UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
DANIEL MELO DE OLIVEIRA CAMPOS
ANÁLISE ENERGÉTICA DAS INTERAÇÕES INTERMOLECULARES DOS
INIBIDORES CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO COM A PROTEASE DE REPLICAÇÃO
VIRAL NS2B-NS3 DO ZIKA
NATAL-RN
2020
DANIEL MELO DE OLIVEIRA CAMPOS
ANÁLISE ENERGÉTICA DAS INTERAÇÕES INTERMOLECULARES DOS INIBIDORES DIPEPTÍDICOS CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO COM A PROTEASE DE
REPLICAÇÃO VIRAL NS2B-NS3 DO ZIKA VÍRUS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção de título de Mestre em Ciências Biológicas.
Orientador: Prof. Dr. Jonas Ivan Nobre Oliveira
NATAL-RN 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - -Centro de Biociências - CB
Campos, Daniel Melo de Oliveira.
Análise energética das interações intermoleculares dos
inibidores dipeptídicos CN-716 E ACIL-KR-ALDEÍDO com a protease
de replicação viral NS2B-NS3 do zika vírus / Daniel Melo de
Oliveira Campos. - Natal, 2020.
87 f.: il.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em
Ciências Biológicas.
Orientador: Prof. Dr. Jonas Ivan Nobre Oliveira.
1. Zika vírus - Dissertação. 2. Protease NS2B-NS3 -
Dissertação. 3. cn-716 - Dissertação. 4. Acil-KR-Aldeído -
Dissertação. 5. DFT - Dissertação. 6. MFCC - Dissertação. I.
Oliveira, Jonas Ivan Nobre. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BSE-CB CDU 616.98
Elaborado por KATIA REJANE DA SILVA - CRB-15/351
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus pela graça da vida. Sem a permissão e
inspiração d’Ele, a realização deste trabalho não seria possível. À minha família por
ser meu alicerce com o seu apoio incondicional, em especial à minha mãe (Rejane),
meu irmão Matheus (que ainda não compreende a minha falta de tempo ultimamente),
minha avó (Francisca) e a minha namorada (Raphaela) que ficaram ao meu lado nos
dias difíceis. Ao meu orientador Jonas pela sua benevolência e confiança a mim
depositada desde o primeiro momento (espero ter correspondido à altura). Ao
professor Umberto, que embora pareça rígido no primeiro momento, utiliza desta
casca pra proteger o seu altruísmo em querer o melhor para o programa de pós-
graduação e seus alunos. Ao professor Eudenilson por ser a referência de humildade
e sabedoria. À Ana Karla, a minha primeira orientadora que sempre me incentivou e
acreditou no meu potencial. Aos colegas de laboratório de Biofísica pela convivência,
companheirismo e solicitude (Katy, Mylene, Lucas, Emmanuel, Anne, John, Xavier,
Sabrynna), ressaltando os mais experientes (Katy, Emmanuel, Xavier) que sempre
dispuseram do seu tempo para orientar e contribuir de maneira direta no
desenvolvimento dos projetos do laboratório. Aos meus amigos que contribuíram
mesmo que de forma indireta durante esse período (Amanda, Carol, Giselle, Hannaly,
Ana Flávia, Yanne, Gabriel). Aos que não citei nominalmente, mas influenciaram de
certa forma, partindo do pressuposto da teoria quântica. Por fim, à UFRN pela
estrutura cedida, seus funcionários e à CAPES pelo suporte financeiro.
“O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo que depende da cooperação com os demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX. Também é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata da opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa.”
Sir Roger Scruton.
RESUMO
A infecção emergente pelo zika vírus (ZIKV) se tornou uma ameaça à saúde global
devido à associação com anormalidades neurológicas graves, como a síndrome de
Guillain-Barré (SGB) em adultos e a síndrome congênita do zika vírus (SCZ) em
neonatos. Muitas pesquisas de desenvolvimento e inovação objetivam um composto
antiviral eficaz contra o ZIKV. A protease NS2B-NS3 é um alvo atraente para a
elaboração de fármacos devido à sua função essencial na replicação viral, mas até o
momento, não há nenhum composto comercialmente disponível. Nesse contexto, para
contribuir com o design racional de fármacos para o desenvolvimento de um anti-ZIKV
eficiente, realizou-se um estudo qualitativo (natureza dos contatos intermoleculares)
e quantitativo (energia de ligação) comparativo das interações intermoleculares
existentes nas estruturas cristalográficas da serino-protease NS2B-NS3 acopladas
aos inibidores peptidomiméticos ácido borônico (cn-716 – PDB ID: 5LC0) e aldeído
(Acil-KR-Aldeído – PDB ID: 5H6V). Para a descrição das energias de ligação
individuais aminoácido-ligante existentes nesses biocomplexos, utilizou-se o esquema
de fracionamento molecular com caps conjugados (MFCC) dentro do formalismo da
teoria funcional da densidade (DFT). Os resultados revelaram que o inibidor de
aldeído mostrou ter mais afinidade do que o inibidor de ácido borônico. Em geral, a
porção P2 do inibidor de aldeído apresenta mais afinidade com o sítio ativo da
protease do que o inibidor de ácido borônico devido à presença de dois anéis fenólicos
que aumentam a distância e diminuem a interação com a protease. Justamente nessa
porção, o resíduo Asp83 é aquele que mais fortemente interagiu com os ligantes. Além
deste, destacam-se os aminoácidos Asp83*, His51, Asp129, Ser81*, Gly133, Ala132,
Tyr161, Asn152 e Asp75 (Asp83*, Asp129 His51, Asn152, Tyr161, Tyr130, Gly153,
Gly151, Asp75, Pro131 e Gly82) em cn-716/NS2B-NS3 (Acil-KR-Aldeído/NS2B-NS3).
O aminoácido Asn152 mostrou ser um resíduo chave, influenciando outros
aminoácidos vizinhos do bolso de ligação a interagirem com maior afinidade com o
inibidor. Por fim, a avaliação do efeito de mutações missense na desestabilização e
flexibilização da protease demonstrou que as alterações Tyr161Gly e Tyr130Gly
promovem maiores danos à protease. Os resultados apresentados servirão de base
para o processo de descoberta e desenvolvimento de fármacos anti-zika mais
específicos e potentes.
Palavras-chave: Zika vírus. Protease NS2B-NS3. cn-716. Acil-KR-Aldeído. Inibidores
Dipeptídicos. DFT. MFCC.
ABSTRACT
The emergent Zika virus (ZIKV) infection has become a threat to global health due to
the association with severe neurological abnormalities, namely Guillain-Barre
Syndrome (GBS) in adults and Congenital Zika virus Syndrome (CZS) in neonates.
Many studies are being conducted to find an effective antiviral drug against ZIKV.
NS2B-NS3 protease is an attractive drug target due to essential function in viral
replication, but to date, there are no commercially available. In this context, to will
contribute in rational drug design for the development of an efficient anti-ZIKV, we
conduct a comparative structural study based on quantum mechanical calculations to
analyses the intermolecular binding energies between the crystallographic structure of
NS2B-NS3 protease with dipeptides boronic acid (cn-716) and aldehyde (Acyl-KR-
Aldehyde) peptidomimetic inhibitors. For this, we used the molecular fractionation with
conjugate caps (MFCC) scheme within the density functional theory (DFT) formalism
to describe in detail the energies of the complex. Our results reveal that the aldehyde
inhibitor was shown to have more affinity than the boronic acid inhibitor. The Asp83*
residue presents the most interaction energy in both inhibitors, binding with P2-residue,
while Asp129 those that better interact with P1-residue. In general, the P2 residue of
aldehyde inhibitor presents more affinity with the active site of protease than boronic
acid inhibitor due to the presence of two phenolic rings that increasing the distance
and decreasing the interaction. In addition, we highlight the amino acids residues
Asp83*, His51, Asp129, Ser81*, Gly133, Ala132, Tyr161, Asn152 and Asp75 (Asp83*,
Asp129 His51, Asn152, Tyr161, Tyr130, Gly153, Gly151, Asp75, Pro131, and Gly82)
in cn-716/NS2B-NS3 (Acil-KR-Aldeído/NS2B-NS3). The amino acid Asn152 proved to
be a key residue, influencing other amino acids neighboring the binding pocket to
interact with greater affinity with the inhibitor. Additionally, we made missense mutation
analyzes of these residues that compound to evaluate the destabilization and increase
of flexibilization on protease, showing that mutation of Tyr161 followed by Tyr130
causes more impact on protease. Our simulations are valuable for a better
understanding of the binding mechanism of recognized inhibitors of the NS2B-NS3
protease and can lead to the rational design and the development of novel IBU-derived
drugs with improved potency
Keywords: Zika virus. NS2B-NS3 protease. dn-716. Acyl-KR-Aldehyde. Dipeptides
Inhibitors. DFT. MFCC.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ΔG – Variação da Energia Livre de Gibbs
ΔΔG – Estabilidade Térmica
ΔΔSvib – Energia de Entropia Vibracional
ADE – Antibody-dependent enhancement (aprimoramento dependente de
anticorpos)
C – Proteína do Capsídeo
CDC – Centers for disease control and prevention (Centro de Controle e Prevenção
de Doenças)
CHARMm – Chemistry at Harvard Macromolecular Mechanics
DENV – Dengue vírus
DFT – Density Functional Theory (Teoria do Funcional da Densidade)
E – Proteína do Envelope
ESPII – Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional
ESPIN – Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
FNO – Febre do Nilo Ocidental
GGA – Generalized Gradient Approximation (Aproximação do Gradiente
Generalizado)
HCV – Vírus da Hepatite C
IC50 – Metade da concentração inibitória máxima
IEFPCM – Integral Equation Formalism Variant (Formalismo Variante da Equação
Integral)
Kcal/mol – Quilocaloria por mol
Ki = Constante de Inibição
M – Proteína da Membrana
MFCC – Molecular Fractionation with Conjugated Caps (Fracionamento Molecular
com Caps Conjugados)
MFS – Síndrome de Miller Fisher
MHC – Major Histocompatibility Complex (Complexo principal de
histocompatibilidade)
MM – Molecular Mechanics (Mecânica Molecular)
MTase - Metiltransferase
NAMA – Neuropatia Motora Axonal Aguda
NASMA – Neuropatia Sensorial Axonal Motora Aguda
NS – Non-structural (Proteínas não estruturais)
NS3hel - Domínio helicase NS3
NS3pro – Non-structural protease 3 (Protease NS3)
OMS – Organização Mundial da Saúde
PCM – Modelo de Continuum Polarizável
PDB – Protein Data Bank (Banco de Dados de Proteínas)
PIDA – Polirradiculoneuropatia Aguda Desmielinizante Inflamatória
prM – Proteína Pré-Membranar
QM – Quantum Mechanics (Mecânica Quântica)
RdRP – RNA-dependent RNA polymerase (RNA polimerase dependente de RNA)
RE – Retículo Endoplasmático
RTP - RNA trifosfatase
SAM – S-adenosilmetionina
SCRF – Self-Consistent Reaction Field (Campo de Reação Auto-Consistente)
SCZ – Síndrome Congênita do Zika
SGB – Síndrome de Guillain-Barré
VNO –Virus do Nilo Ocidental
VFA – Vírus da Febre Amarela
ZIKV – Zika vírus
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Etapas da replicação viral do ZIKV .......................................................... 25
Figura 2 - Esquematização da codificação do genoma do Zika vírus em poliproteína
e consequentemente em proteínas estruturais e não estruturais. ............................. 26
Figura 3 - Representação da estrutura secundária do complexo NS2B-NS3pro. As
setas verdes representam as folhas beta da proteína NS3pro, amarela NS2B e
Cilindro azul alfa-hélice. ............................................................................................ 31
Figura 4 - Nomenclatura da especificidade entre substrato e protease. ................... 32
Figura 5 - Superfície do bolso de ligação do complexo NS2B-NS3, destacando os
bolsos de ligação S1’-S4. .......................................................................................... 33
Figura 6 - Passo a passo do mecanismo catalítico da serino protease NS2B-NS3
(esquerda). Hidrólise do intermediário Acil-enzima pela rota contrária (direita). ....... 35
Figura 7 - a) Fórmula estrutural do composto cn-716. b) formação do diéster cíclico
com glicerol. .............................................................................................................. 39
Figura 8 - Fórmula estrutural do inibidor de aldeído. ................................................ 40
Figura 9 - Esquema do mecanismo de inibição das serino-proteases, exemplificado
por um peptidil aldeído no complexo NS2B-NS3 do ZIKV. ....................................... 42
Figura 10 - Representação das formas ligadas (eZiPro e gZipro) e não ligada (bZiPro)
na construção do complexo NS2B-NS3. ................................................................... 50
Figura 11 - Representação dos inibidores. (a) Estrutura química dos inibidores de
ácido borônico e aldeído, em ordem subdividida em quatro regiões; (b) potencial
eletrostático isosuperfície do inibidor carregado na mesma ordem, respectivamente.
.................................................................................................................................. 55
Figura 12 - Energias de ligação da interação (kcal/mol) entre NS2B-NS3pro com
inibidores em função da distância do raio (Å). Cada curva apresenta resultados obtidos
com um valor diferente de constante dielétrica e um tipo de inibidor: linha laranja-
quadrado-linha (40, ácido borônico); linha azul-triângulo-linha (40, aldeído); traço
quadrado-traço vermelho (10, ácido borônico) e traço-triângulo-traço azul escuro (10,
aldeído) ..................................................................................................................... 57
Tabela 1 - Resíduos que interagem com o Inibidor de ácido borônico em até 9 Å, com
seus respectivos contatos de menor distância............................................................58
Tabela 2 - Resíduos que interagem com o Inibidor de aldeído em até 9 Å, com seus
respectivos contatos de menor distância....................................................................59
Figura 13 - Painel gráfico mostrando em ordem crescente de distância (Å) a
comparação da energia de ligação dos resíduos mais importantes entre NS2B-NS3
com inibidores do ácido borônico (laranja) e aldeído (azul). A distância mínima e a
região correspondente da interação também são exibidas (informações dos inibidores
de aldeído entre parênteses). .................................................................................... 60
Figura 14 - Sítio de Ligação amplificado da protease NS2B-NS3 contendo os
inibidores de ácido borônico (a) e aldeído (b) inseridos na cavidade, com os seus
respectivos resíduos mais importantes. NS2B (amarelo) e NS3pro (verde) são
exibidos como fita. Os resíduos de bolso S1', S1 e e S2 são mostrados como sticks
(cor abaixo). a) Inibidor de ácido borônico na cavidade do sítio ativo, mostrado no
modelo ball and stick com os átomos de carbono em laranja e boro em rosa claro na
cavidade interna do sítio ativo. b) Inibidor de aldeído no interior da cavidade do sítio
ativo, mostrado na esfera e no modelo de bastão com átomos de carbono em azul
ciano. ......................................................................................................................... 62
Figura 15 - União dos resíduos mais importantes envolvidos na ligação de NS2B-NS3
com inibidores do ácido borônico (a) e aldeído (b) na região (i) para comparação
detalhada. Os resíduos que interagem mais fortemente com o resíduo P2 são cinza
claros. As linhas tracejadas coloridas representam as interações descritas abaixo. 64
Figura 16 -união dos resíduos mais importantes envolvidos na ligação de NS2B-
NS3pro com inibidores do ácido borônico (a) e aldeído (b) na região (ii) e (iii) para
comparação detalhada. Os resíduos que interagem mais fortemente com os
segmentos P1 e P2 são cinza escuro e claro, respectivamente. As linhas tracejadas
coloridas representam as interações descritas abaixo. ............................................. 67
Figura 17 - Junção dos resíduos mais importantes envolvidos na ligação de NS2B-
NS3 com inibidores do ácido borônico (a) e aldeído (b) na região (iv) para comparação
detalhada. Os resíduos que interagem mais fortemente com o segmento P1 (P1 'em
ácido borônico) são cinza escuro. As linhas tracejadas coloridas representam as
interações descritas abaixo. ...................................................................................... 69
Tabela 3 - Energia de interação total relacionada as regiões do inibidor de ácido
borônico e estruturas secundárias do receptor NS2B-NS3 do ZIKV............................72
Tabela 4 - Energia de interação total relacionada as regiões do inibidor de aldeído e
estruturas secundárias do complexo receptor NS2B-NS3 do ZIKV.............................72
Figura 18 - Visão detalhada das interações intramoleculares que implicam a distância
de Gly82* ao grupo amina catiônica (b), destacando a influência do resíduo Asn152
com os aminoácidos vizinhos presentes na figura (a, b). a) Intramolecular cátion-pi
entre o inibidor de ácido borônico que afeta os resíduos do subsítio S1. Ligações de
hidrogênio estão em verde escuro, Cátion-pi marrom ............................................... 74
Tabela 5 - Descrição da desestabilização (ΔΔG) e flexibilização (ΔΔSVib) após
mutação pontual. (†) representa energia em kcal / mol e (††) em kcal.mol-1.K-1........76
Tabela 6 - Descrição da desestabilização (ΔΔG) e flexibilização (ΔΔSVib) após
mutação pontual. (†) representa energia em kcal / mol e (††) em kcal.mol-1.K-1........77
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................... 17
1.1 ZIKA VÍRUS ....................................................................................... 17
1.1.1 Epidemiologia ............................................................................. 17
1.1.2 Sintomatologia da Infecção pelo Zika vírus ............................. 18
1.1.2.1 Síndrome de Guillain-barré associada ao Zika vírus .................... 19
1.1.2.2 Síndrome Congênita do ZIKV ....................................................... 20
1.1.3 Diagnóstico, Terapêutica e Prevenção ..................................... 21
1.1.4 O ciclo de vida do genoma e replicação viral em células alvo23
1.2 ESTRUTURA DO ZIKA VÍRUS .......................................................... 25
1.2.1 Genoma ........................................................................................ 25
1.2.2 Proteínas Estruturais .................................................................. 27
1.2.3 Proteínas não-estruturais ........................................................... 28
1.3 ESTRUTURA E FUNÇÃO DA SERINO-PROTEASE NS2B-NS3 DO ZIKV........................................................................................................................ 30
1.3.1 Sítio de Ligação .......................................................................... 32
1.3.2 Mecanismo Catalítico das Serino-proteases ............................ 33
1.4 INIBIDORES DA PROTEASE NS2B-NS3 .......................................... 36
1.4.1 Inibidores Peptidomiméticos ..................................................... 37
1.4.1.1 Inibidor Dipeptídico de Ácido Borônico ......................................... 38
1.4.1.2 Inibidor Dipeptídico de Aldeído ..................................................... 39
1.4.2 Mecanismo de Inibição dos Peptidomiméticos ........................ 41
1.5 MODELAGEM MOLECULAR ............................................................. 43
2. JUSTIFICATIVA .................................................................................... 45
3. OBJETIVOS .......................................................................................... 48
3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................ 48
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................. 48
4. METODOLOGIA .................................................................................... 49
4.1 PREPARAÇÃO DAS ESTRUTURAS CRISTALOGRÁFICAS ............... 49
4.2 FRACIONAMENTO MOLECULAR COM CAPS CONJUGADOS (MFCC)................................................................................................................ 50
4.3 CÁLCULO DAS ENERGIAS DE INTERAÇÃO UTILIZANDO DFT ........ 51
4.4 ESTUDO DE CONVERGÊNCIA ............................................................ 54
4.5 MUTAÇÃO MISSENSE ......................................................................... 54
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................ 55
5.1 ANÁLISE DE CONVERGÊNCIA............................................................ 56
5.2 COMPLEXO ENTRE O SÍTIO DE LIGAÇÃO COM OS INIBIDORES ... 60
5.3 REGIÃO i ............................................................................................... 63
5.4 REGIÃO ii .............................................................................................. 65
5.5 REGIÃO iii ............................................................................................. 66
5.6 REGIÃO iv ............................................................................................. 68
5.7 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS INIBIDORES NO COMPLEXO NS2B-NS3 .......................................................................................................... 70
5.8 ANÁLISES DE MUTAÇÃO MISSENSE ................................................. 75
6. CONCLUSÃO ........................................................................................ 78
7. PERSPECTIVAS ................................................................................... 79
8. REFERÊNCIAS ..................................................................................... 80
17
1. INTRODUÇÃO
1.1 ZIKA VÍRUS
O Zika vírus (ZIKV) é um arbovírus da família flaviviridae e gênero flavivirus
responsável pela recente infecção epidêmica de caráter global. É transmitido
predominantemente pelos mosquitos artrópodes fêmeas de Aedes aegypti e
albopictus infectados, sendo o aegypti o mais frequente por estar em meios urbanos
(IOOS et al, 2014; AYRES, 2016). A transmissão não vetorial também foi reportada,
incluindo transmissão sexual, transfusão e materno-fetal (BAUD et al.,2017; HAMER
et al., 2017). Além da infecção pelo ZIKV, esse gênero é responsável por outras
doenças reemergentes em seres humanos, como a dengue (DENV) e o vírus da febre
amarela (VFA). Após a ingestão do sangue do hospedeiro infectado, os vírus se
multiplicam dentro do inseto em seu intestino e invadem os tecidos subjacentes para
causar uma infecção disseminada, denominado como período de incubação
extrínseco, que resulta em uma carga viral alta, particularmente nas glândulas
salivares, onde se multiplicam entre 8 a 12 dias. Posteriormente, são passados para
os humanos durante a picada do inseto (IOOS et al., 2015; YOUNG, 2018).
1.1.1 Epidemiologia
Originalmente, o vírus Zika foi identificado na Macaca mulatta, conhecida
popularmente como macaco Rhesus, em 1947, na reserva florestal homônima em
Kampala, Uganda. Embora o primeiro relato de infecção humana pelo vírus Zika tenha
ocorrido em 1952 no Uganda e Tanzânia, o ZIKV é uma epidemia recente, com o seu
potencial epidêmico anunciado internacionalmente apenas em 2005, atingindo sua
emergência na Micronésia em 2007 e, principalmente, em 2013, na Polinésia
Francesa, onde ocorreram os primeiros casos relacionados com a Síndrome de
Guillain-Barré (SGB) (IOOS et al., 2014; AYRES, 2016). Além da SGB, no recente
surto brasileiro ocorrido em 2015 e 2016, foram relatados os primeiros casos de
anormalidades neurológicas associadas a infecção congênita pelo zika virus à
neonatos. Este conjunto de sintomas foi denominado como Síndrome Congênita do
18
Zika vírus (SCZ), no qual a microcefalia é a principal característica (HU; SUN, 2019;
IOOS et al, 2014; AYRES, 2016).
Apesar de hipóteses sugerirem que o Zika vírus foi introduzido ao Brasil durante
a Copa do Mundo de Futebol, ocorrida entre 12 de junho a 13 de julho de 2014, ou no
evento de canoagem Va’a, entre 12 a 13 de agosto daquele mesmo ano, no Rio de
Janeiro, estudos promovidos por Faria e colaboradores (2016) indicam que o vírus já
circulava no Brasil entre maio e dezembro de 2013, dois anos antes do surto
(MARCONDES; XIMENES, 2016; FARIA et al., 2016). Portanto, estima-se que o vírus
veio pelo aumento da circulação aérea de passageiros vindos de regiões endêmicas
do ZIKV, ocorrida no mesmo período. Estudos mais recentes por meio da
filogenômica, apontam que a América Central e o Caribe foram importantes rotas de
entrada do vírus no Brasil (FARIA et al., 2016; CAMPOS et al., 2018).
Em razão das associações neurológicas previamente comentadas (maiores
explicações a seguir), o ZIKV foi declarado Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (ESPIN) no Brasil pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
em 2015. Com o rápido espalhamento do vírus para 84 países ao redor do mundo,
principalmente na América do Sul, a pandemia foi oficialmente classificada como uma
séria ameaça à saúde pública global, mais especificamente quando a OMS declarou-
a como Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em 2016
(ANAYA et al., 2017; BAUD et al., 2017; MUSSO; GLUBER, 2016).
1.1.2 Sintomatologia da Infecção pelo Zika vírus
A infecção pelo Zika vírus geralmente se apresenta de forma assintomática ou
leve, no qual o período de incubação da picada do mosquito até o início dos sintomas
é de três a 12 dias, podendo apresentar uma sintomatologia semelhante ao da
dengue, incluindo febre intermitente, dor retro-orbital, letargia, exantema
maculopapular com prurido, hiperemia conjuntival sem prurido, artralgia, mialgia e
cefaleia (IOOS et al., 2014; MUSSO; GUBLER, 2016). Embora o vírus comumente se
apresente dessas formas, também está associado a formas mais graves da doença,
apresentando graves alterações neurológicas e oftalmológicas, causadas pela
Síndrome Congênita do Zika (SCZ) e a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), que
acarretam em transtornos motores e cognitivos, podendo prejudicar o
19
desenvolvimento muscular e intelectual do paciente (IOOS et al., 2014; WANG et al.,
2018)
1.1.2.1 Síndrome de Guillain-barré associada ao Zika vírus
A Síndrome de Guillain-Barré consiste em uma polineuropatia aguda autoimune
rara, rapidamente progressiva, que afeta o sistema nervoso periférico de adultos. As
neuropatias autoimunes e agudas são encadeadas a partir de respostas imunitárias
humorais e celulares contra epítopos de antígenos, onde no subtipo
polirradiculoneuropatia aguda desmielinizante inflamatória (PIDA) o alvo são as
células de Schwann, e nos subtipos neuropatia motora axonal aguda (NAMA), o alvo
são os próprios axônios, acentuadas nas raízes do nervo espinhal (ANAYA et al.,
2016; PINTO-DIAZ, 2017). Além da PIDA e NAMA, também estão inclusos a
neuropatia sensorial axonal motora aguda (NASMA) e síndrome de Miller Fisher
(MFS) (STYCZYNSKI et al. 2017; CUNHA et al., 2016; ANAYA, 2016).
Normalmente, a síndrome se manifesta dentro de seis a oito semanas, com a
duração dos sintomas entre 10 a 14 dias, provocando acometimentos ascendentes de
fraqueza muscular e arreflexia. Porém, 20 a 30% desses pacientes podem
desenvolver sintomas mais graves, tais como paralisia motora, desordens sensitivas
ou disautonomia, esta última responsável pela desregulação do sistema nervoso
autônomo, atingindo os músculos auxiliares da respiração, como o diafragma, e
levando a insuficiência respiratória neuromuscular, sendo a principal causa de morte
da síndrome (STYCZYNSKI et al. 2017; CUNHA et al., 2016; ANAYA, 2016).
Geralmente é associada a neuropatia axonal motora ou polineuropatia
desmielinizante inflamatória, resultadas por uma modificação epigenética ou de um
gatilho ambiental em um hospedeiro geneticamente suscetível, desencadeadas após
infecções virais, bacterianas e parasitárias. Dentre as infecções virais, os arbovírus
emergentes e reemergentes responsáveis pela dengue (DENV), Chikungunya, febre
do Nilo Ocidental (FNO), Encefalite Japonesa e mais recentemente o Zika vírus, são
associados temporalmente como uma possível causa à SGB. (NICO et al., 2018;
STYCZYNSKI et al. 2017; CUNHA et al., 2016; ANAYA, 2016).
20
A hipótese mais aceita pela literatura é a do mimetismo molecular, na qual é
sugerida que o mimetismo entre gangliosídios do tecido nervoso humano e
glicolipídios presentes na proteína de envelope (E) do ZIKV, na qual está incluído os
gangliosídios. desencadeariam a reação de autoimunidade que gera a síndrome
(SIROHI et al., 2016, ASHTANA et al., 2015). Segundo ANAYA e colaboradores
(2016), é possível que durante sua replicação, o vírus incorpore glicolipídios e/ou
glicoproteínas expressas na membrana da célula infectada através de seus sítios de
glicosilação, de forma a tornar-se antigênico no hospedeiro, no caso alelos específicos
do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) e outras variantes genéticas
iniciariam uma resposta imune que também reagiria de forma cruzada com estruturas
similares expressas por neurônios (ANAYA et al., 2016).
A resposta imune ao ZIKV provavelmente induz a produção de imunoglobulinas
IgM e IgG pelo hospedeiro, provocando uma resposta imune prejudicial, que
reconhece não só o antígeno, mas também os gangliosídios na membrana nervosa,
reagindo de forma cruzada. Os anticorpos anti-gangliosídeos observados com maior
frequência são contra o GM1, GD1a, GD1b, GT1a e GQ1b (NAIK et al., 2017). Já os
gangliosídios especificamente relacionados a SGB e Zika são o GM1, GA1, GM2,
GD1a, GD1b e GQ1b, ressaltando mais recentemente o GM2 e GD3, os quais foram
identificados como fortes biomarcadores, correlacionado com a complicação da
síndrome (CAO-LORMEAU et al., 2016; NICO et al., 2018).
1.1.2.2 Síndrome Congênita do ZIKV
A Síndrome Congênita do Zika ocorre pela transmissão de forma vertical da
gestante ao feto, quando infectada. O vírus passa pelo cordão umbilical e atravessa a
barreira hematoencefálica devido ao seu intenso neurotropismo, que causa um padrão
de anormalidades neurológicas congênitas ao feto, sendo mais expressivos quando
infectados em gestantes no primeiro trimestre de gravidez (COSTELLO et al., 2016;
HAMER et al., 2017; ABBASI, 2016). A microcefalia causada pela SCZ apresenta um
caráter singular em comparação a microcefalias causadas por outros tipos de
infecções congênitas. Possui como característica um padrão de formato “gaveta”, na
qual a calota craniana é colapsada, com suturas invertidas e ossos predominantes na
região occipital (RIBEIRO et al., 2017).
21
Entretanto, os bebês que possuem a SCZ podem desenvolver a microcefalia
após o nascimento ou não a apresentar (ARAGÃO et al., 2017; MEHRJARDI et al.,
2017). De acordo com Aragão e colaboradores (2017), os bebês que já nascem com
microcefalia apresentam malformações e anormalidades mais graves, seguidos pelos
que desenvolveram a microcefalia pós-natal e pelos que não possuem microcefalia.
Quando comparados os achados neurológicos em recém-nascidos acometidos pela
SCZ, não são encontradas diferenças significativas, apenas entre os que nasceram
sem microcefalia com os que desenvolveram microcefalia pós-natal (ARAGÃO Et al.,
2016; 2017).
1.1.3 Diagnóstico, Terapêutica e Prevenção
Para o diagnóstico da infecção pelo ZIKV, somente a avaliação clínica não é
confiável, pois a sintomatologia do Zika vírus é semelhante à de outras arboviroses,
como CHIKV e DENV. Portanto, são necessários exames laboratoriais específicos
para a confirmação da doença, divididos como testes moleculares e sorológicos
padrões (FAUCI; MORENS., 2016). O primeiro procedimento para a confirmação do
ZIKV, por meio dos testes de RT-PCR em tempo real e KIT NAT, é o principal meio
de confirmação da doença, realizado através das provas laboratoriais por testes
moleculares definidas pela presença de RNA do vírus Zika em soro. O segundo
método de diagnóstico é através do ensaio sorológico, pela presença de anticorpos
IgM de vírus anti-Zika no soro, sendo mais utilizado o ensaio de MAC-ELISA (CUNHA
et al., 2016; PLOURD; BLOCH, 2016). Todos esses testes utilizados são aprovados
pela autorização de uso de emergência (EUA) pela Food and Drug Administration
(FDA) (ODUYEBO et al., 2017; CDC, 2017).
De acordo com o CDC (Center for Diseases Control and Prevention), os testes
para o ZIKV são recomendados para indivíduos sintomáticos com possível exposição
à áreas de transmissão do vírus. São incluídas as gestantes assintomáticas, no qual
o seu feto tenha apresentado achados de ecografia pré-natal sugestivos da Síndrome
congênita do Zika, como: microcefalia, artrogripose e anormalidades oculares e
auditivas. Para as gestantes assintomáticas que obtiveram contato com as áreas de
risco, mas o feto não apresenta anormalidades neurológicas sugestivas da SCZ, é
discutida a necessidade da realização do exame de acordo com cada caso e protocolo
22
da região (CDC, 2017). Para as gestantes cujo feto apresente características
sugestivas da SCZ, é necessária a utilização do exame STORCH (Sífilis,
Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus e Herpes) para diferenciar das outras
infecções congênitas que também possam provocas degenerações do sistema
nervoso central do feto, tais como a toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes
e sífilis (CUNHA et al., 2016; ARAGÃO et al., 2017).
De forma complementar, são realizados exames laboratoriais inespecíficos
com o intuito de parametrizar o estadiamento e investigação da doença. São
constituídos pelo hemograma; dosagens séricas para AST/ALT, bilirrubina direta e
indireta, lactato e desidrogenase e marcadores de atividade inflamatória; e ureia e
creatinina. As alterações típicas associadas à infecção pelo vírus Zika, ao decorrer da
doença, são a leucopenia, trombocitopenia leve e moderada, ligeira elevação da
desidrogenase láctica sérica, gama glutamil transferase e de marcadores de atividade
inflamatória, sendo elas a proteína C reativa, fibrinogênio e ferritina, embora a
contagem sanguínea completa seja geralmente normal. Não há relatos de infecção
secundária pelo fato de o vírus apresentar um único sorotipo (CUNHA et al., 2016).
Por ainda não existirem medicamentos específicos contra o ZIKV, a terapêutica
utilizada para os pacientes infectados pelo vírus consiste na hidratação, descanso,
uso de medicamentos com propriedade antipirética e analgésica, como o
acetaminofeno (paracetamol) para aliviar a febre e a dor. De acordo com o CDC, é
aconselhável não tomar medicamentos anti-inflamatórios não esteróides (AINEs)
como a aspirina. Para os casos em que o indivíduo esteja tomando medicamentos
para outra condição médica, ou em que as manifestações clínicas se agravem, deve-
se seguir o conselho do profissional de saúde capacitado (SAXENA et al., 2016).
Com base nos sintomas e pela disposição dos flavivírus promoverem o
aprimoramento dependente de anticorpos (ADE – do inglês Antibody-dependent
enhancement), o que facilita a entrada de vírus nas células hospedeiras e aumenta a
infectividade celular, até o momento não foi desenvolvida ou aconselhada a criação
de uma vacina específica (KANG et al., 2017; SHI; GAO, 2017; SAXENA et al., 2016).
A medida e o controle preventivo dependem principalmente da redução dos locais de
reprodução dos mosquitos e diminuição do contato com humanos. Para isso, devem
ser utilizados certos procedimentos e cuidados, a saber: o programa de controle de
vetores deve ser iniciado para evitar uma disseminação rápida da infecção pelo ZIKV;
23
uso de repelentes de mosquitos e redes mosquiteiras; de inseticidas sugeridos pela
OMS pode ser utilizado como larvicidas para o tratamento de extensos
compartimentos de água, o uso; uso de teste rápido para infecção por ZIKV durante a
transfusão de sangue; evitar viagens para regiões endêmicas da doença; se houver
sintomas da doença, deve-se evitar a automedicação e procurar uma consulta médica;
para as mulheres, evitar engravidar até a erradicação da infecção pelo ZIKV devido
as anormalidades neurológicas ao feto causadas pela SCZ (SAXENA et al., 2016).
1.1.4 O ciclo de vida do genoma e replicação viral em células alvo
O ciclo de replicação do ZIKV inicia com a ligação do flavivírus à célula
hospedeira, gerando subsequentemente a sua entrada por meio da endocitose
mediada por receptor. O provável candidato a permitir essa adsorção é o gene AXL,
responsável por codificar o receptor tirosina-quinase. Os tipos celulares permissíveis
e os receptores da célula hospedeira relacionadas a mediação da entrada do ZIKV
ainda estão sendo investigados, porém, a clatrina é reconhecida pelos flavivirus por
mediar sua entrada na célula (WANG et al., 2018; BIDET; GARCIA-BLANCO, 2018).
Recentemente, estudos in vitro demonstraram que além de apresentar uma
superexpressão durante o desenvolvimento do córtex cerebral humano, tal gene
permite a entrada do ZIKV nas células da pele humana, juntamente com outros
receptores da família TYRO3-ALXL-MERTK (TAM) (WANG et al., 2018). No entanto,
em estudos in vivo com camundongos, a deleção dos receptores TAM não apresentou
redução da replicação viral do Zika, insinuando que tais receptores podem não
desempenhar um papel na infecção pelo ZIKV, ou que existem vários outros
receptores de entrada redundantes para o vírus (WANG et al., 2018).
Após o processo de endocitose, a glicoproteína E sofre uma mudança
conformacional ocasionada pela acidificação da vesícula endocítica, mediando a
fusão da membrana do envelope viral com a membrana do hospedeiro. Tal fusão leva
a liberação do nucleocapsídeo (estrutura viral do capsídeo associado ao genoma) no
citoplasma da célula hospedeira. A partir daí o genoma se dissocia do capsídeo, e no
retículo endoplasmático (RE) o RNA é traduzido em uma única poliproteína e replicada
pelo tráfego de vesículas (WANG et al., 2018; BIDET; GARCIA-BLANCO, 2018).
Acredita-se que a tradução do RNA viral ocorra de maneira semelhante a a tradução
24
de mRNAs, utilizando da maquinaria de síntese proteica da célula hospedeira. Os
fatores de iniciação da tradução se ligam a estrutura Cap 5’ e recrutam ribossomos,
iniciando o processo de decodificação e alongamento da cadeia polipeptídica. No
entanto, pode haver mecanismos não-canônicos de tradução dos flavivírus que não
necessitem dos fatores celulares do hospedeiro para a tradução celular em massa.
(BIDET; GARCIA-BLANCO 2018)
A poliproteína formada é clivada de forma co e pós-traducionalmente nas
estruturas membranares derivadas do RE por proteases virais (NS2B/NS3 e NS5) e
hospedeiras (sinalase e furina), produzindo dez proteínas virais. A peptidase sinal
localizada no RE do hospedeiro é responsável por clivar as junções C/prM, prM/E,
E/NS1 e NS4A/NS4B; enquanto a serino protease NS3 do vírus cliva entre
NS2A/NS2B, NS2B/NS3, NS3/NS4A e NS4B/NS5 (HILGENFIELD et al., 2018; LI et
al., 2018;).
Durante o ciclo de vida dos flavivírus, as partículas infecciosas do vírus, os
vírions, possuem três estados principais: imaturo (estado de ligação não infecioso),
maduro (tornando infeccioso) e fusogênico (de membrana hospedeira). O vírus
inicialmente montado no RE é imaturo, consistindo em uma partícula pontuda não
infecciosa, contendo 60 pontas triméricas de heterodímero E:prM (HILGENFIELD et
al., 2018; LI et al., 2018; SIROHI et al., 2016).
Ainda no RE, a maturação em um vírion maduro contendo 90 dímeros E:prM
se inicia no lúmen, onde o virus imaturo são montados e levados até a rede trans-
Golgi, que por sua vez os modifica por glicosilação. Posteriormente, ocorre a clivagem
proteolítica da prM por uma protease hospedeira ainda desconhecida, mas
semelhante a furina, e homodimerização (formação de dímeros semelhantes) da
proteína do envelope na rede trans-golgi (WANG et al., 2018). Além da liberação de
partículas virais infecciosas amadurecidas, esse processo gera partículas subvirais
não infecciosas, que não possuem a proteína do capsídeo e o genoma do RNA. Tanto
a progênie viral infecciosa madura quanto as partículas subvirais são liberadas das
células hospedeiras através da exocitose (WANG et al., 2018).
25
Figura 1 - Etapas da replicação viral do ZIKV
Fonte: adaptado de Hu; Sun, 2019.
1.2 ESTRUTURA DO ZIKA VÍRUS
1.2.1 Genoma
O genoma do ZIKV é constituído por um RNA de fita simples e polaridade
positiva ((+)ssRNA), possuindo capeamento na extremidade 5’ e ausência da
poliadenilação na 3’, com cerca de aproximadamente 11 kb e 11.000 bases
complexadas com múltiplas cópias da proteína do capsídeo. (LEI et al., 2016; SIROHI
et al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018). Tal genoma é responsável por codificar uma
única poliproteína de aproximadamente 3.000 aminoácidos, na qual é processada
para produzir dez proteínas virais: sendo três proteínas estruturais, a do capsídeo (C),
proteína precursora da membrana (prM) e envelope (E), envolvidas na formação da
nova partícula viral; e sete não estruturais, a NS1, NS2, NS2A, NS2B, NS3, NS4A,
NS4B e NS5, (LEI et al., 2016; SIROHI et al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018).
26
Durante a replicação viral, o genoma (+)ssRNA codifica o genoma traduzindo
em uma única poliproteína com 3.000 aminoácidos no citoplasma das células
hospedeiras infectadas. Posteriormente, é pós-traduzido por peptidases de sinal do
hospedeiro e proteases virais em três proteínas estruturais (C, prM e E) e sete não
estruturais (NS) (NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5). Os genes proteicos
estruturais estão na porção 5 'do genoma e os genes da proteína NS na porção 3'
(MUSSO; GLUBER, 2016; HASAN et al., 2018; WHITE et al., 2016). A organização
do genoma dos flavivírus, referente à expressão da proteína arranjada na ordem 5'-
C-prME-NS1-NS2a-NS2b-NS3-NS3a-NS4a-NS4b-NS5-3'5. As proteínas estruturais
se reúnem para construir as partículas virais maduras, enquanto as proteínas não
estruturais são responsáveis pela replicação e propagação viral (MUSSO AND
GLUBER., 2016; HASAN et al., 2018; HILGENFIELD et al., 2018).
Figura 2 - Esquematização da codificação do genoma do Zika vírus em poliproteína e consequentemente em proteínas estruturais e não estruturais.
Fonte: Adaptado de Abrams et al., 2017.
27
1.2.2 Proteínas Estruturais
O genoma do virus é envolvido pelas proteínas do capsídeo que formam o
nucleocapsídeo, cercados por uma camada icosaédrica (comum aos flavivírus)
composta pela proteína E (aproximadamente 53 kDa) e pela proteína M
(aproximadamente 8 kDa) ou pela sua proteína precursora, a prM (aproximadamente
21 kDa), ancorados em uma membrana lipídica que circunda o nucleocapsídeo
(SIROHI et al 2016; HU; SUN, 2019). A proteína prM (aproximadamente 165
aminoácidos) é a precursora da proteína de membrana. Tais proteínas estruturais
apresentam grandes variações conformacionais durante o ciclo viral, incluindo a forma
imatura, madura e fusogênica do vírion.
A estrutura do vírion maduro do ZIKV é semelhante a outros flavivírus, como a
Dengue e vírus do Nilo Ocidental, constituído por um pequeno vírion icosaédrico (com
40-50nm de diâmetro) e envelopado. A técnica de microscopia crioeletrônica (Cryo-
EM) demonstrou que a proteína do envelope é composta por 180 cópias de
glicoproteínas da proteína E (aproximadamente 500 aminoácidos) e pela proteína de
membrana (aproximadamente 75 aminoácidos), ancorados em uma membrana
lipídica (SIROHI et al 2016; HU; SUN, 2019; DAI et al., 2016). Tal arranjo icosaédrico
é constituído por 90 dímeros da proteína E, cobrindo totalmente a superfície viral.
Por ser responsável pela entrada do vírus, a proteína E representa um dos
principais alvos de neutralização de anticorpos. Apresenta uma estrutura
característica de espinha de peixe, contendo o ectodomínio em sua região N-Terminal
(aproximadamente 400 aminoácidos, uma região do tronco (aproximadamente 50
resíduos) e por fim, a região transmembranar em seu C-terminal. De forma
semelhante a outros flavivírus, o ectodomínio da proteína E do ZIKV consiste em três
subdomínios: um domínio central barril-beta I (DI), um domínio alongado em forma de
dedo (DII) e um domínio C-terminal do tipo imunoglobulina (DIII) (SIROHI et al., 2016;
HU; SUN., 2019; DAI et al., 2016).
A região do tronco está situada entre o ectodomínio e as hélices
transmembranares da proteína E, composta por duas hélices e localizada na camada
lipídica externa. A proteína M consiste em uma alça N-terminal (alça M ou M solúvel),
uma região-tronco e duas hélices transmembranares. Os domínios transmembranares
28
das proteínas E e M formam hélices antiparalelas que ancoram a membrana viral na
bicamada lipídica (SIROHI et al., 2016; HU; SUN., 2019; DAI et al., 2016)
.
1.2.3 Proteínas não-estruturais
Complementando as três proteínas estruturais, o genoma codifica sete não
estruturais: a NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5. Tais proteínas são
produzidas com o intuito de formar o complexo de replicação genômico, mediar a
replicação do RNA, formação de partículas virais, montagem e neutralização do
sistema imune inato da célula hospedeira. A proteína NS3 é responsável pelo
processamento polipeptídico e replicação genômica, enquanto a NS5 atua no
capeamento e replicação do RNA. As demais estruturas, NS1, NS2A, NS4A e NS4B
estão envolvidas na patogênese viral e resposta imunitária em humanos. Dentre as
proteínas não estruturais do ZIKV, destacam-se a NS1, NS3 e NS5 pelas suas funções
desempenhadas e por serem altamente conservadas, apresentando um alto grau de
homologia com outros flavivirus, como a DENV e VNO (SHI; GAO, 2017; RASTOGI;
SHARMA; SINGH., 2016).
A NS1 é uma proteína altamente conservada, considerada enigmática e
multifacetada por apresentar diversas formas e funções ainda não tão bem elucidadas
pela literatura, como a patologia mediada por essa enzima no contexto do ciclo viral
(RASTOGI; SHARMA; SINGH., 2016; WATTERSON et al., 2018). Sabe-se que a
maior concentração de NS1 se correlaciona diretamente com a gravidade da doença
e o aumento da viremia (RASTOGI; SHARMA; SINGH., 2016).
Seu monômero apresenta o peso molecular entre 46-55 kDa, variando de
acordo com a extensão da glicosilação. Está presente em diferentes localidades
celulares apresentando-se em duas formas oligoméricas (duas subunidades
idênticas): um dímero ligado a membrana celular (mNS1) e a forma hexamérica
secretada (sNS1). A forma dimérica intracelular mNS1 desenvolve um importante
papel cofator na infecção viral e replicação do genoma, enquanto a sNS1 está
envolvida na fuga ao sistema imune do hospedeiro, esta utilizada como biomarcador
para o diagnóstico precoce na detecção inicial da infecção por flavivirus (RASTOGI;
SHARMA; SINGH., 2016).
29
A proteína mNS1 é subdivida em 3 domínios funcionalmente distintos: o
domínio β-roll, formado pelos resíduos iniciais (1-29 resíduos) da alça N-terminal, o
α/β Wing semelhante à dobra do tipo RIG-I (38-151 resíduos) e o β-ladder central
(181-352 resíduos), estabilizados por ligações dissulfeto. Essa organização do dímero
demonstra uma estrutura semelhante a anfipática, com a face hidrofóbica interna
composta pelo β-roll e a estrutura de alça associada intercalando com o folheto da
face lúmen da membrana do RE (RASTOGI; SHARMA; SINGH., 2016).
A NS5 é maior proteína não estrutural do ZIKV (~100 kDa), operando na
replicação genômica, capeamento e supressão de interferon. Esta proteína é
compreendida em três domínios: o domínio metiltransferase (MTase) nos resíduos 1-
261 na região N-Terminal, a polimerase dependente de RNA (RdRp) nos resíduos
273-903 da região C-terminal, e uma região inter-domínios que consiste nos resíduos
263-272 (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017).
O domínio MTase pertence à família das enzimas dependentes de S-
Adenosilmetionina (SAM), compreendendo uma estrutura α/β/α que atua na metilação
dos nucleosídeos -2’O e N-7, adicionando cap na região 5’ do RNA viral. Como
consequência, facilita a tradução e melhora a proteção da poliproteína, diminuindo as
ações da resposta imune inata do hospedeiro. Após a conclusão da metilação, o SAM
é convertido em S-Adenosil Homocisteína (SAH) e é liberado do domínio MTase
(RAMHARACK; SOLIMAN., 2017). Tal domínio consiste em uma enzima bi-substrato,
no qual possui sítios de ligação específicos tanto para RNA, como para SAM. Além
disso, compartilha o sítio de ligação para o RNA cap e trifosfato de guanosina (GTP)
(ZHANG et al., 2017). Portanto, a inibição da MTase prejudica a progressão do ZIKV,
o que torna este domínio um importante alvo para o desenvolvimento de fármacos
anti-zika (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017).
O domínio conservado RdRp (resíduo 306-903) está direcionada ao processo
de replicação do RNA-genoma. Como na maioria das polimerases, a estrutura da
enzima apresenta três subdomínios funcionais que se assemelha de forma análoga à
mão direita: a região dos dedos (resíduos 321-488 e 542-608), polegar (715-903) e
palma (resíduos 489-541 e 609-714). Devido a não existência de uma enzima RdRp
ou análogos no corpo humano, seus inibidores podem não causar efeitos tóxicos
graves, fazendo com que este domínio também seja apontado como um alvo para o
30
design de medicamentos (RAMHARACK; SOLIMAN., 2017; SHANMUGAM et al.,
2015).
1.3 ESTRUTURA E FUNÇÃO DA SERINO-PROTEASE NS2B-NS3 DO ZIKV
Dentre as proteínas não estruturais, a proteína NS3 é um componente
fundamental do ZIKV devido ao seu papel no processamento de polipeptídeos e
replicação genômica, etapa obrigatória no ciclo de vida viral (HILGENFIELD et al.,
2018; HU; SUN., 2019). É uma proteína altamente conservada nos flavivírus com
função enzimática multifuncional, incluindo a de protease. Sua região C-Terminal
possui a função helicase e RNA trifosfatase (RTP), para captar um RNA viral nascente
e desenrolar a forma replicativa do RNA de fita dupla, respectivamente, o domínio
helicase da NS3 (NS3hel) está envolvido na replicação do RNA viral juntamente com
a RNA polimerase dependente de RNA da NS5, com a qual interage (PHOO et al.,
2016; SHIRYAEV et al., 2017; LI et al., 2018; SAIZ et al, 2018).
O domínio N-terminal do ZIKV codifica uma serino-protease (NS3pro) do tipo
quimotripsina, contendo 177 resíduos. Dá-se o nome pela presença da serina como o
resíduo central do sítio ativo, inserida na clássica tríade catalítica (His51-Asp75-
Ser135), enquanto a quimotripsina está relacionado com a especificidade com o
substrato. A tríade catalítica é uma estrutura flexível e coordenada na qual cada
resíduo desempenha tarefas específicas no processo de catálise (PHOO et al., 2016;
SHIRYAEV et al., 2017; LASKOWSKI AND KATO, 1980). É definida como uma
endopeptidase alcalina proteolítica, que clivam proteínas por hidrólise no interior da
cadeia polipeptídica (KRAUT, 1977; LASKOWSKI AND KATO, 1980).
A NS3pro é fundamental na maturação viral por atuar em todas as clivagens
citoplasmáticas, incluindo: proteína do capsídeo estrutural C, as proteínas não
estruturais NS4, NS4A e as junções NS2A/NS2B, NS2B/NS3, NS3/NS4A e
NS4B/NS5, resultando na liberação de proteínas funcionais (LASKOWSKI AND
KATO, 1980; PHOO et al., 2016; SHIRYAEV et al., 2017). Portanto, devido a sua
função essencial na replicação do vírus, a protease é o alvo de maior potencial para
as drogas anti-zika dirigidas ao hospedeiro, que tem como alvo os componentes
celulares necessários para o ciclo de vida viral. (PHOO et al., 2016; HILGENFIELD et
al., 2018; LI et al., 2018; SAIZ et al, 2018).
31
No entanto, para que o domínio da protease NS3 seja acionado e desempenhe
sua ação enzimática, é necessário a ação da proteína NS2B atuando como cofator.
Desse modo, é formado o complexo enzimático NS2b-NS3, composto pelo domínio
protease da região N-terminal da NS3 e da região citoplasmática do NS2B. (PHOO et
al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018; LEI, 2017; LI et al., 2017). A NS2B é uma
proteína pequena, contando com apenas 14 kDa de massa, composta por três
domínios: hélices N- e C-terminais e o fragmento central hidrofílico com cerca de 40
aminoácidos (45-96), responsável por atuar como cofator essencial para promover o
dobramento e a catalise da NS3pro (SHIRYAEV et al., 2010; PHOO et al., 2016; LEI
et al., 2016; HU; SUN., 2019; ZHANG et al., 2016).
A estrutura do domínio NS3pro é composta por dois barris-β, no qual a tríade
catalítica (contendo o sítio ativo está localizada entre eles, lembrando o enovelamento
da quimotripsina (PHOO et al., 2016; ERBEL et al., 2006). O barril-β situado na região
N-terminal da NS3pro é formado por sete folhas-β e uma α-hélice, enquanto o C-
Terminal contém oito folhas-β (veja a figura 1) (CHEN et al., 2016; PHOO et al., 2016;
LEI et al., 2016). O NS3pro é cercado pelo cofator NS2B composto por quatro folhas-
β, em que seu segmento N-terminal forma uma folha-β (resíduos 52*-57*) inserida no
barril-β da região N-terminal do domínio da protease. (PHOO et al., 2016; LEI et al.,
2017; LI et al., 2016; HILGENFIELD et al., 2018).
Figura 3 - Representação da estrutura secundária do complexo NS2B-NS3pro. As setas verdes representam as folhas beta da proteína NS3pro, amarela NS2B e Cilindro azul alfa-hélice.
Fonte: produzido pelo autor.
32
1.3.1 Sítio de Ligação
Utilizando da nomenclatura de Schechter e Berger (1967), no qual as regiões
“S” são os locais ativos da enzima (bolsões/subsítios) que se ligam especificamente
com o seu respectivo resíduo do substrato “P”, estudos com tetrapeptídeos que
ocupam os bolsões S1-S4 na cavidade do seu sítio de ligação destacam os subsítios
S1, adjacente ao sítio ativo (Ser135), e S2 como os principais locais de
reconhecimento de peptídeos, apresentando especificidade com aminoácidos básicos
(SCHECHTER; BERGER, 1967; SHYRIAEV et al., 2010; HILL et al., 2018).
Figura 4 - Nomenclatura da especificidade entre substrato e protease.
Fonte: Duschak e Couto, 2009.
Análises demonstram que o bolsão S2 (S1) do receptor apresenta preferência
pelo segmento P2-lisina (P1-arginina) do inibidor (RUT et al., 2016). O Asp83
pertencente a proteína NS2B é a responsável ela especificidade com a lisina,
interagindo melhor com esse composto, e a arginina no bolsão S1 (SHYRIAEV et al.,
2010; HILL et al., 2018). A alça-S1 (152-167 resíduos) e S2 (69-87) são críticos para
a formação desses bolsões, apresentando aminoácidos fundamentais para a ativação
enzimática, estabilização de interações e direcionamento do substrato/inibidor ao
receptor (ZHANG et al., 2016; KNOX et al., 2006; PHOO et al., 2016; CHEN et al.,
2016).
O bolsão S3 é relativamente largo e raso, no qual um lado da bolsa é constituído
por cadeias laterais hidrofóbicas e o outro composto por átomos doadores/
aceitadores de ligações de hidrogênio na espinha dorsal da NS2B e NS3. Por esses
33
motivos, a forma deste bolsão faz com que seja de difícil distinção. O bolsão de ligação
S4 é completamente composto por resíduos hidrofóbicos, sendo descrito como um
“adesivo” devido a sua má definição (KNOX et al., 2006).
Figura 5 - Superfície do bolso de ligação do complexo NS2B-NS3, destacando os bolsos de ligação S1’-S4.
Fonte: PHOO et al., 2016.
1.3.2 Mecanismo Catalítico das Serino-proteases
Dentre as proteases, o mecanismo de catálise enzimática das serino-proteases
é o mais bem elucidado pela literatura científica até o momento. Tal mecanismo é
orquestrado pela tríade catalítica, divididos em duas fases e apresentando dois
processos de catálise enzimática: as fases de acilação e deacilação; e as catálises
acido-básica geral e covalente. O processo é iniciado pela etapa de acilação por meio
da catálise ácido-basica, que consiste na transferência de prótons do sítio ativo da
enzima (Ser135) para o grupamento imidazol da His51, tornando-a mais reativa. A
cadeia lateral da Ser135 (-CH2-OH) é ativada por uma catálise básica mediada pela
His51 e Asp75, na qual se mantém ligada por ligação de hidrogênio à histidina, que
34
por sua vez se liga ao aspartato (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980;
HEDSTRON, 2002).
Geralmente, a hidroxila da Ser135 fica protonada em pH neutro, deixando-a
instável. Para prevenir a formação da carga positiva e consequentemente a sua
instabilidade, a His51 atua como uma base geral, retirando um próton (hidrogênio) da
serina, resultando na formação de um hidróxido de nitrogênio em seu anel aromático.
A histidina protonada formada é estabilizada pela interação eletrostática com a carga
negativa do Asp75, um aminoácido polar ácido. Este processo forma um íon alcóxido
na porção hidroxila da cadeia lateral da Ser135, tornando este oxigênio altamente
nucleófilo devido ao excesso de elétrons, funcionando como uma base de Lewis
(KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980; HEDSTRON, 2002).
Para se estabilizar, o oxigênio carregado negativamente da Ser135 realiza um
ataque nucleofílico ao substrato peptídico Bz-Nle-Lys-Arg-Arg-AMC, ocasionando a
catálise covalente. Esta catálise se caracteriza pela ligação covalente transitória entre
a serina e o substrato por meio da reação de substituição nucleófila ao carbono
eletrófilo (pobre em elétrons). A serina catalítica esterifica a sua porção hidroxila
alcóxida com o grupo carboxila C-terminal do substrato, resultando em um
intermediário tetraédrico (estado de transição) ligado à enzima. Esta reação entre
protease e substrato acarreta na formação da carga negativa em seu oxigênio,
tornando-a instável (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980; HEDSTRON, 2002).
Contudo, este ânion é estabilizado pelos resíduos presentes na cavidade do
oxiânion, uma região formada para acomodar este intermediário. Geralmente o
grupamento NH da Ser135 e Gly133 se mantem ligados pela interação de ligação de
hidrogênio ao átomo de oxigênio do intermediário e moléculas de água, como no caso
da quimotripsina. Estes átomos atuam criando uma carga positiva nesta região,
produzindo a ativação do grupo carbonila (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980;
HEDSTRON, 2002).
Com o auxílio da histidina protonada, a região C-terminal do substrato
intermediário é rompido pela transferência de próton da His, formando uma amina e
um intermediário acil-enzima. Posteriormente, ocorre a etapa de deacilação, onde
enzima é deacilada pelo reverso das interações anteriores, com o intuito de restaurar
a hidroxila da serina. Uma molécula de água é introduzida para hidrolisar o
intermediário acil-enzima, o que ocasiona na liberação da sua porção N-terminal e
35
leva ao ataque da carboxila do substrato, formando o fragmento C. A molécula de
água é ativada pela histidina, e o seu posicionamento deste resíduo contribui na
remoção do próton da água. A hidroxila gerada atua novamente como nucleófilo,
atacando o carbono da porção carbonila do substrato, ao ponto de formar um segundo
intermediário tetraédrico. Com o retorno da carga negativa do oxigênio da carbonila
para o carbono da ligação, quebra-se a ligação covalente com a serina catalítica,
regenerando assim a enzima (KRAUT, 1977; LASKOWSKI AND KATO, 1980;
HEDSTRON, 2002).
Figura 6 - Passo a passo do mecanismo catalítico da serino protease NS2B-NS3 (esquerda). Hidrólise do intermediário Acil-enzima pela rota contrária (direita).
Fonte: Adaptado de Szabó et al., 2013.
36
1.4 INIBIDORES DA PROTEASE NS2B-NS3
Os inibidores de serino-proteases atuam inativando a atividade biológica
proteolítica da protease cognata. Os mecanismos de inibição enzimática pelos
inibidores peptídicos podem ser de forma reversível ou irreversível. O mecanismo
padrão de inibição reversível é demonstrado de maneira conclusiva nas serino-
proteases, sendo o mais comum, no qual são divididos entre inibidores competitivos
e não competitivos. Os inibidores competitivos interagem fortemente com o sítio ativo
da protease, de modo semelhante ao da ligação enzima-substrato (podendo ser
clivado ou não). Os não competitivos não interagem com o sítio ativo, mas sim com o
sítio alostérico da enzima. A inibição irreversível é específica às endopeptidases
(dependente da clivagem enzimática da ligação peptídica no interior da cadeia do
inibidor) que leva a desnaturação da enzima. Atua por ligação covalente à enzima,
ocasionando alteração na estrutura tridimensional e desalinhamento dos aminoácidos
catalíticos do sítio ativo (SILVA-LOPEZ, 2009).
Além disso, os inibidores são classificados em três classes: a Serpina,
(abreviação do inglês de Serine Protease Inhibitors); inibidores não canônicos; e os
canônicos, constituídos em 18 famílias. As famílias são classificadas de acordo com
o seu peso molecular e estrutura primária, na qual acredita-se que os inibidores da
mesma família sejam relacionados evolutivamente. Mesmo não sendo homólogos, a
maioria destes inibidores interagem com a enzima seguindo o mesmo modelo padrão
enzimático (HILGENFIELD et al., 2018; LASKOWSKI; KATO, 1980; SILVA-LOPEZ,
2009).
Os inibidores canônicos representam o maior grupo. Compostos por
polipeptídeos de 14-200 resíduos, apresentam uma forte interação enzima-substrato
que se assemelha ao complexo de Michaelis, mas não se ligam de forma covalente
com o sítio ativo da protease. As Serpinas são distribuídas em animais, plantas,
bactérias, archaea e alguns vírus, constituindo a maior família de inibidores da serino-
protease. Consideradas de médio tamanho (aproximadamente 400 aminoácidos), a
grande maioria controla cascatas proteolíticas, enquanto outras não atuam na inibição
da protease, mas atuam em outros processos, como: armazenadoras de proteínas,
proteínas de transporte de hormônios e supressoras de genes tumorais (SILVA-
LOPEZ, 2009).
37
Os inibidores não-canônicos é o grupo que apresenta uma alta especificidade
com a protease cognata, pois além da interação enzima-substrato se aproximar do
complexo de Michaelis (como é visto nos inibidores canônicos) se ligam de forma
covalente ao sítio ativo da protease, elevando a seletividade de inibição. Devido a
essa especificidade, os inibidores não-canônicos são os que apresentam grande
potencial no desenvolvimento de fármacos contra determinadas patologias que
apresentem enzimas do tipo serino-protease, no qual a infecção pelo Zika vírus é um
exemplo (SILVA-LOPEZ, 2009).
1.4.1 Inibidores Peptidomiméticos
O melhor ponto de partida para a descoberta de drogas de serina proteases é
pelo uso de compostos peptídicos que mimetize o substrato da protease, os
peptidomiméticos. Em geral, o desenvolvimento de compostos peptidomiméticos tem
sido bem-sucedido, inclusive contra outras proteases NS2B-NS3 de flavivírus, como
DENV e VNO (vírus do Nilo ocidental) (KNOX et al., 2006; ERBEL et al., 2006; LI et
al., 2017). Tais peptídeos podem ser transformados em inibidores nanomolares
através da adição de compostos eletrofílicos como o ácido borônico, aldeído e α-
cetoamida, fornecendo inibidores potentes. A única estratégia disponível para
transformar peptídeos polares em drogas potenciais é a transformação gradual em
peptidomiméticos, que devido a redução do peso molecular do inibidor permitem a
edição de suas cadeias laterais, melhorando as suas propriedades. (KANG; KELLER;
LUO, 2017).
Portanto, devido ao seu baixo peso molecular e à alta eficiência, os inibidores
peptidomiméticos dipeptídicos apresentam vantagens contra os tetrapeptídicos
(KANG et al., 2017; LEI et al., 2016; PHOO et al., 2016). Devido à presença de
resíduos ácidos nas estruturas S1 e S2 do sítio ativo do ZIKV, estudos anteriores como
o desenvolvido por Shiryaev e colaboradores (2010) mostraram a preferência desses
subsítios por aminoácidos básicos que ocupam nas posições P1 e P2,
respectivamente. Também foi observada que a preferência por Arginina na posição
P1 do inibidor e Lisina na P2, possibilitando a formação de interações iônicas, críticas
para a ligação (SHIRYAEV et al., 2010; SHIRYAEV et al., 2017.
38
Estudos revelam que a estrutura da protease forma um complexo ativo com
inibidor covalentemente ligado, adotando uma conformação fechada. Duas folhas-β
localizadas na região C-terminal (resíduos 69 ~ 71–87) do cofator NS2B se dobram
em um gancho-β, envolvendo o local ativo da protease NS3 e a modelagem do bolsão
S2 (CHEN et al., 2016; PHOO et al., 2016; LEI et al., 2016). Esses resíduos atuam
competindo contra o substrato, ocupam o sítio ativo e induzem alterações
conformacionais do cofator NS2B (resíduos 62-96) para dobrar próximo ao local ativo
e participar da ligação do ligante. Inibidores com compostos eletrofílicos em seu sítio
reativo, como ácido borônico ou aldeído, são cruciais devido à sua capacidade de
formar uma ligação covalente com a Ser135 catalítica do sítio ativo, imitando uma pré-
clivagem clássica de complexo de enzima Michaelis, de acordo com o mecanismo
catalítico de uma serino protease (SHIRYAEV et al., 2010).
1.4.1.1 Inibidor Dipeptídico de Ácido Borônico
O composto de ácido borônico dipeptídico tamponado (cn-716) (ver figura 7a)
é um inibidor do tipo não-canônico e reversível, no qual o átomo de boro situado no
sítio reativo se liga covalentemente a região da hidroxila da cadeia lateral da serina
catalítica, levando a protease NS2B-NS3 do ZIKV à uma conformação fechada. É um
inibidor potente, no qual a metade da concentração inibitória máxima (IC50) = 0,25 ±
0,02 μM e sua constante de inibição (K i) = 0,040 ± 0,006 μM (na presença de 20% de
glicerol). A fração de ácido borônico forma um diéster cíclico com glicerol (ver figura
7b), que estava presente durante o processo de purificação e cristalização do
complexo. Os ácidos borônicos tendem a formar ésteres com dióis e trióis,
principalmente se anéis de cinco ou seis membros puderem ser formados. O
segmento P1 é constituído por uma Arginina, enquanto o P2 por um 4-
aminometilfenilanina (LEI et al., 2016).
Os ácidos peptídicos borônicos já foram testados experimentalmente como
fármacos. O inibidor do proteassoma bortezomibe (Velcade) foi aprovado para o
tratamento de múltiplos mielomas, enquanto o ácido tetrapeptídeo-borônico se
mostrou um potente inibidor contra a NS2B-NS3pro do DENV-2. Os ácidos peptídicos
borônicos geralmente não são citotóxicos para as células Huh7 desenvolvidas em
39
laboratório. Por tanto, serve como um bom ponto de partida para o design racional de
fármacos anti-ZIKV mais específicos (LEI et al., 2016).
O inibidor de ácido borônico forma um aduto tetraédrico covalente estável,
análogo ao intermediário tetraédrico no mecanismo de reação de hidrólise da serina
protease (KRAUT, 1977; LASKOWSKI; KATO, 1980; HEDSTROM et al., 2002). No
inibidor de ácido borônico, a His51 está no estado HIP (carregado com +1, protonados
por δ e ε-nitrogênio) (KIM et al., 2013), no qual seu anel imidazol desprotonou o grupo
hidroxila nucleofílico de Ser135 no complexo Michaelis, e o átomo de boro é carregado
negativamente, estabilizado por interações com os resíduos His51 e Gly133
constituintes da cavidade do axiânion (ver figura 7b) (KRAUT, 1977; LASKOWSKI;
KATO, 1980; HEDSTRON, 2002; LEI et al., 2017).
Figura 7 - a) Fórmula estrutural do composto cn-716. b) formação do diéster cíclico com glicerol.
Fonte: Adaptado de Hilgenfield et al., 2018.
1.4.1.2 Inibidor Dipeptídico de Aldeído
Assim como o inibidor de ácido borônico, o composto de aldeído dipeptídico
(Acil-KR-aldeído) (ver figura 8) é um inibidor do tipo não-canônico e reversível, onde
o oxigênio da carbonila do aldeído, situado no sítio reativo, se liga covalentemente a
região da hidroxila da cadeia lateral da serina catalítica, levando a protease NS2B-
a) b)
40
NS3 do ZIKV a uma conformação fechada. Também é um inibidor potente, no qual a
metade da concentração inibitória máxima (IC50) = 0,208 µM, possuindo uma eficácia
semelhante ao do inibidor de ácido borônico. Assim como o dipeptídeo borônico, a
porção P1 é constituída por uma Arginina; porém, além do sítio reativo, possui como
diferença o grupamento P2, composto por uma lisina (LI et al., 2017; LEI et al., 2016).
O inibidor de aldeído forma um aduto hemiacetal neutro covalentemente ligado,
semelhante ao estado acil-enzima estável. Essa etapa é subsequente ao tetraédricos
carregado visto no inibidor de ácido borônico, sendo mais estável devido a sua carga
neutra e restritos à compostos de aldeído. A neutralidade da carga se deve a
desprotonação natural da His51 ao oxigênio carbonil previamente aniônico, inibidor
que não interage mais com os resíduos que compõem a cavidade do oxiânion
(HEDSTRON, 2002; LASKOWSKI; KATO, 1980; NUTHO et al., 2019). Para gerar
compostos com maior semelhança à medicamentos, o grupo aldeído pode ser
substituído por um composto mais seletivo, α-cetoamida. Esta fração é comum em
fármacos, como nos inibidores da serino-protease NS3 do HCV (Telaprevir e
Boceprevir) e imunossupressores (Rapamicina) (STEUER et al., 2011; LI et al., 2017).
Figura 8 - Fórmula estrutural do inibidor de aldeído.
Fonte: Li et al., 2017.
41
1.4.2 Mecanismo de Inibição dos Peptidomiméticos
Assim como ocorre com o mecanismo catalítico, o mesmo é válido quanto à
interação entre os inibidores proteicos e sua protease cognata. Por serem
peptidomiméticos, os inibidores se comportam de forma semelhante ao substrato, se
ligando de maneira altamente específica à sua enzima alvo e obedecendo ao
mecanismo padrão de associação enzima-inibidor, no qual a enzima interage pelo seu
sítio ativo de maneira semelhante ao seu substrato. Contudo, o resíduo presente no
sítio reativo P1 localizado na região N terminal do inibidor, responsável por interagir
especificamente com o sítio S1 de reconhecimento da enzima, ao invés de se
dissociar completamente pela clivagem proteolítica, se mantém fortemente ligado de
forma covalente ao sítio ativo. O complexo proteína-ligante encontra-se ativo e na
conformação fechada neste estado de transição do sistema, onde o inibidor está na
sua forma intermediária de alta energia, impedindo a ação enzimática
Os Inibidores peptidomiméticos de serina protease formam uma ligação
covalente com a Serina 135 da tríade catalítica da protease NS3, fechando a
conformação da protease e inibindo a atividade de replicação do vírus. Tal inibição
ocorre pelo ligante competir com o substrato pelo sítio catalítico. Por impedimento
estérico, a presença do ligante ocupa a nuvem elétrica permitida pelo raio atómico
deste sítio, impedindo que o substrato se ligue e desenvolva a sua reação química,
influenciando também na conformação do complexo, que passa a ser fechada, na qual
a cadeia do cofator NS2B se enrola ao redor da protease NS3 (LIM et al., 2011;
HILGENFIELD et al., 2018). (modelo chave-fechadura)
O mecanismo de inibição dos peptidomiméticos se dá por meio da formação de
intermediários adutos tetraédricos e pela forma acil enzima, ambos estáveis.
Comumente, as famílias de inibidores das serino-proteases formam um aduto
tetraédrico que mimetiza o estado de transição intermediário do substrato durante a
reação enzimática das serino-proteases, no qual a His51 é protonada e o oxigênio
hemiacetal do inibidor adquire carga negativa, mantendo-se ligado à cavidade
oxiânica. Tais inibidores apresentam compostos bastante licos, que se ligam de forma
irreversível ou não ao sítio ativo da enzima. Peptídeos contendo aldeídos,
trifluorometilcetonas, ácidos borónico e compostos semelhantes formam adutos
tetraédricos reversíveis com a Ser135.
42
Alguns inibidores, como o próprio aldeído citado acima, imitam a forma acil
enzima, que representa uma etapa posterior ao da formação do aduto tetraédrico
intermediário no mecanismo de reação enzimática padrão. Nesta segunda posição, o
oxigênio hemiacetal desprotonado aniônico não é considerado o produto final para a
reação de inibição, mas sim a sua forma neutra, ocasionada pela transferência
espontânea do próton da histidina catalítica antes carregada positivamente. Por
apresentar uma carga neutra, a estrutura não necessita interagir com a cavidade do
oxiânion para se estabilizar. (NUTHO et al., 2019)
Estruturas cristalográficas tanto do ZIKV como de outros flavivirus, como DENV
e FNO, revelam que quando as proteases estão livres, formam uma conformação
aberta, na qual a parte C-terminal da região do cofator NS2B não faz parte do sítio
ativo. Ao ligar-se a um inibidor, a parte C-terminal forma uma conformação fechada e
interage com o inibidor no sítio ativo (PHOO et al., 2016; LI et al., 2017). Estudos como
os de espectroscopia por Ressonância Magnética Nuclear (RMN) evidenciam que as
proteases livres contêm tanto conformações abertas e fechadas, e que os inibidores
são responsáveis por estabilizar a conformação fechada (LI et al, 2017).
Figura 9 - Esquema do mecanismo de inibição das serino-proteases, exemplificado por um peptidil aldeído no complexo NS2B-NS3 do ZIKV.
Fonte: Adaptado de Nutho et al., 2019.
43
1.5 MODELAGEM MOLECULAR
A evolução dos computadores está intimamente ligada aos avanços da
pesquisa científica. Seu desenvolvimento vem permitindo a realização de novas
abordagens e conceitos científicos e teóricos, que por meio de modelos de estudo por
simulações computacionais, visam elucidar aspectos dos campos da ciência, pela
união compartilhada entre áreas como a física, química e biologia, antes inalcançáveis
devido a inexistência ou limitações de ferramentas apropriadas (TOMASI et al., 2005).
A simulação computacional proporcionou as inovações mais relevantes
relacionadas a esse ramo de estudo. Iniciada em meados da década de 1950, evoluiu
significativamente nas últimas três décadas devido a sua fusão com a mecânica
quântica (QM), abrangendo e tornando a base de nossa compreensão sobre a física
da matéria condensada, definidas como sistemas compostos pelo elevado número de
constituintes microscópicos (moléculas, átomos, elétrons, etc) e interações, no qual
os sólidos e líquidos são os exemplos mais conhecidos (TOMASI et al., 2005).
A modelagem molecular é uma técnica de simulação computacional com
cálculos quânticos que desempenha um papel importante na projeção de fármacos de
forma racional, possibilitando a compreensão das interações fármaco-alvo para
melhorar a afinidade dos compostos e investigar a reatividade de biomoléculas,
desenvolvendo novas drogas e inibidores mais eficientes. A técnica é capaz de
fornecer informações detalhadas em nível atômico a respeito das propriedades
estruturais, dinâmicas, mecânicas e eletrônicas dos sistemas biológicos, integrando,
apoiando e complementando as abordagens experimentais habitualmente utilizadas
(SGRIGNANI; MAGISTRATO et al., 2013).
Essas simulações são capazes de descrever com alto grau de precisão os
aspectos e estruturas de moléculas isoladas em escalas nanométricas. Isso é possível
devido a utilização de cálculos baseados em métodos baseados em QM, na qual os
graus eletrônicos de liberdade são tratados explicitamente resolvendo a equação de
Schrödinger (TOMASI et al., 2005; SGRIGNANI; MAGISTRATO et al., 2013). No
entanto, a maioria dos cálculos eram utilizadas com base em potenciais de mecânica
molecular (MM) devido ao tamanho e complexidade dos sistemas biológicos
(SGRIGNANI et al. 2013). Os cálculos de MM são baseados em parâmetros empíricos
predefinidos, nos quais os átomos se movem em uma superfície de energia potencial
44
também predefinida, não fornecendo aspectos importantes suficientemente precisos
do sistema investigado (SGRIGNANI et al., 2013).
Graças ao constante aperfeiçoamento de hardwares, o aumento da
disponibilidade dos cristais de biomoléculas em bancos de dados de proteínas (PDB),
e o surgimento de métodos de fragmentação (como o MFCC), estudos envolvendo
simulação computacional estão sendo cada vez mais abordados. O método de
Fracionamento Molecular com Capas Conjugadas (MFCC) permitiu a realização de
estudos baseados na QM em sistemas biológicos, proporcionando uma boa relação
entre o custo computacional e a precisão nos cálculos. Desenvolvido primeiramente
por Zhang e Zhang (2003), o método possibilita caracterizar de forma quantitativa e
eficiente as propriedades do sistema em estudo. Tal partição possibilita cálculos que
demonstrem a energia de interação entre o ligante e aminoácido, bem como entre a
proteína e o ligante pela soma de todas as densidades eletrônicas individuais
(ZHANG; XIANG; ZHANG, 2003; GAO et al., 2004; MAGISTRATO et al., 2013).
Por muitos anos, a equação de Schrodinger era tradicionalmente resolvida por
método ab initio, como o aproximativo Hartree-Fock. Entretanto, tal método
negligencia a correlação elétron-elétron, apresentando problemas em sistemas com
este fenômeno é relevante. Em contraste ao método ab initio tradicional, a Teoria do
Funcional da Densidade (DFT, do inglês Density Functional Theory) corrige este
problema. Provida pelo teorema de Kohn-Sham, determina o potencial externo e o
número total de elétrons em um sistema de muitos corpos por meio da densidade
eletrônica do sistema. A obtenção da densidade eletrônica e o potencial eletrostático
por meio de sistemas moleculares permitem compreender a estrutura química,
reação, ligação, catálise e solvatação do sistema biológico em estudo (ZHANG;
XIANG; ZHANG, 2003; GAO et al., 2004; SGRIGNANI; MAGISTRATO et al., 2013).
45
2. JUSTIFICATIVA
Embora o primeiro relato de infecção humana pelo Zika vírus tenha ocorrido em
1952 no Uganda e Tanzânia e tenha tido uma maior relevância em 2013, onde
ocorreram os primeiros relatos de associação entre o ZIKV e a SGB durante a
epidemia ocorrida na Polinésia Francesa (AYRES, 2016), o vírus persistia sendo
considerado um patógeno quase negligenciado até sua recente introdução nas
Américas, especialmente no Brasil, em 2015. (AYRES, 2016; SAIZ et al., 2018)
Sua relevância foi intensificada durante a epidemia ocorrida no Brasil entre
2015 e 2016, quando se tornou uma Emergência de Saúde Pública de Importância
Nacional (ESPIN) em 2015. Em 2016, foi considerada uma ameaça à saúde global,
reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Emergência de Saúde
Pública de Importância Internacional (ESPII), demostrando maior virulência, rápida
disseminação e uma associação com complicações neurológicas graves, como o
aumento inesperado dos casos de microcefalia em fetos e recém-nascidos e um
aumento notável nos casos de síndrome de Guillain-Barré. (BRASIL, 2015, 2016;
CUNHA et al., 2016; SAIZ et al., 2018)
Até o momento, não existem medicamentos que combata diretamente o ZIKV.
O tratamento existente é limitado e paliativo, amenizando apenas os sintomas e não
a doença, como a administração de antipiréticos para a febre, anti-histamínicos para
a erupção cutânea e ingestão de líquidos para a desidratação (SHAILENDRA et al.,
2016). Estudos indicam que as vacinas demonstraram não ser uma alternativa eficaz
devido a sua sintomatologia e pela conhecida tendência dos flavivírus a promov
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