Formas, estados e processos da cultura na atualidade.
Prof. Dr. Martin Grossmann
Fernanda de Jesus Ligeiro Braga
Psicologia
NºUSP 8534167
Entre monoteísmos e politeísmos
No seminário “Em Busca do Sentido Perdido: A Ciência e o Politeísmo de
Valores” ocorrido no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, o
expositor Bernardo Sorj apresentou argumentos que dão substrato a sua hipótese de que
a formação do mundo moderno está relacionada ao processo de secularização, isto é, um
processo pelo qual a religião deixa de ser o aspecto cultural agregador, transferindo para
uma das outras atividades desta mesma sociedade este fator coercitivo e identificador.
Nesse sentido, o desenvolvimento científico e tecnológico, como ressalta o
comentário do professor Alfredo Bosi, foi um elemento desagregador dos monismos
dogmáticos, tendência esta que se iniciou desde a Renascença. No transcurso dessas
mudanças, houve transformações culturais e institucionais de normas e valores. Sorj
enumera uma série dessas mudanças como, por exemplo, a noção do herético, cuja visão
anterior classificava-a como pecado e hoje, no entanto, é um componente valorizado.
Alfredo Bosi, ainda, acrescenta à discussão, defendendo que não ocorrera apenas
um desencantamento, mas sim dois. O primeiro se deu no pré-cientificismo em que
houve a substituição do mitológico pela razão cientifica; o segundo, no racionalismo já
estabelecido, ocorrera na sucessão do monismo da razão científica para a pluralidade de
sentidos (politeísmo cognitivo-ético-político), no pós-modernismo.
A liberdade, nessa conjuntura, substitui os dogmas e a rigidez exigida pelas
crenças religiosas, tornando-se uma espécie de ideologia questionadora da Igreja,
sobretudo na Europa. Nos Estados Unidos, por sua vez, a conquista da liberdade, ou
seja, a conquista de direitos subjetivos e individuais, se pauta a partir de Deus. A
religião, aqui, de cunho, em suma, protestante, fomenta a independência, bem como
modifica os valores sociais em prol dessa lógica.
É interessante perceber que o rompimento com a tradição cristã-medieval traz,
como supracitado, transformações significativas tanto no plano físico e imediato quanto
do campo simbólico e “transcendental”. A salvação até então se dava em outro mundo,
agora acontece neste. Esses agenciamentos transfiguram a organização social, bem
como a relação dos indivíduos com o mundo, isto é, como o estar no mundo é
compreendido e significado em âmbito social e individual.
Sorj traz como proposta argumentativa o pensamento de que para haver avanços
em nossa sociedade é necessário enfrentar os monoteísmos. Isso porque mesmo os
monoteísmos seculares trariam de certo modo novos dogmas- liberalismo iluminista, o
fascismo, o comunismo e o nacionalismo- , assim como posicionamentos autoritários e
de disputa frente às outras concepções. Consoante a isso, essa postura reprime as
contradições, mesmo que não as elimine surgem limitações de escolhas, as quais
acabam por desaguar, por exemplo, em dicotomias como “bem” e “mal”.
No entanto, nesse processo de rompimentos e transposições irrompeu também a
noção de politeísmo. Sorj, a partir da conceituação weberiana, apresenta este elemento
como produtor de “desencantamento do mundo”, de uma racionalização própria que
opõe – na sociedade moderna, caracterizada pelo politeísmo de valores – religião,
ciência, arte, política e ética como potências ou “vocações” antagônicas. O monoteísmo,
em parte, forma um eixo que dá sentido à vida, enquanto que o politeísmo,
enfaticamente na pós-modernidade, por impossibilitar a construção de uma estrutura
axiomática- como comentou Enrique Larreta após a exposição de Bernardo Sorj-
fragiliza as relações tanto do sujeito em relação a si quanto em relação ao outro,
afetando a ação coletiva, uma vez que se cria uma confusão em que o individuo precisa
negociar na subjetividade os valores, havendo, assim, o obscurecimento de referenciais.
Esse processo de desencantamento do mundo, no entanto, não nos fornece uma
resposta para nossa indagação acerca de seu significado. Com isso, a questão do sentido
e do valor da ciência no contexto da vida humana permanece insolúvel. As respostas
historicamente fornecidas a essa questão são, para Weber, insuficientes, seja a teoria
platônica de que o objetivo da ciência é conhecer o ser verdadeiro, seja a renascentista,
que afirma que a ciência é a chave da compreensão da natureza, seja a
protestante/puritana, de que ela é o caminho que conduz a Deus, ou mesmo a positivista,
que a coloca como o caminho que conduz à felicidade humana.
Todavia, não cabe defender um saudosismo absoluto nem, tampouco,
conformar-se com a conjuntura atual, mas sim promover a interlocução entre elementos
do passado e a modernidade, buscando estabelecer diálogos que fujam de idolatrias,
como pontuou o professor Enrique Larreta. Porém, há dois riscos cognitivos e éticos,
que amaçam o politeísmo contemporâneo e que devem ser salientados, como apontou
Alfredo Bosi: o relativismo absoluto (puro e estético) e o fundamentalismo. São ideias
divergentes que convivem e que precisam se inserir na discussão mais enfaticamente.
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