EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE
DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
URGENTE
DIOGO DE ALMEIDA LOPES, Defensor Público em exercício na Defensoria
Pública da Unidade Itaquera - Capital, com endereço para intimações, conforme
determina o artigo 128, inciso I da Lei Complementar 80/94, na Rua Sabbado
D’Angelo, 2040, Itaquera, São Paulo/SP, vem, respeitosamente, com fundamento no
artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal e artigos 647 e seguintes do Código de
Processo Penal, impetrar a presente ordem de
HABEAS CORPUS
COM PEDIDO LIMINAR
em favor de RENATO HENRIQUE APARECIDO DE SOUZA, menor impúbere,
nascido em 22 de novembro de 2012, filho de Talita Aparecida de Souza Sales,
figurando como autoridade coatora o MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude
do Foro Regional de Itaquera da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, em
razão do constrangimento ilegal a que está sendo submetido na ação de acolhimento nº
0033695-70.2013.8.26.0007, pelos motivos a seguir expostos.
I – DOS FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO
O paciente conta com apenas 1 (um) ano e 7 (sete) meses e, desde seu
nascimento, permaneceu sob os cuidados de Viviane Gomes Plácido em razão de sua
genitora encontrar-se respondendo presa a processo pelo cometimento do delito de
tráfico de drogas. Viviane, que era vizinha da genitora do paciente, desde então assumiu
seus cuidados definitivos, atendendo a pedido de sua mãe, e provendo-lhe todo o
necessário para seu sadio desenvolvimento.
Objetivando regularizar a situação de fato e para melhor atender aos interesses
do paciente, mesmo não possuindo relação de consanguinidade, Viviane propôs ação de
guarda de nº 0031705-44.2013.8.26.0007 (cópia anexa).
No entanto, o Ministério Público, mesmo diante da consolidação da situação de
fato do paciente no seio da família de Viviane e havendo rico lastro probatório apto a
demonstrar que a guardiã vinha dispensado cuidados (médicos, assistenciais, afetivos
etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à integridade física e/ou psíquica do
paciente, ajuizou ação de acolhimento, sugerindo possível burla ao cadastro de
pretendentes à adoção e requerendo o acolhimento institucional do paciente.
Sobreveio, então, na ação de acolhimento, decisão determinando o acolhimento
institucional, bem como a busca e apreensão do paciente, sob o fundamento de que na
avaliação realizada pelo serviço técnico do juízo, Viviane não apresentou os familiares
da criança, manifestou-se contra a convivência com a avó materna e expressou desejo
de adotar, juntamente com o marido, sendo que deveria preservar a convivência da
criança com sua família biológica, incluindo a genitora, avó materna e irmãos do
paciente.
Afirmou a autoridade coatora que Viviane se apoderou do infante, valendo-se da
própria torpeza, omitindo dados relevantes da família extensa e do genitor, ressaltando
que a adoção só é possível se esgotadas as tentativas de reintegração da criança em sua
família natural ou extensa.
A decisão, todavia, carece de fundamentação, uma vez que, de uma leitura atenta
dos autos da ação acolhimento, é possível depreender-se que não há motivos razoáveis
para que se proceda ao acolhimento institucional do paciente, não estando presente
qualquer hipótese autorizadora do artigo 98 do ECA, sendo a decisão teratológica e
suscetível de causar danos irreparáveis ao paciente, constituindo indevido
constrangimento ilegal.
Preliminarmente, cumpre esclarecer que não houve determinação para que
Viviane apresentasse familiares do paciente em juízo para serem ouvidos. Tal
determinação não poderia ser cumprida por Viviane, uma vez que nunca chegou a seu
conhecimento. Não há qualquer indicativo nesse sentido nos autos da ação de
acolhimento.
Em relação ao convívio com a família biológica, Viviane tentou, por diversas
vezes, aproximação com a avó materna e tias do paciente, o que restou infrutífero. A
avó materna alegou que não poderia assumir a guarda do paciente, pois já cuidava de
outro filho da genitora do paciente e não possui condições financeiras para tanto.
Viviane, que mantém a guarda do paciente desde seu nascimento, possui todas
as condições de oferecer ambiente saudável e livre de qualquer risco que atrapalhe o seu
pleno desenvolvimento. Desde sempre ofereceu todos os cuidados necessários (material,
moral, afetivo, social etc.) e somente ajuizou a ação de guarda para regularizar a
situação fática e afetiva entre ela e o paciente, que se encontra consolidada pela
convivência durante 1 (um) ano e 7 (sete) meses.
É de se frisar que o próprio Setor Técnico que auxilia o Juízo da Infância e
Juventude do Foro Regional de Itaquera, mais de uma vez, afirmou que:
Fls. 40: “Das informações que obtivemos, no momento não há familiares
dispostos a assumir os cuidados relativos a Renato e o convívio deste com a
família natural e extensa não vem ocorrendo”.
Fls. 49: “Renato pareceu possuir fortes vínculos afetivos com o casal e o casal
também aparenta despender cuidados e afetos com a criança. Julgamos que
Renato está inserido na família e não há oposição quanto a sua permanência
sob os cuidados do casal Viviane e Ednaldo. Ambos, mesmo consideram-se pais
do menino, estão cientes das implicações e das limitações que o termo d guarda
implica.”
Entretanto, sem qualquer fundamentação e em conduta totalmente contraditória
a tudo quanto foi produzido nos autos, a autoridade coatora estranhamente criou
fundamentos e informações que não existem nos autos para legitimar a retirada do
paciente da família de Viviane e sua entrega a um serviço de acolhimento.
A situação nesse caso chama a atenção, pois a decisão totalmente contrária ao
quanto verificado pelo setor técnico, foi proferida em 16 de maio de 2014. Em 22 de
maio de 2014, a assistente social Quesia Gama Cruz Barbosa, quando tomou ciência da
determinação do Magistrado para busca de vaga junto a CAPE, elaborou um novo
relatório (fls. 63/64), reforçando as informações anteriormente repassadas, pois a
determinação desatendia ao que o próprio setor técnico considerava o melhor interesse
da criança, consideradas a construção de interações sociais/afetivas e de
desenvolvimento.
Dessa forma, o próprio setor técnico, mesmo após a determinação de busca
de vaga em serviço de acolhimento, consultou, mais uma vez, o juízo, pois a
determinação seria prejudicial a Renato!
Neste mesmo relatório, sobre a afeição de Renato em relação à Viviane e seu
marido, foi assim dito pela assistente social: “foi possível perceber sua afeição pelos
requerentes tendo demandado colo e atenção de ambos, esboçado satisfação e
tranquilidade no contato com eles e indicado ser alvo de bons cuidados pelo casal.”
E, ainda: “Uma vez que Renato (1 ano e 6 meses) – ao que consta – está sob
cuidados do casal há 1 ano e 3 meses, o que sugere que da parte da criança também já
se estabeleceu relações de afinidade/afetividade, a retirada abrupta do ambiente no
qual está inserida poderá ter efeitos nocivos à sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. Salientamos ainda que não nos pareceu haver má-fé por parte do
casal, pois o grupo familiar já apresenta quatro filhos biológicos e os requerentes não
detinham conhecimento da legislação vigente acerca da guarda/adoção (assim como
ocorre com a maior parte da população). Outrossim, é natural que uma família com
disponibilidade para o cuidado suscite o estabelecimento de vínculos de afeto e
confiança recíprocos na relação com a criança/adolescente, que igualmente se
intensificam com o passar do tempo.”
Portanto, o próprio setor técnico, considerando que a decisão de acolhimento e a
consequente busca e apreensão causaria enormes prejuízos ao infante, “consultou” o
MM. Juiz a quo, pedindo que a decisão fosse reconsiderada ante os elementos
apresentados. Contudo, sem qualquer fundamentação razoável, a decisão foi mantida e,
aos 26 de maio de 2014, a assistente social Quesia contatou a CAPE e informou vaga
para acolhimento de Renato junto ao SAICA Lar do Pequeno Aprendiz (fls. 65).
Todos os relatórios produzidos pelo setor técnico dão conta de que Renato foi
bem recebido por Viviane e toda a sua família, que sempre mencionam a existência de
sua genitora, sendo que está integrado a este núcleo familiar.
O paciente não pode ser prejudicado em seu desenvolvimento psicológico em
razão de decisão completamente descabida da autoridade coatora, de forma que lhe seja
imposto o acolhimento institucional em situação evidentemente mais gravosa e em
prejuízo ao seu superior interesse do que aquela em que se encontrava (no seio da
família de Viviane), em atenção ao princípio do superior interesse da criança, previsto
no artigo 100, parágrafo único, IV, do ECA.
De qualquer ângulo que se analise a questão, certo é que o acolhimento
institucional não merece prosperar, sendo a decisão que o determinou teratológica e
infundada. Não há razão neste caso que autorize a institucionalização de Renato em um
serviço de acolhimento. Pelo contrário, todos os relatórios apontam que a medida que
melhor atende ao seu superior interesse é permanecer na família de Viviane, mediante a
concessão do termo de guarda.
A simples alegação de que o cadastro judicial de adoção foi desrespeitado não é
suficiente para que seja decretado o acolhimento institucional de Renato. Não houve
fraude nem má-fé por parte de Viviane, que desde o início deixou clara sua intenção de
cuidar do paciente enquanto sua mãe biológica não reunisse condições. É de se ressaltar,
ainda, mesmo que existisse a intenção de adoção, não é crível admitir-se o apego
exacerbado ao formalismo quando se trata dos interesses de uma criança, pessoa em
condição especial de desenvolvimento. É cediço que em casos tais deve ser analisado
com precedência a qualquer outra questão o melhor interesse da criança.
O cadastro de adotantes e o arcabouço regulatório legalmente estabelecido para a
adoção (artigo 50, do ECA) tem como único escopo a preservação da dignidade da
criança ou adolescente adotado que se encontra em situação de vulnerabilidade, na
medida em que o Poder Público exerce o controle prévio das condições psicossociais
dos pretendentes à adoção. Respeitando-se a condição especial das crianças e
adolescentes, busca-se evitar que o adotado seja novamente submetido à situação de
risco (sofrendo maus tratos, ou sendo abandonado, por exemplo). Nessa medida, a
adoção deve sempre resgatar a dignidade da criança ou adolescente, e a realização do
cadastro único foi o meio legal que o Estado brasileiro encontrou de alcançar esse
objetivo.
Não obstante esse fato, o cadastro de pretendentes à adoção não tem um fim em
si mesmo, ele é tão-somente um dos meios de preservar a incolumidade física e psíquica
da criança ou adolescente em situação de abandono, e não deve prevalecer no caso em
comento.
A ausência de má-fé e fraude por parte de Viviane foi constatada pelo próprio
setor técnico do juízo em todos os relatórios apresentados.
A decisão do MM. Juiz a quo é baseada em rasos fundamentos, fruto de uma
interpretação equivocada da situação, contrariando, inclusive, todos os relatórios da
equipe técnica do próprio juízo que, por diversas vezes, apontaram que o melhor para o
paciente seria permanecer na companhia de Viviane, pessoa que despendeu todos os
cuidados com ele desde tenra idade.
Além disso, a determinação de busca e apreensão é desarrazoada, visto que
somente poderia ser tomada após extensa produção probatória na ação de acolhimento,
na qual ficasse solidamente constatado que o acolhimento institucional seria a medida
aconselhável ao caso, que atenderia ao superior interesse da criança, o que efetivamente
não ocorreu.
Não há qualquer razão para o acolhimento institucional do paciente, tendo
em vista que não restaram configuradas as hipóteses autorizadoras do artigo 98 do ECA.
II – DO CABIMENTO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS NO PRESENTE
CASO
Inspirado pelo primado do melhor interesse da criança, decidiu o Superior
Tribunal de Justiça, em caso similar ao do paciente, privilegiar o aspecto afetivo em
detrimento do cadastro geral de adoção:
RECURSO ESPECIAL - AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O
CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE -
APLICAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR – VEROSSÍMIL
ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL
DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA
DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA- TRÁFICO DE
CRIANÇA – NÃO VERIFICAÇÃO - FATOS QUE POR SI SÓ NÃO
DENOTAM A REGIONAL LESTE – UNIDADE ITAQUERA PRÁTICA DE
ILÍCITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO
(Recurso Especial n. 1172067/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira
Turma, Dje de 14.04.2010)
Quando se requer a concessão da ordem de habeas corpus para que o paciente
não sofra constrangimento ilegal e seja colocado em serviço de acolhimento, não se
descuida da recente evolução jurisprudencial, no sentido de não se admitir a impetração
originária de habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvada a hipótese excepcional
de concessão de ofício da ordem quando constatada flagrante ilegalidade ou decisão
teratológica.
Da mesma forma, ainda, também segundo a jurisprudência, não cabe habeas
corpus contra decisão do Tribunal de origem de indeferimento de liminar, a fim de
evitar indevida supressão de instância. Ademais, também não se olvida que, em se
tratando de questão atinente à guarda/adoção de criança ou adolescente, que se insere no
âmbito do Direito de Família, é inadequada a utilização de habeas corpus para defesa
dos interesses do infante, por não ser possível análise do conjunto probatório.
Nenhum dos posicionamentos da jurisprudência pátria é ignorado, entretanto,
tem-se uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de máxima cautela, em
razão da possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos do paciente
(menor impúbere com 1 ano e 7 meses), de modo a se afastar, excepcionalmente, todos
os óbices que, em princípio, poderiam acometer o presente habeas corpus e que, na
generalidade dos casos, culminariam no seu não conhecimento.
Contudo, o caso dos autos afigura-se uma situação excepcionalíssima, capaz de
afastar tais entendimentos, por ser teratológica e causar indevido constrangimento ilegal
ao paciente.Isso porque, afirma-se uma vez mais que não existe situação de risco (artigo
98 do ECA) apta a justificar a aplicação do acolhimento institucional ao paciente. É de
se verificar, pelos elementos probatórios produzidos na ação de acolhimento, que a
suposta tentativa de burla ao cadastro judicial de adoção (que, frise-se, jamais ocorreu)
não importou em prejuízo ao paciente.
Todo o contrário, a guarda de fato tem se revelado satisfatória aos seus
interesses, havendo rico lastro probatório que corrobora a alegação de que a guardiã
Viviane tem dispensado cuidados (médicos, assistenciais, afetivos etc.) suficientes a
afastar qualquer risco imediato à integridade física e/ou psíquica do paciente.
Com isso não se quer dizer que a adoção não deve respeitar o cadastro
estabelecido, mas sim que nesse caso concreto e muitíssimo excepcional, o fim legítimo
não justifica o meio ilegítimo, especialmente porque a decisão judicial implica evidente
prejuízo psicológico para o próprio paciente, que está indevidamente sofrendo a ameaça
de ser colocado em acolhimento institucional, haja vista que o mandado de busca e
apreensão já foi expedido.
É assim, acrescente-se, que vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. DETERMINAÇÃO
DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. ADOÇÃO. - Salvo no caso de evidente
risco físico ou psíquico ao menor, não se pode conceber que o acolhimento
institucional ou acolhimento familiar temporário, em detrimento da
manutenção da criança no lar que tem como seu, traduza-se como o melhor
interesse do infante. - Ordem concedida. (HC 221.594/SC, Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, DJe 21/03/2012)
HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E ADOÇÃO. MENOR
IMPÚBERE (3 MESES DE VIDA) ENTREGUE PELA MÃE À CASAL
INTERESSADO EM SUA ADOÇÃO. GUARDIÃES DE FATO. SITUAÇÃO
IRREGULAR. AÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL AJUIZADA
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. BUSCA E APREENSÃO DEFERIDA EM
PRIMEIRO GRAU. LIMINAR NEGADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE AO ABRIGO. MEDIDA
TERATOLÓGICA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A jurisprudência do STF e do STJ evoluiu no sentido de não se admitir a
impetração originária de habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvada a
hipótese excepcional de concessão ex officio da ordem quando constatada
flagrante ilegalidade ou decisão teratológica. Precedentes.
2. Também está consolidado no STF e no STJ não caber habeas corpus contra
decisão de indeferimento de liminar, a fim de evitar indevida supressão de
instância, ressalvada, contudo, a possibilidade de concessão, de ofício, da
ordem na hipótese de evidente e flagrante ilegalidade. Precedentes.
3. Ainda, em se tratando de questão atinente à guarda/adoção de menor – afeta,
portanto, ao Direito de Família, costumando exigir, como tal, ampla dilação
probatória –, tem-se por inadequada a utilização de habeas corpus para defesa
dos interesses do infante. Precedentes.
4. Na espécie, contudo, está-se diante de uma situação bastante delicada e que
impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de
ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança, ora paciente, de
modo a se afastar, excepcionalmente, todos os óbices que, em princípio,
acometem o presente writ e que, ordinariamente, culminariam no seu não
conhecimento.
5. Denúncia anônima formalizada junto ao Conselho Tutelar local de que o
menor, ora paciente, estaria sendo vítima de maus-tratos, tendo, ainda, sido
adotado de forma ilegal. Malgrado afastada, de plano, a ocorrência de
maustratos, o MPE ajuizou ação de acolhimento institucional requerendo a
busca e apreensão do menor e seu imediato encaminhamento a abrigo, sob o
principal argumento de ter havido "adoção/guarda" irregular.
6. Situação anômala que, entretanto, não importou em prejuízo ao infante,
pelo contrário, ainda que momentaneamente, a guarda de fato tem se revelado
satisfatória aos seus interesses, havendo rico lastro probatório que exsurge à
demonstração de que os guardiães tem dispensado cuidados (médicos,
assistenciais, afetivos etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à
integridade física e/ou psíquica do menor.
7. Não se descura que a higidez do processo de adoção é um dos objetivos
primordiais a ser perseguido pelo Estado, no que toca à sua responsabilidade
com o bem-estar de
menores desamparados, tampouco que, na busca desse desiderato, a adoção
deve respeitar rígido procedimento de controle e fiscalização estatal, com a
observância, v.g., do Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos
(CUIDA) o qual, aliás, pelos indícios probatórios disponíveis, teria sido
vulnerado na busca de uma adoção intuito personae.
9. Contudo, o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para sancionar aqueles
que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão
judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da
proteção estatal para a hipótese: a própria criança.
10. Ademais, dita burla ainda está no campo do juízo perfunctório, o que
igualmente torna temerária a adoção de um procedimento que, por sua natural
demora, pode prolongar a permanência do menor em abrigo ou instituição de
acolhimento, numa verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo ECA, na
qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada.
11. Medida que, na hipótese, notoriamente beira a teratologia, pois
inconcebível se presumir que um local de acolhimento institucional possa ser
preferível a um lar estabelecido, onde a criança não sofre nenhum tipo de
violência física ou moral.
12. Ordem concedida de ofício.
(HABEAS CORPUS Nº 274.845 – SP, 3ª Turma, Min, Nancy Andrighi, Dje
12/11/2013)
Ainda, no mesmo sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
julgado MC nº 18.329/SC, também de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgada em
20.9.2011, fixou o seguinte entendimento, que se pede vênia para transcrever:
“que, na ausência de perigo de violência física ou psicológica contra a
criança, a sua busca e apreensão com acolhimento institucional, no curso de
qualquer ação em que se discuta a custódia física da infante, representa
evidente afronta ao melhor interesse do menor”.
Transcreve-se, ainda, relevante fundamentação proferida pelo Ministro Massami
Uyeda, em sede de medida cautelar ao analisar questão muito semelhante:
"(...) É possível, de plano, constatar que a controvérsia deve ser analisada sob a
perspectiva dinâmica dos fatos, e não, simplesmente, aferir o acerto ou não da
decisão combatida (que determinou a retirada da menor da guarda dos ora
equerentes), quando de sua prolação. Veja-se, inicialmente, não se olvidar os
nobres propósitos contidos no artigo 50 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que preconiza a manutenção, em comarca ou foro regional, de
um registro de pessoas interessadas na adoção, e legitimamente incentivado,
recentemente, pelo Conselho Nacional de Justiça, com a edição, inclusive, da
Resolução n. 54. É certo, contudo, que a observância de tal cadastro, vale dizer,
a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar
determinada criança não é absoluta. E nem poderia ser. Excepciona-se tal
regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor,
basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de
existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este
não se encontre sequer cadastrado no referido registro. No caso dos autos,
deixando de lado a discussão doutrinária e até jurisprudencial acerca da
chamada adoção intuitu personae ou adoção dirigida, em que há a intervenção
dos pais biológicos na escolha da família substituta, em momento anterior ao
pedido de adoção, até porque desinfluente para a presente tutela de urgência,
baseada em juízo de cognição sumária, é incontroverso nos autos, de acordo
com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, que esta criança
esteve sob a guardados ora requerentes, de forma ininterrupta, durante os
primeiros oito meses de vida (completando neste mês seu primeiro aniversário)
, por conta de uma decisão judicial prolatada pelo i. desembargador-relator
que, como visto, conferiu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento n.
1.0672.08.277590-5/001. Assim, além da aferição da imprescindível
capacidade e aptidão do casal pretendente à adoção em exercer efetivamente o
Poder Familiar, o que se dará durante o processo de adoção, sendo relevante
para tanto, indubitavelmente, o parecer psicossocial em conjunto com toda a
instrução processual, in casu, preponderantemente, deve-se perscrutar o
estabelecimento por parte da menor de vínculo afetivo com os ora requerentes,
que, como visto, tornará legítima, indubitavelmente, a adoção intuitu personae
." No caso dos autos, em análise perfunctória, tem-se que a guarda de uma
criança, sem interrupções como é o caso dos autos, durante os seus primeiros
oito meses de vida, tem o condão de estabelecer o vínculo de afetividade da
menor com os pais adotivos" (AgRg na MC nº 15.097/MG, Rel. Ministro
Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 05/03/2009, DJe 06/05/2009)
O vínculo afetivo existente entre o paciente e sua então guardiã Viviane foi
cabalmente comprovado pelo próprio setor técnico do juízo, que proferiu a decisão de
acolhimento.
Sobre a necessidade de sopesamento pelo Poder Judiciário de questões
socioafetivas, tem-se a seguinte doutrina:
"O Judiciário não pode ignorar as mudanças do comportamento humano no
campo de família. O fetichismo das normas há de ceder à justiça do caso
concreto, quando o juiz tem que optar entre o formalismo das regras jurídicas e
a realização humana e mais socialmente útil do direito. Na dúvida, há sempre
que escolher a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. Nesse
dilema, privilegiar a verdade biológica e a sócio-afetiva, ainda que sobre
aquele não paire quaisquer dúvidas em razão do exame de DNA, é possível
ficarcom a segunda em detrimento da primeira. Para isso, não é necessário
grande esforço de raciocínio, mas uma simples ponderação teleológica,
segundo a qual, da aplicação do direito, não deve resultar injustiças" (CAMBI,
Eduardo. O paradoxo da verdade biológica e sócioafetiva na ação negatória de
paternidade, surgido com o exame do DNA, na hipótese da 'adoção à
brasileira'". In Revista de Direito Privado. Coordenação Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de Andrade Nery. v. 14, n. 13, ano 4 – janeiromarço 2003, p. 87).
Observa-se, assim, que a concessão da ordem de habeas corpus que se requer
encontra sólido respaldo nos tribunais superiores e na doutrina pátria, sendo de rigor a
concessão da ordem de habeas corpus para determinar a imediata entrega do paciente a
Viviane Gomes Plácido, afastando-se, assim, o recolhimento institucional, que constitui
indevido constrangimento ilegal, o que traduz o melhor interesse da criança (artigo 227
da Constituição Federal e artigo 100, parágrafo único, II, do ECA).
III – DA LIMINAR
Imprescindível a concessão de liminar, já que há urgência na apreciação do
pedido, uma vez que já foi expedido mandado de busca e apreensão do paciente
para sua retirada do lar de Viviane e entrega ao serviço de acolhimento Lar do
Pequeno Aprendiz, em evidente violação ao seu superior interesse.
Ainda, a questão a ser decidida sobre a necessidade de seu acolhimento
institucional demanda produção probatória sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa, o que ainda não ocorreu na ação de acolhimento que sequer encontra-se em fase
de instrução, sendo a decisão liminar proferida pela autoridade coatora completamente
desarrazoada, pois evidentemente mais gravosa do que a manutenção do paciente sob a
guarda de Viviane, pedido que encontra respaldo na jurisprudência dos Tribunais
Superiores.
Por conseguinte, de rigor a concessão de liminar para determinar que o paciente
aguarde a conclusão do processo de acolhimento e de guarda sob a guarda provisória de
Viviane, vez que se trata de situação consolidada e que melhor atende ao seu superior
interesse.
IV – DO PEDIDO
Por todo o exposto, requer-se a concessão da liminar para determinar-se a
imediata entrega do paciente RENATO HENRIQUE APARECIDO DE SOUZA a
Viviane Gomes Plácido, afastando-se o acolhimento institucional, e, depois de prestadas
as informações, se entendido que necessárias, requer-se seja cassada a decisão de 1ª
instância, em definitivo, concedendo-se a ordem de habeas corpus para determinar que
a guarda provisória do paciente seja mantida por Viviane Gomes Plácido, em
atendimento ao seu superior interesse (artigo 227 da Constituição Federal e artigo 100,
parágrafo único, II, do ECA).
São Paulo, 24 de junho de 2014.
(ASSINADO DIGITALMENTE)
DIOGO DE ALMEIDA LOPES
3ª DEFENSORIA PÚBLICA DE ITAQUERA
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