UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Anderson Rafael dos Reis
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS
JURISDICIONAIS
CURITIBA
2008
Anderson Rafael dos Reis
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS
JURISDICIONAIS
Monografia apresentada ao Curso de Ciências jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel.
Orientador: Phillip Gil França.
CURITIBA
2008
TERMO DE APROVAÇÃO
Anderson Rafael dos Reis
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS
JURISDICIONAIS
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, de março de 2008
__________________________________________
Coordenador Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador Prof Phillip Gil França Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.(a) Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.(a) Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná
Agradeço a Deus, e ao meu
orientador Phillip Gil França, que
com muita paciência e gentileza, me
ajudou neste trabalho.
RESUMO O objetivo do presente trabalho é estudar o instituto da Responsabilidade civil do Estado, demonstrando sua relevância para o Direito e sua relação com o princípio de livre acesso à justiça sob o enfoque dos atos judiciais, mais especificamente o erro judiciário, elemento configurador do dever de reparar o dano em sua integralidade, abrangendo danos morais e materiais conforme estabelece a Constituição Federal no artigo 5°, inciso LXXV, e os seus aspectos em matéria criminal, fazendo correlação direta com a responsabilidade civil do juiz que é de natureza subjetiva nos moldes do artigo 133 do Código de Processo Civil, necessitando a prova do dolo e da culpa na atividade jurisdicional, bem como demonstrar o dever de indenizar do Estado no caso mau funcionamento do serviço judiciário pela demora injustificada na prestação da tutela jurisdicional. Palavras-chave: Responsabilidade civil; Estado; ato judicial;
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 07 2. O ESTADO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIÁRIA... ....................................... 08 2.1.O ESTADO COMO ENTE SOBERANO........................................................................ 08 2.2.O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIÁRIA............................................................... 10 3. DO JUÍZ E DOS SEUS DEVERES................................................................................ 12 3.1. DO JUÍZ........................................................................................................................12 3.2. DOS DEVERES DO JUÍZ.............................................................................................13 4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRAS ILEIRO......................15 4.1.CONCEITO....................................................................................................................15 4.2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL.............................................................................16 4.3 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO......................................................16 4.4. A RESPONSABILDADE CIVIL NO SISTEMA CONSTITUCIONAL............................ 20 4.5.REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO......................................21 4.6 DA REPARAÇÃO DO DANO E DO DIREITO DE REGRESSO................................... 22
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISD ICIONAIS.................. 25 5.1. FUNDAMENTO CONSTITTUCIONAL...........................................................................25 5.2. O ERRO JUDICIÁRIO................................................................................................... 29 5.3.“A QUESTÃO” DA DEMORA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL...............................32 5.3.1.DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO JUÍZ QUANTO A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL............................................................................................... 33 5.3.2 A OMISSAO NA EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL................................... 34 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................ .................................................................. 38 7. REFERÊNCIAS................................................................................................................. 41
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1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que a função do Estado é zelar pelos direitos individuais e coletivos, pois é
ele quem tem o dever-poder de prestar o serviço público e deve prestá-lo adequadamente,
caso não o faça será responsabilizado patrimonialmente, surgindo daí a relevância de se
fazer um estudo acerca da responsabilidade extracontratual do Estado, principalmente no
tocante à prestação da tutela jurisdicional, que é o cerne de toda atividade jurídica ou seja,
qualquer erro nesse aspecto, pode trazer conseqüências graves para aqueles que estão
fazendo uso da máquina estatal para solução de seus litígios, seja pela inadequação ou
ineficiência de sua prestação.
Não se pode, portanto, ao estudar o instituto da responsabilidade civil do Estado
deixar de abordar a natureza jurídica do ente estatal como sendo no entendimento de Clóvis
Beviláqua1 “O Estado é a sociedade que se coage; e para poder coagir é que ela e organiza
tomando a forma pela qual o poder coativo social se exercita de um modo certo e regular; em
uma palavra, é a organização das forças coativas sociais.”
Desse modo, o Estado enquanto pessoa jurídica de direito público visto como um
agrupamento humano em um determinado território, dotado de soberania com funções
precípuas de legislar, de executar e julgar as leis2 pode ser responsabilizado civilmente por
danos causados a terceiros por atos comissivos ou omissivos que sejam praticados por seus
agentes em quaisquer dos poderes da Federação.
1 Clóvis Beviláqua (apud. MALUF 1999, p.20). 2 Por intermédio dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, respectivamente, conforme artigo 2° da CF/88.
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2. O ESTADO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIÁRIA
2.1 O ESTADO COMO ENTE SOBERANO
O Estado na concepção atual isto é, o Estado Democrático de Direito., no qual o
poder é legitimado pelas pessoas que o compõe, muito embora exercido por representantes
eleitos, é o que se percebe da leitura da Constituição Federal no artigo 1°§ único que dispõe:
“ Todo o poder emana do que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente
nos termos desta Constituição”. .
Dessa forma, fica claro que é necessário que se tenha um aglomerado de pessoas
sujeitas a um governo e em um determinado território, entendendo-se por governo, a
sujeição ao conjunto de regras e princípios impostos pelo Estado, aqui governo significa
soberania3 cujo objetivo é garantir o bem comum, fazendo com que se resguarde a dignidade
da pessoa humana.
A respeito do estudo do fenômeno do poder4, que é exercido pelo Estado em relação
aos seus titulares isto é, o povo, ensina Norberto Bobbio que:
Por longa tradição o Estado é definido como o portador da summa potestas; e a análise de que o Estado se resolve quase totalmente no estudo dos diversos poderes que competem ao soberano (2003, p.77),
3 “A soberania é realmente, una e indivisível [grifo meu]. Ora o Estado é a organização da soberania e o governo é a própria soberania em ação” MALUF,1999, P.211 4 Segundo Locke (1694,) citado por Bobbio,em seu livro “Estado, Governo, Sociedade: Para uma Teoria Geral da Política; o poder deve ser entendido como a capacidade de produzir certos efeitos e não como meio de alcançar os objetivos pretendidos.
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Neste sentido, o Estado deve ser encarado como um instrumento para se atingir a
harmonia social, com a diminuição das desigualdades sociais por intermédio do exercício de
uma atividade pública, isto é uma função pública, prestada de maneira direta a exemplo da
atividade jurisdicional, esta que tem a finalidade de atender os interesses da coletividade.
Que conforme o Pof° André Luiz Freire, assim é defi nida:
“No caso da função pública, dispõe o Estado de um poder extroverso, ou seja, o poder de modificar unilateralmente, a situação jurídica de terceiros. Assim o Estado-legislador pode impor aos indivíduos o cumprimento de certas obrigações, independentemente da vontade destes. Ainda o Estado-Juíz poderá determinar que um sujeito pague a outro uma determinada quantia, sob pena de execução forçada. A Administração, por sua vez, dispõe de meios para desapropriar bens dos particulares.”5(2007, p. 215-16).
Desta maneira, tal atividade não se classifica como serviço público, no qual
exige-se uma contraprestação do Estado e pode, inclusive, ser prestado por particulares.
Sobre o conceito de serviço público a Pofª Aline Cristina Koladicz expõe que:
“O conceito de serviço público não é estático sofre constantes variações frente a inúmeros fatores, tais como o tempo e o lugar que é prestada determinada atividade que demonstre a existência de interesses da coletividade, justificado sua prestação pelo Estado de forma direta ou indireta6”(2007, p.169).
Se a atividade pública tem o condão de atender a uma necessidade, cabe a própria
sociedade controlar a sua efetivação e sobre este controle a autora supracitada, cita
Norberto Bobbio que fala que o controle social é a garantia de um Estado Democrático de
Direito :
“por controle social se entende o conjunto de meios de intervenção, quer positivos quer negativos acionados por cada sociedade ou grupo social a fim de induzir os
5 FREIRE, André Luíz, Apontamentos sobre as funções estatais no direito brasileiro, Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, Curitiba, v.35,p. 215-16, 2007. 6 KOLADICZ, Aline Cristina, Serviço de Telefonia fixo Comutado STFC: Aspetos Gerais, Assinatura Básica e Responsabilidade das Prestadoras, Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, Curitiba, v.35, p. 169, 2007.
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próprios membros a se conformarem às norma que a caracterizam, de impedir e desestimular comportamentos contrários às mencionadas normas, de restabelecer condições de conformação, também em relação a uma mudança do sistema normativo (2007, p. 166)
Neste prisma, objetiva-se estudar, em linhas gerais, quais são os reflexos da
atuação do Estado.
2.2 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIÁRIA
Quando se fala em princípio da proteção judiciária7, entenda-se na verdade que se
trata da principal garantia de direitos subjetivos8 do cidadão, cujo fundamento está na
separação dos poderes, aliado à diversas outras garantias correlatas, a exemplo: as da
independência; imparcialidade do juiz; a do juiz natural; como também o direito de ação e de
defesa.9
O autor José Afonso da Silva explica que a ordem constitucional prevê
expressamente o direito de ingresso em juízo no caso de ameaça de lesão a um direito ou
na ocorrência desse, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, que
assim dispõe: “a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”2005, p.430) .
7 José Afonso da Silva (2005) ensina que este princípio também pode ser denominado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. 8 P.R. Tavares Paes (1993) ao trabalhar o conceito de direito subjetivo diz que é o poder (faculdade) conferido pelo direito objetivo. 9 SILVA, José Afonso da, op. cit. p.430.
11
Neste sentido, explica que o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito
público subjetivo, consagra-se como garantia de exercício de ação, como a plenitude da
defesa, estampado no inciso LV do mesmo artigo; “aos litigantes, em processo judicial e
administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes”. (2005, p. 431).
Da mesma maneira que o Estado assegura o direito de ação isto é a proteção dos
direitos individuais e coletivos lesados, deve também tomar medidas adequadas e eficazes,
com o objetivo de reparar o dano sofrido, por intermédio do Poder Judiciário, mais
precisamente dos agentes que o integram, tendo, portanto, o dever de prestar a tutela
jurisdicional, sempre almejando o desenvolvimento social como um todo, buscando a
igualdade e a "justiça social', mas para tanto, é necessário que o Poder Legislativo ao criar
normas, o faça com observância dos princípios gerais de direito não ultrapassando seus
limites, quando se utiliza métodos que restringem indevidamente o acesso ao Poder
Judiciário.
Ademais, quanto a necessidade de que a tutela jurisdicional seja prestada de
forma adequada em busca da satisfação de determinada pretensão jurídica, assim
manifesta-se o Prof° Phillip Gil França relacionand o o direito de ação com a efetivação da
tutela jurisdicional.
“Além deste viés, estabelecido na leitura da citada norma constitucional, é imprescindível mencionar a ligação entre o dever do Estado de sempre proporcionar a adequada tutela jurisdicional, quando incitado, e o Direito fundamental de Ação- possibilidade de busca de uma pretensão jurídica, mediante requerimento ao Judiciário. Não há sobrevivência de um princípio sem o outro, considerando que a efetivação de seus enunciados estão diretamente correlacionados. Existe, assim a proteção de um
12
direito do cidadão, por um lado, e em outro, a determinação normativa de viabilização deste direito pelo Estado.”10(2006, p. 161).
Mais adiante, o mesmo autor, continuando a mencionar a necessidade da prestação
da tutela jurisdicional pelo Estado afirma o seguinte:
“Como tratado, a necessidade de prestação jurisdicional pelo advém da idéia de que a imposição unilateral da vontade, tendo como limite tão só a autonomia privada, sem parâmetros comuns- ou sociais- não proporcionava o desenvolvimento ideal de uma sociedade, ao contrário, causava prejuízos, estagnação, até mesmo retrocesso na evolução socioeconômica de um grupo de indivíduos”(2006, p.166).
Agora, passar-se-á a abordar, em linhas gerais, a respeito dos atos do juiz e os seus
deveres enquanto administrador da justiça.
3. DO JUÍZ E DOS SEUS DEVERES
3.1 DO JUÍZ
Desde que o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, proibindo a autotutela,
adquiriu dever de aplicar o direito no caso concreto, ou seja, tem o chamado poder
jurisdicional, necessitando de juízes, para o correto exercício da jurisdição11. Tal atividade
deve estar em consonância com os fins do Estado, dentre eles, construir uma sociedade
10 FRANÇA, Phillip Gil, O princípio fundamental processual da inafastabilidade da prestação da tutela jurisdiciona e as indevidas restrições de sua aplicação pelo Estado. Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, Curitiba, n° 34 p.161, dez.2006. 11 Cf. Marinoni e Arenhart (2007) “A jurisdição, em outras palavras, terá fins sociais, políticos e propriamente jurídicos, conforme a essência do Estado, cujo poder deva se manifestar”.
13
justa e igualitária, reduzir as desigualdades sociais, erradicar a pobreza, em suma, promover
o bem comum, conforme artigo 3° da CF/88.
Evidente é a relação entre a atividade exercida pelo juiz, com os objetivos do Estado
já citados tendo em vista que é seu dever no momento de prolatar qualquer decisão, seja
uma decisão interlocutória, seja em uma sentença, atendendo ao princípio da legalidade, da
imparcialidade, concretizar o alicerce fundamental do Estado Democrático de Direito que é a
dignidade da pessoa humana, fundamento estampado da no artigo 1°, inciso III 12 do texto
constitucional, mostrando que sem a valorização do homem não se pode falar em Estado.
Os atos judiciais exprimem a vontade do Estado, pois como se sabe a “vontade” esta
expressa nas normas e, portanto, cabe ao juiz a aplicabilidade dessas normas e em razão
disso, Hans Kelsen, em seu livro Teoria Geral do Direito e do Estado diz que:
A função judicial é ordinariamente determinada pelas normas gerais tanto no que diz respeito ao procedimento quanto no que diz respeito ao conteúdo da norma a ser criada, ao passo que a legislação geralmente é determinada pela constituição no que diz respeito ao primeiro aspecto. Mas essa é uma diferença apenas de grau (1998 p.196).
3.2 DOS DEVERES DO JUÍZ
A Código de Processo Civil estabelece no artigo 125 que é dever do juiz dirigir o
processo fazendo com que as partes litiguem em igualdade de condições, como também
prevenir ou reprimir qualquer ato que afronta a dignidade da justiça, cujo objetivo é obter uma
solução ao litígio apresentado da forma mais efetiva e adequada possível através de uma
12 Art.1°,III, da CF. “ A República federativa do Bras il formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III- a dignidade da pessoa humana;
14
sentença, ato que implica em uma das causas do artigo 267 ou 269 do CPC, o primeiro se
referindo a extinção do processo sem resolução do mérito, o segundo se referindo as
hipóteses de extinção com a resolução do mérito, quando por exemplo o juiz reconhece a
prescrição,que é a perda do direito de ação ou a decadência que é a perda do direito
material.
O cerne da atividade jurisdicional, como já demonstrado, é julgar seja pelo juiz de 1°
grau ou pelo órgão colegiado do Tribunal, cuja finalidade é revisar a adequação da decisão
de 1° grau.
O dever de o juiz julgar, conforme o valor constitucional está expresso na legislação
processual no artigo 12613 do Código de Processo Civil, artigo que reafirma o direito de ação,
assegurando que mesmo que não haja lei específica para determinado caso, a tutela
jurisdicional seja prestada, caso contrario, não poderíamos falar em Estado Democrático de
Direito.
Neste sentido, a analogia, os costumes e os princípios gerais14 de direito são
considerados fontes formais de direito, suplementando a falta da lei, esta que deve ser
entendida como o meio técnico para a consecução do direito positivo.
13 Art. 126. “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber- lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. 14 A juridicidade é requisito indispensável para que os princípios gerais de direito sejam considerados como norma supletora do direito (GONÇALVES, 2007).
15
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRAS ILEIRO.
4.1. CONCEITO
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a responsabilidade civil do Estado pode
ser conceituada como “a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos
lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em
decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos,
materiais ou jurídicos”. 15
O autor supracitado, quando se refere ao instituto da responsabilidade civil do Estado,
menciona que tal responsabilidade decorre do Estado de Direito16:
“Segundo entendemos, a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito. A trabalhar-se com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito.”(1998, p. 611).
Quanto ao dever de o Estado reparar o dano Hans Kelsen se manifesta da seguinte
maneira:
“ (...) se o direito for violado por um ato antijurídico do órgão, o direito objetivo pode ser a anulação do ato antijurídico; se o direito for violado pela omissão antijurídica de um ato do Estado prescrito pelo Direito, o objetivo do processo pode ser o de obter reparação do dano causado antijuridicamente17”. (1998, p.289).
15 MELLO, Celso Antônio Bandeira, de, Curso de Direito Administrativo,10ª Edição, São Paulo: Malheiros, 1998, p.606. 16 Idem, p. 611. 17 - KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado; tradução de Luiz Calos Borges- 3ª Edição - São Paulo: Martins Forense. 1998, p, 289.
16
4.2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
A responsabilidade patrimonial do Estado tem um fundamento bipartido18, pode
decorrer, conforme o caso de um ato ilícito, no qual existe violação da legalidade, no caso do
inadimplemento de obrigação contratual por parte da Administração Pública, de modo que
acarrete dano ao particular ou lícito, a exemplo da prestação inadequada da tutela
jurisdicional, pois, o ato judicial presume-se legal e autentico.
. Portanto, existindo um dano em virtude de uma ação de um agente público, aquele
que o sofreu deverá ser ressarcido, ou seja, compensado mediante o pagamento de uma
indenização pelo ente público, e por conseqüência, terá direito de regresso contra o agente
causador do dano, não importando a natureza jurídica do ato, se proveniente do Poder
Executivo, Legislativo, ou Judiciário, conforme o que dispõe o artigo 37 §6°19 da Magna
Carta, que deve ser interpretado de maneira extensiva, abrangendo os três poderes da
Federação, pois o artigo não faz qualquer restrição em sua aplicação.
4.3 TEORIAS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Conforme Maria Sylvia Zanella di Pietro, a teoria da responsabilidade estatal sofreu
grandes transformações ao longo dos anos. A primeira teoria, a da irresponsabilidade do 18GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4ª Edição, São Paulo: Saraiva, 1995, p.587.
19A Constituição de 1998, no artigo 37§ 6° determina que “as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
17
Estado, surgiu na época dos Estados absolutistas, cujo fundamento era a soberania, cujo
poder político na pessoa do monarca, jamais poderia ser contestada, ele criava e aplicava o
direito, conforme a sua vontade, neste contexto histórico é que surge a máxima “the king can
do no wrong”, O Estado visto como soberano algo que era injusto, pois se ele tutela o direito
não pode deixar de responder, quando por ação ou omissão causar danos a terceiros, uma
vez que como pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações20.
Explica a referida autora que a partir do século XX, a referida teoria foi superada e
passou se a idéia fundada nos princípios de Direito Civil, apoiada na culpa, isto significa que
só em algumas circunstâncias era admitida a responsabilidade direta do Estado desde que
fosse apurada a culpa, estamos diante da teoria civilista da culpa (2005. p.564)
Entende que nesse período, para fins de responsabilidade, distinguiam-se os atos de
império e atos de gestão os primeiros decorrem da própria autoridade da Administração
Pública que os exercerá com todas as prerrogativas e privilégios e impostos unilateral e
coercitivamente ao particular, independente de autorização judicial, trata-se de um direito
especial que extrapola o direito comum, porque os particulares não possuem legitimidade
para praticar tais atos, os atos de gestão, por sua vez são aqueles que seriam praticados em
igualdade de condições com o particular com a finalidade precípua de conservação e
desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a
posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum.(2005, p. 564)
Maria Sylvia Zanella di Pietro ensina que a evolução das teorias sobre a
responsabilidade do Estado sob o foco do direito público decorreu em razão do caso Blanco
20 PIETRO, Maria Sylvia Zanella, di, Direito Administrativo, 18ª Edição, São Paulo: ATLAS, 2005, p. 563.
18
ocorrido na França no ano de 1873, no qual a menina Agnès no momento em que ia
atravessar a Rua de Borxeaux foi atropelada por uma vagonete da Cia.nacional de
Manufatura de Fumo; seu pai promoveu ação de indenização com fundamento de que o
Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros devido uma ação
danosa de seus agentes, e quando o conflito foi suscitado no Tribunal para que se decidisse
qual a jurisdição era a competente para conhecer do conflito, se a jurisdição comum ou o
contencioso administrativo por fim concluíram que o caso deveria ser solucionado pelo
Tribunal administrativo, pelo fato de se tratar de responsabilidade proveniente de mau
funcionamento do serviço público. Entendeu-se que tal instituto deve ser regido por regras
especiais que variam de acordo com as necessidades do serviço e imposição de conciliar os
direitos do Estado com os direitos privados. (2005, p. 564).
Ensina também que após o abandono da distinção entre atos de império e atos de
gestão, parte da doutrina continuou adepta à doutrina civilista, aceitando a responsabilidade
do Estado desde que houvesse comprovação da culpa, pretendia equiparar a
responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou
prepostos, era a teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva. (2005, p.564).
Desde então, explica a autora que começaram a surgir as teorias publicistas, teoria
da culpa do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do risco. (2005, p. 565).
A doutrinadora, mais adiante, ao se se posicionar sobre a teoria da culpa do serviço
busca analisar o desempenho do serviço, desvinculando o funcionário para a figuração da
responsabilidade civil do Estado, é o que chamamos de culpa anônima do serviço.(Idem, p.
565).
19
Mais tarde, segundo a autora o Estado francês, sem abandonar passou a adotar em
algumas hipóteses, a teoria do risco que serve de fundamento para a responsabilidade
objetiva do Estado. (Ibidem, p.565)
A autora, ao comentar a mencionada teoria, fala o seguinte:
“Essa doutrina baseia-se no princípio de igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos por todos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado utilizando recursos do erário público”(2005, p.565)
A teoria da responsabilidade subjetiva é aquela que além do nexo de causalidade
entre a conduta estatal e o dano ocorrido, precisa ter a “culpa” como elemento subjetivo
caracterizada como uma falha no serviço ou da atividade estatal, teoria esta que não era a
melhor solução, pois gerava um ônus muito grande para a vítima, que além de ter sofrido a
lesão, tinha o dever de comprovar a falta do serviço para obter a indenização estampada no
antigo artigo 15 do Código Civil de 1916.
Em razão disso é que surge a teoria da responsabilidade objetiva na qual não é
necessária a aferição de culpa para que haja obrigação de indenizar.
O fundamento desta teoria encontra respaldo nos princípios de legalidade para
recompor a juridicidade do Estado em razão de um ato ilícito cometido e da isonomia
impedindo que somente alguns arquem com os prejuízos que deveriam ser suportados por
toda a coletividade, demonstrando a preocupação com a pessoa lesada, tendo em vista a
garantia de seus direitos, proporcionando a ela maior segurança jurídica21.
21 FILHO, Marçal Justen, Responsabilidade do Estado. In FREITAS, Juarez. Responsabilidade Civil do Estado, 1ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2006, 226-248.
20
A partir de agora, demonstraremos a evolução histórica constitucional da
responsabilidade civil do Estado.
4.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO SISTEMA CONSTITUCIONAL
Existiram, ao longo do tempo, diversas teorias a respeito do assunto, até se chegar
ao posicionamento atual consagrado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que é a
responsabilidades objetiva estampada no artigo 37§6º da Constituição Federal.
A primeira idéia aludida pela autora Maria Sylvia Zanella di Pietro a é que o Estado
não poderia ser responsabilizado por qualquer ato, que seus agentes causarem a terceiros
(Teoria da Irresponsabilidade), logicamente não foi acolhida pelo sistema brasileiro e nem
pelos tribunais, muito embora algumas leis ordinárias previssem a possibilidade de haver
responsabilidade solidária com a dos funcionários.(2005,p.566).
Com o advento do Código Civil, entendeu-se que a teoria adotada foi a civilista da
responsabilidade subjetiva, sendo necessário a prova da culpa funcionário para que o Estado
respondesse pelo dano, essa responsabilidade surgirá com um ato contrário à lei (2005, p.
566).
A Constituição de 1934 acolheu o princípio da responsabilidade solidária entre o
Estado e o funcionário, contemplado em seu artigo 194 “as pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os funcionários, nessa
qualidade, causarem a terceiros.” Pelo parágrafo único, “caber-lhes-á ação regressiva contra
os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”. (2005, p.567).
21
A Magna Carta de 1967 repete a norma de 1946, acrescentando no parágrafo único
que a ação regressiva cabe no caso de culpa ou dolo (2005, p. 567).
A atual norma constitucional faz referência à Responsabilidade objetiva do Estado,
abrangendo-se as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos, na qual basta haver o nexo de causalidade e a comprovação do dano para
que o Estado obrigue-se a reparar os danos causados pelos seus agentes a terceiros, não é
preciso haver prova da culpa. (2005, p. 567-58).
No tocante à ação regressiva, na qual vai se aferir a culpa do funcionário, se tratando
então de responsabilidade subjetiva. Entende o doutrinador Diógenes Gasparini que:
“é a medida judicial, de rito ordinário prevista na parte final do §6° do art. 37 da Constituição Federal, para Administração reaver o que desembolsou à custa do patrimônio do agente causador do dano que tenha agido com dolo ou culpa. Tal medida deve ser interposta após o trânsito em julgado da sentença que condenou a Administração Pública a satisfazer o prejuízo” (1995, p.595)
4.5 REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Os requisitos necessários para ensejar a responsabilidade civil do Estado são os
seguintes; ato comissivo ou omissivo de um agente público22, isto é o nexo de causalidade
que é relação que existe entre o ato danoso e a pessoa que o causou, seja do Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário.
No mesmo sentido, ensina o autor Celso Antônio Bandeira de Mello, a respeito do
nexo de causalidade entre as funções estatais e o dano causado: “As funções estatais
22 Lúcia Valle Figueiredo (2005) ensina que é necessário que o dano seja causado por um agente do Estado, caso contrário não se pode caracterizar a responsabilidade objetiva.
22
rendem ensejo à produção de danos mais intensos que os suscetíveis que os suscetíveis de
serem gerados pelos particulares. As condições que podem em que podem ocasioná-los
também são distintas”.23
Outro requisito é o dano que possui características peculiares, deve ser certo, isto é
que haja ocorrido efetivamente um prejuízo a alguém. O dano precisa ser anormal, significa
dizer que este é contrário à lei24.
Em suma, basta que haja o dano e que este seja antijurídico no qual o lesado não
tenha o dever jurídico de suportar, decorrente de uma ação ilícita da Administração Pública.
Neste sentido, adotou-se no Brasil portanto a teoria objetiva da responsabilidade do Estado,
sendo irrelevante a prova da culpa, conforme ensina Marçal Justen Filho:
(...) Não é necessário investigar de a existência de uma vontade psíquica no sentido da ação ou omissão causadora do dano. A omissão da conduta necessária e adequada consiste na materialização da vontade defeituosamente desenvolvida. Logo a responsabilização continua a envolver um elemento subjetivo, consistente na formulação defeituosa da vontade de agir ou deixar de agir25 (2006, p.232).
4.6 DA REPARAÇÃO DO DANO E DO DIREITO DE REGESSO
A vítima lesada em seu direito em decorrência de uma ação danosa do Estado pode
obter a reparação deve ingressar com pedido de indenização perante o Poder Judiciário no
prazo de 5 anos, e tal indenização deve ser paga em dinheiro e deve ser completa, em caso
de condenação do Estado, e logo após ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença que a
23 MELLO, Celso Antônio Bandeira, de, op.cit. p.609. 24 GASPARINI, Diógenes, op. cit..p 594-95. 25 FILHO, Marçal Justen, op.. cit..p. 232.
23
declarou, este tem direito de regresso contra o agente causador do dano nos casos de dolo
ou culpa, conforme estabelece a parte final do artigo 37§6° da Constituição, importante frisar
que para que isso ocorra é necessário ter havido o pagamento da indenização anteriormente.
Na ação regressiva vai se exigir do agente causador do dano o reembolso daquilo que foi
pago pelo Estado a título de indenização, necessitando a prova do dolo ou da culpa,
tratando-se então de responsabilidade subjetiva26.
Tal demanda pode ser intentada diretamente contra o próprio agente ou contra seus
herdeiros e sucessores dado que se trata de obrigação meramente patrimonial a qualquer
tempo, pois segundo o que reza o artigo 37§ 5° da C onstituição Federal: “A lei estabelecerá
os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
.
Sobre o assunto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se manifestou27
quanto à imprescritibilidade da ação regressiva proposta pela Administração Pública para
reaver o prejuízo sofrido.
26 GASPARINI, Diógenes, op. cit.p. 592 27 EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO REGRESSIVA. DIES A QUO DE INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL: CONCRETO E EFETIVO PAGAMENTO, PELO ESTADO, DO VALOR A QUE FOI CONDENADO. Não há que se falar em ação regressiva sem o ocorrer de um dano patrimonial concreto e efetivo. A decisão judicial transita em julgado, nada obstante possa refletir um título executivo para o Estado cobrar valor pecuniário a que foi condenado satisfazer, somente vai alcançar o seu mister, se executada.Até então, embora o condenar já se faça evidente, não se pode falar em prejuízo a ser ressarcido, porquanto o credor tem a faculdade de não exercer o seu direito de cobrança e, nesta hipótese, nenhum dano haveria, para ser ressarcido ao Erário.O entender diferente propiciaria ao Poder Público a possibilidade dese valer da ação regressiva, ainda que não tivesse pago o quantum devido, em evidente apropriação ilícita e inobservância de preceito intrínseco à própria ação regressiva, consubstanciado na reparação de um prejuízo patrimonial.Demais disso, conforme a mais autorizada doutrina, por força do disposto no §5º do art. 37 da Constituição Federal, a ação regressiva é imprescritível. Recurso especial conhecido e provido.
24
Ainda, sobre a obrigatoriedade da Administração Pública de intentar ação regressiva
em caso condenação passada em julgado, devido a um dano causado pelo seu agente,
temos a seguinte decisão proferida pelo Supremo Tribunal, reconhecendo-se a sua
vinculação ao Estado28.
28 AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. ART. 102, I, F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUTORIZAÇÃO LEGAL E CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS ENTRE O ESTADO DO PARANÁ E A UNIÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE FERROVIA ENTRE OS MUNICÍPIOS DE APUCARANA E PONTA GROSSA. PEDIDO DE RESSARCIMENTO, FORMULADO PELO ESTADO DO PARANÁ, DE TODOS OS GASTOS QUE DESPENDEU NA EXECUÇÃO DA OBRA DO REFERIDO RAMAL FERROVIÁRIO, INTEGRALMENTE LOCALIZADO EM SEU TERRITÓRIO. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DA UNIÃO ALCANÇADA POR MEIO DA INTERPRETAÇÃO DO CONVÊNIO FIRMADO EM 28.10.1968, MAS, SOBRETUDO, DAQUELE QUE O SUBSTITUIU, DE 23.07.1971, POSTERIORMENTE ADITADO EM 24.12.1973. AVENÇA CUJOS TERMOS DELIMITARAM, DE FORMA ESPECÍFICA, A RESPONSABILIDADE FINANCEIRA ASSUMIDA PELA UNIÃO, TRADUZIDA EM MONTANTE INFERIOR AOS CUSTOS GLOBAIS DO EMPREENDIMENTO. CONSTATAÇÃO, EM PERÍCIA JUDICIAL REALIZADA, DE QUE OS VALORES REPASSADOS PELA UNIÃO SOMADOS COM OS QUE SE VIU COMPELIDA A PAGAR PARA A EXTINÇÃO DA DÍVIDA DO ESTADO PARANAENSE COM O CONSÓRCIO TRANSCON-AMURADA (ACO 381) SUPERARAM, EM MUITO, O QUANTUM EFETIVAMENTE DEVIDO PELA REQUERIDA. ALEGAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA REJEITADA. 1. Preliminares de inépcia da inicial, prescrição da pretensão indenizatória e perda do direito de regresso por falta de denunciação da lide rejeitadas por unanimidade. 2. O convênio firmado, em 23.07.1971, entre o Governo Federal e o Governo do Estado do Paraná cobriu todos os aspectos da avença anterior, de 28.10.1968, e deve, portanto, ser entendido como substitutivo desta última, cujas evidentes imperfeições veio a corrigir. 3. A União não deu cheque em branco, nem assumiu obrigação indeterminada, quando uniu esforços ao Estado do Paraná para a construção da ferrovia em questão, tendo, ao contrário, determinado com exatidão o alcance dos desembolsos a que se obrigara. 4. As leis estaduais que autorizaram o Governo do Paraná a celebrar os convênios examinados e a realizar a obra em seu território não possuem o condão de pautar os acordos celebrados com a União ou de gerar obrigações a serem atendidas pelo Governo Federal, sob pena de quebra do equilíbrio de esferas autônomas de poder no qual se baseia o princípio federativo. 5. Somente vinculam a administração pública federal os atos contratuais devidamente formalizados, não as meras manifestações voluntaristas partidas de eventuais ocupantes de cargos públicos. Os termos do que acordado somente poderiam ser alterados mediante celebração de convênio posterior (instrumento de mesma hierarquia) a modificar as condições expressamente assumidas no ato datado de 1971. 6. A perícia judicial levada a efeito nos autos demonstrou que, dentro dos lindes do convênio firmado, os valores repassados pela União acrescidos daqueles que se viu compelida a pagar ao consórcio autor da ACO 381 superaram, em muito, o quantum efetivamente devido ao Estado do Paraná. 7. Ação cível originária cujo pedido formulado se julga, por maioria de votos, improcedente.
25
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISD ICIONAIS
5.1 FUNDAMENTO CONSTITTUCIONAL
A responsabilidade civil do Estado por decorrência de atos jurisdicionais possui
fundamento constitucional segue a regra geral da responsabilidade civil do Estado nos
termos do já mencionado artigo 37§6º da Magna Carta, como também no artigo 5°, inciso
LXXV que assim dispõe: “O Estado indenizará o condenado por erros judiciários assim como
o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
A incidência da regra geral foi muito questionada, no sentido de que tal mandamento
não poderia ser estendido aos atos do Poder Judiciário que causem danos a terceiros, como
no caso de uma sentença que embora proferida de maneira injusta, mas de boa-fé, não há
lugar para a indenização no caso de a decisão houver causado lesão a parte considerando
é um órgão independente e soberano, e o juiz não ser considerado um agente público29.
Diógenes Gasparini, adotando a mesma posição quanto a esta possibilidade ensina que
“Em princípio, o Estado não responde por prejuízos decorrentes de sentença (o poder Judiciário é soberano; os juízes devem agir com independência e sem qualquer preocupação quanto a seus atos ensejarem responsabilidade do Estado; o magistrado não é servidor público; a indenização quebraria o princípio da imutabilidade da coisa julgada)” (1995, p. 595)
Maria Sylvia Zanella di Pietro também não se mostra favorável á corrente que defende
a possibilidade de se ensejar ao Estado o dever de reparar o dano causado pela atividade
jurisdicional, pois se isto fosse possível ofenderíamos o princípio da imutabilidade da coisa
29 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Responsabilidade Civil, 4ª Edição, São Paulo: ATLAS, 2004, p.82.
26
julgada, tal argumento não merece prosperar pois, se em nosso sistema jurídico não pode
existir duas decisões contraditórias sobre uma mesma questão de fato, não há razão para
que não se admita a responsabilidade quando já elidida a coisa julgada em rescisória ou a
razão para não se reconhecer a pretensão indenizatória contra decisões judiciais sem
eficácia de coisa julgada, a exemplo das decisões interlocutórias mas, não a exclui quando
se trata de erro judiciário, cuja hipótese tem natureza constitucional, neste caso não há que
se falar em ofensa a coisa julgada pois como se sabe a força da coisa julgada sofre
restrições na medida em que se admite a ação rescisória e a revisão criminal.30
Da mesma forma, é inaceitável a idéia de que o Poder Judiciário é um órgão
independente e sendo assim, seria excluída a responsabilidade do Estado, pois trata-se de
um atributo inerente aos três poderes. Para ela, a idéia de soberania está ligada ao próprio
Estado e não ao Poder Judiciário, pois os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)
devem obediência às normas constitucionais, não se poderia então o Estado responder pelos
atos do Poder Executivo. 31
Ou seja, as garantias da Magistratura previstas unicamente para assegurar a
independência do Poder Judiciário, transmitem uma falsa idéia de que o Poder Judiciário
nunca erra, é infalível nas suas decisões, exonerando o Estado de qualquer responsabilidade
pelos possíveis danos injustos para aqueles que pretendem valer seus direitos, satisfazendo
os seus interesses individuais de dar a cada o que é seu, sempre em busca de um ideal de
justiça.32
30 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di, op. cit.p. 572 31 Idem, p. 572. 32 Ibidem, p. 573.
27
As divergências ocorrem nos casos em que a ação rescisória não soluciona o
assunto, ou devido à prescrição ou porque foi julgada improcedente e por isso a decisão se
torna imutável, existindo, portanto, uma presunção de verdade, não se admitindo
contestação33.
Maria Sylvia Zanella di Pietro, quando se refere à tal presunção diz o seguinte:
“a própria presunção da verdade atribuída às decisões judiciais aparece enfraquecida num sistema judiciário como o nosso, em que o precedente judiciário não tem força vinculante aos magistrados; são comuns decisões contrárias e definitivas a respeito da mesma norma legal; uma delas afronta, certamente à lei.(2005, p.573)
Refuta-se também o argumento pelo qual se defende que o magistrado não é
funcionário público, pois ele a medida que ocupa um cargo público criado pela lei, enquadra-
se no conceito legal desta categoria funcional, prestando serviços ao Estado, funcionando
como órgão do ente público34
Da mesma maneira, ensina Sílvio Venosa que quando houver “falha no aparelho
judiciário” o Estado deve ser responsabilizado, deixando de fornecer justiça retardando ou
suprimindo decisões, aplicando a regra do artigo 37§6° da Magna Carta 35.
Adotando o mesmo posicionamento, Nelson Nery Júnior (2004, p. 602) em seu livro
“Comentários ao Código Processo Civil” ensina que:
33 Idem, p. 572. 34 Ibidem., p. 572. 35 VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit. 81.
28
“A responsabilidade do Estado por ato judicial pode ocorrer em duas hipóteses: a) por dolo ou fraude do juiz; b) por culpa objetiva do serviço judiciário não imputável ao magistrado, mas à inércia, negligência, desordem na manutenção dos serviços públicos da justiça (JTARS 17/68)”.36
Muito embora a jurisprudência brasileira, via de regra não aceita a responsabilidade
do Estado por atos jurisdicionais, salvo nos casos expressos em lei, merece menção a
importante decisão do STF e pode mudar a orientação a respeito do assunto. Trata-se de um
acórdão proferido no RE 228.997/SP, no qual se decidiu que a autoridade judicial não tem
responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados, devendo a ação ser proposta
contra a Fazenda Nacional, a qual tem direito de regresso contra o magistrado responsável,
nos casos de dolo ou culpa. 37
Neste diapasão, temos o agravo de instrumento do Tribunal de Justiça do Paraná,
que assim proferiu decisão quanto ao dano ocorrido por um ato judicial, qual seja, a
interceptação telefônica sem o preenchimento dos requisitos legais, isto é de maneira ilegal,
esclarecendo que a responsabilidade é do Estado e tem natureza objetiva. 38
Reafirma a autora Maria Silvia Zanella di Pietro que se os atos judiciais não
implicarem no exercício da função jurisdicional é cabível a responsabilidade do Estado, sem
maior contestação, porque se trata de atos administrativos, quanto ao seu conteúdo (2005 p.
573).
36 JÚNIOR, Nelson Nery, Comentários ao Código Processo Civil, 6ª Edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 602. 37 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di, op.cit. 573. 38 Agravo de instrumento. Ação indenizatória por danos moral movida em face do Estado do Paraná. Magistrada que autorizou interceptação telefônica sem o preenchimento, em tese, dos requisitos legais. Denunciação da lide. Pretensão que não tem como fundamento o dolo ou a fraude. Não-cabimento. Decisão recorrida em confronto com a jurisprudência dominante dos tribunais superiores. Recurso provido
29
Como forma de demonstrar que em breve o posicionamento jurisprudencial a respeito
da matéria, vem sofrendo modificações, é imprescindível que se faça alusão ao julgado
proferido no Tribunal Regional Federal da 5ª Região39 que se manifestou dizendo que só
pode haver responsabilidade do Estado por um ato judicial quando o dano ocorrer em virtude
de flagrante violação da norma jurídica e segundo o que determina a norma constitucional a
respeito do erro judiciário e a prisão além do tempo fixado na sentença.
5.2 O ERRO JUDICIÁRIO
Na hipótese de erro judiciário40, o texto constitucional abarca duas hipóteses, em que
se admite a responsabilidade civil do Estado no âmbito do direito penal aquele que foi
condenado criminalmente, mesmo sendo inocente, ou aquele que ficou.preso por mais
tempo que determina a sentença, conforme determina o já citado artigo 5°, inciso LXXV, em
tal situação serão considerados tanto os prejuízos morais e materiais, sendo tal
39 RESPONSABILIDADE CIVIL. DA UNIÃO POR DECISÃO JUDICIAL. INEXISTENCIA DE CAUSA FATICA A DETERMINAR. 1. a responsabilidade civil do Estado pela pratica de ato judicial só ocorre quando ha demonstração inequívoca de que o dano produzido decorreu de decisão teratológica, e foi provocado por vontade dolosa do julgador ou decorrente de mau funcionamento do serviço ou omissão de praticar fatos a que o poder publico estava obrigado. 2. concessão de liminar em ação possessória não gera, em tese, direito de ser a parte prejudicada indenizada dos danos sofridos, so por a decisão ter sido reformada 40 Nesse sentido, entende o STF: “AR 749 / DF - DISTRITO FEDERAL AÇÃO RESCISÓRIA Relator(a): Min. THEMISTOCLES CAVALCANTI Julgamento: 30/04/1969. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Ementa - Responsabilidade do Estado por erro judiciário. Se o erro ocorreu por conduta criminosa dos agentes policiais, a indenização deve ser a mais ampla, incluindo os juros compostos, na forma do art. 1.544 do Código Civil. Ação rescisória julgada procedente.
30
responsabilidade de natureza objetiva, basta a comprovação do dano e o nexo de
causalidade.
Nesse caso, importante a menção da decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, entendendo que se a prisão for ilegal e arbitrária, o Estado deve responder de
maneira objetiva pelo dano causado ao militar. 41
Importante frisar que neste caso, admite-se a responsabilidade direta do Estado, não
se reconhecendo tal possibilidade na esfera cível, negligência, ou por demora na prestação
jurisdicional, nem por decisões não terminativas na esfera criminal, ou por decretação
indevida da prisão preventiva, ou qualquer outra hipótese de responsabilidade de ação ou
omissão na prestação jurisdicional42.
E para ilustrar a situação, o exemplo de uma prisão ilegal na qual não houve
observância do prazo limite para a conclusão da instrução criminal no caso de réu preso que
é de 81 dias o que mostra a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, dando procedência ao pedido de indenização por danos morais43.
41 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DE PRISÃO ARBITRÁRIA E ILEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PREJUÍZOS NA CARREIRA. FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - Desnecessária a denunciação da lide da autoridade responsável pela prisão, já que se trata de responsabilidade objetiva da União, podendo a Administração, caso condenada, mover ação regressiva contra o Agente Público que seria culpado. - Caracterizada a ilegalidade e arbitrariedade da prisão, bem como provado o tratamento aviltante e indigno à honra do apelado, assim como os evidentes prejuízos que sofreu na carreira militar, cabível a condenação à indenização. - Manutenção do valor fixado a título de indenização por se adequar à jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como às decisões deste Colegiado. - Manutenção do valor fixado a título de honorários advocatícios por se harmonizar com as decisões desta Turma. (TRF4, AC 2002.04.01.000629-9, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, DJ 05/11/2003). 42 Neste sentido, já decidiu o STF, “O Estado não responde pelos danos decorrentes de atos judiciais” (RDA, 105/207). 43 Responsabilidade civil do estado. Erro judiciário. Caracterização. Prisão por força de sentença condenatória encontrando-se já prescrita a pretensão punitiva do estado. Prescrição penal da pretensão punitiva retroativa. Dever do juiz de reconhecê-la. Dano moral. Indenização. Reajuste. Honorários de advogado. Primeira apelação provida em parte. Segunda apelação não provida. Reexame necessário desprovido (TJPR - 5ª C.Cível - ACR 0369527-6 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Juiz Conv. Albino Jacomel Guerios - Unanime - J. 03.12.2007)
31
Ao fazer uma análise das características da prisão além do tempo fixado na
sentença (Rui Stoco 2001, p.1030) ensina que a norma constitucional não se refere a uma
prisão ilegítima, pois decorrente de uma sentença plenamente válida, mas que com o passar
do tempo se torna ilegítima após alcançado o termo ad quem estabelecido na sentença44.
Rui Stocco, (2001. p.1009) a respeito da matéria cita João Santo Sé que dizia que
a reparação do erro judiciário tem uma longa tradição no direito brasileiro, pois tal
possibilidade já era prevista no artigo 86 do Código Penal de 1980 ou seja, reconhecia-se o
direito a uma justa indenização do reabilitado em face do Poder Público dos prejuízos
sofridos com a condenação.
Ressalte que para o autor, para efeitos de reparação só deve ser considerado o erro
substancial, plasmado de dolo ou fraude, ou que decorra de culpa “strictu sensu”, não se
admite por assim dizer que se caracterize pela má subsunção do comportamento a norma
em vigor a época do fato; o erro de perspectiva ou a falsa percepção dos fatos e na
equivocada interpretação da lei. 45
Outra hipótese, trazida por Rui Stoco, ao estudar a responsabilidade civil de modo
genérico, na qual se enquadra o erro judiciário é no caso em que o juiz aplique uma lei
inconstitucional mas, desde que assim seja declarada pelo Tribunal, através de ação direta
de inconstitucionalidade, na ação revisional (revisão criminal), ou na ação rescisória para
legitimar a indenização (2001, p. 1010).
44 STOCO, Rui, Tratado de Responsabilidade Civil, 6 ª Edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 1030. 45 Rui Sstoco (2001) ensina que o julgador é inviolável e inquestionável em sua decisão, muito embora sua decisão não seja a melhor ou a mais adequada, caso contrário feriria a própria soberania e autonomia do Poder
32
Outra circunstância aduzida no Código de Processo Penal, no artigo 630 46, no
tocante a acusação não ter sido meramente privada, pode o Estado ser responsabilizado
pelo erro judiciário na condenação criminal, até mesmo se houver na ação penal privada
ocorrer o erro em razão de ação ou omissão culposa do julgador.
Para se obter a indenização é necessário que haja a desconstituição do julgado
como condição para o ajuizamento da demanda de indenização47, cujo quantum deverá
ainda ser liquidado no juízo cível, abrangendo os danos emergentes e os lucros cessantes,
propiciando dupla reparação, conforme demonstra o entendimento jurisprudencial que já
assegurou tal direito. 48
A seguir, analisaremos a conseqüências jurídicas da demora na prestação da tutela
jurisdicional, situação que conforme o caso gera a obrigação de indenizar em razão do
possível dano que possa ser causado.
5.3 A “QUESTÃO” DEMORA DA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
46 Art.630. “O Tribunal, se o interessado o requerer poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos” 47 Nesse sentido, Juary C.Silva, citado por Rui Stoco diz que “parece-nos que a desconstituição da sentença transitada em julgado será pré-condição essencial no atinente à caracterização dessa responsabilidade, em todas as hipóteses, em que ela decorrer de sentença de mérito (Responsabilidade do Estado por atos judiciários e legislativos, p.174) 48 “APELAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - PROCESSO CRIMINAL - ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS - INOCORRÊNCIA DA HIPÓTESE DE ERRO JUDICIÁRIO - IMPROCEDÊNCIA - DESPROVIMENTO. Se os elementos do inquérito autorizavam a propositura da ação penal, a absolvição do acusado por insuficiência de provas não cria em seu favor uma situação que o autorize a pleitear indenização por danos morais pelo fato da denúncia ou da prisão preventiva”. (TJPR - 4ª C. Cível - AC 0320868-4 - Guarapuava - Rel.: Des. J. Vidal Coelho - Unânime - J. 11.04.2006).
33
5.3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO JUÍZ QUANTO A EFETIVIDADE DA TUTELA
JURISDICIONAL
A Constituição Federal prescreve no artigo 5°, inci so LXXV responsabilidade direta e
objetiva do Estado no caso de erro judiciário e se o réu ficar preso, além do tempo fixado na
sentença, conforme já analisado anteriormente.
Em contrapartida, o Código de Processo Civil estabelece no artigo 133 e incisos, as
hipóteses em que o juiz no exercício da atividade jurisdicional, responde pessoalmente por
perdas e danos, caracterizando desta forma a responsabilidade subjetiva, sendo necessária
a prova de que tenha agido de forma dolosa ou fraudulenta, ou quando houvesse ocorrido
“falha” na justiça ou seja, quando houvesse condenação de alguém antes do trânsito em
julgado da sentença, ou quando recusar, omitir, retardar, sem justo motivo, providência que
deva ordenar de ofício, a requerimento da parte, cumpre ressaltar que no segundo caso, o
juiz tem o prazo de 10 dias para tomar a providência, nos termos do parágrafo único do
artigo supracitado. A respeito do ato omissivo do juiz capaz de configurar a responsabilidade
civil do ente público a jurisprudência já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
que julgou a ação procedente sendo obrigado a indenizar pelo dano causado a parte pela
omissão do magistrado49.
49 Ação de Indenização de perdas e danos proposta contra o Estado do Rio de Janeiro fundada no artigo 37, XXI, §6°, da CF, c/c os artigos 14, II, e 159 do CC [atuais 41, II, e 186] e 275, I do CPC. Procedência da ação. Danos causados por omissão deixando de decidir requerimento de remoção de bens penhorados. - “No concernente à atividade jurisdicional do Magistrado, embora não possa ser ele responsável pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, salvo nos casos de improbidade ou excesso de linguagem (art 41 da Lei orgânica da magistratura Nacional), é, todavia seu dever cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade, e exatidão, as disposições legais e atos de ofício (art. 35, I da citada lei)”. (TJ/PR-4ª. C. -Ap. -Rel. Antônio de Castro Assunção-j. 27.08.91-RT 689).
34
Nesse sentido, a jurisprudência tem entendido que existe responsabilidade solidária
entre o Estado e o juiz, haja vista que o mesmo age como um órgão do Estado50, podendo a
parte lesada acionar diretamente o Estado ou o juiz ou ainda os dois simultaneamente. isto
quer dizer que um ato judicial danoso praticado com culpa do juiz, muito embora este não
tenha o dever de indenizar, tal dever pode ser transferido ao Poder Público, ou seja, admite-
se o litisconsórcio facultativo, disposto no artigo 70, III51, da legislação processual civil, que
estabelece que a denunciação à lide é obrigatória daquele que estiver obrigado a indenizar,
em ação regressiva os prejuízos do perdedor da demanda, a exemplo do Estado que vier a
ser condenado ao pagamento de um montante, a título de indenização por um erro judiciário,
ou pela ineficiência do Poder Judiciário na prestação de sua atividade pública, qual seja, a
atividade jurisdicional, ampliando a possibilidade de defesa do prejudicado conforme
estabelece o artigo 37§6° da Magna Carta.
5.3..2 A OMISSAO NA EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
No direito brasileiro, a questão não é tão simples, e deve ser analisada com cautela,
pois não se trata de uma omissão antijurídica isto é, um não ato, mas a demora em exará-lo,
traduzindo se em um fato jurídico, concretizando uma hipótese normativa que enseja a
50 “Se o Estado responde, como já sustentado pela simples negligência ou desídia do juiz por mais forte razão deve também o responder quando ele age dolosamente. Em ambos os casos o juiz atua como órgão estatal, exercendo função pública. Entendo que no último caso, poderá o lesado optar entre acionar o Estado ou diretamente o juiz, ou ainda os dois, porquanto haveria aí, uma solidariedade estabelecida pelo ato ilícito. Nesse sentido, já começa a se inclinar a jurisprudência” (RTJ 105/225-234). 51 Art. 70. “A denunciação da lide é obrigatória”: III-àquele que estiver obrigado pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
35
obrigação de indenizar por parte do Estado, violação de um dever de conduta obrigatória
imposta pela norma, mas não significa dizer que a mera violação do prazo processual pelo
Estado Juiz, implicará em direito a indenização por parte do prejudicado, pois tal
circunstância não pode ser qualificada isoladamente como uma omissão decorrente de “mau
funcionamento do aparelho judiciário ou denegação da justiça52.
A respeito do assunto, José Gomes Canotilho (1998 apud MODESTO, 2002, p. 305),
defendendo a tese da responsabilidade do Estado-Juiz, revela-se prudente quando diz que:
“Sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui, um regime particularmente cauteloso, afastando desde logo qualquer hipótese de responsabilidade por actos de interpretação de direito e pela valoração dos factos e da prova). No entanto, podem descortinar-se hipóteses de responsabilidade do Estado por actos dos juízes quando e outros magistrados quando (1) houver grave violação da lei resultante da “negligência grosseira”; (2) afirmação de factos cuja inexistência é manifestamente comprovada pelo processo (3) negação de factos, cuja existência resulta indesmetívelmente dos actos do processo; (4) adoção de medidas privativas de liberdade fora dos casos previstos em lei; ( 5) denegação da justiça, resultante da recusa omissão ou atraso do magistrado no cumprimento de seus deveres funcionais ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedna, 1998, p.483).
No ordenamento jurídico nacional existem situações que com o amparo da
jurisprudência e do estudo doutrinário, podem ensejar de responsabilidade do ente público
na esfera da prestação jurisdicional, ou relacionadas diretamente a atividade judicante (a)
danos decorrentes de ação rescisória (CPC, art. 485): decisão com ofensa à coisa julgada
(inciso IV do referido artigo), com violação a literal disposição de lei (inciso V), com
prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (inciso I), (b) dilação injustificada do processo
e a conseqüente perda do direito; (c) adoção de medida restritiva recusada pela ordem
jurídica; (d) detenções cautelares além do prazo permitido, entre outras situações
52 MODESTO, Paulo, Responsabilidade do Estado pela demora na prestação jurisdicional, Revista de Direito Administrativo, p.305.
36
assemelhadas; (e) nomeação de uma das partes como depositária de bem seqüestrado,
arrestado ou aprendido, sem a exigência de caução idônea, violando-se o disposto no inciso
II do artigo 824 do CPC; (f) o provimento da tutela antecipada ser irreversível se o
Requerente perder a demanda. 53
Sobre o assunto, Celso Antônio Bandeira, (citado por Paulo Modesto, 2002, p. 307),
teceu um comentário, ampliando o campo de interpretação do artigo 37§ 6° da Constituição
Federal, manifestando-se desta maneira:
“Sendo um dispositivo protetor do administrado, descabe extrair dele restrições ao
lesado. A interpretação deve coincidir com o sentido para o qual encaminha a norma, ao
invés de sacar conclusões, que caminham em direção inversa, benéfica apenas ao
presumido autor do dano.“
Tal entendimento vem ganhando força, a exemplo do que diz Luiz R Wamber (apud
STOCO 2001) esclarecendo que:
“a demora na prestação da tutela jurisdicional constitui-se , no mais das vezes, em causas de sensíveis danos ao cidadão; imaginar que, seja qual for a sua causa, possa resultar na irresponsabilidade do Estado é raciocínio que implica desconsiderar o preceito constitucional da ampla reparabilidade das lesões aos direitos dos cidadãos” (A Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos Judiciais, Revista dos Tribunais, v.633, p.41).
Ressalte-se que até mesmo o Supremo Tribunal Federal ao se posicionar quanto a
possível responsabilização do Estado pela demora na prestação da tutela jurisdicional diz
que só não será acatada no caso de uma demora justificada54.
53 MODESTO, Paulo, op. cit. p. 396. 54 “Mesmo em caso de decisão judicial morosa, não cabe a responsabilidade civil do Estado por falta do serviço, quando a demora tem causa justificada” (STF-RDA 90/140).
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No caso da demora na prestação jurisdicional pelo Estado-juíz, para Rui Stoco
constitui omissão “in genere”, omissão ligada ao mau funcionamento do serviço judiciário e
sobre tal situação ensina que:
“ A omissão in genere, ou seja o retardamento, o não julgamento nos prazos e tempo devidos, constitui a chamada “faute du service”dos franceses, a falha ou falta anônima da atividade estatal que empenha responsabilidade subjetiva , escorada no dolo ou culpa” (2001, p. 1.023)
Verifica-se que é dever do juiz garantir a tutela jurisdicional da forma mais efetiva e
adequada possível, fazendo com que o Estado Democrático de Direito, alcance seus
objetivos constitucionais, reduzindo as desigualdades sociais, promovendo a existência digna
para as pessoas e desta forma assegurar segurança jurídica e, para tanto, deve julgar com
equidade, em busca da harmonia social.
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6. CONSIDERACÕES FINAIS
Com a evolução do Estado Democrático de Direito, que busca zelar direitos individuais
e coletivos, fazendo com que o povo tenha participação no exercício do poder, observa-se a
concretização na vida dos cidadãos do direito contemplado na Magna Carta quando diz: “que
todo o poder emana do povo e que o exerce diretamente, ou por meio de seus
representantes eleitos”.
Pelo fato de o Estado ter a natureza de pessoa jurídica de direito público, conclui-se
que é sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica. Diante de tal afirmação, a obrigação
principal do Estado é a prestação de atividades públicas, visando o bem estar social de toda
a coletividade, este que é um dos objetivos do Estado, estampado no artigo 3° da Carta
Constitucional de 1998. Isto é, o Estado detém o ônus de bem exercer sua atividade de
detentor do poder.
Neste diapasão, a responsabilidade civil do Estado serve como instrumento para a
manutenção do equilíbrio social, isto é, tal instituto reflete o fundamento essencial do Estado
que é garantir existência digna para as pessoas, e como conseqüência assegurar segurança
jurídica.
Significa dizer, que em existindo uma lesão ou ameaça de lesão a terceiros por parte
de um agente público, em virtude de ato ou omissão danosa, fica obrigado a reparar o dano,
mediante pagamento de indenização nos casos de dolo ou culpa, segundo a regra geral da
responsabilidade civil do Estado, conforme o já citado artigo 37§6º da Constituição Federal.
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Em se tratando de danos decorrentes de atos judiciais, isto é advindas de magistrados
que agem com dolo ou fraude, o lesado tem a faculdade de ingressar em juízo contra o
agente, segundo o que preconiza o artigo 133 do Código de Processo Civil.
Neste caso, responsabilidade do juiz é subjetiva, e para que se configure é
imprescindível que haja comprovação da ação dolosa ou fraudulenta do magistrado ou de
omissão, recusar, retardar requerimento feito pela parte.
Com relação à responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais, a Magna Carta
de 1988 prescreve que na hipótese erro judiciário art.5°, inciso LXXV, o Estado deverá
indenizar, erro, que ocorre mais comumente na esfera criminal, por exemplo, se for
decretada a prisão preventiva sem estarem presentes os requisitos que autorizam a prisão é
um desses casos de responsabilização; ou também no caso de uma pessoa ser condenada
injustamente, mesmo sendo inocente, por ato ou fato imputável ao condenado, a exemplo
da confissão, ou ocultação de prova que esteja em seu poder, finalmente cita-se o exemplo
sobre o indivíduo que fica mais tempo preso do que fora determinado na sentença do juiz.
Nestes casos, o Estado será direta e objetivamente responsabilizado pelos danos que
seus agentes nessa qualidade causarem a terceiros, em atendimento ao princípio da
inafastabilidade da prestação da tutela jurisdicional por parte do Estado, assegurado no texto
constitucional no artigo 5º inciso XXXV.
Em razão disso, importante é dizer que quando se analisa o ato judicial como
elemento caracterizador de responsabilidade civil do Estado, não se trata da livre
interpretação da lei, posto que o juiz tem liberdade de convencimento, e em razão disso é
que se diz que tal ato possui forte presunção de legalidade e veracidade, desde que suas
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decisões sejam motivadas adequadamente, sob pena de nulidade, conforme dispõe o artigo
93, inciso X, da Carta da República. Porém, o ato quando exarado com violação ao
ordenamento jurídico, provocando um dano injusto, tem o Estado o dever de indenizar o
dano material e também o dano moral, gerando uma dupla reparação.
O mesmo dever de reparação do Estado surge da omissão do Poder Judiciário em
exercer a atividade jurisdicional, algo que afronta o princípio da prestação da tutela
jurisdicional, mas, ressalte-se, que só haverá responsabilidade civil do Estado se a demora
for injustificada e se verificar que o agente agiu com dolo ou culpa em não observar os
prazos estabelecidos para proferir decisões, tendo em vista o alcance da finalidade
processual, a partir da idéia de que o Estado, por intermédio do magistrado tem o poder-
dever de garantir a efetivação da tutela jurisdicional com a correta aplicação da lei no caso
concreto, pois o juiz não pode se eximir de julgar a lide, alegando lacuna na lei, podendo
valer-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito como fonte suplementar
na falta de lei específica para a causa em deslinde, conforme a dicção do artigo 3° da lei de
Introdução ao Código Civil.
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7. REFERÊNCIAS BBIBLIOGRAFICAS
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