificada, mas sempre de animal de grande porte – ursos, rinocerontes, elefantes – é a mais frequente no período paleolítico médio (200.000 – 40.000 a.C.). No período Paleolítico Superior (40.000 – 10.000 a.C.), desenvolveu-se uma caça especializada de manada de renas, cavalos, bisões, auroques ou mamutes, dependendo das regiões e dos recursos locais [...] com o resfriamento do clima europeu, o homem do período mesolítico deve ter-se voltado aos animais bem menores característicos da fauna atual – cervos, javalis, pequenos carnívoros peludos, lebres, pássaros e até caracóis. (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 27).
Ainda em consonância com as ideias dos autores, após o surgimento das
primeiras civilizações, com a criação dos animais de corte (bovinos, ovinos, caprinos
12
e suínos), ocorreu a diminuição do consumo de carne oriunda da caça. Flandrin e
Montanari (1998) atribuem ao Oriente Médio a precursão no desenvolvimento da
agricultura e da criação de animais, que se estendeu gradativamente para outras
regiões mediterrâneas.
Importa salientar que o cultivo agrícola desenvolveu-se de maneira diferente
em cada região, geralmente de acordo com os vegetais que estavam à disposição
na natureza. Porém, a escolha e seleção dos alimentos encontrados em cada região
aconteciam, conforme Flandrin e Montanari (1998), em decorrência da diversidade
cultural dos homens que habitavam essas civilizações.
Hoje, por exemplo, os europeus não comem qualquer inseto, ao contrário dos habitantes da África, da América e até da Ásia. Na própria Europa, os franceses escandalizavam ou deixavam atônitos os habitantes de outros países comendo escargots e rãs, enquanto a sopa de tartaruga tornou-se uma especialidade inglesa, e o bucho de carneiro, uma peculiaridade escocesa. São práticas eminentemente culturais, uma vez que, em todas as regiões da Europa, existem escargots, rãs, tartarugas e carneiros. (FLANDRIN; MONTANARI,1998, p. 29)
O fato é que os hábitos e costumes alimentares possibilitaram a condição de
abstração humana para domínio do fogo. O homem teria, então - aproximadamente
500 mil anos a.C. - se distinguido definitivamente de seus ancestrais primitivos,
marcando o primeiro aspecto que evidenciava a capacidade de distinção e cognição
humana em relação aos demais estágios de animalidade (FLANDRIN; MONTANARI,
1998).
Primordialmente, a utilização do fogo tinha como principal finalidade o
cozimento de alimentos. De acordo com Flandrin e Montanari (1998, p. 31), “como
indicam as ossadas carbonizadas que acompanham os primeiros vestígios de
fogueiras”, sugere-se que os carnívoros da época tinham preferência pela carne
cozida, oriunda de incêndios naturais, em vez da carne crua, obtida por meio da
caça/animais mortos. O fogo acabou acentuando e potencializando a predileção por
alimentos cozidos, em primeira instância a carne cozida, alterando o regime
alimentar humano.
A possibilidade de inserir o preparo de alimentos cozidos nas práticas
culturais reverberou a incorporação deste hábito no aprendizado social humano.
Dessa maneira, o homem passou não só a selecionar, conforme sua predileção, os
vegetais e/ou animais disponíveis em cada região, mas a maneira de consumi-los.
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Nesse sentido, DaMatta (1987) expõe a ideia de que todos os homens
comem, porém, cada sociedade define o que é comida, bem como as permissões,
as restrições e as periodicidades em que se deve comer. O autor esclarece, ainda,
que o não cumprimento dessas convenções sociais pode transformar a pessoa que
se alimenta fora dos padrões preestabelecidos em um “animal ou monstro”.
Com o domínio do fogo, alguns alimentos, em especial a carne, passaram a
ter a concepção social sobre como devem ser consumidos. O cozimento prévio da
carne pode ser entendido como um exemplo de aprendizado social, uma vez que, de
acordo com Mintz (2001, p. 32), “o que aprendemos sobre comida está inserido em
um corpo substantivo de materiais culturais historicamente derivados. A comida e o
comer assumem, assim, uma posição central no aprendizado social por sua
natureza vital e essencial, embora rotineira”.
No entanto, importa ressaltar que os aprendizados sociais envolvidos nos
hábitos alimentares são características particulares de cada grupo. E essas
características alimentares estão em sinergia com as crenças e valores,
transformando as práticas culinárias e diversificando as formas culturais de
comensalidade.
Segundo Flandrin e Montanari (1998), a forma de preparo dos alimentos está
interligada com as crenças de cada cultura. Ainda sob este prisma, os autores
esclarecem que “as práticas culinárias revelaram-se, de povo para povo, mais ou
menos complexas, mas mesmo a mais simples delas já se pode chamar de cozinha”
(FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 32). Essas especificidades culturais com
distintas práticas culinárias aludem à diversidade de elementos, ingredientes e
combinações que compõem as cozinhas nos mais diversos contextos.
Assim, as mudanças de comportamento alimentar representaram incentivos
relevantes para o processo de humanização. A necessidade de desenvolver e
aprimorar as técnicas de lascamento, tornando-as rebuscadas para o domínio da
caça, propiciou o avanço tecnológico. Essa analogia pode ser aplicada aos
desenvolvimentos tecnológicos que acompanham as demandas sociais emergentes
nos diferentes contextos. Em uma lacuna de tempo maior, a tecnologia humana
aprimorada, (re)pensada e (re)inventada, engendra as dimensões dos estilos de vida
na contemporaneidade.
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2.1 OLHAR A NATUREZA: A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA CONCEPÇÃO
No processo de construção social, o homem é considerado superior não
somente diante de outros homens, mas também frente aos seres denominados não
humanos, ou seja, os animais. Essa distinção é abordada desde a Antiguidade, com
a noção de Aristóteles (1988) acerca da racionalidade e da sociabilidade humana
em comparação aos animais, tendo em vista que somente o homem era tido como
capaz de constituir uma polis (cidade-estado).
Como já mencionado no primeiro subitem deste capítulo, Flandrin e Montanari
(1998) enfatizam as ascensões culturais do homem em comparação com outros
seres, após o domínio do fogo e sua utilização no preparo do alimento. Da mesma
forma, outras concepções surgiram no decorrer da história humana, subsidiando a
perspectiva de superioridade de grupos humanos em detrimento dos demais seres
animais.
A condição humana hierarquizada e organizada sob uma racionalidade é
sempre superior à não humana. Os animais acabam por ocupar a perspectiva do
“outro” sob o domínio humano. A atitude humana é caracterizada pelo especismo,
termo utilizado, de acordo com Singer (2004, p. 19), para determinar “um
preconceito ou atitude de favorecimento dos interesses dos membros de uma
espécie em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies”.
Contudo, é na modernidade que emerge a concepção de cuidado com os
recursos naturais, servindo como inquietação sobre a noção de domínio humano,
anteriormente estabelecida. Por volta de 1800, enfatiza o historiador Thomas (1996),
muitos ingleses estavam insatisfeitos com o avanço industrial e urbano da civilização
humana. Havia o entendimento de que a natureza devesse ser dominada, mas não
completamente suprimida, pois grande parte da população aspirava estar por alguns
momentos no campo. Ainda, conforme o autor:
Uma nova preocupação com os sofrimentos dos animais viera à luz, e, ao invés de continuarem destruindo as florestas e derrubando todas as árvores sem valor prático, um número cada vez maior de pessoas passava a plantar árvores e cultivar flores para pura satisfação emocional. (THOMAS, 1996, p. 344)
15
Essa modificação no modo de pensar gradativamente contribuiu para
despertar novas sensibilidades acerca da natureza e demais espécies. Contudo,
segundo Thomas (1996), os hábitos alimentares de alguns ingleses dos séculos XV,
XVI e XVII já eliminavam o consumo de carne de suas dietas, pois acreditavam ser
errado matar animais.
Endossado por argumentos científicos2 acerca dos males à saúde causados
pela ingestão de carne3, o vegetarianismo eclodia entre as pessoas cultas da
sociedade inglesa. No início do século XVIII, já estavam pautados os argumentos
que embasam o vegetarianismo na modernidade, sobretudo acerca do sacrifício e
morte de animais em prol de necessidades humanas.
No princípio do século XVIII, portanto, todos os argumentos que haveriam de embasar o vegetarianismo moderno já estavam presentes: o abate de animais não somente tinha um efeito brutalizador sobre o caráter humano, como o consumo de carne fazia mal à saúde; fisiologicamente não era natural; tornava os homens cruéis e ferozes; e infligia indescritível sofrimento às criaturas nossas irmãs. Em fins do século, esses argumentos foram complementados por um de fundo econômico: a criação de animais era uma forma dispendiosa de agricultura, se comparada com o cultivo da terra, que produzia muito mais alimento por acre. (THOMAS, 1996, p. 284)
Nos anos 40 do século XX, esse debate se estende para a
contemporaneidade, com o fortalecimento da ideologia vegetariana e o surgimento
da filosofia vegan de libertação animal. Neste ponto, cabe expor as ideias de Singer
(2004) no que diz respeito à luta de libertação animal e ao princípio básico da
igualdade entre distintos grupos humanos e não humanos.
O princípio básico da igualdade não requer um tratamento igual ou idêntico; requer consideração igual. A consideração igual para com os diferentes seres pode conduzir a tratamento diferente e a direitos diferentes. (SINGER, 2004, p.18)
O autor salienta, ainda, que o objetivo do princípio da igualdade é levar em
consideração os interesses do ser, seja esse humano ou não humano. Esses são
aspectos que reverberam em um ativismo de abolição do uso animal para fins
2 Os cientistas do século XVII defendiam que a anatomia humana, mais especificamente os dentes e o intestino, não eram adequados ao consumo de carne. De acordo com Thomas (1996, p. 413), “Esse argumento veio a fornecer um argumento a mais para a tese de que comer carne não era natural”. 3 De acordo com Santana (2006, p. 337), a expressão vegetarianismo, somente se tornou mundialmente conhecida após a criação da Sociedade Vegetariana da Inglaterra, em 1847. Derivado do latim begetus, o termo tem o sentido de “forte”, “vigoroso”, “saudável”.
16
alimentares, de vestimenta ou de produção de pesquisa científica. De acordo com
Santana (2006, p. 1), “a filosofia vegan, mais próxima da teoria do abolicionismo
animal, recusa o consumo de todo e qualquer produto obtido com o sofrimento de
animais”. Esses princípios caracterizam os significados e os sentidos das escolhas
dos indivíduos que partilham o estilo de vida vegano4.
2.2 POR QUE NÃO COMO CARNE? PORQUE NÃO CABE NO MEU PRATO
Com o intuito de refletir acerca dos hábitos alimentares veganos, tema deste
estudo, entende-se pertinente que a construção destas ideias esteja embasada no
trecho de depoimento reproduzido no título deste item: “Por que não como carne?
Porque não cabe no meu prato”.
Entre muitas frases, imagens, vídeos e depoimentos expostos em algumas
páginas partilhadas por veganos na rede social Facebook, a pergunta e a resposta,
devidamente acompanhadas pela imagem de um prato com feijão, farofa, laranja,
salada e batata frita, representam escolhas alimentares veganas. Enunciado e
imagem, publicados na rede social Facebook em 26 de janeiro de 2016, receberam
até o dia 03 de fevereiro de 2016, 3.211 curtidas, 26 compartilhamentos e 85
comentários, o que de algum modo indica sua potência de representação não
apenas dos hábitos alimentares veganos, mas da ideologia do grupo.
Tais concepções de vida contemporânea e urbana podem ser pensadas a
partir de Leroi-Gourhan (2002, p. 121), que considera que “o homem só é homem na
medida em que está entre outros homens e revestido dos símbolos representativos
da sua razão de ser”. Essas conexões entre valores e sentidos engendram os
atravessamentos reverberados em hábitos de consumo distintos que caracterizam
os demais grupos.
Na perspectiva de Garine (1987), o homem escolhe o que come a partir da
sociedade e do grupo a que pertence. Carne, não! Feijão, salada e batata frita, sim!
Pode-se evidenciar, na escolha desses alimentos, uma classificação alimentar
permeada por expressões demarcadoras de significados. Para a interlocutora, a
4 Ao invés de vegan, de modo a preservar a linguagem dos interlocutores, optou-se por utilizar o termo vegano(s)/vegana(s).
17
carne é dispensável em sua dieta. Além disso, o fato de desamparar o consumo da
carne está em confluência com o significado simbólico do grupo vegano.
Assim, a partir da abordagem de Douglas e Isherwood (2004), no que se
refere aos significados simbólicos que permeiam as relações de consumo, torna-se
possível pensar acerca dos valores engendrados na dinâmica dos hábitos
alimentares veganos. O comportamento está permeado pelo ativismo político e
ideológico de abolição do consumo de animais, possibilitando a esses o direito à
vida. A salada é vida, pois os vegetais não possuem sistema neurológico. Portanto,
a salada, sim, cabe no prato.
Neste ponto, torna-se importante expor a ideia de Geertz (1978), que
denomina os aspectos morais e valorativos de uma cultura “ethos” e os aspectos
cognitivos “visão de mundo”. As escolhas acerca do consumo de determinados
alimentos veganos, na perspectiva teórica de Geertz (1978), podem ser entendidas
como “ethos”. Optar por não comprar e não ingerir alimentos de origem animal é
parte dos hábitos alimentares veganos. Estes hábitos, externalizados pelo consumo
de determinados produtos em detrimento de outros, estão em consonância com os
princípios valorativos do grupo, pois o ato de consumir um pedaço de animal em
uma refeição acarretaria em danos morais, individuais e coletivos ao grupo, por isso
não deve ser concretizado.
No que se refere à representação ideológica e aos sentidos subjetivos deste
tipo de consumo, estes remetem à “visão de mundo” proposta por Geertz (1978).
Nesta perspectiva, as escolhas e as práticas estão pautadas pelos sentidos que
orientam o ativismo vegano. O consumo é relativizado e ponderado de modo que
expressa a identidade e as características do grupo. Se a “visão de mundo” dos
veganos é garantir o direito à vida dos animais, então é primordial o banimento do
consumo animal.
Assim, por meio da compreensão sobre o que comer, quando e de que forma
comer, é possível conhecer as práticas culturais e os significados simbólicos do
grupo. Sob esse viés, Garine (1987) coloca a cultura como definidora do que é ou
não comestível, revelando a cultura em que os distintos grupos estão inseridos. E no
caso dos grupos veganos, a carne e seus derivados não cabem no prato e
tampouco no estômago.
Sob esse prisma, importa ressaltar a distinção entre alimento e comida, a
qual, de acordo com DaMatta (1987), dá-se pela relação de afetos e significados que
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ocorre na elaboração e no preparo da comida, que pode ser entendida como
alimento transformado pela cultura. A batata sem casca, cortada em pequenas tiras
e posteriormente frita, assim como a salada limpa e temperada, representam, na
imagem descrita anteriormente, a comida vegana.
O preparo da comida, bem como o ato de comer, pode ser compreendido
como um ritual que exterioriza sentidos e significados, na medida em que, segundo
Douglas e Isherwood (2004, p. 112), “os rituais servem para conter as flutuações dos
significados, [...] são convenções que constituem definições públicas visíveis”.
Douglas e Isherwood (2004, p. 113) entendem, ainda, a comida como “um meio de
discriminar os valores, e quanto mais numerosas as ordens discriminadas, mais
variedades de comida serão necessárias”. O alimento e a comida, ao serem
selecionados, compõem os elementos desse ritual, em afluência com os significados
ideológicos e políticos do grupo.
No caso da dieta do grupo vegano, a seleção de alimentos está na exclusão
do consumo de animais ou derivados destes. Esse comportamento do grupo está
associado aos princípios de preservação, respeito e direito à vida animal, em que,
também por meio dos hábitos alimentares, o ativismo político e ideológico está em
constante evidência. Sob essa perspectiva, Rocha (2000) salienta a importância,
para a compreensão das práticas de consumo, de conhecer os costumes e valores
que constituem as culturas.
No entanto, importa destacar que os valores, saberes e práticas contam, na
contemporaneidade, com o formato de consumo autônomo e ativo. Este estilo de
consumo, abrangendo as escolhas alimentares, está em harmonia com as
características que envolvem o estilo de vida vegano. Para Portilho5 (2009, p. 209),
essa é “uma forma de ação política que incorpora, de diferentes maneiras e
diferentes graus, preocupações e valores em prol do meio ambiente e da justiça
social”.
Em consonância com as ideias de Portilho, está à reflexão de Rocha (2004)
acerca do consumo ativo e cotidiano marchetado na extensão cultural da sociedade
contemporânea. Conforme Rocha (2004), o consumo é estruturador de valores que
constroem identidades, regulam relações sociais, definem mapas culturais. Assim,
5 A autora aborda a temática do meio ambiente presente nas práticas de consumo na
contemporaneidade.
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as concepção veganas estão sendo constantemente (re)afirmadas por uma conduta
de consumo, com específicas expressões identitárias e autônomas vinculadas ao
cunho ideológico do grupo.
Portanto, as questões políticas e ideológicas abordadas pelo grupo vegano
são difundidas através do compartilhamento de pesquisas, informações sobre
produtos e receitas, em confluência com uma perspectiva de consumo pensada e
construída pelo ativismo de proteção e respeito aos animais. Afinal, como aponta
Portilho (2009), o consumo é relacional e os bens selecionados/consumidos são
utilizados para caracterizar e distinguir um grupo dos demais. Neste caso, o grupo
vegano caracteriza-se por consumir produtos e serviços que não dependam do
sacrifício e da exploração animal em sua base de produção e consumo.
Os vegetais, as frutas e os cereais compõem o portfólio de regime alimentar
do grupo. Essas opções alimentares constituem o ativismo, impulsionando o
comportamento ideológico, político, social e cultural que se expressa na sociedade
contemporânea, dado que é com o respaldo nos hábitos alimentares característicos
que o grupo vegano exterioriza suas ideias, demarca sua trajetória e define sua
identidade diante de outros grupos.
3 MODO DE PREPARO: METODOLOGIA
Neste capítulo serão descritos a metodologia e as técnicas de pesquisa
utilizadas neste estudo. Porém, entende-se que as subjetividades são constituídas
de acordo com as vivências, tanto no campo científico quanto no campo empírico. A
oportunidade da autora desta pesquisa em relacionar-se, na vida cotidiana, com
veganos, propiciou o despertar de sensibilidades enriquecedoras ao trabalho de
campo, que não devem ser desprezadas. Afinal, não pode ser considerado
corriqueiro o sentimento de ser uma “carniceira da espécie humana”.
3.1 A CARNICEIRA DA ESPÉCIE HUMANA: UMA VIVÊNCIA PARA ALÉM DA PESQUISA6
A mesa composta ao “acaso”, sem prévia demarcação gestual ou verbal,
parecia ordenada a partir de estágios evolutivos. Este foi o cenário da última refeição
partilhada naquele final de semana, o almoço de domingo.
Onívoros ocupavam a ponta da mesa, próximos ao fogão, onde estava a
panela com o frango. Em seguida, os vegetarianos, com o queijo em frente dos
respectivos pratos e, logo após, os veganos. Meu lugar junto aos vegetarianos, entre
onívoros e veganos, tranquilizava uma das angústias latentes: de qual refeição
deveria participar?
Entre muitas refeições que transcorreram naquele final de semana, essa era a
primeira que reunia todos que habitavam a casa. Eram três veganos, dois
vegetarianos, três onívoros e eu, que, com o olhar de uma pesquisadora em
formação, desejava participar de todas as refeições e mesas que fossem
partilhadas.
O almoço de domingo foi, assim, a ocasião do “consenso” sobre a comida a
ser servida: macarrão espaguete ao molho sugo vegano7. “Consenso”, apesar do
6 Este escrito é construído a partir de uma vivência particular, tomada como oportunidade enriquecedora para a compreensão do campo de estudo. 7 O molho sugo, comumente conhecido, é de origem italiana, tendo a carne entre seus ingredientes. O molho sugo vegano, em vez da carne, tem como base de preparo a cebola.
21
frango com molho preparado pelos anfitriões onívoros e do queijo ralado utilizado
pelos vegetarianos. Mas, ainda assim, havia o acordo de todos para o almoço em
conjunto. E isso era satisfatório.
Após degustar a delicioso macarrão ao molho sugo com queijo ralado, em um
ambiente descontraído, refletia sobre aquele episódio. E, com algumas leituras em
mente, podia aproximar-me das afecções dos veganos ao presenciar o consumo de
carne.
O olhar antropológico era norteado pela curiosidade no processo de
(des)construção das memórias que permeavam as experiências alimentares dos
indivíduos que compunham o grupo vegano de amigos que acompanhava durante
aquele final de semana.
Além disso, estava presente o sentimento de admiração pela capacidade de
ruptura com os sabores da infância, o cozido temperado com os saberes e segredos
das respectivas famílias de origem. Pois, tinha ciência de que os costumes veganos
eram delineados por outras formas de ver, sentir e viver, distintas das tradições e
valores alimentares familiares. Os veganos defendem o consumo que rejeita o
argumento de que a condição de subsistência da espécie humana é associada à
necessidade de sacrificar, explorar e matar os seres não humanos, afirmando a
possibilidade de um consumo alimentar pautado em alternativas sustentáveis que
respeitem e preservem a vida de outras espécies.
Diante dos conflitos em torno dos hábitos alimentares entre
vegetarianos/veganos e onívoros, em poucos dias de convivência minha admiração
passou à frustração. Afinal, meus hábitos alimentares carnívoros eram igualados a
atos grosseiros como o de comer seres indefesos possuidores de sistemas
neurológicos completos. Descobri ainda que, implícita na “naturalidade” de meu
costume alimentar onívoro, estava a potente contribuição para a ampliação da
desigualdade social e econômica do mundo. As afecções aumentavam na medida
em que balizavam valores, suspeitas, sentimentos e memórias alimentares.
Entendi então que meus costumes onívoros promoviam-me a “carniceira”,
uma vez que não tinha o hábito de matar o animal, o ser não humano, para consumi-
lo. Encontrava-o morto, cozinhava e comia. E que, na qualidade de carniceira,
alimento-me de cadáveres. Cadáver, conceito que, na minha limitada concepção,
estava intimamente associado a humanos sem vida. Aos não humanos bastaria a
denominação “morto”.
22
No entanto, o termo cadáver contempla também os corpos mortos dos não
humanos. Aquelas partes de corpos que compõem minhas saborosas refeições: a
sopa de cadáver, o feijão de cadáver e, esporadicamente, o churrasco de cadáver.
Isso não é nada apetitoso, tampouco confortável! Esses distanciamentos e
estranhamentos considerados comuns em uma pesquisa etnográfica teriam a
possibilidade de suavizar-se, caso não estivessem os hábitos alimentares no cerne
da pesquisa.
O fato é que o hibridismo que caracteriza a pesquisadora onívora era
frequentemente pulsado e pensado. E, mesmo quando não participava de uma
refeição enquanto pesquisadora, as situações afetavam e fascinavam, constituindo
outras sensibilidades em minha subjetividade.
A convivência com este grupo de amigos proporcionou ainda reflexões
constantes, não apenas sobre os hábitos alimentares observados e analisados, mas,
sobretudo, com relação a meus próprios costumes e valores relacionados ao ato de
comer.
A vivência aqui descrita corroborou para minha inserção em campo e
percepção sobre “ser vegano(a)”, contribuindo para entender valores e ideais a partir
do olhar de meus interlocutores.
Assim, a partir destas experiências e das reflexões de alguns autores sobre
os temas que compõem este trabalho, coloca-se, então, como questão: Como são
(res)significados e transmitidos os saberes culinários veganos? Essa reflexão tem
por objetivo principal entender a constituição dos saberes culinários veganos, em
contexto em que as práticas de alimentação desse tipo têm se expandido. Além
disso, buscam-se elementos que permitam aclarar aspectos relacionados aos
objetivos específicos desta pesquisa:
- Conhecer o modo de compartilhamento dos saberes culinários veganos;
- Analisar, a partir da cibercultura, a sociabilidade entre veganos;
- Identificar formas de transmissão simbólica contidas nas receitas veganas.
A delimitação do universo empírico pesquisado abarca o grupo vegano
localizado na cidade de Pelotas. Com o intuito de apreender o contexto cultural do
23
grupo, optou-se pelo método etnográfico e pela técnica de pesquisa observação
participante em duas modalidades: off-line e online.
A pesquisa off-line consistiu na interlocução com dois veganos que
concordaram em participar da pesquisa. No que tange à modalidade online, essa
ocorreu na rede social Facebook, mais especificamente na página do grupo
“Veganos Pelotas”8, espaço destinado ao compartilhamento de materiais
informativos, produtos e receitas veganas. Nesse espaço, destinado às vivências
virtuais do grupo vegano, a pesquisa foi realizada por meio de etnografia virtual.
Estes contextos, off-line e online, serviram como aportes interpretativos
complementares, engendrados nos significados culturais atribuídos pelo grupo
estudado.
3.2 ETNOGRAFIA COM ETNOGRAFIA VIRTUAL
Observar as relações dos indivíduos entre si e do grupo com o ambiente onde
estão inseridos são artifícios do método etnográfico, incorporados ao
aprofundamento do estudo antropológico acerca das distintas culturas.
Ao buscar apreender o contexto cultural por meio da pesquisa etnográfica, é
importante toma-la a partir da ideia de “descrição densa”, proposta por Geertz
(1978). Para o autor, os discursos humanos e os sistemas simbólicos que permeiam
os comportamentos e os acontecimentos sociais servem como subsídios
interpretativos para uma descrição com densidade.
Em consonância com as ideias de Geertz (1978), está a perspectiva que fora
proposta por Malinowski (1997, p. 23), que enfatizou ser necessário, para o êxito no
trabalho de campo, “sentir em verdadeiro contato com os nativos”. Ou seja, o
pesquisador necessita entender os aspectos culturais do grupo com profundidade,
com o intuito de fazer conexões entre as evidências e as narrativas, as tensões e
8 O status do grupo “Veganos Pelotas” foi alterado de fechado para aberto na Rede Social Facebook. No entanto, essa alteração, não modificou os conteúdos compartilhados pelo grupo, mas, as formas de visualizações. Pois, a modalidade “grupo aberto” permite a visualização de todos os usuários do Facebook que acessem o grupo “Veganos Pelotas” na Rede Social. O acesso ao “Veganos Pelotas” está disponível em: https://www.facebook.com/groups/opcaoveganapelotas/?fref=ts
24
intenções, a objetividade e a subjetividade entre outras especificidades que
aparecem em campo.
Sobre esse aspecto, importa destacar que o grupo vegano estudado utiliza-se
do meio virtual como articulador de valores políticos e ideológicos, bem como para a
transmissão e propagação de conhecimentos em torno dos direitos animais.
Lévy (1999, p. 47) esclarece que o virtual não deve ser empregado com o
significado de “irrealidade”. Ou ainda, em contraposição à tangibilidade que compõe
a compreensão de “realidade”. Isso porque o virtual é uma dimensão importante da
realidade. Segundo esse autor, “ainda que não possamos fixá-lo em nenhuma
coordenada espaço-temporal, o virtual é real” (LÉVY, 1999, p.48). O virtual pode ser
considerado o habitar de distintos espaços que constituem a cibercultura. Por meio
de informações codificadas e digitais que movimentam o ciberespaço, a virtualidade
extrapola a dicotomia entre “realidade” e “irrealidade”.
Neste sentido, a virtualização da informação, através de hiperdocumentos e
hipertextos, possibilita a (re)construção de saberes coletivos. Conforme explica Lévy
(1999, p.57), “os hiperdocumentos abertos acessíveis por meio de uma rede de
computadores são poderosos instrumentos de escrita-leitura coletiva”. Assim, as
informações virtuais, em seus distintos formatos (fotos, músicas, textos), possuem
características fluídas e maleáveis e, por isso, passíveis de interações e
transformações da cibercultura.
Neste ponto, importa ressaltar o conceito de cibercultura como proposto pelo
filósofo contemporâneo Lévy (1999, p. 17): “[...] um conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. Já o ciberespaço
“especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas
também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres
humanos que navegam e alimentam esse universo” (LÉVY, 1999, p. 17).
Para buscar entender a cibercultura, voltemos ao pensamento de Geertz
(1978), que relaciona a cultura como uma teia de significados, possibilitando ao
homem constituir especificidades culturais através das conexões com o contexto em
que está inserido. Nessa perspectiva, cabe entender a cibercultura como um
ambiente que compõe a teia de significados do grupo, na medida em que é também
neste âmbito que o grupo estudado interage, mobiliza, articula e fortalece a ideologia
vegana.
25
Importa, assim, destacar que a constituição vegana está, na
contemporaneidade, pautada por discussões, articulações e trocas que acontecem
na cibercultura. Desta forma, a cibercultura é, para os veganos, um importante meio
de comunicação e, por isso, ambiente que possibilita produção de sentido ao grupo.
Desse modo, o olhar etnográfico sobre este ambiente é de extrema importância para
a compreensão cultural do grupo, o que justifica trazer a etnografia virtual ao método
etnográfico na realização deste estudo.
Vale ainda destacar que a perspectiva da etnografia virtual se pauta nas
premissas etnográficas – tal como discutidas por Geertz (2001) – no que se refere à
postura de estranhamento do pesquisador diante do objeto, à percepção dos
aspectos subjetivos envolvidos na investigação, aos dados oriundos como
interpretações de segunda e terceira mão, bem como aos relatos etnográficos como
textualidades múltiplas.
Contudo, se considerarmos a transposição etnográfica do espaço físico ou
off-line para o espaço virtual ou online, faz-se necessário inserir alguns
procedimentos específicos ao método.
Conforme Amaral (2008), uma diferenciação da etnografia virtual seria a
capacidade metodológica de abarcar diferentes contextos, característica que está
em consonância com a pluralidade cultural presente no ciberespaço. Sob esse viés,
Kozinets (1998) indica que a etnografia virtual, diante dos grupos pesquisados nos
ciberespaços, precisa estar em sintonia com a participação imersa e a observação
cultural, exigindo do pesquisador a inserção e o reconhecimento como um membro
da cultura. No que diz respeito à coleta de dados, esse autor salienta que as notas
de campo devem ser relacionadas com os “artefatos” da cultura ou comunidade, tais
como: download de arquivos, transcrições de bate-papo, postagens em newsgroups,
postagens e/ou comentários em blogs, troca de e-mails, imagens e arquivos de
áudio e vídeo.
Com relação ao compartilhamento de arquivos nas comunidades online,
Gomes (2006) comenta sua essencialidade na troca de informação nos ambientes
online. Para a autora, os arquivos garantem toda a base de reciprocidade,
solidariedade e confiança que caracterizam as relações virtuais.
Os arquivos, em seus mais variados formatos, sustentam o portfólio de
informações, sociabilidade e interatividade no interior dos ambientes virtuais. Cabe
salientar que os arquivos podem ser realizados e compartilhados de maneira
26
instantânea e concomitante às vivências que permeiam a rede, ou seja, na vida off-
line. Neste sentido, diferentemente da etnografia submetida ao campo presencial ou
off-line, na etnografia virtual os dados de pesquisa estão sendo produzidos a todo
instante e em diferentes ambientes online, muitas vezes de maneira síncrona.
Sob a perspectiva de estudo off-line e online, Miller e Slater (2004), em
estudo tomado aqui como aporte metodológico, expressam a importância de a
pesquisa realizar-se, de forma inter-relacionada, nos dois espaços.
Ainda no que se refere ao estudo concomitante dos ambientes off-line e
online, Leitão e Gomes (2011, p. 27) relatam que em suas “experiências prévias de
pesquisa do e no ciberespaço têm procurado primeiramente analisar a relevância da
distinção on/off para os próprios sujeitos, seus interlocutores de pesquisa”. As
autoras ressaltam a importância de o pesquisador verificar se “as interações sociais
online são por eles estendidas para o off-line, através de encontros fora do ambiente
digital”. Caso este aspecto seja evidenciado, aconselham ao pesquisador a
acompanhar esses deslocamentos, estendendo a observação para a dimensão off-
line.
3.3 INSERÇÃO EM CAMPO
O primeiro contato estabelecido com os possíveis interlocutores desta
pesquisa ocorreu em um evento intitulado 1º Veganique, realizado no dia 13 de
setembro de 2015, na Praça Coronel Pedro Osório localizada na cidade de Pelotas.
O evento foi articulado, organizado e desenvolvido pelos integrantes/ representantes
do ONCA9 na cidade de Pelotas/RS.
Logo após chegar ao local, apresentei-me a um grupo que estava sentado na
grama da praça em torno de uma toalha que servia como suporte para acomodar um
prato com bolo e uma jarra com suco. Posterior à apresentação, convidaram-me a
9 Conforme informações acessadas no dia 05 de fev. 2016, no site da organização “ONCA é uma entidade de defesa animal, totalmente voluntária, independente e sem fins lucrativos, que divulga e defende os Direitos Animais (também chamados de Libertação Animal), ou seja: a extinção do uso e exploração animal ou sua substituição, através de usos alternativos e conscientes”. O acesso à página “ONCA” está disponível em: http://www.onca.net.br/quem-somos-2/quem-somos/
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sentar junto deles e, em conversa, disseram ser vegetarianos e que participavam do
evento por admirar os princípios do grupo vegano.
Os membros deste grupo de vegetarianos assumiram que algumas vezes
faziam bolos veganos, à exemplo, o bolo de banana que haviam preparado para
compartilhar no 1º Veganique. A receita do bolo, o grupo relatou que obteve por
meio da internet, salientando que, com frequência, após pesquisar as receitas
veganas na rede, pensavam em fazê-las, mas somente se aventuravam a replicar
algumas delas.
Apesar de muito bem recepcionada pelo grupo, necessitava encontrar
possíveis interlocutores veganos e foi assim que me despedi do grupo vegetariano,
agradecendo-lhes pela atenção dispendida.
Nesse ínterim, os integrantes do ONCA haviam chegado. Identifiquei-os pela
faixa exposta na grama, bem como pelos alimentos disponibilizados: pizza com
recheio de molho de tomate e coxinha de jaca.
Na ocasião, conversei com veganos que participavam do evento. Nesse
diálogo, convidaram-me a participar da página do grupo “Veganos Pelotas” na rede
social Facebook, ambiente virtual de que muitos deles participam. Dispuseram
alguns folders explicativos, demonstrando interesse em participar da pesquisa.
No entanto, o vínculo com o ONCA enquanto organização/entidade, ao menos
no cerne deste estudo, torna-se dispensável. O mesmo não se aplica ao cotidiano
de seus integrantes interlocutores potenciais do recorte etnográfico proposto: a
constituição das receitas veganas.
Antes desse encontro, já realizava uma incipiente observação na página do
grupo “Veganos Pelotas”. Incipiente porque naquele instante não coletava dados,
apenas conhecia o andamento da página: o fluxo de compartilhamentos, curtidas,
comentários e as participações constantes e as mais reservadas.
Essa parte da pesquisa ajudou-me a identificar outras páginas relacionadas
ao assunto, às problematizações expostas, aos protestos ocorridos em defesa dos
animais, às mobilizações financeiras para ajuda e cuidado de alguns animais, à
comercialização de produtos, aos locais comerciais onde fornecem alimentos e
refeições específicas e, por fim, às tão cobiçadas receitas.
Após essa etapa, alguns contatos iniciais foram estabelecidos com possíveis
interlocutores, por meio de mensagem privada ao perfil do usuário da rede social
28
Facebook. Para os veganos com quem ainda não havia estabelecido contato prévio
no Veganique, escrevia a seguinte mensagem:
Olá, sou aluna do curso de Antropologia da UFPel. Estou desenvolvendo meu Trabalho de Conclusão de Curso em torno da constituição de receitas veganas. E, por esse motivo, gostaria muito de conversar! É possível? Tua contribuição seria importante para o processo de construção deste trabalho! Aguardo teu retorno. Abraços. (Pesquisadora)
A mensagem enviada àqueles com quem já havia estabelecido contato
através do Veganique geralmente esclarecia que pretendia dar continuidade à
pesquisa sobre receitas veganas. O contato era concluído com: “Gostaria de marcar
uma conversa. É possível? ”.
A intenção era encontrar voluntários para desenvolver a pesquisa na
modalidade off-line. O fato é que de todas as pessoas contatadas, seis aceitaram
participar da pesquisa e, assim, marcar um encontro. Mas o encontro e a pesquisa
off-line ocorreram efetivamente apenas junto a dois interlocutores, conforme
mencionado no item 3.4 deste trabalho.
No que se refere aos quatro interlocutores que haviam aceitado participar da
pesquisa, mas cujo aceite não se concretizou em encontros off-line válidos para esta
pesquisa, cabe esclarecer que em dois dos casos isso se deu em decorrência da
indisponibilidade de horários devida a compromissos profissionais dos interlocutores;
em um caso não houve respostas às propostas de encontro; no quarto caso, a
interlocutora compareceu ao encontro, quando foi possível verificar tratar-se de
hábitos alimentares vegetarianos, perfil distinto dos demais interlocutores que
compõem esta pesquisa.
3.4 CAMPOS OFF-LINE E ONLINE
A pesquisa de campo off-line foi realizada entre janeiro e abril de 2016. Por
escolha dos interlocutores, os encontros ocorreram em um restaurante vegano da
cidade. Essa escolha se deu, provavelmente, por ser um local central e fazer parte
dos ambientes frequentados pelos interlocutores.
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Os encontros, entre sete e oito com cada interlocutor, ocorreram de forma
individual e duraram em média uma hora. As conversas foram principalmente
pautadas em torno de suas preferências alimentares, antes e após tornarem-se
veganos. Ao discorrer sobre suas preferências, os interlocutores falavam sobre as
adaptações em suas alimentações, bem como os elementos que retiravam, incluíam
e substituíam em suas receitas.
Nas conversas estabelecidas, eram, com frequência, explicitadas dinâmicas
de relações pessoais com indivíduos onívoros, vegetarianos e veganos. O diálogo a
respeito dos hábitos alimentares dos interlocutores e de suas receitas ocupava o
centro das conversas.
Com o intuito de contextualizar relatos dos interlocutores na modalidade off-
line desta pesquisa, apresento-os brevemente:
Lucas tem 33 anos e é professor da área de humanas no ensino
médio/técnico em Pelotas. Com relação a sua experiência com o veganismo, segue
seu relato:
Eu era vegetariano há uns quatro anos, mas com ajuda de uma amiga, conversas e trocas de receitas, comecei a pensar sobre a possibilidade de ser vegano. Mas quando assisti um documentário sobre consumismo, um vídeo chamado Baraka, vendo o sacrifício que fazem com os pintinhos que viram nuggets, é que deixei de vez de consumir ovos e laticínios e virei vegano. Há cinco anos sou vegano. É, sou um vegano abolicionista relativista. Pois, penso e relativizo a utilização animal por outros grupos, como por exemplo, os grupos das religiões afro. Levo em consideração as discussões políticas, econômicas e sociais. (Lucas)
Luiza tem 27 anos, é estudante de artes e conta que:
Sou vegana há cinco anos e antes de ser vegana era, há três anos, vegetariana. Mas mesmo antes de ser vegetariana já não tinha costume de comer carne vermelha, pois minha mãe comia pouca carne e quando comia era carne branca (peixe e frango). Sou vegana pela causa animal. E porque quando era vegetariana percebi que consumia muito mais laticínios que antes. E o consumo de laticínios, se comparado ao consumo de carne, afeta tanto ou mais os animais. (Luiza)
Além da contribuição desses interlocutores, a análise deste estudo se estende
ao campo online, mais especificamente a partir da página do grupo “Veganos
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Pelotas”. Neste ambiente, a coleta de dados – mais especificamente de receitas –
limitou-se ao período compreendido entre fevereiro e junho de 2016. No entanto,
estou inserida nesse ambiente virtual desde o início da pesquisa, em novembro de
2016, até o presente momento. O convite para participar da página do grupo
“Veganos Pelotas” ocorreu, como já mencionado, no momento em que apresentei a
proposta de pesquisa a uma das administradoras.
Essa inserção possibilitou-me estabelecer contatos, por meio de mensagens
privadas ao perfil do usuário da rede social Facebook, com os interlocutores off-line.
Estes contatos incidiram em pelo menos dois momentos: o primeiro, com o intuito de
explicar a proposta e realizar o convite para participar da pesquisa e o segundo,
como meio de comunicação com os interlocutores que participaram da pesquisa off-
line.
Além disso, fazer parte do “Veganos Pelotas” possibilitou-me observar
discussões sobre distintos temas abarcados pelo veganismo, inserções em novas
páginas na rede social, articulações de encontros veganos, mobilizações de verbas
em prol da causa animal.
O fato, é que essa experiência, permitiu “curtir” e “compartilhar” algumas das
postagens da página do grupo “Veganos Pelotas” em meu perfil particular da Rede
Social Facebook. Ou seja, viver os veganos também no âmbito virtual.
4 COZIMENTO: A MEMÓRIA DAS ESCOLHAS ALIMENTARES
A seleção de alimentos e o preparo da comida estão intrinsicamente
relacionados com os hábitos alimentares. Conforme Barbosa (2007, p. 88), os
estudos sobre hábitos alimentares na contemporaneidade não se limitam às
características nutricionais, sociais ou históricas, abrangendo também a dimensão
política/ideológica.
Isso implica em outras possibilidades de compreensão em torno dos hábitos
alimentares, segundo Barbosa (2007, p. 88), dispostos em “posturas éticas e morais
em face de todos os demais seres vivos”. Ou seja, o homem come e (re)constitui
seus costumes alimentares conforme seus princípios éticos. O hábito alimentar,
nesta instância, é pensado dentro dos limites de sua ideologia e estilo de vida.
Nesse quadro, verifica-se certa autonomia alimentar entre os membros de um
mesmo grupo doméstico, bem como entre os integrantes de grupos semelhantes.
[...] os indivíduos tenderiam a comer de forma diferente entre si. Tanto o conteúdo das refeições como a própria ingesta estariam se tornando crescentemente diferentes. Essa diferenciação sinalizaria para uma menor influência dos hábitos alimentares compartilhados e socialmente sancionados na escolha do comportamento alimentar dos indivíduos. (BARBOSA 2007, p. 108)
Importa destacar que embora o comportamento alimentar dos indivíduos e/ou
grupo seja composto também a partir de influências distintas às partilhadas
socialmente, ainda assim, há conexões com práticas alimentares que remetem às
linhas identitárias de um grupo e/ou uma cultura.
Nesta perspectiva, Contreras e Gracia (2004) mostram que por meio da
cozinha é possível apreender os elementos identitários característicos de uma
sociedade. De acordo com esses autores, cada grupo social tem referências
específicas que orientam o conjunto de elementos que podem ser entendidos como
“marcadores étnicos”. Essa característica é parte da identidade cultural que se
(re)constrói na medida em que ocorre a interação com outros grupos.
32
Assim, os hábitos alimentares incorporam conhecimentos culinários10 que
têm origem em distintas vertentes: familiares, regionais, religiosas, políticas,
econômicas, entre outras. Contreras e Gracia (2004) esclarecem que as
transformações e inovações, com a inserção ou o (des)uso de elementos, afetam e
(re)definem as características da cozinha e que, nesses processos, pode-se
observar que os ingredientes se modificam, mas as formas de preparo permanecem.
Maciel (2001) define as “cozinhas” sob perspectiva territorial: de uma nação,
uma região ou um grupo específico, afirmando, contudo, que os pratos
emblemáticos são diferentes dos pratos cotidianos, pois os primeiros representam as
características de como o grupo quer ser socialmente reconhecido. A autora
esclarece ainda, que as cozinhas representam uma complexificação do ato
alimentar, ou seja, possibilitam a composição de um prato de maneira diversificada
no que se refere à combinação, preparação e transformação do alimento em comida.
É o que podemos, a título de exemplo, observar no documentário etnográfico
“Quindim de Pessach”11no encontro da cultura brasileira com a cultura judaica por
meio da culinária. O vídeo retrata como ocorre no Brasil os ensinamentos culinários
das matriarcas judias para as suas cozinheiras brasileiras. A transmissão destes
preceitos culinários por meio de receitas e pratos carregam os costumes e os
valores simbólicos da cultura judaica. Contudo, no Brasil as receitas da culinária
judaica são preparadas por membros de outras etnias. Deste modo, de acordo com
as narrativas do documentário mencionado, as receitas judaicas muitas vezes são
preparadas por mãos africanas e/ou indígenas, o que implica na inserção de novos
temperos e sabores, (re)configurando as práticas culinárias judaicas. Essas
(re)configurações estão presentes nas receitas e pratos judaicos transmitidos pelas
cozinheiras brasileiras às gerações mais novas da cultura judaica.
As receitas e pratos judaicos carregam os valores e costumes de sua
cultura. Ao ser ensinado para as cozinheiras brasileiras o significado simbólico do
prato permanece arraigado na cultura judaica, mas, alguns de seus elementos são
10 Na concepção de Barbosa (2007, p. 93), culinária é “um conjunto que engloba manipulação, técnicas de cocção, representações e práticas sobre as comidas e as refeições, é o principal mecanismo que transforma o alimento em comida, ou seja, nos pratos”. 11 O vídeo “Quindim de Pessach” foi premiado no Etnodoc 2009. O Etnodoc é um projeto criado pelo Iphan e tem como intuito apoiar os documentários etnográficos voltados para exibição em rede pública de televisão. O documentário etnográfico “Quindim de Pessach” está disponível no site do projeto e pode ser acessado no link: http://www.etnodoc.org.br/indexe943.html?option=com_content&view=article&id=48%3Aquindim-de-pessach&catid=7%3Afilmes-2009&Itemid=41
33
alterados. Ocorre que tanto na transmissão quanto na adaptação da culinária
judaica, são evidenciadas a reprodução social dos elementos que compõe as
cozinhas (MACIEL, 2001; CONTRERAS; GRACIA, 2004) das distintas culturas. Pois,
percebem-se nos relatos do “Quindim de Pessach” que as receitas da cultura judaica
e os elementos da cultura brasileira demonstram conhecimentos culinários distintos,
demarcadores de identidades culturais.
Em uma perspectiva não divergente, mas mais abrangente, está reflexão de
Candau (2011) acerca da construção de identidades. Para o autor, a construção de
identidade ocorre por meio da transmissão e reprodução social do aprendizado.
No entanto, esta transmissão jamais será pura ou uma “autêntica” transfusão memorial [...] pois, para ser útil à estratégias identitárias, ele deve atuar no complexo jogo da reprodução e da invenção, da restituição e da reconstrução, da fidelidade e da traição, da lembrança e do esquecimento. (CANDAU, 2011, p. 106)
Ainda de acordo com o autor, a transmissão pode ser percebida como central
na memória humana. Por isso, em suas diferentes formas, torna-se essencial para
reprodução da memória individual e coletiva que constituem o corpo social. No
entanto, Candau (2011) esclarece que é por meio da exteriorização da memória que
ocorre a transmissão memorial. Esta exteriorização sucede com o intuito de
compartilhar sinais, principalmente por meio de narrativas ou inscrição de gravuras e
escrita.
Em nossa sociedade as tradições culinárias são geralmente transmitidas às
gerações seguintes por meio de narrativas, via oral e/ou escrita, muitas vezes
através de “caderninhos de receitas”. Sob essa perspectiva, para Amon e Menasche
(2008), a comida tem uma dimensão comunicativa e as receitas narram os saberes e
as histórias de uma memória coletiva. Na concepção das autoras, por meio das
receitas, é possível partilhar os saberes da experiência cotidiana, os gostos, as
preferências das comidas construídas e mantidas na memória social.
Como exemplo, no artigo12 apresentado por Menasche (2010), a polenta prato
básico, preparado e mantido por descendentes italianos, no Brasil, é uma forma de
narrativa das histórias da vida cotidiana dos agricultores localizados na região sul do
país. 12 O artigo é um recorte da pesquisa realizada entre 2000 e 2007 em quatro distintas regiões do Rio grande do Sul. A pesquisa aborda, entre outros aspectos, as práticas alimentares de agricultores e citadinos desta região do país.
34
Já a partir do início do século XVI, o milho, planta de origem americana, podia ser encontrado em várias regiões européias, sendo sua ampla difusão atribuída, por um lado, à elevada produtividade obtida em seu cultivo – em comparação à de outros cereais há mais tempo semeados naquele continente, como centeio e trigo – e, por outro lado, à facilidade com que substituiu outros grãos no preparo de papas de cereais, comuns em toda a Europa desde tempos remotos (FLANDRIN; MONTANARI, 1998; CONTRERAS; GRACIA, 2004). Assim é que a polenta se constituiu em alimento de base dos camponeses da região do Vêneto, no norte da Itália, região de origem de italianos que, a partir de 1875, migrariam para o sul do Brasil. (MENASCHE, 2010, p.11)
Neste sentido, a pesquisa de Menasche (2010), aponta as distintas formas de
participação do prato na vida dos camponeses. A polenta está relacionada com as
atividades diárias destes agricultores, pois, a circunstância de preparo ocorria
sempre após o trabalho no campo. O prato, na maioria das vezes, constituía a janta
e o café da manhã da família devido à escassez da farinha de trigo e outros
alimentos. Ainda hoje, embora menos frequente, a polenta faz parte das refeições
das famílias rurais. Porém, entre os jovens das famílias de agricultores há rejeição
pelo meio rural devido às aspirações pela vida na cidade. Por conseguinte, ocorre a
vergonha do consumo da polenta, pois, esse é o prato típico que representa a vida
dos agricultores no meio rural.
O fato é que por meio da polenta, prato típico dos agricultores rurais, está à
possibilidade de narrativas e a exteriorização da memória coletiva. Pois, a polenta
remete a história da etnia italiana, comunica distintas percepções e vivências no
meio rural. A polenta é tida como um prato emblemático do meio rural. No entanto,
os pratos emblemáticos de cada grupo parecem ser constantemente recombinados
a partir de fluxos e trocas com outros grupos, sendo atualizados e reinventados, com
a criação de novos saberes.
No que se refere aos pratos emblemáticos, um exemplo, pode ser
evidenciado no estudo de Barbosa (2007) sobre hábitos alimentares brasileiros13. A
autora evidencia que, entre as refeições realizadas pelos brasileiros, o almoço é
considerado a mais importante e apresenta um cardápio mais homogêneo, pois 94%
dos interlocutores declaram comer feijão14 e arroz. Este dado, entre outros que a
13 O artigo de Barbosa (2007) está embasado na pesquisa sobre os hábitos alimentares brasileiros realizada em com 1 milhão de habitantes em dez cidades brasileiras. O estudo abordou todas as classes sociais, distintas idades e gêneros. 14 De acordo com Barbosa (2007, p. 112) o feijão era consumido pelos brasileiros do século XIX. “os brasileiros, ricos e pobres, daquela época já comiam diariamente feijão com farinha. O que os
35
pesquisa fornece, indica que no Brasil alguns hábitos alimentares são
compartilhados e legitimados socialmente. Uma vez que, ocorre a escolha e
ingestão de um cardápio semelhante e a seleção dos alimentos transcende os
aspectos como renda, gênero e faixa etária.
Assim, o “típico” feijão preparado com carnes, derivados e temperos
convencionais ao preparo do prato na culinária brasileira, são (re)elaborados em
consonância com os gostos e costumes das cozinhas familiares e/ou regionais. As
distintas cozinhas promovem a complexificação (MACIEL, 2001) do emblemático
feijão e arroz, ou seja, a preparação e a composição do prato são realizadas de
maneira diversificada.
Nesta perspectiva, o feijão preparado com um ou vários elementos de origem
animal, aparência que remete à “feijoada” brasileira, dá espaço ao “feijão vegano”.
Para os interlocutores desta pesquisa, o feijão faz parte de sua alimentação diária.
Em relato, um interlocutor da pesquisa diz:
Hoje meu almoço foi: feijão, arroz, couve e farofa. Tempero meu feijão com cebola e alho e a couve com alho e azeite. Como quase todos os dias feijão. E, quando não tenho feijão, faço lentilha com os mesmos temperos do feijão. (Luiza)
Enquanto outro interlocutor relata:
Como sempre feijão, arroz e duas cores: folhas, verduras ou legumes. Faço o feijão e congelo. Preparo ele com cebola, alho, pimentão e às vezes louro. Durante o dia como fora porque trabalho, mas à noite chego em casa e janto. Tiro o potinho de feijão do congelador, faço um arroz e pico umas folhinhas com a mão em cima do prato e já era. Geralmente é, arroz, feijão e o que tiver na geladeira. (Lucas)
Com preparo à base de temperos sem origem animal, o “feijão vegano”,
expressa a ideologia, o estilo de vida e a visão de mundo de um grupo. Sob este
viés, AMON e MENASCHE (2008) esclarecem que, a partir das escolhas dos
alimentos, através das atividades de seleção e combinação, é possível manifestar as
concepções de um grupo social e a expressão de uma cultura. A (re)configuração na
seleção dos ingrediente para o preparo do feijão, comunica sobre as dimensões
ideológicas e políticas que podem estar presentes nos hábitos alimentares.
diferenciava entre si era justamente a qualidade do feijão: caldo ralo entre os mais pobres e grosso entre os mais ricos”.
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A tradição do consumo de feijão não é esquecida, mas, seu preparo é (re)
elaborado. Por vezes com base em vegetais como cebola, alho e pimentões, bem
como com o aporte de carnes e linguiças elaboradas com base em vegetais, soja ou
glúten. Assim, o feijão, enquanto prato simbólico que compõe os hábitos alimentares
dos brasileiros é preparado de forma distinta e em consonância com um estilo de
vida, no caso, com o banimento do uso de animais.
4.1. OS SIGNIFICADOS DE UM AÇOUGUE VEGANO
O veganismo incentiva a reinvenção da dieta alimentar humana. Mas, na
ruptura com os costumes de humano onívoro, baseados em uma dieta animal e
vegetal, há buscas de mecanismos que deem conta de preservar elementos que
fazem parte da memória alimentar.
As associações alimentares são consideradas importantes, principalmente no
período de transição da dieta onívora para vegana. Sob este aspecto, um dos
interlocutores assume: “é melhor uma carne de glúten a uma carne bovina, suína ou
de qualquer outro animal”. Outro relata ainda: “a galera precisa de um substituto
para carne e para os embutidos”.
Dentre essas e outras ressignificações alimentares, nos deparamos com a
implantação do primeiro açougue vegano do Brasil e da América Latina. Neste
espaço, segundo matéria veiculada na revista Vista-se (2016) ainda no período que
antecedeu ao funcionamento do empreendimento, seriam comercializadas “linguiças
de vários tipos, hambúrgueres, salsichas, bifes e outros tipos de carnes 100%
vegetais”.
Os hábitos alimentares veganos instituem novas concepções sobre o que é
comestível em consonância com os estilos de vida recomendados pelo grupo.
Assim, o que em outro grupo não seria concebido como comida, carnes elaboradas
a base de vegetais, é tomado como elemento necessário para alguns adeptos do
ativismo vegano.
As questões morais e valores dos ativistas estão profundamente relacionados
com os alimentos ingeridos. O alimento preparado como de costume em uma
sociedade (DAMATTA, 1987) é reconhecido como comida. Em seu preparo, estão
37
presentes as emoções e identidades sociais que traduzem os sistemas de valores
do grupo.
Essa ideia sobre os significados sociais atribuídos à comida remete ao
conceito de “comensalidade totêmica” cunhado por Lévi-Strauss (apud Da Matta,
1987, p. 22), entendido como “um sistema onde pessoas, ambientes, emoções,
alimentos e até mesmo o modo de preparar a refeição deve estar em plena
harmonia”.
Além de essencial ao organismo, a comida é permeada de significados
simbólicos. Por esse motivo, alimentos inseridos em um grupo social podem ser
excluídos ou vistos com cautela.
Assim, segundo Maciel (2001, p. 145), “o homem cria práticas e atribui
significados àquilo que está incorporando a si mesmo, o que vai além da utilização
dos alimentos pelo organismo”. Em distintas ocasiões, os alimentos ingeridos não
são aceitos ou consentidos socialmente e, portanto, não são consumidos. Assim,
exceto em situações de escassez alimentar, o significado simbólico deixa de
predominar em relação à saciedade e/ou necessidade fisiológica.
A relação do que é considerado permitido ou proibido pode ser pensada,
segundo Douglas (1976), em estudo sobre as interdições alimentares entre os
judeus, a partir da dicotomia entre sagrado e profano. Nesta obra a autora traz como
elemento essencial para discussão os princípios da religião e suas interferências nas
convenções sociais judaicas, sobretudo acerca das escolhas dos alimentos. Para
tanto, a referida autora analisa as regras de dieta – especialmente as interdições, as
ditas abominações – que constam no texto bíblico, o Levítico.
Na procura da santidade, com o intuito de ser íntegro e perfeito enquanto
indivíduo e espécie, segundo a interpretação de Douglas (1976), os judeus
pautavam as regras da dieta alimentar na classificação de carnes puras e impuras.
Poderiam ingerir apenas os animais que têm casco fendido e ruminam. Se por
ventura tivessem somente uma das duas características, este se somaria à lista de
animais considerados impuros, a exemplo do porco e do camelo.
No entanto, de acordo com Douglas (1976), para entender a lógica de animais
descritos como impuros pelo Levítico faz-se necessário recorrer ao texto bíblico.
No firmamento aves de duas pernas voam com asas. Na água, peixes com escamas nadam com nadadeiras. Na terra, animais de quarto pernas pulam, saltam ou andam. Qualquer classe de criaturas que não esteja equipada
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para o tipo correto de locomoção no seu elemento é contrária a santidade. O contacto com ela desqualifica uma pessoa e aproximar-se do Templo. (DOUGLAS, 1976, p. 73)
Assim, os animais aquáticos que não tenham nadadeiras e escamas; as aves,
os répteis, os de quatro patas que pulam ou tenham outras características não
próprias a seu meio são classificados como impuros. Qualquer contato que o homem
possa ter com esses animais será percebido como elemento que o afasta da
santidade.
Outro aspecto relevante é a noção de contaminação proposta por Douglas
(1976, p. 57): “A contaminação nunca é um acontecimento isolado”. Ou seja, os
indivíduos partilham de um conjunto de ideias que constituem a estrutura social e
cultural. Mas, os limites dentro desse conjunto de ideias partilhadas sobrevêm pela
separação, neste caso, o sagrado diante o profano.
Maciel (2001) menciona a ideia de que o homem classifica a comida, as
permissões e proibições, no quadro das delimitações e abrangências de sua cultura.
A autora elucida ainda que muitas vezes o que é considerado comida em uma
cultura pode não ser assim concebido em outra.
Desta forma, importa destacar que os critérios pelos quais o homem escolhe
e determina o que é comestível estão ancorados em sua visão de mundo. As
escolhas alimentares estão associadas ao religioso, político, social, ideológico e
econômico entre outras dimensões que compõem o contexto cultural.
Desse modo, as percepções sobre o que é “bom”, “ruim”, “saudável” ou
“prejudicial”, entre outras compreensões, assumem sentidos diversos que podem
não ser (re)conhecidos pelos demais grupos.
As carnes e embutidos a serem vendidos pelo açougue vegano, por serem
preparados em sinergia com os valores do grupo, são entendidos aqui como
alimentos construídos a partir de um sistema de ideias, e por isso, são considerados
comida.
A comida do açougue vegano evidencia uma (re)configuração de elementos,
que possibilita a degustação de sabores comuns ao paladar que remete à vivência
anterior ao ativismo vegano. No entanto, os temperos e misturas preparados a partir
de vegetais estão em acordo com a concepção de mundo do grupo, na mediada em
que não há derivados de animais em sua composição. Isso ao mesmo tempo em
que possibilita (re)viver hábitos alimentares destituídos pela causa animal.
4.2 UM OLHAR ANTROPOLÓGICO ACERCA DAS RECEITAS VEGANAS
Ao longo desta pesquisa foi realizado o levantamento de quarenta e cinco
receitas veganas, sendo os nomes dos pratos/receitas, atribuídos pelos
interlocutores. Pode-se notar que as receitas obtidas online são mais elaboradas do
que aquelas que o foram off-line. Enquanto que no ambiente online são
disponibilizadas receitas especiais e de boa aparência, as receitas fornecidas pelos
interlocutores off-line estão associadas aos hábitos alimentares cotidianos.
Os pratos, além de serem preparados para a degustação, são atualmente
elaborados para o registro por meio da câmera fotográfica. Na etnografia virtual
desta pesquisa, observou-se que todas as receitas postadas na Rede Social
Facebook possuíam imagens das receitas, sendo que em um universo de trinta
receitas online, vinte e oito apresentavam imagem estática (fotografia), enquanto que
duas em movimento (vídeo).
No que tange a amostra off-line, os interlocutores desta pesquisa relatam
realizar o registro fotográfico dos pratos que elaboram com o intuito de enviar, por
meio com dispositivos móveis, as imagens aos amigos. Porém, as imagens
partilhadas não são dos pratos que compõem as práticas alimentares cotidianas dos
interlocutores, mas, das novas receitas ou das inusitadas comidas.
Assim, importa destacar que as imagens representam uma maneira distinta
de produção de significado para o grupo pesquisado. A análise destas imagens é de
extrema importância para a continuidade desta pesquisa, motivo pelo qual, será
abordada em estudos posteriores. Contudo, alguns arranjos dos pratos veganos que
compõe a amostra online podem ser observados nas imagens disponibilizadas no
anexo neste trabalho.
4.3 ANÁLISES DAS RECEITAS VEGANAS
A constituição de valores e práticas alimentares associados ao veganismo,
mais especificamente às receitas veganas, é objeto de reflexão proposto pela
40
pesquisadora deste trabalho também em eventos de iniciação científica que
antecedem ao recorte de análise desta pesquisa. Em um destes eventos15, como
forma de exemplificar a adaptação de foi analisada a seguinte receita:
.
Receita 01: Almôndegas de abobrinhas
Modo de preparo e ingredientes:
Cozinhe uma abobrinha em água até ficar molinha.
Escorra e amasse ela. Acrescente temperos a gosto: pimenta, sal, orégano e
farinha integral até conseguir pegar com a mão e fazer bolinhas.
Não fica uma massa, fica meio pastoso mas possível de fazer bolinhas com a
mão. Coloque em uma forma untada e asse por 30 minutos. A foto é de antes
delas irem para o forno.
Você também pode fritar, fica menos saudável mas é do gosto e da dieta de
cada um.
Depois de prontas eu coloquei em um molho de tomate delícia.
Como análise, observou-se que o preparo das almôndegas conta com a
substituição da carne por abobrinhas. As questões políticas e ideológicas abordadas
pelo grupo vegan são difundidas através do compartilhamento de pesquisa, práticas,
hábitos e receitas, isso em confluência com uma perspectiva de consumo pensada e
construída pelo ativismo de proteção e respeito aos animais. Afinal, como aponta
PORTILHO (2009), o consumo é relacional e os bens selecionados/consumidos são
utilizados para caracterizar e distinguir um grupo dos demais.
Os valores, saberes e práticas culturais contam, na contemporaneidade, com
o formato de consumo autônomo e ativo. Para PORTILHO (2009 p.209), essa é
“uma forma de ação política que incorpora, de diferentes maneiras e diferentes
graus, preocupações e valores em prol do meio ambiente e da justiça social”. Assim,
a (re)construção desta receita vegana sem a é realizada por meio da seleção de
alimentos que estejam em consonância com o estilo de vida do grupo, sugerindo,
assim, uma espécie de hibridismo cultural, evidenciado na receita de almôndegas.
15 O resumo expandido apresentado no XXIV Congresso de Iniciação Científica da Universidade Federal de Pelotas, está disponível nos anais do evento e pode ser acessado no link: http://cti.ufpel.edu.br/siepe/arquivos/2015/CH_03869.pdf
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Esta é uma perspectiva que pode ser evidenciada com frequência na análise
das amostras desta pesquisa. A seleção dos elementos para a constituição das
receitas veganas estão associadas ao esforço de substituição e adaptação de três
derivados de origem animais: carnes, leite e ovos. A adaptação da receita de
lasanha vegana está em torno da substituição do presunto e do queijo derivados
produzidos, respectivamente, a partir da carne e do leite animal. Assim, no que se
refere à análise da receita de lasanha vegana, será abordado o seguinte relato:
Antes de ser vegano a comida que eu mais gostava era lasanha de presunto e queijo. Na realidade era o prato que eu mais gostava que minha mãe fizesse. Depois, quando virei vegano, ela adaptou para lasanha de espinafre. É uma delícia. É uma adaptação da lasanha de presunto e queijo [...] Mas eu quando faço é lasanha vegana com molho e queijo. (Lucas)
Receita 02: Lasanha vegana
Ingredientes:
- Massa para lasanha sem ovos
- Molho de tomate, cebola e pimentão
- Queijo vegetal
Modo de preparo:
- Cortar o tomate a cebola e o pimentão
- Fazer o molho
- Montar e colocar no forno
Percebe-se, por meio da transcrição, que a lasanha vegana à base de
espinafre e/ou queijo e molho compõe escolhas alimentares ajustadas a uma
ideologia. Os significados simbólicos (Douglas; Isherwood, 2004) das escolhas dos
ingredientes da lasanha vegana diferem dos elementos utilizados para fazer o prato
em família. Pois, o interlocutor admite: “quando eu vou almoçar com a minha mãe e
ela faz lasanha de presunto e queijo, sempre faz lasanha de espinafre pra mim”.
Nesta perspectiva, o preparo da comida, bem como o ato de comer, pode ser
compreendido como um ritual que exterioriza sentidos e significados, na medida em
que, segundo Douglas e Isherwood (2004, p. 112), “os rituais servem para conter as
flutuações dos significados, [...] são convenções que constituem definições públicas
42
visíveis”. Os autores entendem ainda, a comida como uma forma de revelar os
valores, e quanto maior a diversidade de valores revelados, mais variedades de
comida serão necessárias. O alimento e a comida, ao serem selecionados,
compõem os elementos desse ritual em afluência com os significados simbólicos
do(s) grupo(s).
No caso do interlocutor, ao abolir o consumo de aninais e seus derivados, o
presunto é um ingrediente inconcebível no preparo da lasanha. E mesmo, o
espinafre da classificação de vegetais é dispensável quando a lasanha é preparada
pelo interlocutor. Porém, ao ser preparada pela mãe, a lasanha de espinafre “É uma
delícia”. Sob este aspecto, no preparo da comida (DAMATTA, 1987) estão presentes
as emoções e identidades sociais que traduzem os sistemas de valores do grupo.
Há um significado especial na lasanha de espinafre preparada pela mãe, o carinho e
o afeto envolvidos na substituição do ingrediente podem ser observados no seguinte
trecho da transcrição do interlocutor: “Antes de ser vegano, a comida que eu mais
gostava era lasanha de presunto e queijo”, prato elaborado e preparado pela mãe.
A receita da mãe e o preparo da lasanha de presunto e queijo na família do
interlocutor remetem à (AMON; MENASCHE, 2008) dimensão comunicativa da
comida, mais especificamente, à possibilidade de transmissão de saberes culinários
praticados e adaptados pela família. Sob este viés, Contreras (2005, p.140) salienta
que “cultura alimentar é o resultado de um longo processo de aprendizagem que se
inicia no momento do nascimento e se consolida no contexto familiar e social”.
A cultura alimentar se faz presente na (re)elaboração do prato. Assim, as
transformações e inovações com a inserção ou o (des)uso de elementos, (Contreras
e Gracia, 2004) afetam e (re)definem as características da cozinha. Neste sentido, a
cozinha do interlocutor transformou-se com a troca dos ingredientes de origem
animal pelos de origem vegetal. Neste processo pode ser considerada a construção
de uma identidade incorporada ao (Candau, 2011) aprendizado social do
interlocutor.
Assim, apesar de inserir novos elementos em seus hábitos alimentares, o
interlocutor está em conexão com as receitas e os pratos que constituem sua
memória alimentar em âmbito familiar. A ideologia e a concepção de vida do
interlocutor permitem relacionar e adaptar os ingredientes sem a necessidade que a
memória alimentar seja esquecida ou, em alguma medida, não possa ser (re)vivida a
partir do seu prato predileto.
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Receita 03: Delícia de pastel de carne de jaca com massa caseira e
queijo vegano!16
Massa:
- 500 g de farinha de trigo
- 200 ml de água morna
- 1 colher de sopa de óleo
- 1 colher de sobremesa de sal
- Óleo para fritar
Preparo:
- Coloque a farinha e o óleo num recipiente e acrescente água morna e o sal.
- Mexa e coloque em superfície lisa e sove.
- Acrescente mais um pouquinho de água se for necessário.
- Deixe descansar por dez minutos.
- Cilindre ou abra pequenas porções da massa com o rolo, até ficar bem fina,
com uns 2 mm de espessura.
- Se for necessário, coloque um pouco de farinha na superfície.
- Corte no formato e tamanho desejado e coloque o recheio já frio.
- Feche os pasteis apertando com as mãos.
- Pressione o garfo nas barreiras.
- Frite jogando óleo por cima ou afundando.
Recheio:
Carne de jaca versão salgada da fruta
- É importante a jaca ser verde para o preparo do prato.
- Passe óleo nas mãos e na faca para não grudar.
16 Esta receita foi disponibilizada na página do grupo “Veganos Pelotas”, em dois momentos: o primeiro com os ingredientes e modo de preparo da massa com acesso em: 13 de fev. 2016, disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=994863803919069&set=gm.496325370547207&type=3&theater e o segundo com o link de acesso para o preparo da carne de jaca. Portanto, o recheio acima exposto é uma transcrição do vídeo “Como fazer "Carne" de Jaca (e Fricassê Vegano)” acessado em 13 de fev. 2016, disponível em: https://l.facebook.com/l.php?u=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DdpkFE06m22o&h=JAQGc6uxI
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- Corte a jaca já lavada em pedaços menores, lavando-os para tirar um pouco
do leite.
- Coloque-os na panela de pressão cobrindo-os com água.
- Deixe cozinhando e quando a panela pegar pressão conte 15min e desligue.
- Escorra a água e espere esfriar para desfiar.
- Retire o miolo e a casca que são mais duros, as sementes também.
- Após, desfiada a carne de jaca já está pronta para ser temperada.
- Em uma panela com um fio de óleo refogue três dentes de alo picados e
meia cebola picada até dourar.
- Acrescente duas xícaras de carne de jaca.
- Tempere com meio limão e outros temperos a gosto, como por exemplo,
cominho e orégano.
“A carne de Jaca não tem gosto próprio, ela tem mais uma textura, que
parece um pouquinho com o frango, ela vai pegar o tempero que você der”.
Na receita exposta percebe-se que a massa do pastel é preparada em casa.
Os elementos utilizados na massa não têm origem animal e a massa poderia servir
de suporte para diversos recheios. O recheio é peculiar: a versão salgada de uma
fruta, a jaca.
Nesta perspectiva, nota-se que a cultura (Garine, 1987) define que a jaca é
comestível, pois é uma fruta originária da Índia. O infrequente consumo da exótica
jaca na região sul do Brasil, desperta os seguintes questionamentos em comentários
distintos na postagem: “Onde se encontra jaca por aqui?” “Dá pra assar? ” O
interesse pela aquisição e forma de preparo emerge pelo consumo inabitual da jaca
em Pelotas.
No entanto, o consumo de jaca no sul do país demonstra uma
complexificação (Maciel, 2001) que representam as cozinhas e os hábitos
alimentares de um grupo. Pois, as cozinhas possibilitam a composição de um prato
de maneira diversificada no que se refere à combinação e preparação do alimento
em comida. E neste caso, a jaca enquanto fruta, passa a ser carne. Por meio do
processo de preparo: corte, seleção/exclusão das partes da fruta, cozimento e
combinação de temperos o alimento é (re)significado. Nesta perspectiva, a jaca pode
ser transformada com diferentes combinações e temperos, pois, conforme o relato
da apresentadora do vídeo “a carne de Jaca não tem gosto próprio, ela tem mais
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uma textura, que parece um pouquinho com o frango, ela vai pegar o tempero que
você der”.
Assim, os elementos inseridos no preparo da carne de jaca são determinados
de acordo com os hábitos alimentares e os valores simbólicos. Neste caso, por ser
uma carne de jaca vegana, não há entre os temperos, elementos de origem animal.
Pois, as práticas alimentares veganas estão em consonância com a ideologia e o
estilo de vida do grupo. Portanto, representam os hábitos alimentares
contemporâneos (Barbosa, 2007) centrados em posturas éticas e morais em torno
dos animais. Desta forma, os hábitos alimentares veganos apontam para um formato
de consumo politizado (Portilho, 2009) caracterizado, entre outros aspectos, pela
valorização do meio ambiente.
Os valores engendrados nas escolhas dos ingredientes e no preparo do
pastel de carne de jaca, (re)afirmam-se no seguinte comentário: “Que delícia! ”.
Expressão que permite compreender os significados simbólicos (Douglas e
Isherwood 2004) que envolvem o consumo alimentar vegano. O pastel de jaca é
delicioso porque está em harmonia com o estilo de consumo que respeita a vida dos
animais.
Outro aspecto relevante é a constituição da receita nas nuvens, ou seja, no
ambiente virtual. A receita do pastel de carne de jaca, a receita é partilhada por uma
postagem escrita da massa e uma fotografia do pastel. Porém, por meio da interação
com os demais membros da página solicitando a receita, houve a inserção de um
vídeo com o preparo da carne de jaca. Entretanto, o vídeo era sobre a receita de um
Fricassê de carne de jaca. Os membros não questionaram, pois entenderam que
para o pastel deveriam utilizar apenas o início da receita. A receita virtual tem uma
dimensão comunicativa e interativa características da cibercultura (Lévy, 1999), que
corrobora para o processo de troca de saberes culinários ocorrer de forma mais
fluida.
Nas receitas veganas trazidas como exemplo, pode-se notar características
de um consumo politizado, aspecto que reverbera em receitas adaptadas e
construídas com embasamento nos valores ideológicos e simbólicos do grupo. A
cooperação, compartilhamento e socialização dos hábitos alimentares e de consumo
é pautada pelo respeito aos animais, estimulando a re(construção) de determinadas
receitas familiares, eliminando delas os ingredientes originários de animais.
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Neste contexto, a almôndega de abobrinha e a lasanha vegana são
adaptadas à forma de vida de um grupo que (re)inventa as formas de consumo, os
hábitos alimentares e as cozinhas veganas. A jaca fruta exótica e a proteína de soja,
que por outros grupos não são consideradas comida, são elevados ao status de
comida por substitutos do que é considerado comida. Na substituição, adaptação e
no processo de sua transformação em comida vegana, os alimentos são
reclassificados.
5 A CEREJA DO BOLO: CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente Trabalho de Conclusão de Curso propôs entender a constituição
dos saberes culinários veganos em um contexto em que os hábitos alimentares e o
consumo têm se expandido. Para tanto, como aporte interpretativo, realizou-se, a
etnografia nas modalidades online e off-line, com a análise de algumas receitas
veganas.
Assim, embora os hábitos alimentares veganos sejam caracterizados pela
seleção e escolha de alimentos que não contêm derivados animais e pelo consumo
pautado na ética, as receitas veganas estão calcadas no aprendizado social e nas
culturas alimentares dos grupos onívoros.
A compreensão desse fato pode ser evidenciada pela nomenclatura atribuída
às receitas veganas, a exemplo do “Pastel de carne de jaca”, “Feijão vegano”,
“Lasanha vegana”, entre outras. Entretanto, esse aspecto pode ser percebido como
um processo de práticas alimentares sem origem animal, pois, os interlocutores
desta pesquisa assumem que hábitos alimentares vegetarianos antecedem o
veganismo.
Nesta perspectiva, percebe-se que com o decorrer do tempo a necessidade
de associação com a carne nos hábitos alimentares veganos diminui. A “carne de
soja”, a “linguiça vegetal” e o “presunto vegano”, entre outros, seriam itens presentes
na transição entre onívoros e veganos.
Apesar disso, entende-se, que alguns veganos permanecem veganos por
terem essas possibilidades de comida associadas, em suas concepções, à carne de
origem animal. Porém, torna-se evidente que a combinação de ingredientes para a
elaboração de comidas que lembram a carne não é problema, uma vez que diminui
o consumo de carne de origem animal e fortalece o objetivo principal do ativismo
vegano: garantir aos animais o direito à vida.
Portanto, no grupo vegano, a soja é temperada e preparada até virar comida.
A jaca, fruta com característica doce, pode ser salgada. Ou seja, esses alimentos
transformados em comida, são ressignificados simbolicamente, representando e
constituindo a identidade do grupo vegano.
Ainda, no que se refere à constituição das receitas, percebe-se que há um
saber culinário adaptado à concepção de vida vegana. E nesse sentido, a
48
virtualização das receitas veganas possibilita a combinação de elementos e a troca
de saberes culinários. A interatividade entre os veganos proporcionada pela
cibercultura potencializa as práticas alimentares sem ingredientes de origem animal.
As imagens que acompanham as receitas incentivam o preparo dos pratos.
Compartilhar a fotografia de uma receita é tornar público o que se come, é pensar na
aparência do prato e ter orgulho do preparado daquela comida, contrapondo-se a
um estigma que remete a comida ruim. É, portanto, uma maneira de desconstruir a
ideia comumente disseminada de que o vegano só come alface, ou ainda, que se
alimenta mal pela não ingestão de carnes ou derivados destas.
Assim, a construção das receitas veganas é colaborativa, mas as cozinhas e
os temperos são distintos. Esses estão de acordo com a memória coletiva e
individual que compõem o aprendizado social e a cultura alimentar de cada vegano.
Dentro desse panorama, entende-se que o compartilhamento das fotografias
dos pratos, as constituições das receitas veganas nas dimensões online e off-line,
exteriorizam os significados simbólicos do grupo. Portanto, é também por meio das
receitas que o grupo vegano estabelece sua identidade. As receitas veganas são
uma forma de ativismo e abolição ao consumo dos animais.
REFERÊNCIAS
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ANEXO
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Anexo A
Figura 01. Receita: espaguete com proteína. https://www.facebook.com/groups/opcaoveganapelotas/?fref=ts
Figura 02. Receita: ensopado de legumes https://www.facebook.com/photo.php?fbid=271952833159206&set=gm.543304929182584&type=3&theater
Figura 03. Receita: pastel de refogadinho de berinjela. https://www.facebook.com/groups/opcaoveganapelotas/?fref=ts
Figura 04. Receita: almondegas de grão de bico https://www.facebook.com/photo.php?fbid=261764927511330&set=gm.535964823249928&type=3&theater
Figura 05. Receita: bolinho de abobrinha https://www.facebook.com/photo.php?fbid=264991750521981&set=gm.538174423028968&type=3&theater
Figura 06. Receita: panqueca. https://www.facebook.com/photo.php?fbid=262270480794108&set=gm.536287999884277&type=3&theater
Figura 07. Receita: arroz com proteína de soja e legumes https://www.facebook.com/photo.php?fbid=263333300687826&set=gm.536870186492725&type=3&theater
Figura 08. Receita: hambúrguer de grão de bico https://www.facebook.com/photo.php?fbid=261247614229728&set=p.261247614229728&type=3&theater
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