UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
NCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZNICOS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GESTO PBLICA
MESTRADO EM GESTO PBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO
HERONILDES MARQUES BARBOSA
O PROGRAMA BOLSA FAMLIA E DINMICA MIGRATRIA RURAL
URBANA: o caso do municpio de Bagre/Par
Belm, PA
2016
HERONILDES MARQUES BARBOSA
O PROGRAMA BOLSA FAMLIA E DINMICA MIGRATRIA RURAL
URBANA: o caso do municpio de Bagre/Par
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao
do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade
Federal do Par como Requisito para obteno do Ttulo
de Mestre em Gesto Pblica.
Orientadora: Prof. Dr. Simaia do Socorro Sales das
Mercs
rea de Concentrao: Gesto Pblica Municipal.
Belm, PA
2016
Dados Internacionais de Catalogao de Publicao (CIP)
Biblioteca do NAEA
Barbosa, Heronildes Marques
O programa bolsa famlia e dinmica migratria rural urbana: o caso do municpio de
Bagre/Par / Heronildes Marques Barbosa; Orientadora, Simaia do Socorro Sales das Mercs.
2016.
123 f.: il.; 29 cm.
Inclui bibliografias
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Par, Ncleo de Altos Estudos
Amaznicos, Programa de Ps-graduao em Gesto Pblica, Belm, 2016.
1. Poltica social Bagre (PA). 2. Pobreza. 3. Renda Distribuio - Bagre (PA). 4. Migrao. I. Mercs, Simaia, do Socorro Sales das, Orientadora. II. Ttulo
CDD 22 ed. 361.6098115
HERONILDES MARQUES BARBOSA
O PROGRAMA BOLSA FAMLIA E DINMICA MIGRATRIA RURAL
URBANA: o caso do municpio de Bagre/Par
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do
Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade Federal
do Par como Requisito para obteno do Ttulo de Mestre em
Gesto Pblica.
rea de Concentrao: Gesto Pblica Municipal.
Data de aprovao: ______/______/_________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Simaia do Socorro Sales das Mercs
Orientadora - NAEA/UFPA
Prof. Dr. Hisakhana P. Corbin
Examinador Interna - NAEA/UFPA
Pro. Dr. Marco Aurlio Arbage Lobo
Examinador Externo - UNAMA
Dedico este trabalho aos meus amados
Raimundo e Raimunda Marques (in
memoriam) que sempre me incentivaram.
A minha estrelinha Acsa Raphaela, luz da
minha vida e ao Elison que me ensina todos os
dias o significado do companheirismo.
AGRADECIMENTOS
Acredito que na vida nada acontece por acaso. Algumas pessoas que fazem parte do
nosso meio seja pessoal, profissional ou acadmico, tambm aparecem em nossa vida para
somar ao nosso crescimento. Por isso agradecer um gesto que deveria abraar ao universo
com atitude de gratido.
Em primeiro lugar, a gratido a Deus, o Senhor e detentor da minha vida, sem Ele
nada disso seria possvel.
A minha filha Acsa Raphaela, que enfrentou junto comigo a distncia, a ausncia e os
incontveis finais de semana dentro de casa.
A minha me, porto seguro, quando as coisas apertavam. A minha irm, que sempre
reconheceu minha capacidade intelectual, sempre me ajudou nos momentos mais difceis.
Ao meu namorido Elison Leite, que foi incansvel em me ajudar a vencer todos os
obstculos com companheirismo e amor.
Secretaria Municipal de Sade, meu local de trabalho, tanto a gesto quanto aos
colegas que compreenderam minha ausncia.
Secretaria de Assistncia e Promoo Social, principalmente, gestora do PBF
Erica Silva e ao responsvel pelo Cadnico, Silem Ephidio, por serem parceiros e me
fornecerem informaes quando precisei.
professora e Dr Simaia, pela orientao, por indicar o caminho. Aos professores,
Corbin e Marco Aurlio pelas contribuies dadas no exame de qualificao do projeto de
dissertao, pois, muitas das discusses incorporadas na dissertao foram frutos desse
momento.
Aos colegas da turma de mestrado em Gesto Pblica (turma de Breves) pelas trocas,
pelo incentivo ao conhecimento, pelo desejo de construir um produto que contribua com a
gesto local.
Ao NAEA pela iniciativa de levar uma extenso do Mestrado em Gesto Pblica para
a Regio do Maraj, tornando possvel o sonho de pesquisadores e possibilitando estudos com
uma temtica regional.
s famlias beneficirias do PBF em Bagre, pblico alvo da pesquisa que se
constituram como fonte de inspirao e busca constante de aprimoramento profissional.
Enfim, agradeo a todos aqueles que direta e indiretamente contriburam para que este
ideal de vida fosse concretizado.
Agir, eis a inteligncia verdadeira. Serei o que
quiser. Mas tenho que querer o que for. O xito
est em ter xito, e no em ter condies de xito.
Condies de palcio tem qualquer terra larga, mas
onde estar o palcio se no o fizerem ali?
(FERNANDO PESSOA)
RESUMO
O objetivo principal deste estudo de caso verificar se existe uma relao entre a
implementao do Programa Bolsa Famlia - PBF e a migrao da rea rural para a rea
urbana no municpio de Bagre, no Estado do Par. O PBF uma poltica pblica voltada para
a minimizao da misria, com enfoque intersetorial e mbito nacional, caracterizado pela
transferncia direta de renda para os beneficirios, que devem cumprir certas obrigaes
relacionadas educao e sade. O municpio de Bagre est localizado em uma das regies
menos desenvolvidas do estado do Par e sua populao fortemente dependente dos
programas governamentais de transferncia de renda. Em Bagre, o PBF atende a cerca de
90% das famlias inscritas no Cadnico, o registro do governo federal que contm a
identificao pessoal e as caractersticas socioeconmicas das famlias de baixa renda no
Brasil. Vrios aspectos do PBF foram analisados, mas poucos estudos referem-se aos efeitos
do programa em campos diferentes dos relacionados com seus objetivos explcitos. Apenas
duas referncias mais especficas ao impacto do PBF sobre os movimentos migratrios foram
encontradas na literatura. Este estudo foi realizado com uma abordagem mista, qualitativa e
quantitativa, adotando a estratgia explanatria sequencial. Uma pesquisa de campo foi
realizada em duas etapas. A primeira conduziu uma entrevista estruturada com uma amostra
aleatria de famlias beneficirias imigrantes que vivem na rea urbana do municpio que
viviam anteriormente em reas rurais. A seleo da amostra foi sistemtica e estratificada. A
segunda etapa realizou entrevistas semiestruturadas com famlias selecionadas da mesma
amostra. A pesquisa identificou o perfil dos beneficirios imigrantes, as razes da migrao e
sua percepo das condies de vida na rea urbana. O estudo conclui que o PBF promoveu
em Bagre o acesso de uma parcela significativa da populao a um rendimento mnimo e
servios bsicos, que so os objetivos explcitos do programa. Alm disso, o movimento
migratrio da rea rural para a urbana aumentou devido implementao do PBF. Isso foi
causado pela expectativa de garantia de renda e incorporao no mercado de trabalho urbano
levantado entre os beneficirios, o que lhes permitiu satisfazer seu desejo de migrar existente
antes de entrar no programa ou decorrente da necessidade de atender aos requisitos impostos
pelas obrigaes do programa. Embora na percepo dos imigrantes beneficirios do PBF a
mudana de residncia para as reas urbanas tenha conduzido a uma melhoria nas suas
condies de vida, as condies de habitao e infraestrutura ainda so muito precrias, o que
coloca novos desafios para a gesto local.
Palavras-Chave: Programa Bolsa Famlia. Migrao Rural Urbana. Municpio de Bagre.
ABSTRACT
The main objective of this case study is to verify if there is a relationship between the implementation
of the Bolsa Famlia Program (PBF) and the migration from rural to urban areas in the municipality of
Bagre, Par State, Brazil. The PSF is a public policy aimed at minimizing misery, having an
intersectoral focus and national scope, characterized by direct income transfer to the beneficiaries, who
must fulfill certain obligations related to education and health. The municipality is located in one of
the less developed regions of Par state, and its population is heavily dependent on government
income transfer programs. In Bagre, the PBF serves about 90% of families enrolled in the Cadnico,
the federal government register containing personal identification and socio economic features of low-
income families in Brazil. Several aspects of the PBF have been analyzed, but few studies refer to the
effects of the program in fields other than those related to its explicit objectives. Only two more
specific references to the impact of PBF on migration movements were found in the literature. This
study was carried out with a mixed, qualitative and quantitative approach, adopting the sequential
explanatory strategy. A field research was carried out in two stages. The first one conducted a
structured interview with a random sample of immigrant beneficiary families living in the urban area
of the municipality who previously lived in rural areas. The sample selection was systematic and
stratified. The second stage conducted semi-structured interviews with selected families from the same
sample. The research has identified the profile of the immigrant beneficiaries, the reasons for
migration and their perception of living conditions in the urban area. The study concludes that the PBF
promoted in Bagre the access of a significant portion of the population to a minimum income and
basic services, which are the explicit objectives of the program. Furthermore, the migratory movement
from rural to urban areas has increased due to the implementation of PBF. This was caused by the
expectation of income guarantee and incorporation into the urban labor market raised among the
beneficiaries, which has allowed them to meet their desire to migrate existing before entering the
program or arising from the need to meet the requirements imposed by the obligations of the program.
Although in the perception of the immigrant beneficiaries of the BFM the change of residence to urban
areas has led to improvements in their living conditions, the housing and infrastructure conditions are
still very precarious, which poses new challenges to the local management.
Key Words: Family Income Program. Rural to Urban Migration. Municipality of Bagre.
LISTA DE ILUSTRAES
Mapa 1- Localizao geogrfica do municpio de Bagre-
Par..............................
16
Imagem 1- Participao das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia
no total de famlias cadastradas do Cadnico, segundo Regio de
Integrao do Par, 2014........................................................................ 20
Quadro 1- Benefcios, valores e pblico alvo do Programa Bolsa Famlia............ 53
Quadro 2- Estratgia baseada na avaliao dos dados............................................ 66
Quadro 3- Classificao da amostra por perodo de migrao ............................... 70
Quadro 4- Oferta de servios no meio rural na percepo dos beneficirios do
PBF migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ............................. 82
Quadro 5- Trechos das entrevistas com beneficirios PBF, migrantes rural-
urbano ................................................................................................... 83
Quadro 6- Percepo dos beneficirios sobre as condies de vida aps a
insero no PBF e a migrao para rea urbana .................................. 84
Mapa 2- rea urbana do municpio de Bagre-Par............................................. 97
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Evoluo do nmero de famlias cadastradas no Cadnico e
beneficirias pelo Programa Bolsa Famlia (em mil), Bagre (Par),
2009 2016....................................................................................... 75
Grfico 2 - Idade dos responsveis pelas famlias beneficirias do PBF,
migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ................................... 79
Grfico 3 - Escolaridade do titular do benefcio do PBF, migrantes da rea
rural para a urbana, Bagre ............................................................... 80
Grfico 4 - Motivos para migrao dos beneficirios do PBF da rea rural
para a urbana, Bagre ......................................................................... 80
Grfico 5 - Situao de ocupao beneficirios PBF, migrantes rural - urbano
Bagre/Pa......................................................................................... 86
Grfico 6- Valores dos benefcios recebidos pelos beneficirios do PBF,
migrantes rural - urbano, Bagre ....................................................... 89
Grfico 7 - Aplicao dos recursos financeiros recebidos pelos beneficirios
do PBF, migrantes da rea rural para urbana, Bagre ....................... 90
Grfico 8 - Relao de bens durveis possudos pelos beneficirios do PBF,
migrantes da rea rural para urbana, Bagre ...................................... 91
Grfico 9 - Participao dos beneficirios do PBF migrantes da rea rural para
a urbana em atividades da assistncia social, Bagre ........................ 93
Grfico 10 - Participao dos migrantes rural - urbano em atividades
relacionadas ao PBF ........................................................................ 95
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Populao residente no municpio de Bagre por situao de domiclio
no perodo de 1970 a 2010...................................................................... 17
Tabela 2- Taxa mdia geomtrica anual total decrescimento da populao no
municpio de Bagre, 1970-2010.............................................................. 17
Tabela 3- Populao residente no municpio de Bagre, por faixa etria,
(2010).......................................................................................................
18
Tabela 4- Famlias atendidas e valor total empregado no PBF, no Estado do Par
e municpio de Bagre 2009 a 2015...................................................... 56
Tabela 5- Acompanhamento das Condicionalidades Sade e Educao, Bagre
(Par)........................................................................................................ 76
Tabela 6 - Perfil das famlias inscritas no Cadastro nico em Bagre Par,
agosto 2016 ............................................................................................ 76
Tabela 7 - Estimativa de famlias beneficirias....................................................... 77
Tabela 8 - Motivos para migrao dos beneficirios do PBF da rea rural para a
urbana, Bagre por perodo em que ocorreu a migrao ......................... 81
Tabela 9 - Distribuio das mudanas apontadas pelos beneficirios
entrevistados........................................................................................ 85
Tabela 10 - Renda familiar dos beneficirios do PBF, migrantes rural urbano,
antes da insero no programa ............................................................... 88
Tabela 11 - Renda familiar dos beneficirios do PBF, migrantes rural urbano,
Bagre, baseado no salrio mnimo ano 2015 ......................................... 88
Tabela 12 Portadores de condies especiais na rea da sade entre os
beneficirios PBF Bagre/Pa,................................................................ 92
Tabela 13 Infraestrutura de saneamento e de energia eltrica disponveis nos
domiclios dos beneficirios do PBF migrantes da rea rural para a
urbana , Bagre-Pa ................................................................................. 99
Tabela 14 Condio de habitao relatada pelos beneficirios do PBF migrantes
da rea rural para a urbana, Bagre .......................................................... 99
Tabela 15 Material de construo utilizado nos domiclios dos beneficirios do
PBF migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ................................. 99
Tabela 16 Nmero de banheiros nos domiclios dos beneficirios do PBF
migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ......................................... 100
Tabela 17 Nmero de moradores por dormitrio nos domiclios dos beneficirios
do PBF migrantes da rea rural para a urbana, Bagre ............................ 101
LISTA DE ABREVIATURAS
ACS Agentes Comunitrios de Sade
BPC Benefcio de Prestao Continuada
CADNICO Cadastro nico de Programas Sociais do Governo Federal
CMAS Conselho Municipal de Assistncia Social
CNAS Conselho Nacional de Assistncia Social
CNSS Conselho Nacional de Servio Social
CRAS Centro de Referncia em Assistncia Social
EXCEL
ESF
Programa de computador, Pacote Office
Equipe Sade da Famlia
FAPESPA Fundao Amaznia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Par
FNAS Fundo Nacional de Assistncia Social
IAPs Institutos de Aposentadorias e Penses
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDHM ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
IGD ndice de Gesto Descentralizada
IGD-M ndice de Gesto Descentralizada Municipal
IPS ndice de Progresso Social
LBA Legio Brasileira de Assistncia
LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social
IEM ndice de Eficcia Migratria
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
IPS ndice Progresso Social
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social
ONU Organizao das Naes Unidas
PLHIS Planos Locais de Habitao de Interesse Social
PARFOR Plano Nacional de Formao de Professores
PBF Programa Bolsa Famlia
PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil
PNADs Pesquisa Nacional de Amostragem de Domiclios
POF Pesquisa de Oramentos Familiares
PNAS Poltica Nacional de Assistncia Social
PP Pontos Percentuais
PSF Programa Sade da Famlia
RI Regio de Integrao
SECULT Secretaria de Cultura
SEMAD Secretaria Municipal de Administrao
SEMAPS Secretaria de Assistncia e Promoo Social
SEMSA Secretria Municipal de Sade
SENARC Secretaria Nacional de Renda de Cidadania
SICON Sistema de Gesto de Condicionalidades do Programa Bolsa Famlia
SINASC Sistema de Informaes sobre Nascidos Vivos
SUAS Sistema nico de Assistncia Social
TAC Taxa de Atualizao Cadastral
TAFE Taxa de Acompanhamento de Frequncia Escolar
TCQC Taxa de Cobertura Qualificada de Cadastros
UC Unidades de Contexto
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UR Unidades de Registro
SUMRIO
1 INTRODUO................................................................................................ 15
2 FATORES DE MIGRAO E TENDNCIAS NO
BRASIL.............................................................................................................
26
2.1 A sada da terra de ningum para uma teoria da migrao.................. 26
2.2 Fatores de anlise para compreenso do movimento
migratrio..........................................................................................................
35
2.2.1 Seletividade........................................................................................................ 35
2.2.2 Determinantes..................................................................................................... 36
2.2.3 Consequncias.................................................................................................... 38
2.3 Tendncias da mobilidade demogrfica no
Brasil.................................................................................................................
40
2.4 A migrao no Par.......................................................................................... 43
3 UMA ESTRATGIA POLTICA DE ENFRENTAMENTO
POBREZA NO BRASIL - O PROGRAMA BOLSA FAMLIA................ 47
3.1 A poltica de proteo social no Brasil............................................................ 47
3.2 O Programa Bolsa Famlia: natureza, peculiaridades e resultados
gerais...............................................................................................................
50
3.3 Os efeitos do programa Bolsa Famlia sobre a pobreza e
desigualdade........
57
4 METODOLOGIA............................................................................................. 63
4.1 Universo e amostra da pesquisa de campo..................................................... 69
4.2 Pesquisa piloto................................................................................................... 70
4.3 Instrumentos de pesquisa................................................................................. 71
4.4 A coleta de dados.............................................................................................. 72
4.5 Procedimentos de anlise................................................................................. 73
5 PROGRAMA BOLSA FAMLIA EM BAGRE: CARACTERIZAO,
EFEITOS NA DINMICA MIGRATRIA RURAL URBANA E
CONDIES DE VIDA DOS BENEFICIRIOS
MIGRANTES.................................................................................................... 74
5.1 Caractersticas do PBF no municpio de Bagre-Pa....................................... 74
5.2 Migrao rural urbana perfil socioeconmico dos beneficirios do PBF
migrantes .......................................................................................................... 78
5.3 Migrao rural urbana dos beneficirios do Programa Bolsa Famlia:
motivos e expectativas...................................................................................... 80
5.4 Condies de vida na rea urbana de Bagre dos beneficirios do PBF
migrantes da rea rural .................................................................................. 86
6 CONSIDERAES FINAIS .......................................................................... 102
REFERNCIAS................................................................................................ 106
APNDICES..................................................................................................... 115
15
1 INTRODUO
A migrao populacional de reas rurais para rea urbana um fenmeno que provoca
mudanas na estrutura da cidade, gerando novas demandas a serem atendidas pelo Estado, em
especial as administraes municipais. No Brasil, essa populao tende a se concentrar em
reas especficas do territrio urbano, geralmente sem infraestrutura, e isso aprofunda as
desigualdades socioespaciais, alijando os migrantes do acesso a bens e servios e exigindo da
gesto pblica focalizao das polticas e execuo de projetos voltados a determinados
territrios.
A literatura sobre migrao aponta fatores como crise econmica, desemprego, baixa
oferta de servios no meio rural, como fundamentais na deciso de migrao pela populao
mais pobre. Na sociedade brasileira atual, a grande maioria da populao, especialmente os
setores condenados excluso social, deixam sua terra e sua gente, no por um ato livre, mas
por motivos de vida ou morte (GONALVES, 2001, p. 174). Nesse contexto de distribuio
desigual entre recursos e necessidades, fundamental o conhecimento da populao no de
modo homogneo, padronizado, e, sim de maneira especfica localizando a histria, fazendo o
levantamento de problemas e planejando de maneira a minimizar positivamente a esses
problemas.
Estudos demonstram que a migrao interna brasileira explicada principalmente
pelas desigualdades econmicas, sociais e regionais, historicamente existentes no pas
(HOLANDA FILHO, 1989; JUSTO, 2006) e geralmente envolve pessoas deixando reas
mais pobres e migrando para reas com mais oportunidades socioeconmicas. No entanto,
como o movimento migratrio dinmico, o fluxo brasileiro de migrao interna vem
apresentando algumas mudanas com muito menos pessoas que abandonam reas mais pobres
e uma forte presena de migrao de retorno a essas regies, conforme descrito por Baeninger
(2012, p. 96):
As migraes no sculo 21 redefinem seus polos, configurando mais reas de
reteno da migrao do que reas com uma tendncia polarizada de longa
permanncia, como foi o caso do Sudeste nos ltimos cinquenta anos. Essas
modificaes so resultados de inmeras transformaes ocorridas no cenrio
econmico internacional e nacional, que trouxeram efeitos em termos polticos e
econmicos. Tais mudanas exercem efeitos sobre a deciso de migrar, e num
contexto mais atual, sobre a deciso de permanecer ou no na Regio /Estado para
qual migrou em tempos passados.
Nesse contexto, torna-se cada vez mais complexo o entendimento das migraes
internas que ocorrem no espao brasileiro no sculo 21 e para melhor entendimento do
16
fenmeno necessrio que se analise casos de redistribuio espacial da populao nos
variados contextos regionais, pois, temos grandes disparidades em nosso pas e um fenmeno
que se observa no Sul no necessariamente se replica no Norte.
Os movimentos migratrios ocorrem e podem ser observados relativamente a diversos
recortes espaciais, envolvendo pases, regies, estados, municpios e reas urbanas e rurais.
Neste trabalho estuda-se a migrao rural urbana no municpio de Bagre, localizado ao norte
do estado do Par e integra a mesorregio do Maraj, microrregio de Portel, com rea de
8.914 Km2 e densidade demogrfica de 5,43 hab/km. Seus limites geogrficos so: ao Norte
Rio Par; Sul: Tucuru; Leste: Oeiras do Par e Baio; Oeste: Portel; Noroeste: Melgao
(Mapa 1). A sede do municpio est localizada na ilha de Bagre, na margem esquerda subindo
o Rio Par, distante da capital do estado (Belm) cerca de 200 Km, em linha reta.
Mapa 1- Localizao geogrfica do municpio de Bagre-Par
Fonte: LAENA (2016).
Bagre um municpio que tem sua histria entrelaada com as dos municpios de
Oeiras, Portel e Curralinho. Desconhece-se precisamente a origem histrica do municpio de
Bagre, sabe-se, porm, que suas terras pertenciam ao municpio de Oeiras, quando o povoado
17
que se desenvolveu em torno de uma capela foi reconhecido pela lei n 934, de 31 de julho de
1879. Em 28 de outubro de 1887, atravs da lei n 1.306, foi elevado categoria de freguesia.
Em 28 de outubro de 1890, cria-se o municpio de Bagre atravs do Decreto n 210,
desmembrando-o de Oeiras. Posteriormente, perde sua autonomia recuperando-a somente em
29 de dezembro de 1961, atravs da lei n 2.460. (TAVARES, 2008).
No municpio de Bagre, pelo menos desde 1970, a populao residente na rea urbana
tem crescido a altas taxas anuais, inclusive no intervalo 1991-2000, em que a populao total
decresceu, e, no perodo 2000-2010, essa dinmica tornou-se ainda mais acentuada,
resultando, nas ltimas dcadas, no aumento de sua participao em relao populao total.
(Tabelas 1 e 2).
Tabela 1- Populao residente no municpio de Bagre por situao de domiclio no perodo de 1970 a 2010
Populao Residente Situao de Domicilio Ano
Habitantes
1970 1980 1991 2000 2010
Total 4.405 8.304 13.844 13.708 23.864
Urbana 708 1.443 2.140 4.395 10.661
Rural 3.697 6.862 11.704 9.313 13.203
Percentual
Total 100% 100% 100% 100% 100%
Urbana 16,07 17,37 15,46 32,06 44,67
Rural 83,93 82,63 84,54 67,94 55,33
Fonte: IBGE (2010a), adaptado pela autora.
Tabela 2- Taxa mdia geomtrica anual total decrescimento da populao no municpio de Bagre, 1970-2010 1970 a 1980 1980 a 1991 1991 a 2000 2000 a 2010
Total 6,5 4,8 -0,1 5,7
Urbana 7,4 3,6 7,5 9,3
Rural 6,4 5,0 -2,3 3,6
Fonte: Autora, com base IBGE (2010a)
A avaliao do crescimento populacional de um territrio pode ser feita atravs da
anlise das variveis demogrficas: fecundidade, mortalidade e migrao. Quanto varivel
fecundidade no perodo 2008-2015 houve um decrscimo no que se refere taxa de
natalidade do municpio passando de 25,13 a 18,21, respectivamente (SINASC; SEMSA,
2015). Em 2010, contaram-se 738 habitantes de Bagre que haviam imigrado para o municpio
no perodo 31/07/2000 a 31/07/2010 (IBGE, 2010b). Isso indica que a migrao rural - urbana
interna ao municpio a responsvel pelo aumento da populao urbana.
A populao do municpio composta em sua maioria por crianas e jovens (Tabela
3), que constituem um grande contingente de dependentes no aspecto econmico.
18
Tabela 3 - Populao residente no municpio de Bagre, por faixa etria, (2010)
Faixa
etria
0 a 4
anos
5 a 9
anos
10 a
14
anos
15 a
19
anos
20 a
24
anos
25 a
29
anos
30 a
39
anos
40 a
49
anos
50 a
59
anos
60 a
69
anos
70
anos a
mais
Habitantes 3.364 3.396 3.496 2.859 2.261 2.017 2.849 1.541 975 686 420
Percentual 14% 14,2% 15% 12% 9,4% 8,4% 12% 6,4% 4% 3% 2%
Fonte: IBGE (2010c).
As atividades econmicas presentes no municpio esto relacionadas ao extrativismo
vegetal com base no comrcio de madeiras e palmito, na agricultura de subsistncia e na
pesca. Nessas atividades est envolvida grande parte da populao, com um nvel de renda
estimada ao salrio mnimo. Tendo um nmero considerado de pessoas economicamente
ativas, desempregadas e sobrevivendo de atividades informais e programas sociais de
transferncia de renda. (FAPESPA, 2015a).
Ao longo dos anos, o modelo extrativista degradou parte da reserva natural do
municpio. A extrao de madeiras e palmito so os principais responsveis por esse
panorama. J existe no municpio rea de reflorestamento do aa nativo, entretanto, ainda
insuficiente para o abastecimento local, prevalecendo cultura da extrao.
Outra fonte de renda da populao so os empregos pblicos, cuja quantidade
aumentou a partir da municipalizao da sade e da educao, gerenciadas pelo poder pblico
municipal, que se constitui no maior empregador do municpio. (SEMAD, 2015).
Bagre localiza-se em regio onde historicamente se encontram os piores indicadores
sociais e econmicos do estado do Par (FAPESPA, 2015b), com muitos problemas sociais e
grande dependncia de polticas pblicas dirigidas proviso de servios bsicos, como sade
e educao, e de programas estatais de transferncia de renda.
Os servios bsicos so concentrados na rea urbana do municpio, o que representa
uma dificuldade adicional para a populao rural, que depende do deslocamento sede
municipal para acess-los. O acesso rea urbana se d em sua maioria atravs de transportes
como: barcos, rabetas, rabudos. Existem comunidades rurais ao longo do Rio Jacund, como a
comunidade de Balieiro que, dependendo do perodo de seca do rio, fica isolada da sede do
municpio, s sendo possvel o acesso atravs de motos, por grandes trechos dentro da mata e,
depois, por barco. Essa localidade fica a 28 horas de viagem de barco da sede do municpio.
O cenrio que se apresenta nas comunidades rurais de Bagre a inexistncia de
equipamentos que atendam necessidade de servios bsicos: na rea da sade no existem
Unidades Bsicas para atendimento de vacinas, acompanhamento pr-natal e vigilncia
nutricional. Na rea de educao, no existem escolas de nvel mdio; quanto poltica de
19
assistncia social, somente na rea urbana existem equipamentos que garantem o atendimento
dos usurios dessa poltica.
Como antes mencionado, a atividade econmica restrita e o nvel de pobreza
observado em Bagre tornam o municpio altamente dependente de programas de transferncia
de renda, tais como o Programa de Transferncia de Renda Bolsa Famlia (PBF).
O PBF um programa que surgiu na reformulao da politica social no Brasil que
objetiva a erradicao dos nveis mais basais de pobreza a fome. O reconhecimento da
alimentao como um direito inalienvel do ser humano uma luta antiga em nosso pas e no
mundo. Diversos organismos internacionais, tais como a Organizao das Naes Unidas
(ONU), entendem que o acesso a alimentos de qualidade condio bsica para a
sobrevivncia dos seres humanos. Alm do acesso alimentao, renda, a qualidade de vida
das famlias depende de outras dimenses. Entre as quais, o acesso a servios pblicos
fundamentais, como saneamento bsico, sade, educao. Infelizmente, como, muitas vezes, a
cobertura destes servios est longe de ser universal, a falta de acesso a eles, alm de
comprometer o bem-estar da populao, pode atuar tanto como causa quanto como
consequncia da pobreza.
No sentido de contribuir para a minimizao desse quadro, o governo federal criou o
PBF em 2004, que visa a diminuio da pobreza atual e intergeracional, atravs da exigncia
de cumprimento de condicionalidades relativas sade, educao e assistncia social.
Atualmente, no Brasil, contam-se 13.840.98 famlias beneficiadas pelo programa. No estado
do Par, so 890.127 famlias beneficiadas e no municpio de Bagre, 2.868 famlias
(FAPESPA, 2016). Pode-se estimar a relevncia desse programa para o Par e a regio em
que Bagre est localizado, observando a participao das famlias beneficiadas no total das
cadastradas no Cadnico (Imagem 1). O Cadnico o sistema utilizado pelo governo para a
implementao de programas sociais e oferece uma aproximao magnitude da pobreza no
pas. O municpio de Bagre est localizado na regio do Maraj, que concentra 57% da
pobreza do estado do Par (FAPESPA, 2015c).
20
Imagem 1- Participao das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia no total de famlias cadastradas do Cadnico, segundo Regio de Integrao do Par, 2014
Fonte: FAPESPA (2015a).
21
De acordo com a Imagem 1, o PBF beneficiou mais de 60% das famlias inscritas no
Cadnico no ano de 2014 na maioria das regies do estado, ficando abaixo dessa cobertura
em apenas quatro delas. Dentre as regies que tiveram uma maior participao de famlias
beneficiadas com o PBF, destaque para a regio do Maraj, na qual 74,4% das famlias
cadastradas no Cadnico receberam o benefcio. No entanto, mesmo sendo a regio com
maior concentrao de famlias em situao de pobreza no estado do Par, a taxa de acesso
dessas famlias ao PBF e de acesso ao cadastro no Cadnico inferior proporo de
famlias pobres, justificando as dificuldades de acessibilidade da populao rural a servios de
cadastramento da assistncia social. (FAPESPA, 2015a). Na regio Maraj, Bagre um dos
municpios com os piores indicadores sociais, com um ndice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) 2010 de 0,471, e um ndice de Progresso Social (IPS) 50,72, com uma
estimativa de famlias pobres de 2.927 segundo Censo (2010). Nesse contexto o PBF
representa uma cobertura de 97,8% da estimativa de famlias pobres do municpio.
A desigualdade na distribuio de renda e a concentrao de pobreza tambm se
expressam em diferenas regionais no territrio brasileiro. Estudos indicam que tanto a
pobreza quanto a extrema pobreza so cada vez mais problemas tpicos dos municpios do
interior das regies Norte e Nordeste, que se configuram, portanto, reas prioritrias para
intervenes pblicas.
O PBF uma poltica de abrangncia nacional e seu desenho no o caracteriza como
poltica espacial. No entanto, estudos demostram que se configura como uma poltica que tem
papel importante na reduo da desigualdade entre as regies do pas e, por isso, poderia
influenciar nos movimentos espaciais dos indivduos (SILVEIRA; AZZONI, 2007; PIRES;
LONGO, 2008).
O impacto do PBF em mbito regional e espacial tem sido pouco estudado. Foram
encontradas na literatura duas referncias mais especficas: Pereira (2011) e Silveira Neto
(2008).
O estudo de Pereira (2011) uma anlise descritiva na qual foi analisada, para os
municpios do estado da Bahia, a relao dos programas de transferncia de renda com a
economia e com a migrao. A autora concluiu que a relao entre as transferncias e o PIB
so mais significativas para os pequenos e mdios municpios, sendo que, quando essa relao
envolve o PBF, mais significativa para os pequenos municpios. Concluiu tambm que os
programas de transferncia de renda podem influenciar nos fluxos migratrios, favorecendo o
deslocamento, dentro da mesma regio, das famlias com renda per capita at salrio
mnimo.
22
O estudo de Silveira Neto (2008) utilizou suplemento dos micro dados da PNAD de
2004 para analisar as evidncias a respeito do impacto das transferncias de renda do PBF
sobre a migrao inter-regional brasileira, com as seguintes concluses: o PBF afeta
negativamente o fluxo migratrio interno brasileiro e parece no afetar o retorno dos
indivduos emigrados.
No trabalho de acompanhamento das famlias em situao de vulnerabilidade social no
municpio de Bagre realizado no Centro de Referncia em Assistncia Social (CRAS),
percebeu-se que o deslocamento das famlias assistidas da rea rural para a urbana um
movimento recorrente. Outro meio de observao desse deslocamento o recadastramento
anual do PBF e seus desdobramentos atravs do acompanhamento das condicionalidades de
sade e educao. No municpio de Bagre, os beneficirios so acompanhados pelos
estabelecimentos de sade, na zona urbana e atravs do trabalho dos Agentes Comunitrios de
Sade (ACS), na zona rural. Esse acompanhamento monitorado por programas especficos:
de atualizao cadastral, o Cadnico; e de acompanhamento de sade, o SISVAN. Foi
possvel observar nesses sistemas que os beneficirios alteraram o local de endereo a cada
recadastramento, sendo que muitos que tinham endereo na zona rural, nos ltimos 10 anos,
alteraram para endereo na rea urbana. Isso tambm se observa atravs dos relatrios dos
ACS da rea rural, que costumeiramente perdem famlias em seu acompanhamento, por
causa do deslocamento destas para rea urbana.
Esse movimento requer aes pblicas no sentido de dotar a cidade das condies para
receber o novo contingente populacional. Nesse sentido, planejar polticas sociais que venham
a atender eficazmente as demandas implica a necessidade de conhecer o perfil e as
expectativas da populao migrante, bem como os fatores que influenciaram a migrao.
As observaes que emergiram da experincia profissional e a identificao de poucos
estudos especficos acerca dos efeitos do PBF sobre o territrio conduziram realizao deste
trabalho, com o objetivo principal de verificar se existe relao entre o PBF e a migrao da
rea rural para rea urbana no municpio de Bagre. Nesse sentido, este estudo busca responder
s seguintes questes especficas:
a) Quais os principais fatores que motivaram a migrao dos beneficirios do
PBF das reas rurais para reas urbanas no municpio de Bagre?
b) Se o PBF tem influncia na migrao rural-urbana no municpio de Bagre,
como se d essa influncia?
23
c) Havia, para a populao beneficiria do PBF, anteriormente obteno do
benefcio, o desejo de migrar das reas rurais para reas urbanas no municpio, cuja efetivao
no era possvel at a incluso no PBF?
d) O PBF tem criado as condies concretas que possibilitam a efetivao do
desejo de migrar das reas rurais para reas urbanas no municpio de Bagre? Se positivo,
quais essas condies?
e) Houve melhoria na qualidade de vida dos beneficirios migrantes, e se
positivo, quais so as melhorias observadas aps a mudana da rea rural para urbana.
As hipteses que nortearam a pesquisa so:
a) Acesso educao, sade, emprego e fuga da misria so as principais
motivaes que levam os migrantes da zona rural para a zona urbana;
b) As exigncias (condicionalidades) do PBF induzem a migrao, dado que as
condies concretas para seu atendimento, como rede escolar e de sade, se concentram nas
reas urbanas do municpio;
c) Havia o desejo de migrar da rea rural para a urbana que no era possvel at a
incluso das famlias migrantes no PBF e foram viabilizadas pela concesso do
benefcio;
d) A ausncia de renda fixa, que dificultava ou impedia a migrao rural-urbana
dos beneficirios do PBF que a desejavam, deixou de existir quando as
famlias passaram a contar com a renda fixa proporcionada pelo programa; e
e) A mudana para a rea urbana proporcionou acesso a servios e a emprego que
no esto disponveis na rea rural.
O estudo foi realizado sob a abordagem mista, integrando as perspectivas:
quantitativa, que privilegia os aspectos quantificveis da coleta e anlise dos dados atravs da
utilizao de procedimentos estatsticos, e qualitativa, que analisa sem numerar ou medir
categorias homogneas (RICHARDSON, 1999).
O mtodo da investigao o estudo de caso que, segundo Yin (2011), uma
estratgia metodolgica para a pesquisa em cincias humanas, pois permite ao investigador o
aprofundamento em relao ao fenmeno estudado, revelando nuances difceis de serem
enxergadas de outra forma. Alm disso, o estudo de caso favorece uma viso holstica sobre
os acontecimentos da vida real, destacando-se seu carter de investigao emprica de
fenmenos contemporneos.
24
Como a natureza das questes da pesquisa exigem que se compartilhe uma
combinao de tcnicas e mtodos, utilizou-se a pesquisa de mtodos mistos esses
procedimentos se desenvolveram em resposta necessidade de esclarecer o objetivo de reunir
dados quantitativos e qualitativos em um nico estudo (CRESWELL, 2007, p. 211).
Neste estudo a estratgia de pesquisa escolhida foi a explanatria sequencial, descrita
por Creswell (2007) como estratgia que trata as fases de implementao da coleta de dados
de forma sequencial (primeira fase, segunda fase), com prioridade igual aos dados
quantitativos e qualitativos, sendo que a integrao destes ocorre no processo de anlise,
numa perspectiva terica explcita.
Os procedimentos metodolgicos adotados foram: a) reviso bibliogrfica acerca dos
temas migrao, poltica social no Brasil, programas de transferncia de renda, histria do
municpio de Bagre; b) pesquisa documental, que permitiu coletar dados sociais sobre o
municpio e dados referentes ao PBF; e c) pesquisa de campo, realizada conforme detalhado
no captulo quatro desta dissertao.
A dissertao est estruturada em cinco captulos. No captulo dois busca-se
compreender o fenmeno migrao, desde a dificuldade de sua conceituao, as abordagens
explicativas e as motivaes expressas na literatura que explicam o desejo de migrar, bem
como apreender os aspectos gerais da migrao, incluindo as tendncias da mobilidade, no
Brasil, no Par e no Maraj. O terceiro captulo aborda o percurso da poltica de proteo
social no Brasil, descreve o PBF e apresenta as anlises identificadas sobre sua relao com a
pobreza e a desigualdade social. No captulo quatro, expe-se detalhadamente a metodologia
adotada na pesquisa. O quinto captulo contm o histrico, dados do PBF em Bagre,
apresentao e discusso dos resultados da pesquisa e suas concluses. Nas consideraes
finais so retomadas as principais constataes do estudo e apresentadas sugestes para a
gesto pblica municipal, relativas a aes com o fim de favorecer o alcance dos objetivos
mais amplos do PBF.
Os resultados do trabalho permitem inferir que o PBF, poltica pblica inscrita no
campo da assistncia social com intersetorialidade com as polticas de educao e sade,
promove em Bagre o acesso de parcela importante da populao a uma renda mnima e aos
servios bsicos, que so os objetivos explcitos do programa. Para alm disso, tem efeitos
sobre o movimento migratrio no sentido rural urbano, internamente ao municpio,
incrementando-o. Tais efeitos decorrem da expectativa de garantia de renda e incorporao ao
mercado de trabalho urbano suscitada entre os beneficirios, que lhes permite atender a desejo
de migrar existente antes da insero no programa ou surgido da necessidade de cumprir as
25
exigncias colocadas pelas condicionalidades do programa. Embora na percepo dos
beneficirios do PBF migrantes a mudana para rea urbana tenha propiciado melhoria de
condies de vida, as informaes relativas habitao e infraestrutura evidenciam ainda
grande precariedade. Assim, o PBF tem implicaes no aprofundamento dos problemas
urbanos que colocam novas demandas para a gesto local.
26
2 FATORES DE MIGRAO E TENDNCIAS NO BRASIL
2.1A sada da terra de ningum _ para uma teoria da migrao
A migrao processo complexo em suas caractersticas, mensurao, causas e
efeitos. Nos ltimos tempos uma literatura abundante tem focalizado as mltiplas dimenses
da migrao e os resultados desses estudos evidenciam a dificuldade de construo de uma
teoria geral para medir, explicar e prever o fenmeno migrao. Muito embora haja um
grande nmero de teorias sobre migrao, h pouca intercomunicao entre elas. Massey
(1990) ressalta que esta fragmentao seria o resultado da divergncia entre os estudiosos do
tema em relao a quatro dimenses bsicas.
A primeira dimenso do conflito seria se o tema deve ser estudado de forma
sincrnica ou em uma perspectiva histrica diacrnica. A segunda dimenso seria em
relao ao lcus da ao de migrar. A questo que se coloca se a migrao seria mais bem
compreendida a partir de uma anlise estrutural ou no mbito do indivduo. A terceira
dimenso diz respeito ao nvel de anlise indivduo, domiclio, comunidade, regio
geogrfica, ou outra dimenso. Por ltimo, ter-se-ia o impasse em relao nfase colocada
nas causas ou nos efeitos da migrao. O resultado desta fragmentao, segundo Massey
(1990, p. 4), que o nosso conhecimento terico sobre a migrao incompleto e incorreto,
fornecendo bases fracas para pesquisa e polticas pblicas. O autor ressalta a importncia de
se elaborar uma teoria sobre as migraes que incorporasse, simultaneamente, vrios nveis de
anlise dentro de uma perspectiva processual.
Estudo de Barbieri (2007) demonstra uma divergncia sobre mobilidade populacional
e a clara definio do termo migrao, enquanto mudana de residncia que a diferencie de
outras formas de mobilidade temporria. O que caracteriza os estudos a grande
heterogeneidade de enfoques, que fazem a opo por linhas conceituais distintas entre si,
principalmente quanto ao fato do fenmeno tratar-se de migrao ou de mobilidade espacial
de uma populao. Por isso encontramos inmeras definies de migrao, como sintetizado a
seguir.
Migrao como fenmeno demogrfico consideraria o crescimento populacional
independente da escala espacial, ou seja, qualquer entrada e sada de pessoas de uma
localidade em um perodo de tempo considerado deveriam ser caracterizadas como migrao.
Do ponto de vista demogrfico, o que interessa saber como a populao de determinado
territrio foi modificada ao longo do tempo pela movimentao de pessoas que poderiam
27
contribuir para aumentar ou diminuir o contingente populacional do mesmo e alterar sua
composio. (CUNHA, 2012).
Define-se migrao de uma maneira geral como uma mudana permanente ou
semipermanente de residncia, no colocando limitaes quanto: distncia do deslocamento,
natureza voluntria ou involuntria do ato, como no se estabelece distino entre migrao
interna e externa. (LEE, 1980).
A migrao um fenmeno reflexo, isto , uma manifestao de processos e
transformaes sociais e econmicas profundas, que lhe so subjacentes. Trata-se, pois de um
tema que, por quase no ter essncia prpria, no pode ser estudado de forma particularmente
estanque. Seu objeto de interesse e tratamento no pode ficar predominantemente a uma
especificidade cientifica. (MOURA, 1980).
Esses conceitos demonstram que estudar o fenmeno migrao no to simples e que
a mudana do local de residncia no suficiente para definir o que seja migrao, que este
fenmeno deve ser compreendido luz do objeto estudado.
De fato, embora as vrias definies encontradas em textos especializados ou em
manuais tenham um carter normativo quanto ao que deve ou no ser considerada
migrao, preciso levar em conta que tal postura estaria muito mais atrelada
necessidade de padronizao ou a disponibilidade de dado do que propriamente a
uma definio, ou, o que seria muito mais complexa, a uma conceitualizao do que
seria o fenmeno. (CUNHA, 2012, p. 32).
Portanto, cabe ao pesquisador em seu campo de pesquisa definir qual a conceituao
mais adequada que dever considerar de acordo com seu objeto de estudo. J que o fenmeno
est atrelado a diversos eixos impossibilitando a existncia de uma teoria geral da migrao,
conforme Jasen (1969) apud Peixoto (2004, p. 60).
. A migrao um problema demogrfico: influencia a dimenso das populaes na
origem e no destino; um problema econmico: muitas mudanas na populao so
devidas a desiquilbrios econmicos entre diferentes reas; pode ser um problema
poltico: tal particularmente verdade nas migraes internacionais, onde restries
e condicionantes so aplicadas aqueles que pretendem atravessar uma fronteira
poltica; envolve a psicologia social, no sentido em que o migrante est envolvido
num processo de tomada de deciso antes da partida, e porque a sua personalidade
pode desempenhar um papel importante no sucesso com que se integra na sociedade
de acolhimento; e tambm um problema sociolgico, uma vez que a estrutura
social e o sistema cultural tanto dos lugares de origem como de destino, so afetados
pela migrao e, em contrapartida, afetam o migrante.
O panorama apresentado a partir das abordagens explicativas da migrao varia desde
estudos de precursores da teoria da migrao teorias mais atuais, abordaremos alguns eixos
28
de teorias preditivas ou explicativas da migrao sem a pretenso de aprofundar o tema cuja
amplitude vai alm do objetivo desse trabalho.
Um autor considerado clssico nas bases das pesquisas sobre migrao
Ravenstein, gegrafo e cartgrafo ingls, que publicou no final do sculo XIX dois trabalhos
sobre as leis das migraes (1885 e 1889). O primeiro trabalho baseado no recenseamento
britnico de 1881 era uma anlise da migrao ocorrida dentro do Reino Unido com o
objetivo de contrapor a tese do Dr. Willian Far, segundo a qual, s migraes pareciam
ocorrer sem qualquer lei definida. O segundo trabalho estendeu-se a uma observao mais
ampla que inclua a Inglaterra e mais vinte pases. Ao constatar que o segundo estudo
confirmava as observaes do primeiro, ele props uma srie de generalizaes chamada de
as leis da migrao. As leis so sete e estabelecem relaes entre: migraes e distncia,
crescimento urbano e atividade econmica, distribuio por sexo, situao de domicilio,
formao de contracorrentes. O carter percursor dos estudos de Ravenstein notrio apesar
de seus estudos serem baseados em uma realidade emprica, no tendo base em uma teoria
slida e sistemtica. (PEIXOTO, 2004).
Os modelos explicativos e preditivos se baseiam em modelos estatsticos,
matemticos, gravitacionais ou de interao espacial. Eles abordam o fenmeno migratrio
como equaes matemticas que possibilitam a descrio de suas variaes no tempo e no
espao e so usados para estimar e explicar os fluxos migratrios. No modelo gravitacional a
regio considerada como uma massa, e as relaes inter-regionais so percebidas como
interao entre as massas, ou seja, as correntes migratrias so concebidas como sendo
diretamente proporcionais aos efetivos das populaes das regies de origem e de destino e
inversamente proporcionais distncia que as separa. (PEIXOTO, 2004).
Courgeau (1970) apud Castiglioni (2009), demonstra a abordagem do economista
Vilfredo Pareto que constatou em seu trabalho realizados no sculo XIX que a maior parte da
riqueza se concentrava nas mos de um nmero reduzido de pessoas, por isso distingue os
modelos que utilizam a distncia generalizada medida em termos de distncia fsica, dos que
consideram distncia social. Contriburam tambm para a formalizao dessa escola os
trabalhos de Carey, Young e Reilly, Stewart e Warntz, Zipf, Olsson, Wilson, Stillwell. Carey
observou a presena da fora gravitacional nos fenmenos sociais, o qual proporcional
massa (populao) e inversamente proporcional distncia. De acordo com o conceito
gravitacional as correntes migratrias so concebidas como sendo proporcionais a uma
potncia da distncia que as separa. A contribuio de Young foi formulao algbrica do
conceito de gravitao aplicado s migraes a ideia central apresentada por Young que as
29
correntes migratrias variam proporcionalmente fora de atrao do lugar de destino e de
maneira inversa ao quadrado da distncia entre os lugares de origem e de destino. Reilly
aplicou o conceito de gravitao ao transporte de mercadoria de varejo. Ele postula que a
atrao que uma cidade exerce sobre um cliente em seu hinterland (expresso em alemo para
se referir a parte menos desenvolvida de um pas, menos dotada de infraestrutura, menos
densamente povoada) proporcional ao efetivo da populao e inversamente proporcional a
distncia que separa o cliente do centro da cidade. J Stewart, baseou-se na fsica de Newton
para apresentar seus conceitos fora demogrfica, energia demogrfica e potencial
demogrfico, esses conceitos foram usados para elaborao de mapas de potencial da
populao. Um segundo eixo composto por abordagens interdisciplinares do fenmeno
migratrio que consideram a distncia social, buscando determinar que a varivel distncia
possa explicar a lei de distribuio das migraes. As abordagens de Stouffer e Hagerstrand se
enquadram nesse eixo, mas fundamentam-se, tambm na escolha racional caracterstica dos
modelos econmicos centrados na escolha individual. (PEIXOTO, 2004).
As teorias econmicas da migrao compreendem as teorias que apresentam como
ponto comum o papel do indivduo como agente que promove a deciso da mobilidade,
baseado no princpio do individualismo capitalista. A migrao resulta de uma deciso
individual para maximizar o lucro.
Lee (1966) apud Moura (1980) fundamenta o modelo de push-pull (empurra e
puxa) baseado na existncia de fatores que impelem e atraem migrantes e na avaliao dos
custos e benefcios propiciados pela migrao. Argumenta que a migrao resulta de uma
resposta dada pelos indivduos a dois conjuntos de foras: os fatores pessoais, que atuam em
um nvel micro, e os fatores estruturais, que compreendem estmulos econmicos, polticos e
sociais.
Na Teoria Macroeconmica Neoclssica, a migrao seria explicada pelas diferenas
geogrficas de oferta e demanda por trabalho. O mercado de trabalho considerado o
mecanismo primrio que induz os movimentos migratrios, sendo que estes no sofreriam
efeitos relevantes dos demais mercados. Nas regies com excesso de oferta de trabalho em
relao ao capital, os salrios seriam baixos. J nas regies com escassez de oferta de
trabalhos em relao ao capital, os salrios seriam altos. Desta forma, o deslocamento
populacional ocorreria de regies com baixos salrios ou excesso de mo-de-obra para regies
com altos salrios ou escassez de mo-de-obra. Com a intensificao dos fluxos migratrios,
haveria uma queda na oferta de trabalho e os salrios subiriam em pases carentes de capital e
com excesso de mo-de-obra. Ao mesmo tempo, a oferta de trabalho aumentaria e os salrios
30
cairiam em pases com maior volume de capital e escassez de mo-de--obra. Tendo como
pressuposto a existncia de um cenrio de pleno emprego, os movimentos migratrios
levariam a uma situao de equilbrio, na qual as diferenas salariais iriam refletir apenas os
custos financeiros e fsicos do deslocamento geogrfico. Ou seja, uma vez eliminada a
diferena salarial, a migrao tenderia a cessar. (SANTOS, et al., 2010).
Em contraste teoria econmica neoclssica estudos de Todaro (1969) e de Haris
Todaro (1970) apud Castiglioni (2009), consideram que os movimentos migratrios so
provocados no apenas por diferenas salariais entre duas regies, mas, tambm, por
diferenas nas taxas de emprego. Dever existir pelo menos uma destas diferenas para que o
movimento migratrio ocorra. Na abordagem de Todaro (1960) apud Castiglioni (2009) a
deciso de migrar de uma rea rural para uma urbana depende da percepo, por parte do
migrante potencial, do lucro esperado, que funo de duas variveis: o diferencial rural-
urbano de renda real e a probabilidade de obter um emprego urbano. Em Harris e Todaro
(1970) apud Castiglioni (2009) a considerao de que as transferncias de populao do
campo para cidade continuaro ocorrer enquanto a renda real urbana esperada for superior
produtividade agrcola real. (CASTIGLIONI, 2009).
A abordagem explicativa da Teoria do capital humano se fundamenta na teoria
neoclssica do investimento em capital humano, definido como aplicao de recursos em
escolarizao, formao profissional, cuidados mdicos, migrao, os quais resultam em um
horizonte mais longo, na melhoria do rendimento monetrio e psquico das pessoas. O
movimento migratrio considerado como investimento pessoal que ser realizado se os
retornos desse comportamento forem considerados satisfatrios. A anlise dos custos-
benefcios feita pelo migrante potencial no se limita aos fatores do momento, mas considera
tambm os efeitos futuros, e a tomada de deciso de migrar pode resultar da avaliao
positiva das perspectivas a um prazo maior, da melhoria das condies futuras das famlias,
mesmo que os custos do deslocamento sejam muito elevados para o migrante. (SANTOS, et
al., 2010).
O pressuposto bsico da teoria proposta pelos Novos Economistas da Migrao do
Trabalho que a deciso de migrar no tomada por indivduos isolados, mas por um
conjunto maior de pessoas que esto de alguma forma ligada. O foco da anlise no mais
centrado no individuo, mais sim no domicilio ou em outra unidade de produo ou consumo,
culturalmente definida. Os custos so divididos em um arranjo contratual visando maximizar
ganhos e minimizar riscos. Os domiclios controlariam os riscos de queda no padro de vida,
diversificando a alocao de seus recursos, incluindo a fora de trabalho familiar. Estes
31
autores consideram a existncia de um mercado de trabalho imperfeito e afirmam que, mesmo
na ausncia de diferenas salariais, as migraes continuariam a ocorrer, ao contrrio do que
preconizam os economistas neoclssicos, pois os domiclios, ou alguns de seus membros,
poderiam se mover visando com isso, minimizar os riscos de queda no padro de vida.
O conceito de privao relativa outra contribuio dos novos economistas da
migrao. Estes tericos questionam a ideia de que um aumento na renda tenha o mesmo
efeito, independentemente do contexto socioeconmico do domiclio. Os domiclios
avaliariam sua situao de privao, tendo como parmetro certo padro de distribuio de
renda, sendo o sentimento de privao relativa uma funo crescente da porcentagem de
domiclios com renda superior do domiclio. Desta forma, a migrao representaria uma
possibilidade de melhorar a posio relativa do domiclio, dentro do seu grupo de referncia.
Entretanto, ao migrar, haveria o risco de substituio do grupo de referncia por um grupo do
local de destino, o que levaria o domiclio a no reduzir o seu sentimento de privao relativa
ou, at mesmo, aument-lo (STARK; TAYLOR, 1991). Analisando a relao entre o
sentimento de privao relativa e a probabilidade de migrar, Stark; Taylor (1989), concluem
que os domiclios tendero a enviar seus membros para locais onde o retorno potencial do
movimento migratrio seja grande o suficiente para que possa alterar a posio relativa do
domiclio na escala de distribuio de renda e, onde o risco de substituio do grupo de
referncia seja o menor possvel.
O trabalho de Mincer (1978) apud Santos et al. (2010) utiliza um modelo de anlise
com maior foco no mbito da famlia e do domicilio. Ele define os laos familiares que so
relevantes para a migrao, buscando explicar seus efeitos na probabilidade de migrar e nas
consequentes mudanas nos ganhos dos membros familiares e na integridade da prpria
famlia. O autor parte da hiptese inicial de que os ganhos de toda a famlia, e no de um
nico indivduo, so os elementos motivadores dos movimentos migratrios de domiclios
inteiros. No caso da migrao em famlia, os ganhos so calculados a partir da diferena entre
o somatrio dos retornos obtidos por todos os membros e o somatrio dos custos que cada um
dos membros ter com a migrao. Conclui que as famlias tendem a migrar menos, pois os
retornos da migrao aumentam menos que os custos. O somatrio dos ganhos do casal com a
migrao deve resultar em valor positivo, caso contrrio esta no ocorrer. Ocorrendo ou no,
porm, ela sempre poder originar tiedmovers, ou seja, a migrao ocorre mesmo que para
um dos dois, o clculo particular dos ganhos seja negativo, ou tiedstayers, neste caso a
migrao no ocorre mesmo que para um dos dois, o clculo particular dos ganhos seja
positivo. Desta forma, a deciso de migrar se transforma em uma fonte de conflito familiar,
32
assim como a escolha do local de destino da migrao, pois para cada um dos cnjuges,
poder haver um local onde o seu ganho individual com a migrao seja maior. Entretanto, o
casal se mover para um lugar onde o ganho da famlia com o movimento migratrio seja
maximizado, o que leva possibilidade de que um ou at mesmo os dois se tornem
tiedspouses.
As Teorias do Tipo Histrico-Estruturalistas examinam as relaes e funes que os
diversos elementos possuem dentro de um dado sistema. Todos os elementos so
interdependentes, no sendo possvel analis-los de forma isolada. Exemplo de abordagens
histrico-estruturalistas sobre o tema migrao so os trabalhos de Germani (1974) e Singer
(1976).
Segundo Germani (1974, p. 143) apud Santos et al. (2010, p. 11) o modelo que for
empregado para anlise da migrao deve levar em conta no apenas fatores expulsivos e
atrativos, como tambm as demais condies sociais, culturais e subjetivas em que tais fatores
operam tanto no que diz respeito ao lugar da residncia, como no que diz respeito ao lugar de
destino. O autor v a migrao como um processo de mobilizao social. H a necessidade
de informao sobre o local de destino. A partir desta informao, so criadas expectativas
melhores que aquelas no local de origem, o que fornece motivao para o indivduo migrar.
Ou seja, no possvel que haja migrao se houver isolamento social. A anlise da migrao
deve se dar, ento, em trs nveis. O primeiro nvel seria o ambiental, composto pelos fatores
de expulso e de atrao, pela natureza e condies das comunicaes, de contato e
acessibilidade existentes entre as reas de origem e destino. O segundo nvel, o normativo,
seria composto pelos papis, expectativas e padres de comportamento socialmente
institucionalizados, que forneceriam o referencial dentro do qual os indivduos conseguiriam
perceber e avaliar as suas condies objetivas de existncia. O ltimo nvel de anlise seria o
psicossocial, ou seja, devem ser consideradas as atitudes e expectativas dos indivduos
concretos. Em uma sociedade totalmente integrada, essas atitudes e expectativas refletiriam o
padro normativo vigente no grupo social, padro esse que estaria internalizado nos
indivduos (SANTOS et al., 2010).
Para Singer (1976, p. 217) apud Santos et al. (2010 p. 12) as migraes so sempre
historicamente condicionadas, sendo o resultado de um processo global de mudana, do qual
elas no devem ser separadas. O processo de migrao est diretamente associado com o
desenvolvimento do capitalismo, principalmente com o processo de industrializao
provocado por este. O principal motor das migraes seriam as desigualdades regionais. A
33
industrializao levaria concentrao das atividades econmicas, gerando desequilbrios
regionais que, por sua vez, motivariam as migraes.
O papel das redes sociais tem sido destacado por vrios autores, e, tambm teria um
forte efeito sobre a perpetuao dos movimentos migratrios. Segundo Massey et al. (1993), a
existncia de redes migratrias de trabalho aumenta a probabilidade do movimento
internacional o que se aplica tambm s migraes internas , pois estas redes reduzem os
custos e riscos do movimento e aumentam a expectativa de retorno com a migrao. As redes
migratrias constituiriam uma forma de capital social que propiciaria s pessoas terem acesso
ao mercado de trabalho no exterior (MASSEY et al., 1993, p. 448). A partir do momento em
que a rede de contatos entre duas regies atinge um ponto crtico, a migrao se torna um
processo que se autoperpetua. O volume dos fluxos migratrios entre duas regies no estaria,
desta forma, fortemente relacionado a diferenas salariais ou de nveis de emprego, mas, sim,
ao crescimento das redes sociais de migrantes. O crescimento das redes faz com que os custos
e os riscos dos movimentos migratrios caiam gradativamente, at atingirem um ponto em
que estes movimentos se tornam independentes dos fatores que os originaram.
A Teoria de Sistemas Migratrios ressalta o papel das redes de parentesco no processo
de perpetuao dos fluxos migratrios, pois relaes familiares tem um persistente impacto na
migrao, porquanto, politicas, regras e mesmo normas podem mudar, porm obrigaes entre
membros familiares so de natureza persistente. A necessidade de informaes vlidas e
confiveis sobre os possveis locais de destino tambm reforariam. Segundo Fawcett (1989),
a importncia das redes de parentesco, est relacionada com a credibilidade da informao
recebida, sendo os membros familiares considerados as mais confiveis fontes de informao.
Alm disso, as informaes seriam mais bem absorvidas e retidas quando o vocabulrio
utilizado para transmiti-las so prximos do utilizado no cotidiano dos indivduos.
A vertente terica de Anlises Institucionais ressalta que, a partir do momento em que
a migrao internacional comea a acontecer, surgiro vrias instituies privadas, pblicas
ou assistenciais que buscaro formas de contrabalanar o desequilbrio entre o nmero de
imigrantes interessados em entrar em determinados pases e o nmero de imigrantes que esses
pases esto dispostos a receber, podendo essas instituies atuar de forma legal ou ilegal
(MASSEY et al., 1993).
Piore (1979) apud Santos et al. (2010), com sua Teoria do Mercado Dual de Trabalho,
o pioneiro neste tipo de anlise do fenmeno migratrio. Segundo Piore (1979), a migrao
internacional algo inerente estrutura econmica dos pases desenvolvidos, e seu principal
elemento motivador seria a constante demanda pelo trabalho de migrantes nesses pases. Em
34
sntese, a migrao no seria causada por fatores de expulso nos pases de origem, mas por
fatores de atrao nos pases de destino. Os fluxos migratrios seriam estabelecidos a partir do
recrutamento de mo-de-obra nos pases em desenvolvimento para atender s necessidades
dos empregadores dos pases desenvolvidos, o que seria feito por instituies privadas ou
pblicas.
Guilmoto e Sandron (2001) tratam a migrao como uma instituio, explicitando as
formas como essa estabelecida, os seus papis e a forma como est organizada.
Inicialmente, so apresentadas algumas proposies com respeito ao contexto histrico
especfico dos pases em desenvolvimento. Os autores ressaltam que esses pases seriam
caracterizados pela existncia de mercados incompletos e/ou deficientes, ou mesmo pela
inexistncia de mercados. Neste ambiente, onde as informaes so incertas e de alto custo, os
indivduos procurariam antes se prevenirem contra riscos, do que maximizarem suas rendas.
Para Guilmoto e Sandron (2001), as instituies correspondem a um conjunto de convenes,
regras, normas e valores; enfim, a padres regularizados de interao que seriam conhecidos e
praticados pelos indivduos de uma dada sociedade. O papel das instituies seria o de, dentro
de contextos marcados pelas incertezas, criar condies para a regulao das transaes entre
os indivduos, definindo seus tipos, as suas garantias, e fazendo com que estas se perpetuem.
Como a migrao, por si s, uma atividade de risco, tem-se a necessidade de sua
institucionalizao, ou seja, a sua transformao em um sistema quase autnomo, com leis e
normas, permitindo que indivduos especficos e organizaes se ocupem de seus objetivos
(GUILMOTO; SANDRON, 2001, p. 144). Os autores destacam que a institucionalizao no
o melhor arranjo no sentido de maximizao da renda esperada, mas seria uma resposta
possvel dentro de um contexto especfico. Cada forma institucional ir refletir a natureza das
trocas, sendo as redes de trabalho as instituies de suporte preferidas.
Embora quase todos os trabalhos citados que teorizam a migrao de forma geral
tratem apenas das migraes externas, os conceitos e as estruturas de anlises propostas
podem tambm, na maioria dos casos, ser aplicados s migraes internas. Na impossibilidade
da construo de uma nica teoria sobre migrao que venha de alguma forma, abarcar todos
os fragmentos tericos j produzidos. Toda anlise do comportamento humano est sempre
condicionada a um contexto especfico, espacial e temporal, no qual esse comportamento
ocorre. Desta forma, uma abordagem terica que seja extremamente til para se compreender
a migrao de uma regio A para uma regio B, em um tempo especfico pode nada
explicar ou explicar pouca coisa dos movimentos migratrios da regio A para uma
regio C. Em sntese, o que se pode fazer para entender determinados movimentos
35
migratrios utilizar todo o arcabouo terico j produzido que, de certa forma, explique o
que est acontecendo dentro do contexto analisado. Para isso, muitas vezes haver a
necessidade de que as estruturas de anlise sejam adaptadas e que novos conceitos e tipos de
abordagem sejam criados.
2.2 Fatores de anlise para compreenso do movimento migratrio
2.1.1Seletividade
A caracterizao dos migrantes um fator importante para compreenso tanto dos
determinantes como das consequncias do fenmeno migratrio. Os trabalhos de Ravenstein
(1885) e Lee (1966) descritos em Moura (1980) podem ser considerados pioneiros entre os
estudos sobre migrao, e preocuparam-se com uma temtica que recorrente em outras
abordagens: a seletividade dos migrantes. A preocupao em especificar quais atributos
individuais idade, sexo, educao, atividade profissional, por exemplo so responsveis
pela seleo positiva dos indivduos que migram constitui o principal objetivo dos trabalhos
desses dois autores, e a base para trabalhos de outros autores mais atuais. Trabalhos de
OLIVEIRA; JANNUZZI, 2004; JUSTO; SILVEIRA NETO, 2009; JANNUZZI,1997, so
exemplos de estudos que se baseiam nas caractersticas dos migrantes para subsidiar suas
anlises.
As pessoas que respondem aos fatores de seletividade apresentam certos traos
comuns que as diferenciam das que no reagem. Esses traos esto ligados, sobretudo,
idade, a instruo, estado civil, as aspiraes, ao sexo, atividade econmica. O tipo de
seleo condicionado pelas causas que provocam o movimento. Os migrantes que
respondem principalmente a fatores positivos predominantes na regio de destino tendem a
constituir uma seleo positiva. A predominncia de fatores negativos existentes na regio de
origem tende a produzir uma seleo negativa; no caso das regies onde os fatores expulsivos
so desestimulantes para grupos inteiros da populao, a migrao pode perder seu carter
seletivo.
A idade a nica caracterstica universal da migrao. A propenso mais intensa a
migrar, em certas etapas da vida, importante na seleo migratria, e essa relao foi
amplamente verificada com dados empricos. Segundo a teoria da anlise de custos-
benefcios, a deciso de migrar ser tomada se os benefcios parecerem superiores aos custos
associados ao movimento. Nessa tica, o balano entre os custos e os benefcios favorece os
36
jovens. Estes se encontram na idade de entrar na vida profissional ou mudar de profisso e
tm mais tempo para maximizar os benefcios de seu investimento. Os custos so menos
importantes para esta faixa etria, visto que os jovens so mais susceptveis a adaptao de
novas tecnologias e funes. A avaliao dos custos versus benefcios explica a migrao
quando idade aumenta: o peso dos custos fica cada vez mais importante, enquanto que o
perodo para o retorno dos investimentos fica cada vez mais curto.
A composio da corrente migratria por sexo varia segundo a distncia, relao j
destacada nas leis de Ravenstein. Segundo as hipteses tericas, as mulheres predominariam
na migrao de curta distncia, enquanto que os homens seriam majoritrios nas de longa
distncia. As relaes entre a caracterstica sexo e a direo do fluxo migratrio indicam que a
seletividade por sexo est relacionada oferta de trabalho. As mulheres predominam nas
migraes das regies rurais para urbanas. Isto por que as condies de trabalho so
desfavorveis para elas nas regies rurais, onde acumulam as ocupaes domsticas com o
trabalho agrcola sem direito a um salrio pessoal, ou com salrios inferiores aos dos homens,
enquanto que o crescimento urbano abre um leque de empregos para mo de obra feminina. J
a migrao para zonas rurais apresenta predominncia masculina.
Quanto caracterstica estado civil, o solteiro tem uma mobilidade mais intensa que os
casados, por que eles tm menos responsabilidades familiares e podem facilmente afrontar
situaes instveis. Quanto ao grau de instruo, as pessoas mais instrudas so mais
propensas a migrar para procurar ocupaes compatveis com as suas qualificaes.
A seletividade do movimento migratrio uma varivel que produz modificaes
importantes na composio da populao tanto nas regies de origem, quanto nas de destino.
2.2.2 Determinantes
Um eixo relevante no estudo da migrao diz respeito aos fatores que impulsionam os
migrantes e os fluxos migratrios. Estudos tm evidenciado que o determinante principal da
migrao a ordem econmica e a traduo do desejo de segurana e estabilidade. As pessoas
migram, em geral, para melhorar o seu nvel de vida e de seus descendentes. Todavia, outras
variveis foram levantadas alm dos determinantes econmicos, tais como: desejo de se
instruir, atrao exercida pelas cidades, motivos polticos e religiosos. O trabalho de Lee
(1980) apresenta o clssico estudo de Ravenstein sobre as Leis da Migrao e a classificao
do pesquisador sobre os fatores que influenciam na deciso de migrar sendo divididos em
quatro epgrafes:
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a) Fatores associados a local de origem;
b) Fatores associados a local de destino;
c) Obstculos intervenientes;
d) Fatores pessoais.
Essa classificao da migrao implica uma srie de fatores prevalecentes nos locais
de origem e de destino, uma srie de obstculos e uma srie de fatores pessoais que devem ser
analisados conforme a relao das variveis pesquisadas com o fenmeno migrao.
O fenmeno migratrio, por sua diversidade, abrange muitas dimenses em suas
motivaes que podem interagir no processo de tomada de deciso. Como ressalta Emmi
(2008, p. 254) em seu estudo sobre italianos na Amaznia: O fenmeno migratrio muito
complexo e no redutvel mecanicamente a causas estritamente econmicas, outras
motivaes como, por exemplo, os aspectos culturais tem peso significativo.
Segundo a teoria das redes migratrias a deciso de migrar no decorre de um
processo racional individual, mas sim de aes coletivas que ocorrem no seio de unidades
mais amplas; redes familiares e sociais cujas aes coletivas levam em considerao no
somente os motivos econmicos, tambm, as expectativas do grupo. (SASAKI; ASSIS,
2000). Nesse processo, as diferenas de renda no so necessariamente determinantes do
processo decisrio, mas sim as relaes sociais, uma vez que os migrantes podem contar com
o apoio e a solidariedade dos integrantes dessas redes para minimizar os riscos associados ao
empreendimento migratrio, sobretudo a migrao que ocorre a longa distncia. (MASSEY et
al., 1993).
No nvel macro, existe uma heterogeneidade de modelos, uma vez que as migraes
representam respostas da populao a processos mais amplos, envolvendo contextos
desiguais. A causa principal das migraes, nesse nvel, atribuda s disparidades de
oportunidades socioeconmicas entre as regies. (CASTIGLIONI, 2009).
Oliveira e Jannuzzi (2005) investigaram os motivos para migrao por padres etrios,
sexo, origem/destino, nos dados da PNAD 2001, e apresentaram os seguintes resultados: No
geral, o motivo mais mencionado para migrao foi acompanhar a famlia, seguido por
motivaes relacionadas ao trabalho. Motivos relacionados a custo de moradia, questes de
sade ou educao so mencionados com frequncia menor. Ao analisar os grupos etrios e o
gnero dos sujeitos, a concluso que mulheres declaram em maior nmero a migrao pela
necessidade de acompanhar a famlia, enquanto, para os homens a migrao mais motivada
por trabalho. Entre crianas e adolescentes, a frequncia maior foi o motivo acompanhar a
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famlia, enquanto que entre jovens entre 15 a 24 anos, alm da motivao do trabalho, o
estudo figurou com uma motivao importante nessa faixa etria. Moradia bem mais
significativa como motivao daqueles com idade prxima formao do grupo familiar e
entre os migrantes idosos. Quanto a fatores relacionados regio, no Norte a migrao por
estudo comparativamente mais citada por indivduos. Possivelmente isso se deve ao fato das
condies geogrficas (longas distncias) em que se localizam as escolas de Ensino Mdio e
as faculdades na regio.
Misria, conflitos religiosos, guerras, desemprego, crise econmica, baixa oferta de
servios de educao e sade so apontadas como causas prevalentes da migrao, como no
caso do xodo rural e da migrao internacional dos pases mais pobres em direo aos de
desenvolvimento avanado. (CASTIGLIONI, 2009).
2.2.3 Consequncias
A mudana de local de domiclio pode ter profundo impacto sobre a vida de uma
pessoa. A migrao pode ser uma oportunidade para um indivduo viver em um ambiente com
caractersticas sociais, econmicas, polticas e fsicas muito diferentes e, na percepo do
migrante, melhores do que em seu local de origem. Novas oportunidades de estudo, trabalho e
lazer podem existir. Melhores condies ambientais e de moradia podem ser experimentadas.
Novas relaes sociais podem ser estabelecidas e realizaes pessoais impossveis de serem
alcanadas no antigo local de moradia podem ser empreendidas. Em muitos casos, os
migrantes conseguem obter rendas superiores s que teriam em seu local de origem e novas
oportunidades educacionais e profissionais so vivenciadas.
Os ganhos com a migrao so positivos em muitos casos, porm, o processo de
adaptao muitas vezes difcil e envolve um grande custo pessoal. As relaes pessoais
antigas foram parcialmente rompidas e as novas ainda no foram sedimentadas. O migrante
recm-chegado pode ficar um longo perodo desempregado, vivendo em condies adversas
ou mal ajustado em seu novo local de moradia. Em muitos casos as dificuldades so to
grandes ou mal avaliadas que o migrante retorna para seu local de origem ou busca um novo
local de moradia em outra cidade. Mesmo com todos os problemas existentes no processo
migratrio, cada vez maior o nmero de pessoas vivendo em locais diferentes de sua
origem. Em pases do terceiro mundo onde existem diferenas regionais marcantes, grandes
fluxos de migrantes so criados e esses alteram de forma marcante a distribuio populacional
dessas regies com profundas consequncias sociais e regionais. (CASTIGLIONI, 2009).
39
A mobilidade da populao entre as diversas regies tem consequncias bastante
marcantes nas regies que absorvem e nas que perdem populao. Os efeitos da migrao no
territrio so observveis sobre: a demografia, cultura, economia e a urbanizao.
No eixo demogrfico, alm do impacto quantitativo direto, aportado pela modificao
do efetivo populacional, devem ser considerados os efeitos qualitativos produzidos pela
seletividade do fluxo modificaes nas estruturas por sexo, idade, mo de obra, instruo,
etc., e, ainda, os efeitos indiretos ocasionados pela fecundidade dos migrantes aps o
movimento (CASTIGLIONI, 1989). Nas regies de forte atratividade, os efeitos positivos so
importantes: a migrao aporta um contingente de pessoas jovens que concorrem para
rejuvenescer a populao e aumentar a oferta de mo de obra. Mas as consequncias da
migrao no so sempre benficas para as regies relacionadas ao movimento. Nas regies
atrativas, a migrao massiva provoca problemas de desigualdades entre o crescimento
urbano e a criao de empregos e de servios de infraestrutura urbana. Nas regies rurais e
pequenas cidades, a partida do segmento jovem provoca a reduo do nmero de pessoas em
idade de procriar, a diminuio da nupcialidade e da natalidade e o aumento da proporo de
pessoas idosas. Em consequncia, essas regies conhecem a reduo das taxas de crescimento
natural, o aumento das taxas de mortalidade e o envelhecimento da populao.
(CASTIGLIONI, 2009).
A composio da populao atua diretamente nas caractersticas sociais e econmicas
de uma regio, bem como de outros fatores. Os locais com grande poder de atrao de
migrantes tero uma maior proporo de pessoas em idade de trabalhar buscando empregos.
Esse fato pode ter um profundo impacto nas taxas de desemprego. Alm disso, muitos jovens
se casam e querem ter sua prpria famlia e residncia, aumentando assim, a demanda por
moradias e servios de maternidade.
Quanto ao aspecto cultural, os homens tornam-se diferentes, entre si, pelos distintos
modos de convivncia, de reproduo e de produo material e espiritual de seus
agrupamentos humanos, criando variadas manifestaes culturais, de significados mltiplos,
isso influencia diretamente nas formas de sentir, pensar e agir. O migrante ao deslocar-se para
outra regio carrega seu modo de vida e se depara com uma realidade diferente da sua. A
convivncia com modus vivendi diferente cria novas demandas, modifica valores e cria
conceitos e conflitos, que iro influenciar diretamente no territrio.
Rodrguez e Busso (2009) enfatizam que a migrao, em especial a interurbana, tem
implicao direta no uso da infraestrutura urbana, sendo um dos determinantes da segregao
residencial nas metrpoles. Dessa forma, conhecer as caractersticas e as motivaes da
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migrao e seus desdobramentos sociais representa um importante instrumento de
planejamento, j que o aumento no nmero da populao de uma regio implica em aumento
de demandas, e, consequentemente em polticas sociais mais abrangentes.
A compreenso dos efeitos da migrao sobre um territrio implica na ampliao do
entendimento de que o fenmeno que outrora se dava apenas pelo vis da economia tem
expandido seus interesses para outras reas e desenvolvido um papel importante na
conformao de espaos regionais e locais, que trata-se de um fenmeno complexo em funo
de suas mltiplas modalidades e que vem sofrendo alterao em sua configurao, conforme
demostram estudos de Baeninger (2012, p. 25):
Procuro apontar que anlise dos movimentos migratrios nos anos 2000, refora a
tendncia de configurao de novos espaos da migrao, com a necessidade de
diferentes olhares para as escalas onde esses fluxos se processam, seus sentidos e
repercusses em diferentes nveis; entendo que no basta apenas indicar que se trata
de novas modalidades migratrias, novos rumos da migrao interna, preciso
buscar incluir as dimenses espaciais em que o fenmeno migratrio opera em suas
diferentes escalas territoriais.
Portanto, estudar a incidncia do fenmeno migratrio em um territrio compreender
as relaes existentes, as alteraes e os fatores que se correlacionaram para a formao do
mesmo, assim como as motivaes que possibilitaram a migrao populacional.
2.3 Tendncias da mobilidade demogrfica no Brasil
No Brasil, um dos fatores que historicamente exerceu maior influncia nos fluxos
migratrios o fator econmico, uma vez que o modelo de produo capitalista cria espaos
privilegiados para instalao de indstrias, forando indivduos a se deslocarem de um lugar
para outro em busca de melhores condies de vida e procura de emprego para suprir suas
necessidades bsicas de sobrevivncia.
A regio Sudeste do pas, at o final do sculo XX, recebeu a maior quantidade de
fluxos migratrios (principalmente o estado de So Paulo), pelo fato de oferecer, maiores
oportunidades de emprego em razo do processo de industrializao desenvolvido. No
entanto, nas ltimas dcadas, as
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