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    * Professor associado do Programa de Ps-Graduao em Comunicao, Departa-mento de Comunicao Social, Faculdade de Comunicao(Facom) da Universi-dade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil. Doutor em Sociologia pela Universit Paris V, Sorbonne, Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]. ** Bolsistas do PET/Facom/UFBa, pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Ci-bercidade (GPC/POSCOM/UFBA), estudantes de jornalismo da Facom/UFBa Salvador, BA, Brasil. E-mail: [email protected].*** Bolsistas do PET/Facom/UFBa, pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Cibercidade (GPC/POSCOM/UFBA), estudantes de jornalismo da Facom/UFBa Salvador, BA, Brasil. E-mail: [email protected].

    Wi-Fi Salvador: mapeamento colaborativo e redes sem fio no Brasil

    Andr Lemos*

    Leonardo Pastor **

    Nelson Oliveira***

    ResumoO trabalho faz uma breve demonstrao de polticas pblicas para incluso digital por meio da disponibilizao do acesso internet por meio de redes sem fio e discute a forma como as pessoas se relacionam com os lugares, de acordo com a existncia ou inexistncia de acessibilidade internet. O objetivo discutir o acesso internet pelas redes sem fio no Brasil e, mais especificamente, na cidade de Salvador. Este trabalho fruto de pesquisa realizada no mbito do Grupo de Pesquisa em Cibercidades da Universidade Federal da Bahia e mostra como a interseco entre o ciberespao e o espao fsico est trazendo novas experincias de uso e de produo de sentido sobre a cidade. Hoje, a urbe contempornea supe ampla conexo e associaes entre espao fsico e territrios informa-cionais para os mais diversos fins, em uma aliana entre a mobilidade fsica e a informacional. Assim, mostramos os principais desafios tericos em jogo com as mdias digitais, as redes sem fio e o espao urbano. A partir deste aporte, o trabalho faz uma anlise do projeto Wi-Fi Salvador, o maior mapeamento de redes sem fio j realizado na capital baiana e no Brasil.Palavras-chave: Cibercultura. Cidades digitais. Mapeamento colaborativo. Mobilidade. Redes sem fio.

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    Wi-Fi Salvador: collaborative mapping and wireless networks in BrazilAbstractThis article makes a brief demonstration of public policies for digital inclusion through the provision of Internet access via wireless networks and discusses how people relate to places, according to the existence or lack of accessibility to the internet. The paper has the objective to debate the access to internet through wireless networks in Brazil and, more specifically, in the city of Salvador. This work also does a brief demonstration of public wireless networks and debate how people relate with places, according to the existence or inexistence of in-ternet accessibility. This work is the result of a research made on the Group of Research in Cybercitys of University Federal of Bahia and shows how the intersection between the cyberspace and physic space is bringing new experiences of use and production of sense about the city. Today, the contemporary city presume a large connection and associations betwe-en the physic space and informational territories to a lot of purposes, in an alliance between physic and informational mobility. In that way we show what are the main theoretical challenges at stake with locative medias, the wireless networks and the urban space. This work makes an analysis of the project Wi-Fi Salvador, the biggest online mapping of wireless networks ever made in the capital of Bahia and Brazil. Key words: Cyberculture. Digital cities. Collaborative mapping. Mobility. Wi-reless networks.

    Wi-Fi Salvador: mapeo colaborativo y redes inalmbricas en BrasilResumenEn el presente artculo, se hace una breve demostracin de las polticas pbli-cas de inclusin digital a travs de la provisin de acceso a Internet a travs de redes inalmbricas y explica cmo las personas se relacionan a los lugares, de acuerdo con la existencia o falta de acceso a Internet. Pretende discutir el acceso a internet a travs de redes inalmbricas en Brasil y, ms especficamente, en la ciudad de Salvador. El trabajo tambin hace una breve demonstracin de polticas pblicas para inclusin digital a travs de la disponibilidad del acceso a internet a travs de redes inalmbricas y discute la manera como las personas se relacionan con los lugares, en funcin de la existencia o ausencia de accesibilidad a internet. Este trabajo es fruto de investigacin hecha en el mbito del Grupo de Investigacin en Ciberciudades de la Universidad Federal de Baha y muestra como la interseccin entre el ciberespacio y el espacio fsico est trayendo nuevas experiencias de uso y de produccin de sentido sobre la ciudad. Hoy, la urbe con-tempornea supone amplia conexin y asociacin entre espacio fsico y territorios informativos para los ms diversos fines, en una alianza entre la movilidad fsica y la informacional. As, mostramos los principales desafos tericos en juego con

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    los medios digitales, las redes inalmbricas y el espacio urbano. A partir de esto, el trabajo hace una anlisis del proyecto Wi-Fi Salvador, el levantamiento ms grande de redes sin fio ya hecho en la capital baiana y en Brasil.Palabras clave: Ciudades digitales. Cibercultura. Mapeo de colaboracin. La movilidad. Las redes inalmbricas.

    Introduo

    Os estudos em comunicao no Brasil e no Mundo tem prestado pouca ateno ao espao. Privilegiando estudos de efeito de mdia, a cincia da comunicao dedica--se mais questo do tempo e sua relao com a recepo de produtos miditicos massivos, como os jornais e a TV. mesmo sintomtico pensarmos que o modelo de Lasswell, que definiu o campo da comunicao, no presta muita ateno dimenso espacial. Quando esse aparece apenas como fundo (como, por exemplo, estudos de Empresas jornalsticas na Amrica Latina ou A televiso entre os moradores da cidade X etc.).

    Pouco se pensa na produo miditica do espao, em como ela reconfigura as relaes locais, como ela altera sentidos, prticas e hbitos ancorados em um lugar. Esse deve ser compreendido no apenas como fundo abstrato, mas, ao mesmo tempo, como loca-lidade, em sua dimenso fsica e concreta, criando espaamentos, e como dimenso de sentido, emergente de prtica social, como um contexto de significados, podendo ser assim simblico, vir-tual ou imaginrio. Essa discusso ainda engatinha nas Cincias da Comunicao (FALkHEIMER; JANSSON, 2006; ADAMS, 2009; ITO, MAIER-RABLER, 2004).

    Com o amadurecimento da cultura digital, principalmente a partir dos anos 1990, especial ateno tem sido dada, embora ainda de forma incipiente, aos processos de espacializao propor-cionados pelas novas tecnologias de informao e comunicao, particularmente com a popularizao da internet e das tecnolo-gias digitais mveis e sem fio. Hoje usar um tablet, o twitter, o foursquare, os mapas e o GPS embutidos em smartphone revelam, irredutivelmente, as dimenses locais, sociais e ldicas da cultura da convergncia digital.

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    Compreender a comunicao contempornea, em suas mlti-plas facetas, passa no apenas pelas anlises do impacto miditico na nossa percepo temporal, mas pelo reconhecimento de que as mdias em geral, e as digitais em particular, produzem relaes locais e espaciais especficas que, sem essa perspectiva, a anlise comunicacional das tecnologias de informao e comunicao estar incompleta. As mdias mveis, as redes ubquas, a inter-net das coisas, apenas amplificam essa importncia. O momento agora de apreender a virada espacial nos estudos de mdia (FALkHEIMER ; JANSSON, 2006) e particularmente com a cultura da mobilidade dos dispositivos portteis e redes mveis, com as zonas Wi-Fi, objeto desse artigo.

    Nesta pesquisa, buscamos compreender de que forma as redes sem fio produzem processos de espacializao e socializao nas cidades, reconfigurando as relaes das pessoas entre si e com os locais. Para isso, apresentamos:

    1. as atuais discusses sobre as redes Wi-Fi e como elas so responsveis por transformar ou criar novas prticas no espao urbano;

    2. um panorama das redes Wi-Fi no Brasil, demonstrando seus usos e projetos;

    3. analisamos as novas potencialidades geradas por ferramen-tas digitais como o mapeamento colaborativo; e,

    4. apresentamos o projeto Wi-Fi Salvador, uma experincia em mapeamento colaborativo pioneira no Brasil.

    O texto descritivo e analtico, mostrando os conceitos de redes sem fio (Wi-Fi), de territrios informacionais. Faz-se um panorama da infraestrutura de redes sem fio no Brasil, chegando anlise das novas formas de mapeamento colaborativo e o projeto Wi-Fi Salvador. O objetivo do artigo mostrar a expanso das redes sem fio, a cultura da mobilidade em jogo com as tecnolo-gias mveis de comunicao e informao e destacar a dimenso participativa da cultura digital por meio das experincias de mapeamentos colaborativos. Descrevemos, no final do artigo, o primeiro projeto de mapeamento de redes Wi-Fi no Brasil em uma das maiores capitais brasileiras, Salvador na Bahia.

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    Cidade desplugada

    As redes sem fio tornam-se, a cada ano, mais comuns nos espaos pblicos e privados. Emerge uma cidade desplugada (LEMOS, 2005), que possibilita aos seus cidados apropriao dos lugares de diversas formas a partir do uso de tecnologias mveis. A rede ubqua. Mesmo no Brasil, o fenmeno das zonas de acesso internet sem fio torna-se mais comum, seja em grandes ou pequenas cidades. A mais popular est relacionada ao Wi-Fi, termo utilizado como abreviao de wireless fidelity (802.11b wireless local area networking WIRELESS GLOSSARY, 2005). Seguindo outros pases, o Brasil comeou a ter bons exemplos de experin cias com Wi-Fi em locais pblicos, a partir de iniciativas dos governos e prefeituras. possvel, ento, tratar internet como forma de insero social e como um servio que pode, tam-bm, ser disponibilizado de forma pblica.

    Presente em cafs, lojas, prdios comerciais, praas ou em residncias, seja em locais pblicos ou privados, a tecnologia Wi-Fi expande-se de forma exponencial pelo espao urbano. comum, na paisagem das grandes metrpoles contemporneas, vermos pessoas conectadas seja em laptops, celulares ou tablets, a redes sem fio com fins os mais diversos (trabalho, lazer, estudo). Asso-ciada a outros tipos de conexo sem fio, como a internet 3G, por exemplo, o 802.11b wireless local area networking configura-se como um dos responsveis por transformar as relaes do ciberespao com o espao urbano.

    Pessoas passam a valorizar espaos que ofeream possibili-dades de conexo internet, produzindo assim novos sentidos dos lugares (LEMOS, 2010). A rede torna-se ubqua, de forma a ampliar, junto com o constante desenvolvimento de tecnologias mveis, as possibilidades de conexo, permitindo maior mobi-lidade fsica (pessoas, objetos, commodities) e informacional (informao miditica, arquivos, softwares). As tecnologias digitais e as redes telemticas sem fio, portanto, vm criando novas formas de interao com os lugares. Observa-se uma cidade cada vez mais desplugada, permitindo conexes em mobilidade, numa era da conexo, na qual novas prticas e novos usos

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    do espao urbano vo, pouco a pouco, constituindo os lugares (LEMOS, 2005, p.9).

    Os atuais estudos em cibercultura mostram que no existem relaes sociais sem enraizamento local e que as redes, enquanto espao/lugar de socializao, de circulao de informao e de vnculos comunitrios no esto situadas em um mundo a parte. O que acontece nas redes tem/ fruto de repercusses concretas de tudo que nos vincula s dimenses quotidianas e locais da experincia. As redes telemticas, e as sem fio particularmente, criam novos processos de territorializao, criando novas signi-ficaes nos lugares. O espao deve ser ento pensado em sua dimenso concreta e abstrata a partir dos novos media: como rearranjo dos lugares, como mundo virtual imaginrio, como o urbano reapropriado temporariamente onde as infraestruturas de redes e acesso que criam territrios informacionais, fusionando lugar e ciberespao.

    Um dos exemplos pioneiros, e que caracteriza bem a difuso do uso da internet em locais pblicos, o cibercaf. Surgindo no incio dos anos 1990, a ideia de acoplar num mesmo lugar servios de acesso internet e cafeteria produz uma reconfigurao do lugar (a cafeteria) produzindo novas funes, informacionais, que passam a atrair um pblico frequentador dos cafs e tambm da internet para os mais diversos usos (redes sociais, e-mail, pesquisa etc.). Alia-se aqui espao fsico e eletrnico criando uma atividade social (LIFF; STEWARD, 2003). Segundo esses autores, como se tratavam de tecnologias recentes para o pblico em geral, permitir um acesso fcil a elas, associado a uma prtica to rotineira como tomar um caf, tornam-nas mais populares, criando uma comuni-dade de usurios que, muitas vezes, se auxiliam mutuamente para o uso de computadores e da internet.

    O surgimento dos cibercafs no incio dos anos 1990 coincide justamente com o crescimento no interesse em polticas pblicas para difuso do acesso internet (LIFF; STEWARD, 2003). Os lu-gares, oferecem estruturas que possibilitam conexo rede, seja em um cibercaf ou numa praa, criam novas heterotopias, fazendo analogia ao termo de Foucault (1984), podendo ser interpretado aqui como funes reais dos lugares, diferente das utopias. As

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    novas mdias refuncionalizam os lugares do espao urbano criando novas heterotopias:

    Um tipo especial de lugar a heterotopia destacado nas anlises de Foucault. um tipo de lugar possuindo uma interessante caracterstica de uma relao nica com outros lugares que a possibilita suspeitar, neutralizar ou inverter o conjunto de relaes que aqueles outros lugares designam, espelham e refletem. Esses lugares de heterotopia existem como lugares reais que so conectados, em contradio com todos os lugares (LIFF; STEWARD, 2003, p.318, traduo nossa).

    Cada vez mais, os lugares passam a ter uma dimenso funda-mental na cibercultura, diferente da perspectiva to em voga nos anos 1990 que sustentava que a internet substituiria as relaes locais e enfraqueceria as dimenses fsicas do espao urbano. Com as tecnologias e redes telemticas digitais e sem fio vemos justamente o contrrio. A emergncia de mdias de geolocaliza-o (GPS associados a mapas digitais e ferramentas como Places, Foursquare, Gowalla, Spotsquare, Everyblock), mostram bem esse novo estado. So lugares que se relacionam com diversos outros lugares1, atravs da relao das pessoas com o ambiente fsico e o ciberespao.

    Com a difuso posterior das redes sem fio, como o Wi-Fi, as intersees entre os lugares e a internet intensificam-se, apesar de torn-las cada vez mais invisveis e pervasivas2. Os cafs, por exemplo, continuam sendo um forte lugar de encontro e de uso da internet, porm no disponibilizam mais necessariamente ban-cadas com computadores para pblico; basta uma conexo Wi-Fi e laptops. Na verdade, estampar no nome a relao de caf e ciber deixa de ter sentido, j que qualquer lugar na cidade pode vir a ser um ambiente de conexo. No caso dos cafs, passou a ser

    1 Ver sobre as dimenses locais e globais, a perspectiva de Bruno Latour (2005), principalmente no captulo Second Move: Redistributing the Local, pp. 191 e seguintes.2 A ideia de computao pervasiva vem da proposta de computao ubqua de Mark Weiser, proposta nos anos 1990 e que afirmava o surgimento de uma computao calma na qual os computadores desapareceriam nos objetos e as redes tornaram-se ubquas. Ver Weiser, 1991.

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    comum no mais a existncia de grandes computadores ocupando parte do espao, mas clientes sentados em mesas com seus prprios aparelhos mveis, como notebooks, smartphones ou tablets.

    Territrios informacionais

    Com tais dispositivos mveis, aliados s redes sem fio, percebe--se a constituio de processos territorializantes. Com as redes Wi-Fi, o lugar ocupado socialmente passa a ter uma nova funo informacional, um novo territrio, numa zona de interseco e controle (da o termo territrio) entre o ciberespao e o lugar urbano, reconfigurando-o. Essa zona pode ser compreendida como um territrio informacional que amplia as funes sociais dos lugares constitudos como um caf, uma praa, uma sala de aula, etc. Segundo Lemos,

    O territrio informacional no o ciberespao, mas o espao movente, hbrido, formado pela relao entre o espao eletrnico e o espao fsico. Por exemplo, o lugar de acesso sem fio em um parque por redes Wi-Fi um territrio informacional, distinto do espao fsico parque e do espao eletrnico internet. Ao acessar a internet por essa rede Wi-Fi, o usurio est em um territrio informacional imbricado no territrio fsico (e polti-co, cultura, imaginrio, etc.) do parque, e no espao das redes telemticas (LEMOS, 2007, p. 12-13).

    Essa redefinio dos lugares, a partir da presena de um territrio informacional a permear o espao fsico, faz com que as pessoas criem formas diferentes de lidar com ele. Atualmente, as pessoas comeam a internalizar a infraestrutura da rede nos espaos pblicos e privados (MACkENZIE, 2005) e j cobram e acham natural ter uma zona de conexo internet nesses luga-res, assim como natural, encontrar infraestrutura de energia eltrica, gua ou esgotamento sanitrio.

    O territrio informacional uma zona de controle, sendo nesse caso um controle das informaes digitais que circulam atravs de redes sem fio em sinergia com lugares especficos. Um exemplo dessa territorializao pode ser observado quando uma rede sem fio fechada; ou seja, s se permite o acesso queles que possuam uma senha especfica. Trata-se de uma situao comum

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    em estabelecimentos comerciais que apenas liberam o uso da rede aps algum tipo de consumo por parte do cliente ou em redes de uso domiciliar. Por outro lado, h aqueles locais onde o acesso ao territrio informacional totalmente livre, sem necessitar de nenhum tipo de senha ou identificao. Em alguns outros, a rede desligada em alguns perodos do dia, demonstrando ainda mais como os lugares so reconfigurados3. De uma forma ou de outra, o controle se exerce, seja exigindo uma senha, seja deixando a zona aberta. Sempre h um controle do trfego, um log dos IPs, etc. Os protocolos da rede (GALLOWAY, 2004) a configuram como territrio de controle, mesmo que isso no signifique um constrangimento total do uso.

    Essa associao de tecnologias mveis com uma rede tele-mtica ubqua faz com que haja, tambm, mudanas na forma como as pessoas lidam com os lugares. Em um estudo sobre como objetos portteis modificam as relaes entre pessoas e delas com o espao urbano, realizado em diferentes metrpoles como Tquio, Los Angeles e Londres pelos pesquisadores Mizuko Ito, Daisuke Okabe e ken Anderson (2007), observaram-se tipos de comportamentos a partir do uso do celular ou do notebook, por exemplo, em reas pblicas.

    Foram identificados trs gneros de presena no espao urbano: cocooning, camping e footprinting. O primeiro relaciona-se com a ideia de fechar-se em uma espcie de bolha para evitar a interao com outras pessoas ou o meio, numa certa apropriao do espao pblico para uso pessoal. So micro-lugares construdos por meio de privados, infraestruturas controladas individualmente, tempo-rariamente apropriando-se de espaos pblicos para uso pessoal (ITO; OkABE; ANDERSON, 2007, p.7, traduo nossa). Esse tipo de presena estaria associado principalmente ao transitar, em transportes pblicos ou caminhando, a partir de music players, smartphones ou at materiais de leitura, por exemplo. J o camping

    3 O Shopping Barra em Salvador, por exemplo, desliga a rede Wi-Fi das 12h s 14h para evitar que as pessoas ocupem as mesas da praa de alimentao para uso apenas da rede. Alguns cafs desligam a rede para que as pessoas possam interagir mais entre elas e menos com seus laptops. Esses exemplos mostram como a territorializao informacional altera as funes locativas do espao.

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    estaria mais associado a uma apropriao de fato dos lugares, quando as pessoas produzem um certo tipo de acampamento ao carregarem mdias portteis consigo. Segundo os autores, o atra-tivo de trabalhar em um lugar de acampamento especfico pode incluir relaes pessoais criadas ali, comida e bebida, infraestrutura (mesas, eletricidade, Wi-Fi), e mais importante, ambiente social difuso (ITO; OkABE; ANDERSON, 2007, p.10, traduo nossa). Ento, ambientes com territrios informacionais amplos, numa boa estrutura wireless, costumam atrair campers; o caso, novamente, dos cafs, onde se pode associar servios de comida, bebida e Wi-Fi.

    Alm disso, esses usurios ainda podem deixar marcas, foo-tprints, a partir de interaes com territrios informacionais. Os autores, ao observar a proliferao de diferentes cartes de fide-lidade nas carteiras dos participantes da pesquisa, perceberam a utilizao de alguns tipos de servios baseados em localizao para mediar suas relaes com o espao urbano. Por isso, o processo de manter gravaes de dados de transaes de consumidores pode ser considerado um processo de footprinting ou deixar rastros em um local em particular (ITO; OkABE; ANDERSON, 2007, p.10, traduo nossa).

    Dessa forma, percebe-se que a associao das tecnologias mveis com redes cada vez mais ubquas, atravs, por exemplo, de conexes Wi-Fi ou 3G, potencializam as relaes com os lu-gares e entre os indivduos. Trata-se de compreender as relaes entre as novas mdias digitais e os processos de espacializao em jogo no atual momento da sociedade da informao (mobilidade, geolocalizao, conexo ubqua).

    Wi-Fi no Brasil: entraves e projetos

    As redes sem fio esto crescendo de forma exponencial no Brasil e no Mundo. difcil apresentar estatsticas fidedignas j que a adoo de redes sem fio em estabelecimentos comerciais, pblicos e privados cresce a cada dia. Colocar um roteador sem fio em uma conexo internet se transformou em um ato banal. Assim, as redes sem fio comeam a fazer parte do cotidiano, seja em ambiente domstico, de trabalho ou de lazer. Cada vez

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    mais, estabelecimentos comerciais e espaos como universidades, bibliotecas, livrarias, etc. oferecem servio de internet sem fio gratuitamente ou com alguma taxa sobre o servio. muito difcil oferecer qualquer dado sobre a expanso do Wi-Fi no pas, mas podemos dizer que a tendncia que cada conexo internet venha a ter, em um curto espao de tempo, um roteador sem fio acoplado, transformando-a em uma conexo Wi-Fi.

    Percebendo esta demanda cada vez maior, o Governo Fede-ral, em conjunto com os governos estaduais, vem pensando em projetos e mecanismos para difundir o acesso informao para a populao brasileira. Estes projetos devem levar em considerao as leis nacionais, reguladas pela Anatel, promovendo a incluso digital de comunidades sem acesso internet. Para Fabio Josgril-berg (2009), necessrio que se tome o cuidado de no inibir o desenvolvimento do setor de telefonia nos locais contemplados pelos projetos: uma rede totalmente pblica, para ele, pode inibir o desenvolvimento local do setor, pode indicar menor criao de empregos e reduzir a velocidade das inovaes, que, em geral, se favorecem pela competio entre empresas (2009, p. 25). O autor ainda afirma que um projeto de rede municipal sem fio deve envolver vrias dimenses que precisam estar muito bem articu-ladas, a saber: a) o envolvimento da comunidade na organizao e desenvolvimento do projeto; b) condies estabelecidas para a tomada de decises e a transparncia desta governana; c) a infraestrutura disponibilizada para os projetos e d) o modelo de negcio utilizado (privado, pblico, franquia, empresa-ncora ou comunitrio). Todos estes fatores so importantes para, por exem-plo, manter a neutralidade da rede e garantir um acesso igualitrio para as populaes participantes dos projetos.

    Alguns projetos de redes sem fio pblicas j esto em vigor, em algumas cidades, bairros e localidades espalhadas por todo o pas. Em artigo que pretendia demonstrar os benefcios das nuvens abertas de conexo, Silveira (2009) estudou os casos de Sud Me-nucci (SP), Quissam (RJ) e Tapira (MG). Em todas estas cidades, com menos de 20.000 habitantes e com seus territrios totalmente cobertos por redes Wi-Fi pblicas (um territrio informacional municipal, poderamos dizer), houve um enorme crescimento do

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    acesso internet aps a implantao dos projetos: em Tapira, este crescimento foi de 6 vezes; em Quissam, chegou a 8; e em Sud Menucci, 28 vezes mais famlias passaram a acessar a internet aps a implantao dos hotspots (pontos de acesso a internet sem fio).

    Ainda segundo Silveira, o grande aumento na conectividade da populao se deve implantao do sinal Wi-Fi nas cidades. De acordo com o autor, a formao de nuvens abertas de conexo no Brasil pode incentivar no somente a aquisio de computadores como tambm a conectividade (2009, p. 41). O incentivo ao acesso internet tem um cunho social, ao passo que o potencial de conexo no pas bloqueado por fatores sociais e econmicos (SILVEIRA, 2009, p. 38). A popularizao das redes sem fio p-blicas pode ajudar a aumentar a concorrncia entre as empresas de telefonia, o que pode significar aumento na qualidade dos ser-vios prestados e queda no preo da conectividade. Em 2007, em levantamento feito pela Associao Brasileira de Prestadoras de Servios de Telecomunicaes Competitivas, o megabit chegou a ser vendido por R$ 716,50 por ms no Brasil, contra o equivalente a R$ 4,32 mensais na Itlia, R$ 5,02 na Frana e R$ 12,75 nos Estados Unidos da Amrica (SILVEIRA, 2009, p.38).

    Como afirma Josgrilberg (2009), baseando-se em discusses anteriores elaboradas pelo gegrafo Milton Santos (1979), a oferta de acesso internet patrocinada pelos governos um fator esti-mulante da democracia.

    A pobreza, explica o gegrafo, , acima de tudo, uma definio poltica que tem a ver com os objetivos que uma sociedade determina para si (SANTOS, 1979). Portanto, a pobreza no simplesmente um dado estatstico com nfase na renda e definies de linhas de misria ou coisa que o valha. Na chamada Sociedade do Conhecimento, o acesso Internet em banda larga e, por que no, sem fio, deve fazer parte de qualquer definio possvel de pobreza. Como se sabe, hoje, salvo raras excees, a banda larga chega apenas onde h mercado, ou seja, consumidores em condies de comprar os servios oferecidos pelas empresas de telecomunicaes (JOSGRILBERG, 2009, p.25).

    Na Bahia, alguns projetos pblicos voltados para o estabele-cimento de cidades digitais comeam a ser colocados em prtica, nas maiores cidades do Estado, como o Feira Digital4, em Feira de

    4 http://www.feiradigital.ba.gov.br/

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    Santana (segunda maior cidade baiana, com 591.707 habitantes segundo ltimo levantamento do IBGE), que disponibiliza acesso a rede sem fio num raio de 500 metros em sete localidades do municpio, como bairros populares e uma parte do centro. Em Salvador, capital do estado, a prefeitura instalou recentemente cerca de 50 totens pela cidade5, disponibilizando acesso sem fio atravs de alguns deles em um raio de 300 metros.

    Outro projeto interessante o Madre Digital6, iniciativa da prefeitura de Madre de Deus, cidade de 15.432 mil habitantes, que implantou internet gratuita para toda a sua populao. Madre de Deus um municpio que fica a 63 km de Salvador, localizado em uma das ilhas da Baa de Todos os Santos, separada a 100 metros do continente. A populao do municpio se aloca em uma rea de 11 km, ou seja, produzindo densidade demogrfica de 1.385,1 habitantes por km. A cidade uma das maiores produtoras de petrleo do estado, o que explica o alto PIB e a alta concentrao de impostos. De acordo com informaes da prefeitura da cidade, desde 2005 o municpio mostrou-se interessado em planos de incluso digital.

    O projeto inicial consistia em oferecer o sinal WI-FI para interligar as escolas municipais. Em seguida, a prefeitura estendeu o acesso a todo o municpio, massificando o acesso internet em prdios pblicos, escolas, centros sociais, unidades de sade e na ilha de Maria Guarda, a partir de uma rede de telecomunicao municipal. Em junho de 2009, foi inaugurado o projeto Madre Digital, fornecendo internet gratuita para a populao, atravs de tecnologia WI-FI.

    Para obter acesso ao projeto, a prefeitura da cidade solicita uma pr-inscrio dos moradores interessados a partir de um e--mail enviado ao endereo [email protected], no qual deve ser solicitado o usurio e a senha com os seguintes dados: nome completo, endereo, telefone, e-mail e o meio atra-

    5 http://www.sucom.ba.gov.br/noticias/salvador-ganha-totens-com-servi%C3% A7os-de-utilidade-p%C3%BAblica.aspx6 http://www.madrededeus.ba.gov.br/index.php?link=visualiza_noticia&id_no-ticia=92

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    vs do qual o cidado ir acessar o servio (desktop, notebook, celular ou outros dispositivos). Alm de democratizar o acesso informao, projetos como o Madre Digital evidenciam como tecnologias da informao e comunicao neste caso, as redes sem fio recuperam a importncia dos lugares, ao atrelarem a conectividade utilizao do ambiente fsico e informacional. Tal vnculo com o espao, mediado pelas tecnologias, tambm pode ser observado na concepo e na utilizao dos mapas colaborativos, como veremos a seguir.

    Mapas colaborativos: o caso do Wi-Fi Salvador

    Atualmente, no mbito das mdias locativas e das tecnologias colaborativas, os mapas online se encontram num momento de popularizao e sofisticao de seus aparatos. A partir do advento das tecnologias Google Maps e Google Earth, no meio dos anos 2000, a cartografia online est cada vez mais popular entre os usurios da internet.

    Os mapas colaborativos, criados com a participao dos usu-rios, no so apenas utilizados para geolocalizao; so tambm tecnologias de construo de discursos mltiplos, conversacio-nais, de baixo para cima, que ajudam a reescrever as cidades de um modo multidirecional, onde o fluxo de informao pode no obedecer mesma ordem das mdias massivas, mas funcionar como funo ps-massiva (LEMOS, 2007). Segundo Lemos (2007), a funo massiva dirigida massa, dispersa em diferentes locais do globo e com pouca possibilidade de interao. Para ele, esta funo atua como um fluxo centralizado de informao, com o controle editorial do plo da emisso, por grandes empresas em processo de competio entre si, j que so financiadas pela publi-cidade (LEMOS, 2007, p.4). A correlao entre mapa tradicional mdia de massa e mapa digital mdias ps-massivas pode ser assim estabelecida.

    Mdias de funo ps-massiva atuam sob um regime diferen-te: a principal diferena entre elas que todos podem produzir, distribuir e receber informao, em um modelo todos para todos (LVY, 1999), diferente do fluxo unidirecional, de cima para bai-

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    xo, das mdias massivas. Neste sentido, mapas colaborativos tm sido utilizados com diversos propsitos: publicidade, informaes de utilidade pblica, complementao de notcias em diferentes reas do jornalismo, denuncia sobre problemas no espao urba-no, visibilidade de prticas sociais, de pontos de interesse, etc. Os exemplos so diversos7: cobertura das chuvas em metrpoles brasileiras, mapeamento dos buracos em Fortaleza8, mapeamentos de sons urbanos, de ciclovias e estacionamento de bicicletas, de pontos de interesse e de crimes (BRUNO, 2009), entre outros.

    interessante ver como as novas potencialidades das ferra-mentas eletrnicas digitais podem ajudar a revelar os rastros so-ciais, as relaes efetivas nos lugares do espao urbano, ajudando assim a repensar o espao vivido. Os mapas devem ser vistos como mdias, trazendo tenses entre localizao e mobilidade. Com as novas funes ps-massivas dos mapas digitais, oferece-se a oportunidade de produo coletiva e colaborativa de criao de cartografias locais onde as pessoas podem acessar e anotar posies no espao. O objetivo identificar as relaes sociais, culturais e de poder entre os diversos actantes (LATOUR, 2005) para questionar hierarquias e as formas de habitarmos o mundo.

    Para Heidegger les espaces que nous parcourons journellement sont mnags par des lieux (HEIDEGGER, 1958, p.186). A es-sncia do homem residir, construir (um lugar) para habitar e o construir que funda os lugares e articula os espaos. O lugar assim o espao socialmente produzido. Mais ainda: les espaces reoivent leur tre des lieux et non de lespace (HEIDEGGER, 1958, p. 183). O outro espao, que no o espaamento entre os lugares, um abstractum matemtico. Nesse espao no encon-tramos lugares. O construir funda os lugares e articula espaos.

    Percorrer e navegar produzir relaes entre as coisas cons-trudas. O mapeamento pode aqui revelar dimenses ontolgicas, polticas, culturais, sociais e econmicas desse habitar. O lugar o espao socialmente produzido, e ele que arruma, que cria o

    7 http://ciberalgo.wordpress.com/2010/07/30/usos-de-mapas-em-comunicacao--digital/8 http://gpc.andrelemos.info/blog/?p=359

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    espao (Heidegger, 1958). Os mapas, tradicionalmente, buscavam um mimetismo com o espao abstrato. Os mapas digitais podem revelar relaes, conexes, movimentos entre as coisas no mundo construdo (lugares). Mapas representativos (mimticos) no dizem nada sobre os lugares, so panoramas, no fazem correlaes e fixam apenas generalizaes. Mapas digitais colaborativos abrem a perspectiva de cartografias no-mimticas, navegacionais, menos representativas de um contexto (espao). Eles podem nos ajudar a problematizar questes relativas ao habitar entre as coisas construdas (lugares).

    Wi-Fi Salvador

    Um exemplo pioneiro no mapeamento colaborativo brasileiro e especificamente no que se refere a redes Wi-Fi o projeto Wi-Fi Salvador criado em 2006 pelo Grupo de Pesquisa em Cibercidade (GPC) do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cul-tura Contemporneas (PPGCCC) da Faculdade de Comunicao (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA)9. O Projeto Wi-Fi Salvador10 tem como objetivo mapear de forma colaborativa os pontos de conexo internet sem fio (hotspots Wi-Fi) da cidade de Salvador, Bahia.

    Oficialmente, o projeto foi lanado em agosto de 2007 no Ciclo Internacional de Debates sobre Cibercultura11, quando j contava com 50 locais cadastrados. Pretendia-se, assim, no ape-nas divulgar as possibilidades de conexo sem fio pela cidade e facilitar a localizao de pontos Wi-Fi, tornando, de certa forma, visveis os territrios informacionais, como tambm pensar o uso do espao urbano, a reconfigurao dos lugares e os novos processos de espacializao em jogo com as redes sem fio e as tecnologias

    9 http://gpc.andrelemos.info/blog/10 http://blog.ufba.br/wifisalvador11Evento realizado em parceira da PPGCC/Facom/UFBa com o ICBA, em Sal-vador, Bahia, agosto de 2007.

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    mveis como laptops e smartphones. Um dos objetivos do projeto oferecer um mapeamento que possa servir para estudos futuros sobre espacialidade, redes sem fio, mobilidade, espao urbano e tecnologias portteis em Salvador.

    O sistema colaborativo e participativo no qual qualquer pessoa pode indicar um hotspot e enviar, inclusive, fotos, vdeos, sons ou impresses dos lugares, de forma a associar experincias diretas em espaos de convivncia pblica nos quais existe acesso internet. A cada envio a equipe responsvel checa e publica a informao no mapa (ver abaixo12). O Wi-Fi Salvador no permite uma colaborao direta a fim de evitar erros ou alterao no desejada no mapa.

    12 Mapa disponvel em https://blog.ufba.br/wifisalvador/

    Mapa dos hotspots em Salvador. Pontos verdes so de livre acesso, pontos vermelhos de conexo fechada e pontos amarelos de conexo domstica aberta. (GPC/Facom/UFBa, 2010).

    Em um primeiro momento, as atualizaes eram sugeridas por e-mail ou pelo blog do GPC. O Wi-Fi Salvador foi reestruturado em 2010, passando a aceitar colaboraes via Twitter. Basta o usurio enviar uma mensagem para @wifi_salvador ou utilizar a hashtag

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    #wifi_salvador. Dessa forma, conseguiu-se aumentar o nmero de hotspots para 123, sendo 83 de conexo aberta, 39 fechada e 1 hotspot domstico13. Trata-se, portanto, do maior mapeamento colaborativo de redes wireless j realizado em Salvador e no Brasil.

    A nova reformulao, realizada em 2010, permitiu que os par-ticipantes interagissem melhor com o projeto. A conta no Twitter incentivou a participao. Desta forma, o nmero de seguidores cresceu e alguns usurios passaram a contribuir de forma mais dinmica atravs do microblog. Cada sugesto de novo hotspot, pago ou gratuito, passou a ser includo atravs do Google Maps, atualizando diretamente no site do projeto. Em seguida, divulgamos no @wifi_salvador cada novo ponto mapeado, dando crdito ao usurio que lhe indicou. A rede expandiu e a colaborao cresceu substancialmente desde ento.

    Alguns dos novos hotspots mapeados, porm, no vieram de colaboraes, mas da nossa observao direta. Utilizando smar-tphones ou notebooks, os pesquisadores conferiam se era possvel um acesso Wi-Fi em algum local especfico. Congestionamentos no trfego da cidade, ao passo que atrapalham na mobilidade da populao, acabavam ajudando a detectar onde havia redes sem fio, j que o trnsito parado permitia que as redes fossem acessadas e averiguadas com mais calma. Essa tcnica de wardriving foi e con-tinua a ser utilizada para mapeamento de novos hotspots na cidade. O prximo objetivo do GPC transformar o Wi-Fi Salvador em um aplicativo para smartphone fazendo com que o acesso infor-mao possa se dar de forma mais simples e em mobilidade pelos usurios em busca de territrios informacionais soteropolitanos.

    Em espaos comerciais, como cafs ou lanchonetes, por exem-plo, caso a rede fosse fechada, os pesquisadores perguntavam se a senha era distribuda para clientes ou no. Em alguns casos, a conexo realizada apenas de forma paga via Vex14, como no Ae-roporto Internacional de Salvador, enquanto em outros o acesso

    13 Dados de 06/09/201014 Vex uma empresa que fornece servios de conexo Wi-Fi em locais pblicos a partir do pagamento de planos mensais, de 24 horas ou duas horas. Alm do Brasil, est presente em outros 56 pases. http://www.vexcorp.com/

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    livre e gratuito, como no foyer do Teatro Castro Alves. Todos esses detalhes, evidentemente, so descritos e associados aos pon-tos mapeados. Em alguns momentos, os pesquisadores fizeram o mapeamento imediatamente, diretamente do local, acessando o servio do Google Maps atravs do hotspot que estava sendo mape-ado. Essa dinmica, inclusive, muito usada pelos colaboradores. Estando exatamente na localidade que desejam mapear, os usurios nos enviam as referncias via Twitter, para que estas sejam pos-teriormente acrescentadas ao mapa do Wi-Fi Salvador. O sucesso da nova fase se deu exatamente por essa facilidade agregando mobilidade fsica (o deslocamento do usurio) e informacional (o uso de tecnologias mveis em territrios informacionais para o envio das informaes).

    H, porm, outros projetos no Brasil que utilizam mapeamento colaborativo para hotspots. o caso do Mapa Wi-Fi15 e do Sinal 3G16. O primeiro baseia-se justamente no mapeamento de redes Wi-Fi, tendo, porm, abrangncia nacional. Nesse caso, os hotspots cadastrados em Salvador no ultrapassam 25, enquanto o Wi-Fi Salvador disponibiliza mais de 120 pontos para consulta. J o Sinal 3G trabalha com a ideia de permitir aos usurios de internet 3G, independente da operadora de telefonia, divulgar quais locais da cidade oferecem uma melhor ou pior conexo. Assim como o outro projeto, a relevncia para Salvador mnima, com menos de dez pontos cadastrados.

    Consideraes finais

    A cidade contempornea uma cidade de ampla conexo, associando espao fsico e territrios informacionais para os mais diversos fins. Alia-se aqui mobilidade fsica e informacional. Mostramos os principais desafios tericos em jogo com as mdias digitais, as redes sem fio e o espao urbano. As cincias da co-municao devem dar mais ateno aos processos miditicos de espacializao com as novas mdias.

    15 http://www.mapawifi.com.br16 http://www.sinal3g.com.br/

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    O exemplo dos cibercafs serviu para explicarmos as noes de heterotopia e territrio informacional mostrando que as redes telemticas sem fio criam novas tenses entre espao fsico e informacional. Descrevemos rapidamente a situao da imple-mentao de redes sem fio no Brasil, chamando a ateno para questes estratgicas, polticas e sociais (incluso digital) nas cida-des brasileiras que adotam essas redes como poltica pblica. Por ltimo, explicamos as principais caractersticas dos mapas digitais, revelando as potencialidades sociais (rastreamento dos vnculos reais nos lugares do espao urbano) e polticas dos mapeamentos participativos e colaborativos. Para exemplificar essa parte toma-mos como referncia o projeto Wi-Fi Salvador.

    Experincias como as do Wi-Fi Salvador tornam visveis os territrios informacionais formados pelas conexes wireless reve-lando novos sentidos do lugar e novos processos espacializantes. A pesquisa mostra como a interseco entre o ciberespao e o espao fsico est trazendo novas experincias de uso e de pro-duo de sentido sobre a cidade. Ao encontrarem um hotspot, os usurios atuam a partir de um territrio informacional, acionam tecnologias digitais mveis, softwares e bancos de dados, produzem informao locativa em mapas sobre o espao fsico em uma si-nergia produtora de novas experincias locais. A colaborao em rede de outras pessoas, especialmente atravs do Twitter, ajudou o sentimento de pertencimento e foi fundamental para o crescimento do Wi-Fi Salvador, mantendo-o hoje como o maior mapeamento de redes sem fio j realizado na capital baiana e no Brasil.

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    Recebido: 07.12.2011Aceito: 25.4.2012