UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
FUNDAO JOAQUIM NABUCO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO, CULTURAS E
IDENTIDADES
Infncia, Desenvolvimento, Educao e a Criana da Educao Especial:
um dilogo entre as concepes de docentes e pais
JARDIENE MANUELA SANTOS DA SILVA
2017
RECIFE-PE
JARDIENE MANUELA SANTOS DA SILVA
Infncia, Desenvolvimento, Educao e a Criana da Educao Especial:
um dilogo entre as concepes de docentes e pais
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em
Educao, Culturas e Identidades associado da
Universidade Federal Rural de Pernambuco e a Fundao
Joaquim Nabuco como requisito para obteno do ttulo de
Mestre em Educao, Culturas e Identidades.
Orientadora: Prf. Dr. Patrcia Maria Ucha Simes
Coorientadora: Prf. Dr Pompia Vylachan Lyra
2017
RECIFE-PE
Infncia, Desenvolvimento, Educao e a Criana da Educao Especial:
um dilogo entre as concepes de docentes e pais
JARDIENE MANUELA SANTOS DA SILVA
Dissertao de Mestrado avaliada em ___/ ___/ ____ com conceito___________________
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________________
Professora Dr. Patrcia Maria Ucha Simes (Orientadora)
Programa de Ps-Graduao em Educao, Culturas e Identidades-Universidade Federal Rural de
Pernambuco/Fundao Joaquim Nabuco- PPGECI
________________________________________________________________________
Professora Dr. Tcia Cassiany Ferro Cavalcante (Examinadora externa)
Programa de Ps-Graduao em Educao- Centro de Educao- Universidade Federal de
Pernambuco- UFPE
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Humberto da Silva Miranda (Examinador interno)
Programa de Ps-Graduao em Educao, Culturas e Identidades-Universidade Federal Rural de
Pernambuco/Fundao Joaquim Nabuco- PPGECI
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Flvia Mendes de Andrade Peres (Suplente interna)
Programa de Ps-Graduao em Educao, Culturas e Identidades-Universidade Federal Rural de
Pernambuco/Fundao Joaquim Nabuco- PPGECI
Este trabalho dedicado s crianas pblico-alvo da
Educao Especial do municpio de Vitria de Santo
Anto-PE, que, mediante a difuso dessa modalidade de
ensino, receberam maior visibilidade social, que, junto aos
seus familiares e professores tm lutado incessantemente
pela aplicabilidade da incluso e que nesse percurso
contriburam significativamente para a realizao desta
pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente dou graas ao meu Deus por Jesus Cristo (Romanos
1:8)
Inicio meu agradecimento, com esse versculo bblico que reflete todo o sentimento do
meu corao. Ao Senhor, ao meu Deus, amigo fiel, seja dada toda honra e toda glria, pois em
sua infinita bondade e contra as possibilidades tem me levado a lugares altos, os quais jamais
imaginaria chegar. Foi no Senhor que eu encontrei tudo o que precisava para ultrapassar os
obstculos vivenciados nesse mestrado. Alegria nos momentos de dor, calma nos momentos de
nsia, fora nos momentos de fraqueza, refgio nos momentos de angstia... Te agradeo por
tudo Senhor, pois sem ti no teria conseguido.
Agradeo minha famlia, primeiramente aos meus pais Joo e Maria, que me apoiaram
nesse longo processo e com muito amor e carinho tm cuidado de mim. Amo muito vocs! Aos
meus avs especialmente a minha av paterna Elvira (in memria) que sempre esteve presente
em minha vida, quem plantou em mim a semente da educao, investindo tempo para me
ensinar. Aos meus irmos e tios que mesmo a distncia cuidam e torcem por mim.
Ao meu noivo, que conhece e acompanha de perto minha trajetria e com o qual tive a
oportunidade de dividir todos os momentos, suportando as ausncias. Obrigada por me amar
tanto e construir junto comigo os meus sonhos e projetos. Essa conquista tambm sua meu
amor. Te amo! Aos meus sogros, pais do corao, que me acolheram e acolhem como filha.
minha orientadora Patrcia Simes, voc resposta da minha orao. Deus me
presenteou com sua vida, atravs da orientao e conduo desse projeto. Muito obrigada, pelo
carinho, pacincia, dedicao e conselhos tanto para o trabalho acadmico quanto para vida.
minha coorientadora Pompia, foi muito bom ter voc por perto, muito obrigada pelo apoio
durante a construo desse trabalho.
Aos amigos irmos, que esto comigo nos momentos de alegria, de tristeza e que torcem
por mim a todo instante. Agradeo a Deus por vossas vidas!
https://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/1/8https://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/1/8
Carol, Thas, Greice, Vanessa, ns formamos uma famlia durante esses dois anos.
Foi maravilhoso vivenciar esses momentos com vocs, um ciclo de amizade que ultrapassou os
muros da FUNDAJ/UFRPE. Muito obrigada por tudo meninas.
Karla Barroca, por se dispor e me ajudar tanto, especialmente com sua experincia e
a Mary (amiga irm) que no momento de desespero me estendeu a mo. Muito obrigada!
Aos professores do PPGECI, especialmente os que marcaram diretamente a minha vida
durante esses dois anos. Ao professor Maurcio, que no meu silncio e timidez conseguiu
perceber minhas potencialidades e com isso me estimulou a acreditar em mim mesma. Ao
professor Humberto que me acolheu e com seu exemplo me ensinou muito durante o meu
estgio docncia. Muito obrigada pelo seu carinho, pacincia e ateno.
professora Tcia, por conhecer e participar um pouco da minha trajetria, antes mesmo
do ingresso no mestrado. Muito obrigada, pelo apoio e por suas contribuies indiretas durantes
suas aulas e diretas durante o exame de qualificao que foram importantssimas para a
construo dessa dissertao.
Ao GIPIEDUC, por tudo que estudamos e pela oportunidade de compartilharmos nossas
experincias o que contribuiu significativamente para construo dessa dissertao.
Coordenao e equipe da UEID- Unidade de Educao Especial Incluso e Direito a
Diversidade do municpio de Vitria de Santo Anto, pois foi durante minha atuao
profissional nesse segmento que aprendi na prtica tudo sobre a Educao Especial e atravs da
qual pude realizar minha pesquisa. Obrigada pelas liberaes durante o Mestrado e pelo apoio.
A experincia que adquiri sem sombra de dvidas levarei comigo durante toda minha vida.
Aos docentes e pais, que se dispuseram a participar e contriburam significativamente
para a realizao dessa pesquisa. Pude vivenciar momentos extremamente produtivos junto com
vocs, os quais deram sentido ao resultado final dessa dissertao. Muito obrigada!
Obrigada a todos pela compreenso e termino com um outro versculo:
Porque dEle e por Ele, e para Ele, so todas as coisas; glria, pois,
a Ele eternamente. Amm. (Romanos 11:36)
RESUMO
Esta pesquisa se construiu embasada nos estudos Sociais da Infncia com o enfoque da
Sociologia da Infncia, nos estudos do desenvolvimento humano com o enfoque na perspectiva
scio-histrica de Vygotsky e nas discusses sobre a Educao Especial fundamentada nos
princpios dos direitos humanos. Tivemos como objetivo central, analisar como os docentes e
pais da criana da Educao Especial concebem a infncia, o desenvolvimento e a educao.
Caracterizada como pesquisa qualitativa, a partir da tcnica de grupo focal, com gravao em
udio das falas, e posterior transcrio das mesmas, organizamos os registros por temticas.
Foram realizados dois grupos: um constitudo por docentes e outro por pais. Para construo da
anlise interpretativa o mtodo adotado foi o de anlise de contedo de Bardin. Os achados da
pesquisa indicaram um paradoxo ao reconhecer a participao social da criana e, ao mesmo
tempo, manter uma preocupao com o futuro, secundarizando o protagonismo infantil.
Apontam para uma concepo adultizada como caracterstica contempornea e reiteram a
responsabilidade da escola como complemento a educao da criana. Com relao a criana
da Educao Especial revelam um foco na deficincia apresentada. A infncia nesse contexto,
concebida a partir dos aspectos biolgicos que a envolve e esses se sobrepem a suas
especificidades e vinculaes sociais e culturais. Sobre desenvolvimento tanto os pais quanto
os docentes apresentaram preocupao e empenho frente as estratgias e estmulos que o
influenciam, compreendendo que a relao da criana com o meio fator essencial para o
desenvolvimento. Acerca das concepes de educao, ficam claros os desafios a serem
enfrentados para o alcance de uma educao que atenda a todos reconhecendo e valorizando
suas particularidades. Todavia, tanto os pais como os docentes apontam para uma viso positiva
da educao da criana especialmente quando fundamentada nos pressupostos inclusivos em
que se articulam a igualdade e a diferena. Diante do exposto, os direitos garantidos so
percebidos como elementos potencializadores da infncia, desenvolvimento e educao da
criana pblico-alvo da Educao Especial e nesse interim ressaltamos a importncia de
realizao de estudos que deem continuidade a esse trabalho.
Palavras chaves: Infncia. Criana. Desenvolvimento. Educao Especial.
ABSTRACT
This research was built based on the Social Studies of Childhood with a focus on Sociology of
Childhood, on the human development studies with a focus on Vygotsky's sociohistorical
perspective and on the discussions on Special Education resting on human rights principles.
Our main objective was to analyze how teachers and parents of children of Special Education
conceive of childhood, development and education. This qualitative research used the technique
of focus groups, with audio recording of the speeches and later transcription of the same, which
were organized by themes. Two groups were performed: one consisting of teachers and the
other by parents. It was adopted the method of content analysis by Bardin for the construction
of the interpretative analysis. The findings of the research indicated a paradox in recognizing
the child's social participation and maintaining a concern for the future, subordinating the child's
protagonism. They point to a premature adulthood conception as a contemporary
characteristic and reiterate the school's responsibility as a complement to the child's education.
Concerning to the Special Education children, they reveal a focus on the disabilities presented.
In this context, childhood is conceived from biological aspects and these overlap their
specificities and social and cultural linkages. Regarding development, both parents and teachers
presented concern and commitment before the strategies and stimuli that influence it,
understanding that a child's relationship with the environment is an essential factor for
development. About education conceptions, it was easy to perceive that there are challenges to
be faced in reaching an education that meets everyone recognizing and valuing their
particularities.However, both parents and teachers point to a positive view of the childs
education especially when it is based on inclusive assumptions in which equality and
differences are articulated. In view of the above, guaranteed rights are perceived as potentiate
elements of childhood, development and education of the special education children, and in this
context we emphasize the importance of carrying out studies that will continue this work.
Keywords: Childhood, Children, Development, Special Education.
.
LISTA DE ILUSTRAES
TABELA 1- Principais Caractersticas dos Direitos Humanos.......................................... 67
FIGURA 1- Mapa de localizao do municpio.................................................................. 86
TABELA 2- Populao total do municpio de Vitria de Santo Anto.............................. 86
TABELA 3- Populao entre 0 e 5 anos do municpio de Vitria de Santo Anto............ 87
TABELA 4- Projeo do IDHM- ndice de Desenvolvimento Humano Municipal........... 87
GRFICO 1- Nmero de Escolas que ofertam o Pr-escolar............................................. 88
GRFICO 2- Nmero de Matrculas no Pr-escolar.......................................................... 88
TABELA 5- Educao Especial: dados de 2008-2015........................................................ 91
TABELA 6- Perfil dos Participantes da Pesquisa 1- Docentes........................................... 97
TABELA 7- Perfil dos Participantes da Pesquisa 2- Docentes........................................... 98
TABELA 8- Perfil dos Participantes da Pesquisa 3- Pais................................................... 99
FIGURA 2- Caracterizando a Educao Especial................................................................ 123
LISTA DE SIGLAS
AEE- Atendimento Educacional Especializado
APAE- Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais
ABA- Applied Behavior Analysis/Anlise do Comportamento Aplicada
BPC- Benefcio de Prestao Continuada
CADNICO- Cadastro nico
CAMVI- Clnica de Apoio Multidisciplinar da Vitria
CRAS- Centro de Referncia da Assistncia Social
CREAS- Centro de Referncia Especializado da Assistncia Social
CONDICA- Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente
DA- Deficincia Auditiva
DCNEI- Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao Infantil
DF- Deficincia Fsica
DI- Deficincia Intelectual
DV- Deficincia Visual
ECA- Estatuto da Criana e do Adolescente
FNDE- Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDHM- ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Ansio Teixeira
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
MEC- Ministrio da Educao e Cultura
PBF- Programa Bolsa Famlia
PEP-R - Perfil Psicoeducacional Revisado
PDE- Plano de Desenvolvimento da Educao
PNE- Plano Nacional de Educao
PNPEI- Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva
RCNEI- Referenciais Curriculares Nacionais da Educao Infantil
SEESP- Secretaria de Educao Especial
SI- Sociologia da Infncia
SUAS- Sistema nico da Assistncia Social
TEACCH- Treatment and Education of Autistic and related Communication-handicapped
Children/ Tratamento e Educao para Autistas e Crianas com Dficits relacionados com a
Comunicao
TGD- Transtornos Globais de Desenvolvimento
UEID- Unidade de Educao Especial, Incluso e Direito a Diversidade
UNICEF- United Nations Children's Fund /Fundo das Naes Unidas para a Infncia
ZDP- Zona de Desenvolvimento Proximal
SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................... 13
CAPTULO I- A CRIANA PBLICO-ALVO DA EDUCAO ESPECIAL:
HISTRIA E REFLEXES A PARTIR DA PERSPECTIVA TERICA DA
SOCIOLOGIA DA INFNCIA .........................................................................................
19
1.1 Construindo um Mosaico sobre a Histria da Infncia: apontamentos
necessrios............................................................................................................................
19
1.2 Introduo aos Estudos Sociais da Infncia................................................................... 27
1.3 O olhar por trs das cortinas: dos novos estudos sociais da infncia criana da
Educao Especial................................................................................................................
29
CAPTULO II- A CRIANA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA SCIO-
HISTRICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO......................................................
39
2.1 Desenvolvimento Humano: tecendo os fios a partir dos referenciais da Psicologia...... 39
2.2 Enfoque scio-histrico de Vygotsky: da defectologia ao desenvolvimento infantil ... 46
2.3 A criana na perspectiva scio-histrica: Aproximaes com a Educao
Especial................................................................................................................................
50
CAPTULO III- EDUCAO ESPECIAL: UMA QUESTO DE DIREITOS
HUMANOS.............................................................................................................................
56
3.1 A histria e a trajetria da pessoa com deficincia: breve contextualizao................. 57
3.2 Marco poltico-legal da Educao Especial: uma porta aberta para a incluso
educacional...........................................................................................................................
59
3.3 Direitos Humanos, Educao e a Criana pblico-alvo da Educao Especial ............
3.4 As produes de conhecimentos sobre a Educao Especial e Educao Infantil pela
via de textos acadmicos......................................................................................................
65
76
CAPTULO IV- PROCEDIMENTOS METODOLGICOS: ESTRATGIAS,
CONTEXTO E TICA .......................................................................................................
80
4.1 Alguns apontamentos sobre a pesquisa qualitativa........................................................ 80
4.2 A tcnica de grupo focal para identificao das concepes de infncia
desenvolvimento e educao................................................................................................
81
4.3 Os dados a partir do mtodo de anlise de contedo..................................................... 84
4.4 Contexto de pesquisa: o municpio, a Educao Especial e o Sistema de garantia de
direitos .................................................................................................................................
85
4.5 Consideraes ticas do Estudo..................................................................................... 95
CAPTULO V- A INFNCIA O DESENVOLVIMENTO E A EDUCAO: VOZES
VIVAS DE UMA REALIDADE.........................................................................................
96
5.1 Os donos e donas das vozes: conhecendo os sujeitos participantes da pesquisa........... 97
5.2 A criana e a infncia: do genrico ao pblico alvo da Educao Especial.................. 100
5.3 Desenvolvimento infantil segundo os pais e docentes................................................... 107
5.4 Educao: compreenses e depoimentos....................................................................... 121
CAPTULO VI- OS DIREITOS GARANTIDOS COMO ELEMENTOS
POTENCIALIZADORES DA INFNCIA, DESENVOLVIMENTO E EDUCAO
DA CRIANA COM DEFICINCIA: NOTAS CONCLUSIVAS....................................
131
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................. 136
APNDICES........................................................................................................................ 149
13
INTRODUO
Crianas so como borboletas ao vento... algumas voam
rpido... algumas voam pausadamente, mas todas voam do
seu melhor jeito... Cada uma diferente, cada uma linda
e cada uma especial.
Foram escolhidas as palavras de Alexandre Lemos para iniciarmos esse trabalho por
dois motivos: Primeiro que o referido autor um jovem, com 28 anos e aluno da APAE1,
considerado em seu contexto social como um excepcional2, mas que excepcional mesmo
sua sensibilidade ao retratar de forma potica sentimentos de sua prpria realidade. Em segundo
lugar, essas palavras refletem a complexidade e a singularidade que envolve a criana,
independentemente de suas condies biopsicossociais.
Uma borboleta quando voa, no tem propriedade do destino de seu voo e qual caminho
lhe ser permitido percorrer, visto que esse percurso envolve outros aspectos alm de si mesma.
Talvez as circunstncias facilitem ou dificultem a sua jornada ou talvez os obstculos
encontrados durante sua trajetria lhe possibilitem lutar pelo que almeja e, enfim, conquistar.
Nesta formosura, encanto, fragilidade, na necessidade de voar mais alto e de transformao,
possvel compar-la s crianas.
Para que alguns pontos dessa dissertao tenham sentido pertinente reportarmos a
lugares, relaes e aprendizados que atriburam sentidos a essa construo. No pretendo
delinear minha histria de vida, mas acredito ser importante partilhar um pouco da minha
formao inicial e continuada associada a minha experincia profissional.
Em 2003, quando iniciei o ensino mdio, tomei a importante deciso de cursar o
Magistrio (atual Normal Mdio) e foi atravs do estgio supervisionado que tive meu primeiro
contato com uma criana com deficincia. Temerosa, durante uma regncia em sala, um abrao
apertado me toma de surpresa, tratava-se de um aluno com Sndrome de Down que naquele
momento veio me cumprimentar. Meu primeiro contato, no sabia eu, seria a porta de entrada
a uma rea que eu escolheria para estudar e trabalhar. Quatro anos se passaram e at concluir o
Magistrio j tinha tido contato em sala de aula com outras crianas com deficincia, entre elas
1 Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais- Localizada no Rio de Janeiro (BRASIL, 2010a) 2 Termo no mais utilizado sendo substitudo atualmente por deficincia.
14
uma com deficincia visual. Em 2007, quando me formei escrevi meu trabalho de concluso de
curso sobre a incluso social da pessoa cega.
Mais tarde, precisamente entre 2009 e 2012 na graduao em Pedagogia decidi
aprofundar os estudos em torno dessa rea. Comecei a investigar sobre gesto escolar e suas
implicaes para incluso educacional da pessoa com deficincia, no sabia que esse estudo se
aplicaria a minha prtica.
Graduada em Pedagogia, em 2013, iniciei um trabalho na UEID - Unidade de Educao
Especial Incluso e Direito a Diversidade (antigo Departamento de Educao Especial do
municpio de Vitria de Santo Anto- PE). Como docente, lotada nesse segmento, desenvolvia
junto a equipe um trabalho de gesto, tudo sobre a Educao Especial ficava a cargo da UEID.
Entre outras atividades, atuvamos no atendimento e encaminhamentos das crianas, jovens e
adultos com deficincia e de suas respectivas famlias, na superviso das escolas que ofertavam
a Educao Especial onde eram promovidas as formaes para gestores, docentes e demais
sujeitos escolares e articulvamos parcerias com as reas da assistncia social e sade a fim de
garantir a clientela um servio de qualidade.
Foi durante minha atuao na UEID que me aproximei do universo infantil, das crianas
da Educao Especial e imerso a esse contexto percebi que como as borboletas citadas no verso
de Alexandre: cada criana tem um jeito! Jeito de nascer, de crescer, de se comportar, de criar,
de brincar, de inventar, de estudar, de viver e cabe, no s a elas mas tambm a ns, permitir
que alcem seus voos.
Lembro-me de um episdio que me chamou ateno durante o atendimento a uma me
e uma criana diagnosticada com DI Deficincia Intelectual. A me sem saber o que fazer,
havia se direcionado a unidade por ter recebido queixas do seu filho. A gestora da escola onde
a criana estudava alegou que ele seria culpado de uma briga com uma outra colega e que sua
professora tinha presenciado tudo. Nesse contexto, os pais da coleguinha supostamente
agredida teria exigido providncias por parte da gestora para que tirasse o menino da sala
regular e o colocasse em uma classe especial, sob alegao de que ele era doentinho.
A fim de fornecer as orientaes devidas, falamos com a gestora e convocamos a
professora para ouvirmos sua verso dos fatos, visto que teria presenciado o acontecido, mas
antes, optamos por ouvir a criana (suposta agressora). Ela dizia com lgrimas nos olhos: Tia,
muito ruim ser especial. Ningum me escuta! Eu no sou culpado! Tentei explicar, mas a
diretora nem pra mim olhava. Ela escutou a menina, mas no me escutou porque sou especial.
Eu no queria ser especial! Aps essa conversa, a professora chega e alega que a colega o teria
agredido com palavras chamando-o de doentinho e por isso ele teria reagido, mas que a diretora
15
sob exigncias dos pais da menina se sentiu coagida, no deu ouvidos ao menino e ainda
reforou o pensamento dos pais dizendo: Realmente, ele doentinho!
Muitos elementos poderiam ser alvo de discusso, mas o que mais me chama ateno
a posio das crianas especialmente da criana com deficincia e dos adultos nesse
acontecimento. A criana com deficincia tem sua voz silenciada o que leva a mesma, mediante
o acontecido e a sua condio se sentir inferior. Sua colega que iniciou a briga teve um
comportamento inadequado, ouvida e considerada inocente. A gestora que deveria ouvir a
todos, ouve s a menina por se sentir pressionada pelos pais da mesma. Os pais reforam
atitudes preconceituosas ao considerar o afastamento da criana com deficincia a melhor
alternativa pra garantir a segurana de sua filha. A docente que presenciou os fatos
aparentemente fica inerte no momento em que ocorre a situao. A me da criana com
deficincia fica sem saber o que fazer.
Aps o episdio, um turbilho de inquietaes: Como a criana com deficincia tem
sido vista pela sociedade? E na escola? E na famlia? E a infncia dessa criana? Como os
adultos tm se posicionado frente ao fator deficincia? E os docentes? Como as barreiras
atitudinais geram atitudes preconceituosas? Como quebrar essas barreiras? Ser que o fator
deficincia introduzem em todas as crianas nessa condio o sentimento de inferioridade? O
que podemos fazer para que ela no se sinta inferior?
Tantas outras perguntas surgiram desse episdio e quando em 2015 comecei o
mestrado optei pela linha 2 - Desenvolvimento e Processos Educacionais e Culturais da infncia
e da Juventude - me aproximei do objeto de estudo dessa pesquisa: a infncia, o
desenvolvimento e a educao, e, ento, decidi focar na criana pblico-alvo da Educao
Especial.
A infncia, o desenvolvimento e a educao da criana vista por um panorama mais
genrico podem ser considerados fenmenos indissociveis, mas por muito tempo sofreram
indefinies ou, nas trajetrias em percurso at os dias atuais, receberam definies distintas.
Um dos principais fatores contribuintes para esse cenrio deve-se s dificuldades de visibilidade
e reconhecimento da criana enquanto sujeito ativo socialmente, protagonista de sua prpria
histria.
Imerso a esse contexto nos reportamos s crianas com alguma deficincia - pblico-
alvo da Educao Especial - que assim como as outras tambm foram invisibilizadas, mas que
tiveram em sua trajetria marcas destrutivas que as impediram, por muito tempo, de transitar
em sociedade. Razes histricas marcadas pelo abandono e excluso repercutiram a tal ponto
que muitas foram e ainda so as dificuldades de aceitao.
http://www.ppgeci.ufrpe.br/br/linhas-de-pesquisas/linha-de-pesquisa-2-desenvolvimento-e-processos-educacionais-e-culturais-dahttp://www.ppgeci.ufrpe.br/br/linhas-de-pesquisas/linha-de-pesquisa-2-desenvolvimento-e-processos-educacionais-e-culturais-da
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Para a construo desse estudo, poderamos colocar a criana com deficincia numa
mesma posio das que no se encontram nessa condio, porm concordamos com Victor, et
al. (2012, p. 147):
A colocao da criana com deficincia em uma categoria geral faz com se
percam as diferenas e peculiaridades desta criana, j que ser criana e com
deficincia uma condio diferenciada de infncia dentro da educao
infantil. Este fato, porm, pode ser explicado por no existir pesquisas que
retratam esta infncia fazendo com que os pesquisadores tenham dificuldades
de estar desenvolvendo estudos sobre essa especificidade da criana.
A colocao do autor aplica-se, no nosso entendimento, tanto ao mbito educacional
quanto ao familiar. Os fatores que envolvem a criana em contexto, podem alm das concepes
refletir condies diferenciadas, no s de infncia mas de desenvolvimento e educao. Por
isso, reconhecemos a importncia de aprofundar o estudo sobre essa temtica especfica tanto
por acreditarmos que estaremos fortalecendo a luta por reconhecimento dessa criana e
aplicabilidade de seus direitos, quanto por acreditar que contribuiremos com futuras pesquisas.
Neste sentido, buscamos responder ao seguinte problema: Como docentes e pais de
crianas da Educao Especial concebem a infncia, o desenvolvimento e a educao? Tivemos
como objetivo central analisar essas concepes e como objetivos especficos, buscamos
investigar os elementos que constitui as concepes e suas interfaces com a relao estabelecida
no ambiente escolar e familiar e identificar possveis regularidades ou irregularidades presentes
nos depoimentos a partir da comparao das falas dos participantes.
Caracterizada como pesquisa qualitativa, se construiu embasada nos Novos Estudos
Sociais da Infncia, com o enfoque da Sociologia da Infncia, nos estudos do desenvolvimento
humano, com o enfoque na perspectiva scio-histrica de Vygotsky3 e nas discusses sobre a
Educao Especial fundamentada nos princpios dos direitos humanos.
A partir da tcnica de grupo focal, com gravao em udio, das falas, e posterior
transcrio das mesmas, buscamos alcanar aspectos qualitativos especficos das concepes
organizando os registros por temticas, sendo essas: Infncia e Criana; Desenvolvimento
Infantil e Educao. Foram realizados dois grupos, um constitudo por docentes e outro por
pais, e, para construo da anlise interpretativa, o mtodo adotado foi o de anlise de contedo
de Bardin (2009). Nesse processo, tivemos a oportunidade de investigar os principais elementos
3 Mediante as diferentes formas escritas do nome do autor, adotamos para este estudo a escrita Vygotsky visto que em sua maioria as obras utilizadas constam dessa verso.
17
que constituram as concepes e como esses se interconectam com as relaes estabelecidas
no mbito escolar e familiar.
No caminho percorrido durante a escrita estruturamos a pesquisa em cinco captulos.
Para tratar da infncia no contexto da criana pblico alvo da Educao Especial, no primeiro
captulo traamos uma reflexo histrica que introduz o leitor aos novos estudos sociais da
infncia, sob o enfoque da perspectiva terica da Sociologia da Infncia. Nesse sentido, alm
dos estudos de Abramowicz e Oliveira, (2010), ries (1873; 2011), Corsaro (2003), Drago
(2011), Sarmento (2007), Sirota (2001) sentimos a necessidade e recorremos a literatura que
atenta para realidade da criana com deficincia. Nesse sentido, destacamos os estudos de
Plaisance (2005), Pereira (2012), Queiroz e Rizini (2012) e Victor (2012) que, a partir da
perspectiva terica da Sociologia da Infncia, trazem valiosas contribuies sobre o
desvendamento da infncia nesse contexto.
Sobre o desenvolvimento humano, no segundo captulo situamos o leitor sobre
diferentes concepes para, ento, referenciar os desdobramentos da perspectiva scio-histrica
de Vygotsky para o desenvolvimento infantil da criana da Educao Especial. Como
referencial terico, destacamos os estudos da Psicologia do Desenvolvimento de Mussen, et al.
(1999), Papalia, Olds e Feldman (1999), Book, Furtado e Teixeira (2001), Vygotsky (1989;
2011).
No terceiro captulo, buscamos traar uma discusso sobre o atendimento educacional
da criana pautada na perspectiva dos direitos humanos, nas quais se insere reflexes sobre a
trajetria da Educao Especial e da Educao Infantil, em seus aspectos histricos e legais.
Para compreender esta caminhada foram utilizados como aporte terico, entre outros, os estudos
de Laplane (2006), Machado (2009), Mantoan (2006), Mendes (2010), Kuhlmann Jr. (2000,
2010), Kramer (2003, 2006, 1988) e Oliveira (2002) e alguns documentos oficiais (Brasil 2010,
2014, 2015, entre outros) os quais discutem processos que marcam os caminhos do atendimento
s crianas sem e com deficincia no mbito social e educacional.
O quarto captulo, apresentamos um desenho do estudo quanto s escolhas
metodolgicas realizadas, com uma explanao sobre a abordagem da pesquisa, a tcnica
utilizada para coleta, os instrumentos de anlise dos dados, o contexto de aplicao do estudo e
as consideraes ticas na pesquisa.
No quinto captulo, considerado pela pesquisadora o corao do estudo, constam os
achados construdos no decorrer da pesquisa. De forma detalhada, expomos os perfis dos
sujeitos participantes da pesquisa e, em seguida, a discusso das ideias que emergem sobre a
criana nos mbitos familiar e educacional, a partir do olhar das pessoas que lidam diretamente
18
com elas. Desde concepes gerais sobre infncia, desenvolvimento e educao ao enfoque na
vida das crianas pblico-alvo da Educao Especial, os olhares deram sentido ao processo de
coleta, anlise e interpretao das falas.
E, no sexto captulo, constam as notas conclusivas do estudo, que se do em torno dos
direitos garantidos como elementos potencializadores da infncia, do desenvolvimento e da
educao da criana com deficincia. Imerso a esse captulo, apontamos algumas questes
vistas como fio condutor para trabalhos posteriores.
19
1. A CRIANA PBLICO-ALVO DA EDUCAO ESPECIAL: HISTRIA E
REFLEXES A PARTIR DA PERSPECTIVA TERICA DA SOCIOLOGIA DA
INFNCIA
As crianas, todas as crianas, transportam o peso da
sociedade que os adultos lhes legam, mas fazem-no com a
leveza da renovao e o sentido de que tudo de novo
possvel (Sarmento, 2004, p.23).
Considerando as diferenas e particularidades do universo infantil, o campo da
Sociologia da Infncia tem ocupado um espao significativo nos estudos sobre as crianas e
prope o importante desafio terico e metodolgico ao perceb-las enquanto atores plenos,
construtores e participantes de sua realidade social. Esse reconhecimento nega a ideia de
passividade e o reducionismo biolgico de forma que a infncia passa ser vista enquanto
construo social.
No entanto, essa forma de conceber a infncia nem sempre foi assim. As concepes de
infncia se configuram distintamente no decurso de sua histria, requerendo do pesquisador
que se interessa por esse objeto de estudo um aprofundamento das discusses em torno desse
conceito que abarca desde suas definies clssicas at as contemporneas.
Reconhecendo tais aspectos e destacando que o nosso foco centra-se na infncia da
criana da Educao Especial, alm dos estudos de Abramowicz e Oliveira, (2010), ries
(1873, 2011), Corsaro (2003), Drago (2011), Sirota (2001), sentimos a necessidade de
recorremos literatura que atenta para a realidade dessa criana. Nesse sentido, destacamos os
estudos de Plaisance (2005), Pereira (2012), Queiroz e Rizini (2012) e Victor (2012) que, a
partir da perspectiva terica da Sociologia da Infncia, trazem valiosas contribuies sobre o
desvendamento da infncia nesse contexto.
1.1 Construindo um Mosaico sobre a Histria da Infncia: apontamentos necessrios
A histria da infncia recebe em seu decurso compreenses distintas em torno da criana
e de sua representatividade social. A infncia se constitui enquanto campo terico a partir da
emergncia dos estudos nas diversas esferas do saber que consequentemente tm sido
investigadas a partir de diferentes abordagens que representam distintamente a imagem social
da criana (ANDRADE, 2010).
20
Segundo Aris (1973), at a modernidade, a criana era caracterizada como um adulto
em miniatura, no existindo um espao prprio para ela, que dividia com os adultos o mesmo
espao (fsico e simblico). As concepes histricas sobre a infncia a partir de uma
abordagem adultocntrica, conforme descrito por Sarmento (2007), revelam a ocultao de uma
realidade cultural e social no que se refere participao da criana nesse cenrio e evoca a
necessidade de quebra desse modelo de infncia at ento institudo, para alm de uma
concepo de infncia passiva, um vir a ser conforme a perspectiva durkheimiana:
Definida como um perodo de crescimento, quer dizer, essa poca em que o
indivduo, tanto do ponto de vista fsico quanto moral, no existe ainda, em
que ele se faz, se desenvolve e se forma, a infncia representa o perodo
normal da educao e da instruo. A infncia suficientemente frgil para
que deva ser educada e suficientemente mvel para poder s-lo. A criana ,
pois, aqui considerada antes de tudo como aquilo que os anglo-saxes
denominam um future being, um ser futuro, em devir: ela [a infncia]
apresenta ao educador no um ser formado, no uma obra realizada e um
produto acabado, mas um devir, um comeo de ser, uma pessoa em vias de
formao. (SIROTA, 2001 p. 09).
A ideia histrica da infncia enquanto construo social preconizada pelo historiador
Philippe Aris (1973) que contribui significativamente para os estudos das concepes e
representaes da infncia. Por tratar-se de uma obra clssica no entendimento da infncia, da
criana e da vida destas no mbito familiar e escolar, os estudos do francs sobre a histria
social da criana e da famlia demarcaram o cenrio no sentido de resgatar, historicamente, a
construo social inerente concepo de criana (DRAGO, 2011).
No contexto social da idade mdia, conforme afirma Aris (1973), no existia uma
representao consolidada da infncia, ausncia do sentimento de infncia desconsiderava as
particularidades da criana frente aos adultos. Apesar de ter sofrido crticas referentes sua
viso, o referido autor realizou estudos da iconografia da idade medieval modernidade, nos
quais analisou as representaes sociais da infncia na Europa especificamente na Frana e
influenciou os estudos que foram realizados posteriormente.
[...] a criana era tida como uma espcie de instrumento de manipulao
ideolgica dos adultos e, a partir do momento em que elas apresentavam
independncia fsica, eram logo inseridas no mundo adulto. A criana no
passava pelos estgios da infncia estabelecidos pela sociedade atual. Outro
fator importante era que a socializao da mesma durante a Idade Mdia no
era controlada pela famlia, e a educao era garantida pela aprendizagem
atravs de tarefas realizadas juntamente com os adultos. (BARBOSA;
MAGALHES, 2008 p.02).
21
A experincia de Aris aponta a influncia da vida moderna e das modificaes das
estruturas sociais sobre a infncia. possvel analisar como os povos construram suas ideias
de criana, imagem de criana representada, elucidando assim, os modos de ser criana e os
modos e estar no mundo contemporneo.
Esse contexto expresso por Andrade (2010, p.48):
A tese da ausncia do sentimento de infncia na Antiguidade relatada pelo
autor considerando os altos ndices de mortalidade das crianas e a forma de
viver indistinta dos adultos manifestada nos trajes, nos brinquedos, na
linguagem e em outras situaes do cotidiano revelando uma criana que no
possuam nenhuma singularidade e no se separavam do mundo adulto, sendo,
pois, considerada um adulto em miniatura.
Na idade mdia as crianas no tinham uma funo social, at que adentrassem ao
trabalho. A independncia das crianas as inseria na sociedade dos adultos, eram vistas como
aprendizes que participavam das atividades e afazeres domsticos. Suas roupas lhes continham
os corpos no permitindo a liberdade de movimentar-se, e as precrias condies de higiene e
sade tinham como consequncia o alto ndice de mortalidade infantil.
A situao econmica das crianas era um fator de definio de grandes desigualdades
na poca. Enquanto as crianas da classe pobre logo eram inseridas no mundo do trabalho sem
qualquer distino entre as mesmas e os adultos, as crianas pertencentes classe nobre da
sociedade tinham educadores prprios, os ensinamentos aconteciam com foco em sua transio
para a vida adulta (ANDRADE, 2010).
Esses fatores denunciam a maneira como as crianas eram ignoradas e o quanto a
histria da infncia revela um silenciamento. A criana existia, porm, a falta de
problematizao demonstrava a ausncia de discusses em torno da infncia. Os estudos de
ries um marco para entendermos que a infncia uma categoria da modernidade e que no
pode ser compreendida fora da histria da famlia e das relaes de produo (ANDRADE,
2010, p. 48).
Nesse contexto, Barbosa e Magalhes (2008, p.3) reafirmam o papel social vivenciado
pela criana:
Era tida como uma espcie de instrumento de manipulao ideolgica dos
adultos e, a partir do momento em que elas apresentavam independncia
fsica, eram logo inseridas no mundo adulto. A criana no passava pelos
estgios da infncia estabelecidos pela sociedade atual. Outro fator importante
era que a socializao da mesma durante a Idade Mdia no era controlada
pela famlia, e a educao era garantida pela aprendizagem atravs de tarefas
realizadas juntamente com os adultos.
22
Postman (2011) acrescenta que esse um perodo em que no havia uma literatura
infantil, a linguagem era a mesma para o adulto e para a criana. Em termos de distino entre
o medievo e a modernidade, nada to contundente quanto a falta de interesse pela criana. O
referido autor defende que a inexistncia do conceito de infncia deve-se ausncia dos
instituies destinadas educao presente no cenrio medieval.
Na modernidade, a infncia surge atravs da escolarizao e institucionalizao da
escola, de forma que os conceitos passam a ser repensados tendo uma relao direta com as
representaes da criana. A preocupao com a educao moral e pedaggica bem como com
o sentimento de infncia e o comportamento no meio social so ideias que surgem intersectadas
neste perodo, levando-nos ao credo de uma possvel valorizao da infncia, a partir de seu
processo histrico (BARBOSA; MAGALHES, 2008).
O advento da escola na modernidade contribuiu diretamente para a separao
das crianas dos adultos, visto que a escolarizao passa a ser considerada por sries. A criana,
que se distinguia do homem apenas no tamanho e na fora, passa a ter um espao prprio nas
instituies escolares.
Andrade (2010, p. 51) descreve que:
Assim, as mudanas no interior das famlias e a necessidade de educao das
crianas so fatores determinantes para o desenvolvimento do sentimento de
infncia. A escola confirma-se enquanto instituio responsvel pela
separao das crianas e jovens do mundo adulto, por meio de prticas
autoritrias e disciplinares em defesa da formao do futuro cidado.
possvel apontar para o sculo XVII como um marco na histria da infncia pois
neste perodo que a cincia passa a se interessar por ela. At ento, as crianas inexistiam em
expresso e s a partir das ideias de amparo e dependncia que surge a infncia caracterizada
pela necessidade de cuidado e disciplina. A infncia vista enquanto sinnimo de proteo e
as crianas como seres em fragilidade total, incapazes de atuarem por si s. Fica clara a
existncia da criana em funo do adulto que a monitora, at que a mesma ultrapassasse os
graus de dependncia. Alm disso, designa-se a infncia enquanto primeira idade do ciclo vital
(LEVIN, 1997).
Passou-se, ento, a submeter o corpo da criana de vrias formas, o que, na
poca, era considerado necessrio para evitar os seus movimentos, bem como
para exercer um controle efetivo sobre o pequeno ser. Assim, durante muito
tempo o nico caminho existente foi uma rgida disciplina infantil.
(NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2008, p. 8).
23
Considerando a incapacidade atribuda criana, a irracionalidade um aspecto
presente na vida dessas e, portanto, a disciplina considerada a melhor maneira de orienta-las
para a vida adulta. J dizia Levin (1997, p.230), Quem no usa a vara, odeia seu filho. Com
mais amor e temor castiga o pai ao filho mais querido. Assim como uma espora aguada faz o
cavalo correr, tambm uma vara faz a criana aprender.
O fim do sculo XVIII revoluciona a realidade da criana, aspectos tais como: modo de
se vestir, comportamento, peculiaridades da criana alam espao social. Nesse perodo, ao
passo que as roupas tornaram-se mais leves conduzindo as crianas condio de maior
liberdade e movimento, havendo aos poucos o reconhecimento das peculiaridades infantis. A
infncia alcana seu pice de forma que at as artes passam a expressar os sentimentos do adulto
com relao criana, permitindo a conquista de um lugar privilegiado (ARIS, 1981).
Nesta direo, Sarmento (2007, p. 28) discrimina que:
Os sculos XVII e XVIII, que assistem a essas mudanas profundas na
sociedade, constituem o perodo histrico em que a moderna ideia da infncia
se cristaliza definitivamente, assumindo um carcter distintivo e constituindo-
se como referenciadora de um grupo humano que no se caracteriza pela
imperfeio, incompletude ou miniaturizao do adulto, mas por uma fase
prpria do desenvolvimento humano.
Em Rousseau (1995), estudioso da infncia no sculo XVIII, possvel encontrar grande
contribuio. Atravs de sua obra Emlio (1712-1778) ressalta que a criana pode ser
reconhecida em seu mundo e no apenas como projeo do adulto. Concebe a criana em si
mesma, considerando suas especificidades e manifestaes prprias no que concerne a
criatividade e imaginao. A infncia passa a ser vista como tempo de expresso espontnea
agradvel e a criana como possuindo caractersticas prprias que devem ser cultivadas afim
de contribuir significativamente para o seu desenvolvimento futuro.
Dentro de uma sociedade, as crianas vivem diferentes contextos e nesse sentido, para
o estudo da infncia relevante e eficaz a compreenso das concepes que a envolveu e
envolve nos tempos e espaos.
preciso considerar a infncia como uma condio da criana. O conjunto
das experincias vividas por elas em diferentes lugares histricos, geogrficos
e sociais muito mais do que uma representao dos adultos sobre essa fase
da vida. preciso conhecer as representaes de infncia e considerar as
crianas concretas, localiz-las como produtoras da histria. (KUHLMANN,
2010, p.30).
24
Os papis, bem como a insero social das crianas variam com os modelos de
organizao da sociedade a que pertencem, reforando a ideia de que a infncia existe de
maneiras distintas. A infncia entendida como momento da histria individual de cada sujeito
e o sentimento de infncia no sinnimo de afeio pelas crianas mas sim a conscincia da
particularidade infantil distinta do adulto, considerada em sua capacidade de desenvolvimento
(KRAMER, 2003, 2006).
A busca por uma representao e respectiva interpretao do mundo infantil uma
novidade que se prope a compreender a complexidade e as multifaces da infncia enquanto
construo social (CORSARO, 2003). Estudos e pesquisas indicam as diferentes maneiras e
modos do ser criana na contemporaneidade, bem como as constantes e evidentes
transformaes, tanto com relao aos investimentos na criana quanto aos papis e estatutos
sociais a elas atribudos (CORSINO, 2012).
A nossa realidade contempornea se caracteriza pela segmentao dos espaos.
Crianas, pr-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e velhos tem espaos prprios,
evidenciando a separao por faixas. Corsaro (2003) discrimina que a cultura humana produz
significados e cada etapa vivenciada pelo homem se sobrepe s determinaes naturais. As
significaes so expressas claramente nas condutas e desempenho dos papis sociais, o que
induz considerao de geraes construdas socialmente e o adentrar da construo social da
infncia no estabelecimento desses valores e condutas morais.
O advento das tecnologias, bem como a era do consumo desenfreado e ainda o reforo
da mdia, tem despertado um incessante desejo pela completude e conduzido as formas de ser
criana e de estar no mundo. Temos sido bombardeados pela lgica capitalista e o
individualismo tem se caracterizado enquanto marca da contemporaneidade.
Consequentemente, a criana atingida por essa lgica, reconfigurando a concepo de infncia
na contemporaneidade.
Vivenciamos uma realidade em que a criana est envolta a direitos de
cidadania, mas sem condies para exerc-la, pois no existe um espao
reservado para a criana experienciar sua infncia em sua plenitude. Se no
so agendas lotadas de cursos e atividades que sobrecarregam seu dia, fazendo
que elas deixem de brincar, so crianas que por fatores de ordem
socioeconmica so desprovidas desse direito. E, por isso, so empurradas de
maneira precoce para o universo adulto. (SILVA, 2009, p. 31).
25
Observamos na colocao de Silva (2009) que apesar da criana ter seus direitos
reconhecidos, a sobrelotao de atividades que lhes imposta as impedem de vivenciar
plenamente sua infncia, inclusive deixam de brincar. Autores como Kishimoto (2003; 2000)
e Borba (2006) destacam a importncia da brincadeira para a vida da criana. Essa tem incio
desde os primeiros anos e permite a construo de experincias que implicam na participao
ativa com diferentes maneiras de se relacionar com o mundo. Nesse sentido, atravs do brincar,
habilidades, conhecimentos, valores e as formas de participao social so constitudos e
reinventados pela ao das crianas. Entretanto, nos tempos e espaos atuais observvel
alteraes significativas nos contedos das brincadeiras. De acordo com Postman (1999), as
brincadeiras de ruas tem sido esquecidas, as crianas desconhecem, esto desaparecendo.
A infncia contempornea apresenta particularidades que nos faz pensar sobre como o
brincar tem se modificado e parece significar o excesso de estmulos oferecidos
incessantemente, em um ritmo veloz e instantneo, pelos botes, sons e cores em constante
movimento acabando por acontecer nos ambientes privados. Um fator que justifica essa
privatizao o medo da violncia ao brincar na rua, em espaos abertos e pblicos
(BITTENCOURT, 2004).
No mundo contemporneo,
Muitos acreditam que a infncia seja um perodo de preparao e ou gestao
para um futuro adulto, com sucesso. Sucesso para consumir tudo o que deseja
e, muitas vezes, esse desejo uma somtica de coisas suprfluas e no
essenciais. No caso da criana, essa s se satisfaz se tiver o produto que
anunciado em propagandas. S se sente satisfeita se possuir a roupa do super-
homem, ou o computador da Sandy e Junior, ou, mais ainda, s brinca se for
com brinquedos eletrnicos, industrializados e padronizados; afinal, todos os
amigos do grupo tem que ter o mesmo brinquedo. (OLIVEIRA, 2008 p. 82).
Essa substituio das brincadeiras nos espaos tradicionais pelos espaos virtuais
tambm decorre do fato de que as crianas tem sido ocupadas por muitas tarefas extraescolares
que as tornam solitrias e a recorrem nos momentos de lazer entre outros artefatos a TV,
videogames, computador. Meira (2003) explica que a natureza simblica dessas novas opes
diferem e no tem a mesma dimenso daquelas brincadeiras tradicionais, tais como carrinhos
ou bonecas.
Em seu estudo sobre a criana, com objetivo discutir que lugar a criana vem a ocupar
na contemporaneidade, circunscrevendo para isto o que se conhece como "Reborn-Babies",
Mrech et al. (2009) traz uma indagao que nos faz refletir muito: Sujeito ou Objeto? Que
criana temos no contexto contemporneo?
26
Nessa reflexo, os autores se reportam a esses conceitos tendo como ponto de partida
para a discusso o destaque de uma diferena que se marca entre a posio objetal da criana
frente s figuras parentais na atualidade e a apresentada por Freud no sculo passado e retomada
por Lacan que concebe a cada do lugar da criana na contemporaneidade. Do lugar de ideal,
de desejo, tomada como corpo e, portanto, na ordem do gozo prprio e do gozo de seus pais.
Neste sentido, instaura-se uma diferena entre a lgica anteriormente ancorada
numa referncia flica e o que encontramos no discurso da
contemporaneidade, a partir do desenvolvimento da cincia e do mercado de
capital, que diz respeito produo de objetos que respondem no nvel do real
e no mais do simblico, influenciando os modos de subjetivao e o lugar
que outorgado criana. (Mrech et al., 2009, p.7).
Tecendo crticas, consideram que o lugar reservado criana na contemporaneidade
um lugar de objeto e esse posicionamento articula-se com a lgica capitalista A lgica do
consumo reforada pela mdia tem atingido as crianas e ocasionando uma regresso ou
estabilidade no que se refere criana no mundo adulto, isto , adulto em miniatura.
A infncia neste contexto acaba por se reconfigurar, se altera significativamente, pois
ser criana no mundo atual ter um corpo que consome coisas de criana, e que estas coisas
so definidas por meio da mdia como sendo prprias para a criana. (SILVA, 2009, p.34).
Ao tratar sobre o paradigma cultural vivenciado na ps-moderninade ou segunda
modernidade, Sarmento (2004; 2001) argumenta sobre a existncia de um quadro complexo de
rupturas. Compreende que o processo de globalizao desvelou a mudana e a pluralizao de
identidades, caractersticas marcantes da infncia na segunda modernidade. Os impactos desse
processo resultam de processos econmicos, polticos, culturais e sociais, contribuindo para a
disseminao de uma ideia mundial e nica da infncia.
Frente ao exposto, compactuamos com Sarmento (2007) que, contrapondo-se essa
unificao, compreende que h variaes das concepes de infncia mediante a realidade em
que a criana est inserida. Considerando essas variaes no sentido de pluralidade no
podemos restringir nossa viso e, portanto, entendemos que mais coerente falarmos em
infncias. Independente do contexto e das condies da criana, ela tem caractersticas e
necessidades prprias que precisam ser reconhecidas.
A fim de elucidar as questes aqui apresentadas, diversos campos tericos interessam-
se por estudar a infncia, entre estes esto imersos os novos estudos sociais da infncia e isso
que abordaremos no prximo subitem.
27
1.2 Introduo aos Estudos Sociais da Infncia
Nos ltimos anos, as narrativas em torno da infncia e da criana ganham espao. Na
dcada de 70, iniciam debates sobre as concepes de creche e pr-escola como espaos de
educao e de desenvolvimento. Nesse momento, essa etapa do ensino era compreendida como
estratgia para combater a privao cultural. Posteriormente, na dcada de 80 o cenrio muda,
com a nova Constituio Federal, priorizam-se os debates em torno do direito da criana e da
oferta de uma Educao Infantil de qualidade. Na rea acadmica, a partir da dcada de 90,
surgem no Brasil, a constituio de um campo de estudos interdisciplinar que trata a criana e
a infncia enquanto objeto de estudo, denominando-se novos estudos sociais da criana e da
infncia (ABRAMOWICZ, 2011).
Numa perspectiva naturalista, at ento a infncia foi compreendida a partir de um
referencial que a caracteriza enquanto fase ou etapa que antecede a juventude ou a vida adulta.
Esta perspectiva importa-se com o desenvolvimento posterior e caracteriza a infncia enquanto
perodo em que a criana passa por transformaes biopicosossiais, onde as ausncias e as faltas
de habilidades ou as incapacidades so marcas registradas (SIMES; LIMA, 2015).
Neste sentido, Abramowicz (2011, p. 11) disserta sobre uma grande novidade:
A partir da dcada de 1990 seriam os estudos sociais da infncia, quando se
comea a pensar alternativas quela rea que sempre esteve muito prxima da
criana e da infncia: a psicologia, que sempre pautou esse debate. Ao
tomarem para si esse objeto, a sociologia, os estudos sociais, contribuem no
sentido de fugir um pouco do debate psicolgico, seja do desenvolvimento,
seja do comportamento. E isso muito positivo, pois, em minha opinio, h
uma certa perspectiva no debate psicolgico sobre a infncia que acaba sendo
um debate muito normativo, etapista, estabelecendo normas, normalidades e
morais.
A autora ainda demonstra que essas novas discusses tm introduzido nas perspectivas
clssicas uma nova referncia ocasionando uma desconstruo de paradigmas no cerne dos
campos tericos. Trata-se, ento, de um novo panorama de compreenso da infncia e da
criana (ABRAMOWICZ, 2011).
As pesquisas em torno deste fenmeno tinham suas orientaes com uma base
constituinte em outros objetos de estudo, como a escola e a famlia, de forma que as crianas e
a infncia no eram analisadas a partir de uma autonomia e muito menos compreendidas em
suas diversas dimenses de estudo (DIAS, 2012).
28
Este cenrio induziu socilogos a uma compreenso da infncia invisvel,
marginalizada, incgnita (SIROTA, 2001). Tais expresses refletiam a excluso das infncias
dos estudos acadmicos, entretanto em meados da dcada de 1980, um novo campo de estudos
surgiu no interior da sociologia e passou a ser denominado de Sociologia da Infncia (DIAS,
2012, p. 64).
A Sociologia da Infncia se desenvolveu de forma expressiva nas ltimas
dcadas, impulsionada pela realidade contempornea que demonstra uma
ateno especial a essa categoria geracional, jamais vista em outros perodos
histricos. Na tentativa de compreender a criana e seu lugar na sociedade,
percebe-se o constante deslocamento prprio da construo social, complexa
e diversa, que revela o quanto ainda se precisa avanar na tarefa de assumir a
criana e a infncia na perspectiva apontada. (LIMA; MOREIRA; LIMA,
2014, p.100).
Surge uma nova configurao que rompe com as barreiras e a viso clssica da
sociologia, buscando o reconhecimento da presena da criana na dinmica social. A infncia
na perspectiva da Sociologia da Infncia considera as crianas enquanto sujeitos ativos, atores
sociais que se constroem e so construdos.
O campo da Sociologia da Infncia far algumas inflexes na tentativa de falar da
criana e da infncia a partir de outros referenciais e, tambm, prescrever novas e outras
modalidades para entender o que ser criana e ter uma infncia. (ABRAMOWICZ;
OLIVEIRA, 2010, p. 41).
A releitura da infncia, aparada nesse campo terico-metodolgico, considera-a
enquanto construo social que tem um significado prprio. A criana um ser humano
complexo, dotado de atitudes, competncia, habilidades, modos, e, portanto, tem seu lugar no
mundo. Uma ruptura do paradigma hegemnico reconhece o papel ativo da infncia e o direito
da criana a um atendimento de qualidade, independente dos benefcios que este proporcione a
outros (SIMES; LIMA, 2015).
A compreenso da infncia enquanto fenmeno social evidencia a ideia de uma criana
enquanto forma particular, demonstrando ateno s especificidades desta. Na estrutura social,
a criana tem um espao singular, que no se reduz a uma fase do desenvolvimento ou transio,
trazendo a ideia de uma categoria social permanente (NASCIMENTO, 2011).
Corsaro (1997), por sua vez, discrimina o papel da criana frente a sua funo enquanto
autor. Ele revela que elas perpassam os processos de socializao a partir de, entre outros
aspectos, sua capacidade de atuao, apropriao e reinveno. Ainda nessa perspectiva, as
crianas so percebidas como construtoras de sua prpria cultura.
29
A infncia permite nesse universo a insero de toda e qualquer criana. Embora ao
chegar a sua vida adulta a infncia tenha chegado ao fim para quem j a vivenciou, enquanto
categoria estrutural, esta nunca desaparece, permanente, pois outras geraes de crianas
sero recebidas por ela. Pensar a infncia neste contexto e a partir de uma perspectiva
geracional, alm de considerar seus aspectos estruturais introduz a viso de alteridade
(QVORTRUP, 2010; SARMENTO, 2005).
Compreender a infncia como construo social perceber a criana em sua
completude biopsicossocial, considerando suas formas de manifestaes no mundo. Deixar de
lado o olhar sob a passividade, reconhecendo as especificidades das infncias no mundo, suas
diferentes realidades e permitir perceber o lugar do sujeito em seus primeiros anos de vida. No
um elemento universal e ultrapassa os de ordem natural, trata-se de um constructo especfico,
estrutural e cultural.
A proposio da Sociologia da Infncia e seu objeto reafirma por sua vez a necessidade
da desconstruo do discurso hegemnico no que concerne a complexidade do mundo infantil,
considera-se que os postulados universais, reducionistas (biolgicos, adultocntricos) so
ineficientes para definir a criana e a infncia.
Frente heterogeneidade presente nos estudos sociais da infncia, os estudos
desenvolvidos no Brasil, tais como, o de Quinteiro (2003), Abramowicz e Oliveiras (2010) e
Nascimento (2011) reafirmam o papel da criana enquanto ator social, que se constituem a
partir das interaes. A extenso das pesquisas nessa rea tem contribudo muito para sua
consolidao social e acadmica e consequentemente tem provocado cada vez mais o interesse
de docentes e pesquisadores.
Para tratar dessa ideia e aproxim-la da realidade proposta neste estudo, a qual trata da
compreenso dos pais e docentes sobre a infncia da criana com deficincia no mbito escolar,
seguiremos traando algumas reflexes sobre a realidade dessa criana e analisando as
contribuies dos novos estudos sociais da infncia para este contexto.
1.3 O olhar por trs das cortinas: dos novos estudos sociais da infncia criana da
Educao Especial
Para iniciar as discusses torna-se relevante considerar como a criana com deficincia
eram e so vistas socialmente. Nesse sentido, o documento desenvolvido pela UNICEF que
aborda a Situao Mundial da Infncia 2013: Crianas com deficincia traz uma narrativa
que compreende essa criana enquanto sujeito de direito dotado de possibilidades tendo
30
oportunidades para florescer como outra criana qualquer, as crianas com deficincia tm
potencial para viver plenamente e contribuir para a vitalidade social, cultural e econmica de
suas comunidades. (UNICEF, 2013, p. 01).
Apesar do reconhecimento, o documento problematiza a realidade vivenciada por todo
e qualquer ser humano com deficincia, desmistificando os contedos utpicos sobre esse
pblico. A situao da criana com deficincia difere das crianas sem deficincias. O trecho
do relatrio expe o reflexo de uma realidade:
Crianas com deficincia so frequentemente consideradas inferiores, o que
as expe a maior vulnerabilidade: a discriminao baseada em deficincia
manifesta-se em marginalizao na alocao de recursos e em tomadas de
deciso, e at mesmo em infanticdio. Excluso resulta frequentemente de
invisibilidade. So poucos os pases que dispem de informaes confiveis
sobre quantos de seus cidados so crianas com deficincia, quais so suas
deficincias ou de que forma essas deficincias afetam sua vida. Excludas
dessa forma, sua existncia no conhecida pelos servios pblicos aos quais
tm direito. (UNICEF, 2013, p. 2).
Em contraposio negao social de seus direitos numa perspectiva atual, tanto no que
se refere ao contexto social quanto s polticas pblicas, as crianas com qualquer deficincia
devem ser reconhecidas, independentemente de suas condies, pois so consideradas crianas
que tm as mesmas necessidades bsicas de afeto, cuidado e proteo, e os mesmos desejos e
sentimentos das outras crianas.
Bruno (2006, p. 19), ainda sobre a criana nesse contexto:
Elas tm a possibilidade de conviver, interagir, trocar, aprender, brincar e
serem felizes, embora, algumas vezes, de forma diferente. Essa forma
diferente de ser e agir que as torna seres nicos, singulares. Elas devem ser
olhadas no como defeito, incompletude, mas como pessoas com
possibilidades diferentes, com algumas dificuldades, que, muitas vezes, se
tornam desafios com os quais podemos aprender e crescer, como pessoas e
profissionais que buscam ajudar o outro. Mais importante que a caracterizao
da deficincia, das dificuldades ou limitaes procurar compreender a
singularidade da histria de vida de cada criana, suas necessidades, seus
interesses, como interage, como se relaciona com as pessoas, objetos e com o
conhecimento.
Tendo em vista que, por muitos anos, os indivduos nessa condio foram apartados da
sociedade e/ou eram reconhecidos apenas por suas limitaes, considerados anormais, fora
dos padres normalizadores, inaptos, e lutam hoje por um reconhecimento efetivo enquanto
sujeitos de direitos, suscita-nos a necessidade de trazer tona questes referentes infncia da
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criana da Educao Especial. Para tanto, pretende-se contribuir com esse debate a partir das
bases tericas dos novos estudos sociais da infncia.
Como mencionado, os novos estudos sociais da infncia compreendem a infncia como
uma categoria estrutural permanente que se estende a todas as crianas e independe de suas
especificidades. Neste sentido, visando a aproximao da abordagem terica utilizada nesta
pesquisa, faz-se necessrio perceber a compreenso desses estudos sobre o contexto da criana
pblico-alvo da Educao Especial.
As investigaes no mbito das crianas nessa perspectiva ainda so recentes, poucos
estudos retratam ou direcionam para acompanhar e evidenciar essa realidade. Sendo assim,
apontaremos algumas contribuies de pesquisas para esta rea, a partir dos estudos de
Plaisance (2005), Pereira (2012), Queiroz e Rizini (2012), Victor (2012) e Victor et al. (2012).
Plaisance (2005) traz uma reflexo bem pertinente ao tratar das denominaes da
infncia a partir dos referenciais de normalidade e anormalidade. Ao questionar a posio da
criana com deficincia nos estudos da Sociologia da Infncia, apresenta uma anlise que
compreende a histria da infncia considerada deficiente e as evolues que ocorreram no
sculo XX, no que concerne educao.
Ao passo que desenvolve seu trabalho, procura elucidar as evolues atravs de
respostas s seguintes indagaes: A representao da criana com deficincia dominada
pela representao4 da deficincia, mais do que pela representao da criana como criana,
com suas particularidades eventuais? A alteridade comum da criana com relao ao adulto
redobrada no caso da criana com deficincia e torna ainda mais ambguas a enunciao e a
aplicao, a seu respeito, da ideologia moderna dos direitos da criana? (PLAISANCE, 2005).
Segundo o autor, as convenes sociais instituram padres normalizadores que
caracterizam o sujeito e, nesta linha, por volta dos sculos XIX e XX, so consequentemente
legitimados os modelos de anormalidade e correlativamente a caracterizao de criana
anormal.
A ateno de uns e outros se voltam para as situaes escolares e para as
crianas que no seriam para a escola. Tanto os mdicos quanto os
psicopedagogos pretendem diagnosticar as anormalidades escolares, para as
quais eles fornecem, no mais das vezes, definies tautolgicas.
(PLAISANCE, 2005, p.406).
4 A permanncia do termo representao referido nos trechos que tratam do trabalho de Plaisance (2005) visa
manter a originalidade do texto DENOMINAES DA INFNCIA: DO ANORMAL AO DEFICIENTE
utilizado nessa discusso, bem como a integralidade das hipteses levantadas pelo prprio autor.
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As anormalidades impedem a criana de alcanar os objetivos propostos pela escola,
logo se difunde a ideia de uma infncia inadaptada (CHAUVIRE; PLAISANCE, 2000). O
modelo da inadaptao segundo Plaisance (2005, p. 407):
[...] valida s instncias prximas da Sade Pblica (cujo ministrio foi criado
em 1920), que tem como perspectiva orientar as polticas no domnio da
educao social, particularmente, no que concerne infncia dita inadaptada.
Sua definio pretende ser consensual: ela suposta substituir todo um
conjunto de denominaes esparsas: crianas anormais, retardadas,
deficientes, irregulares, esquizofrnicas, de rua, em perigo moral etc.
O termo inadaptada surge em substituio ao de anormalidade, no entanto acaba por
naturalizar a infncia, visto que so postas em evidncia as carncias de ordem individual.
Ainda no sculo XX, por volta de 1975, surge um novo modelo caracterizado pela deficincia
que se consagra a partir da lei do mesmo ano que orienta as aes em favor da pessoa com
deficincia.
Para a faixa de idade de 0 a 20 anos, as Comisses Regionais de Educao
Especial (CDES) tm o poder de reconhecer ou no determinada criana como
deficiente e, enquanto tal, elas podem atribuir eventualmente um subsdio de
educao especial e orientar para um tipo dado de classe ou de
estabelecimento. Uma lgica administrativa de referncia entra em jogo. As
orientaes efetuadas em funo da deficincia so mais importantes que as
referncias escolaridade normal, e, por conseguinte, mais importantes
tambm que a referncia proximidade de idade com as crianas sem
problema. (PLAISANCE, 2005, p. 407).
As posies apresentadas revelam um discurso paralelo, de um lado o bem da criana
com deficincia e institucionalizao da infncia com problemas e de outro a legitimidade da
denominao deficincia so sustentadas por atores- profissionais especializados- os quais
exercem um papel extremamente importante. Segundo Plaisance (2005, p.4 ):
Eles se apresentam como experts cuja qualificao reconhecida para definir
ou classificar. O saber cientfico ento requerido para substituir o saber
espontneo, e esta legitimao pela cincia que claramente reivindicada.
Por essa razo o recuo histrico permite a ver uma forte influncia ideolgica.
Instaura-se na perspectiva do autor um sistema de manuteno de controle. A infncia
com problemas, controlada, em defesa da ordem social. Nesse contexto, os campos de ao
direcionada a criana com distrbios ou deficincia intelectual profundas se resumiam ao
campo da sade pois no se esperava eficincias por parte dessa criana no mbito da educao,
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logo as instituies como hospcios e asilos seriam o melhor lugar. Ao mesmo tempo, para as
crianas que estando na escola apresentassem dificuldades e retardo no deveriam estar em
salas regulares, teriam acesso a instruo primria, a fim de que no futuro vivessem em
sociedade, no entanto, alariam lugares minoritrios. Por trs de um discurso sobre o bem da
criana, surgem argumentos em defesa da ordem social em defesa de interesses prprios que
convence da importncia interventiva dos profissionais (PLAISANCE, 2005).
A jusante, quais so as consequncias das denominaes? Que polticas
estabelecer, que instituies criar, que prticas efetuar? No se trata, pois,
somente de uma questo de vocabulrio, de uma valsa das etiquetas.
Seguramente, h patologias que persistem, outras que mudam, mas o nosso
olhar sabe detectar tal ou tal distrbio. Neste sentido, as palavras fazem as
coisas. [...] Nomear e classificar fazer existir, pois as representaes a isso
ligadas criam instituies e prticas. (PLAISANCE, 2005. p.409).
Consideravelmente, as aes de atendimento a este pblico carregam consigo as
classificaes e categorizaes impostas. As representaes da criana com deficincia
influenciam diretamente as instituies e prticas a serem desenvolvidas inclusive na escola,
bem como, as relaes de alteridade criana-adulto, tensionadas pelas atitudes de proteo ou
liberdade que revelam as dificuldades de aplicao dos direitos da criana em geral
(PLAISANCE, 2005).
Na mesma linha, Queiroz e Rizini (2012) buscam discutir a infncia da pessoa com
deficincia a partir das aes desenvolvidas nas instituies e, para isso, trazem uma reflexo
em torno da infncia com deficincia institucionalizada e os obstculos histricos na defesa de
seus direitos.
A partir dos referenciais de direitos humanos voltados para a criana e adolescentes
firmados na dcada de 90, os autores apontam para a vulnerabilidade de diferentes grupos que
tem seus direitos violados e que nos ltimos anos tm ganhado visibilidade. Nesse caso, insere-
se as crianas e os adolescentes com deficincias especialmente os que permanecem confinados
em instituies.
As especificidades da institucionalizao da infncia com deficincia
localizam-se, portanto, no campo de intersees entre assistncia infncia
pobre e a histria da psiquiatria. Esta interseo tem importantes elementos de
contato. O primeiro seria a convergncia histrica entre estes eixos temticos,
uma vez que a queda do Antigo Regime, na Europa, tanto abriu espao para a
ascenso do saber psiquitrico, quanto fez emergir o mandato estatal de
ateno infncia pobre. O segundo elemento seria o status antropolgico:
enquanto o louco recebeu a atribuio de doente, a criana pobre passou a ser
vista como desvalida. Assimilado na instituio psiquitrica pela sua potencial
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periculosidade, o idiota tambm carrega a noo de desvalido, uma vez que,
segundo Esquirol, aquele que sempre esteve no infortnio da misria. O
terceiro elemento desta zona de interseo refere-se ao abrigo, lcus onde se
opera o processo de institucionalizao. (QUEIROZ; RIZINI, 2012, p.212).
As crianas com deficincias seguiram um caminho em que o atendimento perpassaram
desde asilos abrigos. A lgica que orienta esta trajetria institucional distingue-se daquela das
crianas ao passo que existiam anormalidades e, portanto, o confinamento dessas pessoas
continua sendo privilegiado principalmente em termos de atendimento especiais aos
vulnerveis (QUEIROZ; RIZINI, 2012).
Atravs de uma pesquisa que teve como foco crianas e adolescentes que se
encontravam na rede de abrigos do Rio de Janeiro, Queiroz e Rizini (2012) identificaram que o
abrigamento de crianas e adolescentes com deficincia acontece, na maior parte dos
encaminhamentos nas instituies e que esse dispositivo institucional se constitui como
prioritrio para essa populao.
Tal entendimento conduziu o estudo para compreenso dos fatores que orientam a lgica
institucional e seus efeitos de longa permanncia. Os autores explicam:
A longa permanncia de crianas e adolescentes em unidades de internao se
deu por meio de determinados processos polticos referentes busca dos
Estados por estratgias que conjugassem medidas de controle social e
iniciativas de legitimao de uma ordem liberal-republicana. Entretanto, cabe
destacar que o processo de institucionalizao de crianas e adolescentes com
deficincia seguiu um caminho diferente daquele direcionado infncia
desvalida, e por essa razo, porta especificidades histricas. (QUEIROZ;
RIZINI, 2012, p. 209).
O encaminhamento psiquitricos se insere nesse contexto como elemento
potencializador da estadia de crianas e adolescentes em instituies. A psiquiatria estaria
relacionada tanto aos longos perodos de abrigamento, quanto falta de perspectiva de sada
das instituies. Conforme apontado pelos dirigentes das instituies, um outro fator para a
longa permanncia, est associada ao progressivo afastamento das referncias familiares
(Queiroz; Rizini, 2012, p. 210). Logo, o afastamento familiar reduz as possibilidades de
interrupo da institucionalizao. Os abrigos para crianas com deficincia e seus processos
de longa permanncia materializam, portanto, a sntese de um dispositivo institucional que,
construdo semelhana do asilo psiquitrico, segue uma lgica ambgua na sua concepo e
duradoura nos seus efeitos (QUEIROZ; RIZINI, 2012, p. 211).
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A anlise ainda aponta para os indicadores de encaminhamento a essas instituies entre
os quais destacam-se: a carncia de recursos materiais da famlia, o quadro clnico, abandono
dos pais e responsveis, maus tratos praticados pelos mesmos, falta de suporte da rede de
servios, situao de rua, quadro psquico do assistido, abuso sexual.
Por fim, reafirmam:
As iniciativas assistenciais voltadas infncia pobre, na Europa e no Brasil,
foram historicamente caracterizadas pelas perspectivas de controle tutelar as
classes populares, higiene familiar e represso s ameaas de revolta social.
Levando em considerao a infncia como objeto promissor de um futuro
civilizado, que lugar mais apropriado para essa misso regeneradora do
que uma grande instituio? As crianas com deficincia, porm, seguiram
um caminho um pouco diferente. Seja nos asilos psiquitricos ou nos abrigos
especficos para deficientes, a lgica que orientou sua trajetria institucional
agregou outros vieses. Se por um lado havia o apelo - social e poltico - da
infncia, existiam tambm as anomalias e as periculosidades. A condio
de anormal fez com que o processo de institucionalizao de crianas com
deficincia se diferenciasse da conhecida histria dos internatos para menores.
As especificidades da institucionalizao da infncia com deficincia
localizam- se, portanto, no campo de intersees entre assistncia infncia
pobre e a histria da psiquiatria. (QUEIROZ; RIZINI, 2012, p. 216).
Esse posicionamento faz-nos compreender e refletir sobre a relao existente entre as
condies de vida da pessoa com deficincia e as prticas familiares e sociais direcionadas a
essas.
Diferente de Queiroz e Rizini (2012), Pereira (2012) adentra a uma realidade especfica
ao investigar a infncia da pessoa com deficincia intelectual, considerando que:
Embora a deficincia intelectual seja um quadro psicopatolgico conhecido
desde a antiguidade, sendo possvel, sua identificao na infncia, com certeza
as crianas tolhidas por essa deficincia, viveram esse perodo de suas
existncias, sofrendo discriminao e preconceitos. Essa patologia por ser
encontrada em vrios graus, desde os mais leves, passando pelos moderados,
at os mais graves, tornou-se mais evidente com as exigncias intelectuais da
escola. Ou seja, com a ida da criana com deficincia intelectual para as
instituies escolares, tal deficincia tornou-se mais explcita. (PEREIRA,
2012, p.6).
Considerando a deficincia intelectual enquanto psicopatologia caracterizada por
disfunes na estrutura mental, a autora afirma que essas no implicam nas constituies
individuais da criana. Apesar de a infncia receber vrias significaes, no se pode
generalizar, as infncias so construdas a partir das realidades em que os sujeitos esto
inseridos. Em respeito pessoa com deficincia, e com vistas a atender a compreenso proposta,
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o estudo desenvolvido por Pereira (2012) teve como objetivo apresentar a visibilidade das
pessoas com deficincia intelectual acerca da infncia e de sua educao escolar. Para tanto,
utilizou uma entrevista com um dos sujeitos de sua pesquisa, onde no primeiro momento
destaca as lembranas da pessoa com deficincia e num segundo momento a experincia de sua
cuidadora.
Sobre a entrevista, Pereira (2012, p. 13) coloca:
Ao rememorar sua infncia trouxe sonhos e desejos de se sentir aceita na
sociedade, tambm aponta para a dificuldade enfrentada por possuir
deficincia intelectual, e fica fcil perceber o quanto difcil, em nossa
sociedade, a emancipao das pessoas com essa deficincia, que apesar de
suas limitaes e dificuldades, vivem protegidas da sociedade. No exercem
seu direito como cidado, no votam e no administram nem seu prprio
aposento, ficando esse a cargo de algum da famlia, algum considerado
responsvel. Pode-se compreender que desde criana as pessoas com
deficincia intelectual, por terem suas funes intelectuais comprometidas,
podendo apresentar dificuldades em seu desenvolvimento e no seu
comportamento, sobretudo na adaptao ao contexto a que pertence, nas
esferas da interao familiar, da comunicao, do cuidado consigo mesma,
dos talentos sociais, na segurana, no desempenho acadmico e profissional,
no lazer e na sade.
A realidade de ambas leva a autora a concluir que formas de conceber a infncia ao longo de
sua trajetria conduziram as crianas com deficincias a sofrerem rotulaes que as colocavam numa
posio inferior ao sujeito sem deficincia e nesse sentido aponta para a necessidade de no
considerarmos a criana com deficincia por suas limitao e dificuldades fadando-as marginalidade
ou excluso social. As crianas tolhidas pela deficincia intelectual tem a necessidade de acesso a
ambientes que as auxiliem na estruturao e formulao do pensamento, onde possam desfrutar da
infncia intensamente com as suas descobertas e desafios.
No mesmo perodo que Pereira, Victor (2012) desenvolve um trabalho e levanta uma
discusso com foco central na infncia, cultura, incluso e subjetividade trazendo como
pressuposto bsico o desenvolvimento do sujeito. Investigando acerca dos processos de
construo da infncia da criana com deficincia, a partir de suas vivncias nos mbitos social
e escolar, a autora considera numa perspectiva histrica cultural, que o desenvolvimento a partir
das relaes estabelecidas com a cultura e a sociedade so uma porta aberta que possibilita a
pessoa com deficincia construrem seus processos de subjetivao e humanizao.
De natureza qualitativa, o estudo de caso etnogrfico, revela que para alm da natureza
biopsicossocial que o sujeito apresenta, a infncia se caracteriza por sua constituio histrica.
A nfase sobre a deficincia aumenta em detrimento da criana e este processo dificulta muito
o acesso ao conhecimento das particularidades que envolve o contexto da criana com
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deficincia. Historicamente, os estudiosos desse campo se detiveram em teorizar sobre a
representao da criana com deficincia, construda a partir de esteretipos e estigmas.
(VICTOR, 2012, p. 28).
As concepes de deficincia tiveram inmeros significados, o que reflete nas aes
direcionadas s crianas. Mediante os diversos contextos socioculturais, este fato imprime s
pessoas em condies de deficincias tratamentos que foram desde sua total excluso at a
incluso. As similaridades entre as concepes de criana, de infncia e de deficincia so
evidenciadas pelo fato de sua construo ter sido refletida por olhares, e por uma tnica
universal que se sobrepuseram ao singular e peculiar. Imersas a esse contexto, a construo de
ideias que futilizam e inferiorizam a criana com deficincia e seu lugar no mundo (OLIVEIRA,
2007).
A escola pode ser considerada enquanto porta aberta para a desconstruo e
reconstruo de conceitos no que se refere educao da criana com deficincia. Victor (2012,
p.29) incita uma reflexo ao se colocar:
O acesso atual escola regular e, particularmente, escola de Educao
Infantil de crianas com deficincia e/ou necessidades educacionais especiais
pode ser o caminho para desestabilizar as ideias organicistas sobre a
deficincia e a possibilidade de se construir outras concepes sobre essa
criana, a partir dos pressupostos colocados pela sociologia da infncia,
considerando diferentes configuraes de ser e estar na infncia, acentuando
a sua condio de criana em detrimento de deficincia.
Victor et al. (2012), demonstra uma preocupao em torno dos estudos sobre infncia
no contexto da criana com deficincia e neste sentido fazem uma reflexo acerca das
produes de conhecimento sobre a infncia da criana com deficincia pela via dos textos
legais, histricos e acadmicos. O referido estudo traz uma discusso em torno do
desenvolvimento, a partir da abordagem scia-histrica e referenciais do campo da sociologia
da infncia. Os dados colhidos nos textos histricos legais e acadmicos permitiu aos autores
perceberem que, numa perspectiva scia-histrica do desenvolvimento, possvel considerar a
infncia da criana com deficincia prxima a das crianas que no esto nessa condio. A
legislao por sua vez introduz a este sujeito o lugar que ocupa, tanto na sociedade, quanto na
educao o que por vezes encontra-se subentendido nas concepes do que a infncia e o ser
criana. Concomitante, nos textos acadmicos encontramos os desafios de tratar dessa temtica
sem privilegiar o fator deficincia.
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As proposies discutidas aqui, de acordo com os apontamentos dos diversos autores
elucidam a compreenso da infncia da criana com deficincia e, ao mesmo tempo, evidencia
a complexidade existente neste cenrio. As concepes de deficincia, de criana, de infncia
naturalmente interligada nos direcionam a uma concepo de desenvolvimento de sujeito. So
conceitos que embora tratados separadamente tm uma interao entre si. Sendo assim, fica
posta a necessidade para fins dessa pesquisa que aprofundemos as discusses sobre
desenvolvimento humano e para tanto abordaremos as concepes de desenvolvimento com
enfoque no referencial da perspectiva scio-histrica.
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2. A CRIANA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA SCIO-HISTRICA DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
impossvel apoiar-s
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