UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LINGUAGEM E ENSINO
WILMA PASTOR DE ANDRADE SOUSA
Os movimentos discursivos: interações entre crianças surdas e
entre surdos e ouvintes
João Pessoa 2006
WILMA PASTOR DE ANDRADE SOUSA
Os movimentos discursivos: interações entre crianças surdas e
entre surdos e ouvintes
Dissertação apresentada à UFPB como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Linguagem e Ensino. Orientadora: Profª. Drª. Evangelina Maria Brito de Faria.
João Pessoa 2006
Wilma Pastor de Andrade Sousa
Os movimentos discursivos: interações entre crianças surdas e entre surdos e ouvintes
Dissertação apresentada à UFPB como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguagem e Ensino.
Aprovado em ______/_____/_______
BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________
Profª. Drª. Evangelina Maria Brito de Faria Universidade Federal da Paraíba
______________________________________________________
Profª. Drª. Maria das Graças Carvalho Ribeiro Universidade Federal da Paraíba
Profª. Drª. Maria Aparecida Ramos Universidade Federal da Paraíba
Dedico este trabalho à pessoa que
se transformou na razão das minhas
pesquisas em surdez: Yuri, meu filho!
Dedico também este trabalho
a Ellison, meu primogênito, por compreender
as necessidades específicas do seu irmão.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Gostaria de destacar minha gratidão a Carlos,
por sempre embalar meus sonhos como se fossem nossos filhos.
Obrigada pelo companheirismo, pela cumplicidade,
pela paciência, pela força, enfim,
obrigada por fazer parte da minha vida!
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao supremo Deus, pelo amor incondicional dispensado em todos os
momentos da minha vida.
Aos meus pais Antônio e Amália, por nos incentivar sempre a ir à luta.
Aos meus irmãos Nenê (e cia), Nininha (e cia), Zequinha (e cia), Dircinha (e cia) e Berenice (e cia), pelo orgulho que demonstramos por aquilo que o outro faz, e por
torcermos sempre para o crescimento um do outro.
Aos meus filhos Ellison e Yuri, responsáveis pela minha luta incessante, obrigada
pela compreensão nos meus momentos de ausência.
À Esilda e Rosangela, pelas muitas vezes em que ficaram com os meninos para
que eu pudesse estudar ou tão somente espairecer.
A Tony pelas dicas de computação.
À Profª. Drª. Evangelina. Agradeço por você ter confiado em mim e acreditado no
meu projeto; por ter investido seu tempo dando-me pacientemente preciosas
orientações. A você professora, MUITO OBRIGADA! À Profª. Drª. Marianne Cavalcante, obrigada pela boa vontade em emprestar seus
livros, pelas relevantes dicas desde a reconstrução do projeto e pelas leituras
pormenorizadas deste trabalho.
À Profª. Drª. Graça Carvalho, pela leitura exaustiva deste trabalho e pelas valiosas
contribuições, sempre disponível dentro e fora da sala de aula.
À Coordenadora da Pós-Graduação em Letras Profª. Drª. Elisalva Madruga, pela
delicadeza e boa vontade sempre que nos atendeu.
A equipe da secretaria: Roseane e Socorro, pela cordialidade e paciência em nos
atender.
Aos Professores Doutores Mônica Nóbrega e Dermeval da Hora, pelas
contribuições recebidas através de seus ensinamentos.
Às crianças surdas que participaram desta pesquisa e aos seus pais que nos
deram autorização para filmá-las.
À Margarete, diretora da escola Rochael de Medeiros, e toda a equipe, por
possibilitar o desenvolvimento desta pesquisa.
Às professoras do Jardim, Máuria e Lindilene, pela acolhida carinhosa em sua sala
e por possibilitarem que- acompanhássemos seu trabalho.
À Cristina Botelho, pelo apoio constante e por ter nos incentivado a ingressar no
Mestrado.
Às colegas de trabalho e amigas Norma Maciel e Ângela Mendonça, por fazerem
parte desta conquista desde o início, quando ainda planejava a inscrição na seleção
do mestrado!
À Maria Luiza e Vera, obrigada pela torcida!
À FACHO, pelo apoio e incentivo financeiro recebido.
A TODOS os colegas e comunidade Fachiana que estiveram ao longo desse período
torcendo por mim!
A Waléria Ferreira (e cia), por tudo! Obrigada amiga por me acolher em sua casa
(manhã, tarde e noite), apoiando-me e incentivando-me sempre!!! Jamais
conseguiria descrever a minha gratidão.
À Eliane, por me acolher tão bem em sua casa e pelas massagens de relaxamento
sempre que chegava exausta!
À Renata e Patrícia, companheiras de curso e de viagem. A você Renata, obrigada
também pelos telefonemas e mensagens de ânimo e incentivo nas horas certas.
À Andréa Medeiros, companheira de muitas lutas! Obrigada pelo incentivo, pelo
apoio e por sempre acreditar em mim. À Iana, Eliza, Lorena e Aline, obrigada pela força!
À Janaína e Juliana, por dividir com vocês o stress e as emoções desses últimos
dias!
À Priscila Silveira e Rafa, pela disponibilidade em ler o nosso projeto ainda em fase
embrionária, e pelas valiosas considerações feitas.
À Ana Cláudia Gonçalves, Hilton e Fábio Lessa, vocês nem imaginam quanto
suas palavras de incentivo causaram efeito nas minhas decisões.
À Profª Drª Marígia , pela disponibilidade e orientações dadas no momento inicial do
projeto.
Enfim, a todos que, direta ou indiretamente, participaram deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho insere-se no campo da Lingüística Interacional e tem como foco
de interesse analisar como crianças surdas desenvolvem o fluxo temático no diálogo
com ouvintes e com seus pares, através dos movimentos discursivos: retomadas e
deslocamentos. É um estudo de natureza observacional de caráter qualitativo
desenvolvido com oito crianças surdas, filhas de pais ouvintes, com idades entre 04
e 05 anos, cursando a Educação Infantil em uma escola da rede pública estadual na
cidade do Recife-PE. Defendemos a hipótese de que as crianças surdas
desenvolvem estratégias comunicativas a partir do uso da linguagem não-verbal
como: o gesto, o olhar e o balançar da cabeça, como elementos facilitadores na
construção do diálogo com ouvintes e com seus pares. Os dados analisados
revelam que através de condutas dialógicas essas crianças interagem fazendo uso
de recursos não-verbais, paralingüísticos e lingüísticos e se colocam no discurso
como sujeitos ativos e participantes da construção de sentido. Esperamos que os
dados encontrados possam direcionar as estratégias para uma nova perspectiva de
ensino para os surdos, em que se volte para o desenvolvimento de suas habilidades
lingüísticas.
Palavras-chave: movimentos discursivos, estratégias comunicativas, surdez.
ABSTRACT
This work regards the Interactional Linguistics and it focuses on how deaf
children develop a conversation theme when talking to hearing people and to deaf
people as well, especially through two discourse movements: retaking and
dislocation. It is an observational, qualitative study carried out with eight deaf children
of hearing parents, between 04 and 05 yars old, attending Elementary School in a
State School in the city of Recife in Pernambuco. We believe that deaf children
develop communicative strategies starting from the use of non-verbal language, such
as: gesture, eye and head movements, as facilitators which enable the construction
of their dialogues with hearing and deaf interlocutors. The data analyzed reveal that,
through different conversational behavior, these children interact making use of non-
verbal, paralinguistic and linguistic elements and this way they participate in
conversations as active subjects contributing to the construction of meaning. We
hope that the provided data may guide the strategies to a new teaching perspective
to deaf students, in which the development of their linguistic abilities is central.
Key-words: discourse movements, communicative strategies, deafness
SUMÁRIO __________________________________________________________________
Resumo Abstract INTRODUÇÃO............................................................................................... 11
Aspectos Metodológicos................................................................................ 14
Os sujeitos.................................................................................................... 14
O corpus ...................................................................................................... 14 O processo de coleta e análise de dados............................ ........................ 15
Organização da dissertação ......................................................................... 15
CAPÍTULO I - Concepção Interacionista de Linguagem....................... 17
1.1 Retrospectiva da lingüística interacional............................................. 17 1.2 Visão Bakhtiniana da linguagem.......................................................... 23
CAPÍTULO II - A Teoria dos Encadeamentos Discursivos em François 28
2.1 O discurso e a construção do sentido.................................................. 28 2.2 Os movimentos discursivos.................................................................. 30
2.3 A atividade tutelar................................................................................ 41
CAPÍTULO III - Surdez e Linguagem.......................................................... 47 3.1 Audição, surdez e linguagem oral........................................................ 47
3.2 Linguagem e educação do surdo......................................................... 54 3.3 Gesto e Interação................................................................................. 65 3.4 Aquisição da linguagem da criança surda......................................... 73
CAPÍTULO IV - Análise e Discussão dos Dados........................................ 82
CAPÍTULO V - Considerações Finais.......................................................... 112 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................116
ANEXOS........................................................................................................... 120
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________________
As trocas comunicativas têm ocupado um espaço cada vez maior no cenário
da pesquisa científica nos últimos anos. Desta forma, as pesquisas interacionais têm
despertado o interesse de várias áreas de conhecimento que buscam investigar as
múltiplas formas de interação face a face. Com isto, um grande número de
estudiosos vem desenvolvendo trabalhos voltados para o foco do diálogo enquanto
atividade co-construída na interação.
Embora o processo discursivo tenha sido alvo de interesse de muitas
pesquisas sobre a construção do diálogo no que concerne às trocas comunicativas,
a população investigada é constituída predominantemente de crianças ouvintes,
deixando à margem estudos com crianças surdas. Da mesma forma que os
movimentos discursivos são importantes na aquisição e desenvolvimento da
linguagem de crianças ouvintes, naturalmente terão um papel importante na
aquisição e desenvolvimento da linguagem de crianças surdas em situação de
interação com interlocutores ouvintes e com seus pares.
Essa escassez de pesquisas, voltadas para a observação de estratégias
comunicativas utilizadas por crianças surdas no processo dialógico, levou-nos ao
seguinte questionamento: de que forma crianças surdas dão desenvolvimento a um
tema, retomam e deslocam um assunto na construção do diálogo com ouvintes e
com seus pares?
Para Marcuschi (2001, p.17), “toda conversação é sempre situada em alguma
circunstância ou contexto em que os participantes estão engajados”. Logo, conduzir
o olhar para as estratégias comunicativas desenvolvidas pelos interlocutores no
processo da construção do diálogo, fez-nos pensar nos movimentos discursivos que
ocorrem nessa construção, bem como no posicionamento que cada participante
assume no espaço dialógico.
De acordo com Koch (1998), o tópico conversacional é dinâmico e, como tal,
vai se alterando a cada intervenção dos parceiros. O conjunto de relevância em foco
vai cedendo lugar a outros aspectos de relevâncias, antes marginais do tópico em
desenvolvimento. Desta forma, o diálogo vai sendo construído em um processo
dinâmico, mediante um agir sobre o outro através do funcionamento da linguagem.
Com base no questionamento, levantamos algumas hipóteses e, com elas, o
desejo de realizarmos um estudo voltado para a discussão de tais hipóteses, as
quais mencionaremos a seguir. Os aspectos não verbais como: o gesto, o olhar e o
balançar da cabeça favorecem as trocas comunicativas entre crianças surdas e
ouvintes e entre seus pares. A construção do processo de interação nas trocas
crianças surdas e ouvintes e crianças surdas e seus pares se estrutura de maneira
singular: através da linguagem não-verbal. Essa singularidade traz à tona
movimentos discursivos como as retomadas e deslocamentos.
Apesar de não haver realizado uma análise específica da linguagem da criança
no seu dia a dia, o conceito bakhtiniano de linguagem leva-nos a um novo olhar a
respeito do papel das trocas comunicativas. Observamos que, a partir dos estudos
de Bakhtin (1929/2004), o sujeito passa paulatinamente a ser inserido na atividade
dialógica, à medida que não vê o falante como único dono da palavra, mas coloca
cada participante da comunicação desempenhando papéis igualmente ativos. A
esse respeito, temos em Morato (2004, p.317) a seguinte afirmativa: ”a língua não é
só signo, é ação, é trabalho coletivo dos falantes, não é simplesmente um
intermediário entre o nosso pensamento e o mundo”.
Portanto, este trabalho tem como objetivo analisar como crianças surdas
desenvolvem o fluxo temático no diálogo com ouvintes e com seus pares, a partir
dos movimentos discursivos: retomadas e deslocamentos. Para isto, observamos
através dos movimentos discursivos constituintes do diálogo entre crianças surdas e
ouvintes, e entre crianças surdas e seus pares, como elas retomam, articulam a
ligação entre os enunciados, dão continuidade, inserem-se no diálogo, mudam e
deslocam o assunto.Verificando, ainda, a implicação dos aspectos não-verbais na
construção do sentido no diálogo e identificando as singularidades desenvolvidas no
processo de interação entre os sujeitos participantes.
Tendo em vista a importância das trocas comunicativas, à medida que
concebemos a conversação como um sistema de troca que vai sendo tecida no
espaço dialógico, acreditamos que a identificação e descrição dessas peculiaridades
desenvolvidas por crianças surdas durante as retomadas e deslocamentos no
processo de interação com ouvintes, bem como entre seus pares, poderão propiciar
subsídios relevantes para um melhor aproveitamento das habilidades dessas
crianças a partir das séries iniciais.
Não pretendemos, contudo, apresentar métodos, mas tão somente suscitar a
discussão e reflexão de uma prática pedagógica voltada para as questões mais
sensíveis que permeiam a sala de aula e que, muitas vezes, não são observadas
com a relevância que merecem, a exemplo das estratégias de comunicação
utilizadas por crianças surdas em processo de aquisição de linguagem.
Gostaríamos de esclarecer que o termo falante, neste trabalho, deve ser
entendido como locutor constituído no diálogo e não como alguém que faz uso da
linguagem oral.
Este trabalho encontra-se ancorado teoricamente com base nos pressupostos
teóricos da Lingüística Interacional, partiremos, pois, das concepções de Bakhtin
(2000; 2004 [1929]) acerca da linguagem com enfoque no dialogismo. Seguiremos
abordando a teoria dos encadeamentos discursivos de François (1984; 1996; 1998),
a qual servirá de eixo norteador para as nossas análises, evidenciando como o
diálogo é construído mediante as retomadas e os deslocamentos, e em Faria (2002;
2004), para a análise e o estudo dos movimentos discursivos. Nos construtos
teóricos de Kerbrat-Orecchioni (1990; 1992) e Rector & Trinta (1990), acerca dos
elementos verbais, para-verbais e não-verbais. E ainda, nos trabalhos de Quadros
(1997; 2004) a respeito da Língua Brasileira de Sinais e de Fernandes (2003), sobre
a linguagem do surdo.
ASPECTOS METODOLÓGICOS ___________________________________________________________________
Este estudo foi realizado em ambiente domiciliar e escolar das crianças, no
período de junho a dezembro de 2004, correspondente a um período de 06 (seis)
meses, mediante encontros quinzenais com cerca de 30 (trinta) minutos de duração
cada encontro.
Antes de iniciarmos a coleta de dados cada responsável pelos sujeitos
participantes (crianças surdas) respondeu as perguntas contidas em uma entrevista
inicial (anexo 2), cujo resultado serviu de parâmetro para fazermos a seleção.
Todos os responsáveis pelos sujeitos desta pesquisa foram informados
verbalmente e por escrito acerca do objetivo deste estudo, sendo solicitada uma
autorização dos mesmos através de um termo de consentimento no qual tivemos
que esclarecer aspectos relativos à análise ética e benefícios da pesquisa (anexo 3).
O anonimato de cada sujeito participante foi devidamente garantido através do uso
de nomes fictícios. Por se tratar de um estudo envolvendo seres humanos, esta
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da
Saúde da Universidade Federal da Paraíba (anexo 5).
Trata-se de um estudo de natureza observacional de caráter qualitativo. A
seleção dos participantes (crianças surdas) baseou-se em três condições prévias:
serem filhos de pais ouvintes, serem surdos congênitos profundos, com perda
sensório-neural bilateral e não terem patologias associadas.
Participaram deste estudo oito crianças surdas congênitas com perda sensório-
neural bilateral profunda, isto é, indivíduos totalmente surdos de nascença, na faixa
etária de 04 a 05 anos, filhas de pais ouvintes, cursando a Educação Infantil em uma
escola da rede pública estadual na cidade do Recife-PE.
O corpus do trabalho (anexo 4) foi constituído por filmagens em vídeo entre
sujeitos surdos (crianças) e ouvintes (adultos e crianças) e entre sujeitos surdos
(crianças) e seus pares, em situação de fala espontânea, em ambiente familiar e
escolar, sendo este nos momentos de recreação na sala de aula, tendo-se como
enfoque os movimentos discursivos.
O procedimento de coleta de dados consistiu na filmagem em vídeo de cada
encontro, foi utilizada uma máquina da marca Panasonic Palmcorder IQ PV – A306,
em modo de gravação VCR. As filmagens foram transferidas para fita em VHS e
transcritas na íntegra.
Acreditamos que o registro em vídeo se tornou imprescindível para que se
efetuasse a análise minuciosa das trocas comunicativas e pelo importante papel dos
elementos não-verbais na produção de sentido. Além disso, teve como objetivo
proporcionar meios fidedignos para que pudéssemos observar como o diálogo é
construído entre as crianças surdas e seu pares e entre as crianças surdas e
ouvintes.
Os recortes para análise foram escolhidos tomando-se por base seus aspectos
mais relevantes, obedecendo-se a uma ordem cronológica crescente de filmagem.
Os recortes dos diálogos tiveram como foco os movimentos de trocas comunicativas:
retomadas e deslocamentos, surgidas no espaço dialógico.
O processo de transcrição foi adaptado, levando-se em conta as anotações
gráficas propostas em Marcuschi (2001, p.9-13), conforme legenda contida no anexo
1. Na análise, o termo “sinal” se refere ao uso da Língua Brasileira de Sinais -
LIBRAS, enquanto que o termo “gesto”, refere-se aos movimentos gestuais, tais
como:o apontar, o balançar da cabeça negando ou afirmando, o elevar das
sobrancelhas, dentre outros.
Este trabalho encontra-se dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo, com
base na Lingüística Interacional, versa sobre as concepções interacionistas de
linguagem. O capítulo seguinte traz à tona a teoria dos encadeamentos discursivos
defendida por François, com foco nos movimentos discursivos de retomadas e
deslocamentos. O terceiro capítulo discorre sobre surdez e linguagem a partir de
uma revisão bibliográfica acerca da audição e sua importância para a aquisição da
linguagem oral, perpassando por questões relacionadas à educação do surdo e a
aquisição da língua de sinais. O quarto capítulo aborda a análise e discussão dos
recortes selecionados. Finalmente, o quinto capítulo, destina-se às considerações
finais, apontando alguns elementos que poderão nortear o trabalho do professor em
sala de aula com crianças surdas na educação infantil.
1. CONCEPÇÃO INTERACIONISTA DE LINGUAGEM ___________________________________________________________________
Pretendemos, nesse capítulo, traçar um breve histórico sobre a Lingüística
Interacional mostrando a sua importância nos estudos lingüísticos, para isso,
faremos uma reflexão acerca da noção de interação sob diversas perspectivas
teóricas. Mostraremos, também, a visão bakhtiniana sobre a linguagem com foco na
noção de dialogismo.
1.1 RETROSPECTIVA DA LINGÜÍSTICA INTERACIONAL
O surgimento da Lingüística Interacional se deu a partir dos estudos
interacionais como conseqüência da mudança de perspectiva no campo da
Lingüística formal, a qual não observava a língua em sua relação com o mundo, com
o contexto circundante em que se inseria, deixando à margem tudo o que diz
respeito à situação de uso concreto da língua, bem como os aspectos sociais e
interacionais na relação com o outro.
Ao pensar em interacionismo, somos levados a uma visão única ao relacionar
indivíduo e sociedade. Para Morato (2004), existem “interacionismos” e
“interacionismos”, isto é, há diferentes visões nas teorias dos estudos interacionais
que usam essa mesma etiqueta. Dada essa pluralidade, o interacionismo circula em
áreas que vão além da Lingüística.
A Lingüística Interacional tem na sua origem um caráter híbrido, não pertence a
um campo homogêneo, (cf. Kerbrat-Orecchioni, 1990), suas contribuições vieram de
várias áreas como: a Psicologia, a Psiquiatria, a Sociologia, a Filosofia da
Linguagem, a Sociolingüística, a Etnografia da Fala dentre outros. O seu nascimento
se deu a partir de diversas vertentes que contribuíram para discussões
e reflexões a respeito de linguagem e interação, dentre elas destacamos o
interacionismo simbólico.
Apontamos o interesse do norte-americano Erving Goffman em estudos
voltados, a priori, para a conversação em contexto social, assim como de áreas
comprometidas com a relação entre indivíduo e sociedade, como a Psicologia
Social, com o também norte-americano George Herbert Mead, e a Etnografia da
Comunicação. Esses estudos são referências importantes que norteiam o momento
em que a Lingüística passou, efetivamente, a se preocupar com questões mais
específicas, com uma micro visão do que venha a ser o processo de comunicação
entre indivíduos que comungam do mesmo grupo social e que interagem
mutuamente.
Os estudos de Goffman (1961)1 e de Gumperz (1982)2 muito contribuíram para
a Lingüística Interacional. Para Schiffrin (1994), Goffman apresenta uma descrição
de como a linguagem ocorre em alguns contextos sociais, e como ela reflete e
assume um sentido e uma estrutura em tais circunstâncias. Enquanto que Gumpez,
com seus estudos situados na Etnografia da Comunicação, apresenta uma
compreensão a respeito de como as pessoas podem compartilhar o conhecimento
de uma língua, embora contextualizando de forma diferente o que é dito.
De acordo com Schiffrin (op. cit), apesar de Goffman não analisar a língua per
se, seu foco na interação social complementa o foco de Gumperz ao privilegiar o
processo de inferência conversacional. Segundo Gumperz (1998), durante a
inferência conversacional os traços lingüísticos contextuais, tais como: as pistas
lingüísticas, paralingüísticas, prosódicas e não-vocais, antes consideradas marginais
ao sistema lingüístico, são colocados no centro de sua análise.
Goffman situa a língua (e outros sistemas de signos) exatamente nos mesmos
contextos interpessoais e sociais que fornecem as pressuposições que Gumperz
acredita ser uma base importante para a decodificação do significado. O trabalho de
1 GOFFMAN, E. Encounters: two studies in the sociology of interacion. Indianópolis, Bob-Merril, 1961. 2 GUMPERZ, J. Discourse strategies. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
Goffman, segundo Schiffrin (1994), sobre a análise de enquadres,3 demonstra como
a organização da atividade de enquadre é situada socialmente. Ele fornece uma
elaboração das pressuposições contextuais que as pessoas usam e constroem
durante o processo de inferência, bem como oferece uma visão dos meios pelos
quais aquelas pressuposições são construídas externamente e impõe restrições
externas nas formas como entendemos as mensagens.
Com o trabalho de Goffman (1998a) acerca da situação negligenciada, o
contexto assume papel relevante, ao gesticularmos usamos o ambiente imediato e
não apenas o corpo. Esse autor defende que não se descreve um gesto sem
considerar o ambiente extracorpóreo no qual ele acontece.
O enfoque de Goffman a respeito de interação social complementa o de
Gumperz sobre inferência conversacional. Goffman descreve a forma e o significado
dos contextos sociais e interpessoais que fornecem as pressuposições para a
decodificação do significado. A compreensão desses contextos nos permite melhor
identificar as pressuposições contextuais que figuram nas inferências dos ouvintes
sobre o significado dos falantes. Seus estudos são relevantes para a Lingüística
Interacional à medida que ambos elegem o social e a interação com o outro, como o
palco da competência comunicativa, e é nesse movimento discursivo, considerando
o contexto social, que o diálogo vai sendo tecido e os participantes se constituem
enquanto sujeitos ativos, posicionando-se frente ao tema desenvolvido na relação
com o interactante.
Para Morato (2004), a partir dos estudos da sociolingüística e da Etnografia da
Comunicação, por Hymes e Gumperz acerca da linguagem com vistas para o
contexto social, a Lingüística se voltou para os fenômenos comunicacionais
contribuindo, com isso, para o surgimento da Lingüística Interacional.
Vion, (1992), afirma que o cenário no qual emerge a Lingüística Interacional é a
interação verbal, a qual constitui o lugar da articulação dos sujeitos discursivos que,
apesar de sua singularidade, não constituem individualmente, mas se socializa
através da interação com o outro num processo contínuo de construção de sentido.
3 O enquadre “situa a metalinguagem contida em todo enunciado, indicando como sinalizamos o que dizemos ou fazemos ou sobre como interpretamos o que é dito e feito”. (GOFFMAN, 1998b p. 70)
Conforme Morato (2004), apesar de a Lingüística se preocupar apenas com o
estudo da interação verbal, houve uma preocupação por parte de alguns lingüistas
em alertar para o fato de que a ausência de manifestação verbal em algumas ações
não anula a presença obrigatória da linguagem. Para a autora, a interação surge
para os lingüistas como categoria de análise a partir dos anos 60, período em que
muitos estudos relacionados a outras abordagens teóricas exerceram influência na
ciência da linguagem, como o inatismo de Chomsky e o cognitivismo de Piaget,
voltados para o interacionismo.
A autora não deixa de mencionar, também, que não apenas Piaget contribuiu
para reflexões sobre o lugar da interação da criança com o meio no desenvolvimento
lingüístico e cognitivo, mas de igual valor, temos autores como Vygotsky e Bruner
que muito contribuíram para essa nova perspectiva de interação no contexto de
aquisição de linguagem. Morato alerta, ainda, para as contribuições da
Etnometodologia no final dos anos 70, cujo termo foi introduzido por Harold Garfinkel
(1967)4 ao estudar a forma como os indivíduos se comportam e interagem em
situações diversas do dia a dia.
É importante lembrar que os estudos de Bakhtin/Volochinov (1929/2004), na
célebre obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, inauguram uma nova concepção
de linguagem fundada na reciprocidade do diálogo que emerge na interação com o
outro, ancorada em um contexto histórico-social. A noção de dialogismo5 para o
autor, revela, assim, a dimensão interativa da linguagem, cujo papel fundamental é a
constituição dos sujeitos.
Chamamos a atenção para os pressupostos teóricos defendidos por Bakhtin e
seu círculo no que concerne à noção de interação no processo dialógico. A esse
respeito: “Diferente da perspectiva comunicacional ou psicologia de interação, Bakhtin vincula as interações verbais às interações sociais mais amplas, relacionando a noção não apenas com as situações face a face, mas às situações enunciativas, aos processos dialógicos, aos gêneros discursivos, à dimensão estilística dos gêneros” (MORATO, 2004 p.330).
4 GARFINKEL, H. Studies in ethnometodology. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1967. 5 A respeito de dialogismo em Bakhtin, temos também a obra organizada por Beth Brait : Bakhtin, dialogismos e contrução do sentido. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1997.
Bakhtin e seu círculo trazem a noção de interação que transcende as situações
face a face, temos com esse autor a concepção dialógico-discursiva de interação, na
medida em que ele defende uma teoria social da enunciação aplicada à interação.
Na visão do autor, a interação discursiva se dá no âmbito de um contexto histórico-
social e é regulada pelo social.
Mondada (2001), reconhece que o interesse pela interação no campo da
lingüística emerge nos anos 80 do século XX, em um cenário marcado por um
despertar voltado para o discurso oral registrado em diversas situações sociais.
Notadamente esses estudos consideram a interação como categoria de análise da
linguagem.
O estudo da dimensão interacional da linguagem deve considerar três pontos
importantes (cf. Mondada, 2001 p.1-2): primeiro, que a interação tem um papel
constitutivo não apenas nas práticas dos falantes, mas também na estruturação dos
recursos lingüísticos; segundo, a exigência de uma delimitação de terreno que
venha a contrastar com o fazer dos lingüistas de laboratório, coincidindo com a
exigência de trabalhar com certos tipos de dados, os quais contribuem para uma
redefinição do objeto da lingüística; e terceiro, que se faz necessário uma análise
interacional que conceba um modelo das práticas situacionais dos falantes com base
em categorias descritivas que dêem conta dos fenômenos dinâmicos e emergentes.
A funcionalidade da linguagem analisada em situação real de fala mediante o
processo de interação torna muito mais interessante os estudos no campo da
aquisição da linguagem infantil relacionada ao contexto social, tendo em vista que a
observação é feita a partir de uma situação natural, de dados autênticos, e não de
enunciados abstratos e exemplos artificiais, fabricadas em laboratórios, como os
mencionados por Kerbrat-Orecchioni (1990) ao apontar as críticas feitas à teoria dos
Atos da Linguagem. Nessa perspectiva, a Lingüística Interacional possibilita
observar os movimentos discursivos na linguagem sob o viés da interação.
De acordo com Mondada (2001, p.1-2), há quatro tendências que favorecem o
interesse crescente pela interação no campo da lingüística, a saber: o aparecimento
das gramáticas orais; o desenvolvimento de grande corpus de dados orais
autênticos; um interesse pela interação verbal por parte da Análise do Discurso e da
Sociolingüística Interacional e a divulgação da Análise Conversacional de inspiração
Etnometodológica. Ao lado dessas tendências acrescentamos o interesse pela
linguagem em uso, a apreciação do contexto, o aprofundamento sobre o sujeito que
se constitui na linguagem.
Nessa constituição, entram as ideologias e aqui conforme Morato (2004), não
há ação do sujeito no mundo considerada ideologicamente nula, posto que a ação
se inscreve em um quadro social e submete-se às normas de gestão histórico-
cultural. Parece haver uma relação ininterrupta entre linguagem e ação, interioridade
e exterioridade ao mesmo tempo em que a linguagem é ação, esta também reflete
sobre aquela, é uma via de mão dupla, por isso, os significados são construídos em
cadeia no processo de interação. Assim, a interação, por menos marcada que seja
nas trocas conversacionais, provoca efeito de sentido no espaço em que se insere,
já que exerce uma ação conjunta com o outro.
Em uma breve abordagem sobre a Lingüística Interacional, observamos sua
importância nos estudos lingüísticos à medida que elege a interação como condição
sine qua non de princípio explicativo para os fatos da linguagem, além de participar
dos recursos lingüísticos. Outro ponto interessante é quanto à integração do
pesquisador no seu campo de observação direcionado a pesquisas envolvendo a
linguagem infantil, seja aquisição ou desenvolvimento, com novos paradigmas de
observações voltados para uma nova prática de linguagem dos interlocutores no
processo de interação.
A mudança de paradigma de língua como estrutura para língua como ação,
uma ação humana que se manifesta em um processo co-operativo de participação
entre dois ou mais falantes, como modo de interação na sociedade mediante a
interação verbal no processo dialógico, possibilitou que o contexto e os
interlocutores ganhassem relevo, conquistando, assim, um espaço importante nos
estudos lingüísticos com base nos contextos interacionais. Por tudo isso,
considerando-se o caráter funcional da linguagem, já que o sentido surge no
momento da interação e que o enunciado se constitui em uma cadeia dialógica,
discorreremos no item a seguir acerca da visão bakhtiniana da linguagem elegendo
o dialogismo como foco de discussão.
1.2. VISÃO BAKTHINIANA DA LINGUAGEM A visão interacionista da linguagem mescla suas origens com outras disciplinas
afins, e dentre elas com a pragmática, uma vez que estuda a linguagem em ação, ou
seja, estuda os atos lingüísticos e os contextos nos quais esses atos são realizados.
Segundo Bakhtin/Volochinov (1929/2004), a enunciação é o resultado da interação
de dois indivíduos socialmente organizados e por ser a palavra multifacetada ela se
constitui o produto de interação do locutor e do ouvinte. Nesse sentido, a linguagem
é lugar de interação, de representação de papéis e de negociação de sentidos. Visto
que, “o sentido de uma palavra é totalmente determinado por seu contexto”
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/ 2004, p.106).
O pensamento bakhtiniano é múltiplo, nasceu de um conjunto de autores.
Assim, Bakhtin e seu círculo constroem sua concepção de linguagem a partir de uma
crítica radical direcionada às grandes correntes da lingüística contemporânea,
no início do século XX: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato, tendo em
vista considerar que tais teorias não concebem a língua como fenômeno social, logo,
não consideram a natureza social e dialógica da linguagem.
Na perspectiva do subjetivismo idealista, que tem como representante
Humboldt, o ato da enunciação é tido como puramente individual, desta forma,
prioriza o aspecto interior, o lado subjetivo da criação significativa e faz do indivíduo
o centro da linguagem, sem considerar o processo da interação entre o locutor e o
interlocutor. Contrariando essa teoria, Bakhtin/ Volochinov (1929/2004) sugere que o
meio social, em que se encontra plenamente envolvido o indivíduo, é determinante
do interior. Para esse autor enunciação e interação são sinônimos, ele concebe o
sujeito como ser histórico que se constitui na relação com o outro, logo esse outro
jamais será abstrato e a língua não pode ser vista enquanto criação individual.
Para o objetivismo abstrato, representado por Saussure, a língua é
concebida como um produto acabado que é passível de ser transmitido
de geração a geração como algo pronto e estável. Bakhtin critica
dizendo que a língua é inseparável do fluxo da comunicação verbal, não
é transmitida como um produto pronto, ela se constitui continuamente na
corrente da comunicação verbal.
“Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/2004, p.108).
O autor constata que a linguagem é dialógica e é através do processo dialógico
que há confronto entre as palavras alheias e as já elaboradas pelo sujeito, postula
ainda que, “cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros
enunciados (BAKHTIN, 2000 p.291)”. Entendemos que para se ter a compreensão
da linguagem na sua extensão discursiva, necessário se faz assumir uma concepção
sócio interacionista, na qual a linguagem é concebida como um trabalho coletivo e
histórico, resultado de uma experiência, logo, possui um caráter de
natureza social e cultural, uma vez que a língua tem suas regras constituídas no jogo
da linguagem e se origina na prática social.
Segundo Souza (1994), ignorar a natureza social e dialógica do enunciado é
apagar a profunda ligação existente entre a linguagem e a vida. Assim, é na prática
social que as escolhas lingüísticas de quem produz a linguagem são reguladas pelo
outro, pelo grupo social e pela situação histórica vivenciada.
Travaglia, (1996), chama a atenção para o fato de que a comunicação humana
ocorre através de textos, o autor define texto como uma unidade lingüística concreta
(perceptível pela visão ou audição), unidade esta que é usada em uma situação de
interação, como uma unidade de sentido. Sendo, portanto, o resultado da atividade
comunicativa que ocorre consoante regras e princípios sócio-históricos. Assim, a
comunicação humana é construída mediante um agir sobre o outro, através da
linguagem à medida que se concebe a linguagem como um processo dinâmico e
complexo, cujo caráter heterogêneo elege a interação como alfa e ômega, em uma
cadeia ininterrupta de produção de sentido.
A noção de dialogismo surge com Bakhtin ao eleger a interação verbal como a
realidade fundamental da língua, uma vez que defende a natureza social e dialógica
da linguagem e do sentido. A esse respeito o autor afirma que:
“a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, logo, a interação verbal constitui, assim, a realidade fundamental da língua, sendo o diálogo uma das mais importantes formas de interação verbal” (BAKHTIN/VOLOCHINOV 1929/2004, p.123).
Diálogo, entretanto, na concepção de Bakhtin, não se restringe a uma mera
comunicação em voz alta entre pessoas que se encontram face a face, mas a toda
comunicação verbal. O autor tem o diálogo como princípio constitutivo que vai além
da mera interação face a face, assim como a linguagem vai além do vocabulário.
Bakhtin (2000, p.294) diz que “o diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a forma
clássica da comunicação verbal. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que
seja, possui um acabamento que expressa a posição do locutor”. O discurso do
outro faz parte dos nossos enunciados à medida que partimos do outro para
complementar, concordar, ir de encontro, enfim, há de fato o dizer do outro no nosso
dizer. Não é à toa que ele defende que quando o diálogo se acaba tudo se acaba.
A partir dos estudos de Bakhtin, observamos que o sujeito passa
paulatinamente a ser inserido na atividade dialógica, uma vez que o autor não vê o
falante como único dono da palavra, mas coloca cada participante da comunicação
no mesmo patamar. Nesse sentido, a palavra não pertence a ninguém, é, pois,
território comum do locutor e do interlocutor e, assim, não comporta um juízo de
valor (Bakhtin 2000; 2004). Com essa afirmativa, o autor considera também o outro
presente de alguma forma, assim como as vozes que precedem o ato de fala se
fazem presentes na palavra do autor. É por isso que a linguagem se apresenta, na
visão bakhtiniana, sempre em construção. Ele diz que é uma ficção lingüística falar
de falante e ouvinte, o que se tem é sujeito discursivo que se constitui hibridamente
através de uma relação fundada na e pela linguagem em um único fluxo de fala.
A linguagem é, na concepção sócio-interacionista, um ato social no qual há
interação por parte dos que compõem uma comunidade, mediante a negociação de
sentidos inerente ao processo dialógico. Sendo assim, toda enunciação é
considerada um diálogo, já que temos em todo enunciado uma posição de sujeito.
Não existindo, portanto, palavras neutras, mas ao contrário, carregadas de sentidos.
Bakhtin/Volochinov (1929/2004, p.113) postula que:
“Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte”.
A teoria bakhtiniana concebe a produção de sentido a partir do seu contexto
social de uso, ou seja, tendo em vista a palavra possuir um caráter polissêmico
mediante a natureza dialógica da linguagem, o sentido é determinado em cada
contexto, logo, o significado da palavra não se encontra pronto a priori.
Bakhtin/Volochinov (1929/2004, p.95) defende que “a palavra está sempre
carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico vivencial”. Assim, o autor
sugere que a palavra traz consigo significados variados, os quais vão emergir no
contexto dialógico, a depender de quem fala, para quem se fala e em que momento
surge esse enunciado no processo de interação verbal. Desta forma, o sentido, por
ser inacabado, emerge no espaço dialógico de forma ilimitado através do contexto
social e dos interactantes envolvidos na teia discursiva.
A partir da concepção dialógica defendida por Bakhtin e seu círculo, a
lingüística passa por mudanças significativas, novos paradigmas surgem e, com
eles, uma nova visão aponta para uma outra perspectiva de língua. A priori a
linguagem foi vista como mera representação do pensamento, depois, sistema; a
seguir, foi concebida como instrumento de transferência de informação, pois era tida
como ferramenta da comunicação, entretanto presa ao modelo estruturalista
(estrutura cristalizada), agora, na perspectiva sócio-interacionista, passa a ser
concebida mediante o seu contexto sócio-histórico, portanto, mutante.
Os sujeitos e os sentidos antes presos nas formas da língua (visão estrutural),
encontram-se hoje na interação com o outro e passam a se constituir na e pela
linguagem na medida em que esta, segundo Vion (1992), contribui para a
constituição dos sujeitos, dos sentidos e dos lugares sociais, por isso chama-se
constitutiva da realidade social e histórica. Diante disto, temos com essa nova
perspectiva um salto nos estudos lingüísticos, já que a linguagem é estudada em
seu contexto de uso.
Para Bakhtin (2000), as fronteiras do enunciado são determinadas pela
alternância dos falantes, essas alternâncias caracterizam-se, segundo François
(1996), pelos movimentos discursivos mediante o processo de interação instaurado
no espaço dialógico, conforme mostraremos no capítulo a seguir com base nos
pressupostos teóricos defendidos por François (op cit) acerca da teoria dos
encadeamentos discursivos.
2. A TEORIA DOS ENCADEAMENTOS DISCURSIVOS EM FRANÇOIS ___________________________________________________________________
Objetivamos, neste capítulo, discorrer sobre os movimentos discursivos à luz
da teoria dos encadeamentos discursivos postulados por François (1984; 1996), a
princípio discutiremos um pouco acerca da construção do sentido que permeia o
discurso, em seguida, abordaremos os movimentos discursivos que perpassam os
enunciados das crianças, fazendo um paralelo com exemplos de recortes retirados
do trabalho de Faria (2002) e do corpus que compõe as análises deste trabalho e,
por fim, faremos um breve comentário acerca da atividade tutelar.
2.1 O DISCURSO E A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
Encontramos na teoria dos encadeamentos discursivos, defendida por François
(1996), uma nova concepção de construção de sentido no discurso. O autor concebe
a linguagem como espaço aberto, logo, sujeita ao inesperado, ao imprevisível.
Temos, pois, na diversidade dos sentidos que permeiam as condutas dialógicas,
aquilo que François (op. cit.) aponta como sendo a circulação do sentido. Esse autor
ratifica as idéias postuladas por Bakhtin/Volochinov (1929/2004), acerca da
linguagem, quando diz que a verdade não está no interior de uma pessoa, mas no
processo de interação dialógica entre pessoas que a procuram coletivamente.
Deixando de lado a idéia de estrutura, e com ela o formalismo que
concebe a língua como estrutura fechada, François, (1996), propõe uma
lingüística da circulação do discurso. O autor evidencia três tipos de
circulação, a saber: circulação “material”, está relacionada ao momento
em que a criança retoma-modifica o discurso do adulto; circulação
“ideal” da significação, diz respeito ao momento em que uma
determinada forma lingüística, anteriormente usada em circunstâncias
diferentes da que fora recebido, tem um sentido diferente; circulação
“monológica” refere-se ao que faz sentido, ou seja, a co-presença de
dois enunciados, os quais não foram feitos para
ficarem juntos, já que cada um, visto isoladamente, pode trazer sentido
oposto ao outro.
Ao defender a incompletude do sentido no espaço dialógico, o autor
sugere uma construção coletiva e interativa, assim, tendo como ponto
de partida a linguagem, seus estudos voltam-se para a dinamicidade,
com foco na diversidade de sentidos que circula o dizer do outro
concebido nos instantes de interação nas práticas sociais.
Desta forma, as significações que permeiam o discurso possibilitam
um horizonte de respostas mais ou menos inesperadas, pois tudo que
envolve o discurso, a partir do seu contexto, encontra-se
intrinsecamente ligado à significação. Evidenciamos, com isto, uma
ampla abertura na teia do discurso, a qual o autor chama de horizonte
discursivo.
“Falar de horizonte discursivo é falar de tudo o que está em torno
do discurso, necessário à sua significação, e que constitui, assim, um
conjunto aberto por oposição àquilo que está ”na mensagem” própria
(FRANÇOIS, 1996 p.103)”. A situação discursiva é para esse autor mais
importante do que a própria estrutura do enunciado, visto que os sujeitos
fazem uso da linguagem de forma funcional e esta, por sua vez, não se
manifesta apenas mediante formas lingüísticas, mas por movimentos
discursivos evidenciados através dos encadeamentos que envolvem
formas verbais, para-verbais e não verbais, as quais se apresentam
segundo o acrescentar, ratificar, refutar e deslocar, quando nos
encontramos reformulando, resumindo, perguntando, respondendo ou
corrigindo um enunciado. François et alii (1984, p.15-16) postulam que:
“Analisar a linguagem é estudar os verdadeiros sentidos dos enunciados em função de sua relação com a situação extralingüística, pelo que vem sendo dito ou pelo que vai ser dito em um contexto restrito ou em um contexto mais amplo.”6 (Tradução nossa)
Não se analisa a linguagem apenas através do que está explícito,
mas considera-se o que está ausente nos enunciados. A análise, nessa
nova concepção, possibilita visualizar o que está além do dito pelo
verbal, ou seja, transcende o dizer do outro, revelando, com isto, os
vários lugares e papéis ocupados pelos locutores, bem como, seus
posicionamentos na interação e interlocução, uma vez que
consideramos os implícitos que permeiam o discurso, ou seja, os
entornos que circulam o espaço dialógico. Assim, entendemos que a
linguagem tem um caráter pluridimensional, heterogêneo, conflitante e,
acima de tudo, interacional.
Para esse autor, a universalidade da linguagem está na
capacidade de funcionar em modos diferentes, logo, a linguagem é vista
como lugar universal de interpretação. Nessa perspectiva, um texto traz
significações as quais não se encontram ligadas apenas às junções dos
6 Analyser le langage c’est étudier le sens actuel des messages en fonction de leur relation à la situation extralinguistique, à ce qui vient d’être dit ou à ce qui va être dit, que ce soit dans un contexte étroit ou dans un contexte plus large.
enunciados, mas aos movimentos discursivos, como passar de um
movimento de descrição a um de argumentação, por exemplo.
É importante frisar que os movimentos discursivos de retomadas e
deslocamentos são vistos, na concepção interacionista, como um processo de
estruturação da linguagem, eles não acontecem de forma caótica, conforme
veremos no item a seguir, há, pois, uma certa harmonia na construção do tecido
dialógico que é mediada pelo sentido surgido na interação com o outro.
2.2 OS MOVIMENTOS DISCURSIVOS
Os movimentos discursivos não se apresentam como estrutura fixa
no espaço dialógico, além do mais, constituem-se uma outra modalidade
de construção de sentido à medida que os participantes do diálogo
ocupam papéis sociais e discursivos diferenciados, tais mudanças
conduzem os sujeitos a se posicionarem de forma a construir sentido.
Esses movimentos podem ser vistos mediante modificações, retomadas,
deslocamentos, continuidades, ligações entre os enunciados e rupturas
do tema, os quais serão exemplificados nos tópicos seguintes.
De acordo com Kerbrat-Orecchioni (1990), no diálogo os
interlocutores assumem posições diferentes em relação ao tema.
Enquanto uns introduzem um tema ou o retomam outros o deslocam
introduzindo um tema novo. Essa alternância de papéis entre ouvintes e
falantes, possibilita a construção do tema bem como o contexto social.
Essas posições são assumidas entre os interlocutores a depender do
tipo de discurso utilizado. Para François et alii (1984), há quatro tipos de
relações surgidas em decorrência disso: discurso de dominância ocorre
quando sempre a mesma pessoa é quem questiona; discurso de
cooperação homogênea ocorre quando há uma relação de continuidade
no tema, um introduz o tema e o outro acrescenta algo; discurso de
cooperação heterogênea ocorre quando, apesar de os sujeitos terem
idéias diferentes, elas se completam e discurso conflitual ocorre quando
há confronto entre duas opiniões distintas.
Segundo François (1996), o sentido é construído mediante os
movimentos discursivos, os quais têm no tema, chamado por François
(1996, p.110) de campo temático, o eixo norteador das trocas
comunicativas. Na opinião desse autor, o campo temático é conduzido
de duas maneiras: por continuidade ou deslocamento. Por continuidade,
através de retomadas, há uma organização seqüencial, na qual
determinado tema é aberto mediante o fechamento do tema anterior,
dessa forma, há uma seqüência nos enunciados de início, meio e fim.
O deslocamento surge em decorrência de alguma falha na
seqüencialidade: um novo tema é inserido no diálogo sem que o anterior
tenha sido esgotado. Quando um novo tema apresenta uma relação de
semelhança ou diferença com o precedente, há um deslocamento
temático ou, ao contrário, de ruptura, quando um novo assunto não
evidencia qualquer ligação com o anterior, apenas com o evento
discursivo.
Esses movimentos discursivos7 foram usados pelas crianças
surdas, os quais possibilitaram perceber tanto o deslocamento como a
continuidade de temas no mesmo espaço dialógico.
7 Ver exemplos nas análises dos dados (linhas 67-68 p.99)
Em François (1996), a continuidade, o deslocamento e a ruptura
são estruturados mediante uma articulação existente entre os turnos
chamados encadeamentos. Os encadeamentos possibilitam mostrar os
lugares dos locutores, bem como, suas capacidades lingüísticas, as
estratégias usadas, a identificação do campo temático e a organização
do discurso.
Verificamos que os textos nem sempre se constituem de
elementos inteligíveis. Entendemos, então, que os movimentos
discursivos de deslocamento temático ocorrem através da partilha de
implícitos que são feitos entre os locutores.
O espaço discursivo permite, no curso da interação incessante, que
deslocamentos ocorram no texto sem rompimento da inteligibilidade, à
medida que, conforme defende François (1996, p.115), “a permanência
ou o deslocamento temático se impõem como condição primeira do
funcionamento textual”. Desta forma, é possível a continuidade do texto
mesmo diante da mudança de foco.
François at alii (1984) postulam que os encadeamentos são
evidenciados de diferentes formas e apresentam dois grandes tipos de
trocas: as trocas mínimas e as trocas complexas. Interessa-nos, neste
trabalho, apenas explicitar as trocas mínimas as quais se referem à
ligação com o enunciado precedente pela posição posterior e/ou pelos
índices lexicais de continuidade. A esse respeito, temos, como exemplo,
as respostas diretas sem acréscimo que são realizadas por uma
estrutura lingüística própria para fazer a ligação com o discurso do outro.
Quanto aos tipos de encadeamentos que caracterizam essas trocas
mínimas, evidenciamos: as repetições; as retomadas com ou sem
acréscimo; as oposições implícitas ou explícitas; as sínteses e as séries
paralelas.
As repetições Conforme François at alii (1984), as repetições têm como papel a
criação de um elo que encadeia o discurso do falante com o outro,
podendo expressar compreensão, ironia, desprezo ou uma marca da
interação. É importante salientar que diante da sutileza da interpretação
da repetição, distinguimos o sentido dado na interação pela entonação.
No caso das crianças surdas, que geralmente não fazem uso dos traços supra-
segmentais da mesma forma que os ouvintes, ou seja, têm dificuldade ou
impossibilidade, a depender do grau da surdez ou do tipo de linguagem usada, para
produzirem movimentos como a entonação, por exemplo, podemos distinguir o
sentido dado à interpretação das repetições pelos movimentos gestuais usadas em
consonância à língua de sinais.
Conforme François (1996), muitos sujeitos constroem enunciados
paralelos aos do seu interlocutor, essa construção pode ser através de
repetição estrita ou sob forma de enunciados em série.
Nos enunciados das crianças surdas observadas8 há uma singularidade em
relação aos encadeamentos, comparados aos das crianças ouvintes analisados nos
trabalhos de Faria (2002) e François (1996), no que concerne à forma como elas
utilizam os gestos associados ao uso da língua de sinais. Verificamos, assim, que é
8 Chamamos a tenção para os exemplos citados nas análises dos nossos dados (linhas 57-61p. 92-94).
possível interpretar a função das repetições nos encadeamentos discursivos das
crianças observadas através dos gestos utilizados.
Faremos a seguir uma comparação com o exemplo de repetição
usado por Faria (2002), ao observar crianças ouvintes na mesma faixa
etária que as crianças surdas que fazem parte deste trabalho.
562 - Pedro
563 -
Professora
eu quero mais bo:lo (.) eu quero mais bo:lo
agora (.) vá pra lá ((?))
564 - Alguém ai: meu cabe:lo
565 - Pedro quero mais bo:lo (.) quero mais bo:lo (.) mais mais
mais mais
566 - mais ((aos gritos))
567 - Alunos mais (.) mais (.) quero mais (.) mais (.) mais(.) mais (.)
((aos gritos))
((?))
568 - Alunos MAIS MAIS AÍ! MAIS (.) quero MAIS: ((GRITANDO))
569 –
Professora
tem um monte de bolo aqui: ó:
Exemplo extraído da tese de Faria (2002, p.60)
Segundo comenta Faria (2002), a adesão das crianças em coro ao
pedido de Pedro tornou o apelo maior e deixou o apoio explícito. Além
disso, a repetição criou uma forte interação entre os interlocutores.
Enfatizamos aqui, que esse mesmo movimento foi evidenciado nos
enunciados das crianças surdas, isso mostra como essas crianças
conseguem, através do uso de gestos e de sinais, a mesma
competência lingüística que as crianças ouvintes, pois a falta da
linguagem oral não impede que as trocas comunicativas sejam
estabelecidas através de estratégias desenvolvidas na interação com
ouvintes e com seus pares.
As retomadas As retomadas ocorrem, segundo François (op. cit) quando o
interlocutor usa em seu enunciado algum elemento do discurso do
primeiro locutor, podendo ser evidenciado com ou sem acréscimo. Seja
qual for o tipo de retomada, o sujeito assume um posicionamento frente
ao outro e ao objeto discursivo, podendo repetir tal qual a expressão do
primeiro locutor, acrescentar novos elementos ou, ainda, haver uma
nova estruturação sintática no enunciado mencionado.
Diante do exposto, torna-se difícil precisar a diferença que há entre
repetição e retomada uma vez que ambos têm como definição,
postulada por François (1996), características semelhantes, como a
utilização no discurso de algum elemento usado no enunciado do
primeiro locutor. Com isso, tomaremos os termos repetições e
retomadas como equivalentes no nosso trabalho. Vejamos um exemplo
de retomada retirado do trabalho de Faria (2002):
167 - Yasmim só sei que a minha é igual à de Malu
168 -
Professora
ah:! fez igual à de Malu?
169 - Yasmim mas só: que a dela é GRANDE
170 -
Professora
a dela é gran:de (.) maior que a su:a né?
171 - Yasmim é porque ela fez DEITADA
172 - ah: a árvore dela ficou deita:da?
Professora
173 - Yasmim é (.) é maió: mas não dá pra crescer:: Exemplo extraído da tese de Faria (2002 p. 61)
Nos comentários de Faria (op cit), as retomadas feitas pela
professora não acrescentam informações no campo temático, mas
estabelecem ligações entre parceiros, além de ratificar a presença do
interlocutor na interação à medida que faz seu o discurso de Yasmim.
Vejamos a semelhança de enunciado no exemplo a seguir retirado
de nosso corpus: 25 - Ouvinte Ana (.) hoje a festa é tua também?
26 - Ana {bate palmas, levanta o indicador, sopra e aponta para
si, em seguida, abre os braços e faz o sinal de vovó}.
((O aniversário dela já havia sido comemorado na
casa da avó)). 27 - Ouvinte ah!!! (.) Na tua festa tinha um bolo GRANDE? ((usa o mesmo
gesto com os braços abertos)).
28 - Ana {balança a cabeça afirmando} bo:lo ga:nde
((diz a criança com articulação exagerada e repete o gesto com
os braços abertos}.
29 - Ouvinte tinha um bolo GRANDE!
((Faz o mesmo gesto da criança com os braços abertos))
Conforme podemos observar o ouvinte interpreta e retoma o tema
introduzido por Ana, bolo grande, através do gesto de abrir os braços e
mesmo sem modificar o sentido do enunciado ou acrescentar novas
informações, o ouvinte consegue manter o elo da conversa e, a exemplo
do que ocorrera no recorte de Faria (2002), incorpora e faz seu o
discurso de Ana, estabelecendo, também, uma ligação entre os
interactantes..
As oposições As oposições podem ser implícitas ou explícitas, François, (1996),
coloca que podem ser explícitas quando surgem no discurso elementos
formais, os quais especificam de forma enfática a oposição, ou implícitas
quando se evidencia o movimento de oposição mesmo na ausência de
elementos formais no enunciado, como: “sim” ou “não”.
Esse tipo de conduta foi freqüentemente encontrado em nosso
corpus, vejamos o exemplo a seguir:
8 - Ouvinte vamos brinca: (.) João?
9 - João ((a criança estava brincando, mas se opõe ao
convite)), {balança a cabeça de um lado para o
outro sinalizando que “não” e usa o sinal de dormir}.
((Junta algumas cadeiras e se deita))
10 - Ouvinte qué não? ((balança a cabeça usando o mesmo
gesto de negação de João)), qué dormi: (.) é? ((faz
o sinal de dormir)).
11 - João {dirige o olhar para o ouvinte e em seguida fecha os
olhos}
((ignorando a pergunta feita))
Fica evidente a oposição explícita de João ao se posicionar contra o
convite do ouvinte para brincar, pois João estava brincando, entretanto
não quis continuar quando o ouvinte, na intenção de brincar com ele,
convidou-o. Utilizando-se de um encadeamento através do balançar da
cabeça em gesto de negação, João desloca o campo temático
instaurado pela professora e, em um movimento de ruptura, introduz um
novo tema, mas continua se opondo, desta feita uma oposição implícita,
ao manifestar o seu silêncio sem nenhum gesto ou sinal.
As sínteses Os movimentos de sínteses aparecem nos discursos mediante os
resumos ou retificações dos enunciados anteriores, os quais são
freqüentemente observados na fala infantil.
As crianças estão sentadas em círculo ao redor de algumas mesas
esperando a professora distribuir a tarefa.
102 - Mariana ((levanta-se e sobe na cadeira que estava
sentada))
{olha para um mural na parede contendo as fotos
de cada criança da sala, dá um sorriso, aponta
para uma foto e em seguida para Ana}.
103 - Ana {olha para o mural, aponta para a foto e para si
balançando a cabeça com movimentos de cima
para baixo}
104 - Marcos ((levanta-se e aproxima-se de Ana))
{Toca em Ana e em seguida em si mesmo,
aproxima-se do mural, aponta para a foto dele e
para a de Ana} ((depois corre e senta))
105 – Ana {aponta para outra foto e em seguida olha para
Marta e eleva as sobrancelhas e a cabeça, olha
para Mariana e faz o sinal de Marta}9
106 - Mariana {olha para Ana, balança a cabeça em um
movimento de cima para baixo e faz o sinal de
amiga}
Nesse recorte vemos que Mariana fez uma retificação através do
movimento de síntese. Ao invés de usar o sinal de Marta, conforme
usara Ana, preferiu o sinal de amiga, apesar de estar se referindo a
Marta. Mariana fez uma adequação da informação, demonstrando,
inconscientemente, o termo que para ela era mais apropriado, já que
existia uma relação de amizade entre ela e Marta, logo aquela que Ana
estava apontado não era simplesmente Marta, a menina da foto, era a
sua amiga!
As séries paralelas Podemos visualizar nas séries paralelas, segundo François at alii
(1984), a ocorrência de enunciados ditos da mesma forma, porém com
outro conteúdo, tendo em vista as retomadas temáticas atualizarem-se
mediante repetições ou oposições nem sempre marcadas de forma
explícita. Para o autor, as séries também se apresentam na forma
complementar, desta feita, o enunciado de um pode desencadear a
complementação da seqüência do outro na teia discursiva. Entretanto,
François (1996) chama a atenção para não se perder de vista os
encadeamentos metadiscursivos, os quais surgem no discurso à medida
que se repete o discurso do outro de forma modificada ou resumida. 9 Esclarecemos aqui que na cultura surda eles atribuem um sinal para cada pessoa, esse sinal corresponde ao nome e é escolhido a partir de alguma característica da pessoa, normalmente com base em traços físicos ou marcas adquiridas, como cicatrizes, por exemplo.
Encontramos, em nosso corpus, um exemplo de série paralela no
qual as crianças se inserem no diálogo retomando o campo temático de
forma dinâmica. Vejamos:
As crianças estão conversando sobre a festa dos aniversariantes do
semestre e surge o tema idade introduzido por Ana. 14 - Marcos {levanta o dedo indicador, sopra, aponta novamente
para si, e balança a cabeça com gesto de
afirmação}. 15 - Ouvinte tua festa ...((diz isso apontando para a criança)) e
de quem mais? ((usa o sinal de quem, em seguida
aponta para Ana e pergunta...)) tua também? ((a
criança não responde)). 16 - Mariana a:: ((a criança que observava tudo, vocaliza pedindo o
turno)). {Levanta o dedo indicador, sopra e aponta para si e
para o colega, indicando que a festa é dos dois}.
17 – Ouvinte dos DOIS? (.) Tua também? ((aponta para Ana)).
18 - Ana {balança a cabeça afirmando, faz o sinal do número 5 e
aponta para si}.
19 - Ouvinte tu também? (.) Tu tens 5 anos (.) é? E a festa também é
tua?
20 - Mariana ((vira-se para o ouvinte)). {Faz o sinal correspondente ao
número 5 apontando para si}.
21 - Ouvinte TAMBÉM ? (Eleva as sobrancelhas e olha espantada) 22 - Mariana ((usando o sinal correspondente ao número 5)). {Aponta
para os dois colegas}.
23 - Ouvinte os TRÊS têm 5 anos? ((levanta a mão fazendo o sinal do
número 3)).
Fica claro, nesse recorte, a presença de séries paralelas nos
enunciados das crianças à medida que cada uma entra no discurso e diz
a sua idade, inclusive copiando a idade do outro, pois nem todos têm
cinco anos!
Esses exemplos nos levam a comprovar o ponto de vista de
François sobre a pluralidade dos atos de linguagem, já que não
devemos considerar apenas a estrutura do enunciado, mas toda a
situação discursiva que permeia o dizer, consoante os diversos tipos de
encadeamentos. Assim, ao conceber o diálogo como
processo dinâmico que tem como ponto de partida a interação, esse
autor nos alerta para a necessidade de entendermos a linguagem como
movimento e não simplesmente como um sistema unificado obedecendo
a regras, para ele a linguagem está em situação de retomada-
modificação.
François (1996) aponta para o fato de a criança retomar o sentido
das mensagens adultas e modificar. É esse movimento, essa
dinamicidade que encontramos na linguagem da criança desde a mais
tenra idade, quando ela entra no circuito da linguagem, entrada esta que
não se sabe precisar, ao certo, em que momento se dá o seu início.
Contudo, autores como François (op. cit), defendem que a partir do
balbucio a criança já entra no jogo das trocas comunicativas, chamadas
por ele de retomada-modificação, portanto, no circuito da linguagem.
Ao falar da retomada-modificação no tecido dialógico, François
postula que a criança não vai da língua para a fala, ela faz um
movimento que vai do discurso do outro ao discurso do eu. Entretanto, o
autor esclarece que não quer dizer com isso que o discurso da criança
seja mera imitação ou repetição do dizer do outro. Nesse aspecto,
François é enfático quando diz que: “não podemos repetir sem
modificar” (FRANÇOIS, 1996 p.37). Esta afirmativa nos leva a retomar
Bakhtin/Volochinov (1929/2004) quando aponta para o fato de que
nossa palavra não retoma da mesma forma, ela voltará sempre
modificada, quando expressamos nossa compreensão a respeito de
qualquer tema para outra pessoa.
Desta forma, o enunciado, mesmo dito com as mesmas palavras do
outro, carrega em si um sentido diferente. Portanto, ao exercitar a fala, e
aqui tomamos fala como qualquer forma de expressão do pensamento,
seja verbal, para-verbal ou não-verbal, a criança reformula suas idéias
no seu interior.
Assim, encontramos em François (1996), a possibilidade de
retomada-modificação do discurso do outro sem instrumentos sintáticos
explícitos, visto que o discurso não tem seu sentido nele próprio, já que
é entendido como constituído de uma natureza plural, logo, cada
retomada-modificação nos enunciados revela a diversidade da
linguagem constituída na interação com o outro.
Através das interações ocorridas nas interlocuções diárias, nas
quais a criança está mergulhada, surgem as tentativas de expressão da
linguagem mediadas muitas vezes pelo adulto que exerce um papel
crucial. É sobre esse processo denominado por François (1996) de
atividade tutelar que discorreremos no item a seguir.
2.3 A ATIVIDADE TUTELAR
François (1996), tendo como base os trabalhos de Vygotsky (1985)10 e de
Bruner (1983)11, amplia a visão de tutela uma vez que não limita apenas à relação
10 VYGOSTSKY. L.S, Penssé et language., Messidor, Éditions sociales, 1985. 11 BRUNER, J.S. “Lê rôle de l’interaction de tutelle dans la résolution de problème”, in Le développement de l’enfant, savoir faire, savoir dire, Paris, P.U.F., 1983.
adulto-criança, mas concebe a tutela, também, na relação entre criança-criança.
Apresentar uma definição fechada do que venha a ser a atividade tutelar não é
tarefa simples, dada a sua abrangência, entretanto, a noção de tutela é apresentada
por François (op cit) de duas formas: a tutela específica ou local e a tutela global ou
atmosférica. Na primeira, o adulto ensina ao outro a se sair bem em alguma tarefa
fracassada, a qual não conseguiria fazer sozinha; a segunda permite que o outro,
em qualquer circunstância presente ou ausente, seja aquele de que falamos. Para
esse autor o simples fato de demonstrar interesse pelo dizer do outro caracteriza
uma atividade tutelar.
Esse autor apresenta-nos quatro tipos distintos de tutela que podem ser
encontrados na tutela local, são eles: tutela complementar, quando o adulto
questiona, ordena ou proíbe a criança como incentivo para que amplie a capacidade
lingüística inserindo-se ou participando do diálogo; tutela paralela estrita, na qual o
adulto fala no lugar da criança; tutela paralela por esboço, quando o adulto inicia a
resposta que deveria ter sido dada pela criança; e tutela metalingüística, na qual o
adulto reformula um enunciado, aprova, corrige, como forma de incentivar a criança
a continuar no discurso fazendo retomadas-modificações a partir da tutela exercida
pelo adulto.
Em nosso corpus, encontramos um exemplo de tutela complementar exercido
pelo ouvinte adulto conforme o recorte a seguir:
46 - Mariana {toca no ouvinte, faz um gesto sobre a mesa, ((como se
estivesse explicando o caminho para ir a algum lugar)) e
aponta para si}
47 - Ouvinte tá fazendo o quê? O caminho pra onde, pra:: casa?
48- Marcos ((faz o mesmo gesto feito por Mariana na mesa)) 49 - Ouvinte pra onde? ((faz o sinal usado para a palavra onde)) 50 - Marcos {faz o sinal de ônibus} 51 - Ouvinte ah! Pra pegar o ônibus, é? Legal! Vai pra casa de ônibus
também, Ana? 52 - Ana {faz o mesmo gesto dos colegas com a mão sobre a mesa}
((desenhando o percurso até a parada de ônibus))
53 - Ouvinte ah! Sai por aí, é? Sai, dobra à esquerda e fica esperando o
ônibus ((faz sinal de ônibus)) lá na rua, lá fora?
Conforme François (1996), vemos nos enunciados do ouvinte a presença de
uma tutela insistente, evidenciada pelos questionamentos constantes nos quais as
crianças encontram-se mergulhadas. Através da atividade tutelar, caracterizada pelo
autor como tutela complementar, as crianças constroem passo a passo o enunciado
desejado, ou seja, explicitar o percurso da escola até a parada de ônibus.
Segundo François (1996), Vygotsky nos mostra a noção de tutela sob uma
dupla polêmica: vai de encontro à concepção de estádios postulada por Piaget e a
idéia de mera transmissão de saberes. Desta forma, Vygotsky, citado por François
(op. cit), apresenta-nos a idéia de que o adulto ajuda a criança a fazer aquilo que ela
não conseguiria fazer sozinha.
François (1996) faz-nos lembrar que Vygotsky ao apresentar a sua teoria
acerca de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP, parte do princípio de que o
desenvolvimento do sujeito não se dá de forma puramente interna, conforme
defendera Piaget.
Em Vygotsky (1998), temos o conceito de ZDP defendido sob dois aspectos:
nível de desenvolvimento real, apontado pelo autor como sendo a capacidade de a
criança realizar tarefas sem a ajuda de alguém, e nível de desenvolvimento
potencial, diz respeito à capacidade de a criança realizar tarefas com a ajuda, seja
de um adulto, ou seja, de um companheiro mais capaz que ela naquela tarefa. Essa
ajuda refere-se às dicas, instruções, modelos ou mesmo assistência mediadora
durante o processo de aprendizagem, enfim, a tutela.
A partir desses dois níveis, Vygotsky (op. cit.) define a ZDP como:
“A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução independente de problemas, sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (VYGOTSKY 1998, p.97).
O autor chama a atenção para o papel da escola, ou melhor, o
fazer pedagógico, o qual encontra nesse hiato entre o que a criança
domina e o que ela ainda não pode fazer sozinha, o espaço ideal para a
consolidação da intervenção pedagógica. Logo, o professor exerce a
tutela ao interferir na zona de desenvolvimento proximal de cada aluno,
e assim, desencadeia progressos que provavelmente não aconteceriam
espontaneamente. É importante esclarecer que no espaço escolar a
tutela não é exercida apenas pelo professor, mas também, pelas outras
crianças que estão envolvidas no processo.
François (1996) alerta para a ocorrência da contra-tutela em vez da
tutela, segundo esse autor, de acordo com os níveis apontados por
Vygostky (1998) a contra-tutela acontece quando o adulto se mantém no
primeiro nível ou no segundo, ou seja, ou repete aquilo que a criança já
domina ou ensina aquilo que ela ainda não consegue entender,
deixando, com isso, escapar o nível pedagógico no qual se encontra o
espaço da tutela. Para François (op cit), a contra-tutela também pode
ser observada quando há correção frente à iniciativa de fala fracassada
pela criança. Nesse caso contribui para a insegurança da criança à
medida que censura, inibe ou constrange e, assim, a atividade tutelar
desencadeia um efeito rebote defendido pelo autor como contra-tutela.
Conforme vimos, a mediação do meio cultural e das relações
interpessoais defendidas por Vygotsky (1998) não são percebidas em
Piaget, já que este defende a idéia de maturação que ocorre em um
movimento espontâneo de dentro para fora. Por isto, Vygotsky (op cit)
se coloca contrário a essa teoria defendida por Piaget, cuja origem do
conhecimento se encontra dentro do sujeito.
Para François (1996), foi Bruner quem primeiro representou
concretamente essa relação de tutela em 1976, ao observar que a
espécie humana é a única em que há, de fato, uma relação de tutela
manifestada através da interação. Ele tomou por base uma experiência
realizada com crianças de 3 e 5 anos que tinham como tarefa construir
uma pirâmide de 6 andares com pedaços de madeira. O resultado
apresentou variação quanto ao sucesso, segundo as idades das
crianças e os tipos de tutelas. A partir desse trabalho, Bruner apresenta
a análise sobre o papel do tutor em seis pontos:
1. engajamento, criação de interesse pela tarefa. Poderíamos representar o desenvolvimento da criança como passagem de atividades sugeridas pelo outro a atividades empreendidas por ele mesmo; 2. “redução dos graus de liberdade”; cada tarefa pode ser analisada m subtarefas; 3. manutenção da orientação. Bruner dá aqui o exemplo de um sucesso parcial: no caso apresentado, encaixar blocos, dois a dois, pode constituir um sucesso que faz esquecer a tarefa global; 4. sinalização das características determinantes: o adulto pode atrair a atenção da criança sobre tal ou tal aspecto da situação; 5. controle da frustração, em particular, em caso de fracasso: encorajar, facilitar, mesmo para um sucesso parcial; 6. enfim, demonstração, começo de ação ou modelo, quando os auxílios mais indiretos não bastam” (BRUNER,1976 apud FRANÇOIS, 1996 p.137).
Com base nesse modelo é possível verificarmos que o papel do
tutor não consiste em um sentido único, portanto, temos em Bruner
(1976) um conceito mais explícito de tutela. Entretanto, François (1996)
alerta para aspectos a serem observados nas situações de discursos,
pois a tutela em Bruner (op cit) diz respeito às condições específicas da
experiência feita, ele fala de uma situação cuja interação se faz do
adulto, aquele que sabe, para a criança que não sabe. François critica
essa postura, pois coloca a criança em uma posição de passividade e o
outro funcionando como mero transmissor e não como facilitador. Na
linguagem, “a criança é, muitas vezes, capaz de usos dos quais o
adulto, ao contrário, é incapaz” (FRANÇOIS 1996, p.138). Com essa
concepção, o autor mostra uma tutela diferente da noção vista até então
com Vygostky (1985) e Bruner (1976). Assim, em se tratando de
interação de linguagem, faz-se necessário considerar o inesperado, o
imprevisível já que o espaço discursivo é um território aberto ao
contrário da situação observada por Bruner (op cit).
François (1996) exemplifica uma situação de tutela em que as
mães de crianças de 4 e 5 anos têm o papel de fazer com que seus
filhos falem, com base em um desenho de crianças na cantina. Nessa
experiência, o autor aponta para uma tutela insistente, na qual a criança
é mergulhada em questões diversas. Outra coisa a ser observada é que
o fazer falar sob forma de interrogatório pode fazer calar, uma vez que a
criança poderá se sentir intimidada.
Perpassa, pois, pela linguagem, uma diversidade de formas de
funcionamento, dos quais o usuário se apropria passo a passo mediante
a atividade tutelar exercida pelo outro no enquadre dialógico. Assim, é
com base nessas propostas que nosso trabalho mostra a importância
dos encadeamentos que tecem a teia discursiva dos diálogos infantis,
cujo sentido, parafraseando aqui François, é construído no
entrecruzamento de diversos fios, não estando, portanto, em frases ou
palavras ditas isoladas.
Conforme vimos nos recorte em cada tipo de encadeamento
discursivo, é interessante destacar que mesmo na ausência de
conectivos, os encadeamentos visualizados nos enunciados das
crianças observadas são perfeitamente compreendidos e constituídos
de sentido, se considerarmos que os surdos lançam mão de uma
estrutura lingüística diferente, reforçando, assim, a idéia de que há
coesão na fala das crianças surdas, bem como na escrita.
Nesse sentido, abordaremos no capítulo seguinte questões
relacionadas à surdez e linguagem a partir de uma reflexão teórica a
esse respeito, além de apontarmos para a importância da
sistematização da língua de sinais, como possibilidade de um melhor
desempenho lingüístico com vistas à redução do déficit encontrado,
ainda, atualmente nas escolas.
3. SURDEZ E LINGUAGEM
____________________________________
Este capítulo tem como objetivo fazer uma reflexão teórica acerca das questões
da surdez e da linguagem. Para isto, faremos um breve comentário sobre a audição
e a surdez e suas implicações na aquisição da linguagem oral da criança surda,
abordando questões relacionadas à construção do sentido. Em seguida,
apresentaremos, em linhas gerais, as contribuições de Vygotsky (1984; 1998) acerca
da linguagem e educação do surdo, discorreremos, ainda, sobre a importância da
linguagem não-verbal para a produção do sentido nas trocas dialógicas, elegendo o
gesto e a interação como eixos norteadores dessa discussão, finalmente,
concluiremos com os trabalhos de Fernandes (2003) e Quadros (1997; 2004) a
respeito da aquisição da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
3.1 AUDIÇÃO, SURDEZ E LINGUAGEM ORAL
3.1.1 Noções gerais acerca da audição e da surdez
Neste trabalho, o termo surdez está sendo usado com a finalidade
única de se referir à perda da acuidade auditiva. Entendemos que se
faz necessário este esclarecimento Neste trabalho, o termo surdez está
sendo usado com a finalidade única de se referir à perda em virtude
deste termo também se referir à identidade da pessoa surda no que
concerne ao seu envolvimento no movimento cultural realizado pelas
comunidades surdas. Entretanto, os Surdos costumam grafar a palavra
Surdo com S maiúsculo para marcar o espaço que ocupam enquanto
comunidade culturalmente específica, destacando-se, assim, da palavra
surdo com s minúsculo que diz respeito ao indivíduo cuja audição não é
funcional na vida comum.
Através da audição somos capazes de nos situarmos no mundo, daí
a grande importância da integridade desse sentido no desenvolvimento
do ser humano. Segundo Northern & Downs (1991), o bebê pode
escutar a voz da mãe e os sons do seu corpo por volta da 20ª. semana
de vida intra-uterina, isto explica o fato de o bebê ouvinte ficar calmo
quando é colocado próximo à mãe e esta, por sua vez, o acalmar
falando o tempo todo, a exemplo do que fizera no período gestacional.
Contudo, no período embrionário tem-se apenas o início do
desenvolvimento do sistema auditivo, pois esse processo de maturação
das vias auditivas continua até a idade adulta. Embora, conforme
Pereira (1993), os componentes condutivo e sensorial já estejam
prontos ao nascimento.
Observa-se, então, que a audição é o principal meio pelo qual a
linguagem oral é adquirida, logo, a integridade do sistema auditivo é
condição primordial para que a criança desenvolva a linguagem oral.
Desta forma, a surdez traz danos relevantes para o processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem oral da criança.
Uma perda auditiva consiste efetivamente em uma diminuição da
capacidade de detecção dos sons, e pode ser classificada segundo o
tipo, o grau e a etiologia. O tipo de perda auditiva está diretamente
relacionado à localização topográfica na orelha, assim, para
entendermos melhor, é importante lembrarmos que a anatomia da
orelha obedece a uma divisão em três partes, a saber: orelha externa,
orelha média e orelha interna.
Quanto ao tipo, segundo Santos e Russo (1993), podemos
denominar as perdas auditivas de: condutivas, neuro-sensoriais e
mistas. As perdas condutivas referem-se àquelas causadas por
alterações que afetam a orelha externa/ e ou média, região responsável
pela condução do som, desta forma, a energia sonora a ser transmitida
para a orelha interna fica reduzida. Em alguns casos, a perda é
reversível mediante intervenção cirúrgica ou tratamento medicamentoso.
Nas perdas neuro-sensoriais, a lesão encontra-se localizada na cóclea,
componente sensorial, e/ ou no nervo auditivo (VIII par craniano),
comprometendo a orelha interna e/ou o nervo auditivo, assim, o
aparelho de condução sonora encontra-se preservado, este tipo
de perda geralmente é irreversível. Nas perdas mistas, evidencia-se um
comprometimento em ambos os componentes: condutivo e sensório-
neural, no entanto pode haver uma melhora parcial da capacidade
auditiva.
As perdas auditivas são avaliadas através da sua intensidade em
ambos os ouvidos, alternadamente, em função de diversas freqüências
que vão de 250 até 8000 Hertz (Hz), enquanto que os limiares de
amplitude vão de 0 a 110 decibéis (dB). A intensidade sonora é medida
em dB sendo esta medida determinante para se saber o grau de perda
de cada ouvido. Santos e Russo (op. cit.), citam um método usado para
classificar a perda auditiva que se baseia na obtenção da média de
perda auditiva nas freqüências de 500, 1000 e 2000Hz e seu
enquadramento na tabela geral.
Quanto ao grau, Davis e Silverman (1970, apud SANTOS E
RUSSO, 1986) classificam as perdas auditivas em: normal (0 a 25dB),
leve (26 a 40dB), moderada (41 a 70dB), severa (71 a 90dB) e profunda
(a partir de 91dB).
Vale lembrar que estamos nos referindo a um dos testes usados
para diagnosticar a perda auditiva chamado de audiometria tonal, trata-
se de um teste subjetivo, portanto, os resultados obtidos representam a
medida da sensitividade auditiva da pessoa testada, não representando,
contudo, as possíveis variáveis que podem interferir no comportamento
auditivo da pessoa.
As perdas auditivas também variam quanto a sua etiologia em:
congênitas e adquiridas, congênitas quando ocorridas antes do
nascimento e adquiridas quando ocorridas durante ou após o
nascimento.
Outro fator importante que interfere na aquisição da linguagem oral
da criança é o momento em que a perda auditiva ocorreu, ou seja, se foi
no período pré-lingüístico, antes da aquisição da fala, ou lingüístico,
após a aquisição da fala, visto que, quanto mais cedo tenha sido a
perda, mais prejuízo terá a linguagem oral dessa criança em termos de
experiência lingüística.
“A surdez caracteriza-se por uma privação sensorial; suas
conseqüências, no entanto, não se limitam às dificuldades auditivas,
refletindo-se em aspectos lingüísticos, emocionais, educacionais, sociais
e culturais (GOLDFELD, 1998, p.69)”. Desta forma, a criança surda no
período pré-lingüístico, como é o caso do surdo congênito, sente muita
dificuldade no que diz respeito à aquisição da linguagem oral, levando-
se em consideração que a integridade do sistema auditivo é um pré-
requisito para a aquisição e desenvolvimento da linguagem oral, a esse
respeito discutiremos no tópico seguinte.
3.1.2 A surdez e sua relação com a linguagem oral As crianças surdas não constituem um grupo heterogêneo, bem
como as crianças ouvintes. Suas principais diferenças e que
acreditamos serem mais importantes na comunicação com ouvintes são:
a idade em que ocorreu a surdez e o grau de perda auditiva.
Para Cordeiro (1992), a criança que perde a audição após ter
adquirido a linguagem oral mantém um padrão articulatório já codificado
no cérebro, mesmo perdendo o feedback auditivo. Desta forma, a idade
que a criança tinha quando se deu a perda auditiva é de suma
importância para a aquisição e desenvolvimento da linguagem oral, pois
quanto mais idade tiver a criança, maior experiência ela possui com o
som e conseqüentemente com a linguagem oral. Logo, a criança com
surdez congênita provavelmente apresentará maior dificuldade na sua
evolução lingüística quando priorizada apenas a comunicação mediante
a linguagem oral.
O grau de intensidade da perda auditiva, por sua vez, exerce
influência significativa nas habilidades lingüísticas quando não se
concebe a surdez como uma experiência visual, isto é, não se leva em
consideração outras formas de se comunicar que não seja a oral-
auditiva, a exemplo da língua portuguesa e todas as que se encaixam
nessa modalidade. Diferentemente, nas línguas de sinais, por exemplo a
Língua de Sinais Brasileira - LIBRAS - que é espaço visual, o grau da
perda auditiva não interfere na habilidade lingüística do falante. Assim,
uma criança com perda profunda, normalmente apresenta dificuldade
para estabelecer uma comunicação com o ouvinte através unicamente
da linguagem verbal.
Desta forma, as conseqüências da surdez no processo de
aquisição e desenvolvimento da linguagem oral podem variar de acordo
com o tipo de surdez que a criança apresenta, já que este está
diretamente relacionado ao grau.
Segundo um documento da Secretaria de Educação Especial –
Ministério de Educação e Cultura (BRASIL, 1997), do ponto de vista
educacional, temos dois tipos de educandos surdos, aquele que é
parcialmente surdo e o surdo. Entende-se por parcialmente surdos os
portadores de surdez leve e os de surdez moderada; por surdos, os de
surdez severa e os de surdez profunda.
No caso da surdez leve, não se percebe impedimento para
aquisição normal da linguagem oral, contudo, poderá apresentar
dificuldade no processo de leitura e/ou escrita, bem como trocas
fonêmicas em virtude de a perda impedir que os fonemas sejam
percebidos com nitidez. Na surdez moderada, o educando costuma
apresentar prejuízo na percepção da palavra e, conseqüentemente, tem
dificuldade de discriminar os sons detectados, principalmente em
ambientes ruidosos. É comum, também, o aluno apresentar problemas
lingüísticos, dependendo da idade em que a surdez ocorreu.
Com relação aos considerados surdos, ou seja, os com surdez
severa, provavelmente poderão identificar alguns ruídos familiares,
porém para que obtenham a compreensão verbal necessitarão de
aptidão para o uso da percepção visual e boa observação no contexto
das situações vivenciadas. No que diz respeito à surdez profunda, esta
poderá privar o aluno das informações que necessita para perceber e
identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir naturalmente a
linguagem oral.
Logo, as perdas auditivas que se enquadram entre moderada e
profunda são as que apresentam efeitos representativos, no que
concerne ao déficit, no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem oral, pois quanto maior for a perda auditiva, em termos de
decibéis, maiores serão os problemas lingüísticos que a criança poderá
apresentar, analisando-se apenas pelo viés da linguagem oral.
O aprendizado da linguagem oral nas crianças surdas traz uma
dificuldade pautada na privação sensorial, e com esta, o pouco uso das
habilidades comunicativas, sejam verbais ou não-verbais, acreditamos
que se faz necessário um ensino voltado para a ação da
intersubjetividade, pois essa concepção de comunicação focada na fala
oral é reduzida a um sistema de código e não a uma relação significativa
entre sujeitos, conforme discutiremos no item a seguir.
3.1.3 Refletindo sobre a interação entre surdos e ouvintes Vivendo em uma sociedade em que se constituem a minoria e,
conseqüentemente, interagindo com um número exíguo de pessoas, os surdos
adultos têm menos possibilidades de aprimorar no dia a dia as suas competências
interacionais com sujeitos ouvintes.
Marcuschi (2001, p.16) afirma que, “para produzir e sustentar uma
conversação, duas pessoas devem partilhar um mínimo de conhecimentos comuns”.
Entre eles estão a aptidão lingüística, o envolvimento cultural e o domínio de
situações sociais.
Segundo Goffman (1998ª, p. 13-14), uma situação social é definida como:
“um ambiente que proporciona possibilidades mútuas de
monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontre
acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão ‘presentes’
e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma
semelhante”.
Nesse sentido, as possíveis dificuldades surgidas no diálogo entre surdos e
ouvintes podem estar associadas a falhas no processo de interação entre eles, por
estarem diretamente ligados a uma situação social na qual não se encontram
acessíveis mutuamente os sentidos que permeiam o discurso.
Percebe-se entre os surdos adultos não oralizados e ouvintes em geral que não sabem a LIBRAS, um certo movimento
de bloqueio no processo de interação. Criando-se, assim, um modo de participação que poderá prejudicar a dinâmica social e o
desenvolvimento lingüístico, provocando-se, ainda, atitudes de isolamento e indiferença. Segundo Botelho (2002), em virtude
de temerem a opressão, os surdos, sobretudo os adultos, costumam manter uma atitude de reserva em relação ao ouvinte,
ainda que a exclusão seja um espectro das formações imaginárias.
Fernandes (2003), em uma pesquisa feita com adultos surdos,
mostrou que eles apresentam desvantagem em uma conversação com
ouvinte, mesmo se levadas em conta apenas suas dificuldades com o
vocabulário. “Muitos surdos são levados a deturpar o sentido da
mensagem e, conseqüentemente, apresentam falhas de recepção e
emissão no processo de comunicação (FERNANDES, 2003, p. 86)”. A
pesquisa levanta a hipótese desses surdos não terem tido oportunidade
de realizar, no cotidiano escolar, exercícios que envolvessem a
produção discursiva.
Observa-se que, para um grande número de surdos adultos, as experiências obtidas nas trocas comunicativas com
ouvintes na fase de aquisição da linguagem não tenham sido tão positivas. Visto que, “repetidas experiências opressoras dos
surdos em contextos educacionais e em outros espaços explicam os climas de temor e desconfiança na sua relação com
ouvintes (BOTELHO, 2002, p.21)”.
De acordo com Gumperz (1998, p.100) “a falta de reação a uma pista pode resultar em divergência de interpretação e
mal-entendidos, havendo, então, falhas de comunicação.” Acrescenta, ainda que, é comum dizermos que o falante é antipático,
impertinente, grosseiro, não-cooperativo ou que não entende. Nessa perspectiva, segundo Góes (1996), a surdez limita o
acesso natural à língua oral e, por isso, podem aparecer limitações em esferas de uso dessa língua quando o diálogo se
constitui exclusivamente através da comunicação oral, deixando-se outros recursos, como os não verbais, a uma condição de
sub-uso.
Para Faria (2002, p.53), “as trocas de turnos são negociadas pelos
próprios membros do grupo conversacional”. Sendo que os aspectos
não verbais tais como: o gesto, o olhar e o balançar da cabeça
colaboram diretamente para as trocas comunicativas no que concerne
ao prolongamento ou término do turno. Estes recursos não-verbais por
serem vísuo-espaciais são naturais ao surdo, pois “os surdos se
orientam a partir da visão, ainda que com seus restos auditivos; maiores
ou menores, façam algum uso das pistas acústicas (BOTELHO, 2002,
p.14)”.
Os surdos costumam lançar mão de estratégias na interação com o mundo
social, entretanto, tais estratégias nem sempre são observadas e entendidas pelo
ouvinte de forma a desenvolver um trabalho eficiente com as crianças surdas,
conseguindo que estas, mediante o uso dos recursos não-verbais, conquistem uma
posição própria e façam uso de suas habilidades, assumindo-se, assim, como sujeito
usuário da língua em funcionamento.
Diante do exposto, objetivando uma melhor compreensão acerca do
modo pelo qual a linguagem é construída e produzida pelo surdo, bem
como a luta dos surdos em busca de uma sistematização do ensino da
língua de sinais, uma vez que esta se apresenta para eles como língua
materna, portanto, possível de ser adquirida de forma natural e sem
defasagem, faremos a seguir uma breve revisão bibliográfica sobre a
linguagem e educação do surdo em nível de mundo. 3.2 LINGUAGEM E EDUCAÇÃO DO SURDO 3.2.1 A construção do sentido e da linguagem pelo surdo
Nas décadas de 60 e 70 do século XX, conforme aponta Góes (1996),
ocorreram confrontos teóricos, no campo da Psicologia, quanto à posição que a
linguagem assume em relação ao pensamento. Se por um lado argumentava-se que
o atraso de desenvolvimento do surdo, assim como seu acesso lento e incompleto
ao pensamento abstrato ou seus déficits cognitivos eram devidos à sua limitada
capacidade lingüística, por outro lado, acreditava-se que seu atraso no
desenvolvimento da linguagem poderia ser decorrente da pobreza de experiências
de trocas comunicativas em função da limitação da linguagem, mas não porque esta
fosse essencial enquanto meio organizador do pensamento.
Assim, segundo Morato e Coudry (1989), o rótulo de mal comunicador e de
deficiente, quanto aos esquemas interacionais inerentes às relações dialógicas,
acompanha e reproduz a concepção dos estudos nessa época.
Observamos, com essa discussão, que havia uma tendência a não
enxergar que os problemas cognitivos e a falta ou imaturidade do
pensamento abstrato no surdo não era uma característica peculiar à
surdez, mas se tratava da falta de acesso a um material lingüístico que
possibilitasse dominar de forma satisfatória a linguagem e,
conseqüentemente desenvolver a estrutura simbólica na mente. Desta
forma, o surdo era visto como deficiente.
“Junto ao estigma da própria deficiência o surdo carrega o de mau comunicador (na medida em que não se insere nas receitas de diálogo elaboradas por aqueles que o ensinam a falar), o de deficiente social (desde que é um sujeito que habitualmente depende da sociedade), intelectual (na medida em que não capta o que se tenta “passar”). (MORATO E COUDRY ,1989, p.50/51)
Para Vygotsky (1996), a linguagem possibilita o desenvolvimento das funções
mentais inferiores em superiores, logo, o atraso de linguagem pode resultar em
diversas conseqüências no desenvolvimento cognitivo da criança surda, caso esta
não tenha acesso, desde muito cedo, a uma língua que possibilite o
desenvolvimento das funções cognitivas de forma natural e em tempo hábil. Assim, o
autor aponta para o fato de que o problema não reside na surdez, mas nas
condições de acesso a uma língua proporcionada pela sociedade a partir da
descoberta da surdez na criança. Tais problemas são produzidos unicamente pelas
condições sociais oferecidas. Logo, o surdo necessita organizar sua própria
interação verbal a partir de processos comunicativos alternativos.
Segundo Vygotsky (1998 p.105) “o significado das palavras é um
fenômeno de pensamento apenas na medida em que o pensamento
ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida
que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminado por ele”. Logo, o
significado das palavras de uma língua nos remete ao pensamento e
neste visualizamos a linguagem. Quando falamos de pensamento e
linguagem observamos que estes estão intrinsecamente ligados.
Contudo, é bom lembrar que o termo linguagem possibilita-nos um
sentido muito mais amplo do que o termo língua, visto que a língua se
insere na linguagem, ela é apenas um dos ramos dessa enorme teia. O
conceito de linguagem, portanto, envolve questões de ordem verbal,
para-verbal e não-verbal.
Já na Antigüidade, segundo Van der Veer e Valsiner (1996), Platão, ao
observar pessoas surdas, fez um comentário no Diálogo de Crátilo dizendo que o
significado podia ser transmitido pelas mãos, pela cabeça e por outras partes do
corpo. Assim, ao surdo é dada a possibilidade de interligar pensamento e linguagem
através da língua de sinais.
Chamamos a atenção para a forma como o surdo lida com o sentido no texto,
seja oral ou escrito. A esse respeito, segundo Botelho (2002), a perspectiva de
construção do sentido do texto está associada à idéia do domínio de palavras. Os
surdos se habituam a parar nas palavras desconhecidas, como se o sentido fosse
lexicalizado. Entretanto, um montante lexical disponível não resolve os problemas de
interpretação e produção textual, pois apesar de conhecer as palavras, não sabem,
muitas vezes, considerar o contexto. Configurando, assim, grande dificuldade em
lidar com a polissemia lingüística e com a atividade dialógica.
Observamos aqui o surgimento de uma nova concepção de linguagem, pois a
língua era vista antes como código, cabendo ao “usuário” decodificá-la, chamamos a
atenção para o termo em destaque, por reforçar ainda mais a idéia de algo pronto
para ser usado, sem considerar o contexto, a interação e o próprio movimento
discursivo que é inerente à linguagem.
Segundo Travaglia (1996), a linguagem pode ser vista sob três concepções:
como expressão do pensamento; como instrumento de comunicação e como forma
ou processo de interação.
A primeira concepção desconsidera o contexto social, ou seja, onde, com que e
para que se fala. Nessa concepção a linguagem é a expressão do pensamento que
é construída no interior da mente, individual, portanto, não sofre a interferência do
outro.
A segunda concebe a linguagem como um código, capaz de
transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor. Sob esse
aspecto, os interlocutores e a situação social também são deixados de
lado, à medida que afastou o indivíduo falante do processo de produção,
daquilo que é social e histórico na língua, o contexto social é, pois,
separado do locutor, cabendo ao interlocutor a missão simplória da
decodificação.
A terceira, finalmente, concebe a linguagem como lugar de interação
comunicativa, logo, considera a situação de comunicação e o contexto sócio-
histórico e ideológico. Nessa perspectiva, os interlocutores ocupam o papel de
agente, uma vez que a linguagem está em funcionamento, não mais é concebida
como exteriorização de um pensamento ou transmissão de uma mensagem.
A linguagem é, portanto, lugar de ação, movimento, por isso que é dinâmica e,
assim, concebida como funcional. Desta forma, o outro, antes colocado em posição
de passividade, passa agora a ocupar um lugar privilegiado no processo da
construção da linguagem, participando também dessa teia, mesmo que em silêncio,
pois basta o olhar para que se estabeleça a interação e concomitantemente a
linguagem surja, uma vez que o olhar é, por vezes, mais carregado de significado
que mil palavras verbalizadas. É, pois, através dos sorrisos, olhares, mímicas,
imitações, gestos e ajustes tônico-posturais, que a criança surda vai tecendo e
representando sua realidade à medida que entra no circuito da linguagem.
Para Morato e Coudry (op.cit. p.52) “A linguagem não é apenas transmissão de
pensamento, não é apenas código lingüístico, não é apenas comunicação
interpessoal, e´, sobretudo, um processo de produção da significação.
São, portanto, as experiências lingüísticas nas trocas comunicativas
com o outro que permitem a apropriação do sentido da linguagem vista
pelo viés da opacidade, considerando, assim, o contexto social em que
a linguagem emerge.
Logo, acreditamos que a linguagem tem que ser viva,
contextualizada, não se deve trabalhar apenas o léxico. Trabalhar
linguagem como código, da forma como a escola costuma fazer, dificulta
e limita a compreensão não só do surdo, mas de todas as crianças
envolvidas no processo. Entretanto, o acesso pleno e satisfatório ao
sentido e ao manejo da linguagem leva-nos a crer que só é possível
através da língua de sinais, por esta se apresentar de forma espontânea
para o surdo. Nesse sentido, teceremos um breve comentário sobre a
trajetória histórica da educação de surdos no mundo.
3.2.2 Visão panorâmica da história da educação de surdos no mundo
Não é pretensão nossa, neste trabalho, discorrer acerca das filosofias de
educação para surdos surgidas ao longo da história, entretanto, é importante
mencionarmos as principais filosofias para contextualizarmos o momento histórico
que Vygotsky vivenciava em relação aos seus estudos realizados com surdos, bem
como, situarmos o leitor a respeito do processo educacional para surdo durante
essa trajetória.
Encontramos na história da humanidade grande dívida para com o
surdo, a princípio eles foram abandonados ficando à margem da
sociedade. Acreditava-se que eram pessoas primitivas e, como tal, não
poderiam ser educados, tão pouco exercer seus direitos como cidadãos,
já que não eram reconhecidos como tal.
Segundo Goldfeld (1997), somente a partir do século XVI há registro dos
primeiros educadores de surdos no mundo. Contudo, os educadores não seguiram
uma única metodologia, eles criaram métodos que envolviam o ensino centrado na
língua auditiva, espaço-visual e códigos visuais. É interessante registrar que essa
divergência de metodologias na educação do surdo persiste ainda nos dias de hoje
em diversos países do mundo.
Na Espanha, nesse mesmo século, o monge beneditino Pedro Ponce de Leon
desenvolveu uma metodologia de educação para surdos que incluía a datilologia, ou
seja, a representação manual das letras do alfabeto.
Conforme Goldfeld (op cit), Em 1750, na França, o Abade Charles
Michel L’Epée aprendeu a língua de sinais com os surdos, que
encontrara nas ruas de Paris, e criou os ‘Sinais Metódicos”, esses sinais
eram uma combinação da língua de sinais com a gramática francesa.
Foi nessa mesma época que surgiu na Alemanha, através de Samuel
Heinick, o que posteriormente foi chamado de Filosofia Oralista. Esta
filosofia tem como objetivo primordial à integração da criança surda na
comunidade de ouvintes e não aceita que a criança use a língua de
sinais ou qualquer modalidade gestual.
Houve um confronto entre as idéias de L’Epée e as de Heinick,
vencendo as idéias defendidas por L’Epée, com isto, a educação de
surdos sofreu um impacto positivo e o século XVIII é considerado o
período mais fértil da educação do surdo, em virtude dos grandes
avanços obtidos pelos surdos na área educacional com o uso da língua
de sinais.
Em 1880, por ocasião do famoso Congresso de Milão – Congresso
Internacional de Educadores de Surdos, colocou-se em votação os
métodos a serem utilizados na educação dos surdos, o Oralismo venceu
e, assim, o uso da língua de sinais foi oficialmente proibido. Naquela
ocasião, o Oralismo contava com seu defensor mais ilustre, Alexander
Graham Bell, cuja esposa era surda. O curioso é que, apesar de ser um
congresso de educadores de surdos, foi negado aos professores surdos
o direito de votar.
Essa vitória causou um retrocesso, no que concerne às conquistas
e avanços educacionais até então obtidos, pois o ensino das disciplinas
escolares foi deixado de lado em detrimento do empenho dos
professores em oralizar as crianças surdas, vindo, esta filosofia, a
dominar o mundo todo até a década de 70 do século XX.
De acordo com Goldfeld (1997), em 1968, Roy Holcom adotou a
Abordagem Total desenvolvida pela professora Dorothy Schiffet, mãe de
um surdo. Ela desenvolveu um método que combinava a língua de
sinais e a língua oral, leitura labial, treino auditivo e alfabeto manual.
Holcom denominou esse método de Comunicação Total, cujo objetivo é
tão somente a comunicação da criança, sua preocupação é estabelecer
a comunicação através de quaisquer recursos lingüísticos possíveis
entre surdos e surdos e surdos e ouvintes. Assim, essa filosofia permite
a utilização de língua de sinais, língua oral, códigos manuais ou gestos.
A Universidade Gallaudet, primeira universidade nacional para surdos, fundada
em 1864, nos Estados Unidos da América, que até então utilizava o inglês
sinalizado, não só adotou a Comunicação Total como passou a ser o maior centro
de pesquisa dessa filosofia.
A partir da década de 70 do século XX, em alguns países como a Suécia e
Inglaterra, percebeu-se que a língua de sinais deveria ser utilizada independente da
língua oral, diferente do que defendia a Comunicação Total. Goldfeld (op cit) afirma
que essa filosofia ganhou adeptos de todos os países do mundo a partir da década
de oitenta, intensificando na década de noventa.
Essa visão panorâmica acerca da educação do surdo no mundo, ajuda-nos a
visualizar melhor as mudanças de posição tomadas por Vygotsky no percurso
educacional da criança surda, assim como, suas colocações enfáticas sobre a
aquisição da linguagem do surdo, conforme abordaremos a seguir.
3.2.3 Linguagem e educação do surdo na perspectiva de Vygotsky
Com base no estruturalismo europeu, temos em Jean Piaget um dos principais
representantes de uma das tradicionais teorias que fundamentam as pesquisas
acerca da aquisição da linguagem. Encontramos outra teoria de peso em Noam
Chomsky, principal representante do inatismo, contudo, é na teoria sócio-
interacionista, defendida por Vygotsky, que observamos uma discussão considerada
extremamente relevante sobre a aquisição da linguagem do surdo.
Vygotsky apresenta grande interesse em estudos baseados na
defectologia, cujo termo:
“era tradicionalmente usado para a ciência que estudava crianças com vários tipos de problemas (“defeitos”) mentais e físicos . Entre as crianças estudadas estavam os surdos-mudos12, cegos, não-educáveis e deficientes mentais” (VAN DER VEER E VALSINER, 1996 p.73).
Dentre seus estudos, destacamos aqueles voltados para a criança surda no que compete à linguagem e educação. Observamos nesses estudos que Vygotsky não mantém um posicionamento radical quanto à linguagem e educação da criança surda, seu discurso se modifica com o passar do tempo à medida que novas pesquisas vão surgindo e novos direcionamentos são dados quanto à melhor forma de educação para o surdo.
A princípio, o autor defende a oralização por achar que somente através dessa metodologia a criança surda pode desenvolver o pensamento, em seguida critica a forma como os métodos oralistas estão sendo utilizados e propõe uma nova abordagem, por fim, defende a utilização da mímica, sem desprezar totalmente a linguagem oral, pois considera “os sinais” um sistema lingüístico, portanto uma língua. Discutiremos a seguir um pouco do que foi sua contribuição na história do surdo.
12 Embora saibamos que atualmente não se usa mais a expressão surdos-mudos mantivemos o termo por se tratar de reprodução. Preferíamos, contudo, substituí-lo apenas pela expressão surdos, tendo em vista que o surdo pode vir a falar, seja por meio da oralização ou da língua de sinais.
Segundo Van der Veer e Valsiner (1996), Vygotsky demonstrava grande preocupação nas relações sociais das crianças com limitações de modo geral, desta forma, ao apontar para o fato de que as escolas especiais faziam pouco em prol da educação social, defendia novas concepções de ensino nas escolas especiais voltadas para a educação social. Acreditava, com isso, ser a saída para uma vida melhor para essas crianças. Defendia, pois, a começar pelas crianças cegas e surdas, o rompimento da bolha colocada pelas escolas especiais que mantinham essas crianças afastadas do convívio com seus pares na escola regular.
Para Van der Veer e Valsiner (op. cit.), Vygotsky acreditava que
com esta nova vivência, ou seja, participando ativamente da vida
social, as crianças poderiam superar suas dificuldades específicas, no
caso, a cegueira e a surdez.
A idéia de que a surdez traz conseqüências graves, já que inviabiliza o contato
social bem como a vivência de experiências sociais, também é apontada por
Vygotsky quando diz que:
“a fala é não somente um instrumento de comunicação, mas também um instrumento de pensamento; a consciência desenvolve-se principalmente com a ajuda da fala e origina-se na experiência social” (VYGOTSKY, 1924i, p.78 apud VAN DER VEER E VALSINER, 1996 p.77).
Desta forma, ao defender o ensino da língua oral para o surdo por
acreditar que somente através da fala a criança era capaz de abstrair
conceitos, Vygotsky (1996) concebia a língua gestual como uma língua
limitada, ele acreditava que através da mímica o surdo não conseguiria
construir conceitos tão pouco a linguagem abstrata.
Temos, portanto, desde o grande filósofo Aristóteles, e agora com
Vygotsky, essa visão equivocada de que a expressão da fala é condição
para o pensamento e a formação da consciência humana.
Em um outro momento, enquanto a Filosofia Oralista predominava no mundo
todo nas décadas de 20 e 30 do século XX, Vygostky, apesar de defender a
oralização, posicionou-se contra a forma como estava sendo vivenciada essa
filosofia, criticando o ensino da língua oral para crianças surdas, por valorizar a
articulação das palavras e não as frases inseridas em seus contextos. A esse
respeito o autor diz:
“Se esperássemos a criança aprender a pronunciar corretamente cada som e só depois lhe ensinássemos a juntar os sons em sílabas, as sílabas em palavras, se fôssemos dos elementos da linguagem à sua síntese, nunca chegaríamos à linguagem viva e verdadeira da criança. Na realidade acontece exatamente o caminho inverso, que é natural, das formas íntegras da atividade articulatória ao domínio dos elementos de linguagem e de suas combinações. Tanto no desenvolvimento filogenético quanto no ontogenético, a frase antecede a palavra; a palavra, a sílaba; a sílaba, o som. Uma frase isolada é quase uma abstração, a linguagem surge inteira, maior que a oração. Por isso dá-se à criança a linguagem com sentido, indispensável para a vida, isto é, a linguagem lógica e não a articulação” (VYGOTSKY, 1989C p.92 apud GOLDFELD, 1997 p.81).
É importante frisar que essa fala, priorizada pelos defensores radicais da Filosofia Oralista, era conquistada
mediante treino exaustivo de pronúncia, ou melhor, articulação de sons, muitas vezes incoerentes com a própria expressão facial de quem os emitiam, pois não entendiam, por vezes, o sentido das palavras tão penosamente emitidas.
Nesse contexto, para Vygotsky (1998), o ensino direto de conceitos
é infrutífero, ele alerta para o insucesso do professor que tenta essa
prática e que apenas consegue a mera repetição de vocábulos pela
criança, igualmente a um papagaio que não reflete no que fala. A esse
respeito, o autor (1984) diz que a fala, da forma como está sendo
ensinada, fora de contexto, torna-se artificial, sem, nenhum sentido para
a criança. Assim, o surdo não consegue internalizar a linguagem de
forma espontânea, pois isso só acontece quando se é possível atribuir
significado.
Posteriormente, reconhecendo o valor lingüístico dos sinais e a
persistência dos surdos em manter a comunicação através deles,
Vygotsky (op cit) reformula seu pensamento e se opõe à Filosofia
Oralista defendendo a “língua de sinais”, na época chamada de mímica,
a qual era tida como ideal para a educação da criança surda, a esse
respeito ele diz que:
“As investigações psicológicas, experimentais e clínicas demonstram que a poliglossia, isto é, o domínio de diferentes formas de linguagem, no estado atual da educação dos surdos, é uma via inevitável e a mais frutífera para o desenvolvimento da linguagem e para a educação da criança surda” (VYGOTSKY, 1989c 191 apud GOLDFELD, 1997 p. 83).
Desta forma, Vygotsky (op cit) propõe a utilização de múltiplos recursos para a
aquisição da fala e aponta para a importância da mímica concomitantemente à
língua oral, uma vez que sugere a poliglossia como alternativa educacional para o
surdo. Admitindo, assim, que a linguagem não se encontra diretamente relacionada
à produção sonora.
É impressionante a visão futurista de Vygotsky quando levanta a
possibilidade de no futuro os surdos e cegos serem apenas surdos e
cegos, sem mais trazerem consigo o estigma da deficiência colocado
pela sociedade, assim, através da integração e do convívio social, não
mais haveria o conceito de deficiência.
Apresentaremos o caso da ilha de Martha’s Vineyard, em Massachusetts,
descrito pelo neurologista inglês, Oliver Sacks (1990), cuja população tinha um
grande contingente de surdos devido a uma mutação genética, chegando a um taxa
tão elevada que, em um dos bairros, uma em cada quatro pessoas era surda. De
acordo com relato do autor, todos dessa comunidade aprenderam a língua de sinais,
já que em quase todas as famílias tinha pelo menos um surdo. Assim, a
comunicação se dava entre eles sem problema, uma vez que os ouvintes
dominavam fluentemente a língua de sinais falada pelos surdos, desta forma, a
surdez não significava problema algum para a população daquela ilha.
O caso de Martha’s Vineyard vem ratificar o pensamento de
Vygostky ao defender que os problemas comunicativos dos surdos se
originam no social, portanto a partir do momento que a sociedade utiliza
uma língua que ele também tem acesso de forma natural, a exemplo do
que foi citado, a deficiência deixa de existir, já que se trata muito mais
de uma deficiência social do que orgânica.
Discorreremos a seguir acerca da relevância do não-verbal na
produção do sentido nas trocas dialógicas, para isso, mostraremos
como o gesto faz parte do contexto interacional no processo
comunicativo não só da criança surda, mas de toda criança em processo
de aquisição da língua.
3.3 GESTO E INTERAÇÃO
O gesto é “uma ação corporal visível, pela qual um certo significado
é transmitido por meio de uma expressão voluntária”. (RECTRO e
TRINTA, 1990 p. 23). É salutar esclarecermos que os gestos aos quais
estamos nos referindo neste item não têm ligação alguma com as
línguas de sinais, também conhecidas como linguagem gestual
utilizadas pelas comunidades surdas, a esse respeito vale acessar o
trabalho de Stokoe (2000)13, além de a bibliografia mencionada neste
trabalho no capítulo dedicado à Surdez e Linguagem.
“O termo comunicações não-verbais é aplicado a gestos, a posturas,
a orientações do corpo, a singularidades somáticas, naturais ou artificiais, e até a organizações de objetos, a relações de distâncias entre indivíduos, graças aos quais uma informação é emitida” (CORRAZE, 1982 p.14).
O não-verbal tem uma abrangência muito grande no circuito da
conversação durante as interações já que não está restrito apenas à
ausência de material lingüístico.
13 STOKOE, William C. Gesture to sign (language). In: MCNEILL, D. Language and gesture. Chicago: Cambridge University Press, 2000
Para Rector e Trinta (1990), os movimentos corporais que a criança usa para
se comunicar antes da apropriação da fala expressam suas necessidades
fisiológicas, carências afetivas, sinais de reconhecimento da chegada de um rosto
familiar, por exemplo, dentre outros. Contudo, pouco a pouco alguns desses gestos
vão dando lugar à expressão verbal, embora outros, permaneçam nas trocas
comunicativas com a mesma forma de origem. Para os autores, o comportamento
não-verbal incide sobre todas as formas de relações interpessoais, sendo que os
elementos não-verbais correspondem à cerca de sessenta e cinco por cento do total
das mensagens enviadas e recebidas.
Nesse contexto, a linguagem não-verbal participa efetivamente da
construção dialógica nas interações verbais do ser humano, com grande
representação na comunicação e podendo ser expressa através de
gestos espontâneos, olhar, expressão facial, expressão corporal e
sinais, dentre outros.
“A comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias, etc) dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/2004, p.124).
Segundo Locke (1997), o bebê consegue através de um sorriso, um arrulho ou
mesmo de um olhar, fazer com que o outro reaja elevando as sobrancelhas, sorrindo
e vocalizando de formas variadas. O autor chama a atenção, ainda, para a harmonia
que há nas atividades faciais e na voz de forma que chegam a representar um único
sistema. Outro fato importante apontado pelo autor é a visão, que desde muito cedo
é capaz de captar os gestos, a expressão facial, a postura do falante, enfim, todas
as atitudes corporais que envolvem o processo de comunicação verbal.
Corroborando essa idéia, François (1998) postula que o bebê já nasce imerso no
circuito da comunicação utilizando-se do corpo, gestos, olhares e expressões faciais.
Namy e Waxman (2001), em pesquisa feita com o objetivo de explorar qual a
expectativa das crianças acerca da função comunicativa das palavras e da mudança
de gestos durante o desenvolvimento da linguagem, observaram que os gestos são
considerados pelas crianças como formas equivalentes de comunicação simbólica
quando elas estão no início de suas experiências comunicativas.
A exemplo de Locke (1997), Goffman (1998b) também menciona a
importância do olhar como papel crucial no contexto interacional o qual é
construído passo a passo mediante as negociações dos interactantes
envolvidos no diálogo. Segundo Goffman (op. cit, p.70), “em qualquer
encontro face a face, os participantes estão permanentemente
introduzindo ou mantendo enquadres que organizam o discurso e os
orientam com relação à situação interacional.” Para esse autor, os
footings14 são negociados e modificados no curso da interação . Isto
significa que há sempre na relação uma mudança de projeção do eu em
relação ao outro. O autor mostra, também, que a mudança de footing
freqüentemente ocorrida durante a fala é inerente à fala natural, ou seja,
é uma característica da linguagem.
Para Goffman (op cit), o olhar exerce uma função fundamental à
medida que norteia os interactantes na atmosfera do círculo
conversacional através do olhar mesmo que à distância. Assim, o falante
pode endereçar sua fala ou entregar o turno ao ouvinte ratificando-o,
portanto, no diálogo. A esse respeito, o trabalho de Kerbrat-Orecchioni
(1992), acerca das relações interpessoais, contempla uma ampla
discussão sobre interlocutor endereçado e não endereçado. Para
Goffman,
“Numa conversa de duas pessoas, o ouvinte ratificado é necessariamente o “endereçado”, ou seja, aquele a quem o falante remete sua atenção visual e para quem espera eventualmente passar o papel de falante” (GOFFMAN, 1998b p.78).
14 O autor introduz o termo footing como sendo um desdobramento da noção de enquadre apontado por Bateson.
Na perspectiva da situação de produção discursiva, mesmo em circunstâncias
em que haja ausência de manifestação verbal, a linguagem se faz presente, visto
que esta emerge através de toda forma de percepção. Ocupando, muitas vezes, um
lugar relevante na construção do diálogo, tendo em vista que o tema da enunciação
é determinado não só pelas formas lingüísticas que entram na composição (as
palavras, os sons, as entoações), mas igualmente pelos elementos não-verbais da
situação.
Assim, a interação pode ocorrer mediante os mais diversos meios possíveis no
sistema de comunicação, segundo Kerbrat-Orecchioni (1990), a interação é
construída e interpretada segundo a ajuda de um conjunto de regras, as quais se
aplicam em um contexto dado sobre uma matéria de natureza semiótica
heterogênea, a saber: unidades verbais, para-verbais e não-verbais, que serão
posteriormente definidas. Entendemos, com isso, que a linguagem, dado o seu
caráter polissêmico, emerge em toda e qualquer situação de interação, havendo ou
não a presença de manifestação lingüística verbal.
Para Locke (1997), durante as comunicações face a face o rosto
humano exerce um canal de representação ativo, fornecendo na
interação social informações indexicais cruciais aos interactantes
mediante pistas visuais, mesmo que os indivíduos não se conheçam a
priori. O autor enfatiza que a principal contribuição do rosto à
comunicação é efetiva, visto que o rosto:
“a) revela o estado emocional e a aprovação do falante em relação a seu interlocutor; b) reforça, aumenta ou contradiz, de forma não intencional, a
mensagem nominal;
c) transmite informações sobre os aspectos do ambiente que
comandam a atenção do falante;
d)assinala o desejo de dominar ou ceder;
e)transmite, através de movimentos da cabeça, piscadas,
sorrisos, franzir da testa, bocejos, olhares e outras atividades,
as reações das duas partes às mensagens faladas” (LOCKE,
1997, p.235).
Rectro e Trinta (1990) concordam com Locke (op cit) quando postulam que o rosto é o mais expressivo meio da
comunicação não-verbal. Entretanto, os nossos gestos, notadamente as expressões faciais, têm relação direta com o meio
social do qual fazemos parte. É importante esclarecer, com base nesses autores, que a palavra, enquanto signo verbal dirigida
a alguém, representa uma idéia que pode suscitar outros signos ao indicar uma intenção. Do mesmo modo, o gesto é um signo
não-verbal, entretanto, o gesto expressa um sentido de acordo com as normas culturais, pois o balançar da cabeça para os
lados tem o sentido de “não” na cultura brasileira, mas em outra cultura como na cultura árabica, por exemplo, significa “sim”
(cf. Rectro e Trinta op. cit).
McClave (2001), pesquisou sobre os movimentos da cabeça em algumas culturas diferentes envolvendo os árabes,
bulgarianos, coreanos e africanos, com o objetivo de verificar o que é cognitivo e o que é cultural em cada país. Conforme o
pesquisador, o mexer com a cabeça em todas as culturas observadas não é um movimento universal, é, inclusive,
transcultural. Logo, “a gesticulação, aprendida e transmitida, é, tal como os outros sistemas semióticos, um fenômeno social”
(GREIMAS, 1979 p.18).
Ainda em relação à comunicação face a face, para Cosnier e Brossard (1984,
apud Kerbrat-Orecchioni 1990 p.137-138), encontram-se implicados signos que os
classificam conforme suas funções em:
a) signos acústicos - divididos em duas categorias: verbal (fonológico,
morfossintático e lexical) e paraverbal (entonações, intensidades, pausas,
etc.);
b) signos não-verbais – distinguem-se em: estáticos - aparência física dos
participantes (estatura, cor); adquiridos (cicatrizes, rugas) ou acrescentados
(adereços, roupas); cinésicos lentos – atitudes e posturas; cinésicos rápidos – jogo de olhares, gestos e mímicas;
c) canais olfativos, táteis e térmicos, exercem importância tanto nas
interações verbais como nas sexuais.
Para Faria (2002), a interação não incide somente na competência lingüística,
ela precisa também do domínio das situações, ou seja, do contexto social. Durante a
interação social, pode-se observar unidades distintas, tais como:
“a) unidades lingüísticas ou verbais (que são elementos de articulação verbal, palavras e frases); b) unidades paralingüísticas (que são elementos vocais, relacionados tanto a elementos verbais, quanto a não-verbais);
c) unidades não-lingüísticas ou não-verbais (que são elementos capazes de fornecer informações indiciais acerca dos integrantes, como as características gerais da expressão individual, as dimensões do corpo etc. Representam, também, atitudes, intenções e idéias, traduzindo mensagens: distâncias interindividuais, movimentos do corpo e, em particular, gestos); d) unidades extralingüísticas (que são elementos não-verbais e não-vocais, tais como características da roupa e dos acessórios que os interagentes vestem)” (RECTRO e TRINTA, 1990 p.19-20).
Santos (2004), entende a paralinguagem como toda sorte de atividade comunicativa não-verbal que participa do
comportamento verbal durante uma conversa. Destacamos no estudo da paralinguagem, as entonações, as hesitações, as
pausas (sejam elas preenchidas ou não), o riso e o olhar. Para a autora, os gestos, do ponto de vista paralingüístico-
interacional, concorrem para que seja mantida a interação entre os participantes durante uma conversação face a face.
Nos trabalhos de Greimas at alii (1979); Rectro e Trinta (1990); Kerbrat-
Orecchioni (1990; 1992) e Santos (2004), observamos outros aspectos considerados
cruciais na comunicação humana, como a cinésica e a proxêmica.
“O termo científico cinésica (inglês Kinesics, do grego kinesis, “movimento”)
designa uma disciplina aplicada ao estudo do comportamento comunicativo do
corpo” (RECTRO e TRINTA, 1990 p.51). Logo, o estudo da cinésica relaciona-se aos
movimentos do corpo nas comunicações interpessoais, como os trejeitos faciais (os
movimentos dos olhos, a elevação e contração das sobrancelhas, o enrugar do
nariz, os movimentos da boca, o entreabrir dos lábios, dentre outros), além de as
posturas corporais e a gesticulação.
A proxêmica, “é o ramo da semiótica que estuda a estruturação significante do
espaço humano”. (FABBRI, 1979 p. 93). Esse estudo (cf. Rectro e Trinta op cit.) é
feito através do uso social do espaço nas interações pessoais, esta tem por fim,
estudar a distância entre os interlocutores. Para Kerbrat-Orecchioni (1992), dentre as
marcas não-verbais nas relações interpessoais a proxêmica é posta em destaque.
Rectro e Trinta mencionam, ainda, alguns tipos de distância dos quais destacamos a
distância pessoal na qual podemos tocar o outro ou trocar olhares, sorrisos, etc. e a
distância social que geralmente mantemos a uma distância maior. Com relação aos
termos distância pessoal e distância social, podemos fazer uma ponte com os signos
não-verbais cinésicos rápidos e cinésicos lentos citados por Kerbrat-Orecchini
(1990).
Santos (2004), em uma pesquisa feita com professores do ensino fundamental
acerca da importância do não-verbal e do verbal nos estudos interativos do discurso
de sala de aula, exemplifica a postura de alguns professores em relação aos alunos
em interação no contexto escolar, quanto à distância assumida, ora pessoal ora
social.
Notadamente, ao tomarmos o enunciado de forma isolada ele por si só não diz
nada, é vazio de sentido, é apenas um fenômeno lingüístico, nesse contexto:
“a situação extraverbal (está longe de ser meramente a causa externa de um enunciado – ela não age sobre o enunciado de fora, como se fosse uma força mecânica . ... a situação se integra ao enunciado como parte constitutiva essencial da estrutura de sua significação” ( BAKHTIN, 1976 p.5).
A partir dessa afirmativa, entendemos que a situação extraverbal participa
efetivamente do enunciado nas práticas lingüísticas as quais se estruturam no
processo de interação.
Conforme discutimos até então, a interação pode ocorrer através de diferentes
formas das quais o interactante faz uso do verbal, paraverbal e não-verbal no
processo comunicativo. Kerbrat-Orecchioni (1990), mostra que os elementos verbais
e os não-verbais formam um continnum, já que no curso da interação ambos os
elementos podem se encontrar e funcionar em harmonia. Citamos, por exemplo,
uma expressão verbal acompanhada por uma entonação que expresse ironia.
Percebemos, assim, que o sentido se constrói com a junção dos aspectos
fonológicos, lexicais, morfossintáticos, paraverbais e não-verbais.
Kerbrat-Orecchioni (1990) sinaliza para a importância do papel do paraverbal e
do não-verbal no funcionamento da interação. Para a autora, os elementos não-
verbais são considerados como condições de possibilidades de interação. Desta
forma, a autora considera que a comunicação é multicanal, pois explora um material
comportamental que não é composto apenas por palavras, mas por inflexões,
olhares, gestos e mímicas dentre outros.
O trabalho de Griz (2004), ao descrever o desenvolvimento da
comunicação nos oito primeiros meses de vida de um bebê surdo,
aponta para o fato de que os bebês surdos fazem uso do canal visual de
forma mais intensa comparado aos bebês ouvintes. A autora destaca a
necessidade de uma maior atenção aos momentos de interação entre
bebês surdos nas trocas comunicativas, para que outras ações
comunicativas sejam exploradas com base nas estratégias
desenvolvidas pelos bebês.
Para Marchesi (1995), o processo de interação costuma se
desenvolver com maior dificuldade e menor espontaneidade nas
crianças surdas, o autor aponta para o fato da dificuldade que as mães
têm em estabelecer a alternância comunicativa, bem como para o
problema da atenção dividida, ou seja, a criança surda sente dificuldade
em olhar para o objeto e para o rosto do adulto no processo de
comunicação, e o adulto, por sua vez, não sabendo como lidar com a
situação, diminui as expressões orais e os jogos de alternância deixando
a criança em uma posição de passividade.
Nessa direção, citamos os estudos de Trevarthen (1998), o autor defende que
o ser humano nasce com a capacidade de estabelecer trocas intersubjetivas, as
quais são evidenciadas desde cedo mediante as trocas interativas face a face
manifestadas nas expressões afetivas, sorrisos, movimentos corporais, gestos e
sons.
Ainda com enfoque na população surda, estudos como o de
Preisler (1995) e Griz (2004) mostram que a criança surda pode se
comunicar e interagir com os pais de igual forma às crianças ouvintes,
na fase inicial da vida, fazendo uso da linguagem não-verbal, entretanto,
é necessário que as pessoas procurem explorar, nos momentos das
trocas comunicativas, toda sorte de gestos a partir dos jogos corporais
nas relações interpessoais.
Segundo Marchesi (1995), cabe ao adulto sintonizar com a criança e facilitar-
lhe os intercâmbios comunicativos viáveis. Para esse autor, a adequação mútua, a
troca de olhares, gestos e expressões, bem como a incorporação da linguagem por
parte do adulto pode contribuir para uma linguagem fluente e satisfatória.
O não-verbal tem, portanto, uma grande abrangência e está presente no
contexto da interação nos processos das trocas comunicativas. Entretanto,
observamos que, ao se privilegiar a forma lingüística (articulação dos fonemas, por
exemplo) que a criança utiliza durante a construção do diálogo, as vezes o
interactante deixa de considerar outras formas de participação, como o gesto, o
olhar e o balançar da cabeça, ou seja, os aspectos não-verbais. Por isso que a
linguagem deve ser vista como ação, como atividade constitutiva do processo
dialógico incluindo o falante e os contextos interacionais nos quais as trocas
comunicativas emergem.
Observamos que a criança surda faz uso da linguagem não-verbal
como estratégia de comunicação com foco nos gestos, assim,
considerando que a natureza constitutiva da língua de sinais é espaço-
visual, entendemos que quanto mais cedo, ou seja, a partir do seu
nascimento, a língua de sinais for introduzida nas interações com a
criança surda, melhor desenvolvimento lingüístico ela terá. Nessa
perspectiva, discutiremos a seguir acerca da estrutura da língua de
sinais com foco no processo de aquisição da linguagem do surdo pelo
viés da Língua Brasileira de Sinais.
3.4 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM DA CRIANÇA SURDA
3.4.1 A Língua de Sinais
Existem várias línguas de sinais, cada país tem a sua com uma
estrutura gramatical própria, há inclusive, variação dentro do mesmo
país, do mesmo modo que existe a variação lingüística regional na
língua oral. No Brasil, há registro de outra língua de sinais na Floresta
Amazônica, utilizada pelos índios Urubus-Kaapor, logo, a LIBRAS é uma
das línguas de sinais existentes em nosso país. Para Felipe (1998), assim como as demais línguas de sinais, a LIBRAS é uma língua de modalidade gestual-visual,
pois utiliza como canal de comunicação movimentos gestuais e expressões faciais percebidas pela visão. Desta forma, difere
da língua portuguesa, a qual é de modalidade oral-auditiva tendo em vista usar como meio de comunicação sons articulados
captados pelo órgão da audição: o ouvido. Além desta diferença, elas também têm estruturas gramaticais distintas.
Segundo Fernandes (2003), a diferença que há entre os sistemas fonológico,
morfológico, sintático e semântico-pragmático é o que efetivamente caracteriza a
distinção entre as línguas. A autora apresenta as características da LIBRAS, em
cada um dos níveis lingüísticos ou planos ora citados.
Assim, no que concerne às línguas de sinais, temos no plano fonológico a
representação da fonologia pela querologia, ou seja, movimento das mãos e do
pulso. Conforme cita Fernandes (2003), quem primeiro descreveu o sistema
querológico das línguas de sinais foi Stokoe, em 1960. Para Greimas et alii (1979),
Stokoe designa por “queremas” os elementos gestuais de base; sendo cada
morfema gestual composto de três queremas, a saber: pontos estruturais de
posição, configuração e movimento. Segundo o autor, para Stokoe, o estudo da
gestualidade pressupõem três níveis: cherology, diz respeito à análise dos
queremas, morphoqueremics, análise das combinações entre os queremas e
morphemics corresponde a morfologia e sintaxe.
Os queremas que correspondem à articulação dos sinais foram descritos
conforme a configuração, localização e movimento da(s) mão(s), semelhante aos
fonemas nas línguas orais que têm ponto e modo articulatório. Posteriormente foi
acrescentada a orientação da(s) palma(s) da(s) mão(s). Com isto, a querologia está
para as línguas de sinais da mesma forma que a fonologia está para as línguas
orais.
Para Fernandes (op cit), estas características da querologia
descrevem aspectos relacionados à fonologia segmental, que analisa a
produção dos fonemas, e quanto à fonologia supra-segmental, que
analisa os traços entonacionais, a querologia diz respeito à forma como
o falante compõe o seu sinal, se é de forma lenta ou rápida, rígido ou
suave, acompanhado sempre pela expressão corporal na sua totalidade.
É possível observarmos a complexidade das línguas de sinais, as quais
não deixam de lado nenhum nível lingüístico existente nas línguas orais.
Quanto ao plano morfológico, Fernandes (2003) afirma que as
línguas de sinais apresentam um sistema de estrutura e formação das
palavras, assim como a divisão das palavras em classes. Entretanto, o
que as faz diferente de certas línguas orais-auditivas é o fato de as
línguas de sinais serem línguas sintéticas. A exemplo de línguas
clássicas como o grego e o latim. Desta forma, as línguas de sinais não
têm em sua estrutura morfológica a presença do artigo, por exemplo.
Assim como, se comparada à língua portuguesa, encontraremos um
número reduzido de preposições e conjunções na LIBRAS, isso exige
uma coesão diferente da que estamos acostumados a ver na língua
portuguesa, não significa, portanto, que não existe coesão como
freqüentemente postulam alguns professores, notadamente os de língua
portuguesa. Isso faz com que algumas pessoas, acreditamos que
equivocadamente, não aceitem essas peculiaridades e as rebaixem
dizendo que as línguas de sinais são línguas pobres.
No plano sintático, a autora aponta para o sinteticismo como sendo
uma característica principal e diz que as combinações de sinais
apresentam regras próprias e básica, caracterizando-as, pois, como
língua.
Finalmente, temos no plano semântico-pragmático as mesmas
características das línguas orais, já que seus traços são determinados,
em situação de uso, pelo contexto. De acordo com Fernandes (op cit),
nas línguas de sinais, os traços semântico-pragmáticos podem aparecer
através de traços prosódicos os quais se realizam pelas expressões
faciais, manuais ou corporais. A autora conclui dizendo que:
“Além disso, observamos na língua de sinais as várias acepções de uso, as expressões idiomáticas, metafóricas/figurativas, os aspectos estilísticos, as contextualizações que admitem a pressuposição e o implícito, enfim, as mesmas características de qualquer língua natural, quer em seu aspecto gramatical, propriamente dito, quer nas várias manifestações do simbólico” (FERNANDES, 2003 p.44).
Segundo Quadros (2004, p.15), “As línguas naturais podem ser entendidas
como arbitrárias e/ou como algo que nasce com o homem”. Nesse contexto, as
línguas de sinais são consideradas línguas naturais, pois surgiram espontaneamente
nas comunidades surdas, partindo da necessidade que o ser humano tem de se
comunicar com seus semelhantes para expressar seus sentimentos e idéias. Para a
autora (op cit.), as línguas de sinais permitem a expressão de significados não só da
necessidade comunicativa como também expressiva, possibilitando, assim, a
tradução de qualquer assunto ou conceito, bem como, o deslocamento, pois permite
que a pessoa fale sobre as situações ausentes ou abstratas.
Na opinião de Sacks (1990), L’Epée não percebeu ou quem sabe
não pôde acreditar que a língua de sinais era uma língua completa,
capaz de expressar não apenas emoções, bem como permitir a
discussão de qualquer sorte de tópico seja concreto ou abstrato da
mesma forma que a fala.
De acordo com Quadros (2004), os lingüistas consideram as línguas
de sinais com um sistema lingüístico legítimo e não como um problema
do surdo ou como uma patologia da linguagem anteriormente
concebida. Muito Embora, Stokoe, em 1960, já comprovara que as
línguas de sinais preenchiam todos os critérios lingüísticos de uma
língua natural. Seu trabalho não apenas foi o primeiro a apontar para
esse aspecto, mas teve grande repercussão no que tange aos estudos
das línguas de sinais.
Por tudo o que relatamos até então, acreditamos que não foi à toa
que a língua de sinais conseguiu o estatuto de língua perante os
lingüistas, pois mostrou ao longo de sua história que é uma língua
completa, contrariando, assim, a noção que muitos tinham de uma
língua pobre, telegráfica. Basta-nos compreender que é uma língua com
todas as estruturas necessárias para que seja “falada” pelos surdos de
forma funcional no espaço dialógico. Entretanto, essa concepção de
língua precisa ser passada para a escrita, pois ainda se tem a idéia que
a escrita do surdo é falha, sem coesão e, portanto, sem sentido. Falta
aos estudiosos, ainda, entender que a língua de sinais tem uma
estrutura diferente e isso se reflete na escrita, bem como que a ausência
de conectivos, por exemplo, não deve rebaixar ou anular seu estatuto de
língua. Entendemos que à medida que se concebe a língua de sinais na
sua modalidade escrita considerando suas peculiaridades, as produções
escritas do surdo passarão a ter um outro olhar e só assim sua escrita
será efetivamente compreendida e considerada com sentido.
Abordaremos no próximo item as etapas pelas quais a criança surda
passa ao adquirir a língua brasileira de sinais quando é exposta desde
os primeiros anos de vida.
3.4.2 Aquisição da língua brasileira de sinais As pesquisas mostram que a criança surda filha de pais surdos tem desde o
seu nascimento um ambiente no qual circula a língua de sinais, essa imersão em
uma língua, cuja aquisição se dá de forma espontânea, proporciona uma
competência lingüística de igual modo que as crianças ouvintes.A esse respeito, de
acordo com Quadros (1997), apenas as crianças surdas filhas de pais surdos
apresentam input lingüístico adequado e garantido para que sejam desenvolvidas
análises de processo de aquisição de linguagem. Isto explica o porquê das
pesquisas desenvolvidas no mundo todo, envolvendo a aquisição de linguagem de
crianças surdas, terem como corpus surdos filhos de pais surdos, apesar de
representarem um percentual mínimo da população de criança surdas.
Logo, sendo o percentual de crianças surdas filhas de pais ouvintes
maior que os surdos filhos de pais surdos, elas costumam vivenciar
outra realidade, na grande maioria, apenas a linguagem oral é utilizada
pelos pais ouvintes. Desta forma, grande parte das crianças surdas
inicia tardiamente a comunicação mediante a língua de sinais. A esse
respeito, Sacks (1990, p.128) defende que:
“Se as crianças surdas não são expostas, bem cedo, à boa linguagem ou comunicação, pode haver um atraso (até mesmo uma interrupção) da maturação cerebral, com uma contínua predominância dos processos do hemisfério direito e uma falta de”transferência” hemisférica.”
Nessa perspectiva, apontamos para “período crítico” em que a
linguagem ocorre, apontado por estudiosos como sendo os primeiros
anos de vida. Os estudos revelam que o surdo não aprende a linguagem
oral de forma espontânea como os ouvintes, daí a necessidade da
utilização da língua de sinais para que a aprendizagem se dê de forma
plena e natural, dentro desse período considerado crucial, já que não
necessita da integridade do sistema auditivo tendo em vista ser
efetivamente uma língua espaço-visual e, portanto, acessível ao surdo
que em geral faz uso do canal visual de forma incessante.
Igualmente as crianças ouvintes, que passam por um processo de
maturação para reproduzir o som, a criança surda tem também
dificuldades para expressar um sinal de forma correta. Isso nos mostra
que o processo de aquisição da língua de sinais é semelhante ao
processo de aquisição das línguas orais ( MARCHESI, 1995; QUADROS
,1997).
Quadros (1997) mantém as etapas de aquisição das línguas de
sinais com a mesma subdivisão apresentada nos trabalhos que
envolvem aquisição das línguas orais, por considerar que o processo de
aquisição das duas modalidades de línguas ocorre de forma análoga.
Logo, temos a seguir cada período conforme descreve a autora, a saber:
o período pré-lingüístico; estágio de um sinal; estágio das primeiras
combinações e estágio das múltiplas combinações.
Quanto ao período pré-lingüístico, os estudos realizados por Petitto e
Marantette (1999, apud QUADROS,1997) acerca do balbucio em bebês surdos e
ouvintes, mostram que este ocorre em todos os bebês independentes de serem
ouvintes ou não, e que esse fenômeno não se dá apenas mediante o som, mas
ocorre através de sinais também. As autoras encontraram nos bebês surdos duas
formas de balbucio manual: o silábico e a gesticulação, entretanto, evidenciaram que
apenas o balbucio silábico apresenta organização interna e que as combinações
fazem parte do sistema fonético das línguas de sinais. Quadros (1997, p.70) afirma
que “as vocalizações são interrompidas nos bebês surdos assim como as produções
manuais são interrompidas nos bebês ouvintes, pois o input favorece o
desenvolvimento de um dos modos de balbucio.”
No estágio de um sinal, iniciado pela criança surda por volta dos 12 meses até
cerca dos dois anos de idade, o uso do apontar desaparece. Para Petitto (1987,
apud QUADROS, 1997), nesse período parece ocorrer uma reorganização básica
em que acriança modifica o conceito da apontação inicialmente gestual (pré-
lingüístico) para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de
sinais (lingüístico).
Os estudos mostram que o estágio das primeiras combinações ocorre por volta
dos dois anos de idade nas crianças surdas e que a semelhança com o processo de
aquisição das línguas orais é tão grande que há até a reversão pronominal,
aparentemente mais difícil de ocorrer nas crianças surdas dada à forma como ocorre
a aquisição do sistema pronominal, mediante o apontar a si mesmo e ao outro,
respectivamente, pode ser evidenciada, também, nas crianças surdas em fase de
aquisição da língua de sinais.
O estágio de múltiplas combinações surge por volta dos dois anos e meio a
três anos e, a exemplo das crianças ouvintes, nesse estágio, considerado a idade de
ouro, ocorre também um banho de linguagem, as crianças surdas apresentam,
conforme Quadros (op cit), a chamada explosão do vocabulário115.
A partir dos três anos de idade, Bellugi e Klima (1990, apud Quadros 1997),
observaram que as crianças surdas cometem uma flexão generalizada dos verbos
da mesma forma que ocorre com as crianças ouvintes nessa faixa etária, quando se
referem aos verbos fazer e gostar, por exemplo, no pretérito perfeito do indicativo,
como sendo “fazi” e “gosti” respectivamente.
Rodrigues (1993, apud QUADROS 1997, p.80), parte de uma análise biológica
e chega a seguinte conclusão:
“a)se a língua de sinais é organizada no cérebro da mesma forma que as línguas orais, então as línguas de sinais são línguas naturais; b)se as línguas de sinais são línguas naturais, então seu aprendizado tem período crítico; c)se as línguas de sinais têm período crítico, então as crianças surdas estão iniciando tarde seu aprendizado; d)se a natureza compensa parcialmente a falta de audição, aumentando a capacidade visual dos surdos, então está sendo ignorada a maior habilidade dos surdos quando lhes é imposta uma língua oral, em vez da língua de sinais”.
15 Grifo do autor
Sabemos que a surdez limita o acesso à linguagem quando esta é
vista unicamente pela modalidade oral, entendemos, também, que a
linguagem oral é importante para o surdo, contudo, deve ser concebida
como uma das possibilidades de comunicação e não como uma
necessidade primordial. Diante da complexidade e das variáveis que
envolvem a aquisição da linguagem oral, tais como idade do início da
surdez, etiologia, nível de perda auditiva e fatores educacionais e
comunicativos, a linguagem oral corre o risco de não ser dominada
plenamente pelo surdo, mesmo aquele que se beneficia de recursos
tecnológicos e é exposto desde bebê a exaustivo treino auditivo.
Diante do que foi exposto, é nosso propósito analisar os
movimentos discursivos presente nas trocas entre os surdos ou entre
surdos e ouvintes para entender e descrever como eles fazem esta
articulação e constroem o diálogo. Queremos mostrar como essa
construção se dá e revelar que muitos dos mecanismos usados pelos
falantes na linguagem oral estão presentes, também, na língua de
sinais.
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS _________________________________________________________________
Neste quarto capítulo, apresentaremos as produções dialógicas de crianças
surdas com idades entre 4 e 5 anos e seus posicionamentos diante da língua em
uso enquanto sujeitos ativos. É esse posicionamento assumido por cada participante
no espaço dialógico que nos interessa observar, tomando-se por base as estratégias
comunicativas desenvolvidas pelos interlocutores no processo de construção do
diálogo, em atividade de construção de linguagem espontânea, com vistas para os
movimentos discursivos presentes nos encadeamentos dos enunciados
evidenciados em contexto interacional.
Objetivando uma melhor contextualização do corpus no sentido de podermos
realizar uma interpretação o mais próximo possível da realidade das produções
lingüísticas de cada criança observada, optamos por uma análise integral dos
diálogos para que pudéssemos ter uma visão sistêmica de cada episódio. Após
observarmos os episódios com foco nos movimentos discursivos efetuados pelas
crianças, bem como nas estratégias usadas no funcionamento da linguagem,
fizemos alguns recortes sem, contudo, deixar de considerar o contexto interacional
estabelecido em cada produção realizada.
SESSÃO 1 - EPISÓDIO 1
Enquadramento: a filmagem ocorre no ambiente domiciliar
Contexto: este evento trata-se de uma conversa espontânea entre um adulto
ouvinte e uma criança surda de 5 anos de idade.
Situação: a criança se encontra sentada no chão da sala, olhando um livro de
figuras de animais, enquanto isso sua mãe se aproxima.
Participantes: João (criança surda) e sua mãe.
1 – Ouvinte ah! Cê tá olhando o leão? ((Aponta para a figura do leão
e faz o sinal de leão))
2 – João {balança a cabeça de um lado para o outro, fecha o livro,
simula que está dirigindo um carro} ((fazendo do livro um
volante))
3 - ((em seguida, corre em direção à grade da casa e fica
observando a chuva que começa a cair))
4 – Ouvinte ah! Cê tá dirigindo um caminhão? ((Pergunta, olhando de
frente para a acriança e repetindo o mesmo gesto dela
com as mãos))
5 – João ((aponta para a chuva, olha espantada para o
interactante e gesticula, movimentando a mão direita
como sinal de chuva)).
6 – Ouvinte é (.) tá CHUVENDO, né? ((Repetindo o mesmo gesto da
criança, elevando as sobrancelhas e balançando a
cabeça))
7 – João {balança a cabeça para cima e para baixo, olha para o
interactante, repete o gesto com a mão direita e aponta
para a chuva, elevando a cabeça e as sobrancelhas}.
((como quem diz: é, tá chovendo lá! Em seguida sai
correndo pela casa “dirigindo”)).
Conforme observamos neste recorte, os movimentos discursivos são
responsáveis pela construção desse momento interacional. Nele vemos temas
serem introduzidos, abandonados e reintroduzidos, como defende François (1996).
Na linha 1 o ouvinte se aproxima da criança e, fazendo uso de um gesto, o
apontar, tenta estabelecer uma interação a partir da comunicação mediante o uso da
linguagem verbal e não-verbal concomitantemente. A criança responde com um
movimento discursivo de resposta, engajando-se na troca comunicativa.
Na linha 2, ao fechar o livro e fingir dirigir um carro, a criança faz um
deslocamento e através de um movimento descritivo mostra para o ouvinte o que ela
está realmente fazendo: dirigindo um carro.
A ruptura instaurada por João na linha 5, a partir do deslocamento que faz
quando conduz o campo temático, na sua dinamicidade, para o seu foco de
interesse, permite-nos ver um sujeito que dialoga colocando em circulação os seus
interesses. Possibilita-nos, também, observar que o campo temático, assim como é
para os ouvintes, é construído no diálogo de crianças surdas da mesma forma: com
retomadas, deslocamentos, rupturas. No próximo momento, novo deslocamento é
introduzido. É importante frisar que, naquele momento, João não desloca o assunto
aleatoriamente, algo chama sua atenção. Segundo Marcuschi (2001, p. 17), “toda
conversação é sempre situada em alguma circunstância ou contexto em que os
participantes estão engajados”. O contexto da chuva o absolveu inteiramente!
É muito natural em nossas interações face a face vermos alguém se aproximar
ou passar ao largo e lembrarmos de determinado assunto e o colocamos
imediatamente. Após o comentário, muitas vezes retornamos ao tema inicial. Foi
justamente isso que aconteceu com João.
Para François (1996), tanto a continuidade como o deslocamento, são
estruturados através de uma articulação existente entre os turnos chamados
encadeamentos. Os encadeamentos permitem mostrar os lugares dos locutores,
suas capacidades lingüísticas, as estratégias usadas, a identificação do campo
temático e a organização do discurso. Além de revelar que o sentido de um discurso
não está nele mesmo, mas na sua junção com os demais.
Conforme mostra na linha 6, o ouvinte procura se envolver no novo campo
temático que João subitamente lhe propõe e se coloca, através do movimento da
concordância, no diálogo, utilizando-se da mesma linguagem que a criança, a não-
verbal.
Na linha 7, a criança interage, concorda, retoma o gesto como algo concreto de
construção do diálogo e volta para a brincadeira da direção do carro! Ao retomar o
turno através das trocas comunicativas, percebemos que essa reintrodução do tema
nos mostra um sujeito ativo e usuário da língua em funcionamento. Vemos uma
criança que não espera passivamente pela tutela do adulto, mas que se coloca na
condução do diálogo como agente na situação conversacional da qual faz parte.
Nesse sentido, Bakhtin (1929/2004) vê o sujeito como participante de sua história,
ele defende que é na relação com o outro que a linguagem se concretiza.
SESSÃO 2 - EPISÓDIO 2
Enquadramento: a filmagem se passa no ambiente escolar, dentro da sala de
aula.
Contexto: trata-se de um evento especial, pois as crianças estão se preparando
para a festa de comemoração dos aniversariantes do semestre.
.
Situação: enquanto a professora organiza a sala de aula as crianças brincam de massa de modelar. Participantes: João (5 anos), Marcos (5 anos) , Pedro (5 anos), Mariana (4 anos),
Ana (4 anos) e o ouvinte (pesquisador).
8 - Ouvinte vamos brinca: (.) João?
9 - João ((a criança está brincando, mas se opõe ao convite)),
{balança a cabeça de um lado para o outro sinalizando que
“não” e usa o sinal de dormir}. ((Junta algumas cadeiras e se
deita))
10 - Ouvinte qué não? ((balança a cabeça usando o mesmo gesto de
negação de João)) qué dormi: (.) é? ((faz o sinal de dormir))
11 – João {dirige o olhar para o ouvinte e em seguida fecha os
olhos}
((ignorando a pergunta feita)) 12 – Marcos ((aproxima-se)). {Toca nos ombros do ouvinte, bate palmas,
levanta o dedo indicador e sopra, apontando para si em
seguida}
13 – Ouvinte ah! É teu parabéns? É teu parabéns (.) é? ((bate palmas, usando o mesmo gesto da criança)) Tem festa?...e de quem mais?
14 – Marcos {levanta o dedo indicador, sopra, aponta novamente para si, e balança a cabeça com gesto de afirmação}
15 – Ouvinte tua festa ...((diz isso apontando para a criança)) e de quem mais? ((usa o sinal de quem, em seguida aponta para Ana e pergunta...)) tua também? ((a criança não responde))
16 – Mariana a:: ((a criança que observava tudo, vocaliza pedindo o
turno)). {Levanta o dedo indicador, sopra e aponta para si e
para o colega, afirmando que a festa é dos dois}
17 – Ouvinte dos DOIS? (.) Tua também? ((aponta para Ana))
18 – Ana {balança a cabeça afirmando, faz o sinal do número 5 e
aponta para si}
19 – Ouvinte tu também? (.) Tu tens 5 anos (.) é? E a festa também é
tua?
20 – Mariana ((vira-se para o ouvinte)). {Faz o sinal correspondente ao
número 5 apontando para si}
21 – Ouvinte TAMBÉM ? (Eleva as sobrancelhas e olha espantada)
22 – Mariana ((usando o sinal correspondente ao número 5)). {Aponta para os dois colegas}
23 – Ouvinte os TRÊS têm 5 anos? ((levanta a mão fazendo o sinal do número 3))
24 – Mariana ((vira-se para Marcos)). {Balança a cabeça afirmando, faz o sinal de bolo e aponta para ele e para ela concomitantemente. Levanta o dedo indicar, sopra, aponta para o bolo e faz o gesto de legal com o polegar erguido, balançando a cabeça e elevando as sobrancelhas}
25 – Ouvinte Ana (.) hoje a festa é tua também?
26 – Ana {bate palmas, levanta o indicador, sopra e aponta para si, em seguida, abre os braços e faz o sinal de bolo e de vovó}. ((O aniversário dela já havia sido comemorado na casa da avó)).
27 – Ouvinte ah!!! (.) Na tua festa tinha um bolo GRANDE? ((usa o mesmo gesto com os braços abertos)).
28 – Ana {balança a cabeça afirmando} bo:lo ga:nde ((diz a criança com articulação exagerada e repete o gesto com os braços abertos}
29 – Ouvinte tinha um bolo GRANDE! ((Faz o mesmo gesto da criança com os braços abertos))
30 – João ((levanta-se, aproxima-se do grupo)) {faz o mesmo gesto usado pelos colegas para bolo, eleva o indicador, sopra e bate no tórax com a mão direita aberta}. ((Sinalizando que a festa também é dele))
31 – Ouvinte ((continua conversando com Ana)) tava bom o bolo?
32 – Ana bom! {balança a cabeça com gesto de afirmação}. [[Todas as crianças levantam os dedos ao mesmo tempo para dizer a idade]]
33 – Ouvinte oh! fala da tua festa, como foi? ((dirigindo-se a Ana)) [[todos insistem em dizer a idade simultaneamente]]
34 - Ana ((insiste em dizer que ela é quem tem 5 anos)) {Aponta para
si e repete o número 5}
35 – Ouvinte sim, mas ela também tem 5 anos ((aponta para Mariana)),
ela também, tá ce:rto?
36 – João {levanta o braço, aponta para uma garrafa d’água e faz o
sinal de azul}
37 – Ouvinte o que foi João? O que foi Ana? O que ele está falando?
Água? Ah! Para abrir a água? ((Aproxima-se de João)) Ah!
Deixa que eu ajude você, qué água? Qué que a tia abra?
38 – João {olha para o ouvinte e faz uma cara feia} ((em seguida,
continuou tentando abrir a garrafa))
39 – Ouvinte qué que a tia abra?
40 – João {balança a cabeça com gesto de negação)
41 – Ouvinte que cara feia é essa? Posso ajudar você?
42 – João {balança a cabeça com gesto de negação}
43 – Ouvinte tá bom, fica aí no teu cantinho, né? ((Aproxima-se das
outras crianças que estão brincando com massa de
modelar)). Estão fazendo o quê? Estão brincando de quê?
44 – Pedro {levanta o braço, chama o ouvinte, aponta para a água que
está na estante e faz o sinal de água}
45 – Ouvinte ah! Tem água lá? Tem água lá em cima? Bom né? Tá com
sede?
46 – Mariana {toca no ouvinte, faz um gesto sobre a mesa, ((como se
estivesse explicando o caminho para ir a algum lugar)) e
aponta para si}
47 – Ouvinte tá fazendo o quê? o caminho pra onde, pra:: casa?
48- Marcos ((faz o mesmo gesto feito por Mariana na mesa))
49 – Ouvinte pra onde? ((faz o sinal usado para a palavra onde))
50 – Marcos {faz o sinal de ônibus}
51 – Ouvinte Ah! Pra pegar o ônibus, é? Legal! Vai pra casa de ônibus
também, Ana?
52 - Ana {faz o mesmo gesto dos colegas com a mão sobre a mesa}
((desenhando o percurso até a parada de ônibus))
53 – Ouvinte ah! Sai por aí, é? Sai, dobra à esquerda e fica esperando o
ônibus ((faz sinal de ônibus)) lá na rua, lá fora?
54 – João ((aproxima-se do grupo)) {toca em Ana, mostra a garrafa de
água aberta, flexiona o braço direito e o levanta ((mostrando
que é forte, em seguida simula que está abrindo a garrafa))
55 - Ouvinte o que FOI? ((olha espantada)) conseguiu abrir a água? Ah!
Ele conseguiu abrir, legal, né?
56 – Ana {balança a cabeça com gesto de afirmação e bate palmas}
((A professora recolhe as massas))
Observamos, neste recorte, que o processo de retomada possibilita a
estruturação da linguagem, à medida que o sentido é construído mediante o
posicionamento dos interactantes no espaço dialógico. Dependendo do discurso
utilizado, segundo François at alii (1984), podemos evidenciar que tipo de relação
surge entre os interlocutores, bem como, que lugar o falante está ocupando no
discurso.
João, linha 9, encontra-se afastado do grupo e brinca distraidamente de dirigir
com as cadeiras enfileiradas, entretanto, diante do convite do ouvinte para brincar
com ele realiza um movimento de oposição e simula que vai dormir.
Na linha 12, ao tocar nos ombros do ouvinte Marcos assume, segundo Rectro
e Trinta (1990), uma distância pessoal, ao mesmo tempo em que se insere no
diálogo introduzindo um novo tema. Observamos que mesmo na ausência de
material lingüístico verbal, conforme postula Kerbrat-Orecchioni (1990), a interação é
construída consoante a ajuda de um conjunto de regras em uma matéria de
natureza semiótica heterogênea, no caso, unidades não-verbais. O movimento de
retomada é evidenciado na linha 14 quando Marcos retoma a fala do ouvinte para
confirmar a pergunta acerca do seu aniversário.
Mariana, linha 16, utilizando-se da mesma linguagem usada pelo colega, a
não-verbal, retoma o enunciado e dá continuidade ao campo temático, aniversário,
introduzido por Marcos. Lembramos Kerbrat-Orecchioni (1990) quando defende que
a comunicação é multicanal, uma vez que ela é concretizada através de um material
comportamental feito não só de palavras, mas também de inflexões, de gestos, de
olhares, de mímicas, etc.
Ana, linha 18, inscreve-se no discurso acrescentando a informação da idade.
Enquanto que Mariana, linha 20, retoma a informação de Ana e na linha 22
acrescenta a informação sobre os amigos. Fica evidente, nessa retomada instaurada
por Mariana, que, ao encadear sobre a fala de Ana, surge uma ligação entre as
interlocuções, ou seja, os encadeamentos discursivos.
É justamente através dos encadeamentos, nas trocas discursivas, que vemos
como as crianças surdas desenvolvem suas habilidades lingüísticas quando não
apenas lhe são permitidas usar as estratégias de comunicação que melhor lhes
convém, mas, além disso, tais estratégias são compreendidas e retomadas pelos
interactantes a exemplo do que vemos no diálogo entre seus pares, os quais lançam
mão dos mesmos recursos.
Na linha 24, Mariana confirma a informação acerca da idade através do
movimento da concordância e na linha 26 Ana retoma o campo temático e
acrescenta um novo elemento ao diálogo, a informação de que seu aniversário fora
comemorado na casa da sua avó. É interessante observar como as crianças
participam da teia discursiva fazendo uso da linguagem em funcionamento através
de estratégias que lhe são peculiares, como o uso de unidades não-verbais
associadas a língua de sinais em perfeita harmonia.
Outra retomada feita por Ana pode ser evidenciada na linha 28, entretanto,
desta vez ela retoma o campo temático sem modificações ou acréscimos, da mesma
forma que João na linha 30. Essa reintrodução do tema por João mostra-nos um
sujeito ativo à medida que a criança se coloca como participante da construção do
diálogo ao entrar no circuito da linguagem em uso.
Nas linhas 32 e 33 podemos verificar as crianças competindo pela atenção,
pois “falam” todas ao mesmo tempo. Elas procuram estabelecer contato com a tia..
Evidenciamos, então, que há sobreposição de enunciados, um assalta o turno do
outro, entretanto, essa aparente desorganização não torna o diálogo caótico, faz
parte dos movimentos discursivos apontados por François (1996).
Percebemos nesse fragmento que a integração do corpo ao gesto ocorre nas
interações entre as crianças surdas. Do mesmo modo que o ouvinte usa fala e olhar
elas costumam usar olhar e gesto como sistema integrado.
Através do deslocamento de João, na linha 36, fica evidente que no diálogo das
crianças surdas também há uma facilidade em mudar o foco da conversa, pois o
tema que permeava a tônica da conversa era a idade das crianças, mas João
deslocou o campo temático mediante o uso de gestos associados à língua de sinais,
imediatamente em um movimento de deslocamento, mudou o foco, da mesma forma
que acontece com a nossa conversa quando alguém abandona um tópico ou o
desloca, devido à dinamicidade que é algo inerente ao tema.
A ajuda oferecida pelo ouvinte para a abrir a garrafa deixa João, linha 38,
irritado, em seguida ele se engaja no diálogo, na linha 40, respondendo a uma
pergunta através de um movimento de oposição, observamos que ele é enfático ao
repetir o mesmo gesto como resposta na linha 42 como expressão dos seus
sentimentos. Na linha 44, Pedro faz um movimento de solicitação plenamente
compreendido pelo ouvinte através do uso em harmonia de gestos e de sinais.
Enquanto isso, Marcos, linha 48, e Ana, linha 52, fazem uso da retomada de
gestos feitos por Mariana anteriormente na linha 46. O mecanismo da repetição se
fez presente na fala de Marcos e de Ana no sentido de enfatizar o percurso da
escola até a parada de ônibus. Logo, observamos que tanto Marcos como Ana,
inserem-se no diálogo na tentativa de ajudar a esclarecer o enunciado da amiga,
movimento freqüentemente encontrado em um diálogo quando alguém não está se
fazendo entender e outra pessoa se coloca na conversa para dar mais clareza ao
tema em discussão.
Ao tocar em Ana, na linha 54, João retoma seu diálogo mediante o uso de
signos cinésicos rápidos, conforme Kerbrat-Orecchioni (1990) assumindo, assim,
uma distância pessoal. É interessante registrar que eles não se perdem como
falantes múltiplos! Cada um sabe do que está falando para o outro. Nesse sentido,
Ana, linha 56, bate palmas porque acompanhou todo o processo até o desfecho,
abrir a garrafa. Logo, todas as crianças participam de uma estrutura comunicativa à
medida que o tópico é construído no momento pelos interactantes, reforçando a
idéia de que não existe sentido pronto. Em se tratando de linguagem, até mesmo o
silêncio é dotado de sentido!
Desta forma, podemos verificar acréscimo de informação, de confirmação,
introdução de novos tópicos, pedidos de ajuda, expressão de sentimentos,
esclarecimentos, inserção no diálogo para reforçar a fala da amiga, enfim, vemos
crianças que manifestam desejos e aprendem a entender os desejos dos outros em
um processo dinâmico e coletivo. De acordo com Morato (2004, p. 317), ”a língua
não é só signo, é ação, é trabalho coletivo dos falantes, não é simplesmente um
intermediário entre o nosso pensamento e o mundo”.
SESSÃO 2 - EPISÓDIO 3
Enquadramento: o evento se passa no ambiente escolar, dentro da sala de aula.
Contexto: trata-se de um evento corriqueiro, pois freqüentemente as crianças
precisam ficar na companhia de alguém enquanto a professora se ausenta para
acompanhar uma criança ao banheiro que fica distante da sala de aula.
Situação: a professora acompanha uma criança até o banheiro
enquanto as outras ficam na sala sentadas em círculo ao redor de
algumas mesas. Participantes: João (5 anos), Marcos (5 anos) , Mariana (4 anos),
Alex (4 anos) e o ouvinte (pesquisador).
57- João {aborda o pesquisador dirigindo-lhe o olhar e
coloca os pés
sobre a mesa, em seguida aponta para os
sapatos}
58. -
Mariana
{dirige o olhar para o pesquisador e coloca os pés
sobre a mesa apontando para os sapatos}
59 - Marcos ((repete o mesmo gesto de João e Mariana))
{aponta para os sapatos sobre a mesa e balança a
cabeça com movimentos de cima para baixo))
60 - Alex ((a exemplo das outras crianças, repete os
mesmos gestos))
{aponta para os sapatos, eleva as sobrancelhas,
balança a cabeça lentamente com movimentos
suaves de cima para baixo, faz o sinal utilizado
para a palavra eu, em seguida o sinal para a
palavra também e sorri}
61 – Ouvinte ah! Vocês estão de sapato novo? ? ((Eleva as
sobrancelhas e olha espantada))
eu já ia pedir pra não colocar os sapatos sobre a
mesa, mas vocês tão mostrando os sapatos
novos, né? ((Faz o sinal usado para a palavra
novo))
colocaram para a festa, não foi?
pro:nto agora podem colocar os pés em baixo, em
baixo da mesa, tá bom?
João, linha 57, dirige-se ao pesquisador com um olhar expressivo
demonstrando que gostaria de lhe mostrar algo. Ele aponta para os pés chamando a
atenção para os seus sapatos novos. O movimento de chamar a atenção para algo que o outro não percebeu é
literalmente copiado por todas as crianças, mas o que nos impressiona é a forma
como elas retomam o enunciado do outro dando continuidade ao campo temático
instaurado anteriormente por João. As crianças buscam estratégias para facilitar a
comunicação através do uso de gestos espontâneos e da língua de sinais de forma
que a falta da audição, conforme vimos, não lhes impede de expressar seus
sentimentos e desejos.
No enunciado de Alex, linha 60, a teia dialógica é encadeada mediante um
movimento de retomada-modificação no qual a criança se mostra com competência
lingüística para expressar ironia ao dizer que seus sapatos também são novos, mas
na verdade estava usando sapatos velhos, somente João estava usando sapatos
novos!
Para expressar ironia no seu enunciado Alex utiliza-se dos recursos da língua
de sinais no que concerne à prosódia, ou seja, faz movimentos lentos e suaves no
momento em que balança a cabeça e quando faz o sinal de também, além do
sorriso. A situação contextual iniciada pelo gesto do apontar para os sapatos que
colocara sobre a mesa, e a afirmação enfática de algo que não era verdadeiro, é
facilmente entendida pelos colegas surdos, embora o ouvinte demore um pouco a
entender toda a situação.
Nesse recorte, as crianças repetem o mesmo enunciado de João,
que queria mostrar seus sapatos novos, todos fazem uso do mesmo
gesto, o apontar, e assumem a mesma postura corporal, de orgulho,
com os pés sobre a mesa. O sentido fica claro pelos gestos das
crianças, pois as repetições criaram um elo encadeando o discurso do
falante com os outros, como defende François (1996), além de marcar
enfaticamente a interação entre todas as crianças que estavam na sala
e, também, com o ouvinte!
Entendemos que a ironia na linguagem oral é compreendida muitas vezes
quando vem acompanhada de traços supra-segmentais, pois a presença da
entonação geralmente dá o sentido que pretendemos que o outro entenda. Isso é
extremamente difícil para um surdo profundo utilizar quando faz uso da linguagem
oral, entretanto, vemos que as crianças que se utilizam da linguagem não-verbal não
têm esse problema, pois para Fernandes (2003), os traços entonacionais podem ser
observados nas línguas de sinais através da forma como o sinal é produzido, se os
movimentos são lentos ou rápidos, rígidos ou suaves, sempre acompanhados pela
expressão corporal, e é exatamente isso que ocorre nesse evento dialógico!
O ouvinte, a priori, parece não entender o que está se passando, mas logo
compreende claramente a mensagem de cada um e, além disso, entra no jogo do
diálogo lançando mão, ainda que de forma fragmentada, da mesma linguagem
usada pelas crianças, a não-verbal, como forma de se fazer entender à medida que
dá significado aos enunciados, entrando, assim, no mundo subjetivo das crianças.
SESSÃO 3 - EPISÓDIO 4
Enquadramento: a filmagem é feita na sala de aula apenas com as crianças surdas.
Contexto: neste episódio as crianças estão, como de costume, preparando-se para a
hora do lanche, momento esperado com certa ansiedade pela maioria.
Situação: a professora recolhe as massinhas de modelar e os brinquedos para que
as crianças lavem as mãos para lanchar. Todas as mesas estão juntas formando
uma grande mesa retangular e as crianças encontram-se sentadas em volta, a
animação é visível nos olhos brilhantes de todas as crianças!
Participantes: João (5 anos), Marcos (5 anos) , Pedro (5 anos), Mário (5 anos),
Mariana (4 anos), Ana (4 anos), Beth (4 anos).
62 – Marcos ((coloca a bolsa sobre a mesa e retira um pacote de
salgadinhos e uma garrafa de refrigerante. Todas as crianças
observam atentamente o lanche de Marcos))
{olha para os colegas e sorri}
63 – João {estira o braço direito em direção ao saco de salgadinhos}
((tentando pegar o salgadinho))
64 – Marcos {pega o salgadinho, balança a cabeça de um lado para o
outro e aponta para si}
65 – João {aproxima-se, toca no braço esquerdo de Marcos, aponta
para o saco de salgadinhos e para os dois simultaneamente
(.) eleva as sobrancelhas, balança a cabeça para cima e para
baixo, ergue o polegar direito e faz o sinal de obrigado}
66 – Marcos {olha para João e balança a cabeça para cima e para baixo}
((confirmando que o salgadinho é dos dois))
67 – Ana ((coloca um refrigerante sobre a mesa))
{aponta para o refrigerante, para si e olha para os colegas}
68 – Mariana {eleva as sobrancelhas com os olhos arregalados, balança a
cabeça para cima e para baixo (.) retira da bolsa um
refrigerante e faz o sinal de meu}
69 – Beth {levanta o braço direito, aponta para um refrigerante que
havia colocado sobre a mesa, aponta para si e balança a
cabeça para cima e para baixo}
70 - Ana {aponta para as colegas, Mariana e Beth, e para si (.) aponta
para os refrigerantes, faz o sinal de igual, sorri e ergue os
dois braços para cima com as mãos fechadas}
71 – João ((era o único que estava em pé com um saco de plástico na
cabeça, arruma o saco como se fosse um chapéu de chef e
começa a organizar o seu lanche))
{olha para os colegas e sorri}
72 – Marcos {abre o saco de salgadinhos e olha para os colegas}
73 – Ana {olha para Marcos, bate com as mãos sobre a mesa, aponta
para o salgadinho, junta as mãos em concha e estira os
braços em direção a Marcos}
74 – Marcos {olha para Ana, eleva as sobrancelhas e faz o sinal de
esperar}
((em seguida Marcos vai ao banheiro))
75 – João {olha para o salgadinho de Marcos, aproxima-se e pega uma
porção}
((Pedro e Mário repetem a atitude de João, em seguida
Marcos chega do banheiro))
{Aproxima-se de Marcos, toca em seu braço esquerdo,
aponta para o saco de salgadinhos e para Pedro e Mário}
76 – Mário {eleva as sobrancelhas, arregala os olhos, aponta para si e
balança a cabeça para um lado e para o outro (.) em seguida
aponta para Pedro balançando a cabeça de cima para baixo}
77 – Pedro {eleva as sobrancelhas, arregala os olhos, aponta para si
balançando a cabeça de um lado para o outro e aponta para
João}
78 – João {dá um grito, estica os braços rígidos para baixo com as mãos
fechadas e bate com o pé direito no chão}
79 – Marcos {olha para Pedro e Mário, franze a testa juntando as
sobrancelhas na linha média, abre o saco de salgadinhos
verificando o que sobrara (.) come um e se afasta deixando o
saco sobre a mesa}
((Marcos se afasta para lavar as mãos em uma pia dentro da
sala de aula, mas não tira os olhos do saco de salgadinhos
sobre a mesa))
80 – Pedro {olha para o saco de salgadinhos e pega um}
81 - João {dá um grito, pega o saco e o esconde atrás de si (.) olha
para Pedro com expressão de raiva, balança a cabeça para
um lado e para o outro e olha para Marcos}
82 – Marcos {balança a cabeça de cima para baixo}
((aprovando a atitude do colega))
{eleva as sobrancelhas e aponta para si e para João}
Nessa atividade vemos mais uma vez a capacidade comunicativa das crianças
que não se deixam vencer ao “silêncio”, mesmo diante de uma privação sensorial
tão significativa para o processo conversacional que é a audição e
conseqüentemente a linguagem oral.
As crianças surdas lançam mão da linguagem não-verbal, seja através de
gestos, seja mediante a língua de sinais, ou de expressões corporais, como
estratégias comunicativas que lhes propiciam construir o sentido do diálogo a partir
do uso funcional da linguagem que se coloca em movimento. Assim, evidenciamos a
capacidade criativa dessas crianças de realizar movimentos, tanto gestuais
quanto discursivos, tendo como objetivo único à participação efetiva das interações
com seus pares.
O uso de gestos em consonância com expressões corporais é muito comum
em crianças ouvintes em fase de aquisição da linguagem, geralmente na faixa etária
de 2 a 3 anos, apesar de as crianças que fazem parte desse trabalho se encontrar
na faixa etária entre 4 e 5 anos, também estão em aquisição da linguagem, logo é
comum que procurem se comunicar dessa forma, através de gestos e expressões
corporais.
Temos em Bakhtin (2000) uma visão ampla de diálogo, esse autor defende que
cada réplica, ainda que seja breve e fragmentária expressa a posição do locutor.
Assim, na linha 62 Marcos apenas com um sorriso se inscreve no discurso e inicia
um novo campo temático a partir do contexto “hora do lanche”. Seu sorriso não foi à
toa, ele estava dando início a uma atividade que todos esperavam com alegria:
lanchar!
Na linha 63, João se insere no diálogo e com um gesto feito com o braço direto
estirado pede salgadinho ao colega, observamos aqui um movimento de proxêmica.
A proxêmica tem por fim estudar a distância entre os interlocutores. Conforme
aponta Kerbrat-Orecchioni (1992), a proxêmica se destaca nas relações
interpessoais dentre as marcas não-verbais.
A atitude de Marcos, linha 64, expressa seu desejo de refutar o pedido do
colega. Logo, vemos que as crianças entram nos diferentes jogos de linguagem:
respondendo, perguntando, justificando e contrapondo-se. João, linha 65, não aceita
e argumenta justificando que o salgadinho pode ser para os dois, acaba, por fim,
convencendo Marcos o qual, linha 66, concorda e confirma o que dissera o colega!
Lembramos aqui Quadros (2004) quando diz que as línguas de sinais
possibilitam não apenas a necessidade comunicativa, mas, também a necessidade
expressiva. Isso faz com que o surdo possa se colocar no diálogo com competência
lingüística da mesma forma que o ouvinte, desde que faça uso de uma língua que
lhe é natural, como a língua de sinais, por exemplo, ou de gestos, e que lhe sejam
proporcionadas oportunidades para que desenvolva suas habilidades lingüísticas.
Na linha 67, Ana realiza um movimento de ruptura e faz um deslocamento
temático inserindo um novo tema, ao apontar para um refrigerante que colocara
sobre a mesa já que, naquele momento, seu desejo era também o de exibir o que
trouxera para lanchar, embora não fosse um saco de salgadinhos, tema em
circulação.
Observamos na atitude de Mariana, linha 68, o movimento de retomada ao dar
continuidade ao tema introduzido por Ana através da mesma estratégia
comunicativa, utilização da linguagem não-verbal, bem como o acréscimo da
informação de que aquele refrigerante que acabara de colocar sobre a mesa lhe
pertencia.
A reintrodução de Ana no evento dialógico, linha 70, faz-nos perceber como as
crianças surdas utilizam a língua de sinais no seu plano semântico-pragmático com
bastante propriedade, mesmo sem ter adquirido fluência, por se tratar, ainda, de
crianças em fase de aquisição da linguagem. Para Fernandes (2003), percebemos
os traços semântico-pragmáticos nas línguas de sinais consoante a aparição de
traços prosódicos manifestados através de expressões faciais, manuais ou
corporais.
No caso analisado é possível visualizamos16 a prosódia mediante a expressão
manual utilizada por Ana ao fazer lentamente o sinal de igual, demonstrando um
certo orgulho porque também possui um refrigerante semelhante ao das colegas!
João, linha 71, que se encontrava na posição de observador, insere-se mais
uma vez no diálogo assumindo uma posição de líder, pois, ao colocar um saco de
plástico sobre a cabeça, sente-se como um verdadeiro chef, logo isso lhe dá o direito
de provar de todos os lanches das crianças, a começar pelo de Marcos o que faz
com muita propriedade conforme observamos na linha 75. Retomamos aqui Kerbrat-
Orecchioni (1990) quando postula que, ao estudar os lugares na interação,
verificamos como os participantes ocupam posições de comando (posição alta) e de
comandado (posição baixa). Nesse episódio João ocupa predominantemente uma
posição de comando.
Mais uma vez Ana, linha 73, utilizando-se de um olhar reforçado pela batida
sobre a mesa, toma o turno e realiza um movimento de pedido que é entendido e
aceito por Marcos, linha 74. “Os lugares são objeto de negociação permanente entre
os interactantes” (Kerbrat-Orecchioni, 1992 p. 73), essa afirmativa é confirmada na
atitude de Ana que, interferindo no lugar de comando, antes ocupado por João, sai
da posição de comandada e passa a ocupar outro espaço, embora, como o discurso
é dinâmico, esse espaço que ora ocupa não seja definitivo!
16 Gostaríamos de esclarecer que optamos pela utilização do termo “visualizarmos” por se
tratar de uma língua espaço-visual.
Vemos, ainda, que Ana faz jus ao que defende Rector & Trinta (1990) ao dizer
que a expressividade do corpo pode dizer mais do que uma palavra. É interessante
como as crianças não só se utilizam do não-verbal para estabelecer a comunicação
plena como também buscam meios que viabilizam a compreensão do outro. No caso
apresentado, Ana sabia que seu colega Marcos, assim como ela, precisaria de um
som forte para que escutasse por isso bateu fortemente com as mãos sobre a mesa.
Atitude freqüentemente usada pelo ouvinte quando quer chamar a atenção de uma
pessoa surda!
Mário, linha 76, encadeia sobre o enunciado de João com um movimento de
contestação acerca da acusação feita pelo colega e imediatamente denuncia seu
parceiro Pedro. Este, por sua vez, na linha 77, em um movimento de oposição,
retoma o diálogo de Mário e acusa João. Impressiona-nos a cumplicidade de Pedro
que, mesmo havendo sido denunciado por Mário, não o acusa também!
O movimento de retomada-modificação é visto com muita freqüência nos
enunciados das crianças, isso se justifica, de acordo com François (1996), porque
existe uma tendência por parte do locutor em se inserir no discurso do outro,
direcionando o sentido para o foco do seu interesse, desta forma, utiliza-se do
enunciado para conduzir o sentido que pretende dar ao discurso.
SESSÃO 3 - EPISÓDIO 5
Enquadramento: a filmagem é feita na sala de aula com as crianças surdas e a
professora ouvinte.
Contexto: neste episódio as crianças estão fazendo uma atividade denominada de
“desenho livre”.
Situação: a professora entrega uma folha de papel em branco para cada criança e
coloca alguns lápis de cor sobre a mesa, distribuídos em três porções, em seguida
pede para as crianças desenharem livremente.
Participantes: Pedro (5 anos), Mário (5 anos), Mariana (4 anos), Ana (4 anos), Beth
(4 anos) e a professora ouvinte.
83 - Pedro {pega um lápis de cor, toca em Ana que está à sua esquerda,
arregala os olhos, faz o sinal de avião, sorri, abaixa a cabeça e
começa a desenhar.}
84 - Ana {olha para o desenho de Pedro e o imita}
85 - Pedro {olha para a professora, sorri, levanta a folha e verbaliza ê:}
chamando a atenção da professora, mas ela não expressa
nenhuma reação e continua escrevendo algo no papel de uma
das crianças))
86 - {abaixa a cabeça, coloca o papel sobre a mesa e continua o
desenho} ((seu semblante é de tristeza))
87 - Ana {toca no braço de Pedro, aponta para o desenho, faz o gesto de
legal com o polegar direito, eleva as sobrancelhas e balança a
cabeça de cima para baixo}
88 - Pedro {repete o mesmo gesto de legal feito por Ana, balança a cabeça
de cima para baixo, eleva as sobrancelhas, olha atentamente
para o desenho da colega} ((em seguida muda a expressão
facial))
89 - {enruga a testa juntando as sobrancelhas na linha média da
face, aponta para o desenho de Ana e para o seu e vocaliza ô:,
apóia o braço esquerdo sobre a mesa, encosta a cabeça na
mão e olha desapontado para o desenho de Ana} ((Ana
continua desenhando como se nada tivesse acontecido))
90 - Ana {bate a mão direita sobre a mesa, olha para Mário que está a
sua frente, aponta para o seu olho e para o desenho do colega,
eleva as sobrancelhas e a cabeça}
91 - Mário {afasta a mão do papel} ((tentando facilitar para que a colega
veja melhor))
92 - Ana {balança a cabeça de cima para baixo, faz o gesto de legal com
o polegar direito erguido, balança o braço várias vezes em
movimentos verticais, contínuos e amplos} ((Mário e Beth olham
para os outros colegas distraidamente))
93 - {bate a mão direita sobre a mesa levemente, olha para Mário e
Beth, faz o sinal de avião}
94 - {levanta o braço direito, movimenta os dedos, faz o sinal usado
para a expressão “olhem para mim”, aponta para Mário e Beth,
faz o sinal de todos e em seguida o de avião}.
95 - Mário {olha para Ana, balança a cabeça de cima para baixo}
96 - Beth {olha para os colegas que estão à sua direita}
97 - Ana {fecha a mão direita, bate forte sobre a mesa} ((chamando a
atenção da colega))
98 - Mário {toca em Beth e aponta para Ana} ((ambos olham para Ana))
99 - Ana {aponta para si, aponta para cada um dos colegas, faz o sinal
de avião, o sinal de grande e de legal com o polegar erguido,
inclina a cabeça para frente e para baixo e eleva as
sobrancelhas olhando para Mário e Beth}
100 - Mariana ((sentada do lado esquerdo de Ana)) {segura o braço esquerdo
de Ana, aponta para si, balança a cabeça de um lado para o
outro, faz o sinal de velho repetidamente}
101 - Ana {olha para Mariana, faz o sinal de desprezo, volta-se para Mário,
aponta para si e para cada colega, exceto Mariana, faz o sinal
de avião, o sinal de grande e o de legal, inclina a cabeça para
frente e para baixo com as sobrancelhas erguidas} ((todos que
foram apontados balançam a cabeça de cima para baixo)) {olha
para os colegas e sorri}
Após a introdução da atividade proposta pela professora que tem como tema
desenho livre, Pedro, linha 83, inicia o diálogo com Ana compartilhando a brilhante
idéia que tivera: desenhar um avião! A colega não só entendeu o que dissera Pedro,
como tratou imediatamente de imitá-lo, desenhando também um avião.
Na linha 85, Pedro verbaliza ê: de forma prolongada em um movimento de
chamamento para que a professora o perceba, é impressionante como as crianças
sabem a melhor forma de abordar o outro, seja para retomar um tema, inserir-se no
diálogo, enfim, não importa o movimento, elas, mesmo pequenas, já utilizam
estratégias de acordo com a condição sensorial do interlocultor. Nesse caso, a
professora é ouvinte, logo, Pedro a aborda utilizando a linguagem verbal, embora
ela, mesmo escutando, não lhe dê atenção naquele momento! E isso o deixa
desapontado.
Na linha 87 Ana busca a aprovação do colega ao fazer o gesto de legal e
elevar as sobrancelhas balançando a cabeça de cima para baixo. Vemos que sua
intenção era narrar o que desenhara no papel e o seu desejo era que Pedro
aprovasse, não apenas por achar bonito, mas porque ela havia feito o mesmo
desenho do colega.
Pedro, linha 88, retoma o enunciado de Ana repetindo seu gesto e confirmando
que o desenho está legal, mas imediatamente, na linha 89, ao perceber que Ana
copiara seu desenho ele faz um movimento de refutação. É notória a interação que
há entre as crianças surdas, vemos que, nas condutas dialógicas, cada uma explicita
seus sentimentos com muita propriedade, concordando, discordando, enfim,
deixando transparecer suas opiniões de forma transparente. Para François (1996) é
através da retomada e da reformulação que os encadeamentos discursivos formam
o tecido dialógico.
Mesmo consciente que Pedro reprovara sua atitude, a de imitar o seu desenho,
Ana continua como se nada acontecera e na linha 90 dirige-se ao colega que se
encontra a sua frente com um movimento de pergunta, caracterizado pelo elevar das
sobrancelhas simultâneo ao movimento da cabeça. A exemplo das línguas orais, no
plano semântico-pragmático os traços prosódicos são determinados pelo contexto,
no caso da língua de sinais, segundo Fernandes (2003), os traços são realizados
através das expressões faciais, manuais ou corporais, assim, podemos observar
claramente que Ana pergunta ao colega se pode ver o desenho dele.
Ana, linha 92, após olhar para o desenho de Mário, aprova o que o colega
fizera demonstrando a intensidade através dos movimentos contínuos e amplos ao
balançar o braço diversas vezes com o polegar erguido. É importante destacar como
as crianças surdas usam recursos diferentes para abordar alguém a depender da
condição sensorial do interlocutor, ouvinte ou surdo; isso pode ser visto na linha 93
quando Ana percebe que Mário e Beth não estão prestando atenção ao seu
enunciado e os aborda com uma batida sobre a mesa. Ela sabe que, apesar de os
colegas não escutarem o barulho por serem surdos, podem sentir a vibração. O seu
objetivo é atingido imediatamente!
Outra estratégia é usada em seguida por Ana quando levanta o braço e
movimenta os dedos para cima chamando a atenção visual dos colegas para o que
pretende dizer a todos, uma vez que, de acordo com Botelho (2002), os surdos
geralmente costumam se orientar a partir da visão, mesmo aqueles que têm resíduo
auditivo.
Conforme Gumperz (1998), quando há falta de reação a uma pista durante a
comunicação pode ocorrer mal entendidos ou falhas no processo. São essas pistas
ou estratégias que muitas vezes o ouvinte não está atento e deixa de perceber as
tentativas de comunicação, e até mesmo as tentativas de assumir uma posição
própria no diálogo, feitas pelo surdo através do uso de suas habilidades lingüísticas.
Mariana, linha 100, que antes participava do diálogo através de uma interação
de investimento mínimo, caracterizado segundo Vion (1992) como uma posição de
escuta, assume agora uma posição de comando, insere-se no diálogo expressando
um movimento de oposição ao que Ana havia sugerido na linha anterior.
Observamos, aqui, que as crianças constroem sua linguagem à medida que se
constituem enquanto sujeito social. Vemos isso cada vez que elas se colocam no
discurso como donos de suas próprias vontades, desejos, preferências e opiniões.
Mariana não concordara em viajar no avião que a colega desenhara, na sua opinião
ele era velho! Essa foi a forma de chatear a colega já que Ana estava se achando
superior e liderava a situação.
Na linha 101, Ana não se deu por vencida, assumiu a posição de comando,
reformulou seu enunciado excluindo Mariana do passeio imaginário que estava
programando fazer com os colegas e, na tentativa de provocar inveja na colega,
acrescentou outros atrativos ao seu avião: grande e legal! A atitude de Ana para
ratificar a participação de cada colega no passeio não poderia ter sido mais
transparente, ou seja, utilizando o gesto de apontar, indicou um a um olhando
atentamente para os seus escolhidos, preterindo a colega Mariana através de um
movimento semicircular.
Para Faria (2002), durante a comunicação há uma ocupação de um espaço na
interação, assim, cada um se constitui como um artesão da construção dos lugares e
da relação interpessoal. Podemos afirmar que há, pois, na complexidade do espaço
interativo, uma pluralidade de relações de lugar, conforme vimos nas freqüentes
mudanças de posição, um sujeito pode falar de vários lugares, não havendo,
portanto, um lugar fixo no discurso ocupado pelo locutor.
SESSÃO 4 - EPISÓDIO 6
Enquadramento: a filmagem é feita na sala de aula no momento em que a
professora se afasta das crianças e vai até a sua mesa.
Contexto: trata-se de um evento corriqueiro em que as crianças estão aguardando a
tarefa.
Situação: as crianças estão sentadas em círculo ao redor de algumas
mesas esperando a professora distribuir a tarefa. Participantes: Marcos (5 anos) , Mariana (4 anos), Ana (4 anos)
102 - Mariana ((levanta-se e fica em pé sobre a cadeira que
estava sentada))
{olha para um mural na parede contendo as fotos
de cada criança da sala, dá um sorriso, aponta
para uma foto e em seguida para Ana}.
103- Ana {olha para o mural, aponta para a foto e para si
balançando a cabeça com movimentos de cima
para baixo}
104 - Marcos ((levanta-se e aproxima-se de Ana))
{Toca em Ana e em seguida em si mesmo,
aproxima-se do mural, aponta para a foto dele e
para a de Ana} ((depois corre e senta))
105 - Ana {aponta para outra foto e em seguida olha para
Marta e eleva as sobrancelhas e a cabeça, olha
para Mariana e faz o sinal de Marta}
106 - Mariana {olha para Ana, balança a cabeça em um
movimento de cima para baixo e faz o sinal de
amiga}
As crianças interagem entre si e, através de um movimento de descrição
Mariana, linha 102, aponta para Ana, naquele momento entendemos que ela se
utiliza do gesto de apontar para explicar: “_ essa da foto é Ana, olha ela ali”, pois
todos olham para a foto e em seguida para Ana! Esta, por sua vez, insere-se no
diálogo, linha 103, confirmando através do balançar da cabeça de cima para baixa
em sinal de afirmação.
Nesse fragmento, o processo interacional desenvolve-se sem dificuldade e as
crianças expressam em seus enunciados um domínio da linguagem. Observamos
que o sentido vai sendo construído durante a interação, conforme François (1996), à
medida que os interactantes selecionam adequadamente os movimentos discursivos
adequados a cada situação dialógica. Vimos que Ana na linha 84, além de
reconhecer o tópico estabeleceu relações, colaborando, assim, para o
desenvolvimento da interação.
Na linha 104, Marcos, apoiando-se no turno anterior, através de uma retomada
com sentidos de narração, demonstra ter o domínio da situação, pois explicita seu
desejo de mostrar ao grupo que a sua foto também está no mural, para isso, toma
como referência Ana que todos já haviam identificado sua foto. É impressionante
como as crianças se colocam no diálogo com coerência, seus eventos dialógicos
não são soltos, ao contrário, eles retomam a fala do outro como gancho para os
seus enunciados, para isso, utilizam-se de toda forma de expressão, seja lingüística
ou não! Parece-nos interessar-lhes, apenas, o se fazer entender.
Na linha 106, Mariana concorda com Ana quando esta identifica Marta em uma
das fotos do mural. Nesse mesmo enunciado de Mariana evidenciamos, também,
um movimento de síntese, pois a criança preferiu usar o sinal de amiga ao de Marta,
feito anteriormente por Ana. Isso mostra seu desejo de se referir à criança da foto,
no caso Marta, como amiga e não simplesmente pelo seu nome ou sinal.
Nesse fragmento percebemos em cada criança a seriedade com que se
manifesta, coopera e estabelece diversas ligações entre os enunciados e os
interactantes. As trocas comunicativas ocorrem naturalmente e é possível
observarmos a capacidade que essas crianças têm de conservar a unidade
temática, de organizar os conteúdos e de escolher os parceiros que vão ajudar a
conduzir o diálogo.
Ao longo do nosso trabalho pudemos constatar que os
movimentos discursivos não se apresentam como estrutura fixa no
espaço dialógico, além do mais, constituem-se uma outra modalidade de
construção de sentido à medida que os participantes do diálogo ocupam
papéis sociais e discursivos diferenciados, tais mudanças conduzem os
sujeitos a se posicionarem de forma a construir sentido. Esses
movimentos foram evidenciados mediante retomadas com ou sem
modificações, deslocamentos, continuidades e ligações entre os
enunciados, conforme apresentaremos no quadro-resumo a seguir.
TURNOS TRANSCRIÇÃO DOS MOVIMENTOS
TIPOS DE MOVIMENTOS
2 -João {balança a cabeça de um lado para o outro, fecha o livro, simula que está dirigindo um carro} ((fazendo do livro um volante))
Deslocamento com sentido de descrição
09-João ((a criança está brincando, mas se opõe ao convite)), {balança a cabeça de um lado para o outro sinalizando que “não” e usa o sinal de dormir}. ((Junta algumas cadeiras e se deita))
Retomada com sentido de oposição
16-
Mariana
a:: ((a criança que observava tudo, vocaliza pedindo o turno)). {Levanta o dedo indicador, sopra e aponta para si e para o colega, afirmando que a festa é dos dois}
Retomada-modificação com sentido de afirmação
20-
Mariana
((vira-se para o ouvinte)). {Faz o sinal correspondente ao número 5 apontando para si}
Retomada com sentido de ligação entre os enunciados
22-
Mariana
((usando o sinal correspondente ao número 5)). {Aponta para os dois colegas}
Retomada com sentido de acréscimo de informação
46-
Mariana
{toca no ouvinte, faz um gesto sobre a mesa, ((como se estivesse explicando o caminho para ir a algum lugar)) e aponta para si}
Retomada com sentido de explicação
60-Alex ((a exemplo das outras crianças, repete os mesmos gestos)) {aponta para os sapatos, eleva as sobrancelhas, balança a cabeça lentamente com movimentos suaves de cima para baixo, faz o sinal utilizado para a palavra eu, em seguida o sinal para a palavra também e sorri}
Repetição com sentido de ironia
63-
Mariana
{Eleva as sobrancelhas com os olhos arregalados, balança a cabeça para cima e para baixo (.) retira da bolsa um refrigerante e faz o sinal de meu}
Continuidade com sentido de explicação
64-
Marcos
{pega o salgadinho, balança a cabeça de um lado para o outro e aponta para si}
Retomada com sentido de oposição
65-João {aproxima-se, toca no braço esquerdo de Marcos, aponta para o saco de salgadinhos e para os dois simultaneamente (.) eleva as sobrancelhas, balança a cabeça para cima e para baixo, ergue o
Retomada com sentido de justificação/argumentação
polegar direito e faz o sinal de obrigado}
66-
Marcos
{olha para João e balança a cabeça para cima e para baixo} ((confirmando que o salgadinho é dos dois))
Retomada com sentido de
confirmação
73-Ana {olha para Marcos, bate com as mãos sobre a mesa, aponta para o salgadinho, junta as mãos em concha e estira os braços em direção a Marcos}
Retomada com sentido de
pedido
76-Mário {eleva as sobrancelhas, arregala os olhos, aponta para si e balança a cabeça para um lado e para o outro (.) em seguida aponta para Pedro balançando a cabeça de cima para baixo}
Retomada com sentido de
contestação
83-Pedro {pega um lápis de cor, toca em Ana que está à sua esquerda, arregala os olhos, faz o sinal de avião, sorri, abaixa a cabeça e começa a desenhar}
Inserção com sentido de
asserção
85-Pedro {olha para a professora, sorri, levanta a folha e verbaliza ê:} ((chamando a atenção da professora, mas ela não expressa nenhuma reação e continua escrevendo algo no papel de uma das crianças))
Inserção com sentido de chamamento
89-Pedro {enruga a testa juntando as sobrancelhas na linha média da face, aponta para o desenho de Ana e para o seu e vocaliza ô:, apóia o braço esquerdo sobre a mesa, encosta a cabeça na mão e olha desapontado para o desenho de Ana} ((Ana continua desenhando como se nada tivesse acontecido))
Retomada com sentido de refutação
90-Ana {bate a mão direita sobre a mesa, olha para Mário que está a sua frente, aponta para o seu olho e para o desenho do colega, eleva as sobrancelhas e a cabeça}
Retomada com sentido de pergunta
99-Ana {aponta para si, aponta para cada um dos colegas, faz o sinal de avião, o sinal de grande e de legal com o polegar erguido, inclina a cabeça para frente e para baixo e eleva as sobrancelhas olhando para Mário e Beth}
Retomada com sentido de descrição
100-
Mariana
((sentada do lado esquerdo de Ana)) {segura o braço esquerdo de Ana, aponta para si, balança a cabeça de um lado para o outro, faz o sinal de velho repetidamente}
Retomada com sentido de crítica
102-
Mariana
((levanta-se e sobe na cadeira que estava sentada)) {olha para um mural na parede contendo as fotos de cada criança da sala, dá um sorriso, aponta para uma foto e em seguida para Ana}.
Retomada com sentido de explicação
104-
Marcos
((levanta-se e aproxima-se de Ana)) {Toca em Ana e em seguida em si mesmo, aproxima-se do mural, aponta para a foto dele e para a de Ana} ((depois corre e senta))
Retomada com sentido de narração
106-
Mariana
{olha para Ana, balança a cabeça em um movimento de cima para baixo e faz o sinal de amiga}
Síntese com sentido de esclarecimento
Nos episódios analisados, verificamos que as retomadas
ocorrem em número expressivo sendo uma marca na construção do
diálogo. De acordo com nossas análises, todas as crianças participaram
de uma estrutura comunicativa, pois o tópico foi construído nas
interações verificadas por cada uma, à medida que elas acrescentavam,
confirmavam informações, inseriam-se no diálogo e introduziam um
novo tópico, desempenhando papéis igualmente ativos. As crianças
apresentaram uma atividade criativa como sujeitos usuários da
linguagem, uma vez que transcenderam o mero processo de retomada
fazendo surgir algo novo no dito já estabelecido.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________________
O nosso trabalho teve por objetivo analisar como crianças surdas desenvolvem o fluxo temático no diálogo com ouvintes e com seus pares, a partir dos movimentos discursivos: retomadas e deslocamentos.
Procuramos defender a idéia de que as crianças surdas desenvolvem
estratégias comunicativas a partir do uso constante da linguagem não-verbal como:
o gesto, o olhar e o balançar da cabeça, como elementos facilitadores na construção
da teia dialógica tanto com ouvintes como com seus pares. Bem como mostrar que
essa peculiaridade possibilita a essas crianças colocar-se no diálogo utilizando-se de
diversos modos de encadeamentos discursivos verificados nos movimentos de
retomadas e deslocamentos conforme defende François (1996).
Ao final da nossa pesquisa, é possível afirmar que as nossas hipóteses foram
confirmadas através dos resultados analisados, pois os movimentos discursivos de
retomada durante a interação e construção de linguagem, possibilitaram-nos verificar
o lugar que cada criança ocupou no diálogo, enquanto sujeito, ora assumindo o lugar
de comando ora de comandado, bem como os momentos de subjetividade que os
participantes mostraram ao se inserir no discurso e instaurar novos sentidos.
Diante dos resultados analisados, vimos como as crianças surdas fizeram uso
da linguagem não-verbal através de gestos em harmonia com a Língua Brasileira de
Sinais-LIBRAS, expressando seus desejos; concordando, refutando, inserindo-se no
discurso, retomando um tema ou mesmo deslocando-o, enfim, o discurso foi se
constituindo de sentido a cada olhar, a cada movimento, já que os sujeitos se
posicionaram como ativos e criativos, participantes de uma estrutura comunicativa.
Sabemos que as línguas orais em geral têm duas modalidades, entretanto, vale
salientar que, diferentemente das línguas orais, a LIBRAS é unimodal, acreditamos
que carece a área pensar na língua de sinais na modalidade escrita, respeitando-se
sua estrutura própria, contudo, esclarecemos que não compactuamos aqui com o
sistema Sign Writing17, o qual propõe a representação das línguas de sinais de um
modo gráfico esquemático que funciona como um sistema de escrita alfabético, por
considerarmos inviável, mas sim, a sistematização daquilo que, na prática, já
podemos observar na escrita dos surdos brasileiros, a utilização do português
escrito na estrutura morfossintática da LIBRAS.
Quanto às estratégias utilizadas durante as interações, observamos que essas
crianças desenvolvem estratégias comunicativas, à medida que se inscreveram no
discurso através de um olhar, de um toque no braço do outro, de uma batida de mão
sobre a mesa, de uma mudança na postura corporal. Independente se os signos
não-verbais usados eram cinésicos lentos, como atitudes ou posturas, ou cinésicos
rápidos, como jogos de olhares, gestos e mímicas. O que lhes interessava era
inserir-se na interação com o outro com muita propriedade do contexto social ao qual
estavam expostas e, assim, instaurar novos sentidos a cada instante.
Assim, tendo em vista que o tema da enunciação é determinado não só pelas
formas lingüísticas que entram na composição (as palavras, os sons, as entoações),
mas igualmente pelos elementos não-verbais da situação, percebemos que mesmo
17 Para ver mais sobre o Sistema Sign Writing sugerimos ler: Stumpf, Marianne Rossi. Sistema Sign Writing: por uma escrita funcional para o surdo IN: Thoma at al. A invenção da surdez.Santa Cruz do Sul. Editora Edunisc, 2005.
em circunstâncias em que haja ausência de manifestação verbal a linguagem se faz
presente, visto que esta emerge através de toda forma de percepção.
Entendemos que a língua de sinais possibilita o domínio pleno, em
tempo hábil, e supre todas as necessidades do surdo, sejam de ordem
cognitivas, sejam comunicativas. Portanto, acreditamos que a sociedade
não pode negar ao surdo o direito de ter um desenvolvimento pleno da
linguagem que lhe é natural e lhe permite competência lingüística de
igual valor que a desenvolvida pela criança ouvinte. Cabe, pois, às
autoridades educacionais competentes, sistematizar o ensino da língua
de sinais ao surdo a partir da pré-escola, considerando todo o contexto
familiar em que está inserido, o qual, na grande maioria, é composto
predominantemente por ouvintes, e expandir o ensino da LIBRAS
também aos seus familiares. Desta forma, será oportunizado ao surdo
um ambiente lingüístico natural, com possibilidades de trocas
comunicativas sem truncamentos e, certamente, somente assim
teremos menos “deficientes sociais” circulando em nossas escolas.
Concluímos que o estudo dos movimentos discursivos nos deu uma
radiografia da construção do diálogo e do posicionamento do sujeito na
interação. Esses dados nos ajudam a acompanhar o desenvolvimento
do aprendiz. Acreditamos que o professor, de posse dessas análises,
pode redirecionar as estratégias em sala de aula para uma melhor
ampliação da competência lingüística de seus alunos. É essa concepção
defendida pela Lingüística Interacional que possibilita grandes
contribuições no campo do ensino e aprendizagem. Entendemos, ainda,
que é tarefa da escola desenvolver as condutas dialógicas gestuais e
escritas também dos surdos. Acreditamos que, quanto mais estimulado
for esse sujeito, haverá um maior desenvolvimento em suas habilidades
lingüísticas.
Com base nesse estudo feito e nas considerações finais,
verificamos na análise no nosso corpus a presença de alguns
movimentos discursivos com sentido argumentativo. A partir de então,
apontamos como sugestão para posteriores pesquisas no campo da
aquisição da linguagem, trabalhos voltados para a aquisição da
argumentação na Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, considerando que
se trata de um campo pouco pesquisado. Propomos esse estudo por
entendermos que a análise e a descrição do processo de aquisição da
argumentação na LIBRAS poderá proporcionar relevantes subsídios
para o professor, contribuindo, assim, para um melhor aproveitamento
das condutas dialógicas das crianças surdas em fase de aquisição de
linguagem, com vistas a um melhor contributo no ensino-aprendizagem
dessas crianças, no que concerne ao desenvolvimento de suas
competências lingüísticas, a partir da educação infantil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________________________________ BAKHTIN, M./VOLOCHINOV Marxismo e filosofia da linguagem. 11.ed. São Paulo: Ucitec, 2004 [1929]. __________. Discurso na vida e discurso na arte. Trad. Carlos A. Faraco; Cristóvão Tezza. New York Academy Press, 1976. __________ . Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BOTELHO, P. Linguagem e letramento na educação dos surdos – ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. BRAIT, B.Bakhtin e a natureza constitutiva dialógica da linguagem. In: BRAIT, B. (Org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1997. BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: Deficiência auditiva. Giuseppe Rinaldi et al . (Org.). Brasília: SEESP,1997. BRITO, L. F. Língua brasileira de sinais – LIBRAS. In: BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Língua brasileira de sinais. BRITO, L. F. et al. (Org.) Brasília: SEESP, v.3, n.4, p. 19-61,1998. CORDEIRO, A.A.A. O raciocínio lógico-dedutivo do deficiente auditivo que se utiliza da linguagem oral e/ou gestual. 1992. Dissertação (Mestrado em Psicologia Cognitiva). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1992. CORRAZE, J. As comunicações não-verbais. Trad. Roberto C. de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1982. FABBRI, P. Considerações sobre a proxêmica. In: GREIMAS, A. G. ; KRISTEVA, J.
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ANEXO 1 - LEGENDA
Para as transcrições apresentadas no nosso trabalho, optamos por seguir as
orientações de Marcuschi em seu livro Análise da conversação (1998), entretanto,
devido à especificidade de nosso corpus por se tratar de crianças surdas, além dos
sinais sugeridos pelo autor, fizemos um acréscimo visando a uma melhor transcrição
dos enunciados, conforme legenda a seguir:
(.) Pausa existente na fala
: Alongamento da vogal
(( )) Comentário do analista
Letras maiúsculas
Sílaba ou palavra pronunciada com maior ênfase
[[ ]] Falas simultâneas
{ } Enunciado não verbal das crianças surdas
ANEXO 2 - ENTREVISTA INICIAL
Nome da criança: ______________________________________________ Data de nascimento: _____/______/_________ Data da entrevista: ______/______/_________
1. Seu(a) filho(a) nasceu surdo?
( ) sim ( ) não
2. A criança é filha de pais surdos?
( ) sim ( ) não
Obs.: Caso a resposta seja afirmativa informar qual dos dois é surdo: ( ) pai ( ) mãe ( ) ambos 3. A surdez do seu(a) filho(a) foi devidamente comprovada?
( ) sim ( ) não
3. Que tipo de exame audiológico foi realizado? (Pode marcar mais de uma opção) ( ) BERA ( ) ( ) Audiometria tonal
( ) Outros. (Informar)________________________________________
4. De acordo com o resultado do(s) exame(s) audiológico, qual é o tipo e o grau da surdez de seu(a) filho(a)? a) tipo: b) grau: ( ) condutiva ( ) leve ( ) neuro-sensorial ( ) moderada ( ) mista ( ) severa ( ) profunda
5. A surdez é no ouvido: ( ) direito ( ) esquerdo ( ) em ambos
6.A criança tem outra(s) dificuldade(s) que comprometa a linguagem associada à surdez.
( ) sim ( ) não 7. A criança usa aparelho auditivo? ( ) sim ( ) não 8. Caso a resposta anterior tenha sido positiva, em qual dos ouvidos a criança usa aparelho auditivo? ( ) direito ( ) esquerdo ( ) em ambos
ANEXO 3 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
Esta pesquisa intitula-se As trocas comunicativas entre surdos e ouvintes: um estudo de caso e está sendo desenvolvida por Wilma Pastor de Andrade Sousa, aluna do Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa Linguagem e Interação em Contexto de Ensino, sob orientação da Profª. Doutora Evangelina Maria Brito de Faria. O objetivo da pesquisa é analisar como crianças surdas desenvolvem o fluxo temático no diálogo com ouvintes a partir dos movimentos discursivos: retomadas e deslocamentos. Para isto, observaremos como as crianças surdas retomam, articulam a ligação entre os enunciados, dão continuidade, inserem-se no diálogo, mudam e deslocam o assunto. A finalidade desta pesquisa é contribuir para a discussão e reflexão de uma nova prática pedagógica voltada para as questões sensíveis que permeiam a sala de aula e que, muitas vezes, não são observadas com a relevância que merecem, a exemplo das estratégias de comunicação utilizadas por crianças surdas em processo de aquisição de linguagem no âmbito da educação infantil. Acreditamos que a identificação e descrição dessas peculiaridades, poderão propiciar subsídios importantes para um melhor aproveitamento das habilidades dessas crianças a partir das séries iniciais. A participação do seu(a) filho(a) na pesquisa é voluntária e, portanto, o (a) Senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela pesquisadora. Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Solicito sua permissão para que os diálogos sejam filmados, como também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos científicos e publicar em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, os nomes das crianças serão substituídos por nomes fictícios para se manter em total sigilo suas identidades. As pesquisadoras estarão a sua disposição para quaisquer esclarecimentos que se considerem necessários em qualquer etapa da pesquisa. Eu,_______________________________________________________________, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento para meu(a) filho(a)_____________________________________________________________ participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento. João Pessoa, ________ de _____________________de _________. ___________________________________________ Assinatura do Responsável Legal pelo Participante da Pesquisa. ___________________________________________ Testemunha (em caso de analfabeto)
ANEXO 4 – O CORPUS
SESSÃO 1 - EPISÓDIO 1
((a criança se encontra sentada no chão da sala, olhando um livro de figuras de animais, enquanto isso sua mãe se aproxima)). 1 - Ouvinte ah! Cê tá olhando o leão? ((Aponta para a figura do leão e
faz o sinal de leão)). 2 - João {balança a cabeça de um lado para o outro, fecha o livro,
simula que está dirigindo um carro} ((fazendo do livro um volante)).
3 - ((em seguida, corre em direção à grade da casa e fica observando a chuva que começa a cair)).
4 - Ouvinte ah! Cê tá dirigindo um caminhão? ((Pergunta, olhando de frente para a acriança e repetindo o mesmo gesto dela com as mãos)).
5 - João ((aponta para a chuva, olha espantada para o interactante e gesticula, movimentando a mão direita como sinal de chuva)).
6 - Ouvinte é (.) tá CHUVENDO, né? ((Repetindo o mesmo gesto da criança, elevando as sobrancelhas e balançando a cabeça))
7 - João {balança a cabeça em um movimento de afirmação, olha para o interactante, repete o gesto com a mão direita e aponta para a chuva, elevando a cabeça e as sobrancelhas}. ((como quem diz: é, tá chovendo lá! Em seguida sai correndo pela casa “dirigindo”)).
SESSÃO 2 - EPISÓDIO 2 ((enquanto a professora organiza a sala de aula as crianças brincam de massa de modelar)). 8 - Ouvinte vamos brinca: (.) João? 9 - João ((a criança está brincando, mas se opõe ao convite)), {balança a
cabeça de um lado para o outro sinalizando que “não” e usa o sinal de dormir}. ((Junta algumas cadeiras e se deita))
10 - Ouvinte qué não? ((balança a cabeça usando o mesmo gesto de negação de João)) qué dormi: (.) é? ((faz o sinal de dormir)).
11 - João {dirige o olhar para o ouvinte e em seguida fecha osolhos} ((ignorando a pergunta feita))
12 - Marcos ((aproxima-se)). {Toca nos ombros do ouvinte, bate palmas, levanta o dedo indicador e sopra, apontando para si em seguida}.
13 - Ouvinte ah! É teu parabéns? É teu parabéns (.) é? ((bate palmas, usando o mesmo gesto da criança)) Tem festa?...e de quem mais?
14 - Marcos {levanta o dedo indicador, sopra, aponta novamente para si, e balança a cabeça com gesto de afirmação}.
15 - Ouvinte tua festa ...((diz isso apontando para a criança)) e de quem mais? ((usa o sinal de quem, em seguida aponta para Ana e pergunta...)) tua também? ((a criança não responde)).
16 - Mariana a:: ((a criança que observava tudo, vocaliza pedindo o turno)). {Levanta o dedo indicador, sopra e aponta para si e para o colega, indicando que a festa é dos dois}.
17 – Ouvinte dos DOIS? (.) Tua também? ((aponta para Ana)). 18 - Ana {balança a cabeça afirmando, faz o sinal do número 5 e aponta
para si}.
19 - Ouvinte tu também? (.) Tu tens 5 anos (.) é? E a festa também é tua? 20 - Mariana ((vira-se para o ouvinte)). {Faz o sinal correspondente ao
número 5 apontando para si}. 21 - Ouvinte TAMBÉM ? (Eleva as sobrancelhas e olha espantada) 22 - Mariana ((usando o sinal correspondente ao número 5)). {Aponta para os
dois colegas}. 23 - Ouvinte os TRÊS têm 5 anos? ((levanta a mão fazendo o sinal do
número 3)). 24 - Mariana ((vira-se para Marcos)). {Balança a cabeça afirmando, faz o
sinal de bolo e aponta para ele e para ela concomitantemente. Levanta o dedo indicar, sopra, aponta para o bolo e faz o gesto de legal com o polegar erguido, balançando a cabeça e elevando as sobrancelhas}.
25 - Ouvinte Ana (.) hoje a festa é tua também? 26 - Ana {bate palmas, levanta o indicador, sopra e aponta para si, em
seguida, abre os braços e faz o sinal de vovó}. ((O aniversário dela já havia sido comemorado na casa da avó)).
27 - Ouvinte ah!!! (.) Na tua festa tinha um bolo GRANDE? ((usa o mesmo gesto com os braços abertos)).
28 - Ana {balança a cabeça afirmando} bo:lo ga:nde ((diz a criança com articulação exagerada e repete o gesto com os braços abertos}.
29 - Ouvinte tinha um bolo GRANDE! ((Faz o mesmo gesto da criança com os braços abertos))
30 - João ((levanta-se, aproxima-se do grupo)) {faz o mesmo gesto usado pelos colegas para bolo, eleva o indicador, sopra e bate no tórax com a mão direita aberta}. ((Sinalizando que a festa também é dele))
31 - Ouvinte ((continua conversando com Ana)) tava bom o bolo? 32 - Ana bom! {balança a cabeça com gesto de afirmação}. [[Todas as
crianças levantam os dedos ao mesmo tempo para dizer a idade]].
33 - Ouvinte oh! fala da tua festa, como foi? ((dirigindo-se a Ana)) [[todos insistem em dizer a idade simultaneamente]].
34 - Ana ((insiste em dizer que ela é quem tem 5 anos)) {Aponta para si e repete o número 5}
35 - Ouvinte sim,mas ela também tem 5 anos ((aponta para Mariana)), ela também, tá ce:rto?
36 - João {levanta o braço, aponta para uma garrafa d’água e faz o sinal de azul}
37 - Ouvinte o que foi João? O que foi Ana? O que ele está falando? Água? Ah! Para abrir a água? ((Aproxima-se de João)) Ah! deixa que eu ajude você, qué água? Qué que a tia abra?
38 - João {olha para o ouvinte e faz uma cara feia} ((em seguida, continuou tentando abrir a garrafa))
39 - Ouvinte qué que a tia abra? 40 - João {balança a cabeça com gesto de negação) 41 - Ouvinte que cara feia é essa? Posso ajudar você? 42 - João {balança a cabeça com gesto de negação} 43 - Ouvinte Tá bom, fica aí no teu cantinho, né? ((Aproxima-se das outras
crianças que estão brincando com massa de modelar)). Estão fazendo o quê? Estão brincando de quê?
44 - Pedro {levanta o braço, chama o ouvinte, aponta para a água que está na estante e faz o sinal de água}
45 - Ouvinte Ah! Tem água lá? Tem água lá em cima? Bom né? Tá com sede?
46 - Mariana {toca no ouvinte, faz um gesto sobre a mesa, ((como se estivesse explicando o caminho para ir a algum lugar)) e aponta para si}
47 - Ouvinte tá fazendo o quê? o caminho pra onde, pra:: casa? 48- Marcos ((faz o mesmo gesto feito por Mariana na mesa)) 49 - Ouvinte pra onde? ((faz o sinal usado para a palavra onde)) 50 - Marcos {faz o sinal de ônibus} 51 - Ouvinte ah! Pra pegar o ônibus, é? Legal! Vai pra casa de ônibus
também, Ana? 52 - Ana {faz o mesmo gesto dos colegas com a mão sobre a mesa}
((desenhando o percurso até a parada de ônibus)) 53 - Ouvinte ah! Sai por aí, é? Sai, dobra à esquerda e fica esperando o
ônibus ((faz sinal de ônibus)) lá na rua, lá fora? 54 - João ((aproxima-se do grupo)) {toca em Ana ,mostra a garrafa d’água
aberta, flexiona o braço direito e o levanta ((mostrando que é forte, em seguida simula que está abrindo a garrafa))
55 - Ouvinte o que FOI? ((olha espantada)) conseguiu abrir a água? Ah! Ele conseguiu abrir, legal, né?
56 - Ana {balança a cabeça com gesto de afirmação e bate palmas} ((a professora recolhe as massas))
SESSÃO 2 - EPISÓDIO 3 ((a professora acompanha uma criança até o banheiro enquanto as
outras ficam na sala sentadas em círculo ao redor de algumas mesas)).
57- João {aborda o pesquisador dirigindo-lhe o olhar e coloca os pés sobre a mesa, em seguida aponta
para os sapatos} 58. - Mariana
{dirige o olhar para o pesquisador e coloca os pés sobre a mesa apontando para os sapatos}
59 - Marcos ((repete o mesmo gesto de João e Mariana)) {aponta para os sapatos sobre a mesa e balança a cabeça com movimentos de cima para baixo))
60 - Alex ((a exemplo das outras crianças, repete os mesmos gestos)) {aponta para os sapatos, eleva as sobrancelhas, balança a cabeça lentamente com movimentos suaves de cima para baixo, faz o sinal utilizado para a palavra eu, em seguida o sinal para a palavra também e sorri}
61 - Ouvinte ah! Vocês estão de sapato novo? ? ((Eleva as sobrancelhas e olha espantada)) eu já ia pedir pra não colocar os sapatos sobre a mesa, mas vocês tão mostrando os sapatos novos, né? ((Faz o sinal usado para a palavra novo)) colocaram para a festa, não foi? pro:nto agora podem colocar os pés em baixo, em baixo da mesa, tá bom?
SESSÃO 3 - EPISÓDIO 4
((a professora recolhe as massinhas de modelar e os brinquedos para que as
crianças lavem as mãos para lanchar. Todas as mesas estão juntas formando uma
grande mesa retangular e as crianças encontram-se sentadas em volta, a animação
é visível nos olhos brilhantes de todas as crianças!))
62 - Marcos ((coloca a bolsa sobre a mesa e retira um pacote de salgadinhos e uma garrafa de refrigerante. Todas as crianças observam atentamente o lanche de Marcos)) {olha para os colegas e sorri}
63 - João {estira o braço direito em direção ao saco de salgadinhos} ((tentando pegar o salgadinho))
64 - Marcos {pega o salgadinho, balança a cabeça de um lado para o outro e aponta para si}
65 - João {aproxima-se, toca no braço esquerdo de Marcos, aponta para o saco de salgadinhos e para os dois simultaneamente (.) eleva as sobrancelhas, balança a cabeça para cima e para baixo, ergue o polegar direito e faz o sinal de obrigado}
66 - Marcos {olha para João e balança a cabeça para cima e para baixo} ((confirmando que o salgadinho é dos dois))
67 - Ana ((coloca um refrigerante sobre a mesa)) {aponta para o refrigerante, para si e olha para os colegas}
68 - Mariana {eleva as sobrancelhas com os olhos arregalados, balança a cabeça para cima e para baixo (.) retira da bolsa um refrigerante e faz o sinal de meu}
69 - Beth {levanta o braço direito, aponta para um refrigerante que havia colocado sobre a mesa, aponta para si e balança a cabeça para cima e para baixo}
70 - Ana {aponta para as colegas, Mariana e Beth, e para si (.) aponta para os refrigerantes, faz o sinal de igual, sorri e ergue os dois braços para cima com as mãos fechadas}
71 - João ((era o único que estava em pé com um saco de plástico na cabeça, arruma o saco como se fosse um chapéu de chef e começa a organizar o seu lanche)) {olha para os colegas e sorri}
72 - Marcos {abre o saco de salgadinhos e olha para os colegas} 73 - Ana {olha para Marcos, bate com as mãos sobre a mesa, aponta
para o salgadinho, junta as mãos em concha e estira os braços em direção a Marcos}
74 - Marcos {olha para Ana, eleva as sobrancelhas e faz o sinal de esperar} ((em seguida Marcos vai ao banheiro))
75 - João {olha para o salgadinho de Marcos, aproxima-se e pega uma porção} ((Pedro e Mário repetem a atitude de João, em seguida Marcos chega do banheiro)) {Aproxima-se de Marcos, toca em seu braço esquerdo, aponta para o saco de salgadinhos e para Pedro e Mário}
76 - Mário {eleva as sobrancelhas, arregala os olhos, aponta para si e balança a cabeça para um lado e para o outro (.) em seguida aponta para Pedro balançando a cabeça de cima para baixo}
77 - Pedro {eleva as sobrancelhas, arregala os olhos, aponta para si balançando a cabeça de um lado para o outro e aponta para João}
78 - João {dá um grito, estica os braços rígidos para baixo com as mãos fechadas e bate com o pé direito no chão}
79 - Marcos {olha para Pedro e Mário, franze a testa juntando as sobrancelhas na linha média, abre o saco de salgadinhos verificando o que sobrara (.) come um e se afasta deixando o saco sobre a mesa} ((Marcos se afasta para lavar as mãos em uma pia dentro da sala de aula, mas não tira os olhos do saco de salgadinhos sobre a mesa))
80 - Pedro {olha para o saco de salgadinhos e pega um} 81 - João {dá um grito, pega o saco e o esconde atrás de si (.) olha
para Pedro com expressão de raiva, balança a cabeça para um lado e para o outro e olha para Marcos}
82 - Marcos {balança a cabeça de cima para baixo}
((aprovando a atitude do colega)) {eleva as sobrancelhas e aponta para si e para João}
SESSÃO 3 - EPISÓDIO 5 ((a professora entrega uma folha de papel em branco para cada criança e coloca
alguns lápis de cor sobre a mesa, distribuídos em três porções, em seguida pede
para as crianças desenharem livremente)).
83 - Pedro {pega um lápis de cor, toca em Ana que está à suaesquerda, arregala os olhos, faz o sinal de avião, sorriabaixa a cabeça e começa a desenhar.}
84 - Ana {olha para o desenho de Pedro e o imita}
85 - Pedro {olha para a professora, sorri, levanta a folha e verbaliza ê:} ((chamando a atenção da professora, mas ela não expressanenhuma reação e continua escrevendo algo no papel deuma das crianças))
86 - {abaixa a cabeça, coloca o papel sobre a mesa e continua odesenho} ((seu semblante é de tristeza))
87 - Ana {toca no braço de Pedro, aponta para o desenho, faz o gestode legal com o polegar direito, eleva as sobrancelhas ebalança a cabeça de cima para baixo}
88 - Pedro {repete o mesmo gesto de legal feito por Ana, balança acabeça de cima para baixo, eleva as sobrancelhas, olhaatentamente para o desenho da colega} ((em seguida mudaa expressão facial))
89 - {enruga a testa juntando as sobrancelhas na linha média daface, aponta para o desenho de Ana e para o seu e vocalizaô:, apóia o braço esquerdo sobre a mesa, encosta a cabeçana mão e olha desapontado para o desenho de Ana} ((Anacontinua desenhando como se nada tivesse acontecido))
90 - Ana {bate a mão direita sobre a mesa, olha para Mário que está asua frente, aponta para o seu olho e para o desenho docolega, eleva as sobrancelhas e a cabeça}
91 - Mário {afasta a mão do papel} ((tentando facilitar para que a colegaveja melhor))
92 - Ana {balança a cabeça de cima para baixo, faz o gesto de legacom o polegar direito erguido, balança o braço várias vezesem movimentos verticais, contínuos e amplos} ((Mário e Betholham para os outros colegas distraidamente))
93 - {bate a mão direita sobre a mesa levemente, olha para Márioe Beth, faz o sinal de avião}
94 - {levanta o braço direito, movimenta os dedos, faz o sinausado para a expressão “olhem para mim”, aponta paraMário e Beth, faz o sinal de todos e em seguida o de avião}.
95 - Mário {olha para Ana, balança a cabeça de cima para baixo}
96 - Beth {olha para os colegas que estão à sua direita}
97 - Ana {fecha a mão direita, bate forte sobre a mesa} ((chamando aatenção da colega))
98 - Mário {toca em Beth e aponta para Ana} ((ambos olham para Ana))
99 - Ana {aponta para si, aponta para cada um dos colegas, faz osinal de avião, o sinal de grande e de legal com o polegarerguido, inclina a cabeça para frente e para baixo e eleva assobrancelhas olhando para Mário e Beth}
100 - Mariana ((sentada do lado esquerdo de Ana)) {segura o braçoesquerdo de Ana, aponta para si, balança a cabeça de umlado para o outro, faz o sinal de velho repetidamente}
101 - Ana {olha para Mariana, faz o sinal de desprezo, volta-se paraMário, aponta para si e para cada colega, exceto Marianafaz o sinal de avião, o sinal de grande e o de legal, inclina acabeça para frente e para baixo com as sobrancelhaserguidas} ((todos que foram apontados balançam a cabeçade cima para baixo)) {olha para os colegas e sorri}
SESSÃO 4 - EPISÓDIO 6
((as crianças estão sentadas em círculo ao redor de algumas mesas
esperando a professora distribuir a tarefa)).
102 - Mariana ((levanta-se e fica em pé sobre a cadeira que estava sentada)) {olha para um mural na parede contendo as fotos de cada criança da sala, dá um sorriso, aponta para uma foto e em seguida para Ana}.
103- Ana {olha para o mural, aponta para a foto e para si balançando a cabeça com movimentos de cima para baixo}
104 - Marcos ((levanta-se e aproxima-se de Ana)) {toca em Ana e em seguida em si mesmo, aproxima-se do mural, aponta para a foto dele e para a de Ana} ((depois corre e senta))
105 - Ana {aponta para outra foto e em seguida olha para Marta e eleva as sobrancelhas e a cabeça, olha para Mariana e faz o sinal de Marta}
106 - Mariana {olha para Ana, balança a cabeça em um movimento de cima para baixo e faz o sinal de amiga}
ANEXO 5 – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA DO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA.
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