Universidade Federal do Rio de Janeiro
INTELECTUAIS E TESTEMUNHAS NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO EM ELTESTIGO DE JUAN VILLORO
Simone Silva do Carmo
Rio de Janeiro2013
INTELECTUAIS E TESTEMUNHAS NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO EM ELTESTIGO DE JUAN VILLORO
SIMONE SILVA DO CARMO
Dissertação de Mestrado apresentadaao Programa de Pós-graduação deLetras Neolatinas da Faculdade deLetras da Universidade Federal doRio de Janeiro como requisito para aobtenção do título de Mestre emLetras Neolatinas (Área deconcentração: Estudos Literários –Opção Literaturas Hispânicas)
Orientador: Professor Doutor VíctorManuel Ramos Lemus.
Rio de JaneiroJaneiro de 2013
FICHA CATALOGRÁFICA
C287i
Carmo, Simone Silva do.
Intelectuais e testemunhas no México contemporâneo em El testigo de JuanVilloro / Simone Silva do Carmo. -- Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2013.
250 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof.º Dr. Víctor Manuel Ramos Lemus.
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Programa de Letras Neolatinas (Faculdadede Letras), 2013.
1. Literatura mexicana. 2. Vanguardas mexicanas. 3. Juan Villoro. 4. RamónLópez Velarde. I. Lemus, Victor Manuel Ramos. II. Universidade Federal do Rio deJaneiro. III. Intelectuais e testemunhas no México contemporâneo em El testigo deJuan Villoro.
CDD 860.9
Intelectuais e testemunhas no México contemporâneo em El testigo de JuanVilloro
Simone Silva do Carmo
Orientador: Professor Doutor Víctor Manuel Ramos Lemus
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em LetrasNeolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dosrequisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas(Área de concentração: Estudos Literários – Opção: Literaturas Hispânicas).
Aprovada por:
Presidente, Prof. Doutor Víctor Manuel Ramos Lemus - UFRJ
Prof. Doutor Ary Pimentel - UFRJ
Prof. Doutor Juan Pablo Chiappara Cabrera - UFV
Prof. Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras - UFRJ, Suplente
Prof. Doutor Luis Alberto Nogueira Alves – UFRJ, Suplente
Rio de JaneiroJaneiro de 2013
A Luís Paulo Faria do Carmo, esposo e companheiro queesteve sempre presente em todos os momentos importantes deminha vida. Nunca estarei suficientemente agradecida pelaconfiança e apoio nos momentos mais difíceis.
A Paulo Vinícius e Nycollas Henrique, meus amados filhos,pelo carinho e compreensão de minhas ausências naconstrução deste sonho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus que permitiu a realização deste sonho.
Aos meus pais Lúcia, Diorge e a minha avó Altiva, como tantos outros brasileirosdesse imenso país não tiveram a oportunidade de estudar, mas nunca deixaram deme apoiar e incentivar, com certeza parte deles está aqui neste trabalho.
Aos meus seis irmãos: Sergio, Eduardo, Janete, Ricardo, Rodrigo e Rafael que meapoiaram ao longo da vida.
A quatro incríveis mulheres, minhas grandes amigas que foram meu ombro sempreque precisei: Alessandra, Lúcia, Luciára e Zenilma meus sinceros agradecimentos.
Ao Professor Doutor Víctor Manuel Ramos Lemus não há palavras para agradeceras palavras certeras e as broncas na hora certa para trilhar esse caminho até aqui.Com certeza, ele se tornou menos árduo graças a sua orientação precisa e seguradesde a Especialização.
Aos Professores Doutores Julio Aldinger Dalloz e Ary Pimentel um agradecimentoespecial pelo incentivo e generosidade desde a Especialização.
À Professora Doutora Helena Parente Cunha pelo delicado acolhimento decompartilhar comigo tanta sabedoria.
À Professora Doutora Elena Palmero González, agradeço a descoberta que mepermitiu deslocar por muitos lugares.
Ao Professor Doutor Marco Luchesi pela ampliação dos conhecimentos sobre afilosofia da história, tema relevante para o amadurecimento deste trabalho.
Aos Professores Doutores Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina e Maria AuroraConsuelo Lagorio, pelas primeiras observações a respeito deste texto quepermitiram desenvolvê-lo de forma organizada.
Ao amigo distante Sergio Gutiérrez Negrón que com tamanha generosidade edesprendimento indicou um sólido caminho, meus sinceros agradecimentos.
Aos meus amigos e companheiros de jornada do “Café Maria Sabina”: Sylvia Helenade Carvalho Arcuri, Tarciso Gomes do Rego, Mario Rodríguez, Rodrigo Valdés,Diego Almada Pires, Viviane Soares Fialho de Araújo e Taiana Cristina da RochaBraga muito obrigada pelo ombro amigo, pelas preciosas palavras e empréstimo detextos teóricos ao longo desta pesquisa.
Todos absolutamente todos los pueblos deAmérica, desde el Mississipi hasta Canelones,tienen un pozo. Si no es en una calle es en el alma.
Mario Delgado Aparaín
RESUMO
CARMO, Simone Silva do. Intelectuais e testemunhas no México contemporâneoem El testigo de Juan Villoro. Rio de janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado emLetras Neolatinas (Área de concentração: Estudos Literários Neolatinos - Opção:Literaturas Hispânicas) Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio deJaneiro.
El testigo do escritor mexicano Juan Villoro, publicado em 2004, tece uma reflexãosobre a testemunha, figura colocada em questão por diversas tendênciascontemporâneas. Composto quase todo no estrangeiro após a derrota eleitoral doPRI (Partido Revolucionario Institucional) nas eleições presidenciais de 2000, fatoque, a princípio, colocaria fim à hegemonia de 71 anos do “governo da RevoluçãoMexicana”, trata-se de um romance que aproveita a forma romanesca do século XIXpara traçar um panorama do México, incluindo o campo e a cidade, os ricos e ospobres, o antigo e o moderno, procurando discutir a nação. Para tanto, Villororetorna ao início da poesia mexicana moderna e à tradição da narrativa literária domeio do século, invocando escritores e temas desses períodos. No entanto, desde oinício, sabe-se, por diversas marcas e indícios, que essa obra está situada após oano de 2000, num contexto que parece tirar de cena a figura do intelectual,passando por isso mesmo, inicialmente, a tratar os personagens como testemunhas.Deste modo, este trabalho demonstra que, no romance em que aparecem muitospersonagens ocupando o papel de “testemunha” e no qual o termo intelectual não édestacado, é desta figura que, na verdade, se tece uma reflexão. Para tal, discute-sea relação do intelectual mexicano com a história e com o poder num contextocaracterizado pela violência do narcotráfico, pela contínua manipulação dos meiosde comunicação a favor do poder hegemônico e pela interferência da Igreja nocontexto social e político do México. É, portanto, a figura do intelectual que permiteentender o porquê da reflexão sobre o poeta Ramón López Velarde, a recuperaçãodas vanguardas mexicanas e a colocação de personagens caracterizados comoprodutores de discurso.
Palavras-chave: Juan Villoro, Literatura Mexicana, Intelectual, Testemunha, RamónLópez Velarde, Vanguardas mexicanas.
RESUMEN
SILVA do CARMO, Simone. Intelectuales y testigos en el México contemporáneoen El testigo de Juan Villoro. Rio de janeiro, 2013. Disertación sometida alPrograma de Postgrado en Letras Neolatinas en la Universidad Federal de Rio deJaneiro – UFRJ, como parte de los requisitos necesarios para la obtención del títulode Master en Letras Neolatinas (Área de concentración: Estudios LiterariosNeolatinos - Opción: Literaturas Hispánicas).
El testigo del escritor mexicano Juan Villoro, publicado en 2004, hace una reflexiónsobre el testigo, figura cuestionada por diversas tendencias contemporáneas.Compuesto casi todo en el extranjero después de la derrota electoral del PRI(Partido Revolucionario Institucional) en las elecciones presidenciales de 2000,hecho que, al principio, pondría fin a la hegemonía de 71 años del “gobierno de laRevolución Mexicana”, es una novela que trata de la forma novelística decimonónicapara hacer un dibujo de México, incluyendo el campo y la ciudad, los ricos y lospobres, lo antiguo y lo moderno. Por lo tanto, Villoro vuelve al principio de la poesíamexicana moderna y la tradición de la narrativa literaria de mediados de siglo,invocando escritores y temas de esos períodos. Sin embargo, desde el inicio, essabido por diversas marcas e indicaciones que esta novela está ubicada despuésdel año 2000, contexto que parece quitar la figura del intelectual de la escena y, porconsiguiente, los personajes son inicialmente tratados como testigos. Así esteestudio demuestra que en la novela donde aparecen muchos caracteres ocupandoel papel de “testigo”, y en la cual el término intelectual no es destacado, de hecho, esrealmente acerca de esta figura que se hace una reflexión. Con este fin, se discutela relación del intelectual mexicano con la historia y con el poder en un contextocaracterizado por la violencia del narcotráfico, la manipulación constante de losmedios de comunicación en favor del poder hegemónico y la injerencia de la Iglesiaen el contexto político y social de México. Por lo tanto, es la figura del intelectual quepermite entender el porqué de la reflexión sobre el poeta Ramón López Velarde, larecuperación de las vanguardias mexicanas y la colocación de personajes que secaracterizan como productores de discurso.
Palabras-clave: Juan Villoro, Literatura Mexicana, Intelectual, Testigo, RamónLópez Velarde, Vanguardias mexicanas.
ABSTRACT
CARMO, Simone Silva do. Intellectuals and witnesses in Mexico's contemporaryEl Testigo of Juan Villoro. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (MA in RomanceLanguages Literature (Major: Literary Studies Neolatinos - Option: HispanicLiteratures) Faculty of Arts, University Federal of Rio de Janeiro.
El Testigo of the Mexican writer Juan Villoro, published in 2004, makes a reflectionon the witness, figure into questions by several contemporary tendencies. Writtenalmost all abroad, after the electoral defeat of the PRI (Partido RevolucionarioInstitucional) in the presidential elections of 2000, a fact that, at first, would put anend to the hegemony of 71 years of "government of the Mexican Revolution," this is anovel that takes advantage of the nineteenth-century novel way to draw a picture ofMexico, including country and city, rich and poor, old and new, in order to discussesthe nation. Therefore, Villoro returns to the beginning of modern Mexican poetry andtradition of literary narrative mid-century, invoking writers and themes of theseperiods. However, from the beginning, it is known by various marks and signs thatthis book was written before the year 2000, in a context that seemed to abolish theintellectual, and began to treat the characters initially as witnesses. Nevertheless, theidea of a complete witness, one that could go to the end of an event where there wasa total destruction, is not possible. Thus, the text puts producers and promoters ofspeeches in order to fill that role as witness. Therefore, as the intellectual term is notmentioned, this study intends to reflect on the witness, since many characters occupythis role. To this end, he discusses the relationship between the history of theMexican intellectual with the power, in a place characterized by violence of drugtrafficking, the ongoing manipulation of the media in favor of hegemonic power andthe interference of the Church in social and political context of Mexico. It is thereforethe figure of the intellectual that allows us to understand the reason for reflection onthe poet Ramón López Velarde, the recovery of the Mexican avant-garde and theplacing of characters posed as producers of discourse.
Keywords: Juan Villoro, Mexican Literature, Intellectual, Witness, Ramón LópezVelarde, Mexican Vanguards.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO 1 - Juan Villoro: obra e crítica 23
1.1 Panorama da narrativa de Juan Villoro no contexto literário mexicano 24
1.2 A trajetória intelectual de Juan Villoro 61
1.3 El testigo diante da crítica 70
CAPÍTULO 2 – Ramón López Velarde: vanguarda como nação intelectualem El testigo 78
2.1 Os intelectuais e o período revolucionário mexicano 79
2.2 Ramón López Velarde e as vanguardas mexicanas no início do século XX
86
2.3 Ramón López Velarde em El testigo 100
CAPÍTULO 3 - Literatura e testemunho em El testigo 110
3.1 Testemunho: ficção, poder e realidade 110
3.2 Julio Valdivieso 121
3.3 O vínculo com a Igreja 130
3.4 O envolvimento com a mídia 144
3.5 Aproximação ao narcotráfico 150
3.6 Flaco Cerejido 160
CAPÍTULO 4 - O intelectual no México contemporâneo 162
4.1 A Cidade letrada como testemuha 162
4.2 Os intelectuais e o poder no México contemporâneo 175
4.3 A figura do intelectual no México contemporâneo de El testigo de JuanVilloro 186
CONCLUSÂO 201
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 215
ANEXOS 236
11
INTRODUÇÃO
La novela mexicana vista desde un contexto socio-político y económico hasido un vehículo de conocimiento de la realidad de Latinoamérica en crisis.La novela raramente es entretenimiento, al contrario, la mayoría de lasveces es una densa exploración de lo real.
Jorge Ruffinelli
Um dos fenômenos a que se assiste nas últimas décadas, principalmente na
América Latina, é o debate sobre a recuperação da memória como estratégia
política e cultural numa tentativa de iluminar o futuro. Esse resgate da memória,
entretanto, não se dá de maneira pacífica. Após longos períodos ditatoriais, como
ocorreu em muitos países latino-americanos, diversos grupos reivindicam para si a
legitimidade de representação do passado para contrapor-se a uma versão da
chamada “história oficial”. Assim, quando se trata de analisar a história, utilizar-se
da memória como uma forma de disputa pelo poder é bastante usual. Desta forma, o
tema da memória é central para o debate das mudanças no presente, pois obriga a
uma releitura do passado, a uma nova interpretação. Isso porque o fato histórico
interessa mais ao presente que ao passado.
Nesse contexto, a tensão memória-história vem sendo amplamente discutida,
não só pelos historiadores, mas também por críticos literários. Essa tensão provoca
uma disputa entre diferentes grupos de poder uma vez que cada qual quer ser o
representante da história “verdadeira”, narrando-a ou tentando narrá-la de seu ponto
de vista e questionando as versões apresentadas pelos outros grupos. Afinal, disso
depende a hegemonia social, a imposição da agenda histórica e dos interesses de
cada um desses grupos.
Sendo assim, durante os períodos ditatoriais, mais ainda do que em outros, a
história é representada pela palavra dos que estão no poder, tornando-a sinônimo
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de “história oficial”. Deste modo, a figura da testemunha ganha relevada importância
no período da pós-ditadura, pois essa voz pretende resgatar e reinterpretar o que o
discurso oficial tenta omitir ou manipular, possibilitando o resgate de perspectivas e
interesses da história conhecida até o momento.
No entanto, cabe destacar que a testemunha ocupa uma posição
problemática, pois algumas vezes não apresenta um posicionamento crítico,
havendo também o oportunismo como tentativa de legitimação. Destaque-se que
seu discurso, não rara vez, é reduzido ao subjetivo e, quando aceito para debate,
vem mediado pela figura do intelectual.
Nesse contexto, encontra-se o romance El testigo1 (2004), do escritor
mexicano Juan Villoro, composto quase todo no estrangeiro após a derrota eleitoral
do Partido Revolucionario Institucional (PRI)2 nas eleições presidenciais ocorridas no
México no ano 2000, fato que, na teoria, colocaria fim à hegemonia do “governo da
Revolução Mexicana”.
Juan Villoro nasceu no Distrito Federal da cidade mais povoada do continente
e pertence a uma geração que se distancia dos desafios literários ao qual estavam
submetidos os escritores dos anos cinquenta e sessenta: “de la ambición de novelar
los grandes conflictos sociopolíticos del continente. En cambio, como muchos
intelectuales de su edad, padece la fascinación por la cultura popular: la música
rock, las tiras de cómic, los deportes de masas.” (DÉS, 2005, p. 2)
A obra em questão marca, em sua estrutura narrativa, dois períodos
importantes da história do México, através de dois personagens. No caso do
1 Daqui em diante todas as vezes que se tratar de El testigo se estará referindo à edição de 2004 deJuan Villoro publicado pela Editora Anagrama.2 O PRI foi fundado em 4 de março de 1929 pelo então presidente Plutarco Elías Calles sob o nomede Partido Nacional Revolucionario (PNR). Nove anos depois, em 1938, o também presidente LázaroCardenas muda o nome para Partido de la Revolución Mexicana (PRM). Finalmente em 18 de janeirode 1946, Miguel Alemán nomeia da maneira que é conhecido atualmente. (DISCUTAMOS MÉXICO,2010, programa 44).
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primeiro, trata-se do personagem histórico Ramón López Velarde, o poeta nacional
por excelência, o qual, em sua curta vida, foi extremamente criticado por ser: “un
hombre que iba a la vanguardia del arte y a la retaguardia de la política”.
(GONZÁLEZ ROJO, 2008, p. 28). Foi, enfim, um intelectual mexicano que viveu num
período de mudanças ocasionadas, em grande parte, pela Revolução. Em relação
ao segundo, trata-se do protagonista do romance, Julio Valdivieso, o filho intelectual
de uma família de fazendeiros. É um personagem complexo, cuja história pessoal e
familiar se confunde com a nacional, visto atravessar esse complicado período de
transição para a democracia. Ambos são intelectuais e testemunhas de períodos de
euforia e desilusão.
No entanto, cabe salientar que El testigo, não se coloca como um romance de
testemunho, no estilo de Hasta no verte Jesús mío (1969) de Elena Poniatowska ou
Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia (1985) de Elizabeth
Burgos-Debray e Rigoberta Menchú, serve como um balanço do México visto do
ângulo dos primeiros anos do século XXI, debruçado sobre o seu processo histórico
pós-revolucionário.
Considerando aqui que essa testemunha não é mais o subalterno, aquele que
tem o intelectual como mediador, já que, nessa obra, o próprio intelectual é chamado
a dar fé, a prestar testemunho, até que ponto se pode aceitar como verdade aquilo
que diz a testemunha? Através do romance, pode-se observar, numa fragmentação
apresentada por diversos personagens, como se dá a multiplicidade de visões que
exploram as distintas faces da testemunha.
A temática que guiará esta dissertação é tentar responder a uma pergunta
que percorre todo o romance: é preciso ter visto ou ter vivido o horror para ser
testemunha? O que se destacará, no entanto, não é o gênero testemunhal, nem a
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figura do intermediário, do mediador, mas da problemática figura da testemunha,
cuja fidedignidade é questionada o tempo todo no romance.
No que tange as eleições presidenciais ocorridas no México no dia 2 de julho
de 2000 marcam o fim de um sistema político que se apresentava como democrático
ao longo de 71 anos. Afinal, havia uma alternância presidencial através de eleições,
e esse fato escondia que se tratava de uma ditadura de partido, representando os
interesses de alguns setores das elites mexicanas. Entretanto, decorrente de um
acordo entre as elites (já que quem arquiteta as eleições são elementos da máquina
eleitoral montada pelo PRI ao longo de décadas), venceu Vicente Fox, o candidato
do Partido de Acción Nacional (PAN).
É preciso lembrar, porém, que a disputa pelo poder e pela memória-história
tornou-se ainda mais acirrada do que quando o PRI estava no comando da política
nacional. Aliás, esse partido, como menciona Igor Fuser em seu livro México em
transe (1995), ressaltando o discurso de Mario Vargas Llosa em visita ao México em
1990, como se observa nesse trecho:
Um partido que é inamovível, um partido que concede espaço àcrítica na medida em que esta lhe serve, porque confirma que é umpaís democrático, mas suprime por todos os meios, inclusive ospiores, aquela crítica que de alguma maneira põe em perigo suapermanência no poder. (VARGAS LLOSA apud FUSER, 1995, p. 14)
Desde a consolidação da Revolução Mexicana, o México passou a ter o PRI
como único partido a ocupar o poder. Formado por membros vitoriosos do
movimento armado em 1910, tal partido fundamentou-se na obrigatoriedade de
filiação para todos os funcionários públicos e sindicalistas, dentre outros indivíduos.
Com o irrestrito apoio do Congresso, tornou-se absoluto, conseguindo exercer poder
total sobre os Três Poderes, as Forças Armadas, a mídia, as associações de
trabalhadores, os empresários, os sindicatos e os camponeses.
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Inicialmente concebido como um partido de massas, defensor dos direitos dos
trabalhadores, da reforma agrária e da estatização, o PRI mudou radicalmente nos
anos oitenta e noventa, voltando-se para uma política neoliberal alinhada com seu
vizinho do norte, os Estados Unidos. Desde sua independência em 1821, até os dias
atuais, o México convive com as incontáveis interferências desse gigante na sua
política interna e externa. Essa situação ficou muito clara na famosa frase de Porfirio
Díaz: “Pobre México, tan lejos de Dios y tan cerca de Estados Unidos”. (DÍAZ apud
SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 205)
Entre as mais relevantes interferências, podem-se destacar a perda de parte
de seu território na guerra do século XIX3, diversas investidas durante a Revolução
de 1910 e, mais recentemente, no revezamento de forças políticas do PRI, que
lutavam para manter-se no poder à custa de grandes concessões, resultando,
finalmente, a aprovação, pelo Congresso dos EUA a entrada do México no Tratado
de Livre Comércio Norte-Americano (TLCAN)4 em dezessete de novembro de mil
novecentos e noventa e três.
É preciso considerar também que o PRI, muitas vezes, com uma política
interna e externa ambígua, intercalou linhas de direita e esquerda, pois, como
membro atuante da Internacional Socialista, recebeu refugiados políticos europeus e
latino-americanos, mas manteve uma dura política interna de combate às
contestações sociais, além de transformar os sindicatos em máfias e ter membros de
seu alto escalão envolvidos com o tráfico internacional de drogas. Não obstante, ao
longo dos anos, o poder do PRI começou a diminuir em decorrência de episódios
3 Na Guerra contra os Estados Unidos da América ocorrida entre 1846 e 1848, o México perdeugrande parte de seu território, as regiões que hoje compreendem os estados: Califórnia, Nevada,Texas, Novo México, Arizona além de partes de Utah e Colorado. (CALDAS, 2009, p.1)4 Esse termo apresenta siglas diferentes de acordo com o idioma. Em inglês: North American FreeTrade Agreement (NAFTA); Opta-se aqui pela sigla em espanhol para Tratado de Libre Comercio deAmérica del Norte (TLCAN). (PADILLA TORRES, 2008, p.1)
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como a Matança de Tlatelolco, a grave crise econômica a partir de 1970 e as
eleições federais de 1988.
Essa matança aconteceu quando, dias antes dos Jogos Olímpicos de 1968,
estudantes protestaram contra a instabilidade política do país. O então presidente
Gustavo Díaz Ordaz ordenou que o exército invadisse a Universidad Nacional
Autónoma de México (UNAM), onde os jovens se haviam refugiado. O número de
mortos é impreciso, variando entre duzentos e trezentos. A grave crise econômica
instalada a partir de 1970 é, certamente, uma das consequências para a diminuição
do poder aquisitivo da população, gerando desvalorizações, desemprego e
ampliação da pobreza. No caso das eleições federais de 1988, foi marcante o
episódio da queda do sistema durante a contagem de votos, pois esse saiu do ar no
momento em que o candidato Cuauhtémoc Cárdenas do Partido de la Revolución
Democrática (PRD) levava vantagem. No dia seguinte, o sistema voltou a funcionar
com larga vantagem para o candidato do PRI, Carlos Salinas de Gortari, que
acabaria por vencer as eleições.
Certamente a obra em questão não é uma crônica jornalística do que ocorreu
no México após a derrota do PRI. Apresenta, entretanto, um pano de fundo político,
cuja leitura toca em temas relacionados com o México contemporâneo, como as
feridas abertas pela guerra cristera na história recente, reflexões sobre os meios de
comunicação, principalmente a televisão, e a influência do narcotráfico no contexto
cultural, político e social do país.
Em linhas gerais, o romance narra a história de um professor universitário,
Julio Valdivieso, que vive há vinte e quatro anos na Europa. Ele é casado com a
tradutora italiana Paola (que traduz os best-sellers de Constantino Portella), com
quem tem duas filhas: Claudia e Sandra. Em sua juventude, Valdivieso foi
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apaixonado por sua prima Nieves, porém, quando o romance começa, ela já havia
falecido num acidente de carro com o marido, deixando aos cuidados dos tios
Donasiano e Florinda seus dois filhos: Alicia e Luciano. Assim que chega ao país, o
professor é abordado pelos antigos amigos da Oficina Literária da qual fizera parte:
Juan Ruiz (El Vikingo), Ramón Centollo, Félix Rovirosa, Olga Rojas e Flaco Cerejido,
sendo que os dois primeiros são assassinados durante o desenvolvimento do
romance. Além desses personagens mais próximos do protagonista, outros também
são importantes, como o dono da rede de TV, José Atanasio Gándara, o padre
Monteverde e os policiais que investigam as mortes dos personagens: Ogarrio e
Rayas. Já o personagem histórico-narrativo Ramón López Velarde atravessa todo o
romance com passagens de sua biografia e inclusão de trechos dos seus poemas.
Desta forma, acredita-se que esse romance, situado entre o documental, o
histórico e o ficcional, considerado por críticos como Mihály Dés e Christopher
Domínguez Michael, uma obra da maturidade, apresenta uma crítica ao não
posicionamento do intelectual que assiste ao horror na condição de testemunha. É o
que se pode depreender a partir do peculiar matiz sarcástico e irônico de Villoro ao
apresentar muitos personagens ocupando o papel de “testemunha”, sem destacar,
porém, o termo intelectual, mas tecendo uma reflexão da imagem projetada por essa
figura.
A questão do testemunho na América Latina, tendo como ponto de partida a
experiência histórica da ditadura, a repressão das minorias e a exploração
econômica, apresenta muito mais um peso de política “partidária” do que cultural,
num posicionamento a favor da luta de classes e da defesa dos oprimidos. Neste
caso, o discurso da testemunha, bem diferente do que ocorre na reflexão sobre
testemunho em âmbito europeu e norte-americano, onde o trabalho da memória está
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estruturado em torno das experiências traumáticas da Segunda Guerra Mundial e da
Shoah5, vem geralmente mediado pela figura do intelectual.
Com base nessa concepção, quando se trata de analisar o testemunho
literário, é natural a sua vinculação à historiografia, ao estudo etnográfico, biográfico
ou autobiográfico. No entanto, não se pode desconsiderar que o termo testemunho
apresenta também uma ligação jurídica e religiosa. Em ambos os campos, esse
termo está muito bem definido; no campo literário, porém, provoca dúvidas e
controvérsias.
Sendo assim, tanto a testemunha quanto o intelectual são figuras que
ocupam a tribuna de debate nas últimas décadas na América Latina, provocando
inúmeras críticas, autoelogios e incontáveis polêmicas. Deste modo, são diversas as
questões levantadas, principalmente com relação ao seu engajamento,
comprometimento e participação na sociedade.
Cabe ressaltar que a escrita literária teve, durante boa parte do século XX, o
papel de formar opinião e até de usurpar as funções do discurso historiográfico,
político e jornalístico. Por sua natureza, essa escrita é ambígua e metafórica,
essencialmente esquiva, por mais literal que se pretenda.
Desta forma, o que El testigo propõe é uma reflexão sobre o posicionamento
da figura do intelectual nesse período de mudança, demonstrando que, tanto numa
era de ditadores como na de um governo institucionalizado, os intelectuais ocupam
um importante espaço como interlocutores entre o poder e os cidadãos. É, portanto,
a figura do intelectual que permite entender o porquê da reflexão sobre o poeta
5 Adota-se aqui o termo Shoah em lugar de Holocausto, pois o grego holócauston significa queimartotalmente, e era usado para denominar o sacrifício ritual; já o termo hebraico Shoah é aceito pormuitos estudiosos e também pela maioria dos judeus e significa catástrofe, destruição eaniquilamento. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 41)
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Ramón López Velarde, a recuperação das vanguardas mexicanas e a colocação de
personagens que se caracterizam como produtores de discurso.
No entanto, nesse país em que a mídia continua controlada, os partidos
políticos são marcados por escândalos de corrupção, a violência do poder paralelo
do narcotráfico se acentua e a influência da Igreja Católica, fortemente abalada pelo
processo revolucionário, havia sido reativada, forças, que parecem incrustadas em
várias esferas de poder, torna isso problemático. Afinal, tudo que o protagonista
descobre, ou conhece via “testemunha” a respeito desse período do qual esteve
ausente por tanto tempo, retira dele a responsabilidade, tanto no acontecido como
na práxis que está por vir.
O crítico mexicano e autor da Antología de la narrativa mexicana del siglo XX
(1996), Christopher Domínguez Michael, comenta em seu artigo “La vitalidad
histórica de los muertos mexicanos: El testigo de Juan Villoro” (2011), que Villoro:
“se atrevió a presentar una imagen novelesca de México a la manera decimonónica.”
(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p.191), ou seja, em pleno século XXI, esse autor
opta por produzir um romance com as características da tradição literária do século
XIX, que valoriza as contradições das relações humanas e a reflexão do mundo
vivido, ao mesmo tempo em que estabelece uma literatura engajada, na qual
aparece um equilíbrio entre o erudito e o popular, na passagem para a chamada
cultura de massa.
Esse autor educado “en la mejor escuela balzaquiana, aquella que concibe la
novela como el envés de la sociedad.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 192)
produz um romance com a pretensão de narrar a nação, a cultura, a política, a
sociedade e o sistema literário, principalmente a partir da segunda metade do século
XX, fato que o romance contemporâneo, em sua maioria, já não alcança.
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Para tanto, Villoro convoca, ainda que não explicitamente, as escolas
literárias, desde as vanguardas da década de 1920 e 1930, passando pela literatura
do meio do século, com Juan Rulfo, Juan José Arreola, José Revueltas, Carlos
Fuentes e os poetas infrarrealistas dos anos 70, até a literatura nortenha mexicana,
com David Toscana, Eduardo Antonio Parra e Luis Humberto Crosthwaite. Isso fica
bem claro a partir do momento em que se constata ser um dos personagens do
romance o poeta modernista Ramón López Velarde, e é justamente ele “quien
permite dar cuenta de la transición del modernismo a la vanguardia”. (SÁNCHEZ-
PRADO, 2006, p. 28)
Desse modo, será traçado, no primeiro capítulo, um breve panorama da
narrativa mexicana a partir da segunda metade do século XX, procurando vincular o
romance corpus dessa pesquisa às questões levantadas nas narrativas desse
período, destacando, principalmente, a trajetória intelectual de Juan Villoro e a crítica
literária em torno de El testigo. A relevância de iniciar essa pesquisa com tal
proposta leva em consideração que, tanto o protagonista quanto o escritor do
romance nasceram e produziram a partir de referida data e que várias questões
presentes nas obras desse período foram retomadas por Villoro nesse romance.
A disputa pela interpretação do passado no romance está representada pela
figura do poeta nacional, tido como um dos pilares da literatura mexicana moderna.
O poeta Ramón López Velarde é a figura da pátria, o leitmotiv que dá legitimidade à
questão dos intelectuais, percorrendo todo o romance. Muitas dúvidas em El testigo,
entretanto, pairam sobre o posicionamento político desse poeta, falecido no fim da
Revolução Mexicana. Na verdade, discute-se se ele teria tido tempo ou não para se
manifestar contra ou a favor de algumas das posições em disputa, transformando-se
no poeta nacional e gerando em diversos grupos especulações de posições que
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muitos acreditam teria sido tomada por ele se tivesse vivido mais alguns anos.
Afinal, os intelectuais desse período revolucionário são criticados tanto pela
participação política mais efetiva quanto pela preocupação estética literária. No
entanto, o que se questiona no romance não é nem uma coisa nem outra, mas a
posição confortável ocupada por López Velarde.
No segundo capítulo, serão desenvolvidas reflexões sobre os intelectuais,
desde o porfiriato, passando pelo período revolucionário, destacando,
principalmente, a figura do já citado poeta Ramón López Velarde, juntamente com
as vanguardas mexicanas do início de século XX, assunto que interessa a todos os
personagens de El testigo, os quais, direta e indiretamente, contribuíram para a
formação de um discurso nacionalista e cultural.
Desde o título, El testigo indaga sobre a figura da testemunha, muito bem
definida em diversos meios, mas não na literatura. Em latim, pode-se denominar o
testemunho com duas palavras: testis e superstes. A primeira indica o depoimento
de um terceiro em um processo de litígio entre duas partes. Já a segunda indica a
pessoa que atravessou uma provação e subsistiu, ou seja, o sobrevivente. Desta
forma, muitos personagens denominam o protagonista, Julio Valdivieso, a
testemunha perfeita, quer dizer, um testis, pois acreditam que ele pode dar fé dos
fatos, pelo distanciamento deles. No entanto, para ele, todos os outros personagens
deveriam ocupam essa posição, pois haviam atravessado um duro período de
transição, do qual Valdivieso esteve ausente.
Já o terceiro capítulo estará centrado na análise dos personagens que, a
princípio ocupam o papel de testemunhas no romance. Antes, porém, serão
apresentadas algumas considerações a respeito do testemunho na América Latina,
na Europa e nos Estados Unidos. Na análise do universo romanesco, será levada
22
em consideração a relação dos personagens com a história e com o poder no
México atual.
Cabe destacar que dos personagens que ocupam a posição de testemunhas
em El testigo são produtores de discurso, além de manterem uma relação de
proximidade com várias esferas de poder. Fato que está presente no romance desde
o poeta da pátria, Ramón López Velarde ao protagonista Julio Valdivieso.
Nesse contexto, o último capítulo desta pesquisa se centrará na tensão
intelectual-testemunha e trará à discussão a relação do intelectual e o poder no
México contemporâneo, pois El testigo tece uma reflexão sobre a testemunha e se
pergunta sobre a tradição romanesca mexicana, cifrada na forma literária da qual
Villoro se alimenta.
23
CAPÍTULO 1 - JUAN VILLORO: OBRA E CRÍTICA
Pero eso que sé, mientras observo a Villoro que mira el Mediterráneo, no eslo importante. ¿Lo importante es que seguimos vivos? Tampoco, aunque noes poco. Lo importante es que tenemos memoria. Lo importante es que aúnpodemos reírnos y no manchar a nadie con nuestra sangre. Lo importantees que seguimos en pie y no nos hemos vuelto ni cobardes ni caníbales.
Roberto Bolaño
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o existencialismo invade o âmbito
intelectual do ocidente. A militância de Jean-Paul Sartre toma conta do pensamento
dos jovens da América Latina, principalmente nas grandes capitais. E a Cidade do
México não é diferente. Martin Heidegger, Ortega y Gasset e o magistério pessoal
de José Gaos ocupam a centralidade da crítica acadêmica.
Juan Villoro, assim como Julio Valdivieso, o protagonista de El testigo,
nascem na década de cinquenta, momento em que paira sobre a intelectualidade
mexicana a filosofia do “ser mexicano”. Essa filosofia, embalada por Octavio Paz,
Luis Villoro (pai do autor sobre o qual esta pesquisa se ocupa) e Leopoldo Zea, entre
outros, partem da premissa “de que un pueblo mexicano era sólo posible por una
identidad psicológica común”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 371)
Desta forma, não de maneira exaustiva, pois não é objeto deste trabalho a
história literária do México, será feita, nas páginas seguintes, uma breve revisão da
literatura mexicana a partir da década de cinquenta. Trata-se, entretanto, de uma
revisão sem aprofundamentos ideológicos ou estéticos, criando apenas um
panorama, cuja tentativa seria localizar Villoro e El testigo dentro do contexto
narrativo mexicano. Os comentários sobre os autores e as obras que seguem nesse
capítulo se baseiam principalmente na visão crítica de Christopher Domínguez
Michael, José Joaquín Blanco e Ignacio Sánchez-Prado.
24
1.1 Panorama da narrativa de Juan Villoro no contexto literário mexicano
No meio literário, a segunda metade do século XX é marcada pelo surgimento
de escritores profissionais mexicanos. São os chamados pais fundadores da nova
literatura: “el poeta Octavio Paz, un prosista como Juan José Arreola y quienes dan
a la novela mexicana su primer grupo de magnitud histórica: Agustín Yánez,
Fernando Benítez, José Revueltas e Juan Rulfo” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.
1001), que praticamente constituem uma geração.
É importante salientar que, em sua maioria, esses escritores nasceram nos
anos dez e vinte, e suas publicações apareceram simultaneamente com: Adán
Buenosayres (1948) de Leopoldo Marechal, El túnel (1948) de Ernesto de Sábato, El
Aleph (1949) de Jorge Luis Borges, Los pasos perdidos (1954) de Alejo Carpentier,
La hojarasca (1955) de Gabriel García Márquez e Los ríos profundos (1958) de José
María Arguedas, para citar algumas obras de importantes escritores hispano-
americanos.
Em ensaio publicado no início dos anos oitenta intitulado Aguafuertes de la
literatura mexicana: 1950-1980, José Joaquín Blanco destaca que o assunto
fundamental da literatura mexicana da segunda metade do século XX:
es la modernización del país, la brusca y forzada transformación deuna Nación preindustrial, rural y campesina, con poderosasatmósferas indígenas, aparentemente aislada de la vida occidental yarraigada en modos tradicionales, en un país industrial y urbano.(BLANCO, 1982, p. 1)
Cabe ressaltar que esse processo se iniciou no governo de Porfirio Díaz6
com a chegada das estradas de ferro em terras mexicanas. No entanto, o emblema
desse projeto e o consolidador do capitalismo no país é certamente Miguel Alemán
6 Porfirio Díaz ocupou a presidência do México em dois períodos entre 1877-1880 e 1884-1911.(SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 192)
25
(1946-1952). Esse momento histórico cabe na significativa frase do escritor e
jornalista mexicano Luis Spota: “La revolución se bajó del caballo y subió al cadilac.”
(SPOTA apud SEFCHOVICH, 1990, p. 172)
No contexto político e social, a segunda metade do século passado se inicia
com um forte desenvolvimento impulsionado pelo fim da Segunda Guerra Mundial,
pelo civilismo e pelo fortalecimento do PRI. Em contrapartida, há a repressão aos
movimentos sociais associada à corrupção. Nesse período, o México já não é um
país de massas, mas de anúncios publicitários, e tanto o índio, quanto o camponês
ou o simples morador da cidade se transformam em consumidores.
E assim, muito raramente se encontra uma vida cultural isenta das malhas do
poder, pois não há público independente, vida sindical livre, comunidades rurais ou
urbanas autônomas, já que quase tudo está incluído no sistema do Estado e no
sistema privado parasita dos benefícios estatais. Observa-se que, de uma maneira
ou de outra, os intelectuais trabalham para o governo. Literatura independente,
crítica, autônoma, destaca Blanco “sólo en los sótanos, en las cárceles y en difíciles
y raros espacios académicos” (BLANCO, 1982, p. 3), se pode encontrar.
No campo filosófico, a chegada de José Gaos é a origem da transformação
mais importante do pensamento mexicano no século XX, pois “bajo su influencia, el
campo filosófico adquirió, en gran medida, los temas y problemas que lo siguen
ocupando hasta nuestros días”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.166) Entre as
contribuições de Gaos destacam-se duas: a atualização e a transformação do
arquivo filosófico do pensamento, pois antes dele a filosofia mexicana se mantinha
muito próxima do positivismo, do indigenismo e de outras correntes emanadas do
nacionalismo cultural e ligadas a projetos hegemônicos do Estado; depois de Gaos,
linhas filosóficas como historicismo, o existencialismo e a fenomenologia entram no
26
debate. A outra é a chamada “filosofia da filosofia”, ou seja, “una filosofía que se
ocupa de las condiciones concretas del sujeto en su devenir histórico abre la puerta
a lo que se llamará la “filosofía de lo mexicano”” (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 168).
Nesse sentido, o México do contraste parece desaparecer, criando um culto
em torno da personalidade do presidente, transformando-o não somente no eixo
político e econômico, mas também cultural, intelectual e do espetáculo.
Uma vez consolidado o campo do poder, a cultura se converte em
instrumento que tenta alcançar alguma definição. Encontrar-se, o cenário da
obsessiva busca pelo ser nacional, o qual esteve a cargo do grupo Hiperión7
formado por estudantes mexicanos de José Gaos por volta de 1947 e encabeçado
por Leopoldo Zea e Luis Villoro, entre outros. Surge então a filosofia do “ser
mexicano”.
A operação central desse grupo no debate sobre a mexicanidade está no
deslocamento da “essência à existência”, como menciona Sánchez-Prado (2006) “de
características transhistóricas a contingencia histórica, en la descripción de la
ontología del mexicano.” (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.186) Ou seja, nos anos
cinquenta, essas ideias estão incorporadas na fala cultural, ou melhor dizendo, na
força do projeto hegemônico do nacionalismo e no contexto do campo do poder,
fatos que impedem uma posição mais crítica e autônoma no campo cultural.
Na medida em que há a identificação da população com a imagem de si
mesma no cinema, na literatura, na música popular e no muralismo, essa é a
maneira através da qual o poder do Estado pode neutralizar, de forma bastante
7Hiperión é a figura menor da Titanomaquia grega que foi recuperado com particular intensidadedurante o romantismo e, com clara filiação germânica, sobretudo de Hegel e Dilthey. Além dos doismembros mencionados pode-se destacar também Emilio Uranga, Joaquín Sánchez MacGregor,Ricardo Guerra e Jorge Portilla. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 191)
27
eficiente, a resistência. E sem dúvida, muitos intelectuais contribuíram para essas
formas alternativas de constituição de “povo”.
Cabe salientar, no entanto, que, desde os anos trinta, os Contemporáneos
(assunto que será desenvolvido no próximo capítulo) não se submeteram ao
nacionalismo estatal, como se pode observar na ironia de Salvador Novo em
Poemas proletarios (1934), composto por quatro poemas, no qual se destaca um
pequeno trecho do mais longo “Del pasado remoto” (1934):
Revolución, revolución,siguen los héroes vestidos de marionetas,vestidos con palabras signaléticas,el usurpador Huertay la Revolución triunfante,don Venustiano disfrazado con barbas y anteojoscomo en una novela policiaca primitiva[...]la clase laborante y el proletariado organizado,la ideología clasista,los intelectuales revolucionarios,los pensadores al servicio del proletariado,el campesinaje mexicano,la Villa Álvaro Obregón, con su monumento,y el Monumento a la Revolución.(NOVO, 1934, p. 2)
Com relação à produção literária da segunda metade do século, Blanco
(1982) a caracteriza como uma literatura esquecida dos matizes indigenistas, rurais,
revolucionários e cristeros, para embrenhar-se na vasta e caótica vida urbana, na
qual a literatura de Juan Rulfo, José Revueltas, Carlos Fuentes, Octavio Paz, Elena
Poniatowska e Carlos Monsiváis desafiam a visão oficial montada pelo PRI e
transcendem o espaço literário, chegando a ser, nos anos setenta, uma bandeira
política, opinando:
México no es en esas obras [de los autores mencionados] la meraconmemoración oficial de héroes y episodios heroicos prefabricados,la exhibición de artesanías y ruinas indígenas, la exhibición demercados floridos atendidos por indios típicos: es la modernísima,industrial, urbana, tecnológica situación de masas desempleadas, deobreros reprimidos, de cárceles clandestinas, de sindicatoscooptados y corrompidos, de nuevos latifundistas que son al mismo
28
tiempo las autoridades agrarias oficiales, de comunidadescampesinas despojadas, de ciudades caóticas y brutalmentedesordenadas a fin de ser más exprimidas por los negociosinmobiliarios. Frente a esta modernidad del desastre, se necesitónuevos autores. (BLANCO, 1982, p. 3)
Ao se avançar demais, é preciso retroceder aos pais fundadores da nova
literatura mexicana, “denominación justa aunque sin duda bombástica”
(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.1004) e convém iniciar por El laberinto de la
soledad (1950) do poeta Octavio Paz (1914-1998), não somente porque é publicada
no meio do século passado, mas principalmente para destacar a imagem oficial do
“ser nacional”, que entra na esfera pública a partir dessa obra, e que o discurso
filosófico de Hiperión fica restrito ao âmbito acadêmico.
A importância de traçar esse cenário é para que se possa compreender o
meio em que Villoro se desenvolveu culturalmente e como alguns autores e obras
apresentadas nesta parte inicial contribuíram direta ou indiretamente para sua
formação intelectual, destacando, neste caso, a relação de Villoro com a filosofia do
“ser nacional”, pois é contra essa filosofia que ele se “rebela”, como deixa claro na
entrevista Villoro en Villoro (2009):
Cuando yo empecé a escribir y leer por mi cuenta había unasaturación de autodefinición nacionalista y creo que buena parte delas cosas que yo he escrito han sido un ejercicio de ironizar y dedesmontar esos procesos. Creo que el camino que va de 1950 con elLaberinto de la soledad a fines del siglo veinte con la Jaula de lamelancolía de Roger Bartra es el camino para entender que elmexicano es múltiple, es híbrido es provisional, que no hay unmexicano emanante […] todas las escrituras de mis cuentos, de misnovelas y de mis ensayos tienen que ver con ese proceso dedesmontaje de una identidad unívoca y de una identidad retórica […].(VILLORO, 2009, p. 1)
Esse processo a que se refere Villoro na entrevista, o de demonstrar através
de suas obras que não há idiossincrasia mexicana, aparece em diversos momentos
de El testigo, sempre com muita ironia, como quando Valdivieso, assim que chega
29
ao país, encontra seu amigo Vikingo no restaurante Los Guajolotes, e o narrador
comenta “el rostro asombrosamente familiar de un mesero – bigote canónico, nariz
de muñeco de palo – le hicieron sentir que no había salido de México.” (VILLORO,
2004a, p. 20)
Ocorre também mais adiante, quando o protagonista comenta a respeito da
tristeza que sentia assim que chegou à Europa com saudades de casa e
principalmente de seu amor, Nieves, e comenta:
Paola estaba al tanto de esa oportunidad perdida, la única sombraantes que ella. Conoció a Julio cuando parecía un huérfano con másdeseos de ser adoptado que de ligar. Por suerte para ambos, ellaasoció su insoportable tristeza con la cultura mexicana. Había leídoEl laberinto de la soledad y se disponía a traducir a autores de esepaís desgarrado, que reía mejor en los velorios. En los ojos de Juliovio el culto a la muerte y la vigencia de los espectros. (VILLORO,2004a, p. 39)
Nesses dois trechos se observa a maneira irônica com que Villoro se
aproxima desse tema, questionando a construção de tipicidade do mexicano, das
características estereotipadas que havia recebido no estrangeiro a respeito de uma
identidade nacional comum.
Tal fato aparece também em seu romance Materia dispuesta (1996), em cujo
último capítulo, intitulado “Las pieles infrarrojas”, há um grupo de artistas mexicanos
contratados para ir ao estrangeiro e atravessam um drama, o de não parecerem
tipicamente mexicanos, pois uns são brancos; outros, mestiços ou loiros. Resolvem
então tomar banhos de bronzeamento artificial, com medo de que lhe tirem os
empregos, como se observa na conversa entre os personagens Fredy, Jimmy e
Mauricio (protagonista):
“La siguiente meta es Estados Unidos; la siguiente meta es Europa.”_ “Los empresarios extranjeros están entusiasmados con las ráfagasde luz y sonido (…), pero hay un detalle” (…) “El problema … hayque decirlo …es la mera neta … el problema es que no parecenmexicanos. Sí, sí, ya lo sé: a nadie le importa que los noruegos
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parezcan suecos o los finlandeses húngaros, pero nosotros nopodemos negar la cruz de nuestra parroquia” Jimmy torció elargumento para que la falta de color local pareciera una traición alorigen - . […] _ ¿cuál es la solución? ¿Disfrazarse de mexicanos?(VILLORO, 2011, pp. 248-249)
Cabe reforçar que esse processo ironizado por Villoro em suas narrativas no
início do século passado, momento em que foi pensado, era válido, pois havia então
a necessidade de fortificar a identidade nacional em construção. Essa tipicidade e
essa autenticidade, no entanto, não são possíveis.
Villoro lê com muito respeito a tradição literária mexicana. E essa referência
aparece em El testigo através da convocação tanto de narrativas quanto de
escritores ditos canônicos. Entretanto, esse autor deixa para trás as questões do
“ser nacional” e avança com muita clareza para a cultura de massa, manejando a
alta e a baixa cultura com a mesma desenvoltura, tecendo poetas malditos e
estrelas de televisão com uma variação de cenários dissímiles entre o cinismo e o
disparate.
Para José Ramón Ruisánchez, Villoro é herdeiro de três vertentes mexicanas:
primero, la que va de la novela de la Revolución a Carlos Fuentes,releyendo productivamente a Rulfo; en segundo lugar, el canon querecupera la manera heterodoxa de los Contemporáneos por mediode la Generación de la Casa del Lago y de sus excursiones aliteraturas “marginales” que permiten regresar a la novela y al cuentodesde la riqueza de una ruptura con el género rígido, lo que llamaron“escritura” siguiendo a los teóricos franceses de la écriture;finalmente, el atrevimiento progresista que bebe por una parte de lasgrandes narraciones sociales del 68 y del 85 y, por otra, de loshallazgos pop de la Onda. (RUISÁNCHEZ, 2008, p. 144)
Nesse contexto, sua geração, ou seja, a dos nascidos na década de
cinquenta, recebem uma forte influência da geração do boom, como já declarou
Villoro em entrevista:
31
Mi generación, o sea la de los escritores nacidos en los añoscincuenta, ha sentido un doble y fuerte atracción, proveniente de losdos polos continentales: la llamada literatura fantástica del Río de laPrata (muy señaladamente Felisberto Hernández, Borges, BioyCasares, Cortázar, hasta el mismo Onetti) y la literaturanorteamericana, una literatura de velocidad, con ritmocinematográfico, con yuxtaposición cinematográfica de escenas yuna construcción de secuencias tomadas del montaje de los filmes,los escritores posteriores a la «generación perdida»: Saúl Bellow,John Updike e Truman Capote. (VILLORO, 1997, p. 121)
Levando-se em consideração que, no início dos anos cinquenta, as obras
literárias que circulavam em sua maioria eram os romances da Revolução, os
poemas de López Velarde e os conteúdos pedagógicos do sistema educativo
construído sob a tutela de José de Vasconcelos, Paz utiliza o recurso literário
ausente da obra do grupo Hiperión, que é basicamente a “superioridade estilística” e
potencializa a circulação de seu livro no espaço público. Não se trata, como comenta
Sánchez-Prado, de enfatizar a superioridade de Paz, “sino la forma en que las
modalidades literarias del discurso superan a las filosóficas en la capacidad de
articulación a la esfera pública”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 211)
El laberinto de la soledad fecha um ciclo, estabelecendo a conclusão de um
processo de formação intelectual iniciado nos anos trinta, pois, como comenta
Domínguez Michael:
La filosofía de lo mexicano va desapareciendo como encrucijadaintelectual cuando su propio proceso la degenera en una ontologíalocalista y a menudo pintoresca. Octavio Paz lo entendió al afirmarque el mexicano no era una esencia sino una historia. Historiaestrechamente ligada al mito: la combinación correspondió a laliteratura. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p. 1004)
O sonho de emancipação intelectual dos hiperiones e de Paz parece que fica
reduzido a uma caricatura, o pensamento crítico confinado nas instituições
acadêmicas, enquanto na esfera pública se consagram os mitos que os mexicanos
começam a acreditar como próprios.
32
Outro importante escritor desse período, no qual se observa muito das
características de sua obra em El testigo, é Juan José Arreola (1918-2001), o qual,
com seu peculiar sentido de humor e grande habilidade para apagar fronteiras entre
a fantasia e a realidade, publica em 1949 Varia invención. Arreola é um autor difícil
de ser classificado, pois está “a mitad de camino entre Kafka y Borges”.
(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.1007). Sua matéria prima, segundo Octavio Paz,
citado por Domínguez Michael “es la vida misma pero inmovilizada o petrificada por
la memoria, la imaginación y la ironía” (PAZ apud DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.
1009).
Memória, imaginação e ironia não faltam nas obras de Villoro, principalmente
no romance que constitui o corpus dessa pesquisa, cujo protagonista oscila em
diferentes tempos, e a memória funciona como catalizadora de múltiplas tensões
entre as contradições da história e um presente sem rumo claro.
Em 1966 se reúnem em Confabulario total (Confabulario e Bestiario) as obras
mais representativas de Arreola, que são um impulso decisivo na prosa mexicana
culta. Esse autor inventou a oficina da prosa, na qual ensinava a escrever,
artesanalmente, textos sonoros sem assonâncias ou repetições, e por lá passaram
Carlos Fuentes, Elena Poniatowska e José Agustín, entre outros. Além de ter
ajudado a tantas gerações, ele é autor também de La feria (1963), um curioso
romance verdadeiramente popular, cujo protagonista são as massas, mais
especificamente, o povo de uma cidade. Conseguindo reunir, dentro de um texto
moderno, a picaresca com o artesanato fantástico, o culto e o vernáculo em uma só
unidade, Arreola é “ya un escritor plenamente hispanoamericano y universal, como
nadie había sido antes en el terreno de la ficción.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a,
p. 1009)
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Herdeiro da hagiografia cristera e do romance proletário, José Revueltas,
(1914-1976) escritor, roteirista e ativista político mexicano, é autor de El luto humano
(1943) com seus miseráveis camponeses presos até a morte pela inundação, pois
em Revueltas “el paraíso se transforma en infierno; la irrigación rural en diluvio
universal; el realismo de la Revolución Mexicana en escenario apocalíptico”.
(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p. 1014)
O tema cristero é, sem dúvida, uma das chaves de leitura de El testigo, já que
apresenta uma visão mais fresca, porém não menos engajada que em Revueltas,
mesmo utilizando uma telenovela para resgatar a discussão, pois, como comenta
Ruisánchez (2008), a obra de Villoro:
no sólo corre hacia delante en dirección de lo que va a pasar, de lonuevo, traído por la “transición” democrática, sino, simultáneamente,hacia el pasado cristero, porfirista, acaso colonial. Y también hacia elpasado como un esclarecimiento —siempre provisional: esa es sulección, la ética de su historiografía— de lo que sucedió tanto en lavida como en la Historia. En todos estos sentidos, El testigo es unaficción archívica. Los cambios en el presente, una y otra vez, obligan auna relectura que violenta el pasado, que lo vuelve críptico no sóloporque en él habitan los muertos, sino también porque desde él losmuertos exigen respuestas a sus preguntas. (RUISÁNCHEZ, 2008, p.146)
Em 1947, Revueltas declara ironicamente que: “la revolución mexicana
llegaba al medio siglo muerta, o de que había nacido muerta”. (REVUELTAS apud
BLANCO, 1982, p. 5) Essa história, exaltada pelos muralistas nos espaços estatais,
ganha um novo olhar sobre essa paisagem, agora macabra, da realidade social na
consciência humana, concebida como câmara de tortura. Algumas de suas obras
são: Los muros de agua (1941), Dios en la tierra (1944), Los días terranales (1949),
Los errores (1964), El apando (1969) entre outras. Vale reforçar que, com exceção
de Revueltas, a participação do campo literário mexicano nos movimentos políticos
nos anos finais de cinquenta e início de sessenta são muito limitados, pois, como
destaca Sánchez-Prado:
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Octavio Paz se encontraba en medio de su labor diplomática en laIndia, Carlos Fuentes no tenía ninguna participación política enparticular, Juan Rulfo trabajaba en el Instituto Indigenista del régimeny no tuvo ninguna participación de consideración en las marchas,Agustín Yáñez era secretario de Estado y los miembros de Hiperiónnunca trascendieron del todo las fronteras de la academia.(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 298)
A limitação que menciona Sánchez-Prado não dura muito, pois, no final dos
anos sesenta, não há como ficar indiferente ao ocorrido na Plaza de las Tres
Culturas em Tlatelolco no dia 2 de outubro de 1968. Paz “renunció al cargo de
embajador en la India para protestar contra la represión policiaca al movimiento
estudiantil.” (LOAEZA, 1998, p.2) e o narrador tardio, Agustín Yáñez (1904-1980)
autor de Al filo del agua (1947), obra considerada por muitos anos o maior romance
mexicano, tem uma efetiva participação nesse movimento.
Yáñez foi governador do Estado de Jalisco entre 1953 e 1959, e Secretário
de Educação em 1968 (durante o massacre de Tlatelolco), substituindo Jaime Torres
Bodet, que havia desempenhado a função no sexênio anterior. E como comenta
Blanco (1982), Yáñez era “precisamente la autoridad a la que correspondía
directamente el "problema" estudiantil, y Revueltas como el principal preso por las
arbitrariedades y depredaciones oficiales de entonces”. (BLANCO, 1982, p. 5) Ou
seja, esses dois importantes escritores marcaram os extremos desse período.
Ressalte-se que com extrema ambição formal, na obra de Yáñez se
destacam: La creación (1959), La tierra pródiga (1960), Las tierras flacas (1962) e
Las vueltas del tiempo (1973), entre outras. Nessas obras, observa-se a utilização
de procedimentos contemporâneos, como a ‘collage’, o monólogo interior e a
simultaneidade; por outro lado, percebe-se a presença de uma linguagem rica,
pesada, lenta e, às vezes, barroca.
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Nos romances El rey viejo (1959) e El agua envenenada (1961), Fernando
Benítez (1912-2000) deixa transparecer toda a qualidade de sua prosa, que, como
destaca Blanco “llana y a la vez abundante en matices, con una fluencia de
conversación que, sin embargo, no prescinde del aparato, de la tensión ni de la
profundidad del discurso escrito.” (BLANCO, 1982, p.10)
Além de escritor, Benítez foi também editor, antropólogo, etnólogo e
historiador, recursos que permitiram o enriquecimento de seu trabalho com aspectos
críticos da realidade nacional, como se pode observar em: Los indios de México
(1967-1981), em cinco tomos, e Lázaro Cárdenas y la revolución mexicana (1977-
1978) suas maiores obras.
Outro importante escritor desse período é Juan Rulfo (1917-1986), cuja obra
se compõe do livro de contos El llano en llamas (1953) e do romance Pedro Páramo
(1955). Neles se observa um narrador cuja dimensão dá: “el testimonio del campo
mexicano, hundido en la pobreza, en el caciquismo, en el fanatismo y las
supersticiones, antes de ser aplastado por los tiempos modernos. (BLANCO, 1982,
p.4)
Rulfo acabou com a investidura pitoresca do índio e mostrou, através de sua
obra, uma resposta à crise do “realismo mexicano” dos anos quarenta. Para
Domínguez Michael (1996a), é um erro chamá-lo de indigenista, como já o fizeram
alguns norte-americanos, ou que esteja ligado à Literatura da Revolução, pois a
guerra de Rulfo havia sido outra, a Cristiada e sua “ideologia” (DOMÍNGUEZ
MICHAEL, 1996a, p.1030), na qual perdera o pai e dois tios. Como comenta
Sánchez-Prado (2006) a respeito do romance de Rulfo:
Lo que la novela de Rulfo plantea es una perspectiva sobre elproceso revolucionario que excede tanto los discursos de nación delcampo literario de vanguardia y del campo académico, ubicadosparticularmente en una experiencia urbana de la revolución, como la
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estructura narrativa de la novela de la Revolución que, en su impulsomemorialista, pierde por completo la reflexión sobre el problema delimpacto del movimiento histórico en los espacios comunitarios delinterior del país. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 233)
O que hoje parece óbvio, naquele momento não era, pois a obra de Rulfo é
produto tanto de uma experiência histórica como de uma forma de incorporação ao
campo literário, que caracterizou tanto o debate sobre o nacionalismo como a
articulação com o campo acadêmico.
Os diálogos intertextuais entre Pedro Páramo (1955) e El testigo são
inúmeras, indo desde os protagonistas que vagam como sonâmbulos, ou melhor,
fantasmas: Juan Preciado e Julio Valdivieso; passando pelo espaço de possibilidade
da memória: o povoado de Comala e a fazenda Los Cominos que “por más que en
Los Cominos no encuentre Valdivieso un mundo de muertos si que encuentra un
ahogado y extrañificante paisaje de vivos en trance de descomposición.”
(HERMOSILLA SÁNCHEZ, 2010, p. 3); culminando com a violência presente no
tema cristero, pois, como menciona Carlos Fuentes:
Villoro hace una incursión notable al mundo del campo mexicano. Yano es, claro, el campo de Yánez o Rulfo, porque los campesinosmexicanos han perdido todas sus luchas. Villoro recrea la grannostalgia de la acción campesina, no sólo en la Revolución deZapata y Villa, sino en ese singular momento que fue la Cristiada, larebelión del interior católico contra las leyes civiles de la Revolucióny, en particular, contra los gobiernos “ateos” de Obregón y Calles enla década de 1920-1930. Acción desesperada, heroica, insensata, laCristiada es en Villoro el símbolo histórico de una derrota de la tierra.(FUENTES, 2011, p. 118)
As referências a Rulfo e a Pedro Páramo são, na maioria das vezes,
discretas, mas, no enterro de Vikingo, o amigo de Valdivieso, tornam-se explícita:
Julio abrazó a conocidos que podían no serlo, veinticuatro añoscambian tanto a las personas. Sonreía con la amabilidaddescolocada de alguien que mira a extraños que sin embargo sabenquién es él. Juan Preciado en Comala. Espectros. Sombras de
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voces. Rostros parecidos a recuerdos. Apariciones. (VILLORO,2004a, p. 322)
Como se observa, Valdivieso se converte, por um instante, em Juan Preciado,
enquanto vê passar e cumprimentar pessoas que não reconhece em um vísivel
estranhamento, como Villoro comenta em um artigo sobre o romance de Rulfo: “El
proceso de extrañamiento, esencial a la invención fantástica, se cumple en el más
común de los territorios”. (VILLORO, 2001, p. 3)
Depois de libertados pelos pais fundadores, os autores que seguem não têm
outra pretensão a não ser narrar. Antes, porém, de tratar desses escritores, vale a
pena destacar a entrada das mulheres nesse espaço masculinizado, uma vez que,
até por volta da década de cinquenta, a participação delas nos debates culturais que
deram forma à cultura e à literatura nacional era bem modesta. Sanchéz-Prado
(2006) destaca que:
Hasta 1950, las mujeres habían estado sistemáticamente excluidas yausentes de los debates culturales que dieron forma a la cultura y laliteratura nacional. Algunos autores, como Margo Glantz, atribuyeneste fenómeno a la definición hegemónica de la literatura como virilen los años veinte, que significó una localización en el cuerpomasculino de la experiencia nacional, lo que se tradujo en unadescalificación de la experiencia de la mujer en la literatura. […] Todoesto implica que atribuir a la literatura viril el borramiento de la mujerdel espacio público es incorrecto porque oculta el hecho de que esteborramiento es mucho mayor y dejó a la mayoría de las mujeresfuera de los ámbitos culturales. […] De hecho, la “obstinadainvisibilización de la mujer” (Valenzuela Arce, Impecable 118) fueparte constitutiva de muchos de los discursos de lo nacionalproducidos por Hiperión y sus contemporáneos, cuyo punto más altoes la famosa descripción del rol “enigmático” de la mujer en Ellaberinto de la soledad. (SANCHÉZ-PRADO, 2006, p. 265)
Nesse contexto, poucas mulheres conseguiram intervir no campo cultural dos
anos trinta, com exceção da pintora Frida Kahlo (1907-1953), a escritora Nellie
Campobello (1909-1986), a modelo e romancista Guadalupe Marín (1895-1983) e a
jornalista, pensadora, dramaturga e mecenas do grupo Contemporáneos Antonieta
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Rivas Mercado8 (1900-1931), que o fizeram desde uma performance pública, não
tendo conseguido, porém, impor-se verdadeiramente no campo cultural.
Dentro dessa perspectiva, a publicação de El libro vacío (1958) de Josefina
Vicens (1915-1988) significou uma grande ruptura responsável pela transformação
da condição feminina no meio do século XX, principalmente a partir do sufrágio
universal em 1953. Destaca-se ainda Rosario Castellanos (1925-1974) com Balún
Canán (1957), que propõe uma releitura da história marcada, simultaneamente, pelo
gênero, nostalgia e crítica ao poder. Além de Elena Garro (1920-1998) com Los
recuerdos del porvenir (1963), uma obra que traça um paralelismo com Pedro
Páramo (1955) de Rulfo, com a diferença, porém, de que essa autora não conta a
história de um povoado consumido pela estrutura do poder pós-revolucionário, mas
“una alegoría del conflicto histórico entre las burguesías regionales y los intentos del
Estado de incorporar estas regiones al proyecto de la reforma agraria”. (SANCHÉZ-
PRADO, 2006, p. 272)
Nesse meio do século, além dos escritores destacados, encontram-se
também: Francisco Tario (1911-1977), Archibaldo Burns (1914-2011), Edmundo
Valadés (1915-1994), Jorge López Páez (1922), Luis Spota (1925-1985), Rodolfo
Usigli (1905-1979) entre outros. Cabe ressaltar que este último, com a obra Ensayo
de un crimen (1944), dá ao espaço urbano a densidade labiríntica de que carecia. É
quando aparece, pela primeira vez no romance mexicano, a cidade moderna vista
por dentro:
8 Sobre a vida cultural de Antonieta Rivas Mercado vale a pena ler o artigo “Escritura y biografia enlas cartas de Antonieta Rivas Mercato” de Ana María González Luna (2002), no qual destaca entreoutros o financiamento que proporciona aos Contemporáneos editando Dama de corazones de XavierVillaurrutia, Novela como nube de Gilberto Owen e contribuindo ativa e economicamente nacampanha eleitoral de José de Vasconcelos em 1929. (GONZÁLEZ LUNA, 2002, pp. 409-421)
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La ciudad de México en Usigli aparece como un pardo crepúsculocuyos signos son apenas discernibles. Calles y cafés, pasajesurbanos y jardines, taxis y cabarets: todos son lugares a punto dedesvanecerse, funcionando en cámara lenta, intangibles. Elhomenaje de Usigli es a una ciudad cuyo esplendor del medio sigloes el anuncio de su decadencia: los ciudadanos que la habitan vivencomo especies terminales. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996a, p.1060)
A Cidade do México, nesse período, estreava, radiante em sua modernidade,
com muitos cafés, teatros, cinemas, livrarias e restaurantes em ruas iluminadas, pois
os governos de Manuel Ávila Camacho (1940-1946) e de Miguel Alemán (1946-
1952), ao contrário de seus predecessores desde o período da Revolução,
caracterizaram-se por uma relativa estabilidade política, crescimento e diversificação
da economia. Sendo assim, a cidade atrai outros escritores, como Rafael Bernal
(1915-1972), com El complot mongol (1969), romance em que desaparecem as
referências sociais e cafés da moda de Usigli, fazendo surgir uma cidade mostrada
através dos bairros mais simples.
A denominada Generación del Medio Siglo ou Generación de la Casa del
Lago, cresceu em um meio literário influenciado por três destacadas situações: a
presença da figura de Alfonso Reyes; a herança de seus antecessores, como o
grupo dos Contemporáneos e a inspiração e estímulo de Octavio Paz. Essa geração
é integrada por escritores como Inés Arredondo, Tomás Segovia, Huberto Batis,
Juan García Ponce, Juan Vicente Melo, Salvador Elizondo, Sergio Pitol, José Emilio
Pacheco entre outros, que não somente desenvolveram obras próprias, mas um
destacado trabalho de crítica em diferentes campos (teatro, cinema, pintura, música,
romance, ensaio e poesia), como também no âmbito da tradução.
O perfil dessa geração poderia ser definido por vários aspectos, como
destaca a professora e pesquisadora Claudia Albarrán em um artigo publicado na
Revista Difusión Cultural em 1998:
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1) La adopción de una postura contraria a ciertas tendenciasnacionalistas de los años cuarenta, sustentada en el cuestionamientode los presupuestos de la Revolución Mexicana y en la denuncia delas promesas revolucionarias incumplidas por parte del gobiernomexicano; 2) El cosmopolitismo, gracias al cual se fomentó yenriqueció una labor cultural con pocos precedentes en la historianacional; 3) El pluralismo, que implicó la apertura de sus miembros alquehacer cultural y literario de otros países; 4) El apoyo de susintegrantes a otros jóvenes intelectuales y escritores, tantonacionales como extranjeros, quienes mostraron a la sociedadmexicana de los años sesenta otros rumbos y puntos de vista sobreel quehacer literario y cultural de México; 5) Su participación endistintas instituciones culturales, como el Centro Mexicano deEscritores, y en distintas dependencias de la Universidad NacionalAutónoma de México (UNAM); 6) Su actitud crítica ante la cultura engeneral y ante algunas instituciones en particular, la cual ejercieronen diversas revistas del país --como Universidad de México, RevistaMexicana de Literatura (en adelante RML), Cuadernos del Viento,S.Nob y La palabra y el hombre, entre otras--, y en los suplementos"México en la Cultura" (del periódico Novedades) y "La Cultura enMéxico" (de la revista Siempre!), y 7) El apoyo que recibieron dediversas editoriales, como la Imprenta Universitaria de la UNAM, Era,Empresas Editoriales, Joaquín Mortiz, el Fondo de CulturaEconómica (FCE) y la editorial de la Universidad Veracruzana, porcitar sólo algunas. (ALBARRÁN, 1998, p.1)
Apesar de longa, a citação se justifica, pois, através de várias instituições que
se prolongam até os dias atuais, pode-se observar claramente a participação direta
de verbas do governo com o intuito de incentivar a cultura nacional nesse período.
Em relação a esse aspecto, O Centro Mexicano de Escritores foi uma dessas
entidades de suma importância para os membros dessa geração. Fundado em 1951,
inicialmente com financiamento da Fundação Rockefeller, anos depois, o apoio de
destacados homens de negócios e de empresas mexicanas públicas e privadas
permitiu que o Centro abandonasse o patrocínio dessa Fundação e se
transformasse numa instituição independente. Ela funcionava como uma oficina na
qual os escritores recebiam críticas de seus trabalhos. Com o tempo, entretanto,
iniciou-se a distribuição de bolsas para jovens escritores.
Para que se possa ter uma dimensão do que significou o apoio do Centro aos
escritores da Generación del Medio Siglo, basta enumerar os nomes e datas de
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alguns escritores que receberam as bolsas: “Jorge Ibargüengoitia (1954-1955 y
1955-1956), Tomás Segovia (1954-1955 y 1955-1956), Juan García Ponce (1957-
1958 y 1963-1964), Inés Arredondo (1961-1962), Salvador Elizondo (1963-1964 y
1966-1967) y José Emilio Pacheco (1969-1970)”. (ALBARRÁN, 1998, p. 4)
No entanto, vale ressaltar que esse papel de educador desempenhado pela
Fundação Rockfeller fazia parte de um projeto muito maior, do Banco Mundial, cujo
objetivo seria levar a educação a povos periféricos, através do financiamento de
projetos orientados à promoção da modernização econômica como forma de conter
o avanço do ideário comunista. O projeto também objetivava a dinamização das
relações desiguais entre centro e periferia e, principalmente, tinha a preocupação de
“formar intelectuais capazes de disseminar tais ideias”. (FALLEIROS, PRONKO,
OLIVEIRA, 2010, p. 52)
Dentre tantas contribuições do Centro, destaca-se também o projeto cultural
Casa del Lago9, fundada em 1959 e, como ressalta Albarrán (1998) sobre o dia da
inauguração: “encabezada por Josefina Lavalle, y Gurrola y Arreola, subidos en una
panga, recitaron fragmentos de la "Suave patria" de López Velarde”. (ALBARRÁN,
1998, p. 8)
A íntima relação entre os intelectuais e o poder percorre toda narrativa de El
testigo. É possível observar, logo nas primeiras páginas, a crítica aos intelectuais
que recebem bolsas do governo e o destaque dado à não participação do
protagonista nesse sistema:
Leiris estudiaba la literatura latinoamericana como una vastaoportunidad de documentar oprobios. El machismo, el cacicazgo, elecocidio, la corrupción integraban la mitad yin de sus estudios; lamitad yang constaba de la barroca sofisticación con que losintelectuales mexicanos avalaban el régimen que los protegía. Leiris
9 É o primeiro centro cultural da UNAM situado fora do campus universitário, fundado em 1959, tendocomo diretor fundador Juan José Arreola. (ALBARRÁN, 1998, pp.1-7)
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estaba en contacto con una difusa ONG que lo ponía al tanto de losabusos y las prebendas de la cortesana sociedad literaria del país delos aztecas. Aceptaba a Julio porque, a diferencia de sus paisanos,no tenía subsidios del gobierno (y sobre todo porque no teníasirvienta). Sí, lo aceptaba, pero como se acepta un té cuando no haycafé”. (VILLORO, 2004a, p. 24)
Como se percebe nesse trecho do romance, Villoro ressalta o olhar exótico
capaz de despertar interesse aos estrangeiros sobre a literatura hispano-americana
e a relação entre os intelectuais e o regime priísta.
Como já mencionado, o escritor Salvador Elizondo (1932) pertence a essa
geração e publica, em 1965, um dos romances mais complexos da literatura
mexicana até o momento: Farabeuf o la crónica de un instante (1965), um livro de
intrínseca e fascinante escuridão, um espaço de horror e erotismo, fictício e
imaginário, no qual o texto denuncia qualquer forma de certeza e conhecimento “es
una emoción incomprensible e indecifrable. Nada más que una sensación a la que
las palabras son insuficientes.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 41)
No mesmo ano em que se publica Farabeuf, encontram-se outros títulos de
suma importância como: Gazapo (1965) de Gustavo Sainz (1940) e La señal de Inés
Arredondo (1928-1989). Com as obras desses três autores, destaca Domínguez
Michael (1996b), citando o crítico José Luis Martínez, que pela primeira vez um ciclo
de renovação se dá antes na narrativa que na poesia. (DOMÍNGUEZ MICHAEL,
1996b, p. 40)
A vasta e variada obra do primeiro diretor da Casa del Lago, Juan García
Ponce (1932-2003), em sua diversidade explora temas como: o erotismo, a polêmica
intelectual, a crítica, a pintura metafísica e a reflexão moral entre outros. Como se
pode observar em: Imagen primera (1963), La casa en la playa (1966), El hombre
olvidado (1970) ou Inmaculada o los placeres de la inocencia (1989), nas quais
predomina “la compulsión por elevar lo cotidiano a un orden metafísico o estético,
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aunque sea una cotidianeidad un tanto predispuesta y con alcances esteticistas
demasiado facilitados.” (BLANCO, 1982, p. 17)
Nos anos finais de 1950 e princípios de 1960, a intervenção no discurso
literário mais significativo está na tríade romanesca de Carlos Fuentes (1928-2012),
composta por La región más transparente (1958), La muerte de Artemio Cruz (1962)
e Aura (1962), destacando o renascimento de uma literatura de vocação urbana que
não era vista desde os romances líricos dos Contemporáneos e dos Estridentistas.
Em La región más transparente aparece um retrato, sem complacência, do México
do meio do século, um projeto ambicioso no qual culminam as obsessões mais
profundas “la noche de los menesterosos y la culpa de los vencedores, el día de la
oligarquía y la persistencia sacarrona de la muerte, así como el desfile de una
intelectualidad dudosa entre las obligaciones de la consciencia nacional y la divertida
iluminación cosmopolita”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p.18)
Carlos Fuentes e o impulso moderno e ambicioso desse período, que é La
región más transparente, exerceram muita influência na narrativa de Villoro, como
destaca o próprio Fuentes em seu artigo sobre El testigo, comentando a diferença
entre a cidade do México em 1958, ano de publicação de sua obra e em 2004,
quando se publica a de Villoro. Se, naquela época, a cidade tinha cinco milhões de
habitantes, nessa obra mais recente, cerca de vinte milhões. Fuentes destaca
também que o México do romance El testigo é um espaço literário, que “La novela
es ciudad sin límites, por ausencias, por nostalgias”. (FUENTES, 2011, p.116). E
que Villoro sabe que o todo não pode ser abarcado, e que não tem essa pretensão,
então opta por criar uma cidade “parcelada, más identificable por lo que no es que
por lo que es; más por sus maneras de engañarse a sí misma que por las verdades
que se dice a sí misma o que se dicen de ella.” (FUENTES, 2011, pp.116-117).
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Villoro parte da impossibilidade de abarcar o todo e entende de antemão que
sua cidade, muitas vezes, são várias dentro de uma, ou seja, é “un territorio que
excede la experiencia humana [...] un palimpsesto mil veces corrigido [...] um caos
[grifo nosso] que nos rebasa a diario con frenética intensidad.” (VILLORO, 2002b, p.
62) Afastando-se de Fuentes e aproximando-se do “primer escritor libre del México
moderno, el primero que empieza a tomarse las grandes libertades y a decir las
grandes barbaridades” (BLANCO, 1982, p. 23), Carlos Monsiváis, o qual o lê “no
sólo como un renovador de su género, sino como un precursor de la narrativa de las
generaciones posteriores” (RUISÁNCHEZ & ZAVALA, 2011, p.12), pois Villoro sabe
que necessita continuar narrando a cidade, não a de Fuentes, mas a cidade em
camadas, de céu cinzento, uma Blade Runner, talvez. Neste caso, com improvisada
imaginação política e estética, que inclui o artigo, a crônica e o ensaio em sua
composição prosística, com a mesma facilidade que absorve os recursos da poesia,
em um constante e consciente malabar monsivaniano.
A partir da década de 60 e 70, observa-se uma clara vontade de superar e
lutar contra o fanatismo historicista. Surge assim o primeiro grupo de escritores a
romper com essa obsessão: La Onda10. Nesse contexto, o renovador e vigoroso
José Agustín (1944), que com La tumba (1964) funda o novo mito narrativo do
México: “el joven como módico rebelde, simpático y anticonvencional cuando es de
clase media y su papá le presta el coche, con mucho sentido del humor y, [...] capaz
de encontrar aventuras entre rascacielos y unidades habitacionales.” (BLANCO,
1982, p. 25) Além de De perfil (1966), Inventando que sueño (1968) ambos de
10La Onda movimento literário surgido no México por volta de 1960 e considerado em muitosaspectos como contracultural. Denominado em sentido pejorativo de Literatura de la Onda por MargoGlantz. Através de uma ruptura com a literatura tradicional, jovens demonstravam desacordo com oregime autoritário do PRI, utilizando temas irreverentes como: o rock and roll, a Guerra do Vietnã, osexo, as drogas entre outros. Seus integrantes mais destacados são: José Agustín, Gustavo Sainz eParménides García Saldaña. (SANCHÉZ-PRADO, 2006, p. 321)
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Agustín e o já citado Gazapo (1965) de Gustavo Sainz, entre outros, surge uma
nova maneira de narrar, caracterizada pela linguagem coloquial da classe média da
capital no âmbito literário, da qual Agustín é considerado o pioneiro.
É importante ressaltar que muito há de contracultura na obra de Villoro, e a
inegável presença de José Agustín e Gustavo Sainz em suas obras. A visão do
adolescente influenciado pela contra cultura norte-americana aparece em La noche
navegable (1980) e Albercas (1985), suas primeiras obras.
Figura importante do conto breve e da imaginação, assim é a obra de Augusto
Monterroso (1921-2003), autor que muito influenciou na formação de Juan Villoro,
em que claramente se pode perceber uma fabulação cheia de humor e ironia, como
opina Blanco: “Como picotazos de abeja en una cultura dada a monumentalidades y
profusiones tropicales, constituye una reivindicación de la inteligência, la simpatía y
especialmente de la prosa.” (BLANCO, 1982, p. 9).
Monterroso é um sagaz observador da atualidade moral e destacado
narrador. Esse guatemalteco radicado no México é uma discreta e sorridente voz da
literatura hispano-americana. Com suas Obras completas y otros cuentos (1959), La
oveja negra (1969) e Movimiento perpetuo (1972) o autor demonstra de maneira
magistral toda sua ironia, e sobre a sua produção comenta o crítico Adolfo Castañón
citado por Domínguez Michael:
Un narrador preocupado por hacernos reflexionar y reír – sólopiensan quienes tienen sentido del humor – y deseoso de actualizaren su obra lo que para él es esencial en la literatura: una escrituraprecisa e imaginativa, conocedora del valor de las anécdotassignificativas (y cualquier anécdota puede ser significativa), cruel yconsciente de la elocuencia de las imágenes, de lo imprescindibleque resulta al escritor de brevedades, relatos y viñetas hacerse – encada uno de sus textos – de una voz atenta a las reacciones dellector – una voz conversada y sugestiva, no autoritaria. (CASTAÑÓNapud DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 48)
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Em meio a todos esses narradores, vale destacar um grupo de jovens poetas
inspirados em José Revueltas e Efraim Huerta que, ainda em meados dos anos 70,
mais precisamente em 1976, fundaram no México uma corrente literária de
vanguarda e de verdadeira ruptura com o establishment literário mexicano, o
Infrarrealismo.
Heriberto Yépez em seu artigo “Historia de algunos infrarrealismos” (2009)
menciona que “Las antologías y los libros de crítica de poesía mexicana, por
supuesto, ignoran a este movimiento y cuando se le menciona es para
descualificarlo”. (YÉPEZ, 2009, p.1). Esse período foi marcado pelo fim do governo
de Luis Echeverría, época em que houve uma proliferação de atividades culturais
nas universidades ligadas à arte e à humanidade como parte de um movimento de
conciliação com a juventude mexicana.
Esse grupo era composto pelos poetas chilenos Roberto Bolaño (1953-2003)
e Bruno Montané (1957); o peregrino do Norte José Vicente Anaya (1947); ou
“chilangos marginales, defeños descontentos, caifanes cuasi-infernales” (YÉPEZ,
2009, p.3), como os mexicanos Mario Santiago Papasquiaro11 (1953-1998),
Cuauhtémoc Méndez (1956-2004), Ramón Méndez Estrada (1954); e mulheres
como Mara Lorrosa (1955), Guadalupe Ochoa, Lorena de la Rocha (1956) entre
outros.
Villoro é da mesma geração dos infrarrealistas e foi nesta época que
conheceu Roberto Bolaño e Mario Papasquiaro. Ele recorda que eles se
apresentaram como um grupo de ruptura “muy bronco y áspero, que iba a
desestabilizar la realidad mexicana.” (VILLORO apud CARO, 2010, p. 68)
11O verdadeiro nome desse poeta e fundador do movimento Infrarrealista é José Alfredo ZendejasPineda, mas mudou para Mario Santiago argumentando que José Alfredo somente havia um (JoséAlfredo Jiménez, o compositor de rancheiras) e posteriormente acrescentou Papasquiaro emhomenagem à cidade natal do escritor José Revueltas. (YÉPEZ, 2009, p.1)
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A presença desses poetas em El testigo é representada pelo personagem
Ramón Centollo, que será abordada mais detalhadamente no terceiro capítulo. Por
hora, cabe destacar que, como os infrarrealistas, Centollo não aceita fazer parte do
sistema nem da tradição poética convencional, representada em sua época por Paz
e Monsiváis, verdadeiros ícones da cultura oficial. O próprio Villoro menciona que
eles “no eran otra cosa que una manera inaudita de manifestar el repudio que
sentían ante la estrecha relación entre el intelectual de la época y el gobierno, o el
«compromiso tan prostituido con las esferas del poder» como lo expresa Ochoa”.
(VILLORO apud CARO, 2010, p. 68)
O ensaísta, romancista e contista José Emilio Pacheco (1939), comprometido
com todos os gêneros, iniciou-se como poeta e publicou um caderno de contos: La
sangre de Medusa (y la noche del inmortal) em 1958. Em Morirás lejos (1967), um
curioso romance experimental em torno da Shoah e, com Las batallas en el desierto
(1981), aparece um relato nostálgico do México dos anos cinquenta. A respeito de
seu pessimismo histórico, uma prosa que vem da tradição literária escrita e não da
linguagem falada é o que o separa da Onda, pois, como destaca Domínguez
Michael (1996b): “Pacheco nace como lector frente al apocalipticismo rulfiniano,
tomó de Fuentes algo de su ladera fantástica y fue alumno directo y amanuense de
Arreola”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 63)
Nesse contexto, ao privilegiar a meditação subjetiva entre o presente e o
passado, é clara a influência, na narrativa de Villoro, de Pacheco, o homem de letras
tradicional. Afinal, em Pacheco há sempre alguém que recorda o passado de
maneira melancólica, e o autor de El testigo, herdeiro desses procedimentos de
memória, renova o arquivo como forma de iluminar os interstícios da história, local
em que a história questiona a História.
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É importante mencionar também Jorge Ibargüengoitia (1928-1983), autor com
um aguçado sentido de humor e de crítica, obtido, algumas vezes, através da ironia
e do sarcasmo. Começou no teatro, mas nunca abandonou a farsa histórica, criando
então a paródia do romance da Revolução em Los relámpagos de agosto (1965). Já
em Maten al León (1969), La ley de Herodes (1967), Estas ruinas que ves (1973),
Dos crímenes (1979), Las muertas (1977), Ibargüengoitia apresenta obras cujos
temas criticam o moralismo da classe média, deixando transparecer em cada um de
seus protagonistas o ser ridículo, como representação paródica de personagens
reais ou possíveis. E como menciona Domínguez Michael, citando Blanco:
“Ibargüengoitia es una de las respuestas más eficaces que el poder ha recibido de
parte de la novela crítica en México”. (BLANCO apud DOMÍNGUEZ MICHAEL,
1996b, p. 67)
Humor e crítica também não faltam à obra de Villoro, obtidos, assim como em
Ibargüengoitia, através da ironia, do sarcasmo e da paródia, representando uma
clara crítica ao poder que os romances haviam recebido no México nas últimas
décadas. Seus personagens levam a uma reflexão a respeito da situação política,
econômica, social e cultural do país.
Sergio Pitol (1933), escritor, tradutor, professor e diplomático de reconhecida
trajetória intelectual no campo da criação literária e da difusão da cultura,
principalmente no que se refere à preservação e promoção do patrimônio artístico e
histórico mexicano, apresenta personagens solitários e excêntricos, tanto nos
romances como nos contos. Entre suas obras mais destacadas encontram-se:
Tiempo cercado (1959), El infierno de todos (1964), Los climas (1966), No hay tal
lugar (1967), Del encuentro nupcial (1970), El tañido de una flauta (1972), Nocturno
de Bujara (1981), Asimetría (1981), Juegos florales (1982) e El desfile del amor
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(1985). Pitol é um dos poucos escritores de sua geração que merece aprovação de
Blanco, o qual, com sua crítica ácida e feroz, destaca que seus personagens são
naturalmente solitários e que:
Pocas veces la literatura mexicana ha tenido un defensor tanentrañable, tan conmovido, tan apto como Sergio Pitol para losmundos de la soledad y los solitarios, los desamparados ydesesperados, de los locos y los avergonzados, de los torpes yperdidos de sí mismos: las víctimas de la honorable familia burguesa:los niños, los viejos, los solos, que frente a la realidad no sólo banal,sino autoritaria y ajena, oponen el recurso de su retórica: inventanprofusos y laberínticos mundos alternativos, totalmente teatralizadose inverosímiles, desbordantes de una vitalidad exagerada y a vecescomo de ópera. (BLANCO, 1982, p. 15)
Com Sergio Pitol “el camino de la memoria es tortuoso, uno no recuerda lo
que quiere sino lo que puede.” (RUISÁNCHEZ & ZAVALA, 2011, p.13), assim como
em Villoro, é estar dentro e fora, um olhar deslocado, solitário e desamparado, que
aparece em vários personagens, principalmente em seus protagonistas como
Balmes (El disparo de argón, 1991), Mauricio (Materia dispuesta, 1996) e Julio
Valdivieso (El testigo, 2004).
Outra figura importante para que se possa compreender a cultura mexicana
das últimas três décadas é Carlos Monsiváis (1938-2010). Um analista cultural e
literário com a escrita naturalmente carregada de ironia, Monsiváis foi um outsider
crítico e ávido ensaísta, incluindo a crônica e o artigo para absorver recursos da
poesia. Publica o romance Días de guardar (1970) e Amor perdido (1977), este
último um livro de plenitude barroca, sem abandonar as crônicas dos fatos, as
reconstruções históricas e os movimentos sociais. Com essas duas obras,
Monsiváis:
se ubican en la fundación de un ethos de la izquierda en la estela del68. Este ethos emerge en el contexto de dos problemáticas: lacreciente represión política en México, que alcanza su puntoculminante en el régimen de Luis Echeverría, y el ingreso definitivo
50
de la cultura americanizada y mediática al imaginario nacional”.(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 335)
Villoro se aproxima dessa questão em El testigo através do personagem
Alicia, a filha mais velha de sua prima Nieves, que vive em Los Angeles, pois, como
demonstra a narrativa, ela incorporou o inglês em sua fala e tem dificuldade de
pronunciar seu próprio idioma: “Alicia hablaba en español como un cojo que insiste
en correr.” (VILLORO, 2004a, p. 123)
A escritora, ativista política e jornalista Elena Poniatowska (1932) publica seu
primeiro livro de ficção Lilus Kikus (1954), no qual, de maneira irônica, apresenta
atmosferas infantis e cotidianas. Já a obra Hasta no verte, Jesús mío (1969) é um
romance baseado em uma longa entrevista da lavadeira Josefina Bórquez, na qual
aparece como a protagonista Jerusa Palancares. No entanto, La noche de Tlatelolco
(1971) é sua obra mais destacada, pois, nela, Poniatowska brinda o leitor com um
panorama do movimento estudantil de 68, apresentando muita qualidade crítica,
sem cair, entretanto, no panfletário ou no tratado sociológico. Afastando-se do papel
testemunhal característico desses romances e utilizando a ironia picaresca para fugir
do lugar comum, Elena deixa aflorar, nessa obra, personagens oprimidos,
marginalizados da cidade, vítimas de massacres e mães de desaparecidos.
Embora se considere aqui o mesmo que o crítico Domínguez Michael
(1996b) sobre o romance de 68, “No hay novela del 68. Quizá sea un género por
venir”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 502). É preciso levar em consideração
que foram publicadas muitas obras sobre esse importante período histórico. Além da
já mencionada obra de Poniatowska, há também Los días y los años (1971) de Luis
González de Alba (1944), que é antes de tudo um diário, “un hecho afortunado para
la literatura mexicana […] una prueba no de heroísmo, sino de templanza.”
(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 503)
51
Outra obra de relevância desse período é Muertes de Aurora (1980) do
escritor, crítico literário e roteirista de televisão Gerardo de la Torre (1938). Nessa
narrativa alusiva a 68, o autor destaca a participação de um grupo de operários
petroleiros no Movimento estudantil. No entanto, cabe ressaltar que não se trata de
um romance ideológico, uma vez que temas como o combate, a esperança e o
herói, todos considerados grandes pela tradição literária, estão ausentes.
O escritor e guerrilheiro Salvador Castañeda (1946) publica ¿Por qué no
dijiste todo? (1980), obra que narra o enfrentamento entre a esquerda armada e as
forças repressivas estatais. Como comenta Domínguez Michael (1996b), esse
romance “recuerda el clima de las novelas cristeras: México es un río de sangre que
no cesa.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 505)
Após esse trio de obras (Los días y los años, Muertes de Aurora e ¿Por qué
no dijiste todo?) onde reinam a tortura e a negação, aproxima-se a uma leitura mais
fresca, Paco Ignacio Taibo II (1949), que parece ser um pouco mais otimista e
pragmática. Em Cosa fácil (1977), apresenta um herói “chilango”, prototípico,
responsável pela descoberta de um Distrito Federal triangulado. Taibo II reafirma
sua crença na natureza das lutas sociais e dessacraliza as feridas deixadas por 68.
Entre sua extensa lista de publicações, destacam-se: Héroes convocados (1980),
Revolucionario del paisaje (1986), La misma ciudad, la misma lluvia (1989),
Retornamos como sombras (2001), que é uma obra entre o romance policial e a
história durante a II Guerra Mundial, entre outras.
Agustín Ramos (1952) com Al cielo por asalto (1979) encerra essa sequência.
Além desse livro, ele publica também La vida no vale nada (1982), Ahora que me
acuerdo (1985) e Como la vida misma (2005), entre outras. Ramos é um narrador
de excelente prosa e, para o crítico Ignacio Trejo Fuentes, sua narrativa pode ser
52
dividida em três assuntos: “la política, la historia y los tiempos modernos”. (TREJO
FUENTES, 2007, p. 45)
Ao serem destacados os escritores anteriormente mencionados, não se trata
aqui de relatar que outros autores desse período tenham sido indiferentes diante do
massacre de 68, pois muitos refletiram e publicaram sobre esse tema, como
Fernando del Paso (1935) em Palinuro de México (1977), Jorge Aguilar Mora (1946)
em Si me muero lejos de ti (1979) e Juan García Ponce em Crónica de la
intervensión (1982).
Nesse contexto, Fernando del Paso é uma resposta fértil dada pela literatura
mexicana a esse estado de ânimo. Del Paso publicou outros romances, como: José
Trigo (1966), Noticias del imperio (1987) e Linda 67. Historia de un crimen (1965),
além de ensaios, contos, poesias e peças de teatro. Em suas obras, ele optou pelo
erotismo como tema principal:
Del Paso […] olvida el culto de las llagas o los meandros de la Identidad.Lo suyo es el delirio y el festín. Para él la carne, lejos de ser triste, es lasuma de todo conocimiento. Carne pútrida, carne apetecible. En suscuerpos esa materia total tiene la misma textura taxonómica del mundo:geología, zoología, botánica. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p. 522)
No entanto, deve-se levar em consideração que a obra mais destacada pela
crítica literária de 68 é El apando (1969) porque precisamente não volta ao
acontecimento trágico tantas vezes mencionado, pois Revueltas retrata o cárcere de
Lecumberri, lugar no qual esteve preso após o movimento estudantil, procurando
narrar a dor do homem, mostrando o terror da força repressora que invade e destrói
a vida dos presos políticos.
Leonardo Da Jandra (1951), que sem remeter diretamente a 68, mas
pretendendo interpretar com muito cuidado sua geração, publica Entrecruzamientos
53
(1986 e 1988) em dois tomos, participando da resposta literária à dissolução ou
estancamento das utopias políticas e cotidianas.
Adentrando os anos de 1970, dois romances rompem de vez com a tradição:
Lapsus (1971) de Héctor Manjarrez (1945) e Cadáver lleno de mundo (1971) de
Aguilar Mora. Essas obras são, em grande medida, produtos da estada desses
autores na Europa, deixando nelas transparecer:
la provinciana "onda" mexicana se vio pequeñísima y anticuadafrente a la onda inglesa y el estructuralismo francés, y los leyó encierto sentido como manuales de modernización -e intelectualización-en "la onda": refinamientos de capacidad satírica, situacionesepatantes, ultrabarroquismo verbal, extremada politización,referencias archiliterarias, sabiduría sicoanalítica, etc. (BLANCO,1982, p. 26)
Além de Lapsus, Manjarrez publica também No todos los hombres son
románticos (1983), obra na qual aparece um escritor sentimental. Outros romances
seus são: Acto propiciatorio (1970), Pasaban en silencio nuestros dioses (1987) e Ya
casi no tengo rostro (1996).
Caber ressaltar que muitos autores escreveram sobre temas radicais, como a
exploração de outra identidade amorosa e a vida homossexual. O primeiro romance
desse tema surgiu no México com Miguel Barbachano Ponce (1930), em El diario de
José Toledo (1964), mas é com Luis Zapata em El vampiro de la colonia Roma
(1979) que o amor homossexual aparece de forma mais explícita, com Zapata
apresentando uma valorosa reflexão crítica à rejeição. E, não casualmente, a
publicação dessa obra coincide com as primeiras manifestações públicas e políticas
no México sobre esse tema.
O mérito desse romance, no entanto, não está nas aventuras nem no aspecto
dramático do protagonista, mas na descoberta do ambiente citadino como
submundo de uma cidade que carece de luz solar. A marginalização da sociedade é
54
resgatada por escritores como: Ignacio Trejo Fuentes (1955) em Crónicas Romanas
(1990), Chin Chin el teporocho (1972) e Tepito (1983) de Armando Ramírez (1951),
onde se pode ver a volta da picaresca. São vários os narradores que incursionaram
pelo tema da paixão homossexual, dentre os quais podemos citar: Alberto Dallal
(1936) com Mocambo (1976); Raúl Rodríguez Cetina (1953-2009) com El
desconocido (1977); Carlos Eduardo Turón (1935-1992) com Sobre esta piedra
(1982); José Joaquín Blanco (1951) com Las púberes canéforas (1983); e José
Rafael Calva (1953-1997) com Utopía gay (1983) entre outros. (GUTIÉRREZ, 2009,
p. 285)
Villoro em sua obra Materia dispuesta (1996) explora o tema de gênero
através de um bildungsroman latino-americano, com o narrador e protagonista
Mauricio Guardiola demonstrando uma visão particular da masculinidade
hegemônica e patriarcal, como se observa já na primeira frase do romance: “Mi
padre siempre usó el lado rasposo de la toalla. Si algo definía su carácter era la furia
para frotar y admirar su carne enrojecida”. (VILLORO, 2011, p. 13)
Sendo assim, em uma narrativa onde o protagonista deambula pela cidade
como “materia dispuesta”, essa obra de Villoro pode ser lida como uma
alegoría histórica de la desintegración del concepto del “México viril”promulgado en el imaginario pos-revolucionario, se invita a apreciarla mirada postmoderna, pos-nacional y decididamente pos-patriarcal[...], que a la vez logra “fisurar las lecturas establecidas” de lamasculinidad y la nación en la historia de la literatura mexicana”(WILLIAMS, 2011, p. 337)
O escritor Roberto López Moreno (1942) exerce a narrativa e o jornalismo
com a mesma desenvoltura, passando pela poesia, o conto e o teatro. Em uma
narrativa sem novos heróis, pode-se encontrar uma galeria de retratos urbanos,
como em Yo se lo dije al Presidente (1982). Nesse espaço, personagens como o
boxeador aparecem, frequentemente, em autores tão diferentes como Rafael
55
Ramírez Heredia (1942) e José Aguilar Mora. A figura do boxeador nesses
romances enfrenta a última possibilidade de encarar os mitos em um país onde os
esportes coletivos estão condenados ao fracasso. Sendo assim, essa figura
“literalmente a golpes, esos descamisados representan la vanguardia heroica de un
pueblo llano degradado por el anonimato urbano.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b,
p. 546)
A discussão de identidade do mexicano volta à esfera de debate em 1986
com a publicação de La jaula de la melancolía. Identidad y metamorfosis del
mexicano de Roger Bartra, ensaio de indiscutível contribuição baseada na metáfora
do axolote12, que é apresentada como “un juego” (BARTRA, 2007, p. 21) através
desse curioso animal que ele chama em algum momento de “ese mexicanísimo
anfibio” (BARTRA, 2007, p.21) e, em outro, de “el famoso anfibio del mestizaje”
(BARTRA, 2007, p. 30).
Bartra, com uma extensa investigação sobre o axolote, cobre vários campos
possíveis, desde o histórico até o literário, passando pelo biológico e pelo político,
analisando os estudos sobre “o mexicano” como “una expresión de la cultura política
dominante” (BARTRA, 2007, p. 14), como se observa no trecho que segue:
Los estudios sobre «lo mexicano» constituyen una expresión de lacultura política dominante. Esta cultura política hegemónica seencuentra ceñida por el conjunto de redes imaginarias de poder, quedefinen las formas de subjetividad (destacado no original)socialmente aceptadas, y que suelen ser consideradas como laexpresión más elaborada de la cultura nacional. Se trata de unproceso mediante el cual la sociedad mexicana posrevolucionariaproduce los sujetos (destacado no original) de su propia culturanacional, como criaturas mitológicas y literarias generadas en el textode una subjetividad históricamente que «no es sólo un lugar decreatividad y de liberación, sino también de subyugación yaprisionamiento». (a citação interna pertence a Terry Eagleton etraduzida por Bartra) (BARTRA, 2007, pp. 14-15)
12 Hay quien traduce la palabra nahua axolotl como «juego de agua», y es evidente que su misteriosanaturaleza dual (larva/salamandra) y su potencial reprimido de metamorfosis son elementos quepermiten que ese curioso animal pueda ser usado como una figura para representar el carácternacional mexicano y las estructuras de mediación política que oculta. (BARTRA, 2007, pp. 21-22)
56
Para Bartra, a constituição de discursos identitários é uma forma de submeter
os cidadãos ao poder. Deste modo, ele questiona toda e qualquer definição de
“mexicano” ou “nacional”, afirmando que ela forma parte das por ele denominadas
“redes imaginárias de poder.” (BARTRA, 2007, p.14) Acredita, então, que se deve
buscar “nuevas formas de constitución de lo político más allá de los códigos del
PRI”. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 9)
Villoro se aproxima a essa questão, de maneira explícita em Materia
dispuesta (1996), através de Mauricio, que desde menino pesca axolotes e os
coloca em aquários em casa. O romance apresenta uma interpretação do axolote
como símbolo de metamorfose, desse personagem que é metade menino-metade
homem, que não quer que os axolotes se transformem em salamandras, assim
como ele também não deseja transformar-se em homem.
A professora e pesquisadora An Van Hecke em seu artigo “Hibridez y
metamorfosis en Juan Villoro: el universo mágico-mitológico de ajolote” (2009)
menciona a associação presente na obra de Villoro entre o axolote e o jovem
protagonista Mauricio Guardiola, comparando essa situação a nível nacional:
se trata aquí claramente de la metamorfosis del mexicano. Tambiéneste tema, el del crecimiento y la búsqueda de identidad delmexicano, es muy recurrente en las obras de Villoro. Es además untema que corre paralelo con la vida del adolescente y que secompara a veces. El mexicano es como un adolescente en busca desu identidad. Es precisamente lo que ha analizado Bartra en La jaulade la melancolía: el axolote (escrito con x, al igual que México) comometáfora del mexicano, por “su misteriosa naturaleza dual(larva/salamandra) y su potencial reprimido de metamorfosis”. Comoel ajolote, el mexicano se transforma pero no alcanza la madurez.(HECKE, 2009, p. 48)
Em Materia dispuesta (1996), nota-se o que foi destacado nesse trecho, que
para referir-se aos discursos sobre a identidade mexicana do século XX, Villoro
57
utiliza esse personagem para apoiar tal discussão.
Alguns escritores nos últimos anos do século XX se preocuparam em oferecer
uma literatura na qual o humor e a ironia desempenhavam um papel condutor.
Dentre eles, podemos citar o filósofo e escritor Alejandro Rossi (1932-2009) em:
Manual del distraído (1979), El cielo de Sotero (1987), La fábula de las regiones
(1988); Hugo Hiriart (1942) com Disertaciones sobre las telarañas y otros escritos
(1980); Bárbara Jacobs (1947) em: Doce cuentos en contra (1982); Agustín
Monsreal (1941) em: La banda de los enanos calvos (1986); Lazlo Moussong (1936)
em: Castillos en la letra (1982); Manuel Mejía Valera (1928) em: Adivinanzas(1988).
Nesse contexto, a presença feminina no campo literário é cada vez mais
marcante. Cabe destacar, no entanto, que a crítica é também cada vez mais ácida,
pois muitos críticos consideram a maior parte das obras escritas por muheres “una
pseudoliteratura cuyas notas más estridentes son la cursilería, la prosa de
estanquillo, la algarabía comercial y el machismo invertido.” (DOMÍNGUEZ
MICHAEL, 1996b, p.532) É o que destaca Domínguez Michael (1996b) a respeito
da obra de Ángeles Mastretta (1949) em Arráncame la vida (1985). Mastretta publica
também Mal de amores (1996), outro romance que, para além de querelas
machistas ou feministas, demonstra que a presença de mulheres no campo reflete a
abertura política e cultural ocorrida no país.
Já a nostalgia está presente em Arturo Azuela (1938), romancista,
matemático, professor universitário e neto de Mariano Azuela. Suas obras mais
destacadas são: El tamaño del infierno (1973) e La casa de las mil vírgenes (1983),
na qual se pode observar a tentativa de restabelecer as condições para o
revigoramento dessa tradição nostálgica.
A cidade como tema surge em diversos romances, como, por exemplo, Gente
58
de la ciudad (1986) de Guillermo Samperio. O que lhe interessa, no entanto, são os
objetos apresentados na metrópole. No caso de María Luisa Puga (1944), porém,
desde seu primeiro romance, Las posibilidades del odio (1978), aparece a vida
urbana de classe média.
A renovação da narrativa rural se dá com a aparição de uma geração nascida,
em sua maioria, a partir de 1950, e oriunda da província, principalmente do norte,
porém sem pretensões localistas, como: Ricardo Elizondo Elizondo (1950) cuja
influência de Gabriel García Márquez é mais ampla. Suas obras mais destacadas
são Relatos de mar, desierto y muerte (1980) e Setenta veces siete (1987); Daniel
Sada (1953) apresenta o norte não somente de terras inóspitas, mas também onde
a miragem e o oasis se alternam, através do romance Albedrío (1989), Sada
demonstra que a província “no es el páramo de los arquetipos ni el basural de un
realismo costumbrista y obsoleto.” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 1996b, p.560) e Jesús
Gardea (1939), que para Domínguez Michael (1996b) é um narrador macondiano,
pois a maior parte de suas obras, (que são sete romances, além de quatro coleções
de contos até 1989) transcorrem no povoado ficcional de Placeres, referência feita a
sua terra natal, Delicias, no deserto de Chihuahua, fato que se pode perceber desde
seu primeiro romance El sol que estás mirando (1981).
Nas últimas décadas do século passado, observam-se, no cenário literário
mexicano, romances em que são frequentes os temas ligados mais diretamente ao
Estado. Em 1985, encontra-se Morir en el golfo, do jornalista, romancista e
historiador Héctor Aguilar Camín (1946), cujo tema explora os labirintos dos
sindicatos e a imprensa do país. O tema da guerrilha urbana também ocupou a
atenção de Aguilar Camín em Guerra de Galio (1991), que é um testemunho da
repressão contra os diferentes setores da sociedade, no âmbito político e social.
59
Outro romance que tem como tema a guerrilha, publicado como o de Camín
em 1991, é Guerra en el paraíso do escritor, tradutor e ativista social em defesa das
comunidades indígenas Carlos Montemayor (1947-2010). Nessa obra, desmitifica-se
a guerrilla de Lucio Cabañas (professor rural, lider estudantil e chefe do grupo
armado Partido de los Pobres), tratando de aclarar os motivos que levaram à
destruição do movimento. Desde uma perspectiva literária, Montemayor apresenta
um questionamento crítico da versão oficial dos fatos ocorridos entre 1969 a 1974
que culminaram com a perseguição e morte do guerrilheiro.
Ao se aproximar da virada do século XX, surgem obras de um grupo de
escritores interessados na prosa de imaginação, na qual a escritura é fragmentada e
os textos são tão dessemelhantes, indo do fantástico ao romance policial, passando
por temas políticos e econômicos. Encontram-se nesse grupo: Jordi García Bergua
(1956-1979), autor póstumo de Karpus Minthej (1981); Federico Patán, que, com o
livro de contos Nena, me llamo Walter (1985), trata da incômoda situação de exílio.
Outras obras de Patán são: Último exilio (1986), Puertas antiguas (1989) e El rumor
de su sangre (1999); já com Dicen que me case yo (1989), Imagen de Héctor (1990),
Un hombre cerca (1992), Silvia Molina (1946) explora a falida instituição familiar
através do olhar feminino; Uno soñaba que era rey (1989), El seductor de la patria
(1999), Ángeles del abismo (2003) são algumas das obras de Enrique Serna (1959),
nas quais explora os sentimentos mais escondidos das relações humanas.
Nos anos finais da última década do século XX e princípios do XXI, aparecem
com mais destaque, no jornalismo e na literatura, obras, cujo tema é o narcotráfico.
Muitas poderiam ser as denominações dadas a elas: nova narrativa do norte,
narconarrativas ou narcoliteratura (assunto que será abordado mais detalhadamente
no capítulo 3). No entanto, cabe ressaltar, nesse momento, as obras e os autores
60
mais relevantes. Entre eles encontram-se David Toscana (1961), Cristina Rivera
Garza (1964), Eduardo Antonio Parra (1965), Luis Humberto Crosthwaite (1962) e
Gerardo Cornejo (1937), todos eles nascidos na fronteira do país. Algumas obras
foram precursoras como Diario de un narcotraficante (1967) de A. Nacaveva,
Sueños de frontera (1990) de Paco Ignacio Taibo II e Un asesino solitario (1991) de
Élmer Mendoza (1949). Nesse contexto, o narrador e dramaturgo Mendoza, nascido
em Culicán, consegue apropriar-se da linguagem local e mostrar os submundos de
sua cidade natal.
No entanto, cabe reforçar que as obras e os autores destacados no parágrafo
anterior, apesar de terem o narcotráfico como um de seus temas, na maior parte de
seus romances, essa atividade não ocupa o centro da narrativa. Na verdade, os
romances retratam alguns fatos de uma guerra violenta, analisando a relação
estabelecida entre o narcotráfico e o cidadão comum, a polícia, a igreja e a indústria
de entretenimento. Nesse contexto, sobressai La conspiración de la fortuna (2005)
de Héctor Aguilar Camín, obra que retrata a união entre os mafiosos e os candidatos
presidenciais do norte do país; e El testigo (2004), o romance corpus dessa
pesquisa, o qual aborda, entre outros temas, a relação de poder entre o
narcotráfico, a igreja e a mídia, tema que será analisado mais adiante. Entretanto, é
preciso ressaltar que esse não é o cerne desse estudo.
Juan Villoro, em entrevista concedida a Cuadernos Hispanoamericanos
(1997), comenta sobre a narrativa que está sendo produzindo nos últimos anos no
México e destaca a literatura de fronteira de Daniel Sada, o qual, segundo Villoro,
pertence ao grupo dos que se denominam “«escritores del desierto o de la frontera»
y que están animados pela mezcla del español y del inglés, el spanglish o
espanglés” (VILLORO, 1997, p. 120) Outra narrativa abordada pelo autor de El
61
testigo é a escrita por mulheres, relatando que escritoras sérias negam o rótulo de
literatura feminina, ainda que “siempre ha habido escritoras notables, desde Sor
Juana Inés de la Cruz hasta Elena Garro o Rosario Castellanos”. (VILLORO, 1997,
p. 120)
Cabe ressaltar que, conforme já mencionado, não existe aqui a pretensão de
abordar todos os escritores mexicanos da segunda metade do século, mas
demonstrar o respeito com que Villoro lê a tradição central da narrativa mexicana,
que vai desde Manuel Payno a Martín Luís Guzmán ou a Carlos Fuentes, passando
pelo infra-mundo de Juan Rulfo, sem se esquecer do gênio de Monterroso, da
oralidade de José Agustín e da familiaridade de Octavio Paz, que, para Villoro
lo que podríamos llamar herencia, la figura central es la de OctavioPaz. Aunque no ha escrito narrativa, ha dejado su impronta por susensayos, crónicas y reflexiones, en los prosistas de mi generación, alo que conviene sumar la diversidad de zonas que ha frecuentado,desde el erotismo y el amor a las culturas orientales. Octavio en símismo es una especie de civilización” (VILLORO, 1997, p. 121).
A narrativa de Villoro ocupa no campo literário mexicano uma posição de
destaque, aproximando-o da nação intelectual mexicana de Juan Rulfo, Carlos
Fuentes, Elena Poniatowska, Sergio Pitol, Fernando del Paso, Carlos Monsiváis e
José Emilio Pacheco, dentre outros.
1.2 A trajetória intelectual de Juan Villoro
Nesta parte, será apresentada a trajetória intelectual de Juan Villoro no
contexto literário mexicano, utilizando, para tanto, as reflexões críticas dos ensaios e
artigos que compõem Materias dispuestas: Juan Villoro ante la crítica (2011),
procurando demonstrar a composição de suas obras, principalmente de El testigo.
62
Juan Villoro, nascido em 1956, na Cidade do México, é filho do filósofo
catalão Luis Villoro e herdeiro direto dos escritores da Onda. Ele e sua geração
foram os primeiros a se libertar da obsessiva busca da identidade nacional, resolvida
de maneira bastante humorística. Estudou em colégio alemão, no México, e se
licenciou em Sociologia na Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), campus
Iztapalapa.
Cabe salientar que sua obra abrange diversos campos, ainda que tenha se
iniciado, em 1977, como roteirista radiofônico para o programa El lado oscuro de la
luna na Rádio Educação. Aluno da oficina literária de Augusto Monterroso entre
1976 e 1977, exerceu o cargo de adido cultural na Embaixada do México em Berlim,
entre 1981 e 1984. Além da narrativa, da crônica, dos artigos jornalísticos, do
ensaio, da literatura infantil e da tradução, Villoro produziu também roteiro para
teatro e cinema.
Esse autor se desenvolveu culturalmente cercado de figuras importantes. No
entanto, a “lectura de De perfil, de José Agustín, [foi] la que despertó su vocación
literaria a los quince años”. (ESQUEMBRE, 2011 p.1) Suas primeiras criações
literárias foram três contos incluídos em Zeppelín compartido, uma coletânea
organizada por Miguel Donoso Pareja, que se iniciou como escritor. Mas foi na
narrativa breve que fez sua estreia, com um conjunto de onze contos em seu
primeiro livro, La noche navegable (1980).
Como os escritores da Onda, os contos de Villoro têm características de
crônica, o que se observa desde sua primeira obra. Cinco anos depois, lança seu
segundo livro de contos, Albercas (1985), no qual o fantástico e o realismo se
fundem em uma clara “homenaje a Onetti, a Borges, a Bioy Casares y a Cortázar”.
(ESQUEMBRE, 2011 p.1)
63
Nos dez relatos de La casa pierde (1999), nota-se que o olhar atua em uma
perspectiva horizontal, percorrendo circularmente uma variada realidade de
protagonistas, que, em geral, configuram uma galeria de gloriosos perdedores: um
boxeador, um escultor, um fazendeiro, um treinador de futebol, um aprendiz de
escultor, um professor de economia, entre outros. No entanto, cabe destacar que
tais protagonistas estão afastados da problemática da Onda, que “fue una literatura
sobre adolescentes capitalinos, centrada en la problemática que estos enfrentaban
en los sesenta, en especial la de beber y la de las drogas.” (PATÁN, 2011, p. 174)
Tal ideia foi comentada por Ignacio Echevarría em seu artigo “Lo que empieza
cuando la gasolina se acaba: La casa pierde de Juan Villoro” (2011) que:
En todos los relatos se produce una revelación, o la inminencia deuna revelación, a la que suele ir asociada una claudicación, unaexperiencia de fracaso. Esa claudicación, ese fracaso son elconocimiento – siempre particular y sin embargo universal – a que sellega en cada caso. En la partida que cada uno emprende con supropia vida, la ganancia consiste en el juego mismo, pues la casasiempre pierde” (ECHEVARRÍA, 2011, p. 170)
Em Los culpables (2006) estão reunidos seis contos e uma nouvelle. Neles,
Villoro mostra com enganosa simplicidade que, se a confissão religiosa é para
descarregar a culpa, nesses relatos ocorre exatamente o oposto, pois os
protagonistas se incriminam pelo que revelam para tentar se desculpar.
Outro gênero que Villoro pratica há muitos anos é a crônica, exercendo-a em
vários jornais. Em Tiempo transcurrido (1986), seu primeiro livro de crônicas, Villoro
destaca a juventude rockera que havia surgido como resposta à rigidez do
establishment mexicano. Três anos depois, publica Palmeras de la brisa rápida: un
viaje al Yucatán (1989), no qual um jovem cronista percorre de carro a península de
Yucatán e apresenta com muita ironia o ponto de vista desse viajante.
Além desses, há também Los once de la tribu: crónicas de rock, fútbol, arte y
más (1995), obra em que, como menciona o crítico español Juan Antonio Masoliver
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Ródenas em seu artigo, “Juan Villoro: itinerarios de la invención” (2011),
“encontramos las claves que explican toda la escritura de Villoro. Cada uno de los
aspectos que hemos visto de forma dispersa en sus otros libros aparecen ahora
plenamente desarrollados”. (MASOLIVER RÓDENAS, 2011, p. 38)
Já no livro de crônicas Safari accidental (2005), que aparentemente trata de
uma coletânea de temas separados, mas, certamente, não é, pois nos eventuais
encontros com celebridades do rock ou em viajes pelo México com Salman Rushie
ou nas oficinas literárias de Augusto Monterroso, Villoro tece a memória de eventos
e expressa conclusões sobre a vida no México pós-68, recordando a participação de
seu pai durante o movimento estudantil. Já o livro de crônicas 8.8: El miedo en el
espejo (2011), sua publicação mais recente, relata, desde uma perspectiva
descentrada e insólita, o violento terremoto de intensidade 8.8 que fez tremer o Chile
e do qual foi testemunha.
Villoro, assim como Julio Cortázar, Eduardo Galeano, Mempo Giardinelli,
Roberto Bolaño, entre outros; também tem contos centrados no esporte, como
“Campeón ligero” e “El extremo fantasma” em La casa pierde (1999), obra elaborada
ao longo de doze anos. Nela, é apresentada uma galeria de gloriosos perdedores,
pois, frequentemente, quem perde ganha, e vice-versa.
Em Dios es redondo (2006), uma pequena blasfêmia infantil, observa-se a
combinação de crônica jornalística com reflexões sociológicas e anedotas pessoais
do vivido e sentido no trabalho cotidiano, rendendo tributo velado a Diego Armando
Maradona e registrando, de maneira divertida, as mitologias e superstições em torno
do futebol. Através de uma exploração narrativa, analisam-se os meandros dessa
cultura de massa, característica que remete ao prólogo de Su majestad el fútbol
65
(1968) de Eduardo Galeano sobre o posicionamento dos intelectuais diante de um
esporte como o futebol:
Hay intelectuales que niegan los sentimientos que no son capaces deexperimentar ni, en consecuencia, de compartir: sólo podríanreferirse al fútbol con una mueca de disgusto, asco o indignación. Noes menos típica la búsqueda de chivos emisarios para expiar lapropia impotencia, y el fútbol es ideal en este sentido; está allí, tan amano del intelectual como de cualquiera, sin ganas ni necesidad dedefenderse: el fútbol es, pues, cómodamente, señalado con el dedoíndice como la causa primera y última de todos los males, el culpablede la ignorancia y la resignación de las masas populares […].(GALEANO, 1968, p. 5)
Villoro, nesse livro de crônicas, aproxima o futebol da literatura e demonstra
que parte da racionalização do jogo está em mostrar sua importância política. Ele
comenta que, na inauguração do Mundial do México em 1986, o futebol transformou
a massa e fez o presidente saber que o povo não estava contente com ele. Sobre
esse incidente, comenta “no es exagero decir que ahí nació una sociedad civil
consciente de su poder que emprendería la larga marcha para derrocar al PRI 14
años después”. (VILLORO apud MARROQUÍN, 2011, p. 252)
O cronista e romancista Villoro também escreve roteiro para cinema, como
Vivir mata (2002), dirigida por Nicolás Echevarría, para o qual escreveu inclusive as
letras das várias canções inéditas musicalizadas pelo grupo de rock Café Tacuba.
Embora Villoro se considere um escritor que às vezes traduz e que suas
traduções são “hijos solitarios de un padre disperso” (POLLACK, 2009, p. 2.), suas
publicações são bastante extensas, indo desde Engaños (1985) de Arthur Schnitzler,
Aforismos de Christoph Linchtenberg, sua tradução mais destacada publicada em
1989, Memorias de un antisemita (1988) de Gregor Von Rezzori, Un árbol de noche
(1989) de Truman Capote a El teniente Gustl (2006), também de Arthur Schnitzler,
entre outras.
66
Ler para escrever ou escrever para ler, as reflexões críticas do ensaísta
Villoro aparecem desde seu primeiro livro de ensaios: Efectos personales (2001),
que propõe um fluido diálogo entre as literaturas de América e Europa, no qual, já a
partir do prólogo, deixa claro o conflito estabelecido quando um escritor se torna
também ensaísta:
Los ensayos literarios se ocupan de voces ajenas, delegan lasemociones y los méritos en el trabajo de los otros; sin embargo,incluso los más renuentes a adoptar el tono autobiográfico delatan untemperamento. Con los efectos personales, entregan el retrato íntimoy accidental de sus autores. (VILLORO, 2001, p. 8)
Já em De eso se trata (2008a), Villoro relata que o ensaísta é como um dedo
indicador apontado para um fato que não havia sido visto, e que não há como captar
em fotografia esse instante, entre a mão que aponta e o olhar de quem observa. E é
desse gesto que depende o ensaio.
Deste modo, se, em seu primeiro livro de ensaios, o autor de El testigo se
concentra em autores do século XX, em De eso se trata (2008a), amplia o arco, indo
desde o Renascimento até os autores hispano-americanos, os quais, como ele
mesmo relata, são essenciais para sua formação, como Onetti, Borges e Bioy
Casares, uma vez que, entre as muitas conceituações de ensaio para Villoro,
destaca-se:
Ensayar es una forma de ejercer la traducción, un intento de volverpróximo lo ajeno, buscar que autores de épocas y territorios distantesdispongan de una lengua y de una moneda común. […] Un viajetiene sentido por la emoción cómplice que cristaliza cuando alguiencomenta lo que ve. Ensayar: leer en compañía. De eso se trata.(VILLORO, 2008a, p. 10)
Na já extensa trajetória literária de Villoro, encontra-se também a literatura
infantil, sendo Las golosinas secretas (1985) a primeira obra desse gênero. Nela, o
autor aborda, com muita sutileza, temas como amor, ódio e inveja. Esse último
67
sentimento aparece também em sua obra infantil mais destacada: El profesor Zípez
y la fabulosa guitarra eléctrica (1992).
Além das já citadas, ele publicou diversas outras obras infantis, como El libro
salvaje (2008), a qual tem como protagonista um menino que tenta ler um livro
resistente à leitura. A última obra infantil do autor conhecida até o momento é La
cavalera de cristal (2011). Povoada por heróis e vilões, os personagens tentam,
através de uma mítica história de paragens arqueológicas, decifrar pistas e desfazer
enigmas.
Cabe ressaltar, no entanto, que a variedade de gêneros não é um privilégio
particular de Villoro, pois parece mais geracional, uma vez que é também
característica de outros escritores mexicanos. O reconhecimento aparece numa
coletânea de prêmios importantes, como: Premio Xavier Villaurrutia por La casa
pierde em 1999, Premio Herralde de Novela por El testigo em 2004 (com um jurado
composto por Enrique Vila-Matas, Salvador Clotas, Juan Cueto entre outros) e
Premio Internacional de Periodismo “Rey de España” por La Alfombra roja, el
imperio del narcotráfico em 2010, entre outros.
Villoro, aficionado pelo rock e pelo futebol, é colaborador ativo do jornalismo
mexicano, tendo trabalhado em diversos órgãos de imprensa, como: Vuelta, Nexos,
Proceso, Cambio e La Reforma. Atualmente, colabora na revista literária Letras
Libres e nos jornais La Jornada e El País, entre outros. Também é professor de
literatura da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e professor
convidado das Universidade de Yale, Boston, Pompeu Fabra e Princeton.
Desta forma, a vasta experiência permite que esse escritor percorra uma
diversidade de gêneros, tendo como fio condutor a sociedade mexicana. “Con Villoro
todo empieza en la Ciudad de México” (TEDESCHI, 2006, p. 1), assim inicia Stefano
68
Tedeschi seu artigo “El testigo y las monedas en la obra narrativa de Juan Villoro”,
ao abordar a cidade como um tema recorrente em sua obra, assim como o habitante
dos grandes centros urbanos no final do século XX.
Ainda que em seus inúmeros artigos e ensaios transpareçam um caráter
social, não há uma busca pela tipicidade nem pelo espírito nacional, tratando-se
basicamente de uma visão crítica diante dos fatos de relevância ocorridos na
sociedade mexicana.
Desde os primeiros contos, ensaios e narrativas de Villoro, transparece a
vertiginosa, acelerada e desestabilizadora prosa de seu primeiro romance, El
disparo de argón (1991), no qual submerge, assim como em Materia dispuesta
(1996), uma experiência irônica. Em ambas aparecem a classe média baixa e os
velhos bairros, que não conseguem ser subúrbios norte-americanos nem possuem o
glamour das antigas cidades espanholas.
Dentro da cidade e ao redor dela se movem seus protagonistas, habitantes
das metrópoles no final do século XX. São seres inseguros, fracassados, em
espaços agonizantes, como doutor Balmes, o oftalmologista, protagonista de seu
primeiro romance, El disparo de argón (1991). Esse personagem vive somente para
o trabalho, não tem caráter, apresenta uma vida amorosa desastrosa e, no momento
crucial de sua vida, não lhe resta outra opção a não ser duvidar. Nessa mesma
linha, podem ser citados: Mauricio Guardiola, o jovem indeciso a respeito de sua
identidade sexual de Materia dispuesta (1996), vivendo na sombra de uma família
desestabilizada, e Julio Valdivieso, o intelectual mexicano definido por sua
“possessão por perda”.
A visibilidade e importância que a literatura de Villoro ganha nos círculos da
crítica e da leitura nos últimos anos justifica sua atenção também pela academia. O
69
crítico mexicano Christopher Domínguez Michael, seu contemporâneo, menciona
que El testigo “entusiasma y sorprende por el descaro con que Villoro decidió volver
a intentar la Gran Novela Mexicana, como no se hacía desde que Carlos Fuentes,
Fernando del Paso, Juan García Ponce o Jorge Aguilar Mora escribieron las suyas.”
(DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 191). E continua, destacando a benéfica sombra
de Roberto Bolaño e Enrique Vila-Matas nessa obra:
Es imposible no leer a san Ramón López Velarde a los ojos del juegoliterario bolañesco o de la idea, tan vilamatasiana, del escritor comoprotagonista de una sola novela universal: redundantemente, laliteratura mundial. No culpo a Villoro: si yo escribiese novelas mesería igualmente difícil escribir sin Bolaño y sin Vila-Matasrevoloteando a mis espaldas. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 193)
Em 2000, ano emblemático, principalmente pelo cenário político mexicano,
Juan Villoro e Jorge Volpi, este último um dos fundadores do Crack13, são indagados
na revista El Cultural sobre muitos assuntos. Questionados por que os intelectuais
latino-americanos, tradicionalmente, estão comprometidos com seu tempo, sempre
refletindo de maneira lúcida sobre o período em que se encontram, ambos
respondem separadamente, mas, em conjunto suas respostas traçam um perfil de
desconfiança diante desse novo cenário, como afirma Villoro:
El intelectual tiene un papel social protagónico en países atrasados.Como domina una forma de la dificultad (la escritura), a la que pocostienen acceso, se convierte en intérprete de emergencia y gurúaccidental de todos los asuntos. La participación de los intelectualescomo profetas de lo real ha ayudado a evitar males peores y enmuchas ocasiones ha sido heroica; sin embargo, también ha dotadoal escritor de una aura casi religiosa. En el futuro, con más
13Movimento literário mexicano composto por Jorge Volpi, Pedro Ángel Palou, Vicente Herrasti,Ignacio Padilla, Ricardo Chávez Castañeda e Eloy Urroz que lançaram em 1996 um manifesto,inicialmente concebido como ruptura com o postboom latino-americano. Definido por ElenaPoniatowska como: “una fisura, un hueso que se rompe, un vidrio que se estrella, una rama de árbolque cae y hace precisamente eso: crack” (PONIATOWSKA, 2003, p. 1). Crack é o mesmo que boom,só que para dentro, é o auge da derrota. Com o tempo os traços mais radicais foram suavizados ederam um abraço apertado aos seus “pais” e “avôs” literários: Salvador Elizondo, Juan García Ponce,Sergio Pitol, Fernando del Paso, etc; e os “pais” José Agustín, Gustavo Sainz, Juan Tovar eParménides García Saldaña. (PONIATOWSKA, 2003, pp. 1-5)
70
democracia e igualdad, los escritores mexicanos serán menosimportantes como guías morales y más como poetas o contadores dehistorias. (VILLORO y VOLPI, 2000, p.3)
O papel protagônico que menciona Villoro nessa entrevista fica claro desde
seu primeiro romance, o qual, alegoricamente, ocupa-se na representação das
consequências do TLCAN na vida cotidiana de um bairro na Cidade do México.
Villoro inicia suas publicações durante a presidência de José López Portillo y
Pacheco (1976-1982), governo que ficou caracterizado por uma grave crise
econômica herdada do governo anterior de Luis Echeverría Álvarez (1970-1976. É
evidente que o escritor não fica indiferente a essa situação, uma vez que sua obra
segue a linha dos escritores que discutem a decadência social e os aspectos
políticos de seu tempo. Desse modo, o sentido irônico presente em suas obras não
tem, claramente, o objetivo de provocar o riso, mas de fazer uma crítica à realidade
histórico-social à qual pertence.
1.3 El testigo diante da crítica
Em relação à crítica especializada desse romance, deve-se considerar que o
mesmo já foi exposto a partir de diversas perspectivas. No entanto, serão abordados
pontos de vista cuja atenção esteja mais centrada na proposta dessa pesquisa ou
que, de alguma maneira, contribuirá para sua análise. Opta-se aqui por reunir os
críticos em ordem cronológica, levando em consideração a data de publicação de
seus comentários.
Sendo assim, cabe iniciar pelo ensaísta, jornalista e tradutor húngaro Mihály
Dés, autor do ensaio intitulado “Juan Villoro: Paisaje del post-apocalipsis” (2005), o
qual, em seu comentário, destaca que, após o boom, descontando-se o romance
71
rosa e o chamado grupo do Crack, quase não se detectam movimentos literários na
narrativa hispano-americana atual.
Ele continua destacando que, nesse panorama variado e disperso, surge
Juan Villoro, uma já bem sucedida promessa desde os primeiros passos literários, o
que acabaria por se cumprir posteriormente. Villoro pertence a uma geração que
está longe dos desafios literários dos anos cinquenta e sessenta, o de escrever
romances de grandes conflitos sociopolíticos e, como muitos intelectuais de sua
idade, prefere a cultura popular: a música rock, histórias em quadrinhos, esportes de
massa, etc. Cabe ressaltar que, para Villoro, a cultura popular não é um programa,
senão uma paisagem. (DÉS, 2005, p. 1)
Além da paisagem desoladora em processo de decomposição relatada por
Dés (2005), nas obras de Villoro, pode-se destacar também a análise dos
protagonistas dos romances e dos contos, que para ele são protagonistas-
raisonneur com olhares irônicos e atônitos, exatamente como os protagonistas
hamletianos. E depois de ressaltar as características dos protagonistas de diversas
obras, no que se refere a El testigo, comenta “él es también Julio Valdivieso, el
escéptico y nostálgico intelectual mexicano que, después de casi un cuarto de siglo,
vuelve a su país en busca del tiempo perdido.” (DÉS, 2005, p. 5)
Stefano Tedeschi em seu artigo “El testigo y las monedas en la obra narrativa
de Juan Villoro” (2006) centra sua análise no cenário escolhido por Villoro para todos
os seus romances, ou seja, o México. Comenta que, após a década de cinquenta,
tanto nas narrativas europeias e norte-americanas, quanto na literatura mexicana,
desaparece a linha “rural” predominante até o momento, sendo substituída por uma
preocupação com a vida urbana, em seus diferentes aspectos geracionais, políticos
e de gênero.
72
Depois de comentar sobre a influência da crônica nos romances de Villoro,
Tedeschi (2006) parte para a análise da estrutura do romance e comenta:
La estructura de El testigo es más compleja, con el personaje deJulio Valdivieso, al centro de toda la narración, que compaginatiempos diferentes con pausas de la narración que corresponden aagujeros de la memoria, oscilante entre espacios distantes.(TEDESCHI, 2006, p.8)
A complexa estrutura de El testigo relatada pelo crítico permite, não só que o
passado se misture continuamente com o presente, mas que ocorra também uma
difusa intertextualidade. Os espaços oscilantes mencionados por Tedeschi (2006)
demonstram múltiplas tensões acumuladas nas páginas do livro, como: a incerteza
da infância e da maturidade, as contradições da história e a falta de rumo para o
presente, expostos entre o fascinante caos da cidade e o poder sedutor do campo.
Já o artigo “Hacia la lectura ética de El testigo de Juan Villoro” (2008) de José
Ramón Ruisánchez trata da relação entre a memória pessoal e a história oficial
presente no romance, analisando a memória como uma maneira de iluminar os
interstícios da história.
Apoiando-se na leitura de Jacques Derrida e Emmanuel Levinas de “ficção
arquívica”, Ruisánchez propõe que Los Cominos, a fazenda na qual Julio Valdivieso
passou a infância e parte da adolescência, local onde estão guardados diversos
documentos de época, é também o ponto de cruzamento de diferentes cartéis de
tráfico de drogas, sendo o espaço de memória da obra, ou seja, o lugar da
recordação ou da possibilidade de memória encontrada ali e comenta:
El deseo archívico rompe con la homogeneidad vacía del tiempo yactiva encuentros, la acción presente excita virtualidadesincumplidas. El sonido proviene de un espacio lleno de cosas que, alhaber abandonado sus trabajos, se convierten ellas mismas enarchivo. (RUISÁNCHEZ, 2008, p.6)
Nessa perspectiva, o questionamento se faz importante, pois Ruisánchez
(2008) apresenta a visão cada vez menos equivocada que Julio Valdivieso tem de
73
seus amigos, de sua geração, de López Velarde, de si mesmo e desse país, que
parece ter mudado para trás, deixando aflorar a notável decepção da experiência
democrática.
Jorge A. Rodríguez Castro em seu artigo “La figura de Ramón López Velarde
en El testigo”, de Juan Villoro (2009), traça um breve resumo dos gêneros
abordados por Villoro e de como a sua narrativa é ácida e irônica ao mesmo tempo.
Em seguida, centra-se na problemática de seu artigo, pois, desde uma perspectiva
hermenêutica de Roman Ingarden, analisa o poema El retorno maléfico que percorre
todo romance El testigo. Para que se possa compreender a importância de López
Velarde, Rodríguez Castro (2009) segue um apanhado bastante detalhado de sua
obra e da crítica especializado desse poeta nacional. Após análise da obra de Villoro
e do poema de López Velarde, posto na integra nesse artigo, Rodríguez Castro
encerra mostrando o reencontro de Julio Valdivieso com o presente, “Julio no
regresa para reanudar algo, sino solamente para continuar el tránsito de la vida.”
(RODRÍGUEZ CASTRO, 2009, p.11). Afinal, na visão de Rodríguez Castro,
Valdivieso consegue se desprender do passado e reencontrar-se consigo mesmo.
O artigo intitulado “Un viaje de ida y vuelta a México: El testigo de Juan
Villoro” de Alejandro Hermosilla Sánchez (2010) procurou traçar um panorama de El
testigo, focando sua análise em como e de que maneira aparece o México nesse e
em outros romances de Villoro. Ele leva também em consideração a importância de
Ramón López Velarde e o significado da ironia nessa obra. O artigo está dividido em
quatro partes, sendo que a primeira aborda o tema e o argumento da narrativa:
Villoro nos plantea un argumento que teje la metáfora kafkiana y lade Homero con la formulada en Pedro Páramo por Rulfo – […] paranarrarnos una historia de supervivencia en un país mexicano plagadode panteras dispuestas a cebarse en el festín incoloro que concedeuna tierra desprovista de Dioses. De hecho, la búsqueda emprendidapor Valdivieso en la novela por reencontrarse a sí mismo y sus raíces
74
originales en México, ocurre justo cuando el PRI, último bastiónsuplantador de las antiguas divinidades tan heroicas como trágicasde su país –Cuauhtemoc, Hernán Cortés, Benito Juárez, PorfirioDiaz, Emiliano Zapata, Pancho Villa o Venustiano Carranza- ha sidodoblegado y vencido por vez primera en las elecciones democráticascelebradas en julio del año 2000. (HERMOSILLA SÁNCHEZ, 2010,p. 3, grifo do autor)
As outras três partes estão centradas respectivamente em como aparece nas
obras de Villoro o México, a figura de López Velarde e uma detalhada análise a
respeito da ironia nessa obra. Para Hermosilla Sánchez (2010), El testigo é uma
trama na qual o protagonista é comparado a um Ulisses perdido entre ilhas,
aventuras e sombrios cânticos das sereias de nossa contemporaneidade, em busca
de sua Penélope perdida (Nieves) e de sua pátria que, após a derrota do PRI,
encontra-se agora cercada por novos rivais, todos lutando pelas sobras dos pastos
da jaula feroz na qual o país se converteu.
Certamente esse é um dos temas do romance; não o mais relevante, porém.
Em algumas discretas passagens, Hermosilla Sánchez (2010) comenta sobre a
testemunha e a figura do intelectual, mas considera que o tema e o argumento do
romance estão centradas na complicada relação dos personagens e não na posição
que ocupam na sociedade mexicana.
Outro artigo analisa El testigo a partir da perspectiva da volta à pátria como
um retorno ominioso. É o caso do colombiano Gabriel Andrés Eljaiek Rodríguez em
“Extrañamiento y retorno siniestro en El testigo de Juan Villoro” (2010), o qual
assinala que fatores políticos, sociais e econômicos haviam desfamiliarizado o
protagonista com aquilo que lhe deveria ser mais familiar: seu país, sua família e
seus amigos.
Eljaiek Rodríguez (2010), apoiando-se na acepção freudiana de “ominioso”,
termo utilizado para nomear algo que em algum momento foi familiar e deixou de sê-
lo, analisa El testigo pela via de uma motivação de forças sinistras, do além-túmulo,
75
que fazem o protagonista regressar, não como um zumbi, mas como os mortos-
vivos, pois sua vontade está condicionada à vontade de quem o controla. Sendo
assim, a dimensão fantasmagórica adquirida pelo romance e sua influência nos
personagens começam a tomar forma à medida que as razões que mediam o
regresso se dissipam ou, pelo menos, se tornam menos claras. Os múltiplos
fenômenos nos quais Valdivieso se vê envolvido produzem um estranhamento
capaz de levá-lo ao terreno do fantasmagórico, convertendo-o em testemunha de
espectros, de sombras e de sombras de sombras.
Isabel Quintana, em “La revolución mexicana y sus fantasmas: ¿cómo narrar
la violencia?” (2011), propõe-se a analisar uma série de narrativas mexicanas em
torno da representação da história e da identidade nacional a partir da violência. A
proposta da autora procura mostrar como determinados temas relacionados a
momentos complexos, como a Revolução Mexicana, a Guerra Cristera, a
consolidação de uma economia neoliberal, a decadência e a crise do PRI são
recorrentes nos romances desde Los de abajo (1916) até El testigo (2004).
A aproximação de Quintana a El testigo ocorre através da seguinte pergunta
“por qué algunas narraciones necesitan volver a aquellos acontecimientos históricos
percibidos de manera problemática”. (QUINTANA, 2011, p. 5) A autora comenta,
desde uma nova perspectiva utilizada por Villoro para se aproximar a esses temas
recorrentes, como a relação entre a história e a literatura se apresenta em sua
narrativa. Propor essa pergunta é desarticular os modos que regem
anacronicamente o universo social, político, religioso e cultural no México.
Após um apanhado de obras de Villoro, Christopher Domínguez Michael no
artigo “La vitalidad histórica de los muertos mexicanos: El testigo de Juan Villoro”
(2011) comenta que “El testigo es una de esas obras que dan sentido a una vida en
76
la literatura”. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p.191) E segue destacando a imagem
romanesca do México nessa obra e a maneira decimonônica em forma de mosaico
que:
incluye al campo y la ciudad, a los ricos y a los pobres, a losusufructuarios del poder cultural y a sus mecenas, a losescritorzuelos y a los criminales, al conflicto, en fin, de lo antiguo y delo moderno. (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 191)
Desta forma, a vitalidade dos mortos passa necessariamente por López
Velarde, e, ao relatar a respeito da parte final do romance, Domínguez Michael
(2011) menciona a perspicácia de Villoro ao encerrar com “ese trago amargo de la
madre tierra que permite al intelectual encontrar [...] la metáfora redentora de una
vieja nación cuya salvaje modernidad le duele y le repugna”. (DOMÍNGUEZ
MICHAEL, 2011, p. 194)
Oswaldo Zavala em “La mirada exógena: Villoro, López Velarde y la
modernidad periférica en El testigo” (2011) questiona, através de uma sofisticada
leitura da nova ordem política e econômica consolidada no México nos últimos vinte
anos, os alcances da ideologia neoliberal.
O perfil do protagonista do romance, o qual, como os de muitos intelectuais
educados e empregados no estrangeiro, é de um sujeito dissonante com a realidade
neoliberal produtora de um novo conservadorismo. Nessa perspectiva, a proposta de
Zavala (2011) é abordar o olhar exógeno de Valdivieso como possibilidade de
analisar a reconfiguração literária, histórica e econômica do México após a suposta
abertura democrática.
Desta forma, logo após apresentar a definição de olhar exógeno, tendo por
base a concepção de Jean Starobinski, Zavala (2011) demonstra que os
personagens principais do romance são “testigos subyugados que desean, cada uno
77
por su cuenta, ser también subyugantes.” (ZAVALA, 2011, p. 230) E destaca o jogo
do olhar de Julio Valdivieso, o qual, como representante intradiegético de Juan
Villoro, ganha maior complexidade com as iniciais do nome J.V.
Observa-se nos artigos apresentados uma diversidade de temas, ressaltando-
se que a maioria dos críticos vê nesse romance, não somente uma irônica revisão
de mitos ou uma nova viagem de regresso a Ítaca, ou apenas uma condição
midiática do mundo contemporâneo, mas um estimulante romance, capaz de propor,
entre outros temas relevantes, uma reflexão sobre esse importante período de
transição para a democracia e da reconfiguração da testemunha nesse novo-velho
cenário.
78
CAPÍTULO 2: RAMÓN LÓPEZ VELARDE: VANGUARDA COMO NAÇÃOINTELECTUAL EM EL TESTIGO
Testigo de la matanza entre facciones, López Velarde rechazó, pese a sufervor maderista, la subversión de su mundo íntimo por culpa de unaRevolución incontrolada.
José Emilio Pacheco
Desde as primeiras linhas de El testigo, ecoa a presença de Ramón López
Velarde, o qual é apresentado no romance como um personagem histórico e
narrativo ao mesmo tempo. Sua obra habita todo o texto, não como mera
demonstração de erudição, pois seus poemas são introduzidos como comentários,
citações ou expressões de sentimentos vinculados aos personagens. Dessa forma
um duplo jogo literário e histórico se desenvolve ao longo do romance, no qual ficção
e realidade se misturam na mesma narração.
Muitas questões são levantadas no romance a respeito de sua biografia. No
entanto, o maior questionamento parte do posicionamento político e do compromisso
intelectual de López Velarde. Essas dúvidas são levantadas de maneira irônica, com
uma releitura crítica da tradição literária mexicana, provocando disputas entre
diversos grupos, pois ele falece antes do fim da Revolução Mexicana sem poder ver
o resultado das transformações sofridas pelo país. Se tivesse vivido um pouco mais,
talvez não fosse considerado o poeta nacional, pois as posições que todos
acreditam terem sido tomadas por ele não passariam de meras especulações. No
entanto, por que grupos tão distintos e de diferentes correntes ideológicas, como a
mídia, a igreja e o narcotráfico reivindicariam para si, no romance, o posicionamento
de um poeta que viveu somente trinta e três anos?
79
Nas páginas que seguem, com o intuito de culminar com a análise do
romance, será apresentado um panorama da intelectualidade no período que
envolve a Revolução Mexicana, os principais grupos vanguardistas desse período e
a relação destes com o poeta Ramón López Velarde. Antes, porém, será feita uma
aproximação ao termo intelectual, pois a polêmica que envolve essa palavra
coincide com o período que se pretende comentar.
2.1 Os intelectuais e o período revolucionário mexicano
O termo “intelectual” entra como derivado da memória coletiva no vocabulário
europeu ocidental desde o Iluminismo, e é nesse período que se estabelece a
síndrome poder/conhecimento, “o atributo mais visível da modernidade”. (BAUMAN,
2010, p.16) No entanto, ele se propaga a partir de 1898 quando o jornal L` Aurore
publica carta dirigida ao presidente da República por Émile Zola, exigindo revisão do
processo do Caso Dreyfuss, como menciona Carlos Monsiváis em seu artigo “De los
intelectuales en América Latina” (2007) que:
El término se propaga durante el Caso Dreyfuss para reconocer a losimpugnadores del antisemitismo y, de fines del siglo XIX a 1930, seesparce en América. Sin embargo, sólo se difunde masivamente enla década de 1930, luego del auge de algunos escritores, cuyaautoridad moral hace que se les conceda el rol de Maestros de laJuventud, augures y guías exaltados por las multitudes. Durante unaetapa desempeñan notablemente ese papel José Vasconcelos yAntonio Caso en México […]. (MONSIVÁIS, 2007, p.19)
O termo em questão ocupa espaço em várias tribunas, merecendo atenção
particular as reflexões críticas de Julien Benda, Antonio Gramsci e Jean Paul-Sartre,
entre outros. Cabe destacar também que A traição dos intelectuais de Julien Benda
“fue leído por los intelectuales mexicanos de los años 30 con particular atención
80
suscitando debates abiertos y sigue siendo citado incluso en los años 90.”
(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 37)
No que se refere às acepções adquiridas em relação ao papel dos intelectuais
na sociedade, pode-se destacar a de Gramsci, a qual relata que “todos os homens
são intelectuais, poder-se-ia dizer então: mas nem todos os homens desempenham
na sociedade a função de intelectuais”. (GRAMSCI, 1982, p. 7)
A noção clássica de “intelectual orgânico” de Gramsci, ou seja, o que se
envolve nas transformações de uma sociedade democrática, em oposição, segundo
ele, ao tipo comum de intelectual, como os administradores, os professores, os
clérigos, devido à postura mantenedora da ordem tradicional, é bastante útil para
discutir os intelectuais nessa pesquisa, pois permite pensar nos intelectuais
relacionados a uma classe, em oposição aos intelectuais hegemônicos.
Cabe destacar, entretanto, que a noção de intelectual de Gramsci é muito
ampla, uma vez que não envolve somente os homme de lettres, mas também a
classe profissional. Essa noção, porém, permite compreender as articulações entre o
intelectual e o Estado, mesmo que o objetivo aqui seja especificamente no campo
literário. Em conhecida passagem sobre a origem e a tarefa dos intelectuais
orgânicos, Gramsci define:
Uma das mais marcantes características de todo grupo social que sedesenvolve no sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pelaconquista "ideológica" dos intelectuais tradicionais, assimilação econquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupoem questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuaisorgânicos. (GRAMSCI, 1982, p.7)
Com base nessa concepção, o intelectual orgânico não é somente o que
representa ideias de um grupo hegemônico, mas, sobretudo, “aquél que es capaz de
81
generar consensos hacia dentro de los grupos intelectuales “tradicionales””
(SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.38)
Sendo assim, observa-se que no México, como na maioria dos países que
experimentaram uma mudança social brusca introduzida pelas novas formas
econômicas, o termo intelectual: “ha llegado a tener una connotación tan amplia
como la que habría que tener en una sociedad capitalista establecida como a de los
Estados Unidos” (COCKCROFT, 2005, p. 8). Tal ocorre porque a situação
econômica de crescimento rápido em que se encontrava, devido ao progresso
burguês, grande parte das nações latino-americanas por volta de 1900, propiciou
conforto e distinção no período que se convencionou chamar de belle époque.
Esse padrão um tanto mais elevado incrementou o volume de trabalhadores
assalariados e a formação de uma classe média, particularmente urbana. É nesse
“patrón social decimonónico, [...] que en la segunda mitad de la centuria habrán de
convertirse en la gran cantera para el reclutamiento de intelectuales.”
(ALTAMIRANO, 2010, p. 13)
A belle époque mexicana se deve em parte ao governo de Porfirio Díaz. No
entanto, cabe ressaltar que “gran parte de las naciones latinoamericanas se
encuentran en rápido crecimiento económico, incluidas en la órbita mundial del
progreso burgués, en pleno apogeo por entonces”. (ALTAMIRANO, 2010, p. 13)
Assim que assume a presidência, Díaz se declara defensor e representante de
grupos regionais. Recebe o apoio dos camponeses que defendem a autonomia
política e levanta a bandeira “antiautoritarista y anticentralista, pues rechazaba el
excesivo poder del presidente de la república frente a los poderes legislativo y
judicial y frente a los gobiernos estatales”. (SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 192)
82
No entanto, o resultado entre o que Díaz declara e o que acontece nos anos
seguintes demonstra oposição entre o discurso e a prática. Ao final de seu primeiro
mandato, Díaz entrega o cargo a seu compadre Manuel González (1880-1884), que
o devolve quatro anos depois. No início de seu segundo mandato, elimina da
Constituição qualquer restrição à reeleição. Seu governo é caracterizado pela
estabilidade política e econômica, à custa, principalmente, de grandes
desigualdades sociais e supressão de liberdades civis entre a população. A
concentração da riqueza nas mãos de um pequeno grupo, que contribuiu para
incentivar investidores atraídos pelos baixos salários dos operários. A divisão de
classes é acentuada, com a população indígena passando a ser tratada como um
obstáculo ao progresso.
Entre os muitos desafios do governo de Díaz, destaca-se a dificuldade de
consolidação da Constituição promulgada em 1857, que contempla, entre outras
leis, a divisão de poderes entre executivo, legislativo e judiciário, encarregando o
povo de escolher seus membros. Ocorre, também a separação entre o Estado e a
religião, colocando nas mãos do governo a responsabilidade pela educação. Nesse
período, a igreja estava proibida de possuir bens, de celebrar fora dos templos e de
permitir que religiosos, dependendo economicamente do governo, atendessem em
centros educativos, beneficentes e hospitalares. Díaz, porém, não revoga nem
cumpre todas as leis, permitindo que a igreja recupere propriedades e mantenha
centros educativos. Com isso, o ditador recebe o apoio da hierarquia eclesiástica, a
qual:
desconoció los levantamientos populares hechos en nombre de lareligión [...]. Por otro lado, al reintegrarse a la labor benéfica yeducativa, cubrió espacios que el gobierno difícilmente podía llenarcon recursos propios (SPECKMAN GUERRA, 2007, p. 196)
83
Em um período que oscila entre “construcción, unificación, pacificación,
conciliación y negociación, pero también de represión” (SPECKMAN GUERRA,
2007, p. 194), Díaz obtém o reconhecimento internacional, principalmente dos
Estados Unidos da América, e restabelece relações diplomáticas com a França, a
Inglaterra, a Alemanha e a Bélgica, países com os quais tais relações haviam sido
rompidas após a moratória decretada por Benito Juárez, presidente por cinco
períodos entre 1858 e 1872. Entre a legalidade e a aparência de legalidade, Díaz
manipula as eleições de deputados, senadores e magistrados federais. Uma farsa
muito bem montada que, mais adiante, será novamente observada nas atuações do
governo pós-revolucionário do PRI.
Dentro desse contexto, acentua-se o centralismo e o autoritarismo de Díaz e
de seus governadores, com um regime mais repressivo em relação aos protestos
sociais e à imprensa não oficial, composta majoritariamente por liberais, católicos e
operários. O descontentamento toma as ruas, provocando manifestações e ataques
a prédios públicos, saques, greves operárias e rebeliões agrárias. A esse período,
remonta as origens do Partido Liberal Mexicano (PLM)14.
Nesse período as artes e a literatura exercem um importante papel na
reflexão crítica sobre o movimento armado iniciado em 1910. A Revolução Mexicana
tem como um de seus objetivos acabar com a ditadura de Porfirio Díaz, que governa
o país durante trinta dos trinta e quatro anos que correm entre 1876 e 1911. Essa
etapa, conhecida como o porfiriato, termina quando, devido à Revolução
14 Esse partido foi inicialmente formado com o intuito de reorganizar os apoiadores do Partido Liberalque haviam conseguido promulgar a Constituição de 1857. Em 28 de setembro de 1905 se instalouuma Junta Organizadora del Partido Liberal Mexicano, da que se designou presidente Ricardo FloresMagón; vice-presidente Juan Sarabia; secretário Antonio I. Villarreal; tesoureiro Enrique Flores Magóne redatores: Manuel Sarabia, Rosalío Bustamante e Librado Rivera. Depois de sucessivas prisões efugas para os Estados Unidos e Canadá esse partido transitou do liberalismo ao anarquismo.Utilizando o jornal Reneración, surgido em 1900 como meio de divulgação de suas ideias. Eles sãoalguns dos autores que tiveram uma participação efetiva nos antecedentes que deram origem aRevolução de 1910. (BARRERA FUENTES, 1973, pp. 86-91)
84
encabeçada por Francisco Ignacio Madero, Francisco Villa, Emiliano Zapata e os
irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, Porfírio renuncia à presidência.
No entanto, desde 1900, um pequeno grupo de intelectuais de San Luis de
Potosí (Camilo Arriaga, Juan Sarabia, Librado Rivera e Antonio Díaz Soto y Gama)
“cuna de la Revolución” (COCKCROFT, 2005, p. 8), juntamente com Madero e os
irmãos Flores Magón, começaram uma disputa para alcançar os objetivos do
liberalismo do século XIX: “democracia, anticlericalismo y libre empresa”.
(COCKCROFT, 2005, p. 9) Esses intelectuais dirigiram suas exortações às classes
alta e média, que estavam descontentes com a política ditatorial de Díaz.
É importante salientar que o governo de Díaz tem uma proposta de renovação
nos âmbitos culturais e educativos. A relação dos intelectuais mexicanos com esse
governo no período que se estende dos finais do século XIX a princípios do XX, em
geral, não é áspera, pois, de certo modo, eles se beneficiam do crescimento do
aparato educativo, jornalístico e da estabilidade de um governo com demanda
crescente de profissionais para a modernização da economia nacional.
No entanto, a queda do porfiriato é também a de seus intelectuais, levando
muitos a padecerem longos ou definitivos exílios, como é o caso de: Francisco
Bulnes, Federico Gamboa, Victoriano Salado Álvarez, Pablo Macedo, Rodolfo Reyes
e Nemesio García Naranjo (GARCIADIEGO, 2010, p. 37), dando espaço ao
surgimento de uma classe intelectual de origem popular. Cabe destacar que, antes
da Revolução, já havia algum espaço para esses novos intelectuais, mas é somente
após esse período que eles ascendem ao poder15.
15 Destaca-se aqui duas importantes figuras: o humilde professor rural Otilio Montaño (1877-1917),redator do Plan de Ayala – bandeira do exército zapatista e fundador da definição política agráriarevolucionária; e o tipógrafo e sindicalista Rosendo Salazar (1888-1971) um dos fundadores da Casadel Obrero Mundial. Sua participação tornou possível a inclusão dentro da Constituição de 1917 umCapítulo do Trabalho e Previdência Social. (GARCIADIEGO, 2010, p. 33)
85
Desta forma, de maneira diferenciada, desponta uma atividade política
profissionalizada e uma crescente especialização de escritores e de homens de
saber, em geral, esboçando assim, o que mais tarde será conceituado por Pierre
Bourdieu como “campo intelectual”.
Ressalte-se, nesse contexto o poeta Ramón López Velarde, a figura
fundacional da poesia mexicana moderna. Esse poeta de província, afastado das
disputas de um campo literário em definição, não forma parte de nenhum dos grupos
que entram em disputa, como os científicos, os ateneístas e os estridentistas.
Os intelectuais, quando convocados, não pensaram ou se prepararam para a
Revolução, pois “tuvieron que imaginar proyectos culturales e institucionales para el
México que había brotado de la Revolución” (ALTAMIRANO, 2010, p. 16), o que os
levou a negociar com chefes políticos com o intuito de defender um processo
popular e nacionalista. Desse grande grupo de novos intelectuais surgidos com a
Revolução, trazendo consigo múltiplos ofícios, Javier Garciadiego destaca que eles:
redactaban planes y proclamas propios, respondían a los ajenos yanalizaban la situación política nacional e internacional, eranresponsables de las oficinas político-administrativas y dirigieron losmuchísimos periódicos que circularon durante esos años.(GARCIADIEGO, 2010, p. 33)
De modo geral, a Revolução produz pintura, literatura e música inéditas,
destacando, principalmente, a obra literária de ruptura mais significativa desse
período, o romance Los de abajo, de Mariano Azuela, publicada no diário El paso del
Norte entre outubro e dezembro de 1915.
A passagem da geração que chega ao poder com Porfirio Díaz, conhecida
como científicos16, ocorre de maneira natural, uma vez que, na virada do século XIX,
16 Os científicos foram um círculo de tecnocratas imersos no positivismo de Comte formado por:Gabino Barreda (1820-1881), precursor do grupo, médico e professor de medicina, Barreda estudouem Paris com Auguste Comte entre 1847 e 1851 e é amplamente reconhecido como o introdutor dopositivismo no México e, também o organizador da Escuela Nacional Preparatoria, a primeira escola
86
muitos já haviam falecido ou contavam com idade avançada. Esse grupo de grande
influência em seu governo era formado por homens de negócios, intelectuais
destacados e membros de seu gabinete. Dentre eles estavam Gabino Barreda,
Ramón Corral, José Limantour, Justo Sierra entre outros. No entanto, esse grupo,
assim como Díaz já bastante envelhecido, não cede espaço à nova geração que o
reclamava. Almejando o cargo de presidente, os científicos diminuem o poder dos
reyistas17, que passam então a fazer oposição ao governo.
2.2 Ramón López Velarde e as vanguardas mexicanas no início do século XX
Nos últimos anos do século XIX, gozando de uma situação acadêmica nas
principais instituições do país, impera no México a filosofia positivista nas versões de
Comte, Mill e Spencer. Com a chegada do novo século, um grupo de jovens começa
a ganhar destaque no ambiente cultural e a se rebelar contra a opressão filosófica
exercida pelo positivismo. Assim, em outubro de 1909, surge o primeiro grupo de
intelectuais identificados com a Revolução: Ateneo de la juventud, que mais tarde
passaria a se chamar de Ateneo de México, sob o patrocínio de Justo Sierra e com o
respaldo da estrutura institucional da Universidad Nacional e da Escuela Nacional
laica de educação superior do México, inaugurada 1868 e que se converte no campo de treinamentopara muitos jovens; Ramón Corral (1854-1912) vice-presidente do México sob Porfirio Díaz desde1904 até sua deposição em 1911; José Yves Limantour (1854-1935) Ministro de Fazenda desde 1893até a queda do regime de Díaz, considerado o líder político da facção; Justo Sierra (1848-1912)escritor, historiador, poeta e destacado político mexicano. Sierra foi também Secretário de InstruçãoPública e Belas Artes entre 1901 e 1911 e decisivo promotor da fundação da Universidad Nacional deMéxico, hoje Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), responsável por diversos trabalhosde matéria educativa e que ficou conhecido como “Maestro de América”; Juan Francisco Bulnes(1847-1924), político, orador, jornalista e professor da Escola Nacional de Engenharia; Emilio Rabasa(1856-1930), advogado, escritor e político; Enrique C. Creel:(1854-1931), rico empresário efazendeiro, um influente membro do poderoso clã Terrazas-Creel, que dominou o estado nortenho deChihuahua, da que foi governador desde 1904 até o fim do porfiriato. (BOLÍVAR MEZA, 2008, p. 23)17 Os reyistas foram um grupo de políticos liderados pelo general Bernardo Reyes, pai de AlfonsoReyes. (BOLÍVAR MEZA, 2008, pp. 20-30)
87
Preparatoria. Certamente, na história intelectual do México, a crítica ao positivismo é
um dos antecedentes da Revolução.
Cabe ressaltar que a identificação desse grupo com a Revolução foi parcial e
limitada, pois vários integrantes ateneístas pertenciam às elites porfirianas, e aos
governos de Díaz e Huerta. Como destaca Francisco Javier Mora:
aquellos escritores que habían vivido de forma acomodaticia en laépoca de Porfirio Díaz, seguían en la misma situación tras laascensión de Madero al poder, y, subsiguientemente, tras el golpemilitar de Victoriano Huerta, con lo que los dioses mayores de laliteratura permanecían indemnes sobre sus pedestales. (MORA,2000, p. 259)
No entanto, deve-se levar em consideração que o Ateneo pode ser
identificado com o processo revolucionário, pois, além de desafiar o positivismo,
corrente de pensamento dominante nesse período, reivindicando outras formas de
conhecimento, como o estudo das humanidades, o grupo também, através da
Universidade Popular Mexicana fundada por eles em 1912, é responsável por um
intenso trabalho de difusão educativa e cultural.
Muitos foram os integrantes do Ateneo de la Juventud, como: escritores,
pintores, arquitetos, advogados, médicos e estudantes, sendo os mais destacados:
Alfonso Reyes, filho do general Bernardo Reyes, governador de Nuevo León e sério
aspirante a suceder a Díaz na presidência; Antonio Caso, filósofo e reitor da
Universidad Nacional de México entre 1921-1923; Pedro Henríquez Ureña,
intelectual, filósofo, crítico e escritor dominicano; Alberto J. Pani, alto funcionário em
quase todos os governos revolucionários; Martín Luís Guzmán, filho de militar
federal e um dos maiores cronistas e jornalistas da primeira metade do século; e,
sobretudo, José Vasconcelos, advogado, escritor, educador e filósofo, filho de um
burocrata porfirista. Vasconcelos, juntamente com Caso, é fundador desse grupo,
desfeito em 1914, após haver contado com cerca de cem membros.
88
Muito se poderia dizer de cada um dos membros desse grupo, pois suas
contribuições na composição do cenário político, cultural e educativo mexicano são
de extrema relevância. Isso, porém, excede os propósitos dessa pesquisa. No
entanto, as contribuições de José de Vasconcelos ao discurso de nacionalidade e de
configuração ideológica e intelectual do campo filosófico merecem destaque.
Nesse contexto, Vasconcelos, o animador da política educativa da Revolução
é também quem propicia o nacionalismo cultural pós-revolucionário, atitude que
define a identidade cultural do mexicano no século XX. Como político, participa da
Revolução Mexicana ao lado de Madero e Pancho Villa. Após a pacificação da luta
armada, é nomeado Reitor da UNAM (1920-1921) e Secretário de Educação Pública
(1921-1924) por Álvaro Obregón.
Ao longo dos quase três anos em que esteve à frente da Secretaria, realizou
um profundo trabalho educativo em três vertentes: escolas, bibliotecas e editoras,
contando com o apoio de muitos intelectuais, principalmente membros do que seria
o grupo Contemporáneos, como Carlos Pellicer, Jaime Torres Bodet (seu secretário
particular) e Bernardo Ortiz de Montellano, pois, de qualquer modo, colaborar com
Vasconcelos naquele momento era a melhor maneira de ganhar a vida e obter
prestígio. Outra figura de suma importância, trazida ao México por Vasconcelos, é
Gabriela Mistral, a qual colaborou na publicação da antologia de Lecturas clásicas
para niños.
No que tange à filosofia mexicana dos anos vinte, ela é definida, certamente,
por La raza cósmica (1925). Nessa obra, o discurso racial se converte na pedra
angular, e a principal característica dessa utopia vasconcelista enraíza-se na
identificação de “espírito” nacional e de raça. Daí surge o famoso lema da UNAM,
acunhado por Vasconcelos “Por mi raza hablará el espíritu” (VASCONCELOS apud
89
GARCÍA SANDOVAL, 2010, p. 2). O “espíritu” que ele menciona são os intelectuais.
É, portanto, essa identificação entre raça e cultura que potencializará os discursos
dos anos seguintes, ou seja, essa obra de certa forma materializaria “não apenas a
euforia do filósofo, mas o fracasso anunciado do político, que, por não poder pôr em
prática suas grandes ideias, acabou por transformá-las numa utopia muito próxima
da literatura”. (CRESPO, 2003, p. 9)
A relação orgânica de Vasconcelos com o Estado pode ser percebida através
do positivismo, como a ênfase na educação e na estrutura teleológica da narrativa
histórica. Por outro lado, são inegáveis as ideias que o separam dessa doutrina, pois
ele, assim como os ateneístas, fez parte de uma reação intelectual ao positivismo.
Outro momento importante da história dos intelectuais mexicanos é a dos
Siete Sabios de México ou Generación de 1915, nome dado por Manuel Gómez
Morín para batizar sua geração, cuja meta é propagar a cultura no início do século
XX. Esse movimento universitário e cultural composto por Antonio Castro Leal,
Alberto Vázquez del Mercado, Vicente Lombardo Toledano, Manuel Gómez Morín,
Teófilo Olea y Leyva, Jesús Moreno Baca e Alfonso Caso vem, num momento de
tormenta revolucionária, substituir os ateneístas.
O ambiente político de reconstrução do país continua, e diversos grupos
revolucionários disputam o poder. O exército não consegue conter os levantamentos
armados, e o general Álvaro Obregón favorece a candidatura de Elías Calles, que
será seu sucessor no poder.
Além disso, a década de vinte é também a da guerra cristera, movimento que
reflete a tensão entre o governo e a igreja. Com a produção industrial praticamente
estagnada, num país que tenta se livrar do caudilhismo e passar para uma nova
etapa, mais de acordo com a modernidade de nações mais avançadas, a
90
democracia é constantemente ameaçada. Esta é também uma época de grande
enfrentamento geracional, que demonstra a luta interna entre os intelectuais no
campo do poder, “entre jóvenes que intentan ser partícipes de la reconstrucción
nacional y las generaciones anteriores que tratan por todos los medios de copar y
conservar los puestos más destacados de la administración.” (MORA, 2000, p. 260)
No contexto literário mexicano, a herança dos poetas Juan José Tablada,
López Velarde, dos romancistas Federico Gamboa e Manuel Payno, ecoam sobre os
jovens do país interessados por literatura. Há também a forte presença de
Vasconcelos sobre os ateneístas e aqueles que virão a formar os Contemporáneos.
Dentro desse contexto, entre os anos de 1921 e 1927, surge um grupo que,
inspirado no futurismo de Maiakovski e Marinetti, entrará em combate pela
hegemonia cultural e literária: o Estridentismo. Certamente esse movimento,
proveniente da cultura urbana e procurando se estabelecer à base da modernidade
tecnológica, representa o primeiro passo dado pelas vanguardas no México.
Com uma busca pela renovação da literatura e das artes plásticas e cênicas,
esse movimento rompe com a tradição, afastando-se da academia e das técnicas
premeditadas. É o que pode observar no lema contracultural: “¡Viva el mole de
guajolote!” (SCHWARTZ, 1995, p.163) Muito diferente de outros grupos, os
estridentistas dirigem sua arte ao operário, ao camponês, ao soldado revolucionário,
ou seja, ao povo.
O primeiro manifesto denominado Actual no. 1, que o líder do movimento
Manuel Maples Arce (1900-1981) cola nos muros e paredes nas ruas da Cidade do
México em dezembro de 1921, demonstra a preocupação com o presente, com uma
arte nova, juvenil e entusiasta, a qual utiliza cartazes como forma de comunicação
91
direta com a esfera pública, sem o intermédio de instituições literárias. Como se
pode observar no trecho do início do manifesto:
Em nome da vanguarda atualista do México, sinceramentehorrorizada com todas as placas notariais e rótulos consagrados desistema cartorário, com vinte séculos de êxito efusivo em farmácias edrogarias subvencionadas pela lei, centralizo-me no vértice eclatanteda minha insubstituível categoria presentista, equilateramenteconvencida e eminentemente revolucionaria, enquanto todo mundoque está fora dos eixos contempla-se esfericamente atônito com asmãos torcidas, imperativa e categoricamente afirmo, sem exceçõesaos players diametralmente explosivos em incêndios fonográficos egritos encurralados, meu estridentismo desfazente e puro para medefender as pedradas literais dos últimos plebiscitos intelectivos.(MAPLES ARCE apud SCHWARTZ, 1995, p.156)
Os estridentistas abandonam o campo revolucionário e avançam pela
metrópole. Esse constante peregrinar pelas ruas os confronta com a primeira
literatura urbana do México e o primeiro teatro experimental do país, o Teatro
Murciélago, obra de Luis Quitanilla, Carlos González e Francisco Domínguez.
Maravilhados pelos avanços tecnológicos, demonstram sua paixão pelo telégrafo, o
trem, o carro, o avião e, principalmente, o rádio, com a participação do poeta Maples
Arce na primeira estação de rádio a ir ao ar na Cidade do México em 8 de maio de
1923, lendo um poema estridendista T.S.H, que havia sido publicado dias antes em
El Universal Ilustrado (MORA, 2000, p. 267).
Para ilustrar a presença estética da cidade na obra dos estridentistas,
ressalta-se Urbe18 – o terceiro livro de Maples Arce, e o primeiro de poesia de um
mexicano traduzido ao inglês, além de ser o primeiro de toda a vanguarda em língua
espanhola. (SCHNEIDER, 1985, p.14)
Entre os integrantes mais destacados desse movimento estão: Arqueles
Vela, Germán List Arzubide, Luis Quintanilla, Salvador Gallardo, Ramón Alba de la
18 Urbe, de Manuel Maples Arce, foi publicada em inglês sob o título Metrópolis pela editora The T. S.Book Company of New York em julho de 1929. (SCHNEIDER, 1985, p.14)
92
Canal, Leopolo Méndez, Germán Cueto, Luis Felipe Mena, Rafael Sala, Silvestre
Revueltas, Tina Modotti e Diego Rivera.
Cabe destacar também que os estridentistas foram a inspiração para o
movimento lançado 1976 por Roberto Bolaño e Mario Papasquiaro. Como comenta
a jornalista e pesquisadora chilena Cecilia García Huidobro em seu artigo “Bolaño, el
estridentismo y Cesárea Tinajero o como hacer una literatura de sombra” (2008),
referindo-se ao primeiro manifesto Infrarrealista,
Es posible observar, entonces, una clara sintonía entre lascaracterísticas que Bolaño le atribuye al estridentismo y los rasgosque le asigna al infrarrealismo de acuerdo al primer manifiestollamado “Déjenlo todo, nuevamente”. Basta pensar como coincidenambos en conceptos como subversión, aventura y riesgo. (GARCÍAHUIDOBRO, 2008, p. 6)
Em relação aos meios de divulgação dos estridentistas, encontram-se o
Universal Ilustrado, o Irradiador e Horizonte. Eles escolhem como “trincheira” o Café
de Nadie, local onde o grupo se reúne para, entre café e cigarros, traçar suas
atividades.
Convém ressaltar que a consciência política do grupo se manifesta
claramente desde o início do movimento, como se pode observar na introdução do
artigo de Maples Arce publicado em 28 de dezembro de 1922, uma espécie de
balanço das ideias da Revolução e do pensamento de esquerda no país naquele
momento, do qual se cita um trecho tomado do artigo de Javier Mora:
La revolución social de México se proclamó en la incidencia de dosfuerzas convergentes: el impulso dinámico del pueblo y el esfuerzointegral de los políticos. Al terminar la revolución por razones deorden estructural, la primera quedó trasegada en la segunda, y, ésta,que en materia social y económica formaba «las izquierdas», encuestiones literarias y estéticas, por falta de preparación intelectiva,no era sino una suma reaccionaria. Los pocos intelectuales quefueron a la revolución estaban podridos. La tiranía intelectual siguiósubsistiendo y la revolución perdió toda su significación y todo suinterés. [...] Pero las inquietudes post-revolucionarias, las explosionessindicalistas y las manifestaciones fueron estímulo para nuestrosdeseos iconoclastas y una revelación para nuestras agitacionesinteriores. Nosotros también podíamos sublevarnos. Nosotros
93
también podíamos rebelarnos. (MAPLES ARCE apud MORA, 2000,pp. 272-273)
Apesar de longa, a citação é importante para que se possa compreender a
dimensão da relação dos intelectuais, antes, durante e após o movimento
revolucionário, com o poder, ocupando cargos políticos com clara tendência social-
comunista. Para entender também o motivo do desaparecimento dos estridentistas,
que se deve em grande parte ao envolvimento de seu líder e de alguns integrantes
com a política, uma vez que, quando a política entra pela porta, a vanguarda sai pela
janela, pois a queda do poder do General Heriberto Jara, governador de Veracruz,
significou o fim do estridentismo. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.20) Maple Arce,
Secretário de Governo do Estado de Xalapa e Germán List Arzubide, seu secretário
particular e professor da Escuela de Bachilleres de Xalapa, também caíram com o
general.
Esses fatos demonstram o fracasso do projeto estridentista, o qual, na prática,
não construiu uma posição política autônoma. Uns haviam-se convertido em
intelectuais orgânicos do poder, enquanto outros foram relegados ao esquecimento,
inclusive dentro do campo literário. Apesar do destaque de membros como Arqueles
Vela e Kin Taniya19, a ascensão de Mariano Azuela e dos Contemporáneos os levou
ao ostracismo.
No entanto, não somente esse grupo elabora propostas literárias específicas
e procura se erguer como representante legítimo de nação; se, de um lado, no plano
político encontram-se os Estridentistas, de outro, no plano estético estão os
Contemporáneos.
19 Kin Taniya é o pseudônimo do diplomata, escritor e professor estridentista Luis Quintanilla.(SÀNCHEZ-PRADO, 2006, p. 25)
94
Um dos grupos mais importantes da Literatura Mexicana do início do século
passado, os Contemporáneos foram compostos por Carlos Pellicer, Enrique
González Rojo, Bernardo Ortiz de Montellano, José Gorostiza, Jaime Torres Bodet,
Xavier Villaurrutia, Salvador Novo, Gilberto Owen, Celestino Gorostiza e Rubén
Salazar Mallén. Como destaca Sheridan (1993), “[…] casi todos son críticos, si no se
puede decirse que son críticos, han adoptado una actitud crítica”. (SHERIDAN,
1993, p.12)
No grupo os Contemporáneos coincidiram diversos discursos e formas de
exercer a tarefa literária e cultural entre os anos de 1920 e 1932 (SHERIDAN, 1993,
11). Optaram pelas revistas (La Falange, Ulises, Gladios, El Universal, Prisma,
Contemporáneos) como meio de divulgação de sua arte, por acreditarem ser mais
rápido, uma vez que grande parte da população não era alfabetizada e as edições
de livros costumavam ter em média trezentos exemplares. As revistas, ao contrário,
devido ao gancho informativo e ao apelo de novidades editorias, chegavam mais
rapidamente a um grande número de leitores.
A revista Contemporáneos (título inventado por José Gorostiza), que deu
nome ao grupo, tinha como subtítulo Revista Mexicana de Cultura, o que mostra
claramente sua preocupação com o nacional, através de seções que tratavam dos
últimos livros lançados no México e sobre o México, além de artigos sobre literatura,
música, pintura, ilustrações mexicanas e traduções de artistas europeus e norte-
americanos.
Archipiélago de soledades, segundo Torres Bodet, Grupo sin grupo a que se
refere Xavier Villaurrutia, Grupo de forajidos, assim percebeu Jorge Cuesta, são
algumas das nomenclaturas dadas aos Contemporáneos, os quais, por diversas
vezes, tiveram contestada sua condição de grupo ou de geração. Manuel Durán, em
95
seu artigo “¿Contemporáneos: grupo, promoción, generación, conspiración?” (1982),
relata que, em 1964, Merlin H. Foster negava que pudesse ser uma geração aquilo
que não passava de um grupo de amigos. Frank Dauster, segundo ele, afirmava o
contrário, pois os considerava uma geração por serem coetâneos, por sua formação
cultural homogênea, por empregarem uma linguagem comum, por todos terem
compartilhado da experiência da Revolução. Outro fato relevante e que não pode ser
desconsiderado é que “todos pertenecían «a una de las clases más afectadas por la
Revolución, la media alta, que fue desalojada de sus posiciones y de sus
prebendas»” (DURÁN, 1982, p. 40).
Guillermo Sheridan (1993), autor de uma ampla pesquisa sobre esse grupo,
publicada na obra Los Contemporáneos ayer (1993), relata que “más que un grupo
constituido para la beligerancia, más que un círculo o una plataforma de principios,
los Contemporáneos conforman una actitud a duras penas reducibles a postulados
precisos” (SHERIDAN, 1993, p.11).
A polêmica em torno do grupo possui relevância, pois não houve um
manifesto que os unisse, ato comum entre os vanguardistas. Mesmo assim, são
considerados a segunda geração de vanguarda mexicana. Villaurrutia, em 1934,
publica um texto com o propósito de definir a natureza do grupo:
“Grupo sin grupo” le llamé la primera vez que comprendí quenuestras complicaciones privadas, nuestras desemejanzas corteses,nuestras intenciones, diversas en el recorrido pero unidas en elobjeto de nuestra ambición, tenían que transcender al público, comosucedió en efecto. […] Sin quererlo, sin pretenderlo, pero sinrechazarlo ni negarlo lo se ha formado, más en la mente de losescritores que nos preceden o nos siguen que en la realidad misma,un grupo, una generación. […] Ni un programa, ni un manifiesto queprovoquen esta idea hemos formulado. Pero, puesto que la ideaexiste, la aceptamos y seguimos juntando nuestras soledades enrevistas, en teatros, en obras, y hasta en lo que usted llama nuestrainfluencia.” (VILLAURRUTIA apud SHERIDAN, 1993, p. 14)
96
Os Contemporáneos se negaram à simples solução de um programa, de um
ídolo ou de uma falsa tradição. Ao contrário dos estridentistas, nunca renegaram as
gerações literárias que precederam a sua, como o Ateneo, ou a de 1915. Em seu
ecleticismo, aproximaram-se das vanguardas espanholas, principalmente da
Geração de 27. Do mesmo modo, estabeleceram uma relação de harmonia e
respeito com escritores que professavam tendências literárias opostas, como os
colonialistas e os romancistas da Revolução (DURÁN, 1982, p. 38). Esse grupo
também foi considerado seguidor da vanguarda lopezvelardiana.
Ramón Modesto López Velarde Berumen é a figura que permite dar conta da
transição do modernismo à vanguarda “y, más importante aún, de una idea de la
cultura nacional que no se finca en las ideologías urbanas de buena parte de los
grupos en cuestión” (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 21). Um intelectual extremamente
criticado por, num tempo de violenta transição, ir, simultaneamente, na vanguarda
da arte e na retaguarda da política.
Nasce em Jerez, Estado de Zacatecas, em 1888, no mesmo ano em que
Rubén Darío publica seu livro Azul. Começa a escrever quando ingressa no
Seminario Conciliar de Zacatecas no ano de 1900. Em 1908 entra no Instituto
Científico y Literario de San Luis Potosí e colabora em jornais e revistas da
província.
Forma-se advogado em 1911 e passa a exercer a profissão de juiz em San
Luis Potosí. No entanto, talvez pela tormenta revolucionária, em 1914, muda-se
definitivamente para a capital, e lá, além de ocupar modestos postos burocráticos,
publica, regularmente, ensaios e poemas.
Em vida, publica somente dois livros de poesias: La sangre devota (1916) e
Zozobra (1919); depois de sua morte, são editados três volumes: um de poesia, El
97
son del corazón (1932) e dois de prosa, El minutero (1923) e El don de febrero
(1952).
Em 1920, nas proximidades do aniversário do centenário da Independência,
escreve seu poema mais conhecido: La suave Patria (Anexo I). Um ano mais tarde,
em 1921, morre na madrugada de 19 de junho, asfixiado pela pneumonia e pela
pleuresia. A respeito de sua morte, relata o crítico José Luís Martínez: “Lo habían
matado dos de esas fuerzas malignas de las ciudades que tanto temiera: el vaticinio
de una gitana que le anunció la muerte por asfixia y un paseo nocturno.”
(MARTÍNEZ, 1998, p. XXVII)
Poeta da província, poeta católico, poeta do erotismo, poeta da morte e
também poeta da Revolução, López Velarde é poeta da província, mas, como
acrescenta Octavio Paz: “no es un poeta provinciano, aunque el terruño natal sea
uno de sus temas” (PAZ, 1972, p. 78). Embora tenha conhecido Francisco I. Madero
em 1910, simpatizado com o movimento revolucionário, não pode ser considerado
um poeta revolucionário, pois não foi seguidor desta causa, embora se tenha
deixado influenciar por ela, como destaca Villoro em Ramón López Velarde: la
tradición de un fantasma:
Poeta católico muy arraigado a las costumbres de la provinciamexicana, se dejó influir por la Revolución de 1910 y participó en elanhelo de cambiar el mundo; de temple liberal, escogió lademocracia en un momento en que se votaba con balas. [...] murió alos 33 años, sin conocer el mar ni tener una casa. (VILLORO, 2004b,p. 4)
Um poeta desconhecido ou incompreendido? As duas coisas. Por que é tão
menos conhecido que o muralismo mexicano, por exemplo? Ambos são
extremamente importantes para a ressonância do nacionalismo. Mas as pessoas
98
cultas do ocidente conhecem o muralismo mexicano20, e não López Velarde. O
crítico Gabriel Zaid, na introdução da obra poética do poeta nacional, tenta
responder a esse questionamento. Não chega a uma conclusão, mas levanta
possíveis respostas: “murió a los 33 años, nunca salió del país y militó en el partido
erróneo: el Partido Católico Nacional.” (ZAID, 1998a, p.XXI) Os muralistas, ao
contrário, viveram mais, militaram na Internacional Comunista e passaram
temporadas em Paris e Nova York.
No entanto, cabe ressaltar que sua imagem não está associada ao
catolicismo, mas ao nacionalismo revolucionário. Associação equivocada? Não,
levando em consideração seu poema mais conhecido: La suave Patria, cuja base
teórica já havia sido lançada no ensaio em 1921, intitulado Novedad de la Patria,
como se pode observar no trecho que segue:
Correlativamente, nuestro concepto de la Patria es hoy hacia dentro.Las rectificaciones de la experiencia, contrayendo a la justa medidala fama de nuestras glorias sobre españoles, yanques y franceses, yla celebridad de nuestro republicanismo, nos han revelado unaPatria, no histórica ni política, sino íntima. (LÓPEZ VELARDE, 1998,p. 308)
López Velarde e seu único poema de inspiração cívica, La suave Patria,
ocupam um lugar central na constituição do campo literário mexicano, pois propõe
uma poesia que deixa de ser algo distante e passa a ser cotidianizada como nação.
Como destaca Gabriel Zaid sobre o poema, “sería un error pensar que el
acontecimiento se redujo a eso. El verdadero acontecimiento fue literario. Sucedió
en las palabras del poeta y en la conciencia del lector” (ZAID, 1998a, p. XXIII).
20 O muralismo mexicano ressurge como manifestação nacional nas primeiras décadas do século XX,como caminho que os artistas da época encontram para manifestar suas ideias sobre uma artepopular e engajada. As primeiras obras surgem em 1910 para decorar os murais da EscuelaPreparatoria. Os integrantes desse movimento que torna a arte acessível às massas são: DiegoRivera (1886-1957), José Clemente Orozco (1883-1949), David Siqueiros (1896-1974) entre outros.(BOLÍVAR MEZA, 2008, p.112)
99
José Gorostiza, integrante do grupo Contemporáneos, em 1924, relata em
ensaio sobre a descoberta: “La patria fue, sin duda, el descubrimiento más plausible
de López Velarde, porque, teniéndola al alcance de la mano, nadie antes de él quiso
enterarse de su existencia.” (GOROSTIZA, 2008, p. 23)
No entanto, há que se considerar a perspicácia de José de Vasconcelos, que
transforma a morte do poeta em um acontecimento, o poema em uma espécie de
“hino nacional”, pois “hizo llegar La suave Patria a todos los maestros de la república
en la revista El Maestro (con un tiraje de 60.000 ejemplares).” (ZAID,1998a, p.XXII).
Com isso, converte o poema em um modelo de cultura nacional revolucionária. El
Maestro era distribuído por toda Hispano-américa, como destaca José Emilio
Pacheco “Uno cayó en manos del joven Borges. Se aprendió de memoria La suave
Patria y no la olvidó nunca.” (PACHECO, 2001, p. 1)
O poeta nacional de má sorte amorosa, econômica e política recebe em sua
curta vida o reconhecimento de escritores com os quais conviveu naquele momento,
como: José Juan Tablada (modernista), Julio Torri (ateneísta), Xavier Villaurrutia,
Salvador Novo, José Gorostiza y Carlos Pellicer (futuros Contemporáneos) e Manuel
Gómez Morín (Los Siete Sabios) que diz, como destaca Gabriel Zaid: “López
Velarde cantaba un México que todos ignorábamos, viviendo en él.” (GOMÉZ
MORÍN apud ZAID, 1998a, p. XXIII)
Como se pode observar, López Velarde convive com todos os grupos de
grande importância na fundação ideológica do campo intelectual, mas não integra
nenhum deles, o que demonstra um período de profunda indeterminação. Para
ilustrar, observem-se Vicente Lombardo Toledano e Manuel Gómez Morín. O
primeiro, fundador da estrutura sindical futuramente incorporada ao PRI e criador do
Partido Popular (Socialista), e o outro, um intelectual de direita, fundador do Banco
100
Nacional do México, o qual, após romper com o governo, funda o PAN. Deste modo,
destaca Sánchez-Prado:
muchos de los elementos culturales que flotaban en los debates de laépoca, como el humanismo clásico del Ateneo, la ideologíasindicalista de Lombardo Toledano o el sinarquismo de Gómez Moríneran formas de ejercer una identidad cultural y política en unmomento en que el Estado no había logrado armar todo su versiónhegemónica. (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p.16)
Em meio a todo esse processo, e afastado das disputas do campo literário em
formação, encontra-se o poeta Ramón López Velarde, figura fundacional da poesia
mexicana moderna.
2.3 Ramón López Velarde em El testigo
Com uma linguagem que alterna prosa e poesia, Juan Villoro concede a esse
personagem histórico e narrativo um papel fundamental durante todo o desenrolar
de El testigo. Essa relação aparece desde a primeira página através da quantidade
de capítulos e o número do quarto em que se hospeda Julio Valdivieso, numa clara
referência ao número trinta e três, que é a idade em que falece López Velarde.
O cenário da volta do protagonista, Julio Valdivieso, ao México, ocorre após
vinte quatro anos de exílio voluntário, concluídas as eleições presidenciais de 2000,
quando o PAN (partido de direita – conservador e cristão, capaz de estabelecer um
contato mais estreito entre Igreja e Estado) assume o poder, o que em tese colocaria
um fim aos 71 anos de hegemonia do PRI, prometendo instaurar, finalmente, uma
democracia. Tal fato não se concretiza, provocando uma profunda revisão do valor
da Revolução Mexicana na consolidação das Instituições políticas e culturais, assim
como dos poderes econômicos do país.
A trama se desenrola quando Valdivieso, chegando ao país, é abordado
imediatamente pelos antigos amigos da Oficina Literária da qual fez parte: Juan Ruiz
101
(El Vikingo), um importante publicitário, e Félix Rovirosa, seu ex-colega de
graduação em Letras na UNAM e alto funcionário de um consórsio televisivo (que se
presume tratar da Televisa – um grande consórcio de telecomunicações do México).
O regresso ao país em seu ano sabático implica também uma revisão em seu
arquivo familiar. Isso contribuirá para escrever o roteiro de uma telenovela histórica
intitulada Por el amor de Dios, na qual se encenará a gesta dos cristeros, fato
posterior à Revolução e silenciada durante a hegemonia do PRI. Paralelamente à
telenovela, será rodado um documentário sobre a vida do “poeta da pátria”, Ramón
López Velarde.
O romance está dividido em três partes: “Posesión por pérdida”, “La mano
izquierda” e “El tercer milagro”, contendo, no total, trinta e três capítulos. Não há
como dividi-lo cronologicamente, pois se percebe que o protagonista regressa ao
México fisicamente, mas que sua memória vaga entre a vida na Europa e o passado
em seu país.
Dentro desse contexto, longe de uma literatura de exílio ou de uma ideologia
nacionalista, a obra apresenta em suas epígrafes invocações a Ulisses. Fazendo
referência à viagem, principalmente ao ponto de chegada e aos enigmas do
regresso, Villoro relaciona o retorno do protagonista com o poema velardiano El
retorno maléfico (Anexo II). Vale-se, então, do tema da viagem como um
deslocamento geográfico e imaginário, não apenas entre o mundo interior e exterior,
mas também entre o presente e o passado. Nesse caso, Valdivieso está no México
e recorda seus últimos dias em Lovaina, relacionando já, desde as primeiras
páginas, os temas que pretende destacar no romance, os quais passam por
questões estéticas e literárias, mas, principalmente, por preocupações atuais em
relação à sociedade.
102
Assim, uma complexa estrutura narrativa é apresentada, e o autor procura
conciliar tempos diferentes com longas pausas na narração, que mais parecem
buracos na memória, pois oscilam entre espaços e tempos distantes. Em meio a
tudo isso, está Julio Valdivieso, que se assemelha a um sonâmbulo, vagando no
presente em busca de um passado não concretizado, à procura de um tempo
perdido, capaz de ser encontrado apenas no passado.
Assim, os vínculos intertextuais com a Odisseia não são gratuitos, pois
Valdivieso, após quase um quarto de século, resolve voltar a sua Ítaca natal
(México), como um Ulisses que vai ao encontro de sua Penélope (Nieves). Perdido
entre aventuras e sombrios cânticos das sereias, encontra um país mergulhado na
violência e no tráfico de drogas, com sérios problemas políticos e econômicos,
apesar de acabar de sair de uma longa ditadura de partido que havia durado mais
de setenta anos.
É importante salientar que, em sua chegada, Valdivieso e Vikingo se
encontram para almoçar em um restaurante chamado Los guajolotes, ou seja, “Os
perus”, título do primeiro capítulo do romance, fato que remete à frase emblemática
com que se encerra o 2º Manifiesto Estridentista, de 1923, “¡VIVA EL MOLE DE
GUAJOLOTE!” (SCHWARTZ, 1995, p.163), o qual, em suas ideias centrais,
propunha “cagar” em cima dos heróis que estavam encarapitados “sobre o pedestal
da ignorância coletiva. Horror aos ídolos populares. Ódio aos panegiristas
sistemáticos”, no qual Maples Arce convocava a “defender a nossa vergonha
intelectual” (SCHWARTZ, 1995, pp. 162-163).
Já o Manifiesto Estridentista n° 3, de 1925, inicia-se com uma crítica ao
“garimpeirismo de López Velarde” (SCHWARTZ, 1995, p. 163). E é nestas
referências à morte de uma estética literária que teve seu auge durante o porfiriato,
103
que os estridentistas, ao assinarem o manifesto, propõem rebelar-se contra “os
espíritos acadêmicos que continuam preparando seus cozidos com ingredientes
passados” (SCHWARTZ, 1995, p. 163).
Para complementar o esboçado nesse parágrafo, é preciso não esquecer
que, tanto as gerações imediatamente anteriores quanto as posteriores ao poeta
zacatecano contribuíram para a construção das estruturas do país (no que tange ao
aspecto econômico, político, cultural e artístico) que estavam por ser feitas. Do
mesmo modo, tal pode ser dito em relação aos Científicos, Justo Sierra e Gabino
Barreda, antes da Revolução mexicana, e de figuras como as dos ateneístas José
Vasconcelos e Antonio Caso; dos Estridentistas Maples Arce e Arqueles Vela; dos
Contemporáneos Salvador Novo e Torres Bodet, os quais, entre outros, depois da
Revolução, postulavam-se a si próprios como intelectuais.
Villoro centraliza grande parte do romance em San Luis Potosí, local de
nascimento de Valdivieso, onde está localizada a fazenda de sua família,
denominada Los cominos, exatamente na rota do narcotráfico. Essa cidade foi
também o local em que Ramón López Velarde passou um período, como diz o
personagem padre Monteverde, entusiasta do projeto de canonização do poeta:
Los biógrafos pierden la pista de Ramón de diciembre de 1912 ymayo de 1913. Son momentos decisivos de la Revolución. Nadiesabe dónde estuvo durante el asesinato de Madero ni durante laDecena Trágica. Después de su estancia en Venado, regresó a SanLuis. Ahí lo tenemos en diciembre. En mayo aparece en la capital.¿Qué pasó en medio? Eran días terribles para el país. La Revoluciónparecía abortada, Victoriano Huerta iniciaba una nueva tiranía. Fue lagran jornada del éxodo, la gente buscaba refugio en sitios alejados.”(VILLORO, 2004a, p. 144)
É desse período que lhe atribuem vários milagres, que, na verdade, podem
ser reduzidos a um único: “salvar a alguien de ahogarse en un estanque.” (ZAVALA,
2011, p. 239) E isso ocorre, apesar dos argumentos do protagonista, mostrando que,
104
a partir de 1912, pode-se perceber nos artigos de López Velarde um extremo
conservadorismo católico. Esses escritos beiravam ao fanatismo, chegando a
chamar de “animal” uma das figuras mais emblemáticas da Revolução – Zapata, o
que não é suficiente para o padre Monteverde, que contesta argumentando tratar-se
de “un alma confundida partida en dos.” (VILLORO, 2004a, p.144) Ou seja, não
importa a argumentação, pois se percebe que há sempre uma tentativa de
reposicionar o rumo da história com reescrituras improváveis, infundadas e capazes
de beneficiar determinadas correntes encasteladas no poder, numa tentativa de
fazer prevalecer a imagem mítica, religiosa e patriarcal do poeta da pátria.
Ainda em relação a essa cidade, cabe ressaltar que é também o local em que
foi criado o Plan de San Luis Potosí21, de Francisco I. Madero, no qual se convocava
para um levantamento de armas:
Conciudadanos: si os convoco para que toméis las armas yderroquéis al Gobierno del general Díaz, no es solamente por elatentado que cometió durante las últimas elecciones, sino para salvara la Patria del porvenir sombrío […] No vaciléis pues un momento:toma las armas, arrojad del poder los usurpadores, recobrad vuestrosderechos de hombres libres y recordad que nuestros antepasadosnos legaron una herencia de gloria que no podemos mancillar. Sedcomo ellos fueron: invencibles en la guerra, magnánimos en lavictoria. SUFRAGIO EFECTIVO. NO REELECCIÓN. San Luis Potosí,octubre 5 de 1910. (MADERO apud ARCEO MOLINA, 2010, p. 2,grifo nosso)
Em relação a esse trecho retirado do documento, observa-se a referência
dada a alguns dos conteúdos pelos quais lutavam as diversas facções envolvidas no
conflito: maderistas, zapatistas, villistas, carrancistas, obregonistas, magonistas... No
entanto, o viés liberal do poeta o ligava à tradição porfirista, e distanciava seu
projeto, por exemplo, dos de Ricardo Flores Magón (anarquista), Pancho Villa
(reforma agrária no modelo de pequena propriedade privada) e Emiliano Zapata
21 O Plan de San Luis Potosí foi um documento político no qual Francisco I. Madero convocava a umlevantamento em armas no dia 20 de novembro de 1910, com o objetivo de derrubar Porfírio Díaz, oestabelecimento de eleições livres e democráticas e se comprometia a restituir aos camponeses asterras que lhe haviam sido arrebatadas pelos fazendeiros. (ARCEO MOLINA, 2010, p.1)
105
(reforma agrária com terras comunais). Ramón López Velarde, como já foi
mencionado, não participou ativamente do movimento revolucionário.
Acredita-se que, ao resgatar López Velarde, o romance quer repor o debate
através do discurso literário uma vez que, nele, está reunida, de maneira singular,
grande parte das contradições do México revolucionário:
López Velarde admitía en sus poemas las pugnas favoritas de lacultura mexicana: la provincia y la capital, las santas y las putas, loscreyentes y los escépticos, la tradición y la ruptura, nacionalismo ycosmopolitismo, barbarie y civilización. (VILLORO, 2004a, p. 52)
E também, como destaca Alejandro Hermosilla Sánchez em seu artigo “Un
viaje de ida y vuelta a México: El testigo de Juan Villoro” que López Velarde:
es ubicado certeramente por Villoro en el punto nodal de su narraciónporque mostró, desde su particularidad regional abierta a los airesnovedosos de la modernidad literaria, el cómo todo un país pudohaber también efectuado este cambio en lo que se refiere a sudirección política e histórica. (HERMOSILLA SÁNCHEZ, 2010, p. 8)
Villoro deixa claro o paralelismo que leva o acadêmico de origem potosina a
se ocupar do poeta nacional que também viveu e escreveu em outro período de
transição, o da Revolução. Como se poderá observar na citação que segue, quando
o personagem padre Monteverde, de maneira lúcida, em uma reflexão sobre os
movimentos contraditórios produzidos pela Revolução e que, de alguma maneira,
estão relacionados à vida e à obra do poeta:
La Revolución tuvo dos caras [...] Pensemos en López Velarde. Lapolítica lo sacó de la provincia monótona, lo acercó a conviccionesmodernas que no hubiera tenido de otro modo, lo llevó a la capital.¿Qué hubiera sido de él encerrado para siempre en Jerez? Lanostalgia mejora las alacenas de compotas y los dulces de lainfancia. Sin ese viaje no hubiera extrañado «el santo olor de lapanadería» ni «la picadura del ajonjolí». Fue progresista en la políticapero entrañablemente reaccionario en los recuerdos. La Revoluciónle permitió ese doble movimiento. (VILLORO, 2004a, p. 80)
E por que resgatar esse personagem histórico após tantos anos? Em primeiro
lugar, porque Villoro não faz voo rasante e, depois, como destaca José Emilio
106
Pacheco (2001), é porque López Velarde não se esgota, pois “que en el México sin
PRI él puede ser el "poeta nacional" que antes tratamos en vano de inventarnos”
(PACHECO, 2001, p.2).
O resgate também se dá porque, já no início do século passado, López
Velarde inventa uma nova forma de escrever sobre a nação e propõe uma literatura
que opere de maneira autônoma num período em que a relação entre o Estado e a
poesia destrói o potencial estético de escritura, pois um campo literário autônomo é
construído por uma poesia autônoma, democrática, cotidianizada, ou melhor,
cidadanizada (SÁNCHEZ-PRADO, 2006, p. 56). Como afirma Carlos Monsiváis:
“López Velarde es, en rigor, la vanguardia, pero nunca lo reconocen como tal
quienes sólo otorgan el rango de vanguardia a los que exhiben con estrépito
sentimientos disonantes.” (MONSIVÁIS, 1998, p. 692, destaque do autor), pois as
poesias de López Velarde não são menos profundas ou radicais que a dos
estridentistas, mas, devido a sua temática, é visto com suspeita no meio cultural. Por
uma estranha coincidência, Monsiváis e López Velarde faleceram no mesmo dia, 19
de junho, com uma diferença de quase noventa anos.
Mesmo levando em conta a distância temporal entre López Velarde e Juan
Villoro, para todos os caminhos que se tome, encontra-se o México, caso não muito
comum tanto naquele período como no presente.
É preciso que fique claro, portanto, que esse questionamento se faz
importante quando o PAN vence as eleições, pois se percebe que ele reafirma a
presença de antigos atores político-culturais que consolidam sua presença na vida
política e cultural do México moderno.
López Velarde é importante para discutir a figura do intelectual através de
sua posição inquestionável. Como destaca Monsiváis (1998), as adulações cívicas
107
em torno de La suave Patria “Ahorra la interpretación crítica” (MONSIVÁIS, 1998, pp.
691-692) não somente desse poema, mas de toda sua obra. Jorge Ruffinelli, citado
por Sánchez-Prado, comenta a respeito da falta de tradição literária no panorama
crítico do país em 1990, e conclui que “uno de los mitos hacia dentro del campo
literario en México es la ausencia de crítica literaria” (RUFFINELLI apud SÁNCHEZ-
PRADO, 2006, p. 4).
A releitura de Villoro sobre esse poeta, com personagens que chegam propor
a sua canonização, é irônica, ainda que pareça um disparate, pois o próprio
Valdivieso sabe que o catolicismo e suas ideias liberais estavam em conflito:
Su alma dividida lo volvió atractivo para bandos irreconciliables.¿Cómo hubieran coexistido esas contradicciones en los años que nollegó a vivir? La pregunta era inútil y retórica, pero señalaba la trágicaoportunidad de esa muerte. El poeta expiró antes de que la realidadlo forzara a simplificar su espíritu escindido. [...] Pero ¿cómo habríatomado López Velarde la guerra cristera, ese copioso derrame de«sangre devota», los pueblos arrasados, los graneros quemados, latribu de David en su martirio pueblerino, abandonada por todos lospoderes? ¿De qué modo lo habría tocado esa gigantesca oraciónfúnebre? Ramón López Velarde murió con su futuro intacto.Imposible saber cómo se habría movido en el país despedazado quevino después. La fractura, la vida rota había sido de sus lectores.(VILLORO, 2004a, p. 235)
No romance, a mídia, a Igreja e até os narcotraficantes disputam o poder de
representação e reinterpretação da memória, reivindicando a imagem do poeta
nacional, tido como um dos pilares da literatura mexicana moderna, convocando
Julio Valdivieso ao país para dar testemunho, dar fé aos seus interesses.
Valdivieso logo percebe que o esforço de determinado grupo da Igreja em sua
insistente luta pela canonização do poeta, focando principalmente nos motivos
religiosos de sua poesia, associado à releitura da guerra cristera através de uma
telenovela, são projetos que evitam o debate histórico sobre a Cristiada e as
complexidades estéticas da obra de López Velarde. O que se propõe em realidade é
108
uma reconfiguração do imaginário nacional, utilizando-se de meios midiáticos como
um mecanismo contundente de convencimento, como se pode observar na fala de
um dos criadores do projeto: “Por el amor de Dios va a tener gancho con su
reivindicación del morbo católico.” (VILLORO, 2004a, p. 188) Enquanto que a
santidade do poeta será construída com base em documentos duvidosos e golpes
midiáticos.
O poeta nacional se revela, por um lado, de maneira ambígua, como um herói
imaculado, quase um santo, e, por outro, transformado em mercadoria, nos postais,
em nome de lojas, com poemas estampados em toalhas de mesa e, como diz a
personagem Alicia: “Del poeta. Vi un mural en Los Ángeles, «The Suave Patria
Bulevar», con imágenes de la muerte y la magia, en colores cabrones. Está fuerte, el
bato.” (VILLORO, 2004a, p. 124 ) E até em sorvetes, como diz o capataz da fazenda
Eleno: “ —¿López Velarde, le suena de algo? —Hombre, en Jerez hay unos helados
que se llaman así.” (VILLORO, 2004a, p.463) É por isso que na obra querem
canonizá-lo, porém o seu espírito volúvel, voluntarioso, mulherengo, enfim, um
homem de carne e osso, cai do pedestal, sem que isso afete sua poesia.
O processo de mercantilização nega a memória, pois é sua função mesma
substituir o novo pelo anterior. Ao transformar López Velarde, no romance, em
mercadoria, fica claro esse processo de apagamento ocorrido com o poeta, como
mercadoria reificada “como substituto compensatório de tudo o que nele houve de
derrota, fracasso e miséria” (AVELAR, 2003, p. 238), que se tenta esquecer.
Julio Valdivieso volta ao México em meio à euforia dos que acreditam na
construção da democracia e no fim da ditadura priísta. No exterior, ele é especialista
nos Contemporáneos – uma geração que se perguntava em outro momento pelos
caminhos da modernização do México logo após a Revolução. Mas a existência de
109
um arquivo familiar e o fato de um ser estudioso de literatura hispano-americana são
recursos que na narrativa colocam Valdivieso em condições de escrever um roteiro
televisivo e reconstruir a história de sua família, da Cristiada e de López Velarde.
110
CAPÍTULO 3: LITERATURA E TESTEMUNHO EM EL TESTIGO
Villoro formula, en cada uno de los personajes principales de “El testigo”, lasmismas interrogantes: testigos subyugados que desean, cada uno por sucuenta, ser también subyugantes.
Oswaldo Zavala
El testigo, como o nome já indica, é uma obra que, de maneira
preponderante, faz uma indagação sobre a figura da testemunha e dos fundamentos
do ato testemunhal. Em consequência disso, a galeria de personagens que, no
romance, ocupa essa posição de testemunha, em sua diversidade, atesta sobre o
caráter problemático dessa figura.
3.1 Testemunho: ficção, poder e realidade
Numa primeira leitura do romance, pode-se interrogar por que se chama El
testigo, ou seja, A testemunha, se aparentemente não há nenhum crime, catástrofe
ou genocídio. No entanto, após algumas leituras, descobre-se que:
Não é preciso passar por uma catástrofe, no sentido geológico,biológico ou histórico, para reconhecer as contingências traumáticasda experiência, como se representa em obras e textos fundamentaisdo presente. O que aconteceu deixou marcas. As marcas deixamque o acontecido retorne, presumivelmente num outro modo, não sótraumático, nem reparatório. (NESTROVSKI E SELIGMANN-SILVA,2000, p.7)
Mas o que significa ser testemunha? Certamente não é preciso ter
atravessado um trauma ou uma catástrofe para testemunhar. Afinal, o testemunho é,
sem dúvida, uma prática discursiva, que apresenta um relato incompleto, não
totalizador, dos eventos traumáticos, sem necessidade de constatação, pois é:
o modo literário ou discursivo por excelência de nosso tempo e quenossa era pode ser definida precisamente como a era dotestemunho. “Se os gregos inventaram a tragédia, os romanos aepístola e a Renascença o soneto”, escreve Elie Wiesel (1977: p. 9),“nossa geração inventou uma nova literatura, a do testemunho”(FELMAN, 2000, p.18)
111
A figura da testemunha está muito bem definida em outros campos, como
relata Villoro em uma entrevista a David Morán (2007): “está muy bien definida en
términos jurídicos, pero que en el resto de ocasiones es poco fiable, ya que es difícil
saber quién está capacitado para dar fe de algo.” (MORÁN, 2007, p. 1) No entanto,
essa certeza não está na literatura.
O termo em questão tem sido utilizado para referir-se a uma grande
quantidade de textos, desde as crônicas da conquista e colonização, passando
pelos relatos vinculados às lutas sociais, militares e até os textos documentais,
englobando não apenas os que relatam a trajetória de indivíduos de classes sociais
populares, mas também os textos literários mais complexos.
Na teoria literária, de modo geral, o conceito de testemunho se apresenta em
dois grandes campos de discurso. De um lado, está a noção fortemente ligada à
experiência histórica do eixo Europa e Estados Unidos em torno da Segunda Guerra
Mundial e da Shoah. Do outro, está a América Latina e, neste caso, o conceito tem
um peso muito mais de política partidária, com perspectiva de luta de classes, uma
convergência entre política e literatura, levando em conta, principalmente, a ditadura,
a repressão às minorias, a exploração e a submissão econômica da população.
Sendo assim, hoje se percebe que o conceito de testemunho é utilizado: “não
apenas para se tratar de sobreviventes da Shoah, mas também para sobreviventes
de outras guerras, de genocídios e para qualificar o discurso, ou contradiscurso, das
mulheres, das minorias, dos soropositivos, etc”. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p.86)
Cabe ressaltar que, inicialmente, a questão do testemunho foi discutida na
Europa a partir da famosa frase de Theodor W. Adorno em seu ensaio Crítica cultura
e sociedade, de 1949, no qual diz que: “escrever um poema após Auschwitz é um
ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque hoje se tornou
112
impossível escrever poemas.” (ADORNO apud SELIGMANN-SILVA, 2005, p.86)
Com essa citação, observa-se qual é o ponto de partida da discussão sobre
testemunho na Europa e nos Estados Unidos, a qual passa, na maioria das vezes,
pelo assassinato de judeus.
Não cabe dúvida de que o século XX foi marcado por ditaduras e
totalitarismos, que deixaram um rastro de violência e morte: “Uma era das
catástrofes. (grifo do autor) Paralelamente a todas as práticas genocidas, segue um
processo de apagamento dessa história, de negação das práticas assassinas, seja
nos regimes totalitários ou ditatoriais” (ALVES, 2010, p. 105). Em outras palavras, há
uma tentativa de negação da violência, das torturas e dos assassinatos nos regimes
totalitários, como o nazismo e o fascismo, como também nas ditaduras de países
latino-americanos: Brasil, Argentina, Cuba, Chile, Uruguai, México, entre outros.
Sendo assim, o termo zeugnis (em alemão significa testemunho) apresenta
contorno diferente da noção de testimonio (testemunho em espanhol). O primeiro
leva em consideração a psicanálise e a história da memória, já o segundo é pensado
a partir da tradição religiosa da confissão, da hagiografia, do testemunho bíblico e
cristão, da tradição da crônica e da reportagem. (SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 68)
Ao pensar nas principais características do discurso testemunhal no âmbito
germânico e hispânico, Seligmann-Silva apresenta cinco, que podem ser resumidas,
no caso germânico, da seguinte forma:
1) O evento: a Shoah aparece como evento central da teoria dotestemunho. [...] porque mais do que qualquer fato histórico, do pontode vista das vítimas e das pessoas nele envolvidas, ele não se deixareduzir em termos do discurso. 2) A pessoa que testemunha: anoção de testemunha primária normalmente é aplicada aosobrevivente. 3) O testemunho: literalização e fragmentação são asduas características centrais (e apenas a primeira vistaincompatíveis) do discurso testemunhal. Ele é ainda marcado poruma tensão entre oralidade e escrita. A literalização consiste naincapacidade de traduzir o vivido em imagens ou metáforas. [...] Afragmentação de certo modo também literaliza a psique cindida do
113
traumatizado e a apresenta ao leitor. 4) A cena do testemunho: elatende a ser pensada antes de mais nada como a cena do tribunal: otestemunho cumpre um papel de justiça histórica. Nessa mesmalinha, o testemunho pode ser também servir de documento para ahistória. 5) A literatura de testemunho: a noção de literatura detestemunho é mais empregada no âmbito anglo-saxão – também sobo influxo dos estudos literários latino-americanos – do que no delíngua gemânica, onde se costuma falar de “Holocaust-Literatur”.(SELIGMANN-SILVA, 2002, pp. 71-73, grifo do autor)
Já o conceito de testemunho/testimonio no âmbito hispânico foi desenvolvido
a partir do início dos anos sessenta. Neste caso, a revista Casa de las Américas
teve um papel importante, pois foi ela que, em 1970, criou o “Premio Testimonio
Casa de las Américas.” (ALZUGARAT apud SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 74) Essa
revista, criada com o objetivo de fazer uma ponte entre os países do continente,
surgiu a partir do Centro Cultural Casa de las Américas, fundado em 1959, ano, do
triunfo da Revolução em Cuba.
Desta forma, vários acontecimentos foram responsáveis pela consolidação da
literatura de testemunho na América Latina, como a Revolução cubana (1959), o
governo Allende e a ditadura chilena (1973), além do regime sandinista na
Nicarágua (1980). Diversos autores, no entanto, questionam essa classificação,
considerando o testemunho não um gênero literário, mas uma modalidade de
discurso referencial capaz de adotar formas literárias diversas.22
Sendo assim, tentando traçar um esquema paralelo ao que foi apresentado
para a literatura testemunhal da Shoah, Seligmann-Silva apresenta as
características da literatura de testimonio da forma como ela vem sendo refletida nas
últimas décadas:
22 Nesse grupo se insere Georges Tyras e Marcio Seligmann-Silva, este último em seu artigo“Testemunho e a política da memória: o tempo depois das catástrofes” comenta: “ao invés de se falarem “literatura de testemunho”, que não é um gênero, percebemos agora uma face da literatura quevem à tona na nossa época de catástrofes” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 85, grifo do autor).
114
1) O evento: a literatura de testimonio antes de mais nadaapresenta-se como um registro da história. Na qualidade de contra-história ela deve apresentar as provas do outro ponto de vista,discrepante do da história oficial. 2) A pessoa que testemunha: aênfase recai na testemunha como testis, terceiro elemento na cenajurídca, capaz de com-provar, certificar, a verdade dos fatos. [...]Evidentimente o ponto de vista é essencial aqui e o testimonio éparte da política tanto da memória como da história. 3) Otestemunho: enfatiza-se o realismo das obras. [...] O testemunho éexemplar, não-fictício (nesse ponto, coincidindo com o testemunhoda Shoah) e é profundamente marcado pela oralidade. Esse últimoaspecto é particularmente importante na teoria do testimonio: essaliteratura nasce da boca e não da escritura, de uma populaçãoexplorada e na maioria das vezes analfabeta. 4) A cena dotestemunho: aqui prevalece a cena do tribunal. A estratégia realistaque pretende fundir literatura e tribunal encontra na figura da citação(que pode ser tanto literária quanto diante de um tribunal) odenominador comum. 5) A literatura de testemunho: Desde osanos 60 procura-se vincular a literatura de testimonio aos gêneros dacrônica, confissão, hagiografia, autobiografia, reportagem, diário eensaio. (SELIGMANN-SILVA, 2002, pp. 71-73, grifo do autor)
Ambas, Europa e América Latina, apresentam semelhanças, como o resgate
da memória e a tentativa de superação do trauma da violência, mas o diferencial
está na abordagem, pois o termo passa de uma reflexão sobre a função testemunhal
da literatura para a conceituação de um novo gênero literário: a literatura de
testemunho/testimonio.
Mas o que significa o testemunho nos dias atuais?
testemunho seria hoje em dia este registro bruto (liminarmentemimético) da prática não de um herói problemático, mas de umasituação coletiva problemática (BEVERLEY, 1996, p.27) e que,exatamente como a picaresca no século XVI, tem uma inserçãocomplicada no corpus literário é considerado um gênero extraliterárioou não literário. (PENNA, 2003, p. 330)
Observa-se, nesse trecho, a dificuldade para aceitar o testemunho como
gênero literário, destacando o trabalho de Beverley, que enumera as semelhanças
entre a picaresca e o testemunho, demonstrando que, assim como já ocorreu no
século XVI com aquele, também este passa pelo mesmo processo e:
Assim como hoje não temos problema em aceitar a novela picarescacomo literatura, também o testemunho será incluído no futuro dentrodo espaço literário num processo de expansão ou incorporação de
115
suas margens, que já podemos comprovar em nossa época atravésdos avatares do testemunho na novelística contemporânea. (PENNA,2003, p. 330)
O termo testemunho é motivo de controvérsia, uma vez que desperta o
interesse de estudiosos de várias áreas do conhecimento, como a Teologia, a qual
estuda o testemunho como afirmação e revelação da fé, passando pelos estudos
jurídicos, os quais, para além das técnicas de entrevistas das testemunhas e dos
réus, estudam criticamente a própria possibilidade do testemunho, até a Psicologia,
que aborda o testemunho do ponto de vista comportamental e da narrativa da
situação traumática, sem se esquecer, porém, da Psicanálise, totalmente baseada
na situação dialógica da clínica, a qual apresenta o testemunho em seu centro e da
Etnologia, que desenvolveu técnicas de entrevistas com informantes, criando uma
vasta bibliografia. Finalmente, focalizem-se a Literatura e os Estudos Literários, em
cujos escritos o conceito de testemunho tem servido para repensar vários temas
desse vasto campo, como as fronteiras entre a ficção e o factual, a relação entre a
literatura e a ética etc. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 72)
Na prática cotidiana do testemunho, podem-se discernir com mais clareza o
uso jurídico e o uso histórico do termo em questão, conforme mencionado por Villoro
na entrevista a Morán (2007). A psicologia judiciária, por exemplo, apresenta um
formato científico para levantamento das provas básicas. O teste supostamente
permite medir a confiabilidade do espírito humano, no que diz respeito às operações
propostas. Esse modelo, porém, não pode ser utilizado quando se trata de uma
testemunha literária.
Considerem-se as acepções dadas pelo filósofo italiano Giorgio Agamben em
O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (2008), texto com o qual,
notadamente, Juan Villoro dialoga em El testigo. Nesse caso, há dois termos em
116
latim para representar etimologicamente o vocábulo testemunha. O primeiro é testis,
significando aquele que se põe como terceiro em um processo entre duas partes,
enquanto o segundo, superstes “indica aquele que viveu algo, atravessou até o final
um evento e pode, portanto, dar testemunho disso. (AGAMBEN, 2008, p. 27)
Já o tradutor e crítico literário Márcio Seligmann-Silva, no artigo “Testemunho
e a política da memória: o tempo depois das catástrofes” (2005), destaca a ligação
do termo testemunho com a cena jurídica de um tribunal, sendo originário do grego
mártir, martur – aquele que dá fé de algo. E, segundo Benveniste, citado por
Seligmann-Silva, tanto a testemunha quanto o testemunho estão vinculados à visão.
Benveniste recorda também que “[...] o sânscrito vettar tem o mesmo sentido de
testemunha (téimon) e significa ‘o que vê’”. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 80).
Considerando que o que vê testemunha, aproxima-se tanto da historiografia
como da cena do tribunal. O modelo de superstes tem a audição e não a visão em
seu centro. Desta forma, tanto testis como superstes são importantes, e não se deve
pensar o testemunho com esses sentidos separados, “assim como não se deve
separar a historiografia da memória. Devemos aceitar o testemunho com seu sentido
profundamente aporético”. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 80)
Cabe ressaltar que Seligmann-Silva difere de Agamben, pois este considera
que a testemunha verdadeira, “as testemunhas autênticas foram os mortos”
(AGAMBEN, 2008, p.16), somente eles poderiam contar o horror, mas, por definição,
não podem falar. Enquanto que, para o crítico brasileiro, não se deve valorizar um
modelo sobre o outro, ou seja, o superstes pelo testis, pois implicaria em uma
negação da possibilidade de testemunhar. (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 81)
Desta forma, destaca-se que juridicamente existem várias qualidades de
testemunha, sendo as principais: abonatória – que assina em abono da firma de
117
outra; a auricular – que depõe sobre fatos por ouvir dizer; a de acusação – que
depõe contra o processado; de defesa – que depõe a favor do processado; ocular –
que depõe sobre um fato presenciado e outros. (BUSTAMANTE, 1994, p. 63,
tradução nossa) Há ainda a testemunha suspeita que “é a condição daquele que,
por motivo de condenação em crime de falso testemunho; por ser indigno de fé em
razão de seus costumes ou por interesse no litígio, não pode depor como
testemunha”. (SIDOU, 1991, pp.558-559)
No entanto, em relação ao testemunho literário, destaca-se a tipologia
apresentada por Anselmo Peres Alós, em seu artigo “Literatura de resistência na
América Latina: a questão das narrativas de testimonio” (2008), no qual, baseado na
obra de Elzbieta Sklodowska, mostra os principais traços do testemunho, dentre os
quais, quatro são considerados relevantes: os documentos antropológicos – quando
a narrativa-testemunho apropria-se principalmente de histórias de vida; a crônica
periodística documental – que tem como pressuposto o re-ordenamento de fatos
jornalísticos a partir de uma visada ficcionalizante; a literatura autobiográfica ou
memorialística – que apresenta principalmente características confessionais da
autobiografia e o Bildungsroman, que traz sua colaboração através de duas vias. A
primeira, tal como a narrativa memorialística, é a narrativa confessional; a segunda
apresenta a ideia de formação. (ALÓS, 2008, p. 4)
Outro aspecto importante é o grau de credibilidade da testemunha, que, em
relação ao Direito, apresenta procedimentos formais bastante elaborados, capazes
de determinar o valor do testemunho perante um tribunal. Em um interrogatório, por
exemplo, não se podem fazer perguntas afirmativas, pois elas devem ser claras e
concretas. Também não se pode fazer referência de caráter técnico às testemunhas
não expertas no que se refere ao assunto discutido.
118
Quem pode ser testemunha? Em termos jurídicos, praticamente, todos. No
Direito anglo-americano, isso inclui as partes, os expertos, as crianças e até as
pessoas insanas; porém os critérios que estabelecem a credibilidade são bastante
restritos.
Quanto ao uso literário do termo “testemunho”, está carregado por conotação
de litígio, e as realidades silenciadas são, sem dúvida, o referente. No entanto, a
diferença entre o testemunho judicial e o testemunho textual, aparentemente, é que
este não é forçado a testemunhar e, se o faz, é porque acredita na efetividade do
seu ato. Assim, a validade do testemunho literário, principalmente na América
Latina, segue um critério que caminha na contramão da História oficial, quando as
vozes desprezadas pelo prestígio social, como as mulheres, os operários, os
escravos etc, são aportados pela literatura, em sua maioria, através de um mediador
letrado.
Ao se abordar a um termo como o testemunho em literatura com o intuito de
tratar de uma testemunha ficcional num contexto ficcional, mas referindo-se, o tempo
todo, aos acontecimentos do mundo real, coloca-se em questão a fidedignidade da
testemunha e a possibilidade de se é preciso ter visto ou ter passado por um evento
traumático para ser testemunha. Neste caso, é importante salientar que o objetivo
aqui não é questionar o ato de testemunhar per si ou a literatura testemunhal
daqueles que atravessaram um evento traumático como a Shoah ou os períodos
ditatoriais, mas dos que não passaram pelo evento e, no entanto, são chamados a
testemunhar, não apenas eventos do passado traumático coletivo, mas também do
momento atual, estando dentro ou fora desse. Ou seja, aqueles que são instigados a
prestar testemunho do passado para o presente através de uma reavaliação das
questões envolvidas.
119
Ricardo Piglia em 2007 visitou México e, numa conversa com Juan Villoro,
travaram, entre outros temas, uma discussão sobre ficção e realidade, enfatizando a
questão do romance histórico e o uso da história no romance. Nesse encontro,
ambos tomaram como base a obra e os conceitos do escritor argentino Juan José
Saer. (VILLORO y PIGLIA, 2007, p. 2). Villoro comenta a respeito da diferenciação
que Saer faz em El concepto de ficción (1997) sobre realidade e ficção, ao dizer que
“no se trata de una diferencia equivalente a la de la verdad y la mentira, sino que la
ficción es otra forma de lo real” (VILLORO y PIGLIA, 2007, p. 2). E segue,
explicando que a ficção não precisa ser verificada, já que nela se pode acreditar sem
ter que comprovar. El testigo passa por esse conceito, pois relata algumas
passagens da história, como a Revolução mexicana e a guerra cristera, e, mais
recentemente, as eleições presidenciais de 2000, mas, por se tratar de ficção, pode-
se acreditar que é verossímil, sem necessidade de comprovação.
Então, pode-se dizer que a literatura não é mera imitação do mundo e que a
diferença entre ficção e não-ficção não é uma oposição entre mentira e verdade,
mas que a ficção forma parte do que é “real”, não devendo ser confundida com a
“realidade”, tal como no romance realista e naturalista. Retomando aqui a acepção
de trauma na psicanálise através de Freud e de Kant, o “real” é representado na
literatura de testemunho a partir de uma ferida na memória, ou seja, a chave
freudiana do trauma. Esse conceito mostrou-se eficaz para a atual teoria da história
(e da literatura) justamente porque problematiza a possibilidade de um acesso direto
ao “real”, pois revoluciona a concepção do mesmo (NESTROVSK e SELIGMANN-
SILVA, 2000, p. 84-87). Como resultante, surge a “literatura de trauma” de um
evento que resiste à representação, pois se trata de representar o irrepresentável,
de dar forma ao que transborda a capacidade de pensar.
120
A tensão que circula entre a literatura e sua dupla relação com o “real” de
afirmação e negação encontra-se no cerne do testemunho, pois Literatura e
Testemunho só existem no espaço entre as palavras e as “coisas”, levantando
sempre a possibilidade de dúvida, de ficção, de perjúrio ou de mentira. Mas quando
se elimina essa possibilidade, o testemunho não tem mais sentido. (SELIGMANN-
SILVA, 2003, p. 374)
Cabe ressaltar que não se trata de transgredir a verdade ou de iludir o leitor:
La ficción, desde sus orígenes, ha sabido emanciparse de esascadenas. Pero que nadie se confunda: no se escriben ficciones paraeludir, por inmadurez o irresponsabilidad, los rigores que exige eltratamiento de la “verdad”, sino justamente para poner en evidenciael carácter complejo de la situación, carácter complejo del que eltratamiento limitado a lo verificable implica una reducción abusiva yun empobrecimiento. (SAER, 1997, p. 107)
Há também algumas obras que incorporam “o falso” de maneira mais
deliberada, como é o caso de Literatura nazi en América (2004), do escritor chileno
Roberto Bolaño, que se apresenta em forma de um dicionário, com fontes falsas,
falsos escritores e confusão de dados históricos. É importante, porém, destacar que
não “lo hacen para confundir al lector, sino para señalar el carácter doble de la
ficción, que mezcla, de un modo inevitable, lo empírico y lo imaginario” (SAER, 1997,
p. 107).
Na tese de Maria Madalena Rodrigues (2006) sobre ficção, história e
testemunho, a autora propõe uma pergunta para separar as fronteiras entre a
história e a ficção, “pode o historiador abandonar, por completo, a ficcionalização,
dos eventos, e reproduzi-los sem a interferência de seu imaginário?” (RODRIGUES,
2006, p. 70). A resposta a essa pergunta envolve aspectos problematizados tanto
pela teoria literária quanto pela historiografia e, após longos aportes teóricos, pode-
se concluir de forma resumida que a oposição não se dá entre mentira e verdade,
121
mas sim do compromisso do que pode ou não ser verificado, pois, muitas vezes, a
realidade descrita nem sempre é a realidade literária.
Sendo assim, El testigo apresenta uma problematização da figura da
testemunha, que percorre toda a obra, uma vez que indiretamente se indaga se é
preciso ter vivido o horror para ser testemunha. O México não passou por uma
ditadura como outros países latino-americanos, mas isso não significa que não
tenha atravessado um duro período de repressão e violência. Deste modo, o
testemunho é também, nesse romance, uma forma de reunir fragmentos do passado
(que não passa), uma maneira de dar nexo a um determinado contexto.
(SELIGMANN-SILVA, 2005, p.87) Na obra, Julio Valdivieso, o protagonista, que
havia deixado o país há vários anos, é convocado a dar testemunho do período em
que esteve fora. Todos os outros personagens o consideram a verdadeira
testemunha, uma vez que, para este, só pode dar testemunho quem vivenciou todo
esse período.
É importante lembrar que, no romance, são muitas as figuras que podem ser
lidas como testemunhas. No entanto, essa aproximação ocorre apenas com os
personagens que disputam o poder de reinterpretação da realidade e do passado
histórico no México contemporâneo.
3.2 Julio Valdivieso
A constelação de personagens de El testigo apresenta como protagonista
Julio Valdivieso, que compartilha as iniciais do nome e a idade com Juan Villoro. É
professor de Literatura Hispano-americana, especialista nos poetas do grupo
Contemporáneos, trabalhando na Universidade de Nanterre-França, cenário da
explosão estudantil de 1968. Valdivieso deixou seu país natal num exílio voluntário
122
em meados dos anos 70, período de grande conflito no México após o massacre de
Tlatelolco. Regressa, em seu ano sabático, com uma bolsa de estudos da Casa del
Poeta – uma instituição cultural patrocinada pelo governo, dedicada à obra de
Ramón López Velarde. Ter como protagonista esse personagem é, sem dúvida, um
bom caminho para falar de literatura, o que permite a introdução de diferentes
recursos.
Valdivieso, que vaga como um sonâmbulo, tem o olhar perplexo para sua
própria pátria, uma vez que não pode enfrentar a realidade como tal, pois, para ele,
trata-se do realismo mágico, havendo, neste caso, muita dificuldade para diferenciar
a ficção da realidade.
Jean Pierre Leiris, o companheiro francês da Faculdade onde Valdivieso
leciona, funciona como uma espécie de consciência crítica do protagonista que,
desde o início do romance, faz reclamos revolucionários ao protagonista,
conclamando-o à responsabilidade para com a nação nesses novos tempos
democráticos.
O narrador de El testigo está sempre refletindo sobre o que acontece ao seu
redor, um raisonneur. O próprio Villoro já declarou em entrevista que sua narração
costuma ter esse formato: “En todo lo que escribo la narración ocurre en dos
velocidades: la acción y el comentario sobre la acción”. (VILLORO apud BRADU,
2005, p.1)
A narrativa está composta de maneira tradicional e contemporânea ao mesmo
tempo, pois tem um narrador onisciente em terceira pessoa, uma divisão em
capítulos, não apresentando, portanto, uma ruptura abrupta com a narrativa do
boom, ao contrário da narrativa de testemunho tradicional, quando ocorre a narração
em primeira pessoa, com um discurso mediado por um intelectual para dar voz ao
123
discurso do subalterno. No entanto, é, ao mesmo tempo, contemporânea, pois
aparece claramente no romance uma eliminação de fronteiras entre o erudito e o
popular, remetendo a um hibridismo de culturas causado, principalmente, pela
interferência da comunicação de massa, representada pela telenovela “Por el amor
de Dios” e da erudição com a introdução dos textos do poeta mexicano Ramón
López Velarde. Tudo isso, numa clara combinação de poetas malditos e estrelas de
televisão, misturando a alta e a baixa cultura, com cenários que vão desde palácios
na embaixada a ranchos paupérrimos no deserto.
É importante perceber que aparece uma cuidadosa linguagem genuinamente
mexicana, “cheia de gírias”, reforçando a caracterização dos personagens e do
ambiente a que pertencem, dentro de uma narrativa que mistura diálogos,
intertextualidades, reflexões e, principalmente, personagens que não podem ser
classificados como heróis ou vilões, pois estão todos encharcados de todos os
males, e não há certeza de nada. Tudo isso reforça essa não ruptura de Juan
Villoro, que é grande admirador de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, como se
pode observar desde as primeiras páginas do romance, fato também declarado
recentemente em entrevista a uma revista argentina:
Cortázar fue un autor al que yo leí como libro de autoayuda, con unaidolatría absoluta, sin distanciarme de él, queriendo enamorarme deLa Maga, irme a vivir a París, fumar tabaco oscuro, oír discos dejazz... Yo quería ser un personaje de Cortázar. Nunca pensé queestaba distanciándome de su escritura. (VILLORO apud ARIAS,2008, p.1)
Partindo, então, de Valdivieso, um escritor fracassado, cuja carreira terminou
antes de começar, pode-se confirmar a predileção de Villoro pelos personagens
derrotados, os quais perpassam sua obra, já que o fracasso é “ uma das chaves de
sua escritura ao longo de sua carreira.” (PATÁN, 2011, p. 177) Esse fato determina
o ângulo da narração, uma vez que se percebe a presença do fracasso em todos os
124
personagens. Afinal, eles não têm princípios, nem moral e, muito menos valores. O
protagonista, viciado em drogas, torna-se um respeitado especialista em poetas
esquecidos através do roubo de uma tese e passa a participar de um perigoso jogo
duplo, prometendo para grupos rivais o que não pretende cumprir. Diante desses
fatos envolvendo um professor, é natural que se pergunte onde está sua ética e o
que ocorreu com seus valores e princípios.
Em seu artigo A crise da ética (2001), Emmanuel Carneiro Leão destaca que
“Não vivemos apenas uma crise de ética. Vivemos a radicalidade da crise.” (LEÃO,
2001, p.5) Há uma crise de regras, de valores, de parâmetros e de princípios, com a
economia se configurando como o valor preponderante no lugar da ética. Como
resultante disso, é evidente que o dinheiro tornou-se o elemento capaz de fazer
esquecer os princípios mais importantes para a formação do ser humano. Mas
adiante, Leão destaca: “Não é difícil perceber que nenhuma ética poderá sobreviver
a esta atropelada do valor econômico.” (LEÃO, 2001, p.7)
O protagonista sofre, tenta entender quem realmente é, procura suas raízes e
chega a estranhar seu próprio nome, refletindo:
“En cambio, su propio nombre, escrito en la tarjeta de registro delhotel, le produjo repentina extrañeza: «Julio Valdivieso», leyó ensilencio, como si tuviera que cerciorarse de que regresaba enrepresentación de sí mismo.”(VILLORO, 2004a, p. 15).
Julio Valdivieso é apaixonado por sua prima Nieves, um amor extraviado que
o consome em segredo: “Durante su primera década en Europa recibió pocas
noticias de Nieves, hasta que ella murió en la carretera. La noticia lo devastó, pero ni
así habló de ella” (VILLORO, 2004a, p. 42). Esse amor percorre toda a narrativa, e
era com ela que pretendia fugir para se casar na Itália. No entanto, no dia marcado,
ele confundiu o local e nunca soube se sua prima havia ido ou não ao encontro.
Quando o romance se inicia, ele já é casado com a filha de seu antigo orientador,
125
Paola, italiana, tradutora de Best sellers, figura que ajuda a divulgar no exterior a
imagem de um país exótico, uma vez que os escritos vão desde as Cartas de
relação de Hernán Cortés, passando pela presença dos surrealistas (André Breton e
Antonin Artaud), pelas gravuras de José Guadalupe Posada, por El laberinto de la
soledad, de Octavio Paz, até a presença do tráfico. Essas imagens, no entanto, pelo
que sugere a constelação de personagens criada no romance de Villoro, pouco
contribuem para o debate sobre o país.
É relevante destacar também que, além de Nieves e Paola, Valdivieso,
durante a obra, relaciona-se com várias prostitutas. E no final do romance, através
de um telefonema, termina sua relação de doze anos com a esposa, mantendo um
relacionamento amoroso com Ignacia, uma jovem muito pobre. Ela vive numa tapera
no deserto do México com seus três filhos, não tem marido, e a cidade suspeita que
os filhos dela sejam fruto do relacionamento com o Padre Monteverde.
Outro personagem importante é o pai do protagonista, Salvador Valdivieso.
Ele era o principal especialista do país na figura jurídica da testemunha, fato que o
filho somente toma ciência durante a homenagem póstuma recebida em um discurso
na Faculdade de Direito da UNAM, na qual Salvador lecionava. Julio Valdivieso fica
sabendo também que, depois da tese de licenciatura, seu pai havia ocupado a vida
inteira para tentar responder esta pergunta: “¿Qué requisitos legales se necesitan
para que alguien rinda confiable testimonio de los hechos?” (VILLORO, 2004a,
p.249)
Salvador Valdivieso era um desconhecido para o filho, e fatos muito
importantes de sua vida somente vieram à tona após sua morte repentina por um
aneurisma. De todos eles, o que mais perturbou Julio foi o de ter descoberto que seu
126
pai também havia tido um amor extraviado com Teresa, a mulher com quem seu pai
havia passado toda a vida como se fosse um vizinho invisível.
Julio Valdivieso é um personagem eticamente ambíguo, pois se compromete
com o padre Monteverde, dizendo que o apoiará no processo de canonização de
López Velarde. Entretanto, promete o oposto para os companheiros da Casa do
Poeta, visto serem estes radicalmente contra tal ideia. É também uma figura de
moral duvidosa, que põe em xeque a fidedignidade da testemunha, pois sua
convocação está baseada em documentos de sua família, visto esses poderem
comprovar o milagre do qual o padre necessita. Entretanto, não há nada consistente
em relação a esse fato, e seu saber não é suficiente para que se possa extrair algum
valor capaz de, no México posterior ao ano 2000, conduzir uma discussão a respeito
de tal assunto.
Valdivieso é um protagonista notavelmente passivo, com um olhar sempre
sério e melancólico. E isso é utilizado pelo autor como pretexto para denunciar a dor
que um exilado sente ao voltar às suas origens e constatar que tudo permanecia
igual, ou pior do que quando havia partido, ou seja, um país dividido por diferenças
econômicas, por convicções políticas e religiosas e por cartéis de drogas. Além
disso, ele descobre que atrás da telenovela (e de seu financiamento) estão os
narcotraficantes. Como diz o personagem Vikingo: “cualquier dinero tiene que ver
con el narco. Así funciona este pinche país. La droga mueve tanta lana como el
petróleo en un buen año”. (VILLORO, 2004a, p. 163)
Juan Villoro, no artigo intitulado “Carnaval y apocalipsis” (2010), menciona
que o dinheiro que circula no México vem geralmente de três fontes que complicam
a ideia de patrimônio: do narcotráfico, das remessas de imigrantes e do petróleo. É
sabido que essas fontes não são duradouras, como comenta o autor de El testigo:
127
El petróleo no es renovable y a falta de una política a largo plazo sediscute su privatización; los paisanos que mandan dinero son laprueba del fracaso de una nación que no pudo retenerlos (llegará elmomento en que todos sus parientes estén del otro lado y no tengana quién mandarle dólares, o sólo mandarán los que sirvan paramantener las tumbas de sus antepasados); el crimen organizadocontrola más pistas de aterrizaje que la aviación civil (no sólo está almargen de la fiscalización, sino que se ha apoderado del cielo quelos mayas escrutaban para planear sus siembras). El dinero no esresultado del desarrollo; sigue rutas evanescentes, transitorias osecretas, determinadas por el petróleo, la emigración y el narco.(VILLORO, 2010, p. 27)
Villoro apresenta em El testigo uma visão crua e desesperançada do México
atual, o qual, após décadas com o PRI no poder, sonha conseguir se aproximar do
modelo democrático do ocidente. Com muita precisão, o olhar do autor abarca uma
sociedade que vai desde os empregados mais comuns de uma fazenda, os
chamados domésticos, a magnatas do mundo da comunicação.
O olhar dos protagonistas nas obras de Villoro aparece desde seu primeiro
romance, El disparo de argón (1991). Ele já declarou em entrevista que lhe interessa
muito a literatura como registro óptico: “Cuando la literatura está funcionando
verdaderamente, no vemos las letras ni las palabras, sino las imágenes. Lo verbal
viene como consecuencia” (VILLORO, 1997, p. 122).
Nesse contexto, observa-se que Valdivieso dialoga com a definição de testis
presente na obra de Agamben (2008), respeitando a devida distância, pois o filósofo
italiano fala da testemunha no caso limite, a Shoah. Nesse caso, conforme já
mencionado, a testemunha é alguém fora dos fatos, mas que deve narrá-los. Essa
distância, por si mesma, já comporta uma limitação e, ao mesmo tempo, supõe uma
obrigação. Villoro, em entrevista a Fabienne Bradu, comenta:
un testigo de interés cuestiona su propia fiabilidad, en qué medidapodemos rendir testimonio genuino de lo que vemos, puesto que sonnuestros anhelos, nuestros nervios, nuestros prejuicios los que noshacen ver determinada manera. [...] Cualquier testigo mínimamentehonesto cuestiona si las cosas ocurrieron realmente como las vio. [...]
128
es difícil que alguien diga: “soy el testigo certero” (VILLORO apudBRADU, 2005, p. 1)
A figura da testemunha ganha relevada importância dentro desse contexto,
pois os personagens que ficaram exigem que Julio Valdivieso, a quem consideram a
testemunha perfeita – um testis –, dê testemunho de algo que não viveu, uma vez
que não estava em seu país. Eles acreditam que, devido ao fato de ser um experto,
um perito, tem uma posição privilegiada diante de quem ficou, enquanto que, para
Valdivieso, as testemunhas perfeitas são aquelas que permaneceram em seu país,
os sobreviventes – superstes –, pois somente eles viram no que o país se havia
transformado. Em meio a tudo isso, quem pode ser a testemunha perfeita? É preciso
ter visto, ter vivido, ter passado por um evento traumático para testemunhar? Nas
últimas páginas do romance, Valdivieso reflete sobre o posicionamento dos que
saíram e dos que permaneceram:
la gente se divide entre los que se van y los que se quedan, los queviven para una constancia y una repetición y los que necesitan unaire siempre extranjero, un idioma en el que encajan palabrasinseguras, la falta de pertenencia como mayor seguridad. (VILLORO,2004a, p. 434)
Valdivieso é testemunha desse tempo de conflito, porém não é uma
testemunha de primeira hora, nem uma vítima pessoal dos problemas econômicos e
políticos que aconteceram no México enquanto esteve fora: ele é uma testemunha
distanciada, um “testis tardio” (RODRIGUES, 2006, p. 112), que assiste como
espectador e participa como especialista. Na verdade, ele é uma testemunha num
contexto ficcional, que dá seu testemunho num momento posterior, contribuindo
para criar uma reflexão a respeito das sequelas deixadas pelos eventos traumáticos
de seu país. Ele é aquele que chega atrasado à cena, aquele que tem a
oportunidade de exercitar um olhar retrospectivo e analítico, mas também
129
prospectivo, pois pode lançar perguntas ao passado com vistas às perguntas
abertas pelo presente.
Mesmo o romance propondo, desde o começo, um rompimento na história
dos últimos oitenta anos, a partir da perda nas eleições por parte do PRI, percebe-se
que tudo está ancorado no passado e que o futuro é apenas uma reatualização do
que já ocorreu. A história pessoal e familiar de Valdivieso se confunde com a
nacional, num híbrido de realidade, ficção e metaliteratura, estabelecendo um
processo que questiona e incomoda a História do país. Ele é um personagem
complexo, cheio de incertezas e dúvidas, assim como o romance, pois: “Su nombre
no venía de un mártir sino de alguien que miraba el mundo como si sobrara”.
(VILLORO, 2004a, p. 209)
Julio Valdivieso não voltou ao México para julgar, já que não tem autoridade
para isso, e muito menos para ser julgado: “parece que lhe interessa apenas o que
torna impossível o julgamento, a zona cinzenta na qual as vítimas se tornam
carrascos, e os carrascos, vítimas.” (AGAMBEN, 2008, p.27). Ele vive há muitos
anos na Europa, tendo reduzido voluntariamente seu campo de estudo para se
esconder. Por um amor extraviado, pelo escritor que não foi e por ausências e
frustrações, define-se como um perdedor. É então convocado por todos os outros
personagens para ser a testemunha perfeita: “Eres el testigo perfecto; ni siquiera
eres creyente” (VILLORO, 2004a, p. 270), comenta o personagem Félix Rovirosa, se
é que a testemunha perfeita realmente existe.
Valdivieso é convocado por ser um especialista, um perito, não em López
Velarde, mas no grupo que o rodeava, os Contemporáneos. Ele se tornou um
experto através do roubo da tese de um estudante uruguaio morto durante a
ditadura militar naquele país e a utilizou para conseguir uma bolsa de doutorado na
130
Itália. Escreveu um único conto bom em toda sua vida, Rubias de sombra, e foi
justamente a desconfiança de Félix Rovirosa em relação a esse prodígio que o levou
à tese roubada.
No entanto, não há posição privilegiada, pois todos são convocados a
testemunhar. E num país onde a corrupção domina importantes grupos de poder,
não há a auratização de classes ou grupos. Deste modo, se Valdivieso é
considerado por todos um testis e, portanto, a testemunha mais importante, todos
seriam considerados superstes, sobreviventes, e, por isso mesmo, aptos a
testemunhar. Retomando Seligmann-Silva (2005), não se deve valorizar um
paradigma sobre o outro, deve-se entender o testemunho “na sua complexidade
enquanto um misto entre visão, oralidade narrativa e capacidade de julgar: um
elemento complementa o outro, mas eles se relacionam também de modo conflitivo”.
(SELIGMANN-SILVA, 2005, pp.81-82)
Com exceção de Valdivieso, todos os outros personagens são figuras
comprometidas ideologicamente e estão vinculadas a um saber institucionalizado,
como, por exemplo: Padre Monteverde (Igreja); Vikingo e Felix Rovirosa (mídia); e
Constantino Portella (narcoliteratura). Grupos que no México pós TLCAN, logo
depois da queda do PRI, reivindicam com mais força o poder de representação.
3.3 O vínculo com a Igreja
A problemática religiosa percorre todo o romance, e um documentário sobre a
Guerra Cristera foi inspiração para Villoro escrever o romance. Leve-se em conta
que ele havia acabado de traduzir Graham Greene23, e que, como se pode observar
23 Graham Greene (1904-1991) autor britânico que publica Camino sin ley (1938) um livro de crônicastraduzido por Villoro pouco antes de publicar El testigo. Não é que esta obra tenha servido deinspiração para o romance, mais foi uma maneira de se aproximar do assunto, como declara Villoro
131
no próprio romance, havia lido também La cristiada de Jean Meyer24: “el libro que
durante años fue la solitaria vindicación de la insurrección católica en la academia”
(VILLORO, 2004a, p. 54). A reconhecida obra é citada por García Dávalos (2009),
que afirma ser possível ler a Cristiada como a Ilíada: “Uno puede sentirse griego o
troyano, no dejará de probar una emoción profunda al leer cada uno de los episodios
de esa epopeya que pertenece al patrimonio de la humanidad” (GARCÍA DÁVALOS,
2009, p. 280).
Mas por que um tema esquecido como a Cristiada se tornou pano de fundo
para duas obras no mesmo ano (2004), Una ventana para el norte do escritor
espanhol Álvaro Pombo e El testigo, de dois escritores tão diferentes, em pleno
século XXI? Ao analisar-se a obra de Pombo, percebe-se que ela apresenta outro
enfoque: uma jovem inconformista pertencente à sociedade santanderina, que se
muda para o México no final dos anos 20 do século passado. Já em El testigo, o
protagonista, Julio Valdivieso, é um cético, ajudado também pela pouca credibilidade
do tema da telenovela sobre os cristeros, chamada Por el amor de Dios, e a
beatificação do poeta católico carregado de dualidades por ter vivido entre o
religioso e o profano, Ramón López Velarde. Os dois romances, entretanto, retomam
essa rebelião esquecida pela historiografia do México durante longos anos, tornando
a literatura de tema cristero fundamental para a compreensão da literatura mexicana
desse período. Esse tema, entretanto, por tanto tempo negado e repleto de lacunas,
criou motivações para que esse acontecimento fosse resgatado inúmeras vezes pela
“En esa obra, Greene critica la persecución religiosa y la comunidad mexicana. Pero muchas veceslos viajeros escriben desde de el desconocimiento” (ASTORGA, A. p. 1, 2004).24 Jean Meyer (1942) historiador mexicano de origem francesa que nasceu em Nice (França). Em 11de setembro de 1971 defende sua tese de doutorado na Sorbone com o título: La Christiade: societéet idéologie dans le Mexique contemporain (1926-1929), que depois foi publicada pela Editora SigloXXI em três volumes entre os anos de 1973 e 1974, sob o título de La Cristiada. (GARCÍA DÁVALOS,2009, p. 279)
132
literatura e continuasse sendo no início do século XXI. Álvaro Ruiz Abreu, em seu
livro La cristera, una literatura negada (2003) destaca que:
Y la Guerra Cristera, a su vez, dio origen a una literatura, como elcuento y la novela, la crónica y las memorias, el teatro, la canciónpopular y la autobiografía, que no se había visto antes en México. Elescritor que se interesó por los cristeros fue primero testigo,participante muchas veces en ese conflicto, el novelista que sintió elcompromiso de “relatar” esa historia; (RUIZ ABREU, 2003, p. 77)
“La historia ocurre dos veces” disse Hegel, e depois Marx acrescenta “la
primera como tragedia, luego como telenovela” (VILLORO, 2004a, p. 37). Com essa
citação, Villoro inicia a abordagem sobre a Guerra Cristera em El testigo, de maneira
quase cômica, fazendo a reinterpretação kitsch e novelesca da Cristiada, através de
um protagonista herdeiro de fazendeiros com simpatia pelos cristeros, cuja história
da família se mistura com a desse violento massacre.
Desta forma, Villoro aborda um tema difícil e recentemente estudado do ponto
de vista histórico, ou seja, numa mistura de realidade e ficção, ele rememora uma
guerra religiosa, enlaçando o fanatismo e a religiosidade dos narcotraficantes.
Cristiada ou Cristera ou Guerra Cristera consistiu num conflito armado que se
prolongou entre os períodos de 1926 a 1929 e, posteriormente, entre 1934 a 194125.
Foi um assunto durante muito tempo esquecido por historiadores, silenciado por
políticos, negligenciado pela crítica literária e renegado pelos eclesiásticos. De um
lado, um exército composto em sua maior parte pelos camponeses pobres,
descamisados e mortos de fome do Centro-Oeste do país, apoiados por
organizações católicas que resistiram à aplicação da legislação e de políticas
públicas orientadas para restringir a autonomia da Igreja Católica. Do outro, as
tropas federais e os agraristas, ou seja, camponeses beneficiados pela reforma
25 As datas de início e término da Guerra Cristera, principalmente da Segunda são confusas. Aqui nosbaseiamos na tese de doutorado de Antonio Avitia Hernández defendida no México em 2006, a qualteve como orientadora Dra. Andrea Olivia Revueltas Peralta e em sua banca entre outros o Dr. JeanMeyer. (AVITIA HERNÁNDEZ, 2006, p. 3)
133
agrária, os quais combateram ao lado do Estado contra os católicos. Esse conflito
está relacionado aos desdobramentos da Revolução Mexicana de 1910 e, embora
alguns sacerdotes incitassem o embate, a Igreja Católica, oficialmente, não apoiou
os cristeros, que serviram “de peones en el tablero donde juegan el Estado y la
Iglesia” (MEYER, 2008, p. 65).
Ressalte-se aqui que o acirramento dos ânimos entre a Igreja Católica e o
Estado mexicano intensificou-se após a promulgação da Constituição de 1917, uma
vez que esta continha artigos com o objetivo de reduzir a influência da Igreja
Católica na sociedade mexicana. Apresentava, entre outras ideias, a proposta de
uma educação laica nas escolas, a proibição dos cultos fora da Igreja, a restrição
dos direitos de propriedade de organizações religiosas e a retirada de direitos civis
básicos dos padres e líderes religiosos, como: o direto ao voto, a proibição de usar
seus hábitos e comentar assuntos da vida pública na imprensa.
Cabe ressaltar que, desde a colonização da Nova Espanha, o clero católico
teve uma participação direta e efetiva no contexto educacional, com a fundação em
1544 da “Pontifícia Universidad de México, uma das primeiras do Novo Mundo, a
qual se dedicou à formação de intelectuais especializados na dominação ideológica”
(CUNHA, 1992, p. 1). Exerceu, também, uma vigilância sobre a população, punindo
os que abjurassem a Deus e aos santos. Além do mais, construiu templos católicos
sobre as pirâmides astecas e maias e destruiu documentos escritos até então.
No entanto, o objetivo de laicizar o México já havia sido proposto pelo
pensamento político liberal desde a Constituição de 1857, com longa disputa entre a
Igreja Católica, grupos conservadores e camponeses católicos. Apesar disso, o
governo de Porfirio Díaz evitou o confronto direto e a aplicação de todos os artigos
anticlericais presentes na Constituição. Entretanto, com a Revolução, o fim do
134
porfiriato e a promulgação da nova Constituição de 1917, os confrontos se
acirraram. Após um período de resistência pacífica e a eclosão de pequenos
conflitos, teve início uma rebelião formal no dia 1 de janeiro de 1927, sob o lema:
“Viva Cristo Rey”, em represália ao decreto de 2 de julho de 1926, no qual o
presidente Plutarco Elías Calles (1924-1928), fundador do Partido Nacional
Revolucionario (PRN), que posteriormente se transformaria no (PRI), abandonou as
políticas religiosas de governos revolucionários de Venustiano Carranza (1917-1920)
e Álvaro Obregón (1920-1924) e reformou o Código Penal. Esse novo Código
“embasado na Constituição, tipificava os crimes religiosos de padres e clérigos que
criticassem as leis ou o governo teriam de um a cinco anos de prisão” (SILVA, P,
2008, p. 2). Este conflito se estendeu por “Bajío, Colima, Michoacán, Nayarit,
Durango, Zacatecas, Aguascalientes, Guerrero, Morelos e Oaxaca”. (MEYER, 2008,
p. 8)
A Cristiada chega a um fim aparente em 1929 com os arreglos, ou seja, os
acertos entre a cúpula da Igreja Católica e o Estado. O conflito, porém, retorna em
1934 no governo de Lázaro Cárdenas, sendo conhecido como a Segunda Guerra
Cristera ou Segunda e “tem como um dos objetivos questionar o programa de
educação socialista [...] definido pela historiografia como um movimento disperso e
sem qualquer apoio da Igreja” (SILVA, P, 2008, p.2). A Segunda foi considerada
desde o início uma batalha perdida, uma luta agonizante, com a oposição da
autoridade eclesiástica. Se a primeira etapa da Cristiada era uma guerra de pobres,
a segunda foi dos miseráveis, sem meios, sem ajuda, contra a Igreja e o exército.
Esses conflitos dispersos, que vão até por volta de 1941, são os últimos “rescoldos”
da fogueira cristera.
135
É conveniente lembrar que a Cristiada foi, durante longo período, até por
volta de 1960, um tema que não fazia parte dos estudos historiográficos. No entanto,
não serviu somente como pano de fundo para a literatura, mas passou também a
fazer parte da própria escrita: “Bestia negra de la narrativa de la revolución, la novela
cristera” (DOMÍNGUEZ MICHAEL,1996, p. 51), assim chamou Chistopher
Domínguez Michael a narrativa sobre a Cristiada, e Álvaro Ruiz Abreu em La
cristera, una literatura negada considera “fascinante” as implicações que essa
narrativa apresenta na literatura posterior. (RUIZ ABREU, 2003, p. 8).
Dentre os muitos escritores da literatura de tema cristero, destacam-se: José
Guadalupe de Anda (1880-1950) com a publicação, em 1937, de Los cristeros;
Fernando Robles (1894-1974) com La virgen de los cristeros, em 1934; Jorge Gram
(pseudônimo do sacerdote David Ramírez) com Héctor: novela histórica cristera, em
1930; Jesús Goytortúa Santos (1910-1979) com Pensativa, em 1944; Antonio
Estrada (1927-1968) com Rescoldo, los últimos cristeros, em 1961 “considerada por
Juan Rulfo como a única obra sobre os cristeros” (AVITIA HERNÁNDEZ, 2006, p.
189). Rulfo (1918-1986), filho direto do conflito, nasceu em Jalisco, foco de combate
gerado pelo enfrentamento, tornando-se “atento observador de la Cristiada de la que
el mismo fue testigo” (RUIZ ABREU, 2003, p.150). Trata-se de uma perseguição
religiosa que fez e continua fazendo parte do imaginário popular mexicano através
dos corridos, ditos populares, memórias e testemunhos orais, transformados pelos
intelectuais em poemas, contos, romances e ensaios: “Una poética de la desolación
que sembró la guerra cristera”, assim RUIZ ABREU (2003, p. 150) interpreta a obra
de Rulfo. Não é que se trate de reduzir seu discurso literário a essa temática, mas
de uma maneira de observar a sua poética através de aspectos biográficos,
religiosos, históricos e míticos (RUIZ ABREU, 2003, p. 200).
136
Um aspecto importante destacado por Ruiz Abreu (2003) é o tipo de leitor
que consumia essa literatura, enfatizando que, claramente, essa parcela do público
estava composta por uma massa heterogênea, mas que, para denominá-la de
alguma forma, percebe-se que era, em sua maioria, pela “classe média”,
“hacendados, clérigos, seglares, amas de casa, aspirantes a monja, estudiantes de
escuelas y de universidades” (RUIZ ABREU, 2003, p. 23). Não se pode deixar de
mencionar, entretanto, o povo que não sabia ler, mas ouvia e repetia através dos
corridos. O texto cristero configurou-se, então, numa espécie de palavra bendita e
de revelação esperada pelo leitor, que circulava de maneira clandestina e que “los
intelectuales preferían omitir como gesto liberal” (RUIZ ABREU, 2003, p. 23).
É preciso considerar que grupos culturais importantes desse período, como o
Ateneo de la Juventud (1909), os Siete Sabios (1915), os Estridentistas (1921) e os
Contemporáneos (1928), ressalvando as claras diferenças, possuíam uma marca
que os definia, com um espírito liberal avessa a ideologias religiosas. Ainda que
alguns integrantes desses grupos fossem católicos, a tendência coletiva assumida
era anticlerical, ou seja, “la inteligentisia mexicana formada desde y a partir de la
Revolución fomentó el ateísmo como negación del pasado porfiriano y afirmación de
los tiempos modernos” (RUIZ ABREU, 2003, p. 77, grifo nosso).
A aproximação com o tema cristero no romance de Villoro acontece através
de dois personagens que funcionam como testemunhas e que tentam de todas as
maneiras influenciar o protagonista: Monteverde, o enigmático padre ilustrado, e seu
amigo pessoal, Donasiano (tio de Valdivieso). O padre, que estava mais para um
grande fazendeiro do que para um religioso, ostentava vaidade e poder financeiro
numa região desértica, com dificuldades de acesso a água e comida, rota do tráfico
de drogas e, consequentemente, marcada pela violência:
137
El sacerdote tendría unos cinquenta años bien llevados. Su camisacon collarín y un relicario en el cuello definían su oficio. En lo demás,parecía un próspero hombre de campo: cinturón con hebilla de platadel que pendían un estuche de cuero piteado para la navaja y otropara el celular; pantalón de mezclilla; botas con puntera de metal.Curiosamente, en los antebrazos llevaba guardamangas de hule.(VILLORO, 2004a, p. 77)
É através dele que o tio fica sabendo do convite que seu sobrinho recebeu da
televisão para ser o roteirista de uma telenovela sobre a Cristiada. Com a ajuda de
Donasiano, Monteverde tenta convencer Valdivieso de que seu nascimento é fruto
de um milagre, pois sua avó havia engravidado de sua mãe através do suor e da
baba do poeta, como se observa no trecho que segue:
Tenía cuarenta y cinco años y dos meses cuando el poeta le pidióque leyera «Obra maestra». A esa edad había perdido todaesperanza de concebir. Pero entendió lo que el poeta quería decirle:ella tenía, dentro de sí, un hijo negativo.—¿Y qué hizo?—Juntó la babita del poeta.—¿¡La babita!?—La saliva, el sudor, lo que pudo. Le digo que velaba el sueño deRamón. En los estertores de su martirio, el santo transpiraba muchoy la babita le escurría. Mi abuela juntó las secreciones en estebenditario —Monteverde se tocó el corazón de plata que le pendíadel cuello.—¿Y qué hizo con la babita?—Se la untó en el vientre. A los pocos días dejó de reglar.—¿Tuvo un hijo de López Velarde? (VILLORO, 2004a, p. 98)
Evidentemente, Monteverde quer aproveitar a telenovela para difundir e
popularizar o processo de canonização do poeta, pois seu objetivo e o do Donasiano
é conseguir apoio para essa “causa”, convencendo Valdivieso de que, em sua
telenovela, é fundamental auratizar ainda mais a figura do poeta, e a inserção da
história do milagre seria muito importante na tentativa de convencer a opinião
pública de que López Velarde é realmente um santo. Para tanto, necessitavam de
mais um milagre, e eles acreditam piamente que surgirá do povo:
138
Necesitamos el tercero para enviar el expediente al Vaticano.¿Quieren que yo les comunique un milagro? _ sonrió Julio.Necesitamos el aval de La Casa del Poeta _ terció el tío _. La prensachilanga es mendiga, jacobina. Nos van a acusar de mochos,retrógrados y cuantimás.Nosotros no expedimos certificados de santidad.No se trata de eso. _ Monteverde retomó su tono sereno. _ Esdecisivo que se insista en la identidad entre la vida y la obra deRamón. Fue un poeta católico y así hay que verlo. No sólo la prensade barricada se va a meter con nosotros. Los adversarios másfuertes están bajo la cúpula de San Pedro; nuestro candidato compitecontra muchos otros. Necesitamos un expediente intachable, conapoyo de eruditos. (VILLORO, 2004a, p. 96)
Como se observa no trecho anterior, ambos necessitam do apoio dos
intelectuais da Casa do Poeta para que tudo pareça mais convincente e para que
não haja contestação por parte da Igreja nem do público. Em outras palavras,
precisam dos intelectuais como testemunhas do milagre, tal como menciona
Gutiérrez Negrón (2011):
Este proyecto bicéfalo—recuperar la Guerra Cristera y canonizar aLópez Velarde—a pesar de su naturaleza cooptada, va espoleado,por supuesto, por una motivación económica, aunque también por losretazos de un proyecto intelectual. (GUTIÉRREZ NEGRÓN, 2011, p.5)
Como relata o personagem Vikingo, o idealizador do projeto da telenovela,
logo no início do romance, nesses tempos democráticos faz falta “un melodrama que
una a México” (VILLORO, 2004a, p. 34), e que, além de trazer certo lucro, vai salvar
a carreira de sua amante e cumprir com essa anacrônica função.
É importante ressaltar que Donasiano, que já havia sido um historiador
amador, inclusive publicando em jornais de San Luis Potosí, no romance, é o
guardião dos documentos que serão utilizados para a reconstituição da guerra
cristera e, também, o dono da fazenda – Los cominos. O projeto que está em cena
deve funcionar de maneira com que todos saiam ganhando: Vikingo e Vlady Vey,
com os papéis protagônicos na telenovela; Monteverde, com a canonização;
139
Donasiano, com o uso da fazenda; Valdivieso, como roteirista; Gándara e Rovirosa,
com o reality show.
A riqueza, o luxo e a prepotência estão todos juntos em José Atanasio
Gándara, “El señor ou Midas, como é conhecido o dono da rede de televisão, a qual
não tem nome no romance, mas, supostamente, seria a Televisa. De maneira
irônica, o autor mostra como as pessoas o temem e acentua o seu objetivo ao
contratar intelectuais como atores. “Gándara es incapaz de leer una cuartilla, todo
hay que decírselo en persona y en idioma de televisión. Contrata a intelectuales para
que hablen como telegrafistas.” (VILLORO, 2004a, p. 161) Mais adiante, Valdivieso
fica sabendo da ligação entre Gándara e o padre Monteverde, descobrindo que
ambos estão envolvidos em um plano traçada há já algum tempo para a “fabricação”
do terceiro milagre:
¿Hablaste con él de tu reality-show?Monteverde no quiere que hablemos de la canonización hasta queesté asegurada teme que abaratemos o pongamos en peligro elproceso. No se da cuenta de que, si faltan pruebas saldrán con elfervor de la gente. La santidad se construiría mejor en vivo y endirecto.¿Desde cuándo hablas con él?Un año, tal vez. (VILLORO, 2004a, p. 188)
Para que a fraude saia bem montada e convincente, o padre tem uma
preocupação com a identidade do poeta, afirmando que “Es decisivo que se insista
en la identidad” (VILLORO, 2004a, p. 96), ou melhor, com a identidade que López
Velarde tem que apresentar para que todos se convençam de que é um bom
candidato a santo. Sua maior preocupação é com a concorrência, com a
competição, com a mídia.
Em Modernidade líquida (2001), Bauman fala a respeito da instabilidade da
identidade quando vista de longe: “As identidades parecem fixas e sólidas apenas
quando vistas de relance, de fora.” (BAUMAN, 2001, p. 99) Afinal, o padre, a mídia e
140
os intelectuais estão tentando construir a identidade do poeta quase oitenta anos
depois de sua morte, ocorrida em 1921. Somente o distanciamento temporal já seria
suficiente para uma nova interpretação, como menciona ironicamente o narrador de
El testigo: “Los temas fundamentales de la canción romántica — el tiempo, la
distancia, el olvido” (VILLORO, 2004a, p. 210). Além disso, eles contam também
com o poderoso aparato tecnológico que trabalha nessa montagem.
Lipovetsky em Os tempos hipermodernos (2004) relaciona o poder de
convencimento que a mídia exerce sobre a massa, porém deixa claro que ela
oferece, mas não impõe, pois são as pessoas que, após ouvir ambos os lados,
chegam a suas próprias conclusões:
Mas, embora se deva reconhecer que a mídia tem mesmo um papelnormatizador e que sua influência sobre o cotidiano está longe de serinsignificante, disso não se concluirá afobadamente que seu poderde massificação é ilimitado. De fato, a mídia pode favorecer este ouaquele comportamento do público, não impô-lo. (LIPOVETSKY,2004, p. 40)
No entanto, é importante destacar que grande parte da população talvez não
esteja preparada para tal reflexão, não apenas porque não quer, mas também
porque não pode, preferindo tomá-las prontas. Certamente a interpretação e o apoio
de intelectuais tidos como guias reforçam esse convencimento.
O padre sabe da importância que os meios de comunicação exercem sobre a
população, e é com esse meio que ele, utilizando a imprensa e os intelectuais a seu
favor, pretende jogar. Como ressalta Bauman (2001) ao discutir o poder da mídia na
sociedade: “o formidável poder que os meios de comunicação de massa exercem
sobre a imaginação popular, coletiva e individual. Imagens poderosas, “«mais reais
que a realidade»” (BAUMAN, 2001, p. 99).
Além da relação Igreja-mídia, cabe destacar também o envolvimento dos
narcotraficantes com as questões religiosas, que no romance aparecem de duas
141
maneiras. Na primeira, com extrema ironia, Villoro destaca a religiosidade dos
traficantes: “Además, los narcos son muy creyentes y están llenos de supersticiones.
[…] Antes de matar bendicen sus AK-47, como los cristeros bendecían sus
carabinas. Llevan crucifijos de oro por todas partes”. (VILLORO, 2004a, pp. 222-
224); na segunda, de maneira sutil, comenta a respeito da relação entre integrantes
da Igreja e o narcotráfico: “Las relaciones del narco con la iglesia son rarísimas”.
(VILLORO, 2004a, p.163) ou quando Félix Rovirosa diz a Valdivieso que fanáticos
queriam proteger um “cardenal medio narco”. (VILLORO, 2004a, p. 297)
Através dos personagens Frumencio e Librado, Villoro deixa transparecer o
quanto dialoga com as gerações anteriores, pois ambos aparecem em relatos sobre
a Guerra Cristera. No caso do primeiro, existe a referência ao conto Dios en la tierra
(1944) de José Revueltas e o segundo aparece em El llano em llamas (1953) no
conto La noche que lo dejaron solo de Juan Rulfo. No conto de Revueltas há um
professor que ajuda os federais, indicando onde podem encontrar água quando todo
o povo se fecha em casa. Há um corte e, depois, ele aparece linchado e cravado em
uma estaca. Em El testigo, professores rurais26 tiveram suas orelhas cortadas e
foram escalpelados vivos. Somente Frumencio se salvou, ficando prisioneiro por
anos na fazenda da família de Valdivieso.
Já o personagem Librado, assim como Eleno, um sobrevivente da guerra,
vive de recitar poemas de Ramón López Velarde num teatro praticamente
abandonado. Ocorre, nesse caso, uma clara referência ao personagem Librado do
conto de Rulfo, no qual esse personagem é morto pelos federais na Guerra Cristera,
enquanto em El testigo é quem recebe Julio Valdivieso quando este chega a Jerez,
26 Os professores rurais foram personagens de algumas obras de tema cristero. Além do conto deJosé Revueltas, acrescenta-se também Los bragados (1937) de José Guadalupe de Anda, ambasforam baseadas na Segunda Guerra Cristera, demonstrando o acirramento na luta contra aimplantação de uma educação socialista, decretada pelo presidente Lázaro Cárdenas. (AVITIAHERNÁNDEZ, 2006, pp. 458- 461)
142
um dos caminhos tomados para chegar à decrépita fazenda de sua família Los
Cominos. O recitador, um personagem fantasmático, não é visto pelo protagonista, o
qual, assim como a cidade, ouve somente sua voz. Librado menciona a miséria que
sua cidade atravessa no momento atual, frisando o fato de esta não apresentar
nenhuma diferença em relação à época da Guerra Cristera.
Alguns personagens do romance têm envolvimento mais próximo com os
cristeros, como o capataz Eleno, que nasceu em Jalisco, se criou em Tepartitlán,
San Miguel del Alto, Guadalajarita, as regiões mais afetadas pela guerra. Ele é um
personagem introspectivo, que praticamente não fala, somente obedece. Num dia de
chuva, conta passagens de sua infância a Valdivieso, relembrando que todo o seu
povoado havia sido queimado. Depois diz, como se estivesse recebendo ordens:
“Haz tus casas en el viento porque si las hace en el suelo te las van a quemar”
(VILLORO, 2004a, p.461). Ele conta também que recebia os sapatos das crianças
que haviam sido mortas na Guerra Cristera.
Os chamados “arreglos” aparecem no romance de Villoro de maneira irônica,
quando, numa conversa com Valdivieso, Vikingo diz: “El pueblo se jodió dos veces:
primero por revolucionario, luego como católico, pero sólo uno de esos calvarios fue
contado; la Revolución, no la Cristiada.” (VILLORO, 2004a, p. 55) Após três anos de
intensas batalhas, o governo percebe que por vias bélicas não derrotaria os
cristeros. Roma também queria um acordo. Assim, entra em cena o embaixador
americano Dwight Whitney Morrow como mediador entre as partes, uma vez que a
guerra dificultava os interesses dos Estados Unidos no México. É evidente que os
cristeros não fizeram parte desse acordo. A lei não mudou, simplesmente não foi
aplicada, e a prometida anistia não passou de uma promessa não cumprida, com os
chefes cristeros tendo sido, um a um, assassinados posteriormente.
143
Para Jean Meyer (2008), há um México visível e um México invisível, este
último, certamente, é o do campo, que conta muito pouco para o Estado e “bien
poco es tomada en cuenta por los intelectuales” (MEYER, 2008, p. 104).
No romance, tanto o padre Monteverde como Eleno, Librardo ou Frumencio
são sobreviventes desse tempo de conflito, superstes, cada um a sua maneira.
Todos atravessaram esse doloroso período de silêncio e tentativa de cicatrização do
trauma que havia significado a guerra cristera: “se compreendermos o “real” como
trauma – como uma “perfuração” na nossa mente como uma ferida que não se
fecha” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 383), fica mais fácil entender a necessidade e
a dificuldade de testemunhar. Não há dúvida de que é preciso falar para que a
memória dos mortos não se perca. No entanto, é preciso também deslocar, através
do debate, o problema da esfera filosófica e psicanalítica para a práxis política,
propondo uma mediação, que não é fácil, pois o que anteontem foi revolta hoje é
mercadoria.
Villoro não toma posições diante do tema cristero, que resulta em um
massacre semi-esquecido e proibido: “Durante décadas, mencionar a las víctimas de
la guerra cristera había sido reaccionario” (VILLORO, 2004a, p. 43). O tema fica
como uma questão aberta, uma ferida não cicatrizada, com uma membrana muito
fina sobre ela. Mihály Dés (2005) faz uma reflexão separando a fé da religião em El
testigo:
Sin embargo, uno de estos logros me parece problemático. Merefiero al sesgo religioso de la obra, que culmina en una suerte derevelación. Si la literatura clásica nace del conflicto con los dioses[...], la moderna surge de la ausencia, [...]. el mismo Villoro acaba dedemostrar en esta poderosa novela que religión sigue siendo unasunto central y fascinante, y que la literatura no es un acto de fe.”(DÉS, 2005, p. 8)
O romance termina antes do início das gravações da telenovela Por el amor
de Dios, enfatizando uma maneira de levantar questões, sem, no entanto, tomar
144
posicionamentos. A testemunha apenas mostra, levanta dúvidas e faz as perguntas,
sem apresentar nenhum tipo de resposta.
3.4 O envolvimento com a mídia
Em sua volta, a primeira figura com quem Valdivieso se depara é um amigo
de faculdade, Juan Ruiz, “o Vikingo” (é preciso lembrar que o nome completo do
autor é Juan Villoro Ruiz). É graças a ele que se estabelece uma conexão entre o
seu passado universitário e o presente dominado pelos poderes da mídia, da igreja e
do narcotráfico, os quais parecem mexer os fios do poder.
Vikingo, que está à frente do projeto da telenovela histórica financiada pelo
narcotráfico, aproveitará o recente ressurgimento do fervor religioso e apresentará
uma versão “não estigmatizada” das lutas cristeras. Como Valdivieso, ele também é
viciado em drogas, fato do qual se toma conhecimento logo no primeiro capítulo:
“Inhaló en el baño y el beneficio fue instantáneo. [...] Se sintió, por definirse de algún
modo, como un «archipiélago de soledades».” (VILLORO, 2004a, p. 33) Esse
roteirista publicitário de cinquenta anos, com dois filhos, havia passado por muitas
tribulações em sua vida pessoal, resultando em dois casamentos e diversos
relacionamentos fracassados.
Juan Ruiz había pasado por dos matrimonios fallidos en medio detoda clase de affaires. Las mujeres habían sido para él un derrochedel que estaba orgulloso pero en el que ya no quería incurrir. Sesentía como un piloto que ha chocado demasiados coches, unsobreviviente de lujo, al que le sobraban cicatrices. (VILLORO,2004a, pp. 28-29)
O publicitário já havia sido um bom crítico literário e, quando a obra começa,
está envolvido em um relacionamento com uma jovem atriz, sem talento: “La novia
de veintidós años se llamaba Vladimira Vieyra, nombre tan vergonzoso que hacía
soportable el seudónimo de Vlady Vey” (VILLORO, 2004a, p. 30). Ela é muito bonita
145
e, através dele, consegue pequenos papéis, desde que não tenha que falar, pois
tem dificuldade em decorar, e o objetivo é somente mostrar suas formas, fazendo
comerciais sensuais de qualquer tipo de produto:
La invitó a su siguiente comercial, de Pato Purific. De un mundo queaceptaba un producto llamado así, se podía esperar cualquier cosa,incluyendo: 1) que fuera excitante acariciar la botella de Pato Purific,y 2) que ella se excitara acariciando a un publicista de cincuentaaños. [...] No sabía que los griegos iban antes que los romanos, peroera algo más que una belleza que cachondea envases y confía en laexpresividad poscoital de su pelo revuelto. (VILLORO, 2004a, p. 31)
Em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2003), o sociólogo
polonês Zygmunt Bauman discute a liquidez das relações humanas na sociedade
atual, quando os laços afetivos e a convivência se degradam por não possuírem
mais elos capazes de unir verdadeiramente as pessoas.
Vikingo é a figura que, logo no início do romance, tenta convencer Valdivieso
a escrever o roteiro da telenovela, demonstrando também interesse nos documentos
de Donasiano e na fazenda Los Cominos como espaço de locação. Afinal, o
protagonista havia nascido e passado parte da infância e juventude exatamente
nesse lugar, o qual, por ser guardião de muitos segredos e documentos, apresenta
um funcionamento muito semelhante ao de um personagem. Lá é o espaço físico do
arquivo, onde se concentra a memória. É, também, nesta paisagem desértica, com
geografia exótica, terra de cristeros, rota para o tráfico de drogas e possível locação
da telenovela nacional e dos inéditos de López Velarde, que se encontra a
possibilidade de memória. É, enfim, o lugar de conexão entre dimensões, espaços,
tempos e interesses.
E de onde vem o nome, Los Cominos? Um antepassado de Valdivieso, um
asturiano rancoroso, batizou a fazenda com esse nome em homenagem ao seu pai,
que disse que seu destino valia um cominho. Quando se tornou um latifúndio, ele a
146
batizou com ostentação: “Los Cominos. El plural aumentaba la venganza: muchas
nadas.” (VILLORO, 2004a, p. 63)
Villoro também problematiza a questão agrária, central para a história do
México, ao tocar no espaço de Los Cominos, pois a fazenda que se apresenta hoje,
em 2000, não é a que já havia sido antes do PRI: “¿Le parecen poco setenta y un
años con el PRI en el poder? Vea esta hacienda. Los cominos era un Vergel. Ahora
está hundida, como el resto del país, devastada por el agrarismo.” (VILLORO,
2004a, p. 93) Ele a compara ao México, falido após tanto tempo de um mesmo
partido no poder.
Cabe destacar que Villoro, através dos personagens Padre Monteverde,
Vikingo e Félix Rovirosa, deixa transparecer uma visão ácida e extremamente
particular da mistura de meios de comunicação, Igreja, poder político e narcotráfico,
como pilares podres no qual o povo tenta inutilmente se apoiar. Em uma lúcida
reflexão, padre Monteverde menciona:
—Hay quienes dicen que Juan Pablo II es la mezcla de la EdadMedia y la televisión. Dos pilares equivocados. Ahora, la mejor formade divulgar una verdad, una verdad fuerte, resistente, es esconderla,guardarla hasta que encuentre su propio espacio y estalle. Lapropaganda sirve de muy poco. Su amigo Félix es un vendedor deespejos, nada más.—En Los Cominos dijo que México había cambiado.—Sí, pero cambió para atrás. En vez de un presidente patriarcaltenemos una confederación de autoritarismos: el viejo PRI, el PAN,los católicos recalcitrantes, el Opus, los narcos, los judiciales, latelevisión. Los une la sangre, el culto de la muerte. Le digo que estoyhasta el copete de la imaginería mortuoria. ¿Le parece extraño en unsacerdote? (VILLORO, 2004a, p. 401)
Nota-se que, com a ascensão do PAN, o país não evoluiu, pelo contrário, isso
fez com que retrocedesse ainda mais, como fica claro nesse trecho em que o padre
coloca a televisão no mesmo nível de atraso das outras instituições. A televisão é,
então, apresentada na obra, o tempo todo, como “telebasura”, lixo, refugo. Ao refletir
sobre a mídia, Beatriz Sarlo (2005) afirma que:
147
Em sociedades midiatizadas, a esfera da comunicação processa osdados da experiência, reforça-os ou debilita, operando com ou contraeles, ainda que poucas vezes se possa contradizê-los abertamente,salvo na ficção e, mesmo neste caso, apenas de acordo comdeterminadas regras. (SARLO, 2005, p. 60)
Vikingo, que no final do romance é assassinado como bode expiratório pelos
narcotraficantes, é um dos personagens que funciona como testemunha. É através
dele que Valdivieso se informa a respeito do país e de seu próprio passado, obtendo
assim dados para escrever o roteiro que lhe fora encomendado. Diferentemente de
Valdivieso, Vikingo não saiu do país, sobrevivendo como pôde todo o período de
dificuldade econômica e política atravessado pelo México nos anos 70 e 80. No
romance, esse personagem confuso e debilitado funciona como um superstes, que
significa a testemunha que atravessa todo o período de crise.
O ex-professor universitário, ex-crítico literário e atual homem de negócios da
maior rede de televisão mexicana, Félix Rovirosa, carrega consigo o comportamento
metódico de quem serviu na rígida Academia Militar dos Estados Unidos: “Rovirosa
había hecho la preparatória en West Point. [...] Había sufrido en el internato pero se
ufanaba de la disciplina castrense.” (VILLORO, 2004a, p. 21) Ele é rico, frio,
calculista, solitário e não escolhe meios para atingir seu objetivo, pois ser o braço
direito do dono da televisão permite manipular pessoas: “Félix es asesor de primera
fila, mueve más hilos de los supones. [...] debía de verse a sí mismo de ese modo.
Un héroe solitario, que no deponía las armas.” (VILLORO, 2004a, pp. 160 e 177)
Nos personagens dessa obra, de uma maneira geral, pode-se observar a
crise da ética e de princípios por que passam os seres humanos “Todos são ao
mesmo tempo autores e vítimas. Não há inocentes. Só culpados. O estado de
violência atinge todos e cada um” (LEÃO, 2001, p. 6).
148
Em diversas passagens se observa em Rovirosa sentimentos contraditórios,
através dos quais, para manter a amizade, ele pressiona, vigia, não deixando saída,
“«Félix vive para vigilarnos.» Eso había sido siempre, un vigía.” (VILLORO, 2004a, p.
168), reclama Vikingo com Julio Valdivieso. Em outros momentos, é capaz de
arriscar a própria vida para salvar a de um amigo, como quando Valdivieso,
totalmente drogado, estava se afogando e Rovirosa se feriu para salvá-lo:
Una tarde, a una hora de pleamar en la que casi nunca nadaban,Julio entró al agua perfectamente mariguano. Una ola lo revolcó y lacorriente lo llevó adentro. [...] pero le costaba trabajo sentir gratitudante la suficiencia con que Félix recordaba su pasado en común.Sacó del mar a un zumbi intoxicado. [...] Félix se rascó la cicatriz.(VILLORO, 2004a, pp. 168-169)
Segundo Stuart Hall, o sujeito pós-moderno é fragmentado, isto é, não
apresenta uma unidade, um centro que estabeleça um eu coerente, exatamente
como Rovirosa: um ser ambíguo, de subjetividade conflitante e instável. Essa
instabilidade pode ser percebida em sua fragilidade no relacionamento amoroso,
pois ele sente prazer em cobiçar e cortejar Paola, a esposa de Valdivieso, ao
mesmo tempo que mantém um casamento com Sumi, tratando-a como se fosse um
brinquedo, um enfeite, um bem a ser exibido e consumido, enfim:
El sonambulismo de Sumi, su condición de estatua móvil, tenía uninnegable atractivo a la distancia. Nada hubiera sido más normal quever a un pájaro posarse en la palma de su mano. [...] «Félix no lamerece», esta idea fue común y vulgar; luego le vino otra másinquietante: «Félix la va a romper.» Sumi tenía algo de muñeca, demujer regalo a la que de pronto le falta una pierna. (VILLORO,2004a, p. 303)
Bauman (2003) relata essa complicada relação amorosa, uma relação de
dominação e dependência, na qual o homem exerce o poder de mando, e a esposa
está ali como um objeto de prazer e descarte: “Quando se trata de amor, posse,
poder, fusão e desencanto são os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.” (BAUMAN,
2003, p. 12)
149
Cabe ressaltar ainda que é Félix quem chantageia Valdivieso, pois,
pesquisando a autenticidade do único conto publicado por seu companheiro de
faculdade, descobre o original da tese. Não faz nada de imediato e planeja, com
cuidado, como tirar o máximo proveito disso. A ciranda do lucro acima de tudo e de
todos não tem limite. É o vale tudo. Assim, Rovirosa exige que Valdivieso assuma o
papel de ser o roteirista da telenovela Por el amor de Dios e também que falsifique
relatos testemunhais para um programa paralelo. Segundo ele, isso ajuda no
processo de beatificação que levará à canonização do poeta Ramón López Velarde.
[…]¿Qué chingados quieres?Dos cosas: Los Cominos es una locación ideal; no quierointerferencias y, sobre todo te necesitamos para el programa paralelosobre la santidad de López Velarde. Ya te lo dije: la gente te cree,tienes ese tipo de cara. Necesitamos testimonios de tu familia, que túsalgas a cuadro y hables del tercer milagro.¿Un simulacro?¡El plagiario hablando de autenticidad! (VILLORO, 2004a, p. 303)
No entanto, “No lugar da ética entrou a economia, ocupando todos os postos
e funções e substituindo qualquer valor.” (LEÃO, 2001, p. 7), ou seja, não há
respeito pela memória de um poeta nacional, pela amizade de toda uma vida. A
ética não existe, apenas o poder e o dinheiro.
Assim, as contradições desse sujeito pós-moderno afloram, pois, ao mesmo
tempo que tem consciência de ter cometido erros, tenta voltar atrás, consertar, mas
não consegue, pois “as velhas identidades, que estão em declínio, fazendo surgir
novas identidades e fragmentando o indivíduo” (HALL, 2002, p. 7). A sua identidade
entra em conflito, está sujeita a forças que fogem de seu controle, e assim é o
personagem Félix Rovirosa, um ser confuso, preocupado com o poder, com o lucro,
com o controle sobre tudo e todos, pois as pessoas são, para ele, nada mais que
marionetes.
150
A proposta de Rovirosa é que os dois projetos se juntem e que o clima
religioso contribua para o surgimento de um “novo milagre”. Ele tem um papel
interessante na trama, pois é quem dá suporte ao poder de manipulação dos meios
de comunicação de massa, usando a tese do uruguaio para chantagear o
protagonista, enquanto este tenta mostrar a ele o quanto ambos, na época da
juventude, haviam pensado em fazer diferente quando chegasse a hora, pois, um
dia, Rovirosa havia dito que a México faltava “Honor. Eso le falta”. (VILLORO,
2004a, 176). Valdivieso argumenta “Estás hablando de una telenovela, Félix.
Telebasura. O como mucho, gracias a Portella, de telebasura de autor.” (VILLORO,
2004a, p.310) Mas, para Rovirosa, nada disso tem valor, e termina dizendo que não
importa que seja verdade, mas que pareça verdade.
Desta forma, ao desenhar o perfil de um magnata e de seu principal auxiliar, o
romance se aproxima do submundo da televisão, cuja lógica banalizadora, ao
mesmo tempo que critica ao intelectual que se vende à TV, por outro lado não quer
renunciar a esse imenso auditório tele midiático, correndo o risco de se converter em
marionete dos desejos do dono do canal.
3.5 Aproximação com ao narcotráfico
Desde as primeiras páginas do romance, observa-se a abordagem da
complexa questão das drogas na trajetória de diversos personagens, passando
certamente por problemas de ordem histórica, política e econômica (Anexo III).
Através do protagonista e de seu encontro com Vikingo, fica claro que basta um
telefonema e a droga é entregue em sistema delivery. Daí em diante, esse tema
torna-se cada vez mais recorrente, e Villoro não se furta, em momento algum, a
discutir a pequena e a grande política. Segundo Francisco Oliveira em sua obra
151
Hegemonia às avessas (2010), a pequena política discute temas como: bullying,
racismo, feminismo, violência, a agenda ecológica entre outros. Enquanto que no
plano da grande se ocupa da revolução, do capitalismo e do Estado. (OLIVEIRA,
2010a, pp. 21-27)
Como narrar à realidade? Com essa pergunta inicia-se o artigo do crítico
Rafael Lemus publicado em Letras Libres sob o título: “Balas de salva: notas sobre
el narco y la narrativa mexicana” (2005), um texto polêmico, que critica a literatura
mexicana nortenha, a qual, nas últimas décadas, tem feito, em suas narrativas,
abordagem profunda da narcocultura, e segue afirmando que “rara vez a literatura
mexicana responde.” (LEMUS, 2005, p. 1)
Esta pergunta vai ao encontro da temática desse trabalho, no qual, para
Lemus (2005), a realidade deveria ser teorizada em vez de romanceada. Em sua
opinião, a “narco-narrativa” é mecânica, com uma linguagem coloquial, uma trama
populista e um conjunto de repetição. Em outras palavras: segue uma fórmula e, em
consequência, “Raramente se funda un estilo, una escuela. Se explora un tema y se
hace comercio: [...] Mírese arriba: el norte fabrica un subgénero” (LEMUS, 2005, p.
2).
Em resposta a esse artigo, o escritor e ensaísta mexicano Eduardo Antonio
Parra (2005) publica uma réplica na edição seguinte: “Norte, narcotráfico e literatura”
(2005), no qual considera que a realidade política e cultural mexicana faz do
narcotráfico um contexto, principalmente no norte, devido a sua localização
geográfica. Parra (2005) não aceita o discurso centralista proposto por Lemus
(2005), para quem "toda escritura sobre el norte es sobre el narcotráfico." (LEMUS,
2005, p. 2) Segundo Parra (2005), isso não é tema, é contexto:
los escritores del norte hemos señalado que ninguno de nosotros haabordado el narcotráfico como tema. Si éste asoma en algunas
152
páginas es porque se trata de una situación histórica, es decir, uncontexto, no un tema, que envuelve todo el país, aunque se acentúaen ciertas regiones. No se trata, entonces, de una elección, sino deuna realidad. (PARRA, 2005, p. 2)
Nesse contexto, é importante salientar que, a partir de 1990, aumentou
consideravelmente a quantidade de publicações e escritores dedicados a essa
modalidade narrativa. Como produto do neoliberalismo, da globalização e das
políticas de repressão contra as drogas, as “narco-narrativas” muitas vezes
representam a lógica de oferta e demanda de um mercado capitalista e, ao mesmo
tempo, uma crítica ao incremento do consumo. Esses textos apresentam
características formais similares, como a temática e a linguagem. No entanto, não
constituem um gênero literário em particular, conforme ressalta Alberto Fonseca em
sua tese Cuando llovió dinero en Macondo: Literatura y narcotráfico en Colombia y
México (2009): “desde el punto de vista formal, las narco-narrativas utilizan una
gran variedad de discursos y estrategias que impiden su definición a partir de reglas
de géneros”27 (FONSECA, 2009, p. 11).
A aproximação com a temática do narcotráfico aparece em diversos discursos
e estratégias, como o epistolar, o testemunhal, o policial e o autobiográfico, sem se
esquecer, porém, das crônicas. Esses textos estão presentes em escritores
geracionalmente distantes, que vão de A. Nacaveva, autor de Diario de un
narcotraficante de 1967 (considerada a primeira obra dessa temática), até Carlos
Monsiváis, Elmer Mendoza, Luis Humberto Crosthwaite, Juan Villoro e Yuri Herrera,
só para citar alguns mexicanos28.
27Entretanto críticos como Rafael Lemus denomina a narco-narrativa como sub-gênero; já EduardoAntonio Parra interroga sobre quantas narrativas são necessárias para que surja um gênero.28 Essa temática alcança autores de diversas nacionalidades e gerações como: os argentinos: MarcosAguinis (Los iluminados, 2000) e Diego Paszkowski (El otro Gómez, 2001); os colombianos: HérnanHoyos (Coca: novela de lamafiacriolla, 1977), Fernando Vallejo (La Vírgen de los sicários, 1994) eJosé Libardo Porras (Happy Birthday, capo, 2008); os chilenos: Ignacio González Camus (El enviado
153
O tema das “narco-narrativas” é introduzido no romance através do
personagem Constantino Portella, que até a metade da obra ocupa um papel
secundário. A partir de então, torna-se central, pois, além de ser um escritor que
converte a desordem nacional em best sellers de narcoliteratura, dos quais Paola, a
esposa italiana de Valdivieso, é tradutora. É, também, um megalômano, que sabe
como participar da lógica do mercado e, para isso, utiliza, como autor dessa vertente
da cultura de massas, sua influência para frequentar outros meios culturais entre
embaixadores, magnatas e estrelas de televisão.
A figura de Portella motiva a discussão de situações importantes existentes
no México contemporâneo, que envolvem o poder do narcotráfico. Ele é um Latim
Lover moderno, com articulações entre os meios de comunicação, os
narcotraficantes e o Estado. Portella conhece muito bem a grande literatura,
discutindo, com inteligência e leveza, clássicos do cânone universal como a Divina
Comédia de Dante Alighieri: “El cabrón de Portella se mostraba más culto de lo que
sugerían sus libros. Al mismo tiempo conservaba su tono casual.” (VILLORO, 2004a,
p. 344)
Esse personagem facilita a discussão da influência da cultura de massa
através da “narcocultura”, uma realidade incrustada já há bastante tempo na
população, através dos narcocorridos, como destaca Villoro no ensaio premiado “La
Alfombra roja, el imperio del narcotráfico” (2008b), onde comenta que:
La narcocultura amplió su radio de influencia a través de losnarcocorridos, muchas veces pagados por los propios protagonistas.En la confusión ambiente, los trovadores vinculados al crimen gozandel dudoso prestigio de lo ilegal que reclama un carisma a contrapeloy se somete a la “moral del pueblo. Sus deprimentes acordeonesacompañan una saga de la rapiña que, por más que lleve alumbradoy carreteras a las comunidades que cultivan la amapola, no resiste lacomparación con Robin Hood.”(VILLORO, 2008b, p. 3)
de Medellín, 1993) Roberto Bolaño (2666, 2004); os espanhóis: Fernando Schwartz (El viajeroocasional, 1989), Nuria Amat (Reina de América, 2002) entre outros. (FONSECA, pp. 277-284)
154
Nesse pequeno trecho, podem-se destacar dois fatos que aparecem no
romance: o primeiro deles é a relação de naturalidade com que a população lida
com os narcocorridos, pois não são vistos como ilegais. Afinal, é natural ouvir, cantar
e consumir os narcocorridos. Outro fato que chama muito a atenção é a ação
assistencialista dos narcotraficantes em seu relacionamento com a população
carente. O personagem Vikingo revela essa relação para Valdivieso:
La cosa no es tan fácil. Es jodido aceptarlo, pero los narcos hanayudado a un chingo de gente, gente que no tenía el menor chancede hacer algo. Cuando no son padrinos de una boda es porque sonpadrinos de una comunión, dan limosnas por todas partes,préstamos, le pagan el hospital a tu madre, el entierro a tu padre, ledan trabajo a tu pinche primo vago que en su puta vida había hechoalgo. (VILLORO, 2004a, pp. 223-224)
Deste modo, é possível afirmar com segurança que, substituindo textos de
escritores importantes da tradição literária mexicana, a “narcoliteratura” vem
ganhando espaço nos meios de comunicação de massa, principalmente no rádio,
como se observa nesse trecho de um ensaio no qual Villoro comenta que:
Lo extraño es que han ganado espacio en las estaciones quetransmiten música popular y aun en las antologías de literatura. Ennombre de un incierto multiculturalismo, hace un par de años ungrupo de escritores protestó porque dos narcocorridos fueronsuprimidos de un libro de texto. En su queja pasaron por alto queesas letras no se estudiaban en una clase sobre problemas deMéxico, sino sobre literatura, sustituyendo a Amado Nervo o RamónLópez Velarde. (VILLORO, 2008b, p. 4)
Por diversas vezes, é narrada à dramática situação de violência no México
atual, com assassinatos e torturas, onde as práticas políticas e a vida cotidiana
parecem se encontrar determinadas por cartéis de drogas. A participação da mídia
acaba por converter a todos em co-espectadores involuntários das atrocidades,
como destaca Villoro (2008b), afirmando que o narcotráfico costuma golpear duas
vezes: no mundo dos fatos e das notícias:
La televisión acrecienta el horror al difundir en close-up y cámaralenta crímenes con diseño “de autor”. Es posible distinguir las
155
“firmas” de los cárteles: unos decapitan, otros cortan la lengua, otrosdejan a los muertos en el maletero del automóvil, otros los envuelvenen mantas. En ciertos casos, los criminales graban sus ejecuciones yenvían videos a los medios o los suben a You Tube después desometerlos a una cuidadosa posproducción. La mediósfera es elduty-free del narco, la zona donde el ultraje cometido en la realidadse convierte en un informertial del terror. (VILLORO, 2008b, p. 3)
Com a queda do PRI, os meios de comunicação ampliaram sua margem de
liberdade. No entanto, isso significa muito pouco, pois dizer a verdade é
progressivamente perigoso, pois o México passou a se apresentar como uma nova
Fobópole29, principalmente para os jornalistas:
De acuerdo con Reporteros sin Fronteras, México ha superado a Iraken número de secuestros y asesinatos de periodistas. En este nuevoescenario, los sucesos se confunden con simulacros. Un ambientede naufragio donde la ausencia de principios se disfraza depragmatismo o medida de emergencia. (VILLORO, 2008b, p. 2)
Outra questão que aparece no romance com bastante evidência é a relação
que o personagem Portella tem com o mercado, através de sua boa articulação nos
meios de comunicação, com o Estado e os narcotraficantes, pois é presidente
honorário de uma Fundação sem fins lucrativos e de uma creche com serviços
gratuitos para uma população mais carente. Ele publica uma literatura de quinta
categoria, ou seja, aquela que confirma uma visão estereotipada do México no
exterior, extremamente folclórica, violenta e com forte presença do narcotráfico.
Paola, sua tradutora para o italiano, reconhece a baixa qualidade de sua obra,
porém consciente da lógica do mercado, sabe que esse tipo de produto vende muito.
Em El testigo, vários outros personagens estão envolvidos com a questão do
narcotráfico: Vlady Vey, que é uma espécie de reina del narco, pois tem ligações
com cartéis diferentes, o que pode ter levado à morte de Vikingo; os que ocupam a
29 Toma-se esse termo de Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana (2008)de Marcelo Lopes de Souza; é o resultado da combinação de dois elementos de composição,derivados das palavras gregas phóbos, que significa “medo”, e pólis, que significa “cidade”. Esta obratrata dos motivos da violência urbana nas grandes cidades, principalmente Rio de Janeiro e SãoPaulo. (SOUZA, 2008, p. 9)
156
posição de usuários, como Valdivieso, Ramón Centollo e Vikingo; ou a de traficante,
como o gringo James Galluzo; culminando com o território de disputa dos
narcotraficantes no romance: a fazenda Los Cominos.
A elite jurídica também não é poupada das críticas, uma vez que se destaca o
envolvimento de um juiz com o narcotráfico, exatamente quando uma jovem é
sequestrada em um vilarejo, e a empregada de Vikingo lhe pede ajuda. O juiz, para
manter preso o sequestrador, o qual pertence ao narcotráfico, exige dinheiro da
família: “La nieta de Carmelita [...] se la llevaron alguien que trabaja para gente
organizada. Por eso el juez pidió dinero; su miedo tenía precio” (VILLORO, 2004a, p.
225).
No romance, fica claro então que qualquer pessoa pode ser envolvida em
alguma confusão com os narcotraficantes, pois, nos lugares mais improváveis, eles
têm atividades e influência que causam episódios de guerra.
Villoro aborda também o entroncamento do narcotráfico com os Estados
Unidos e a China, através de narcotraficantes chineses, personagens de Portella,
que atravessam a fronteira do país carregando drogas. A partir de uma discussão
na embaixada, com jantar oferecido a Portella, percebe-se claramente no romance a
discussão travada por James Petras e Henry Veltmeyer em sua obra La
globalización desenmascarada (2003) (anexo III). Com relação à participação dos
Estados Unidos na questão das drogas, diz o personagem Portella:
Estados Unidos es el responsable. Tienen a más negros en la cárcelpor temas de drogas que en las universidades. Aquí conocemos a losnarcos por nombre, apodo y vicios favoritos. Ahí están tan protegidosque operan en la sombra. (VILLORO, 2004a, p. 343)
Por que os Estados Unidos não prendem os grandes traficantes de droga que
operam no país? Não se pode acreditar que somente os latino-americanos e os
negros americanos sejam os chefes, ou que não haja a participação de americanos
157
brancos na cadeia de distribuição interna no maior consumidor de drogas do
continente. Todas essas questões aparecem levantadas no romance através de
diversos personagens, cobrando-se, então, uma maior participação dos intelectuais
nessas questões.
Outro fato importante, tratado por José Manuel Torres em seu artigo “Las
articulaciones del poder en la literatura mexicana del narcotráfico” (2009), e
destacado em El testigo, é a atitude de vigilante que os Estados Unidos têm com
relação ao México. Como é notório, o vizinho do norte não acredita que os
mexicanos consigam controlar adequadamente o tráfico de drogas no país,
originando, consequentemente, um “processo de certificação” (Anexo III). Essa
situação complexa pode ser observada no trecho abaixo, onde Torres cita
Fernández Menéndez:
El único gran centro del narcotráfico internacional que no esinvestigado, que no está sujeto a certificación alguna, es un país queconsume 50% por ciento de las drogas ilegales que se producenmundialmente, que tiene 20 millones de consumidores habituales,seis millones de adictos, un país al cual el tráfico de " drogas legenera, según las cifras oficiales y más conservadoras, utilidades por60 mil millones de dólares anuales, que no sabe , oficialmente,quienes son los jefes de esas extensas redes y que considera quedentro de sus fronteras no hay cárteles: se trata de Estados Unidosel certificador descertificado. (FERNÁNDEZ MENÉNDEZ apudTORRES, 2009, p. 3)
Novamente se interroga se é preciso ter visto ou ter vivido o horror para
narrar, para ser testemunha. Deste modo, mais uma vez os intelectuais são
convocados a testemunhar através de sua literatura, e mais uma vez há aqueles que
acreditam que esse engajamento não é necessário, já que não é assim que se faz
literatura: “La literatura es artificio, sí.” (PARRA, 2005, p.2) Essa postura, entretanto,
é também uma maneira de deixar a confortável cadeira de expectador ou a posição
de testemunha, passando para o debate.
158
Ramón Centollo (“Caranguejo”), personagem que produz uma poesia
vanguardista engajada, funciona como um espectro de Valdivieso. Ele é seu colega
desde a oficina literária de Orlando Barbosa no início dos anos 70, numa clara
homenagem de Villoro a Miguel Donoso Pareja.
“Vaquero del Mediodía”, assim é chamado o Poeta maldito Centollo, um
alcoólatra, viciado em drogas, que por falta de interlocutores deixa longas
mensagens nas secretárias eletrônicas repletas de palavrões, frases líricas ou
irônicas, discursos e conselhos, até acabar toda a fita, não só para os amigos, como
se observa:
El Vaquero del Mediodía solía leer su poesía vanguardista o radical otal vez sólo obscena en diversas grabadoras. El episcopado, lanunciatura vaticana, ProVida, los legionarios de Cristo, variosdiputados del Partido Acción Nacional habían sido escogidos parasus recitales. El poeta, ignorado en la comunidad literaria, tenía unamplio auditorio de enemigos telefónicos. (VILLORO, 2004, p. 280)
Abaixo se transcreve um dos poemas recitados por ele na secretária
eletrônica de Valdivieso, dirigido a Paola, esposa do protagonista:
«Esto va para Paola la del Ponte Vecchio, de parte de Ramón, el delPaso a Desnivel. Vivo con mis perros en un puente del Viaducto.Tengo las uñas negras y la mente de lumbre. Si no me has leído esque no has cogido. No le pidas un ejemplar a Julio porque a mí nadieme publica, o sólo me publican las grabadoras. No creo que te hablede mí; a nadie le gusta ese pasado. ¡Somos hermanos de leche! Sondatos viejos, mi reina, cosas que ya no ofenden, arqueología,memoria de la especie. Un parpadeo del sol y caen diezcivilizaciones. Perdóname, divago..., así me dicen a veces, el doctorDivago. No he dormido. Estuve inflando toda la noche. Antescomenzaba más temprano, fui el Vaquero del Mediodía. Te decíaque el tiempo es relativo pero no mi gratitud. Tu marido estuvo a laaltura del carnal chido, al menos una vez, por eso no lo dejo, mispoemas son su sombra larga, ya le dije que se cuide, pero no mepela, por eso acudo a ti, Beatriz, Laura, Diótima, Fuensanta, Inés delalma mía, luz de donde el sol la toma, culebrita panzona. El únicoorgullo de Julio es el olvido. No quiere ver ni recordar. Lo pusieron, lopusieron, lo pusieron...» (VILLORO, 2004a, p. 214)
Nessa performance de Centollo, observa-se a ironia de Villoro com a
exclamação “irmãos de leite” em referência a Olga Rojas, um affair de juventude de
159
ambos. Esse poeta decadente e fracassado, que só escreve oralmente, é consciente
de que a poesia hoje deve abrir passo em meio à proliferação de discursos. Para
alguém familiarizado com o cinema, a imagem do ator mexicano Miguel Inclán, como
personagem de algum melodrama de Ismael Rodríguez, casa bem com a desse
personagem de Villoro.
O poeta mexicano e um dos fundadores do Infrarrealismo, Mario Santiago
Papasquiaro, grande amigo de Villoro desde 1973, (referência que também aparece
no romance), foi fonte de inspiração para esse personagem. O autor de El testigo
naquela época frequentava a oficina literária de contos de Donoso Pareja e o outro,
a oficina de poesia de Juan Bañuelos. (CARO, 2010, p.68) Papasquiaro também
inspirou outro personagem, o Ulisses Lima do célebre romance Los detectives
Salvajes (2004) de Roberto Bolaño.
Muitas são as semelhanças entre o poeta e o personagem Centollo, como
uma vida nômade, condenada ao silêncio e ao ostracismo, “un flâneur privilegiado
en el laberinto del D.F.” (SILVA, 2008, p. 2) e um excelente declamador: “Ante mi
incapacidad de escucharlo a las cuatro de la mañana, decidió grabar sus versos en
la máquina contestadora hasta agotar el caset” (VILLORO, 1998b, p. 1), declarou
Villoro nesse artigo sobre seu amigo.
Centollo surge como um sintoma de crise, um fenômeno urbano, pois, como
ressalta Idelber Avelar (2003) “o flâneur é testemunha de um mundo em que as
memórias individuais foram arrebatadas à tradição coletiva.” (AVELAR, 2003, p.
219), essa figura busca a realidade por meio da linguagem e explora seu poder
testemunhal. Através de uma poesia vertiginosa, irônica, obsessiva, uma mistura de
lamento, blasfêmia e prece, irrompe de uma só vez, em um choro mudo a dura
realidade mexicana, a qual sobrevive por certo tempo.
160
Esse personagem complexo, rebelde, beat, um derrotado pela sociedade
literária, a qual desprezava, mas que acabou aceitando, assemelha-se à figura do
mulçumano mencionada por Agamben (2008) em sua obra: “Era um cadáver
ambulante, um feixe de funções físicas em agonia. Devemos, por mais dolorosa que
nos pareça a escolha, excluí-lo de nossa consideração”. (J. AMÉRY apud
AGAMBEN, 2008, p. 49) E, como se percebe na obra, todos se afastavam dele,
todos o ignoravam, mas ele lutou até o fim por um mínimo de espaço, que acabou
não encontrando. Valdivieso, numa profunda reflexão sobre essa figura, comenta:
Ramón Centollo no convirtió el rechazo en un programa detrabajo, ni se alimentó de la resistencia que le oponía el entornopara superarla con un incendio que exigía ser visto. Buscabaoídos, elogios, patrocinios (que en su caso ya alcanzaban el rangode limosnas). […] pensaba que el repudio que sufría era injusto,pero no se hizo a un lado ni desapareció hacia una catacumba o alpaso a desnivel que tanto mencionaba en sus mensajes. Reconoció,como nadie, la validez del sistema que lo rechazaba; con cada golpeque se daba en la frente, ratificaba la supremacía del muro. Tal vez,a fin de cuentas, no fuera sino un pésimo poeta, un vanguardista porfalta de otros méritos, un asesino de la tipografía, un beat sin másgasolina que el rencor social. (VILLORO, 2004a, p. 292)
Nesse contexto, Centollo, que não conseguiu se atualizar no debate estético,
vê diminuída sua credibilidade. Formou-se nos anos 70, e é remanescente do
movimento contracultural dos 60, que se percebe na obra que somente como
caricatura sobrevive no México atual.
3.6 Flaco Cerejido
Uma figura que quase passa despercebida no romance é Flaco Cerejido,
amigo de Valdivieso desde a infância. Esse ex-militante de esquerda atuou sob
numerosas siglas: Partido Mexicano de los trabajadores (PMT), Partido Socialista
Unificado de México (PSUM), Partido de la Revolución Democrática (PRD), “do
ecologismo, do ácido lisérgico e da psicanálise lacanina”. (VILLORO, 2004a, p. 266)
161
Chama a atenção o fato de ele ser magro e alto, apresentando diversas
semelhanças físicas com o autor.
Cerejido é um amigo fiel, que apoia o protagonista em todas as dificuldades
ao longo do romance, parecendo alheio ao clima de violência que paira no ar. É, na
verdade, um personagem silencioso, que ocupa um papel de testemunha e cúmplice
de Valdivieso.
Sendo assim, após analisar tão complexos personagens percebem-se neles
características do sujeito pós-moderno, do indivíduo fragmentado, sem uma unidade
coerente, mas com múltiplas faces. São, enfim, testemunhas que tentam, cada um a
sua maneira, sobreviver. No entanto, não se pode desconsiderar a ideia de que
todos sejam, de alguma forma, produtores de discursos.
162
CAPÍTULO 4: O INTELECTUAL NO MÉXICO CONTEMPORÂNEO
Los intelectuales públicamente reconocidos como tales apoyan o censurana los gobiernos, son los intérpretes reconocidos de sus comunidades, gozanen una medida significativa del privilegio social, encabezan la protestasocial, censuran a los «subversivos», son víctimas, son victimarios en lamedida de lo posible, contribuyen a la memoria histórica, le infundencreatividad al lenguaje, dictaminan, disculpan a los represores, fomentan elsentido de humor y de la ironía, protegen a la República con gruesas capasde solemnidad y textos abstrusos, son conservadores o anticlericales oradicales de tendencia anarquista, o nacionalistas o antinacionalistas oliberales o conservadores o marxistas o antimarxistas o de vanguardia o deretaguardia. Son, en síntesis, el cuerpo móvil o inmóvil que nulifica casitodas las generaciones.
Carlos Monsiváis, De los intelectuales en América Latina.
4.1 A Cidade letrada como testemunha
El testigo, como se observa ao longo desta pesquisa, destaca, entre outros
temas, a figura da testemunha no cenário político, econômico e cultural mexicano e,
de maneira relevante, a relação dos personagens que ocupam essa posição com as
autoridades sociais em dois momentos importantes da história do país: o começo e
o fim do governo do PRI.
Edward Said em Representações do intelectual: as Conferências Reith de
1993 (2005), diz que: “não pertencer deliberadamente a essas autoridades significa,
em muitos sentidos, não ser capaz de efetuar mudanças diretas e, infelizmente, ser
às vezes relegado ao papel de uma testemunha que confirma ao horror que, de
outra maneira, não seria registrado.” (SAID, 2005, p.16) Entretanto, no momento em
que a testemunha é uma produtora de discurso, surge uma relação complicada, pois
o papel relegado à testemunha não é de crítica, mas de reprodução de fatos.
Produzir discurso é, sem dúvida, a função do personagem Félix Rovirosa, o
qual, aproveitando-se de seu poder como braço direito do dono da TV, articula no
163
romance com os demais personagens. Essa figura pertence, assim como o
protagonista, a uma família que já havia sido abastada: “Félix había nacido en
Puebla. Como Julio, provenía de una familia de terratenientes arruinados. Su madre
administraba una tienda de antigüedades”. (VILLORO, 2004a, p. 171)
É importante destacar que o conhecimento adquirido por Rovirosa ao longo
dos anos, ao contrário de muitos intelectuais do início do século passado, que não
precisavam trabalhar e, desde muito jovens, já realizavam viagens à Europa, é
proveniente de trabalho e estudo. No trecho que segue, ele demonstra ter conhecido
as pinturas clássicas através de caixa de fósforos:
No dijeron más. Al día siguiente, Félix quería ir a Gante a ver Laadoración del cordero místico. Hablaron de pintura, los cuadros queen su juventud conocieron por las diminutas reproducciones de loscerillos Clásicos, lo difícil que había sido enterarse de las cosas y lamotivación paradójica que había en eso, en llegar a los cuadrosobvios como a un misterio larga mente pospuesto al que sólo lleganquienes lo merecen, la sensación de que conocer lo normal era«estar en el secreto». (VILLORO, 2004a, p. 169)
Félix, ao se referir ao Políptico da Adoração do cordeiro místico, conhecido
também como Políptico de Gante ou Altar de Gante dos irmãos Hubert e Jan van
Eyck, terminada em 1432 (CABALLERO, 2011, p.1), demonstra deter informações
muito particulares e eruditas, que não fazem parte do cotidiano da população.
Esse profissional competente é a figura do romance dotado de vocação para
“representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de vista, uma atitude,
filosofia ou opinião” (SAID, 2005, p.25). Félix é uma espécie de “heraldo de la
verdad. Sin embargo, necesitaba amigos muy distintos de él. Con su peculiar mezcla
de afecto y belicosidad le había dicho a Julio: «La hipocresía es el último de tus
defectos y la primera de tus virtudes.» (VILLORO, 2004a, p. 22). Como divulgador
ou disseminador de um discurso, ele se coloca como dono e guardião dos valores
universais, tal qual se observa nesse trecho quando fala a respeito do que falta ao
164
México, mencionando um dos principais intelectuais da segunda metade do século
XX:
Sabes lo que le falta a este país? —Rovirosa tenía las mejillasenrojecidas—. Honor. Eso le falta.Julio no quiso contradecirlo. Entre las muchas cosas que le faltabana algo tan defectuoso como México por supuesto que cabía el honor.Pero resultaba una prioridad algo curiosa.Nos han jodido. ¿No te da rabia?Félix Rovirosa parecía más ebrio por sus ideas que por las«cucarachas».Quiénes nos han jodido? —le preguntó Julio.Los otros. «El infierno son los otros», ya lo dijo Sartre, que era undiablo. Este puto país está mal hecho.¿Y tú lo vas a componer? (VILLORO, 2004a, p. 176)
Nessa famosa frase da peça de teatro Entre quatro paredes, publicada por
Sartre em 1945: “O inferno são os outros”, o filósofo francês ressalta que o inferno é
a consciência do outro. Neste caso, os outros seriam todos aqueles que, de uma
forma ou de outra, revelam de nós a nós mesmos. Sendo assim, Villoro traz para
discussão, nesse trecho, questões e valores que se esperam de um intelectual:
honra, consciência e livre arbítrio. Nesses tempos de relativização dos valores,
entretanto, parece ser difícil estabelecer um princípio moral universal. Talvez seja
melhor, como menciona Beatriz Sarlo: “o máximo que se pode pedir, então, é a
lealdade dos intelectuais aos princípios ideológicos ou estéticos que eles dizem ter”.
(SARLO, 2005, p. 198)
Outro personagem que apresenta uma imagem totalizadora do México é
Vikingo, um dos idealizadores da telenovela de tema cristero. Ele já havia sido um
crítico literário, tendo adquirido, então, uma visão muito aguçada da história recente
do país, conforme se observa nesse trecho:
Es increíble que una rebelión popular se haya silenciado de esemodo. Todo mundo es más o menos católico pero el PRI hizo hastalo imposible por ocultar la verdad sobre los cristeros. Es una deudamoral que viene de los años veinte. Esa gente sólo luchaba por quela dejaran rezar, gente pobrísima, como la que murió en laRevolución. ¿Te das cuenta de la injusticia?
165
Julio supuso que no eran ésos los argumentos con los que su amigoconvencía a los productores.—Ahora que hay democracia y el PAN parte el queso, la Iglesia seha vuelto chic y podemos hablar de la represión más silenciada deMéxico. (VILLORO, 2004a, p. 34)
Nota-se que ele fala com a autoridade de quem, mesmo sem ter estado,
esteve presente. Vikingo não é uma testemunha de primeira hora, mas, por ser um
intelectual, pode narrar e criticar o cenário político, econômico, histórico e religioso
com a autoridade de crítico literário que já havia sido um dia. Na verdade, não é
muito fácil identificar a ideia de trabalhador intelectual na figura de um publicitário,
principalmente quando se trata de uma pessoa como Vikingo, capaz de vender um
desinfetante para banheiro e um candidato político com a mesma facilidade.
Dois velhos amigos eruditos (Monteverde e Donasiano) envolvem Valdivieso
no projeto da telenovela. O primeiro, cujo nome indica uma espécie de nexo entre o
ecologismo e o narcotráfico, demonstra possuir vínculos bem estreitos com esse
grupo. E o segundo, um historiador, que somente pesquisa, não mais publicando,
abordam assuntos com o protagonista com a mesma autoridade de quem havia
estado na Guerra Cristera ou convivido com Ramón López Velarde:
—Acuérdese de ese personaje de Ibargüengoitia, don Julio, ungeneralote que reconoce que si en México hubiera elecciones libresganaría el señor obispo. El gobierno no le pudo robar la fe a lainmensa mayoría. Ya hubo elecciones libres. La historia nos debeuna, se lo digo sin revanchismo, es un mero hecho de justicia. Pienseen su propia familia, mancillada durante décadas de expropiaciones.Era gente de trabajo. En Los Cominos los hacendados vivían comopobres y morían ricos. Su único lujo era dejar algo. Hemos vivido unsiglo de corrupción y despojo. Pero el asunto rara vez se enfoca conluces verdaderas. Perdone si me pongo incómodo, pero losintelectuales subsidiados han defendido una violencia que jamáspadecieron; las universidades se llenaron de profesoressocialistoides para rendirle culto a Villa y Zapata. Acuérdese de loque esos bárbaros hicieron en la ciudad de México; entre otrascosas, los zapatistas arrasaron el jardín japonés del poeta Tablada.Ramón López Velarde había ido a esa casa en Coyoacán y admirabaal autor de Hostias negras —Monteverde extendió una mano que enla penumbra parecía enguantada—. Le pido que no me descartecomo curita de pueblo. No hablo en nombre de la gente «decente»,
166
criolla, «linajuda», como decimos aquí en San Luis Polvosí; eso se lodejo a los fanáticos sin lecturas. Pienso igual que los grandes poetasde este país. Aquí la palabra ha sido salvada por los conservadoresilustrados. Algunos de ellos tuvieron sus veleidades izquierdistas,como Paz, pero todos optaron por la civilización en contra de laviolencia. (VILLORO, 2004a, p. 94)
Nesse trecho, ao dominar temas literários, políticos, econômicos e sociais,
colocando-se como ilustrados, eles demonstram erudição. Monteverde menciona
claramente a relação de dependência financeira entre os intelectuais e o governo
priísta, além de criticar o posicionamento daqueles que renderam cultos a Pancho
Villa e a Emiliano Zapata, ressaltando que tais intelectuais apoiavam uma violência
que apenas haviam observado, quase sempre, à distância. O padre se coloca como
um ilustrado, não como um “curita” de povoado, mas pensa como os “grandes
poetas”, os quais, algumas vezes, colocam-se à esquerda, da mesma forma que
Octavio Paz, sendo, porém, totalmente contrários à violência. Em outras situações,
Monteverde critica a atitude dos intelectuais, não mais reivindicando seu posto como
tal:
—México ya cambió —dijo el sacerdote—. Llevamos casi un sigloesperando esta oportunidad. La Revolución se acabó.—Se acabó en 1921.—Es increíble que los intelectuales se hayan creído la historia oficial.¿No mencionó usted la placa de ese patriota en la tumba de PorfirioDíaz? En 1994 clamaba por el fin de la ignominia. ¿Le parecen pocossetenta y un años con el PRI en el poder? […] ¿Y qué me dice de loscristeros, gente masacrada por su fe?Los argumentos de Monteverde le parecieron rebatibles. También loconvencieron del potencial de la telenovela fraguada por el VikingoRuiz. (VILLORO, 2004a, p. 93)
Como se nota nesse fragmento, Monteverde critica o silêncio dos intelectuais,
pois sabe que eles não haviam acreditado na história oficial, mas, por manterem
uma relação íntima com o poder, não puderam se posicionar criticamente diante de
fatos importantes ocorridos em 1994. Basta relembrar as diferentes versões,
167
assinalando a existência de uma conspiração do Estado, para o assassinato de Luís
Donaldo Colosio, candidato à presidência pelo PRI e o levantamento zapatista
ocorrido no Estado mexicano de Chiapas, coordenado pelo grupo armado Ejército
Zapatista de Libertación Nacional (EZLN), que, no início desse mesmo ano,
organizou uma ação militar contra o governo. Cabe destacar que essa rebelião, por
reivindicar direitos dos povos indígenas e dos pobres, alcançou difusão internacional
e que essa ação do EZLN coincidiu, não por acaso, com a entrada em vigor do
Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) no México.
A relação dos personagens com o narcotráfico se torna mais evidente através
de Constantino Portella, o qual Valdivieso, inicialmente, acreditou ser um bronco, um
limitado. No entanto, logo é possível perceber tratar-se de uma figura erudita,
consciente de seus atos e que havia optado por utilizar seu conhecimento para
escrever narconarrativas. No final do romance, devido a sua visão ampla, a respeito
tanto do narcotráfico quanto da mídia, e por ter alcançado o reconhecimento
internacional, é ele quem se tornará o roteirista da telenovela sobre os cristeros. Em
El testigo, tal notoriedade é destacada em dois momentos: quando menciona que
Portella havia sido fotografado por um brasileiro: “Esa mañana, un fotógrafo
brasileño había ido a retratarlo y le pareció divertido que el escritor posara lejos de
sus libros, en la intemperie donde sus personajes se rifaban la vida” (VILLORO,
2004, p. 241), e quando se torna também capa de uma importante revista
americana: “Salió en la portada de Newsweek para América Latina como el enemigo
número uno de los barones de la droga”. (VILLORO, 2004a, p. 305) Esses fatos
darão a legitimidade que Por el amor de Dios necessita.
Em diversas cenas do romance, Portella aparece com função legitimadora,
agente de difusão de um discurso, que certamente não domina com profundidade,
168
pois nunca havia sido vítima do narcotráfico nem tido algum tipo de envolvimento
com esses grupos. Entretanto, através de sua narrativa, ele pode falar sem, no
entanto, ter que provar:
Entonces escuchó al novelista con más detenimiento: su protagonistachino tenía un tatuaje espectacular en la espalda, el Dragón de Metaldel horóscopo chino. Después de trabajar en un restorán de Mexicali,llegaba a dominar el tráfico de heroína en el sur de Estados Unidos,siempre al servicio de Hong Kong. —Es el ultracártel del Pacífico —dijo Portella—. El futuro está en la amapola; somos el segundoproductor después del Triángulo Dorado (Birmania, Laos y Tailandia);aunque todo puede cambiar ahora que Afganistán se liberó de lostalibanes y vuelve a producir drogas. —Estamos usando agua consal para conservar la flor de calabaza. Debe ser ideal para laamapola —comentó Chucho Rodríguez Gámez. (VILLORO, 2004a,p. 342)
Ramón Centollo, um nome bastante sugestivo para um poeta, pois nota-se,
no romance, que ele caminha literalmente para trás, para as vanguardas dos anos
sessenta, é um intelectual sem tribuna, sem espaço, e que, por falta de
interlocutores, deixa mensagens nas secretárias eletrônicas. Esse fato fica muito
claro quando, ao encontrar seu amigo Valdivieso, recorda as aulas de prosa e
poesia na UNAM, dizendo: “Piso 10 Torre de Rectoría de Orlando Barbosa. 1973-74.
Ahí estuvimos todos. Todos los que después no sucedimos” (VILLORO, 2004a, p.
181), ou seja, ambos ficaram somente na promessa, uma vez que não chegaram a
ser o que se esperava deles naqueles anos tão turbulentos do pós-68, mesmo que,
aparentemente, Valdivieso esteja em melhor posição que ele.
Para recorrer às palavras de Said (2005), Centollo é “uma figura solitária, de
certo modo arredia, que não se adapta de jeito nenhum à sociedade e é, por isso
mesmo, um rebelde completamente à margem da opinião estabelecida” (SAID,
2005, p.74). É, na verdade, um poeta, um mendigo, um erudito, um profundo
conhecedor da Escola de Frankfurt:
169
Nadie conoce una ciudad como los policías y los mendigos. Perdónpor este arrebato sociológico, pero a veces me da por la Escuela deFrankfurt, y yo estoy en una interesante intersección sociométrica: unmendigo con alma de investigador de homicidios. (VILLORO, 2004a,p. 186)
Esse personagem complexo comenta com Valdivieso que não tinha
acontecido como poeta e escritor, porque não havia se vendido, pois ele sabe como
funciona o meio cultural em seu país. Apresentando então uma visão que serve para
todos, Centollo diz: “Las mafias no me dejaron. Ya sabes cómo es esta pocilga. Si
no le llames los huevos al príncipe, te jodes. Aquí sólo hay cortesanos.” (VILLORO,
2004a, p. 181)
Desta forma, o “Vaquero del Mediodía”, apelido de Centollo, o qual já havia
publicado em vários países, invoca as vanguardas latino-americanas que se haviam
posicionado no campo literário com uma atitude provocadora, transgressora e que
“buscaron desplazar las figuras consagradas e imponer nuevos valores estéticos,
éticos y políticos” (CARRILLO, 2006, p. 64), para tentar demonstrar o seu
posicionamento no campo literário mexicano, ao qual ele jamais pertenceu, como se
observa nesse trecho:
No hay lugar para los poetas de hierro. Nunca habrá geniosindecentes, irregulares, hijos de la chingada. Las vanguardias chidasde América (El Techo de la Ballena, los Nadaístas, La Mandrágora)jamás hubieran ocurrido en México. La rebeldía no es de esterancho. Publiqué en revistas de Perú, de Chile, de Colombia, deVenezuela, ahí tengo brothers, ahí están mis pares, mis carnales delalma, ¡chupe y chupe! Ahí no importa si un poeta se coge a su perro,no tienes que ser un señorito, un gentleman fifirifi, uncosmopolitólogo, todo lo que hay que aparentar en Mexicalpan de lasTunas. Rolé por los Andes y el Amazonas, encontré poetas delumbre, no mamadas, nada de haikus sobre la caída de la hoja.(VILLORO, 2004a, p. 181)
170
Esses grupos vanguardistas latino-americanos mencionados por Centollo: El
techo de Ballena, Nadaístas e Mandrágora30 estabeleceram uma comunicação fluida
com todo o continente e, em alguns casos, chegaram à provocação, não somente
através da palavra, mas também com espetáculos e performances, inclusive com
atuações públicas. É através de Centollo que se percebe uma crítica de Villoro aos
grupos vanguardistas mexicanos, pois os poetas que pertenceram a esses grupos
haviam proposto transformações radicais, verdadeiras revoluções literárias e
artísticas no âmbito do campo literário. Acrescente-se que, como destaca Carmen
Virginia Carrillo em seu artigo “Grupos poéticos innovadores de la década de los
sesenta en Latinoamérica” (2006), eles haviam apresentado:
Las innovaciones expresivas [que] perseguían nuevas formas deintermediación con un público al que se quería sorprender, fascinar ypolarizar en pro de la casa. Entre las metas a seguir se encontraba laintegración del arte con la praxis política; a través de esta vía losescritores buscaron imponer, en el ámbito social, los nuevos valoresque habían alcanzado un reconocimiento en el campo literario.(CARRILLO, 2006, p. 64)
No romance, aparece um personagem discreto, presente em momentos
difíceis para Julio Valdivieso e que parece uma espécie de consciência crítica do
protagonista: Flaco Cerejido. Conforme já mencionado nessa pesquisa, o autor de El
testigo é grande admirador de Cortázar: “Yo quería ser um personaje de Cortázar.
Nunca pensé que estaba distanciándome de su escritura”. (VILLORO apud ARIAS,
2008, p. 1) Percebe-se em muitos textos, que Villoro procura aproximar sua escrita à
do autor argentino.
30O grupo El techo de Ballena surgiu em 1961, na Venezuela e teve como fundador CarlosContramaestre, que o nomeou assim inspirado no livro de Jorge Luis Borges Antiguas literaturasgermánicas, 1951, onde encontrou o termo. O movimento artístico literário Nadaísmo surge naColômbia em 1958 em meio a uma sociedade reprimida pelas instituições políticas e religiosas.(CARRILLO, 2006, pp.64-76) Mandrágora surge no Chile em 1938, com o Manifesto: Mandrágorapoesía negra. Esse grupo foi fundado por Braulio Arenas, Teófilo Cid, Enrique Gómez-Correa e JorgeCáceres. Além dos fundadores contou com os colaboradores: Vicente Huidobro, Pablo de Rokha,Nicanor Parra entre outros. (MÜLLER-BERGH, 1986, p.648)
171
Logo nas primeiras páginas de El testigo, o narrador comenta sobre
Valdivieso: “Con la misma nostalgia anticipada pasó por la carita sonriente en la
tumba de Cortázar, él, que leyó Rayuela como un libro de autoayuda, fue a París a
agregarle un capítulo y no hizo otra cosa que vivir ahí”. (VILLORO, 2004a, p. 24).
Villoro declarou em entrevista que: “Cortázar fue un autor al que yo leí como libro de
autoayuda, con una idolatría absoluta, sin distanciarme de él, queriendo
enamorarme de La Maga, irme a vivir a París, fumar tabaco oscuro oír discos de
jazz...” (VILLORO apud ARIAS, 2008, p. 1)
Observa-se no personagem Flaco características físicas semelhantes à do
autor e a de Valdivieso: magro, alto, com barba e, como disse Bolaño de Villoro,
“não é covarde nem caníbal.” (BOLAÑO, 2011, 67). Ele é ex-militante do Partido
Mexicano dos Trabalhadores e do ecologismo. Trata-se de um intelectual
aparentemente engajado, exemplo da mudança que, nos anos 60, com o declínio da
contracultura, vai-se consolidando no México, transformando-se em algo que,
mesmo de forma cautelosa, deve ser chamado de sociedade civil. Por sua trajetória
exemplar, afirma-se que “Flaco Cerejido, [estava] siempre bronceado por las
marchas adonde lo llevaba la sociedad civil” VILLORO, 2004, p. 56). Ele é também
doppelgänger de Valdivieso deste lado do Atlântico, o único que o acompanha de
maneira solidária, compreensiva e afável. Alheio ao jogo de intrigas que se tece em
torno da figura de López Velarde, Cerejido estava sempre nas passeatas, mas
nunca havia sido preso nem machucado, numa militância inofensiva, que lhe
causara somente bronzeamento. Flaco é quem consola e apóia Valdivieso toda vez
que o protagonista passa por alguma vicissitude. No entanto, em sua passividade,
esse personagem parece alheio ao clima de violência instalado em El testigo.
172
Nesse contexto, a tensão entre Valdivieso-Cerejido aproxima-se de Oliveira-
Traveler, personagens de Rayuela (1963), de Julio Cortázar. Na obra do escritor
argentino, Horacio Oliveira que viajou para estudar em Paris, seria reflexo de Julio
Valdivieso, enquanto que Flaco Cerejido, de Treveler, amigo de infância de Oliveira,
assim como Flaco é de Valdivieso. No entanto, parece que em El testigo há uma
inversão, pois Cerejido, assim como Oliveira, não trabalha, é livre. Já Valdivieso tem
cumprir horários, trabalhar, cuidar das filhas, nesse aspecto, inclinando, para
Treveler, que também tem um ofício, mesmo que seja no circo.
Outro personagem discreto, Jean-Pierre Leiris, aparece na obra como uma
homenagem de Villoro a dois importantes intelectuais franceses do século XX, o
filósofo, escritor e crítico Jean-Paul Sartre e o também escritor, etnólogo e crítico de
arte Michel Leiris. Ambos acreditavam que o intelectual tinha de desempenhar um
papel mais ativo na sociedade, exatamente como se observa nesse trecho com o
personagem de El testigo:
Mientras se secaba en el hotel, Julio recordó su último encuentro enParís con Jean Pierre Leiris. Colocó su copa de Pernod muy cerca dela nariz para mitigar el olor del Hombre de Negro. Su colega era locontrario del proselitista: no quería convencer sino agraviar. En elsopor del Café Cluny, Leiris asumió su habitual tono retador: leparecía increíble que Paola, la esposa de Julio, estuviera mucho másal tanto de lo que pasaba en México y tradujera a autores que élapenas conocía. Luego Leiris habló pestes de los intelectualesmexicanos, mandarines subvencionados que conspiraban al modode los clérigos: «A ver si no te vuelves un protegido cuando regreses,uno de esos chulos de putas», habló con incierto españolismo,«aunque más bien eres un criollo metafísico, un mariachievaporado.» (VILLORO, 2004a, p. 18)
Com esse personagem, frequentador do Café Cluny, fundado em 1869 e que,
em outras épocas, teve a presença de importantes intelectuais, como Jean Paul
Sartre, Paul Verlaine, Simone de Beauvoir, Arthur Rimbaud, Marguerite Duras,
Ernest Hemingway, entre outros, Villoro traz uma discussão sobre o posicionamento
173
desinteressado de Valdivieso, destacando que sua esposa italiana tinha mais
informações a respeito do México do que ele. Leiris critica também os intelectuais
mexicanos que recebem apoio financeiro do governo, os mandarines, ou seja, as
pessoas influentes nos ambientes políticos, artísticos e literários, pois ele sabia que
esse não era o caso de Valdivieso.
Mais adiante, nota-se a preocupação de Valdivieso com o número de pessoas
que vão assistir à telenovela Por el amor de Dios, e ele frisa que, em vez de o país
caminhar para a democracia, estava retrocedendo:
Esa noche Julio Valdivieso quiso saber muchas cosas que no leimportaban. La telenovela sería vista por veinte millones, un hito enla cultura nacional. Habría escenas fuertes: ahorcados, fusilamientos,torturados, la incómoda verdad. Hubiera sido capaz de compartir sutorta especial de chorizo a cambio de que Jean-Pierre Leirisescuchara que México había entrado a la democracia para recuperarsu fervor católico. Eso era el futuro: un viaje atrás, al punto donde lapatria erró el camino. (VILLORO, 2004a, p. 36)
No final do trecho destacado, o narrador comenta que assim é o futuro no
México, uma viagem para trás. E enfatiza que, se tinha havido alguma possiblidade
de mudança no país, deveria ter acontecido nos anos posteriores à Revolução
Mexicana, no período de Ramón López Velarde, das vanguardas, da expansão e
popularização dos meios de comunicação e das universidades, da reforma agrária,
enfim, da reestruturação do Estado, o que não ocorreu.
Valdivieso é convocado como testemunha de fatos que não presenciou, mas,
por ser um intelectual, não é preciso ter visto ou vivido para que seu discurso seja
aceito. Como testemunha, ele não precisa se posicionar, pois o que se espera é que
somente narre os fatos. No entanto, o protagonista é um intelectual, e o que todos
cobram dele é que assuma um lado: “México se radicalizaba, Julio no podía seguir
en su torre de marfil.” (VILLORO, 2004a, p. 25) Ele tem uma visão ampla do país,
174
conhece sua história, seus problemas e dificuldades, e comenta: “—México sigue
siendo un rancho infumable, pero empiezan a remitir los odios acumulados durante
setenta y un años. Lo que el PRI institucionalizó no fue la Revolución sino el rencor”.
(VILLORO, 2004a, p. 178)
Nota-se nesses trechos destacados no parágrafo anterior que Valdivieso trata
de vários temas com a autoridade de quem esteve presente nos fatos, oferecendo
uma visão totalizadora e produzindo um discurso que serve para todos. Ele não é
disseminador dos ideais universalizantes; no entanto, como menciona Maurice
Blanchot, citado por Adauto Novaes: “Não existe, portanto, essa figura do intelectual
em tempo integral ou inteiramente intelectual”. (BLANCHOT apud NOVAES, 2006, p.
12)
Após a morte de Centollo, Valdivieso faz uma longa reflexão a respeito das
oportunidades que haviam sido recebidas e conclui deste modo: “A la tristeza de su
muerte y la vida que los trató en forma tan desigual se aunaba la posibilidad de un
vacío central: que el poeta hubiese olido a rancio y a atarjea sin que eso significara
un peaje para obtener visiones de magnífico maldito”. (VILLORO, 2004a, p. 293),
mas, mesmo assim, não voltou a escrever, nem sobre a vocação do “Vaquero del
Mediodía”, fazendo o mesmo com López Velarde e o México que veio depois de sua
morte.
Sendo assim, a construção do romance com personagens hiper-conscientes,
com um narrador que ainda possui a capacidade de narrar (o que a literatura do
século XX, por desconfiar dessa potência, deixou de lado), estabelece uma tensão
entre testemunhas e intelectuais. Desta forma, após análise dos personagens acima,
pode-se perguntar: essas são realmente falas de testemunhas?
175
4.2 Os intelectuais e o poder no México contemporâneo
O escritor chileno Roberto Bolaño, amigo de Juan Villoro, que viveu vários
anos no México e se ocupou desse país em muitos de seus textos, apresenta em
sua obra 2666 (2004) personagens travando uma discussão sobre a relação entre
os intelectuais e o poder na América Latina, principalmente no México, destacando
que, cada vez que o Estado quer calar um intelectual, dá a ele um emprego, como
se observa no trecho:
–Bueno, es el típico intelectual mexicano preocupado básicamenteen sobrevivir –dijo Amalfitano. –Todos los intelectualeslatinoamericanos (grifo do autor) están preocupados básicamente ensobrevivir, ¿no? –dijo Pelletier. –Yo no lo expresaría con esaspalabras, hay algunos que están más interesados en escribir, porejemplo –dijo Amalfitano. –A ver, explícanos eso –dijo Espinoza. –Enrealidad no sé cómo explicarlo –dijo Amalfitano–. La relación con elpoder de los intelectuales mexicanos viene de lejos. No digo quetodos sean así. Hay excepciones notables. Tampoco digo que losque se entregan lo hagan de mala fe. Ni siquiera que esa entregasea una entrega en toda regla. Digamos que sólo es un empleo. Peroes un empleo con el Estado. En Europa los intelectuales trabajan eneditoriales o en la prensa o los mantienen sus mujeres o sus padrestienen buena posición y les dan una mensualidad o son obreros ydelincuentes y viven honestamente de sus trabajos. En México, ypuede que el ejemplo sea extensible a toda Latinoamérica, salvoArgentina, los intelectuales trabajan para el Estado. Esto era así conel PRI y sigue siendo así con el PAN. El intelectual, por su parte,puede ser un fervoroso defensor del Estado o un crítico del Estado.Al Estado no le importa. El Estado lo alimenta y lo observa ensilencio. (BOLAÑO, 2004, p.109)
A situação discutida por esses personagens não é recente e, como pôde ser
observado ao longo dessa pesquisa, principalmente no segundo capítulo, a relação
entre os intelectuais e o poder é ambígua desde o porfiriato. Nesse período, a
estreita relação de Porfirio Díaz com os Científicos demonstra essa situação, pois,
desde o século XIX, escritores foram recrutados para os serviços diplomáticos,
refletindo um costume extendido a toda América Latina. A prática cumpria uma dupla
função: “El hombre de letras prestigiaba al país en el exterior y el Estado ejercía una
176
especie de mecenazgo, como también lo hicieron algunos grandes diarios, al
proporcionarle al escritor sus medios de vida”. (ALTAMIRANO, 2010, p. 18)
As gerações seguintes, os ateneístas (1910) e os siete sabios (1915), apesar
de apenas cinco anos de separação, apresentam características bem diferentes,
pois: “ sus diferencias fueron determinadas por el contexto histórico: si los primeros
fueron humanistas diletantes, los segundos fueron intelectuales íntimamente
comprometidos con la reconstrucción y la transformación del país: eran intelectuales
“de pico y pala””. (GARCIADIEGO, 2010, p. 34), ou seja, enquanto os porfiristas e os
ateneístas atuaram em âmbitos políticos, os siete sabios se dedicaram
majoritariamente às atividades acadêmicas e culturais. No entanto, nenhum desses
fatores os afastou do poder estatal.
Nesse contexto, José Vasconcelos é uma figura representativa do período,
pois, com uma ampla política educativa e cultural, obteve muitos logros e, até
meados do século XX, seu projeto foi exemplo e herança sem precedente. A relação
do Estado mexicano pós-revolucionário com os intelectuais tem características
únicas:
Para comenzar, dicho Estado asumió como propia, imprescindible eimpostergable la función de fomentar una identidad nacional quedefiniera a México como un país nacionalista, justiciero y progresista.Esto facilitó el establecimiento de relaciones fluidas y abiertas con losintelectuales, y hasta meados del siglo XX apenas hubo quienesfueron críticos radicales del gobierno. En la medida que el Estadoposrevolucionario mexicano no fue totalitario, los intelectualespudieron mantener relaciones con los sucesivos gobiernos, de losque fueron ideólogos, funcionarios y representantes diplomáticos, osimplemente beneficiarios de sus numerosos proyectos educativos yculturales”. (GARCIADIEGO, 2010, pp. 36-37)
Assim como os científicos, os ateneístas, os siete sabios e outros grupos de
intelectuais, entre eles os estridentistas e os contemporáneos, todos ocuparam não
apenas cargos diplomáticos, mas também políticos, econômicos e administrativos.
Esse fato é relatado por Villoro em El testigo, referindo-se ao escritor, diplomata,
177
ensaísta, poeta e Diretor Geral da Unesco entre 1948-1952, Jaime Torres Bodet,
como se oberva: “Nada tan decisivo como el fin de los poetas, la firma de su vida.
Torres Bodet existió como burócrata, pero murió como poeta, de un tiro en su
escritorio”. (VILLORO, 2004a, p.184)
Conforme já foi mencionado, os estridentistas tiveram um envolvimento maior
com a política, ocupando cargos públicos, inclusive, a nomeação de Maples Arce,
seu líder, para deputado. No entanto, cabe ressaltar que, mesmo um grupo apolítico
como os contemporáneos, cuja prioridade era a literatura e que rejeitaram o
nacionalismo exacerbado do México revolucionário, o uso da injustiça social e da
violência rural como únicos temas literários, assumiram, também responsabilidades
públicas junto ao governo. Entretanto, a atitude predominante desse grupo foi o
ofício literário, como menciona Javier Garciadiego em seu artigo “Los intelectuales y
la Revolución Mexicana” (2010) que:
sin compromisos mayores con el proceso político y sociocultural de laRevolución, puede asegurar que se dio entonces el primer deslindeentre los principales intelectuales del momento y el Estado mexicanoposrevolucionario. De cualquier modo, sólo un puñado de jóvenesleyó a los escritores del grupo Contemporáneos. Su literatura fuecriticada por elitista y carente de nacionalismo. Su impacto inmediatofue menor. Además, dado que para sobrevivir varios de los“Contemporáneos” mantuvieron empleos menores en el aparatogubernamental, el deslinde nunca llegó a ser confrontación.(GARCIADIEGO, 2010, pp. 36-37)
Na década de 1940, o projeto filosófico de Hiperión, do qual Luis Villoro (pai
de Juan Villoro) era um de seus líderes, toma conta do pensamento acadêmico, e a
discussão a respeito da tipicidade do mexicano é utilizada pelo Estado com o apoio
de intelectuais, principalmente desse grupo, para fomentar o nacionalismo no país.
Bartra, ao criticar esse período, diz:
«Mexicano típico»: es un problema completamente falso, que sólotiene interés como parte del proceso de constitución de la culturapolítica dominante. La idea de que existe un sujeto único de la
178
historia nacional - «el mexicano» - es una poderosa ilusióncohesionadora; su versión estructuralista o funcionalista, que piensamenos en el mexicano como sujeto y más en una textura específica -«mexicano» - , forma parte igualmente de los procesos culturales delegitimación política del estado moderno. La definición de«mexicano» es más bien una descripción de la forma como esdominado y, sobre todo de la manera en que legitimada laexplotación. (BARTRA, 2009, p. 20)
A geração da década seguinte, conhecida como a Generación del Medio del
Siglo, pode ser definida por uma postura contrária às tendências nacionalistas dos
anos 40, sustentada no questionamento da Revolução e na denúncia das
promessas revolucionárias não cumpridas por parte do governo mexicano. Muitos
membros dessa geração fizeram parte do Centro Mexicano de Escritores, fundado
em 1951 com um amplo sistema de bolsas através do apoio da Fundação
Rockefeller. Esse Centro recebeu financiamento: “de destacados hombres de
negocios y empresas mexicanas, tanto públicas como privadas” (ALBARRÁN, 1998,
p. 3).
Para se demonstrar o que significou o Centro para esta geração na promoção
da literatura mexicana desde a década de 50, destaca-se: a Poesía en Voz Alta (que
iniciou em 1956), a Casa del Lago (fundada em 1959) e alguns livros que vieram à
luz graças ao sistema de bolsas: “Pedro Páramo, La región más transparente, Balún
Canán, Farabeuf, Morirás lejos y La señal, entre muchos otros”. (ALBARRÁN, 1998,
p. 5, grifo nosso)
Considerando o domínio do Tratado de Livre Comércio, o aumento da
pobreza e do narcotráfico, na crescente fuga de mexicanos para os Estados Unidos
em busca de sustento, no excessivo poder dos meios de comunicação em seu
fomento à democracia, na vídeo-democracia comandada por grandes consórcios
comunicativos, como está representado os intelectuais em El testigo? Essa íntima
relação entre os intelectuais e o poder intervém em sua principal função: “o principal
179
dever do intelectual é a busca de uma relativa independência em face de tais
pressões.” (SAID, 2005, p.15) Assim, percebem-se os signos visíveis do fracasso da
Revolução Mexicana num contexto que engloba partidos políticos marcados por
escândalos de corrupção, um sistema parlamentar corrupto desde suas estruturas, a
influência do Estado através de um enorme sistema de bolsas, apoios e empregos,
uma sociedade de classes, com um elitismo excludente e com baixo
desenvolvimento econômico e consequentemente educativo. Esse fato pode ser
observado nos empregados da família do protagonista, nas condições desumanas
em que vive o capataz Eleno e também no filho de Ignacia, que não frequenta a
escola e está aprendendo com ela as primeiras lições em um pedaço de papel.
Não é nenhuma novidade que, atualmente, vive-se em tempos de incerteza,
pois a situação se radicaliza à medida que valores universais como liberdade,
justiça, razão, objetividade e verdade, matérias do intelectual, estão perdendo
legitimidade e valor. Tempos pós-apocalípticos – Carlos Monsiváis, Hipermodernos
– Gilles Lipovetsky, Modernidade líquida – Bauman ou Pós-modernos para Terry
Eagleton, que diferencia pós-modernismo de pós-modernidade, sendo que o
primeiro, para Eagleton (1998), refere-se em geral a uma forma de cultura
contemporânea, enquanto que o termo pós-modernidade: “é uma linha de
pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e
objetividade, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos
definitivos de explicação. (EAGLETON, 1998, p. 7)
Vale reforçar que o termo pós-modernidade é complexo, principalmente no
que se refere à dificuldade para tentar denominar o momento em que se vive, já que
não abarca claramente o que vem acontecendo no âmbito cultural, histórico, político,
social e econômico. No entanto, essa é a expressão mais popular utilizada nas
180
últimas décadas. Momento em que está inserida a figura do intelectual, fruto de seu
tempo e das relações nele estabelecidas. Tempos conflituosos, fluidos, onde não há
mais espaço para o intelectual universal, se é que, em algum momento, houve tal
categoria, pois qualquer definição é sempre decorrente do período em que se vive.
Na verdade, o termo intelectual vem sendo discutido ao longo do século XX por
inúmeros autores, destacando-se Antonio Gramsci, Julien Benda, Jean Paul Sartre,
Carlos Monsiváis, Edward Said, Francisco Oliveira, entre outros. São inúmeras,
entretanto, as questões levantadas, principalmente no que se refere às críticas ao
seu engajamento, comprometimento e participação na sociedade.
A partir dos anos de 1960, percebe-se no contexto latino-americano um
deslocamento do clássico homme de lettres, escritores, críticos e expositores de
cátedra, sendo substituídos gradativamente por profissionais universitários cada vez
mais especializados e sem o brilho dos generalistas do passado, numa tendência
que afeta claramente os intelectuais de inclinações esquerdistas e revolucionárias. É
preciso frisar que, antes desse período, não existiam muitas dúvidas em relação à
“essência” e à função dos intelectuais, uma vez que se percebia claramente o seu
compromisso com a verdade, a justiça e a democracia. No entanto, em algumas
gerações, os intelectuais passaram de uma consciência crítica de nação a meros
especialistas em legitimação.
Ao longo do tempo, o termo foi ganhando contribuições importantes,
destacando-se Jean Paul Sartre e Edward Said. Quanto a Sartre, trata-se do incisivo
Em defesa os intelectuais, cuja publicação francesa é datada de 1972, na qual foram
reunidas três conferências proferidas no Japão em 1965. Acerca de Said, considera-
se fundamental a obra Representações do intelectual, conjunto de seis conferências
pronunciadas na BBC em 1993.
181
Para Sartre, “o intelectual é alguém que se mete no que não é de sua conta”
(SARTRE, 1994, p.14), o que demonstra uma inquietude diante da vida e da
sociedade. Pensamento compartilhado por Said, que trata o papel público do
intelectual como “um outsider, um “amador” e um perturbador do status quo” (SAID,
2003, p.12). Ao advogar o papel de amador para o intelectual, Said destaca o
sentido de que somente assim poderia agir e lutar por causas maiores e alheias as
suas, e não está tratando o termo como sinônimo de amadorismo ou
desconhecimento, mas como forma de manter uma relativa independência no que
se refere à esfera pública, contra a qual ele intervém criticamente.
“Intelectual engajado: uma figura em extinção?” Esse é o título do artigo de
Marilena Chauí publicado no livro O silêncio dos intelectuais (2006), um
questionamento que propõe três causas possíveis para a extinção desse
engajamento. A primeira delas é o abandono das utopias revolucionárias, a rejeição
à política e um ceticismo desencantado. A segunda é, sob os imperativos do
neoliberalismo, o encolhimento do espaço público e o alargamento do privado. Já a
última refere-se à nova forma de inserção do saber e da tecnologia no modo de
produção capitalista. (CHAUI, 2006, pp. 29-30) Ao levantar as possíveis causas,
Chauí (2006) traz à discussão o retraimento do engajamento, a ausência de
pensamento e o silêncio dos intelectuais.
Nesse contexto, a partir de Sartre e do modelo do intelectual engajado,
percebe-se que esse intelectual não pretende mais abarcar o todo, aproximando-se
criticamente de fenômenos que o cercam, como a globalização, a violência, a
política e a mídia. Em outras palavras, o intelectual transformou-se numa
testemunha atenta de seu tempo, conseguindo perceber que tudo a sua volta está
em profunda convulsão.
182
Pode-se considerar que a relevância dos intelectuais no panorama político e
cultural latino-americano, apesar de estar em claro declínio, ainda é altamente
elevado em países nos quais amplas camadas da população apresentam
dificuldades para acessar a palavra escrita. Esse fato acaba por converter o
intelectual numa espécie de intérprete de emergência e guru acidental. (VILLORO y
VOLPI, 2000, p.3)
É possível afirmar que o intelectual clássico sartreano, proclive do ensaio
literário e nutrido de conhecimentos teóricos e históricos, encontra-se agora em
decadência, mas não em extinção. Deslocado pelo especialista de tendências
tecnocratas, com formação acadêmica delimitada pelo mercado laboral, não dispõe
de uma renda financeira própria das antigas elites, mas de salários obtidos no
âmbito universitário, na administração de bens culturais e, ocasionalmente, na
investigação científica. Entretanto, como destaca o filósofo argentino Hugo Celso
Felipe Mansilla:
no hay duda de que los intelectuales todavía exhiben un pesorelativamente importante a la hora de formular políticas públicas, deenunciar alabanzas o críticas importantes a las accionesgubernamentales, de desarrollar temáticas relevantes en el seno delos masivos de comunicación y esbozar fragmentos de una futuraconsciencia nacional. (MANSILLA, 2002, p. 435)
No entanto, não se pode desconsiderar que, diante do inegável processo de
modernização na atualidade, o intelectual se transforme, desaparecendo quase que
completamente a sua função clássica de espírito crítico. E, mesmo com o processo
democrático, pode-se constatar uma atmosfera de desencanto, relativismo e
pessimismo, que pode ser percebida no âmbito sociocultural. Tal fato se deve, em
última instância, ao desempenho nada promissor das variáveis econômicas e
político-institucionais e, em menor grau, ao afastamento da intelectualidade de seu
183
posicionamento crítico e até contestatório para se integrar com surpreendente
facilidade às estruturas de poder dos regimes neoliberais.
Os intelectuais de El testigo, na maior parte dos casos, apresentam essa
particularidade pós-moderna mencionada anteriormente, no sentido de que
perderam a fé nas grandes estruturas de pensamento e paradigmas, estando
ligados a centros de poder e procurando de todas as formas uma reatualização da
história e da memória histórica a partir de determinado ângulo.
Em relação a essas mudanças, já em 1995, em seu artigo “Neoliberalismo à
brasileira” (2010b), o professor Francisco Oliveira destacava a situação dos
intelectuais diante das mudanças neoliberais, tratando particularmente da “tirania
neoliberal, cujas consequências sociais já veremos; mas, principalmente, seu risco
maior é o de legitimar uma enorme onda conservadora” (OLIVEIRA, 2010b, p. 28),
mencionando, certamente, a situação do Brasil, servindo, no entanto, para pensar
também a América Latina. Já em outro artigo publicado também em 1995, intitulado
“Balanço do neoliberalismo” (2010), Perry Anderson afirma que:
a virada continental em direção ao neoliberalismo não começouantes da presidência de Salinas, no México, em 88, seguida dachegada ao poder por Menem, na Argentina, em 89, da segundapresidência de Carlos Andrés Perez no mesmo ano, na Venezuela ede Fujimori, no Peru, em 90.[...] E Salinas, notoriamente, não foisequer eleito, mas roubou as eleições com fraudes. (ANDERSON,2010, p. 20)
Após uma série de levantamentos sobre a situação do intelectual nesse
contexto, Francisco Oliveira diz: “Eu não queria passar a impressão de um
Apocalypse Now. Mas que já sentimos o cheiro ou a catinga de enxofre no ar, ah!,
basta ter olfato”. (OLIVEIRA, 2010b, p. 28, grifo nosso)
Cabe ressaltar que o fracasso retratado no romance não é apenas desse
momento, mais de uma geração, fruto dos intelectuais engajados, descendentes de
1968, momento histórico, não só para os intelectuais franceses, mas também para o
184
México e para grande parte da América Latina. Pode-se dizer que esse período foi o
auge do intelectual, enquanto hoje é apenas o do testemunho. Afinal, ele é
convocado a testemunhar a miséria e a exclusão, que não vive, pois é, ao mesmo
tempo, burguês e não-burguês, ou seja, beneficiário de um sistema social injusto,
mas também defensor de uma ordem social que busca a eliminação de privilégios.
Desta forma, hoje, quem poderia ser considerado intelectual? Pela
impossibilidade de abarcar o todo, pois o todo, assim como as respostas cabais e
universais, é, na maioria das vezes, falso. Sendo assim, é mais adequado pensar
que:
Produto de sociedades despedaçadas, o intelectual é suatestemunha porque interiorizou seu despedaçamento. É, portanto,um produto histórico. Nesse sentido, nenhuma sociedade pode sequeixar de seus intelectuais sem acusar a si mesma, pois ela só temos que faz. (SARTRE, 1994, p. 31)
Para Sartre, o intelectual moderno é, antes de tudo “um homem de
contradição, que se define no campo da esquerda, e aí, sobretudo os
revolucionários” (SARTRE, 1994, p.7-8). Assim como Said para quem “todo
intelectual tem de ser um homem ou uma mulher de esquerda” (SAID, 2003, p.12).
Mas o que significa ser de esquerda, num país em que a esquerda jamais
chegou ao poder? Tomando o caso específico do México, observa-se que a via
política escolhida pelo PAN assemelha-se àquela que estava no poder, com
fidelidade às instituições financeiras internacionais, manobra política amoral, rigor
orçamentário, ou seja, a mesma política com a qual afirmava romper assim que
chegasse ao poder.
Vale reforçar que a íntima relação entre os intelectuais e o poder no México
não é recente, nem se remonta à última década. Como já foi mencionado ao longo
deste trabalho, estudos históricos baseados em amplo material documental
185
mencionam que, desde antes da independência, a maior parte daqueles que hoje
são chamados de intelectuais já estava envolvida estreitamente com o poder estatal.
Sergio Gutiérrez Negrón em seu artigo intitulado “El intelectual en pedazos:
representaciones de la intelectualidad mexicana posrevolucionaria en El testigo de
Juan Villoro” (2011), indaga sobre a figura do intelectual mexicano no período pós-
revolucionário, acentuando um questionamento a respeito da posição de mediador
entre o poder e os cidadãos ocupada por essa figura. Esse autor classifica os
personagens que ocupam a posição de intelectual como “una intelligentsia coaptada,
patológica [...], una masa cancerosa de fracasos” (GUTIÉRREZ NEGRÓN, 2011,
p.2), pois parece não haver dúvidas de que eles estão desesperados para manter-se
próximos ao poder, lugar que sempre ocuparam, seja na ditadura, na revolução, ou
no momento pós-revolucionário, conforme retratado na obra. E essa luta continua
nesse contexto de persistente corrupção política e de desigualdade social, apesar de
o país ter sido tomado pelos poderes da igreja, da mídia e do narcotráfico.
Nota-se que os personagens desse romance estão em crise de definição,
fundidos num pessimismo latente, e, em vez da alternância política impulsioná-los
na direção de uma mudança, com o intuito de construir uma nova cultura política e
democrática, eles preferem retroceder. Tal não ocorre, entretanto, quando se pensa
numa maneira de aprender com o passado, uma vez que, nesse caso, surge um
olhar de desesperança, pois sabem que nada mudou, e isso impossibilita a
comunicação com as novas gerações do México pós-revolucionário.
Para Agamben (2008), a testemunha radical é a que não sobreviveu, a que
sucumbiu diante das atrocidades, ou seja, por analogia, ele não pode testemunhar.
Então, o paradoxo “consiste em afirmar que não pode haver nem verdadeira
testemunha nem verdadeiro testemunho” (AGAMBEN, 2008, p.16), já que o
186
testemunho do sobrevivente repousa na impossibilidade de autenticidade e
reconhecimento.
Como resolver essa questão? Villoro aponta uma possível saída através da
perspectiva de onde se escreve. Muitos dos personagens de El testigo se
posicionam a partir de instituições que, no México contemporâneo, após a queda do
PRI e o desafio do neoliberalismo, são bastante problemáticas. Esse fato se
acentua ainda mais quando se observa que todas são, de alguma maneira,
produtoras de discursos, e estão em crise de definir-se em tempos tão complexos.
4.3 A figura do intelectual no México contemporâneo de El testigo de Juan
Villoro
Julio Valdivieso, a figura que todos postulam no romance como a verdadeira
testemunha, antes de concluir sua graduação na UNAM em meados dos anos 70,
teve que fazer estágio para ter direito a apresentar sua monografia de conclusão de
curso. Esse estágio ocorreu na UAM – campus de Iztapalapa, localizado num bairro
de periferia, cujo crescimento se deveu, principalmente, à chegada da população
oriunda do interior do país em busca de emprego. Ele acaba se instalando, então,
nesse local, um bairro sem asfalto, sem saneamento básico, de extrema pobreza e
violência:
En la curva del Cerro de la Estrella veía tendajones con objetos parabaños —una larga hilera de excusados y lavabos donde los perroscallejeros se refugiaban de las tolvaneras—; nada podía ser lógico enesa región donde los artículos de baño se exponían junto a laavenida, como si se compraran por una repentina inspiración de losautomovilistas. En un terreno tan accidentado casi nada podía serdelito. La universidad estaba rodeada por la cárcel de mujeres, unvasto tiradero de basura y un convento perdido. Iztapalapaconformaba una periferia extrema, un suburbio libre y asociado quese sometía a otras leyes, todas modificables. En el Cerro de laEstrella los aztecas encendían el fuego nuevo cuando comprobabanque se acababa el año sin que se acabara el mundo. Un sitiocastigado y duro que fomentaba ritos de supervivencia. Pionero de
187
esa tierra baldía, entre mujeres presas, basura y monjas vicentinas,Julio podía forjarse una ley a su medida. (VILLORO, 2004a, p. 70)
A atmosfera presente nesse bairro, descrito no romance como uma paisagem
do apocalipse, parece contribuir para uma ação muito importante perpetrada pelo
protagonista, o roubo da tese, uma vez que, enquanto Valdivieso sonha com a
Europa, observa um cachorro leproso lamber suas feridas:
Julio acariciaba el sobre con la aceptación condicionada de laUniversidad de Florencia (sus dedos disfrutaban el magnífico papelrugoso), cuando se detuvo en la explanada de la UAM, ante elpequeño edificio de Rectoría, para ver a un perro de pelambre colorcerveza. Su lengua morada lamía las costras y las llagas que lemoteaban el cuerpo; sus ojos, de una depresión sin fondo,aguardaban que alguien tuviera la misericordia de sacrificarlo. Elcielo se cubría de humo negro, procedente de las quemas de losbasureros. Julio se propuso no olvidar ese momento. Pasara lo quepasara, fuera donde fuera, sería el que estudió en esa lejana orilla.Nada lo curaría de esa miseria. Aunque lograra escapar se llevaríaconsigo el dolor y la inmundicia. Le sirvió mucho atesorar esemomento. Había sufrido lo suficiente para merecer unacompensación. (VILLORO, 2004a, p. 71)
Cabe destacar que, segundo Lois Parkinson Zamora, desde que foi
estabelecido como gênero literário, por volta do século I a.C: “[...] el apocalipsis ha
ejercido una fascinación especial sobre los artistas por sus notables imágenes y su
poderosa poesía.” (ZAMORA, p.11, 1989) O Apocalipse de São João, a última
palavra de Deus, desde a Idade Média, tem inspirado, então, obras literárias e
plásticas.
No entanto, como relata Mihaly Dés em seu artigo sobre “Juan Villoro, Paisaje
del post-apocalipsis” (2005), desde os primeiros romances e em muitos de seus
contos, Villoro revela:
un paisaje desolador en proceso de descomposición, un horizonteque se podría calificar de apocalíptico si no fuera porque el autorseñalase que “una de las características centrales de la vida enMéxico no es tanto el Apocalipsis, sino la noción de Post-Apocalipsis.La mayoría de los mexicanos, especialmente el la ciudad de México,se sienten más allá de la tragedia. Son el resultado de algo que ya
188
ocurrió, un cataclismo impreciso que no podemos ver, pero no es elanuncio de algo que va a suceder”. (DÉS, 2005, p. 5)
Aproveitando esse contexto, o influente cronista e ensaísta Carlos Monsiváis,
com a liberdade que seu trabalho permite, em sua obra Los rituales del caos (1995)
denominou “México, ciudad post-apocalíptica” (MONSIVÁIS, 1995, p. 21, grifo do
autor). Na certeira paráfrase das ideias de Monsiváis, Juan Villoro em entrevista
cedida ao escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka (2010) e em seu ensaio “El
vértigo horizontal. La ciudad como texto” (2002a) afirma:
¿Qué distingue al D.F. de otros océanos? Nada lo define mejor quela noción de postapocalipsis, a la que se ha referido CarlosMonsiváis. Entre el vapor de los tamales y los gritos de losvendedores ambulantes, se cierne la certeza de que ningún daño espara nosotros. Nuestra mejor forma de combatir el drama consiste enreplegarlo a un pasado en el que ya ocurrió. Este peculiar engañocolectivo permite pensar que estamos más allá del apocalipsis:somos el resultado y no la causa de los males. Los signos de peligronos rodean pero no son para nosotros porque ya sobrevivimos demilagro. Imposible rastrear la radiación nuclear, el seísmo (sismo/terremoto) de diez grados o la epidemia que nos dejó así. Lo decisivoes que estamos del otro lado de la desgracia. Diferir la tragedia haciaun impreciso pasado es nuestra habitual terapia. De ahí la vitalidadde un sitio amenazado, que desafía a la razón y a la ecología.(VILLORO, 2002a, p. 4)
Essa ideia, como menciona Villoro na entrevista à Barrera Tyszka (2010), é
de que os mexicanos, principalmente da Cidade do México: “estamos más allá de la
tragedia, no somos la causa sino el resultado de una catástrofe, no es que estemos
viéndolo los signos de algo que va a venir, sino que ya somos nosotros el saldo del
que pasó” (VILLORO apud BARRERA TYSZKA, 2010).
Deste modo, o México apresentado desde as primeiras páginas de El testigo
quando da volta do protagonista parece o mesmo de sempre, uma vez que o
narrador expressa a sensação de nunca ter saído do país, pois tudo permanece da
mesma maneira, ou ainda pior. No campo, nota-se a acentuada desigualdade social,
a falta de água, de trabalho, de escolas e de perspectiva, impulsionando o êxodo
189
para outras cidades do país e para os Estados Unidos. O interior apresenta uma
imagem muito próxima à da capa de 2666 (2004) de Roberto Bolaño (anexo V),
numa visão sufocante, inóspita e quase sem vida, pois o que mais abundante
aparece por lá, além da poeira, são: “lagartijas, la plaga que prosperaba en todos los
rincones”. (VILLORO, 2004a, p. 414) Já na cidade, a visão do apocalipse se
concretiza através da violência sofrida por Valdivieso ao ser atacado, espancado e
roubado por um grupo de meninos de rua, numa região repleta de sujeira, mendigos,
vendedores ambulantes e cuspidores de fogo.
Valdivieso exerce nesse espaço, em meados dos anos 70, a função de
estagiário e, enquanto pensa na fuga com sua prima Nieves, tenta escrever uma
monografia capaz de fazer frente às expectativas de seus professores e amigos. É
nesse cenário, catalogando teses e dissertações, que acaba encontrando a tese de
um uruguaio (que no romance não tem nome), intitulada Máquinas solteras en la
poesía mexicana. La generación de Contemporáneos. Esse título é uma clara
homenagem de Villoro ao escritor catalão Enrique Vila-Matas, em referência a sua
obra Historia abreviada de la literatura portátil (1985), no qual, “máquinas solteiras”
são os artistas vanguardistas da década de 20.
Desde o título do primeiro capítulo, “Los guajolotes”, que remete à frase
emblemática com que se encerra o 2º Manifiesto Estridentista, de 1923, Villoro
menciona com frequência as vanguardas mexicanas dos anos 20 e 30:
Estridentistas versus Contemporáneos. Ao longo do romance, ele recupera também
outras vanguardas latino-americanas, como El techo de Ballena, Mandrágora e
Nadaísmo, através do personagem Ramón Centollo. É possível afirmar que com a
recuperação dessas vanguardas históricas e a figura de Ramón López Velarde,
poeta cuja obra, além de patriótica, aborda temas do interior camponês e da religião,
190
Villoro traz à discussão as gerações imediatamente posteriores ao processo
revolucionário, momento em que as estruturas do país, no que tange aos aspectos
econômicos, políticos, culturais e artísticos, estavam por ser construídas:
Se preguntó qué hubiera pasado con López Velarde en caso dellegar a la vejez. También él fue un católico maderista, un liberal,pero no vio el país roto; la revuelta revolucionaria «subvirtió» suprovinciano edén sin mancillarlo del todo. Compartía el afán decambio, la necesidad de aire fresco; al mismo tiempo, repudiaba labarbarie, la cuota de sangre de la Revolución, y estaba arraigado atradiciones a punto de desaparecer. Su alma dividida lo volvióatractivo para bandos irreconciliables. ¿Cómo hubieran coexistidoesas contradicciones en los años que no llegó a vivir? La preguntaera inútil y retórica, pero señalaba la trágica oportunidad de esamuerte. (VILLORO, 2004a, p. 235)
Essa tríade que converge na obra desse poeta de Zacatecas é explicada
assim no romance de Villoro:
El poeta expiró antes de que la realidad lo forzara a simplificar suespíritu escindido. En caso de buscar reducciones, Julio admitíamejor la idea de un colorista de las esencias nacionales que la de unbeato o un místico. Pero ¿cómo habría tomado López Velarde laguerra cristera, ese copioso derrame de «sangre devota», lospueblos arrasados, los graneros quemados, la tribu de David en sumartirio pueblerino, abandonada por todos los poderes? ¿De quémodo lo habría tocado esa gigantesca oración fúnebre? RamónLópez Velarde murió con su futuro intacto. Imposible saber cómo sehabría movido en el país despedazado que vino después. Lafractura, la vida rota había sido de sus lectores. (VILLORO, 2004a, p.236)
Não é por acaso que Villoro escolhe esse período, momento importante para
a reconstrução do país, com a criação de escolas, universidades e as bases de uma
nova Constituição, para cenário de El testigo.
O protagonista acaba guardando a tese na mochila e, depois de lida, percebe
o notável trabalho, decidindo plagiá-la. No entanto, nesse campus havia um
professor uruguaio, Claudio Gaetano que ministrava a disciplina de História.
191
Valdivieso o encontra por acaso, numa cena importante para compreender a
reflexão sobre a testemunha:
En una mesa vio a Claudio Gaetano, su profesor de historia. A pesarde haber sufrido cárcel y tortura en Uruguay, Gaetano era un hombrefuerte y optimista. […] Sí, conocía al tipo [o autor da tese], había sidosu alumno en Montevideo. Un fenómeno. Todos lo adoraban,principalmente las chicas. Los militares lo habían matado, hacía yaunos cuatro años. Gaetano habló con la sobriedad con la que serefería a los horrores que tanto conocía, sin alardes sentimentales nifrases vengativas. Su discreción y su reticencia hacían que suspalabras secas fueran más estremecedoras. En este caso, lo únicoque delataba un cambio de tono era la mano detenida en la raqueta.[…] Alguien —la madre, una novia, una mano devota— había queridoque esa voz tuviera un eco final, un exilio póstumo en el país al quesólo había viajado por sus letras. […]Julio vio el rostro de Gaetano,las canas ensortijadas en las sienes, su saludable piel de tenista, lasonrisa cómplice, el aplomo con que mostraba que el espanto sesupera. Enseñaba historia, con humor y datos precisos, convencidode que hay verdades mínimas y duraderas. En el suburbio libre yasociado de Iztapalapa los planes de estudio se improvisaban tantocomo los caminos de tierra para acceder a la universidad. (VILLORO,2004a, p. 71)
Nesse trecho, observa-se a fragilidade do lugar da testemunha, pois ir até o
final significa ser a verdadeira testemunha, e ser a verdadeira testemunha significa
não falar, ou seja, condenar o testemunho ao silêncio ou “permitir” que outros falem
em seu lugar, ou seja, desmonumentalizar:
El curso de Historia Contemporánea de Gaetano se cruzó en lacarrera de Letras Hispánicas de Julio. Julio adquirió ahí uninolvidable acervo circunstancial. Nunca sabría qué hacer con datoscomo el impuesto del azúcar o las cafeteras que cambiaron lahistoria, pero recordaría esa aula como se recuerda un dibujo queresume una moral. No sólo estuvo ante el perro agónico en Rectoría.También estuvo en un curso donde las pequeñeces, los objetossecundarios y laterales, se discutieron con la certeza de que esointegra un orden, el reverso de un tapiz. Sin aspavientos, del todoajeno a la grandilocuencia, Gaetano resistía. En la mesa, el profesorhabló con la voz serena con que demostraba la caída de un imperio através de la sorprendente combinación de muchas minucias. Alguienhabía muerto para que Julio viviera. (VILLORO, 2004a, p. 72)
Em meio a esse cenário complexo, encontra-se Gaetano, com sua postura
forte diante da barbárie. Essa figura, por si só, já estabelece a tensão entre
192
intelectual-testemunha, mas as virtudes do uruguaio morto, autor da tese,
contribuem ainda mais para essa significação:
El uruguayo había tenido dificultades para acceder al material. En unprólogo narrativo, quizá demasiado victimista, se quejaba de lo difícilque resultaba encontrar a los clásicos vivos del idioma. Montevideoera una metáfora de la incomunicación, una playa en un río sinorillas, una balsa loca, a la deriva. Sin embargo, a pesar de suslecturas insuficientes, arrinconadas, casi defensivas, el autortrabajaba con solvencia al «grupo sin grupo». Por momentosadjetivaba sin control, como si su prosa incluyera a un novelistasuprimido que se sublevaba en giros de irritación o hartazgo. Losmiembros de Contemporáneos eran bautizados con atributoshoméricos, como personajes de una gesta rabiosa. Uno aparecíacomo «el del hígado de lumbre», otro como «el sin cejas», otro máscomo «el que escribía con un solo ojo». Un afluente central de esageografía era Ramón López Velarde, a quien el uruguayo dedicabaun capítulo notable. Ahí estaba lo que Julio Valdivieso quería decir.Con modismos y arrebatos estilísticos ajenos a él, pero expresadocon una nitidez de la que se sabía incapaz. Al terminar la lectura sevio al espejo. Al filo de la barba —menos guevarista de lo queanhelaba— despuntaba un barro. Le pareció un símbolo de susdesvelos y lo oprimió hasta hacerse sangre. (VILLORO, 2004a, p.69)
Cabe destacar também que, como menciona Gaetano, seu ex-aluno uruguaio
morrera torturado pelos militares quatro anos antes, ou seja, antes do período da
ditadura no Uruguai (1973-1985). No entanto, em meados dos anos 60 e princípios
de 70, uma organização de guerrilha urbana, sob o título Movimiento de Liberación
Nacional – Tupamaros (MLN-T) havia surgido naquele país. Os Tupamaros, como
ficaram conhecidos, começaram com assaltos a banco e clubes de armas,
distribuindo comida e dinheiro roubados aos pobres de Montevidéu, envolvendo-se,
já nos anos finais de 60, com sequestros políticos. Com relação a sua forma de
organização, observa-se que:
era clandestina pero sus integrantes en su mayor parte eranpersonas legales. Ante el intenso accionar de la organización elgobierno, con el apoyo del Parlamento decretó el Estado de GuerraInterno. Junto con esta medida se unificaron las fuerzas represivas.La Policía, que era la que tenía a su cargo la represión, había sidodesbordada. Ahora con las fuerzas conjuntas (el Ejército, la Marina yla Fuerza Aérea) se integraban a la represión con amplios poderes.Se aplicó la tortura generalizada como medio de obtener información.
193
Hubo graves violaciones a los derechos humanos […]. Lacompartimentación debía mantener a la Organización dividida encompartimientos herméticos separados, de modo que si la represióndestruía una parte, las otras no quedaban afectadas. (MARENALES,1997, p.5)
Cabe destacar que esse grupo de guerrilha urbana, apesar de ter praticado
algumas ações violentas, não entrou para a história com esse estigma, fato que
ocorreu com o grupo armado ALN (Ação Libertadora Nacional), liderada pelo
político, guerrilheiro e poeta brasileiro Carlos Marighella, por suas ações contra a
ditadura militar no Brasil. Os Tupamaros, por outro lado, não defendiam o uso da
violência, mas foram desarticulados de forma violenta nos anos 70:
No hubo tiempo de desarrollar en la nueva militancia la actitud, quees lo esencial en la compartimentación, el no querer saber más de lonecesario para funcionar. Con la aplicación generalizada de latortura, la represión pudo lograr elementos informativos suficientescomo para desarticular al MLN. No fueron apresados todos losintegrantes y colaboradores pero sí una cantidad tal que el conjuntoperdió toda capacidad operativa. La mayor parte de los dirigentes delos distintos niveles fueron apresados o muertos, y se perdió lacapacidad de regeneración, pues acto seguido de la derrota seinstauró la dictadura militar, que barrió con el conjunto delmovimiento popular, partidos políticos de izquierda, sindicatos,etcétera. Muchos militantes y simpatizantes del MLN pudieron irse alexilio, contribuyeron de manera importante a la solidaridad, pero nolograron reorganizar al MLN. (MARENALES, 1997, p.6)
Logo após a desarticulação desse grupo, instalou-se a ditadura militar no
Uruguai. Foi um período, sangrento com prisões em massa e “desaparecimentos”,
com muitos guerrilheiros tendo sido presos ou mortos. Pode-se constatar que muitos
jovens haviam tido, através da guerrilha, uma participação efetiva nos confrontos
contra os militares.
Ao mencionar Che Guevara, um intelectual que, juntamente com Regis
Debray havia desenvolvido a teoria revolucionária conhecida como foquismo ou
guerra de guerrilla, Villoro traz à tona um tema que estava em discussão ao longo
dos anos 60 e 70, a possibilidade ou não de se fazer uma Revolução pacífica.
194
Certamente, o uruguaio havia marcado seu lugar de enunciação através da
tese engajada, com inclinações esquerdistas, e, por isso mesmo, havia sido morto.
Esse fato pode ser constatado na fala de Valdivieso: “Al terminar la lectura se vio al
espejo. Al filo de la barba —menos guevarista de lo que anhelaba” (VILLORO,
2004a, p. 69). Em outras palavra, pode-se concluir claramente que é uma tese de
esquerda.
É, portanto, a figura do uruguaio que permite estabelecer uma relação entre
ele, Valdivieso, Gaetano e os demais personagens do romance, que são, em sentido
gramsciano, intelectuais: “não só aquelas camadas comumente compreendidas
nesta denominação [os letrados ou elites políticas], mas, em geral, todo o estrato
social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da
produção, da cultura ou no aspecto político-administrativo” (GRAMSCI apud
MARTINS & NEVES, pp. 27 – 28), e não testemunhas, já que são produtores de
discurso e estão atrelados a uma institucionalidade ou grupo de poder. É nesse
sentido que o romance apresenta um questionamento a respeito das relações entre
os intelectuais e o poder, não explicitamente, ainda que esse fato seja apresentado
pela sua ausência - como já adverte de maneira velada a capa do romance (anexo
IV). Desta forma, acredita-se pelos diversos indícios levantados ao longo deste
trabalho que o título do romance possa ser O intelectual e que A testemunha
aparece em chave irônica.
A figura do uruguaio no romance coloca em xeque a posição da testemunha,
evidenciando que, por essa, via não se vai a lugar nenhum, pois chegar ao uruguaio
significa estar diante de uma parede branca, ou melhor, de um quadro negro. Ser
testemunha significa então convidar os outros a falarem, mas só se torna
195
testemunha total quando se é falado pelos outros, pois só é possível tornar-se
testemunha na fala dos outros.
A proposta de Villoro é que o intelectual marque seu lugar de enunciação,
como se observa nesse trecho de uma entrevista cedida a Leonardo Tarifeño
(2008). Nela, Villoro se aproxima de uma interrogação que circunda o romance, pois,
de todos os personagens destacados, desde o protagonista aos seus amigos da
antiga oficina literária, pode-se interrogar: quem pode ser a testemunha absoluta?
El "testigo absoluto", como dice Giorgio Agamben, es el que vive laexperiencia hasta el final. En muchos casos queda destruido por loque sucedió. […] ¿Hasta dónde podemos acercarnos a los hechos?La única forma de resolver el desafío es aclarar la perspectiva desdela que escribe. (VILLORO apud TARIFEÑO, 2008, p. 2)
Nesse contexto, encontram-se os personagens de El testigo, os quais, em
sua maioria, são, de alguma forma, produtores de discursos e ligados a um
importante círculo de poder, que os legitima ou procura legitimá-los. Configuram,
portanto, uma galeria de figuras, as quais têm em comum o fato de não postularem a
si próprios como intelectuais, e sim como testemunhas, algo em teoria mais modesto
e menos comprometido com o poder – entendido esse em sua acepção pejorativa. A
testemunha dispensa o debate, a reflexão, a análise crítica, pois basta ter “estado lá”
para que sua credibilidade seja certificada.
Roger Bartra, em um artigo intitulado “La sombra del futuro. Reflexiones sobre
la transición mexicana” (2009), com uma lúcida reflexão sobre o momento de
transição no México, trata das incongruências dos partidos políticos no país. Ele
ressalta que sua preocupação está baseada na reciclagem da velha cartografia, ou
seja, no reaproveitamento de antigos atores políticos, e destaca:
Se podría pensar que las diferencias ideológicas que separan a lospartidos, las fuerzas, los líderes y los intelectuales (grifo nosso)explican esta fragmentación. No es así. La lucha política democrática
196
suele oponer a grupos con visiones a veces muy contrapuestas y queofrecen soluciones divergentes ante los dilemas que se puedenubicar en un mismo mapamundi. (BARTRA, 2009, p. 4)
Diante da crise, mesmo depois de dez anos de alternância de partido, sabe-
se que o México não chegou à democracia com o PAN, pois há grupos que:
piensan que la democracia ya existía desde hace mucho tiempo,quienes creen que la democracia llegó a fines del siglo XX, quienescreen que la democracia todavía no llega y quienes simplemente nocreen en la democracia. Así, mientras unos creen en un ciertoretorno a un antiguo régimen que - dicen – no era tan malo, otrosquieren un ahora sí “verdadero” cambio revolucionario. (BARTRA,2009, p. 4)
Uma década se passou desde que o PAN venceu as eleições, e o que o
romance publicado em 2004 de certa maneira sugeria torna-se mais concreto a cada
dia. A situação política no fim da primeira década é ambígua e contraditória. A direita
panista, que esteve no poder durante os últimos anos, acredita que tomou o
caminho certo para a democratização e a globalização. Já a “esquerda”, pelo
contrário, assistiu à decadência ocasionada por pequenos grupos que estão no
poder, chamados por Bartra de “políticos corruptos y pseudoempresarios, que no
son más que traficantes de influencias” (BARTRA, 2009, p.3) e, apesar de ter
mantido, em alguns períodos uma ditadura, embora não explícita, por mais de
setenta anos, o PRI volta ao poder como “salvador da pátria”, defensor da
democracia e livre de qualquer corrupção.
No romance de Juan Villoro a exemplo da vida real, segundo a visão deste
escritor não parece que vai mudar nada, pelo contrário, a situação vai piorar, pois
no país, mesmo em pleno século XXI, há vestígios de fanatismo católico,
narcotráfico, uma sociedade de exclusão que atropela os direitos humanos e a
corrupção que assola importantes grupos de poder:
el clero apoya al PAN en Jalisco y recibe a cambio una limosnainmoderada; el sindicato de trabajadores de la educación (el másgrande de América Latina) ofrece más de un millón de votos a Felipe
197
Calderón y obtiene puestos en áreas de gobierno tan decisivas comola seguridad nacional. (VILLORO, 2008b, p. 2)
Percebe-se que, diante de todo esse processo de decomposição, é difícil
vislumbrar uma saída, como conclui Villoro em citação acima: “Este peculiar engaño
colectivo permite pensar que estamos más allá del apocalipsis: somos el resultado y
no la causa de los males” (VILLORO, 2002a, p.4).
Nesse contexto, observa-se que, novamente, os intelectuais são assalariados
do poder. No entanto, diante desse cenário, cabe ressaltar que Villoro, que foi adido
cultural na Embaixada do México em Berlim por apenas quatro anos, tornou-se autor
de livros infantis, romances e ensaios, professor universitário da UNAM e
colaborador em diversos órgãos da imprensa, como: Vuelta, Nexos, Proceso,
Cambio, La Reforma, Letras Libres, La Jornada, El País, entre outros, não se
acomoda. Como destaca o filósofo e escritor mexicano de origem italiana Alejandro
Rossi, amigo de Luis Villoro, que o conhece a infância:
Cuando nació Juan Villoro, en septiembre de 1956, yo estaba enSanta Margherita Ligure, en los finales de un verano muy confuso. Leenvié una tarjeta postal a su padre, mi amigo Luis, para felicitarlo yaugurarle que su hijo sería un teólogo protestante. Era una broma –en la que también había admiración y pánico ante ese destino -, unabroma que ahora llevaría demasiado tiempo para explicar.Obviamente me equivoqué. (ROSSI, 2011, p. 82)
Nesse mesmo artigo intitulado La casa gana (2011), Alejandro Rossi segue
comentando a admiração que tem por Juan Villoro, por ele não ter estacionado em
um emprego público:
Admiro la habilidad, mezcla de cortesía y tozudez, con que JuanVilloro ha esquivado las tentaciones usuales en la carrera de unescritor mexicano. Estuvo – observador fugaz – en la diplomacia (conél crucé el Check-Point Charlie) y ha huido de las varias burocraciasy sus servidumbres jerárquicas. Soy testigo de sus bostezosdisimulados cuando por un breve periodo trabajamos juntos en laoficina sin ventanas. Ha dado vueltas por la Academia, pero no se haestacionado en ningún cubículo. Me parece que ha hecho bien. Estoy
198
seguro de que las instituciones adormilan a un escritor. (ROSSI,2011, p. 84)
Nas últimas páginas do romance, o protagonista, com uma visão cada vez
menos equivocada dessa pátria assolada por: “una confederación de autoritarismos:
el viejo PRI, el PAN, los católicos recalcitrantes, el Opus, los narcos, los judiciales, la
televisión. Los une la sangre, el culto de la muerte” (VILLORO, 2004a, p. 401), se
depara com o arquivo de papéis da época de López Velarde, que Donasiano havia
conservado na fazenda por anos, em chamas. Nessa cena, Valdivieso parece se
desprender do passado e se exilia voluntariamente no deserto com uma mulher
indígena, Ignacia.
Essa mulher, extremamente pobre, pés descalços e com três filhos pequenos,
surge no caminho de Valdivieso enquanto este passeava pelo deserto na moto que
padre Monteverde deixara na fazenda. Uma figura desinteressada, forte e que,
apesar da miséria e da viuvez precoce, mantém-se com dignidade, parecendo uma
redenção para Valdivieso. Nas cenas finais do romance, é ela que preparará para
Julio um refresco cujo sabor o remeterá ao poema La suave patria de López
Velarde.
É possível perceber que como um momento de reconciliação do intelectual
com a terra, para encerrar o romance, Villoro utiliza a resposta dada por Octavio Paz
a Jorge Luis Borges, quando o escritor argentino menciona estar intrigado, desde a
juventude, pelo sabor de agua de chía, mencionada por López Velarde em La suave
patria:
Más cerca de la choza, oyó la voz de la mujer. Se detuvo unmomento en el quicio de la puerta. Uno de los niños estaba sentadoa la mesa de palo. Escribía en un papel roto, muy cerca de la hoja,como si tuviera mala vista. Ignacia le llevaba la mano. Julio se acercóy vio el esplendor elemental de la caligrafía. Letras redondas,cerradas, firmes. Una gota cayó sobre el papel. Julio estaba llorando.Ignacia sonrió, como si todo fuera normal, mientras él sentía sus
199
inconcebibles ropas mojadas, aferrado a una moneda vieja, ytambién sentía la mano que lo sacaba de ahí y lo ponía en la orilla,fuera del mundo, donde se oía el paso de una carretela, con unestudiante de Santo Tomás al que un perro ladraba sin motivo.—Hice agua de semillas —Ignacia le tendió un tarro.Julio bebió.—¿A qué sabe? —le preguntó ella.Julio cerró los ojos.Cuando los abrió, todo estaba un poco nublado. Sintió que salía delagua.Ignacia aguardaba su respuesta. Lo vio con intención de algo, comosi él fuera un problema y eso le gustara.—Sabe a tierra —dijo Julio. (VILLORO, 2004a, p. 470)
Como se observa nesse trecho, que o final do romance não é conclusivo,
pois, ao retomar a resposta dada por Octavio Paz a Borges, quando a moça
interiorana lhe oferece a “agua de chia”, parece que, como comenta Christopher
Domínguez Michael em seu artigo “La vitalidad histórica de los muertos mexicanos:
El testigo de Juan Villoro” (2011), Villoro não apenas sugere: “la apelación al volks, a
ese trago amargo de la madre tierra que permite al intelectual, en el infierno grande
y en el llano en llamas, la metáfora redentora de una vieja nación cuya salvaje
modernidad le duele y le repugna” (DOMÍNGUEZ MICHAEL, 2011, p. 194), já que
essa moça e esse espaço têm muito pouco a ver com o México rural de Juan Rulfo.
Na verdade, sugere bem mais a Santa Teresa das mulheres assassinadas em 2666
(2004), de Roberto Bolaño.
Acredita-se que Villoro, ao provocar essa tensão intelectual/terra, na verdade,
está propondo uma reflexão, na qual o intelectual é a vanguarda, e a terra, a
tradição. Essa não é uma alternativa, apenas uma possibilidade, pois o romance,
como já foi mencionado, não apresenta um final fechado, uma vez que aponta para
várias reflexões. Essa tensão intelectual/terra, que transparece com mais clareza, já
vinha sendo anunciada há vários capítulos e, principalmente, desde o título da última
parte do romance: Tierra adentro, cujo número do capítulo é trinta e três, em
referência a Ramón López Velarde, o poeta do interior.
200
Deste modo, o protagonista, personagem notadamente passivo, que se
caracteriza por não tomar partido na disputa a propósito de López Velarde, pois
“Julio comienza a despojarse del papel que le han impuesto y a escaparse de la
manipulación a la que los testigos suelen ser sujetos.” (ANDREWS, 2011, pp. 203-
204), ficou sem poder dar fé de nada, restando-lhe apenas mergulhar de novo na
história e na cultura do país.
Neste sentido, a construção do romance (que recorre a uma forma de
narração muito própria do século XIX), estabelece uma tensão complexa entre
testemunhas e intelectuais: o romance de Villoro estaria sugerindo que, nesse
México pós-2000, quando o advento do neoliberalismo teria esvaziado o
nacionalismo revolucionário, único capaz de certificar formas de práxis, não se
precisa de uma ação mais decidida do que as das simples testemunhas para
contestar o discurso e a história “oficiais”.
Após a imersão no clima de decepção do México pós-2000, Julio Valdivieso
foi testemunha. No entanto, não é capaz de formular qualquer tipo de síntese que
permita estabelecer alguma forma de práxis a esse vale-tudo, com esse presente de
miséria, corrupção, violência e degradação em que paira o poderoso espectro de
três figuras da hegemonia do México contemporâneo: Igreja, mídia e narcotráfico.
Enfim, é nesse sentido que El testigo estabelece os termos de uma produtiva
reflexão a respeito da tensão testemunha-intelectual num país que, segundo o
próprio Villoro, encontra-se no pós-apocalipse.
201
CONCLUSÃO
Mejor será no regresar al pueblo,al edén subvertido que se callaen la mutilación de la metralla.
Ramón López Velarde, El retorno maléfico.
Segundo Edward Said em Representações do intelectual: as Conferências
Reith de 1993 (2005), o intelectual sofre nos dias atuais uma ameaça específica,
decorrente do que ele denomina profissionalismo, ou seja, cumprir horários, ter um
comportamento apropriado, não sair dos paradigmas ou dos limites aceitos,
“tornando-se, assim comercializável e, acima de tudo, apresentável e, portanto, não
controverso, apolítico e “objetivo”. (SAID, 2005, p. 78) Dentro desse contexto, o
intelectual sofre várias pressões, dentre as quais destaca que: “A especialização é a
primeira dessas pressões”. (SAID, 2005, p. 80) Neste estudo literário, tocou-nos
perceber que:
Ser um especialista em literatura significa com demasiadafrequência, excluir a História, ou a música, ou a política. No final,como um intelectual totalmente especializado em literatura, você ficadomesticado e aceita qualquer coisa que os chamados grandesespecialistas nesse campo pontificam. (SAID, 2005, p. 81)
Observa-se nesse trecho que o autor questiona o crescimento do formalismo
técnico e a diminuição da compreensão histórica concretizada na composição da
obra literária. Logo, parece que a figura do intelectual tradicional sai de cena, pondo
em evidência a era dos especialistas. Ou seja, o especialista do saber prático
dividido entre o pesquisador e o servidor da hegemonia. Figura que, como menciona
Sartre, “é um universalista na técnica e um particularista na submissão à ideologia
dominante” (SARTRE, 1994, p.7).
É importante salientar que, à medida que as especializações avançam, surge
uma espécie de encurtamento do espaço público, o qual sempre foi tribuna dos
202
intelectuais. As especializações começam a cercear a liberdade e a provocar uma
radicalização de desencantamento, principalmente entre os profissionais da
educação, através de práticas novas e controle ao acesso de novos saberes. Nesse
processo, no qual caminham as especializações, Francisco Oliveira (2001) afirma
que:
Desse desencantamento, dessa constituição de práticas que sãosaberes e são também poderes, o conhecimento transforma-se emalgo que passa a ser capaz de moldar a própria reprodução dasociedade, que passa a ser moldada cada vez mais pelo acúmulo epela radicalização das especializações. É nesse momento, fatal naaventura do conhecimento, que o conhecimento vai se tornar umamercadoria. Este é o seu “calcanhar de Aquiles”. No momento emque as especializações passam a ser um diálogo circunscrito aosespecialistas, no momento em que elas começam a moldar o própriocomportamento da Humanidade, o conhecimento deu um passodecisivo e transformou-se em mercadoria. [...] Nesse caminho, ocapital apossou-se do conhecimento. Não do conhecimento para aliberdade, mas do conhecimento como mercadoria, do conhecimentocomo molde de produção da sociedade, do conhecimento comocontrole do acesso aos saberes e poderes. (OLIVEIRA, 2001, p.128)
Nesse fragmento, percebe-se que, quando o capital se apossa do
conhecimento, transforma-o em mercadoria. Esse processo passa a ser molde e
controle do acesso aos saberes e poderes, provocando uma perda da radicalidade
do conhecimento, ou seja, transformando conhecimento em informação. Pode-se
observar que esse processo ocorre também com os personagens de El testigo, pois,
ao se investir na canonização de López Velarde e na produção de uma telenovela
sobre a Guerra Cristera, torna-se evidente que não houve o objetivo de estimular o
debate ou divulgar fatos de uma parte importante da história do país, mas, única e
exclusivamente, promover entretenimento. É notória, então, a utilização dos
intelectuais do romance sendo colocados como especialistas, comunicadores,
203
mediadores ou culture broker31 a serviço dos poderes da mídia, da Igreja e do
narcotráfico.
No entanto, cumpre observar que a passagem da figura tradicional do
intelectual, com compromisso histórico com a “verdade” (reminiscências com o caso
Dreyfuss), defensor de valores universais, tais como justiça, liberdade e democracia,
para o intelectual especialista, visto não possuir o brilho dos generalistas do
passado, ocorreu aproximadamente a partir da década de 1960. Fatos marcantes
devem ser considerados, pois contribuíram para essa metamorfose. Destaque-se,
neste caso, a experiência, na França, durante o Maio de 68, e os diversos
movimentos estudantis ocorridos em diversos países do mundo. A partir desses
acontecimentos, os intelectuais desse período começaram a ser criticados, uma vez
que passaram a ser vistos como utópicos, universalizantes e engajados.
É preciso relembrar que intelectuais são todos aqueles que possuem uma
função político-social como: os administradores, os clérigos, os advogados, os
professores, entre outros. (GRAMSCI, 1982, p.7) No entanto, é preciso destacar as
atualizações mais recentes dessa discussão a partir de Edward Said e Francisco
Oliveira, observando que Said mantém a tese da necessidade do papel público do
intelectual como um outsider e um perturbador do status quo. (SAID, 2005, p. 10) É,
portanto, a partir dessas coordenadas que estivemos discutindo El testigo.
Desde o início, propôs-se apresentar a tensão intelectual-testemunha
presente na obra de Villoro. Para tal, procurou-se localizar El testigo no contexto
31 Culture broker é definido como ato de ponte, ligação ou mediação entre grupos ou pessoas dediferentes origens culturais com o objetivo de reduzir o conflito ou produzir mudança, ou seja, oculture broker atua como um intermediário, aquele que defende ou intervém em nome de outroindivíduo ou de um grupo. (JEZEWSKI & SOTNIK, 2001, p. 21, tradução nossa)
204
literário mexicano, traçando um paralelo entre esse romance e os diversos autores e
obras mexicanas a partir da segunda metade do século XX. Nesse período, ocorreu
o nascimento do protagonista, Julio Valdivieso e do autor do romance. Mas é
também um momento histórico de transformação do pensamento e de nascimento
da chamada “filosofia do mexicano”, ou seja, uma filosofia, protagonizada pelo grupo
Hiperión, composto entre outros por José Gaos, Luis Villoro e Leopoldo Zea, cuja
premissa é de que a existência e o crescimento do povo mexicano somente era
possível a partir de uma identidade psicológica comum. É importante salientar que
Villoro, em diversas, obras ironiza esse período e confessa ter sido exatamente
contra esse momento histórico que ele se havia rebelado.
Nesse contexto, através da análise crítica de El testigo e de diversos trechos
relevantes da narrativa do autor do romance, tentou-se demonstrar como se constitui
sua forma literária e como ele dialoga com diversos autores e obras, principalmente
a partir da década de 1950. Como se pôde notar, Juan Villoro que é filho de um dos
mais relevantes filósofos mexicanos, Luis Villoro, leu e ainda lê com muito respeito a
tradição literária de seu país, tendo sido capaz de, aproveitando-se da tradição
romanesca do século XIX, construir um romance no início do século XXI,
publicando-o em 2004.
É importante ressaltar que se inicialmente procurou-se centralizar a discussão
a partir do meio do século, mais adiante a opção foi retroceder para compreender a
tensão abordada por Villoro ao longo do romance entre os intelectuais e o poder no
período pós-PRI. Como se pôde observar a partir de uma breve análise do período
conhecido como porfiriato, os intelectuais mantinham uma estreita relação com o
poder estatal. Mas não se trata de um fato isolado, pois, nos períodos seguintes,
com o Ateneo de la Juventud, os Siete Sabios, os Contemporáneos, os
205
Estridentistas, as gerações do Medio del Siglo e o grupo Hiperión, muitos
intelectuais continuaram sendo assalariados do governo, cenário que se prolongou,
chegando até os dias atuais.
Essa íntima relação entre os intelectuais e o poder, como sugere o romance,
não é recente. Isso fica claro ao mencionar Ramón López Velarde e o grupo
estético-literário os Contemporáneos, já que muitos dos seus integrantes mantinham
vínculos empregatícios no governo após a Revolução Mexicana. Em El testigo,
personagens como o padre Monteverde e Donasiano levantam dúvidas quanto ao
engajamento e a participação política de López Velarde naquele momento histórico.
É, portanto, nesse novo período de indefinição política, os anos de 2000, que
“bandos irreconciliáveis” (VILLORO, 2004a, p. 235) tentam aproveitar essa suposta
dúvida para propor uma canonização.
A imagem do poeta Ramón López Velarde dentro do romance é disputada
pela mídia, pela Igreja e o pelo narcotráfico, com a finalidade de torná-lo o
representante da história oficial. Os personagens questionam até que ponto López
Velarde, exatamente por ter falecido ainda muito jovem, não quis se posicionar
politicamente ou não teve tempo para isso. No entanto, não se deve desconsiderar
que o poeta zacatecano explicita seu posicionamento maderista e católico em
oposição a ditadura de Porfirio Díaz. Como norteño e pertencente, a classe média
ilustrada e castigada pelas políticas porfiristas, se posiciona ainda que com cautela,
através de suas poesias e ensaios. Em 20 de novembro de 1909 publica em El
Observador, com tom bastante humorístico um artigo que relata a presença do
jornalista James Creelman32 no México: “El ilustrísimo yankee, el primo de las
32 James Creelman, jornalista americano que entrevistou Porfirio Díaz em 1908, e cujos testemunhosforam publicados na revista “Pearson’s Magazine” e que são considerados como um acontecimentoimportante, já que o então presidente declarava a posibilidade de abandonar o poder e permitir a
206
confianzas presidenciales, el periodista gringo que hace dos años abandonó las
babilónicas ciudades de Tío Sam [...] ¡Bienvenido sea el primo que, con su anterior
plática con el ciudadano Presidente, tuvo la fortuna de hacer que cayeran en el
garlito de las promesas democráticas buen número de nuestros políticos! (LÓPEZ
VELARDE apud SHERIDAN, 2010, p. 5). Como se pode notar ele testemunha as
mudanças estéticas, políticas e culturais ocorridas num tempo de extrema violência.
Pode-se inferir que, num século XX compreendido como traumático, com
inúmeras guerras, genocídios e regimes ditatoriais, a figura da testemunha ganha
expressão e ocupa a tribuna de discussões. A relevância dessa figura não é
somente apreciada na América Latina, mas também na Europa e nos Estados
Unidos.
Na atualidade, o que se traz para discussão decorre, principalmente, pela
importância da testemunha quando se pretende repensar a história. No entanto, não
é preciso passar por uma catástrofe, ter visto ou vivido o horror para poder
testemunhar. Afinal, alguém ser a testemunha radical significa ir até a conclusão de
um evento o que, na maioria das vezes, justamente em consequência disso, levará
essa pessoa a não poder testemunhar.
Villoro aborda dois períodos históricos importantes: o começo e o fim do
governo do PRI, para trazer à tona a tensão intelectual-testemunha, através de
Ramón López Velarde e Julio Valdivieso. Embora o romance não toque
explicitamente na figura do intelectual, de alguma maneira questiona sua posição, no
cenário político, econômico, cultural e religioso, pois, todos os personagens
formação de novos partidos políticos; fato que não aconteceu e esta entrevista foi considerada umdos detonantes da Revolução Mexicana. (DISCUTAMOS MÉXICO, 2010, Programa 31)
207
convocados a testemunhar e os que convocam são intelectuais, ligados a um
importante círculo de poder.
Acreditamos que a tensão intelectual-testemunha presente no romance se
torna mais evidente através do personagem uruguaio do qual Valdivieso roubou a
tese. Esse personagem, que não tem nome, torna-se fundamental, pois ele morre na
década de 1970, momento que, em teoria, o intelectual tradicional acreditava poder
mudar o mundo. Essa figura sai de cena, abrindo espaço para Valdivieso, o
intelectual especialista. Esse professor da Universidade de Nanterre (não por acaso
a universidade onde desencadeou o maio francês) deixa o país nessa década para
estudar na Europa.
Cabe salientar, no entanto, que a transformação exigida pela sociedade na
década de 1970 se arrasta num processo lento e contínuo. No que tange à questão,
Villoro faz uma pertinente reflexão sobre o país desde 1970 até o ano de 2000,
comentando em seu artigo Carnaval y apocalipsis (2010) que:
Si alguien resucitara hoy en Alemania, Irak, China o Chile despuésde pasar treinta años en coma se sentiría como un extraterrestre. Lahistoria y sus efectos especiales han convertido esas locaciones enalgo muy distinto de lo que eran hace tiempo: planetas singulares. Encambio, si el paciente volviera en sí en México, se sentiría como unzombi al que le bastan dos tequilas para adaptarse y un tercero paradesear volver al coma. […] Los treinta años que van de 1970 a 2000representaron la restauración crónica de lo mismo, una transición encámara lenta, un capitalismo que se reiteraba con cambianteaspecto. Un baile de disfraces e ideologías. El nacionalismo, la librecompetencia, el estatismo y aun el liberalismo social tuvieron suoportunidad en esa mascarada. El resultado fue un país estable en ladesigualdad, que se ahorró los efectos de una dictadura al elevadoprecio de carecer de una democracia auténtica. (VILLORO, 2010,p.25)
A reflexão realizada pelo autor de El testigo nesse trecho sobre as últimas
décadas no México, nos remete à cena na UAM de Iztapalapa, descrita pelo
narrador no dia que Valdivieso encontra a tese do personagem uruguaio,
208
explicitando a miséria, a falta de saneamento básico e asfaltamento no entorno da
universidade, destacando que ali, naquele ambiente de doença, cachorros leprosos,
lixão e um presídio de mulheres, havia leis próprias, ou seja, leis arbitrárias num
território sem lei.
Cabe ressaltar que vinte e quatro anos depois de ter deixado o pais, o
protagonista se encontra em um cenário semelhante ao descrito no parágrafo
anterior, mas que internamente, no romance, é ainda pior, pois, se no passado havia
miséria, doença e abandono do poder público nos bairros mais afastados,
acrescente-se também a violência. Valdivieso, após ser torturado por policiais, é
deixado num terreno baldio. Ali, já machucado e indefeso, é atacado por uma
dezena de meninos de rua, que o espancam e roubam até suas roupas.
É importante relembrar a estrutura política, social, econômica e cultural do
México na década de 1970. O Estado ainda preservava seu caráter laico, ou seja,
mantinha uma escola livre da interferência religiosa, com a proibição de cultos fora
da Igreja e a restrição dos direitos de propriedade das diversas organizações ligadas
a esse tipo de atividade. Tal fato, entretanto, modificou-se com a chegada do PAN
ao poder. Já o narcotráfico era composto por poucos grupos, e a investida mais
agressiva contra esse setor ocorreu em 1977 com a Operação Condor. Vale
destacar também que os dois maiores cartéis de drogas mexicanos na atualidade:
Cartel de Sinaloa e Cartel de los Zetas foram criados no final da década de 1980 e
1990, respectivamente. Em relação à mídia, é possível afirmar que mantém relativa
independência, embora a Televisa detenha o poder de grande parte dos canais de
televisão no país.
No momento em que o protagonista Valdivieso foi espancado pela polícia e
por meninos de rua, Galluzzo e Vikingo foram assassinados pelos narcotraficantes,
209
demonstrando uma crítica muito clara ao México, exatamente por, de uma forma ou
de outra, aceitar a intervenção violenta desses grupos. Villoro narra uma
intelectualidade, por um lado, vinculada ao narcotráfico, mas, por outro, uma classe
intelectual que ainda não tinha consciência dessa questão, não dando a devida
atenção a ela. Afinal, os assassinados eram “eles”.
Nesse sentido, o cenário de violência traçado por Villoro no romance é uma
realidade que aparece diariamente nos jornais mexicanos. No entanto, nas últimas
décadas, é visível que não apenas os bairros mais afastados e pobres das grandes
cidades do México sofrem com esse clima de violência criado pelo narcotráfico. Esse
fato já havia sido apontado por Villoro em seu artigo “La alfombra roja del terror”
narco (2008b):
Cada mañana los periódicos publican un rojo marcador: los 12decapitados de ayer en Yucatán son relevados por los 24 ejecutadosde hoy en el parque nacional de La Marquesa. Sin embargo, elinstinto de supervivencia ha llevado a aislar mentalmente las zonasde violencia. Mientras los que se aniquilen sean “ellos”, estaremos asalvo. (VILLORO, 2008b, p. 5)
No contexto atual, certamente fatos recentes mudaram a opinião de muitos,
pois agora os que são aniquilados não são somente “eles”, o crime também afeta a
classe intelectual. No final de março de 2011, o filho do escritor Javier Sicilia foi
assassinado, fato que mobilizou diversas camadas da sociedade, como relata Ada
Castells (2011):
Antes ha habido otras muchas muertes injustas, igualmente injustas,pero el hecho de que ahora el crimen del narco haya recaído sobreun joven de clase intelectual, en una zona teóricamente segura, hadespertado la sensibilidad de los que todavía podían permitirse el lujode mirar la violencia desde la ventana, que no era el caso de Sicilia.A las marchas masivas, en Ciudad de México y en los otros lugaresdel país, van desde el campesino más analfabeto hasta el catedráticode la UNAM. (CASTELLS, 2011, p. 16)
210
Como se observa no trecho da reportagem dessa jornalista espanhola, nos
últimos anos, não somente alguns intelectuais dispersos se posicionam contra o
narcotráfico. Atualmente, diversas classes, seja na capital ou no interior do país,
colocam-se contra a violência provocada por esses grupos. Deste modo, o romance
apresenta as aflições contemporâneas do cético e nostálgico intelectual mexicano
Julio Valdivieso no centro de uma narração, que não apenas concilia tempos
diferentes, mas narra também as aflições dos intelectuais atuais, que se encontram
na paisagem desoladora de um México mergulhado num sistema parlamentar
corrupto, desde suas estruturas, com partidos políticos marcados por escândalos, na
vídeo-democracia comandada por importantes consórcios comunicativos, na
injustiça social, na crescente fuga para os Estados Unidos em busca de sustento, na
participação do Estado através de um enorme sistema de bolsas, apoios e cargos
diversos, na violência promovida pelo narcotráfico e na iminência da impunidade.
Como declara Villoro: “¡Bienvenidos a la década del caos! A ocho años de la
alternancia democrática, México es un país de sangre y plomo”. (VILLORO, 2008b,
p.2)
El testigo é um romance sombrio e detalhado, que contribui para o
desenvolvimento de uma discussão crítica sobre a posição da literatura diante dos
problemas do México contemporâneo. Com essa obra, Villoro nos aproxima do
presente como um problema teórico-literário, ou seja, no momento em que ele
descreve a situação atual, procurando demonstrar e criticar sua validade, o leitor
está sendo levado a uma reflexão sobre o processo histórico.
A releitura em chave irônica de López Velarde proposta por Villoro deve ser
entendida como um projeto que analisa a condição nacional do poeta, não
raramente, poupando-o de uma interpretação crítica. A suposta dúvida levantada
211
pelos personagens do romance a respeito do posicionamento crítico ou não do
poeta é respondida no próprio romance de Villoro, através do poema El retorno
maléfico, que percorre toda a obra. Ao analisar a primeira estrofe “Mejor será no
regresar al pueblo/al edén subvertido que se calla/en la mutilación de la metralla” e o
último verso: “… Y una íntima tristeza reaccionaria” (LÓPEZ VELARDE, 1998, p.
153), percebe-se que o poeta temia voltar para sua cidade natal em meio à
Revolução Mexicana, como menciona Gabriel Zaid: “Se fue soñando en mejorar las
cosas, y ahora teme regresar al pueblo, el edén subvertido que se calla en la
mutilación de la metralla”. (ZAID, 1998, p.784) Já no último verso, com um adjetivo
político, López Velarde demonstra sua ironia ao utilizar uma palavra cujo mérito não
é somente literário. Villoro, em El testigo ironiza a interpretação inocente de que um
artista da palavra colocaria um adjetivo como este sem um objetivo específico. No
entanto, não significa dizer que esse poema possa induzir ao entendimento de que o
passado havia sido melhor, mas é possível observar o pensamento de alguém que
havia acreditado no futuro, mas enfrenta o presente que acabara de chegar.
Ao propor a canonização do poeta, o romance demonstra como os diversos
grupos que disputam a representação de Ramón López Velarde somente escolhem
uma via. Não importa se esta via é política, literária, social ou religiosa. Certamente
não é crítica. Os personagens, então, escolhem a mais adaptável ao seu projeto de
interpretação.
Num final aberto e com diversas dimensões, encontramos o intelectual Julio
Valdivieso, fechando o romance sem mais protagonismo que os personagens
secundários. Ele havia sido convocado a testemunhar por ser um perito, um
especialista, mas, ao contrário do que se poderia deduzir, ele não conseguia dar fé
de nada.
212
Os personagens mais destacados de El testigo não apresentam
características de heróis ou vilões. São figuras complexas, que vão desde poetas
errantes como Ramón Centollo a Cultural Broker como Félix Rovirosa e Juan Ruiz.
Seja o fraudulento professor Julio Valdivieso, ou ilustrado padre Monteverde, ou
Donasiano, o historiador que apenas junta papéis sem muita análise, ou Constantino
Portella, o escritor de narcorromance, não importa, são intelectuais, todos sem
qualquer tipo de posicionamento crítico em relação ao poder. Na verdade, eles
funcionam mais como cúmplices dos diversos grupos que, de um modo ou de outro,
controlam o país em diversos aspectos; entretanto, postulam-se a si próprios como
testemunhas.
Um personagem central para a discussão do romance é o uruguaio que havia
morrido torturado durante a ditadura naquele país, pois é através dele que se dá a
tensão intelectual-testemunha. Ser uma testemunha radical significa ir até o final de
um evento, e ir até o final, na maioria das vezes, conforme citado anteriormente, é
não poder falar. Por outro lado, intelectual é aquele que pensa ativamente, imagina,
renova, propõe que as coisas sejam vistas por outro ângulo ou perspectiva e
contribui para legitimar ou deslegitimar certas práticas, categorias e instituições.
Deste modo, o personagem uruguaio que havia escrito a tese que permitiu a
Valdivieso o acesso a uma vida fora do país, é, certamente, intelectual e
testemunha.
Pode-se afirmar que Villoro é um intelectual que dedica uma parte importante
de sua atividade vital ao estudo e à reflexão crítica sobre a realidade, principalmente
do México, seja desde sua perspectiva histórica, literária ou cultural. Esse romance,
que apresenta intelectuais com pouca ou nenhuma consciência crítica, convoca
todos para assumirem que são intelectuais, que escrevem dentro de uma tradição e
213
que a “matéria-prima, a literatura, está inevitavelmente interligada à vida política e
às vertentes da história.” (VALENTE, 2007, p.43)
No contexto atual mexicano, pode-se inferir através do romance, que, para
Villoro, o intelectual público não saiu de cena. Na verdade, houve um
reposicionamento dessa figura, que se tornou mais midiático. Como ele já havia
declarado numa entrevista com Jorge Volpi: em seu país, os intelectuais ainda são
porta-vozes, funcionam como uma espécie de guru acidental e intérprete do real. Os
intelectuais mexicanos, frequentemente, explicitam suas percepções não somente
sobre temas literários e cultuais, mas, certamente, percebem, avaliam e fazem
projeções sobre assuntos políticos, econômicos e sociais.
Cabe ressaltar, no entanto, que esta é uma situação complexa, pois, por um
lado, os intelectuais criticam alguns posicionamentos do poder estatal, mas, por
outro, acabam se beneficiando de um amplo sistema de bolsas e colocações junto
ao poder.
Em tempos mais recentes alguns intelectuais públicos mexicanos têm lugar
de destaque, entre eles figuram: Carlos Fuentes, Carlos Monsiváis, Margo Glantz,
Enrique Krauze, Elena Poniatowska, Roger Bartra, Jorge Volpi, Juan Villoro e outros
que se posicionam criticamente diante do poder. Vale destacar, no entanto, que, se
por um curto espaço de tempo, alguns intelectuais públicos ocuparam cargos no
governo, esse vínculo não foi impedimento para que se colocassem criticamente.
Certamente, o que eles dizem vale a pena ser escutado e, por tal motivo, são
lembrados por suas obras, crônicas, ensaios, palestras e entrevistas.
Os personagens de El testigo são exemplos dessa complicada relação entre
os intelectuais e o poder. Como menciona um personagem do romance 2666 (2004)
de Roberto Bolaño que, os intelectuais latino-americanos estão preocupados
214
basicamente em sobreviver. Certamente não é um problema de má fé, trata-se
somente de um emprego, ou seja, uma questão de subsistência.
El testigo é, em si, um diálogo constante entre literatura e história, literatura e
política, literatura e poder no México contemporâneo. Essa obra, de maneira
indireta, faz uma crítica aos intelectuais mexicanos, utilizando personagens que
inicialmente se colocam como testemunhas para demonstrar que eles são, na
verdade, intelectuais. Nesse cenário, Villoro, com muita sutileza, evidencia que, no
México atual, ainda se espera que eles assumam uma posição crítica, que
explicitem suas posições e que ressaltem que escrevem dentro de uma tradição. É
por tal motivo que Villoro encerra o romance com uma reflexão de reconciliação
entre o intelectual e a terra, no qual o intelectual é a vanguarda, e a terra, a tradição.
Nessa suave pátria da doce água de chia, a renovação da essência literária se dá
através do menino, filho de Ignacia, fazendo uma bela letra em um pedaço de papel
e demonstrando o início de um novo ciclo.
Villoro, um paisajista desse mundo romanesco pós-apocalíptico constituído
por uma geografia insólita, quase irreal, no qual passado e presente se entrelaçam,
enquanto a literatura e a história se complementam. Nesse cenário, El testigo,
certamente contribui para o desenvolvimento de uma discussão crítica sobre o papel
da literatura no contexto mexicano atual através da reflexão sobre intelectuais e
testemunhas.
215
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236
ANEXO I
LA SUAVE PATRIA
PROEMIO
Yo que sólo canté de la exquisitapartitura del íntimo decoro,alzo hoy la voz a la mitad del foroa la manera del tenor que imitala gutural modulación del bajopara cortar a la epopeya un gajo.
Navegaré por las olas civilescon remos que no pesan, porque vancomo los brazos del correo chuanque remaba la Mancha con fusiles.
Diré con una épica sordina:la Patria es impecable y diamantina.
Suave Patria: permite que te envuelvaen la más honda música de selvacon que me modelaste por enteroal golpe cadencioso de las hachas,entre risas y gritos de muchachasy pájaros de oficio carpintero.
PRIMER ACTO
Patria: tu superficie es el maíz,tus minas el palacio del Rey de Oros,y tu cielo, las garzas en deslizy el relámpago verde de los loros.
El Niño Dios te escrituró un establoy los veneros del petróleo el diablo.
Sobre tu Capital, cada hora vuelaojerosa y pintada, en carretela;y en tu provincia, del reloj en velaque rondan los palomos colipavos,las campanadas caen como centavos.
Patria: tu mutilado territoriose viste de percal y de abalorio.
Suave Patria: tu casa todavíaes tan grande, que el tren va por la vía
237
como aguinaldo de juguetería.
Y en el barullo de las estaciones,con tu mirada de mestiza, ponesla inmensidad sobre los corazones.
¿Quién, en la noche que asusta a la rana,no miró, antes de saber del vicio,del brazo de su novia, la galanapólvora de los juegos de artificio?
Suave Patria: en tu tórrido festínluces policromías de delfín,y con tu pelo rubio se desposael alma, equilibrista chuparrosa,y a tus dos trenzas de tabaco sabeofrendar aguamiel toda mi briosaraza de bailadores de jarabe.
Tu barro suena a plata, y en tu puñosu sonora miseria es alcancía;y por las madrugadas del terruño,en calles como espejos se vacíael santo olor de la panadería.
Cuando nacemos, nos regalas notas,después, un paraíso de compotas,y luego te regalas toda enterasuave Patria, alacena y pajarera.
Al triste y al feliz dices que sí,que en tu lengua de amor prueben de tila picadura del ajonjolí.
¡Y tu cielo nupcial, que cuando truenade deleites frenéticos nos llena!
Trueno de nuestras nubes, que nos bañade locura, enloquece a la montaña,requiebra a la mujer, sana al lunático,incorpora a los muertos, pide el Viático,y al fin derrumba las madereríasde Dios, sobre las tierras labrantías.
Trueno del temporal: oigo en tus quejascrujir los esqueletos en parejas,oigo lo que se fue, lo que aún no tocoy la hora actual con su vientre de coco.Y oigo en el brinco de tu ida y venida,
238
oh trueno, la ruleta de mi vida.
INTERMEDIO
(Cuauhtémoc)
Joven abuelo: escúchame loarte,único héroe a la altura del arte.
Anacrónicamente, absurdamente,a tu nopal inclínase el rosal;al idioma del blanco, tú lo imantasy es surtidor de católica fuenteque de responsos llena el victorialzócalo de cenizas de tus plantas.
No como a César el rubor patriciote cubre el rostro en medio del suplicio;tu cabeza desnuda se nos queda,hemisféricamente de moneda.
Moneda espiritual en que se fraguatodo lo que sufriste: la piraguaprisionera , al azoro de tus crías,el sollozar de tus mitologías,la Malinche, los ídolos a nado,y por encima, haberte desatadodel pecho curvo de la emperatrizcomo del pecho de una codorniz.
SEGUNDO ACTO
Suave Patria: tú vales por el ríode las virtudes de tu mujerío.Tus hijas atraviesan como hadas,o destilando un invisible alcohol,vestidas con las redes de tu sol,cruzan como botellas alambradas.
Suave Patria: te amo no cual mito,sino por tu verdad de pan bendito;como a niña que asoma por la rejacon la blusa corrida hasta la orejay la falda bajada hasta el huesito.
Inaccesible al deshonor, floreces;creeré en ti, mientras una mejicanaen su tápalo lleve los dobleces
239
de la tienda, a las seis de la mañana,y al estrenar su lujo, quede llenoel país, del aroma del estreno.
Como la sota moza, Patria mía,en piso de metal, vives al día,de milagros, como la lotería.
Tu imagen, el Palacio Nacional,con tu misma grandeza y con tu igualestatura de niño y de dedal.
Te dará, frente al hambre y al obús,un higo San Felipe de Jesús.
Suave Patria, vendedora de chía:quiero raptarte en la cuaresma opaca,sobre un garañón, y con matraca,y entre los tiros de la policía.
Tus entrañas no niegan un asilopara el ave que el párvulo sepultaen una caja de carretes de hilo,y nuestra juventud, llorando, ocultadentro de ti el cadáver hecho pomade aves que hablan nuestro mismo idioma.
Si me ahogo en tus julios, a mí bajadesde el vergel de tu peinado densofrescura de rebozo y de tinaja,y si tirito, dejas que me arropeen tu respiración azul de inciensoy en tus carnosos labios de rompope.
Por tu balcón de palmas bendecidasel Domingo de Ramos, yo desfilolleno de sombra, porque tú trepidas.
Quieren morir tu ánima y tu estilo,cual muriéndose van las cantadorasque en las ferias, con el bravío pechoempitonando la camisa, han hechola lujuria y el ritmo de las horas.
Patria, te doy de tu dicha la clave:sé siempre igual, fiel a tu espejo diario;cincuenta veces es igual el AVEtaladrada en el hilo del rosario,y es más feliz que tú, Patria suave.
240
Sé igual y fiel; pupilas de abandono;sedienta voz, la trigarante fajaen tus pechugas al vapor; y un tronoa la intemperie, cual una sonaja:la carretera alegórica de paja.
24 abril de1921
Ramón López Velarde
Notas de edición José Luis Martínez: Creación en El Maestro,Revista de Cultural Nacional, México, nº III, 1º de junio de 1921
241
ANEXO II
EL RETORNO MALÉFICO
Mejor será no regresar al pueblo,al edén subvertido que se callaen la mutilación de la metralla.
Hasta los fresnos mancos,los dignatarios de cúpula oronda,han de rodar las quejas de la torreacribillada en los vientos de fronda.
Y la fusilería grabó en la calde todas las paredesde la aldea espectral,negros y aciagos mapas,porque en ellos leyese el hijo pródigoal volver a su umbralen un anochecer de maleficio,ala luz de petróleo de una mechasu esperanza deshecha.
Cuando la tosca llave enmohecidatuerza la chirriante cerraduraen la añeja clausuradel zaguán, los dos púdicosmedallones de yeso,entonando los párpados narcóticos,se mirarán y se dirán: ``¿Qué es eso?´´
Y yo entraré con los pies advenedizoshasta el patio agoreroen que hay un brocal ensimismado,con un cubo de cuerogoteando su gota categóricacomo un estribo plañidero.Si el sol inexorable, alegre y tónico,hace hervir a las fuentes catecúmenasen que bañábase mi sueño crónico;si se afana la hormiga;si en los techos resuena y se fatigade los buches de tórtola el reclamoque entre las telarañas zumba y zumba;mi sed de amar será como una argolla;empotrada en la losa de una tumba.
Las golondrinas nuevas, renovando
242
con sus noveles picos alfareroslos nidos tempraneros;bajo el ópalo insignede los atardeceres monacales,el lloro de recientes recentalespor la ubérrima urbe prohibidade la vaca, rumiante y faraónica,que el párvulo intimida;campanario de timbre novedoso;remozados altares;el amor amorosode las parejas pares;noviazgos de muchachasfrescas y humildes, como humildes coles,y que la mano dan por el postigoa la luz de dramáticos faroles;alguna señoritaque canta en algún pianoalguna vieja aria;el gendarme que pita......Y una íntima tristeza reaccionaria.
RAMÓN LÓPEZ VELARDE
243
ANEXO III
Breve processo histórico, político e econômico do narcotráfico no México
Se debe enfrentar el narcotráfico como un mal que está dañando a la humanidad, perosolidariamente, sin subordinación alguna.
Leopoldo Zea
El narcotráfico en México sólo se puede explicar como una estructura de poder; de esa formafunciona y concebido así adquieren lógica sus acciones.
Jorge Fernández Menéndez
Para tratar sobre o tema do narcotráfico na literatura, faz-se necessário,
inicialmente, entender o processo histórico, econômico e político apresentado por
esse assunto, principalmente na América Latina. Historicamente, a humanidade
sempre fez uso de drogas, seja em forma de raízes ou através de ervas e folhas,
geralmente, em cerimônias e rituais de caráter religioso. Entretanto, essas plantas e
seus derivados alteravam a consciência, levando à euforia e à dependência. Deste
modo, assim destaca Cristina Rojas Rodríguez que, de uma maneira ou de outra, as
sociedades:
han intentado regular, prohibir o establecer barreras moralesalrededor del consumo, distribución y tenencia de esas sustanciasalteradoras de la conciencia, porque siempre han existido y el serhumano, por múltiples razones ha recurrido a ellas. (ROJASRODRÍGUEZ, 1993, p. 1)
O que mudou, entretanto, ao longo dos anos foram os fins de consumo.
Sendo assim, compreende-se que a ilegalidade das drogas apresenta, já há algum
tempo, um caráter econômico, social, cultural, político e jurídico, cujo arcabouço
afeta várias nações.
Etimologicamente, a palavra narcotráfico é formada a partir da combinação de
duas palavras com diferentes interpretações: narcótico, surgido de narkoun, que
significa adormecer, sedar e, também, por tráfico que apresenta dois sentidos,
244
sendo o primeiro de “comércio clandestino, vergonhoso e ilícito; e o segundo se
entende, simplesmente, por qualquer tipo de negócio.
Destacando brevemente alguns pontos que influenciaram o narcotráfico na
América Latina atualmente, o primeiro fato foi a Guerra do Ópio, quando, em 1773 a
companhia britânica “India Oriental” conseguiu o monopólio de distribuição do ópio
na Índia e, através do domínio que exercia sobre a população, obrigou-os a cultivar
a papoula do ópio. Desta forma, criou-se uma relação triangular: “Gran Bretaña
exporta telas de algodón a la India; India exporta ópio a la China y China exporta té
a Gran Bretaña. (ROJAS RODRÍGUEZ, 1993, p. 1) Essa estrutura foi conservada
por cento e quarenta anos até a proibição, no início do século XX, do comércio de
ópio.
Outros fatores relevantes ocorreram ao longo do século XIX, com a
transferência de trabalhadores chineses para os Estados Unidos para a construção
da ferrovia transcontinental. Eles traziam consigo o hábito de fumar ópio,
provocando algumas consequências, como o cultivo e a importação de ópio para os
Estados Unidos. Outro fator determinante ocorreu quando grandes laboratórios
europeus, especialmente alemães, introduziram, no mercado, morfina, heroína e
cocaína, todas usadas livremente como medicamentos com prescrição médica,
principalmente para o tratamento de soldados.
No entanto, em 1915, um acordo assinado por treze países, dentre os quais,
Estados Unidos, Grã Bretanha, China, Alemanha e Japão, constituiu o primeiro
documento de controle para o transporte de drogas necessárias para medicamentos.
Entre eles, estava a cocaína. (ROJAS RODRÍGUEZ, 1993, p. 2) No México, a
ligação entre contrabandista de drogas e comerciantes de armas já vinha sendo
realizada desde períodos anteriores à Revolução. Até 1920, a maconha era
245
cultivada sem nenhum controle, enquanto o ópio era importado para fins medicinais.
Entretanto, com a proibição do cultivo e da comercialização, o que era legal passou
a ser ilegal, nascendo então o narcotráfico, com as conotações de violência e crime
organizado conhecidas atualmente.
A partir a Segunda Guerra Mundial, intensificou-se a fiscalização quanto ao
uso e à distribuição de drogas, transferindo para a recém criada Organização das
Nações Unidas a função de fiscalização de entorpecentes, realizada anteriormente
pela Sociedade ou Liga das Nações.
No entanto, um duplo jogo entrou em ação, pois a tentativa de combate
fracassou pelo aumento da demanda, uma vez que, no pós-guerra o ópio com fins
medicinais havia-se transformado em negócio, como destaca Iván Paoli Bolio: “En la
posguerra aumenta la siembra y el tráfico de la goma se organiza en forma
clandestina [...] al término del conflicto la demanda de narcóticos crece con el
retorno de soldados adictos de Estados Unidos”. (PAOLI BOLIO, 2008, p.100)
A primeira repressão oficial ao narcotráfico no México ocorreu em 1941, em
Sinaloa, quando autoridades empreenderam ações contra o cultivo de maconha e a
papoula (planta do ópio)33. A Operación Cóndor, ocorrida em 1977, foi a maior
investida até então, e teve como líderes José Hernández Toledo, por parte do
exército, e Carlos Aguilar Garza, militar veterano do massacre de Tlatelolco em
1968. Por parte da polícia, houve algum êxito, mas, pouco a pouco, os
narcotraficantes conseguiram se organizar.
Em La globalización desenmascarada, James Petras e Henry Veltmeyer, num
capítulo intitulado “Imperio y narcocapitalismo” destacam uma série de fatos que
33 Essa operação que resultou em uma emboscada, no qual o chefe de polícia Alfonso Leyzaola foicapturado, torturado e pendurado em uma árvore, como advertência ao governo e a população.(PAOLI BOLIO, 2008, p.100)
246
haviam levado os Estados Unidos a interferirem na política interna de países latino-
americanos. Podem ser citados, nesse caso, a intervenção militar em São
Domingos, basicamente para defender os banqueiros, os monopólios de petróleo no
México e a invasão do Panamá. Com o fim da Guerra Fria e a queda do comunismo
soviético, Washington recorreu à ameaça da droga para justificar sua intervenção e
controle sobre os policiais e funcionários de segurança na América Latina.
Os Estados Unidos, maior mercado nacional consumidor de drogas ilícitas, é
também o que impõe as regras para a chamada luta contra o narcotráfico. Para
Petras e Henry (2003), essa política é utilizada com o objetivo de camuflar o
verdadeiro propósito neoliberal, permitindo a implantação de sua agenda política,
através de três propósitos: utilizando a moral como escudo, disfarçar políticas
repressivas e exploradoras; através dessa luta contra o narcotráfico, permitir a
penetração nas forças de segurança internas da América Latina; dirigindo sua luta
para o campo, contra movimentos sociais potencialmente revolucionários, ter acesso
direto à sociedade (PETRAS e VELTMEYER, 2003, p. 182).
Sendo assim, se Washington estivesse realmente interessado em contribuir
para a diminuição do tráfico de drogas, voltaria sua política para dentro, fiscalizando
a lavagem de dinheiro do tráfico em grandes bancos internacionais, investigando a
polícia americana que aceita suborno, caçando os chefes de drogas dentro “de
casa” e, principalmente, fazendo um maior investimento em educação, pois, como
destaca Irma Arriagada e Martín Hopenhayn no artigo “Producción, tráfico y
consumo de drogas em América Latina” (2000) que: “En Estados Unidos, el mayor
mercado nacional de drogas ilícitas, a la vez ha aumentado el número de
consumidores crónicos, lo que implicaria un deterioro en la dimensión sanitaria del
problema” (ARRIAGADA e HOPENHAYN, 2000, p. 7).
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Nessa perspectiva, cabe salientar que, no México, atualmente, apesar dos
golpes dados no narcotráfico pelos governos na última década, sete cartéis se
mantêm ativos: Cártel de Tijuana (atuando no sul e sudeste); Cártel del Golfo (tem
influência em treze estados); Cártel de Chapo Guzmán (opera na região do Pacífico
norte, e seu grupo está vinculado à morte do cardeal Juan Jesús Posadas); Cártel
de Juárez (considerado o mais poderoso, que se supõe ter influência em vinte e um
estados); Cártel del Milenio (seus principais centros de atuação são Nuevo León,
Tamaulipas, Jalisco, Colima, Michoacán e Distrito Federal) e o Cártel de los
hermanos Parada (controlam a região do istmo de Oaxaca, Veracruz, Tabasco e
Chiapas) 34 (PAOLI BOLIO, 2008, pp.102-103).
É preciso também levar em consideração que o narcotráfico no México
apresenta um entroncamento político, cujos tentáculos avançam em vários estratos
da sociedade, pois, devido ao grande volume de recursos econômicos que
manejam, foram criadas ramificações que vão desde policiais municipais, estaduais,
federais comuns até o mais alto escalão do governo. (PAOLI BOLIO, 2008, p.75)
A questão das drogas, principalmente na América Latina, é complexa, como
destaca Adalberto Santana em sua obra El narcotráfico en América Latina (2008) e,
nas páginas anteriores, foram apresentados apenas alguns pontos os quais,
certamente, merecem uma grande discussão, mas que, no entanto, como já foi
mencionado no corpo dessa pesquisa, não tem esse tema como cerne.
Desta forma, em última análise, pode-se concluir que o tráfico de drogas é,
entre outros, um problema de mercado e de demanda, concluindo que a política de
“certificação”, no qual a Washington cabe “juzgar, evaluar y castigar a los regímenes
34 No artigo “Evolución del narcotráfico en México” se encontram outras informações sobre os cartéisdo narco como: quando surgiram, seus principais líderes, as prisões realizadas, campo de atuação eos crimes de repercussão internacional que cometeram. (PAOLI BOLIO, 2008, pp.102-103)
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de acuerdo con sus criterios de cumplimientos en la guerra contra las drogas.”
(PETRAS e VELTMEYER, 2003, p. 183) Faz com que o objetivo maior não venha a
ser alcançado.
249
ANEXO IV
Capa de El testigo de Juan Villoro publicado em 2004 pela Editora Anagrama.
250
ANEXO V
Capa do livro 2666 de Roberto Bolaño em 2004 pela Editora Anagrama.
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