7/21/2019 Wlademir Paes - Dissertao de Mestrado
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
FACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS - FDA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO - PPGD
WLADEMIR PAES DE LIRA
DIREITO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE CONVIVNCIA
FAMILIAR
Macei-AL
2011
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WLADEMIR PAES DE LIRA
DIREITO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE CONVIVNCIA
FAMILIAR
Dissertao apresentada como requisito paraconcluso do Curso de Mestrado daFaculdade de Direito da UniversidadeFederal de Alagoas.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Luiz Netto Lbo.
Macei-AL
2011
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Catalogao na fonteUniversidade Federal de Alagoas
Bibl ioteca CentralDiviso de Tratamento Tcnico
Bibliotecria Responsvel: Helena Cristina Pimentel do Vale
L768d Lira,Wlademir Paes de.Direito da criana e do adolescente convivncia familiar / Wlademir Paes de
Lira. 2011.
153 f.
Orientador: Paulo Luiz Netto Lbo.
Dissertao (mestrado em Direito) Universidade Federal de Alagoas. Facul-
dade de Direito de Alagoas. Programa de Ps-Graduao em Direito. Macei,
2011.
Bibliografia: f. 143-153.
1. Direitos fundamentais Crianas e adolescentes . 2. Direitos humanos.
3. Direito de famlia. 4. Direito convivncia familiar. I. Ttulo.
CDU: 342.7-053.2/.6
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof Dr. Manoel Cavalcante LimaNeto, pelo incentivo para que fizesse a seleo doMestrado.
Ao meu orientador Prof Dr. Paulo LuizNetto Lbo, pela dedicao e pelos ensinamentosindispensveis concluso desse curso.
Aos Prof Drs. Andras Krell, Diretor daFaculdade de Direito de Alagoas, George Sarmento eAlberto Jorge Correia de Barros Lima,respectivamente Coordenador e Vice-Coordenador docurso de mestrado, pelo apoio constante.
Aos demais Professores do Mestrado,pela pacincia e competncia com que passaram seusensinamentos.
Aos servidores do Curso, pela dedicaosempre dispensada.
Aos colegas da turma-V, pelocompanheirismo e pelas indispensveis trocas deexperincias.
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RESUMO
Esta dissertao tem o propsito de analisar a relevncia do direito da criana e doadolescente convivncia familiar e as possibilidades de efetivao no direito brasileiro.Procuraremos demonstrar que apesar da evoluo do Direito de Famlia, principalmente nocontexto constitucional, e apesar de ser o direito de convivncia um direito humanofundamental, exigindo, como consequncia, efetividade plena e autoaplicabilidade, inclusivecom prioridade absoluta, por se tratar de direito vinculado criana e ao adolescente, suaefetivao no Brasil, assim como ocorre em outros pases perifricos, tem encontrado grandesdificuldades. Embora o reconhecimento da criana e do adolescente como sujeitos de direito
j no seja questo que imponha grandes discusses, assim como a evoluo do aindadenominado por boa parte da doutrina de direito de visitas para o direito de convivncia -convivncia essa que por exigncia constitucional deve possibilitar ao menor relacionamentofamiliar efetivo com todos os membros da famlia, no sentido mais amplo possvel -, pordiversos motivos tal direito fundamental tem sido mitigado, causando prejuzos irreparveisna formao dos futuros cidados brasileiros. Como forma de minimizar os problemas
provocados pelo no atendimento ao referido direito, tentaremos demonstrar que muito podeser feito pelo Estado, para melhor atender demanda em anlise, quer promovendo medidas
judiciais que tornem mais efetivo o direito de convivncia dos filhos dentro da estruturafamiliar, quer efetivando polticas pblicas que visem assegurar o direito de convivncia dascrianas em situao de risco, atravs da adoo.
Palavras-Chave: Direitos humanos. Direitos fundamentais. Direito Constitucional. Direito
de Famlia.Direito de convivncia.
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ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the relevance of the right of children and adolescents andtheir family socialization and the possibilities of its effectuation in Brazilian law. We seek toshow that despite the evolution of family law, especially in the constitutional context andalthough they are entitled to fundamental human right of living, requiring, as a consequence,full and effective self-administered, including absolute priority, because it is right bound tochildren and adolescents, the effect of the same in Brazil as well as in other peripheralcountries, has found great difficulties. Although the recognition of children and adolescents assubjects of law is no longer question that imposes great discussions as well as the evolution ofyet called for much of the doctrine of "visitation rights" to the right to cohabitation, which in
this coexistence constitutional requirement should enable to the menor the most effectivefamily relationship with all family members, in the broadest sense possible, for variousreasons such a fundamental right has been mitigated, causing irreparable damage in theformation of future citizens. To minimize the problems caused by non-fulfillment of this right,try to demonstrate that much can be done by the state to better meet the demand underconsideration, either by promoting judicial measures that make more effective the right ofchildren living within the family structure or making effective public policies that ensure theright of living of children at risk, through adoption.
Key-Words: Human rights. Fundamental rights. Constitutional Law. Family Law. Law of
coexistence.
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SUMRIO
INTRODUO 9
1 DO DIREITO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE CONVIVNCIAFAMILIAR...........................................................................................................13
1.1. Conceito de criana e adolescente na legislao brasileira ............................ 13
1.2. Criana e adolescente de objetos a sujeitos de direitos ............................... 15
1.3. Do direito de visitas ao direito de convivncia ............................................... 17
1.4. Alguns princpios que regem o direito da criana e do adolescente
convivncia familiar ........................................................................................ 19
1.4.1. Princpio do melhor interesse da criana........................................................... 20
1.4.2. Princpio da convivncia familiar..................................................................... 21
1.4.3. Princpio da afetividade.................................................................................... 22
1.4.4. Princpio da solidariedade................................................................................. 25
2. DIREITO DE CONVIVNCIA COMO DIREITO HUMANO
FUNDAMENTAL ....................................................................................................... 27
2.1 Algumas linhas sobre a questo terminolgica acerca dos direitos humanos
fundamentais ...................................................................................................... 27
2.2. Direito de convivncia no mbito internacional................................................ 33
2.3. O direito da criana e do adolescente convivncia familiar, no direito
brasileiro ............................................................................................................. 372.4. A convivncia familiar como direito humano fundamental, sua vinculao com
a dignidade da pessoa humana e a prioridade absoluta para sua efetivao ... 39
2.5. O relativismo cultural como dificultador da efetivao dos direitos da criana e
do adolescente..................................................................................................... 43
3. A EFETIVAO DO DIREITO DE CONVIVNCIA DA CRIANA E DO
ADOLESCENTE NA COMUNIDADE FAMILIAR ........................................ 61
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3.1. Juridicidade do afeto.......................................................................................... 61
3.2. O afeto decorrente da paternidade/maternidade responsvel .......................... 63
3.3. As formas de guarda e seus reflexos no direito de convivncia ........................ 65
3.3.1. Guarda unilateral .................................................................................................. 66
3.3.2. Guarda alternada ................................................................................................. 66
3.3.3. Nidao ou aninhamento ..................................................................................... 67
3.3.4. Guarda compartilhada.......................................................................................... 68
3.4 O descumprimento do dever do pai/me guardio ou de terceiro de fomentar a
convivncia dos filhos com o pai/me no guardio. ........................................ 69
3.5. O descumprimento do dever do filho em conviver com o pai/me no
guardio ............................................................................................................. 723.6. Descumprimento do dever de convivncia por parte do pai/me no
guardio .............................................................................................................. 74
3.7. A questo das famlias recompostas .................................................................. 77
3.8. As sanes processuais para os casos de descumprimento do dever de
convivncia ......................................................................................................... 80
3.9. Consequncias penais como forma de efetivar o direito de convivncia .......... 91
4. A EFETIVAO DO DIREITO DE CONVIVNCIA DA CRIANA E DOADOLESCENTE QUE SE ENCONTRAM EM SITUAO DE RISCO,ATRAVS DA ADOO ................................................................................ 102
4.1 Polticas pblicas e direitos fundamentais...................................................... 102
4.2. Controle judicial das polticas pblicas .......................................................... 109
4.3. Necessidade de polticas pblicas para efetivao de direitos fundamentais
relativos s crianas e aos adolescentes .......................................................... 115
4.4. As crianas e adolescentes em situao de risco na cidade de Macei e as
polticas pblicas para a insero dos mesmos em famlias substitutas atravs
da adoo ......................................................................................................... 117
4.5. Necessidade de uma uniformizao tica nos processos que envolvem adoo
por casais homossexuais .................................................................................. 123
CONCLUSO .......................................................................................................... 137
REFERNCIA ......................................................................................................... 143
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INTRODUO
Trataremos do tema direito da criana e do adolescente convivncia familiar sob
o enfoque de efetivao jurdico-social, j que nossa inteno analisar a inefetividade de tal
direito e propor algumas medidas que possam melhor efetiv-lo, no s no plano jurdico,
como no plano social, na perspectiva de modificao da realidade.
Como trabalharemos com direitos fundamentais e Direito Civil Constitucional,
entendemos que o trabalho se amolda dentro do ncleo temtico proposto pelo mestrado, e
ter como marco terico o enquadramento do direito da criana e do adolescente como direito
humano fundamental, sua regulamentao no Direito Internacional e no Direito brasileiro, sua
mitigao e ineficcia, e as perspectivas para que possa ser mais bem efetivado tanto no nosso
sistema jurdico como na realidade social.
O direito de convivncia ganhou tanta importncia como decorrncia do princpio
da convivncia familiar, que precisamos limitar o foco de anlise do presente trabalho. Por
convivncia familiar entendem-se todas as relaes dentro da famlia, aplicando-se o direito
de convivncia a idosos, deficientes, cnjuges, entre outros. Porm, o objeto especfico desta
dissertao o direito de convivncia relacionado criana e ao adolescente.
Temos observado, no exerccio da magistratura na rea de famlia, que o
denominado direito de visitas ainda continua sendo visto, como o nome indica, como o direito
do pai no guardio em visitar o filho, em horrios preestabelecidos e quando for de interesse
daquele.
Embora uma parte da doutrina j tenha alcanado a evoluo que sofreu o direito
de visitas, boa parte ainda o trata como outrora, e o que mais preocupante, o Judicirio notem dado a devida importncia efetivao desse direito/dever.
Com o objetivo de tentar contribuir para uma maior efetivao de to importante
direito da criana e do adolescente, analisaremos a transformao que estes sofreram de
objetos para sujeitos de direitos, no plano internacional e constitucional, embora a
coisificao do menor de idade ainda coisa bastante presente na nossa sociedade.
Veremos que o artigo 227 da Constituio Federal institui no Brasil o direito da
criana e do adolescente convivncia familiar, cuja efetivao obrigao do Estado, da
famlia e da sociedade, o que fez com que o antigo direito de visitas, ainda previsto no nosso
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Cdigo Civil, e ainda assim denominado por boa parte da doutrina, tenha evoludo para o
direito de convivncia, que para atendimento do mandamento constitucional impe a
convivncia da criana e do adolescente dentro de uma comunidade familiar, e com todos os
membros da famlia, da forma mais ampla possvel, inclusive nos casos da multiparentalidade
decorrente das famlias recompostas, de modo a propiciar a mais completa formao de que o
ser humano em desenvolvimento necessita.
Alm da vinculao especfica ao princpio da convivncia familiar, o direito de
convivncia se vincula aos princpios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da
igualdade, da liberdade, da afetividade, da paternidade/maternidade responsvel, alm do
melhor interesse da criana, todos criando uma estrutura principiolgica extremamente
relevante para impor a efetivao de tal direito.
Dada a importncia do enquadramento do direito da criana e do adolescente
convivncia familiar, procuraremos demonstrar tratar-se de direito humano fundamental.
Para tanto, vislumbraremos como evoluram terminolgica e conceitualmente os
direitos humanos e os direitos fundamentais, para criar supedneo ao nosso entendimento de
que, embora distintas sejam as expresses direitos humanos e direitos fundamentais, para a
maioria da doutrina no se apresenta como inadequada a expresso direito humanofundamental, enquadramento que nos parece aplicvel ao direito da criana e do adolescente
convivncia familiar, como um passo inicial importante para a sua efetivao.
Faremos uma abordagem sucinta acerca do multiculturalismo, ressaltando a
preocupao com o relativismo cultural, j que a defesa de tal relativismo vem sendo um
grande propulsor na aceitao de descumprimento de direitos humanos em vrios nveis e em
todas as partes do mundo, principalmente no que concerne aos direitos das crianas e dos
adolescentes.
No defenderemos, contudo, o universalismo, tambm radical, com o qual se
procura impor uma cultura hegemnica contra todas as outras minoritrias, de modo que
aquele aniquile completamente estas, o que foi tragicamente tentado em vrias oportunidades
e em todos os continentes.
Procuraremos, todavia, demonstrar a possibilidade e a necessidade da
universalizao de uma carga mnima de direitos humanos ligados s crianas e aos
adolescentes, vinculada dignidade desses sujeitos, de modo que se preserve a diversidade
cultural sem comprometer direitos humanos mnimos, que devem ser eleitos pelas culturas
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mais flexveis e reconhecidas, e impostos a todas as culturas, no s atravs do Direito, como
tambm atravs de todas as formas de comunicao entre as comunidades.
A no efetivao do direito da criana e do adolescente convivncia se d em
diversos nveis e por diversos motivos.
Para minimizar essa falta de efetividade e as consequncias danosas que ela traz,
analisaremos o problema sob dois aspectos distintos.
No primeiro aspecto, estudaremos a inefetividade do direito de convivncia dos
filhos aps a dissoluo da sociedade afetiva, abordando quando esta se apresenta em
decorrncia da atuao do guardio, que dificulta o acesso do filho parte parental no
guardi; quando o prprio filho se nega a conviver com o pai/me no guardio; e quando ano convivncia se d pelo descumprimento, por parte do pai/me no guardio, do dever de
conviver com os filhos.
Para cada caso, analisaremos as medidas que podem ser adotadas para possibilitar
uma maior efetivao de tal direito, que podem ir desde as medidas pr-processuais, como a
mediao ou a terapia familiar, at as providncias que podem ser adotadas pelo Judicirio
com o apoio indispensvel das equipes interdisciplinares, at se chegar s sanes penais no
caso de abandono voluntrio dos filhos.
No segundo aspecto, verificaremos as dificuldades para efetivao do direito de
convivncia das crianas e adolescentes em situao de risco, atravs da colocao em famlia
substituta.
Como forma de minimizar os problemas enfrentados pelas crianas abandonadas
pelas famlias biolgicas, partiremos da premissa de quem pode(deve) o mais, pode(deve) o
menos, e procuraremos demonstrar que os direitos sociais, em muitos casos, no so normas
meramente programticas, e precisam ser efetivados atravs de polticas pblicas. Caso estas
no sejam efetivadas ou mantidas satisfatoriamente pelo Poder Executivo, pode haver
interveno do Poder Judicirio tanto na implementao como na execuo das referidas
polticas, o que se aplica, com muito mais propriedade, no caso dos direitos fundamentais de
primeira gerao, que para serem efetivados tambm necessitam da adoo de polticas do
poder pblico, em especial, o direito fundamental da criana e do adolescente convivncia
familiar.
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Tentaremos demonstrar que, se utilizado adequadamente, o controle de polticas
pblicas por parte do Poder Judicirio no afeta o princpio da separao dos poderes, assim
como que a reserva do possvel no pode servir de libi para que os direitos fundamentais
que necessitem da execuo de polticas pblicas para sua efetivao no passem de
perspectivas ideolgicas sem qualquer possibilidade de cobrana ou de controle, o que
acabaria por mitig-los definitivamente, principalmente num pas perifrico, como o Brasil,
com maior nfase no Nordeste, onde se verifica uma imensa desigualdade social e onde os
projetos desenvolvidos pelos administradores esto, na maioria das vezes, vinculados a
interesses polticos ou corrupo que, infelizmente, ainda move as polticas dos governos.
Ressaltaremos tambm que a atuao do Judicirio nas polticas que visam
efetivar o direito da criana e do adolescente convivncia familiar, no caso de persistir a
inrcia por parte do Executivo, alm de permitido constitucionalmente, ser de extrema
utilidade social, se exercida com ponderao, dentro de necessidades especficas, com
medidas adequadas e proporcionais, sem que tal postura inviabilize outras polticas
desenvolvidas pelo Estado, vinculadas a direitos fundamentais tambm relevantes.
Outra questo significativa que vem dificultando a efetivao do direito da criana
e do adolescente em situao de risco convivncia familiar, atravs da adoo, a postura
do Judicirio em relao adoo por casais homossexuais, que analisaremos com enfoque na
necessidade de uma uniformizao tica nas decises judiciais.
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1 DO DIREITO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE CONVIVNCIA FAMILIAR
1.1 Conceito de criana e adolescente na legislao brasileira
O conceito de criana no se encontrava explicitado nos instrumentos
internacionais que tratavam dos direitos humanos, nem na prpria Declarao Universal dos
Direitos da Criana, que se analisar adiante, muito menos se encontra uma diferena em tais
diplomas, acerca da diferena conceitual entre criana e adolescente.
O problema residia, como ainda reside, na dificuldade de se determinar quais os
critrios a serem utilizados para tal conceituao, dadas as diversidades encontradas entre os
Estados Partes, inclusive dentro do prprio critrio objetivo, que o etrio, se estabelecer os
limites mximos e mnimos de idade para se considerar uma pessoa criana, o que era deixado
para cada legislao nacional dos Estados Partes.
Com a Conveno sobre os Direitos da Criana, foi adotada uma definio
internacional, ligada ao critrio etrio, que estabelece em seu artigo 1 que a criana todo ser
humano com menos de dezoito anos de idade.1
Para a definio do critrio que prevaleceu na Conveno foram inmeras as
controvrsias, j que muitos Estados Partes tinham um limite etrio muito baixo para acaracterizao do indivduo como criana, restringindo a aplicao da Conveno; e outros,
um limite etrio muito elevado, ampliando demasiadamente tal aplicao, da a razo de ser
da ressalva feita na Conveno de que seria respeitado o estabelecimento de uma faixa etria
menor para se alcanar a maioridade, desde que em conformidade com lei aplicvel criana.
Outra questo para a qual no se conseguiu uniformizao internacional foi a
distino entre criana e adolescente.
As autoras argentinas Mara Eugenia Rosseti e Delia Mateo de Ferroni2, ao
comentarem a Lei Portenha n 26.061/05, que trata da proteo dos direitos das meninas,
meninos e adolescentes, seguindo entendimento diferente do nosso, como se ver mais
adiante, fazem crticas s diferenciaes estabelecidas pela lei, sustentando que pouco
compreensvel traar uma diferena de sexo durante a infncia, assim como uma diferena de
1Conveno sobre os Direitos da Criana, artigo 1: Para efeitos da presente Conveno considera-se comocriana todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a no ser que, em conformidade com a lei
aplicvel criana, a maioridade seja alcanada antes.2ROSSETI, Maria Eugenia & FERRONI, Delia Mateo de. Lineamentos Bsicos Del Derecho de Manores Para la Proteccin Integral y Tutela Jurdica de los Derechos em la Niez, Santa F: Editorial LibreriaCvica, 2007, p. 15 e 16.
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fase, j que a adolescncia tambm integra a infncia. Ressaltam que o termo menor no
resulta pejorativo, nem discriminatrio, nem estigmatizante, como se tem dito.
J no Direito uruguaio h uma distino entre criana e adolescente, que tem
servido de parmetro, para adoo de medidas especficas de proteo, e como lembra Jos A.
Alem Deaces,3 os princpios gerais trazidos pelo novo cdigo da infncia e da adolescncia
dispem que o mbito de aplicao do cdigo compreende todos os seres humanos menores
de dezoito anos, o que est em concordncia com a nova redao do artigo 280, inciso 2, do
Cdigo Civil daquele pas. Ressalte-se que l se entende por criana todo ser humano at treze
anos de idade, e adolescente quem tiver entre treze e dezoito anos.
No Direito brasileiro, a legislao tem se utilizado do critrio etrio para
conceituao de criana e adolescente.
O Cdigo Penal estabelece em seu artigo 27 a inimputabilidade penal aos
menores de dezoito anos.
O Cdigo Civil atual, em relao ao Cdigo Civil de 1916, baixou a maioridade
civil para 18 anos, ambos os Cdigos se coadunando com a Constituio Federal, que
estabelece em seu artigo 228k que so plenamente inimputveis os menores de dezoito anos,
sujeitos s normas de legislao especial, e que estabeleceu o voto obrigatrio aos maioresde dezoito anos.
Esses critrios, embora exclusivamente objetivos, o que gera discusso na
doutrina, procuram cumprir o objetivo de dar maior proteo estatal ao ser humano ainda em
desenvolvimento, sendo necessrio que o sistema jurdico possibilite tratamento diferenciado
entre quem pode e quem no pode se autodeterminar, j que, como diz Tnia da Silva Pereira,
criana ou adolescente quem, perante a natureza (ontologia), vive a condio infanto-
juvenil objetivamente observvel no desenvolvimento pessoal de cada um.4
A legislao brasileira tambm se utiliza do critrio etrio para diferenciar criana
e adolescente, estabelecendo, no artigo 2 do Estatuto da Criana e do Adolescente, que
criana a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente a que tiver entre doze e
dezoito anos de idade.
3 DEACES, Jos A. Alem. Derecho de la Niez y la Adolescencia em El Nuevo Cdigo Ley 17.823 Cuestiones de Fondo y de Forma em Torno a la Miniridad, Montevideo: Editorial I B de F, 2005, p. 2.4PEREIRA, Tnia da Silva. Direito da Criana e do Adolescente Uma Proposta Interdisciplinar , Rio deJaneiro: Renovar, 1996, p. 58.
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Sobre a importncia da diferenciao entre criana e adolescente, importante
ressaltar que embora no havendo tal distino na Conveno, houve um avano do Estatuto
quando diferenciou crianas at onze anos e adolescente dos doze aos dezoito, o que promove
um melhor atendimento diante das peculiaridades de cada fase.5
Portanto, no s se faz importante a conceituao de criana, que no mbito dos
instrumentos internacionais so pessoas menores de dezoito anos de idade, como a
diferenciao entre criana, ser humano com at doze anos incompletos, e adolescente, ser
humano com idade entre 12 e 18 anos, para efeito, inclusive, dos critrios a serem utilizados
para a efetivao dos direitos humanos fundamentais deles.
1.2 Criana e adolescente de objetos a sujeitos de direitos
De todas as instituies do Direito Civil, a famlia foi a que mais sofreu alterao
jurdica.
Sofrendo a influncia do sistema romano-germnico, como sabido, e dentro
deste, do Direito Romano mais especificamente, a famlia brasileira foi juridicamente
concebida nos mesmos moldes da famlia romana.
Em Roma imperava a fora do pater familae, ou seja, o poder do pai sobre a
mulher, os filhos e os escravos era quase absoluto. Os escravos eram considerados coisas
bens integrantes do patrimnio dopater; a mulher no tinha capacidade para a grande maioria
dos atos da vida civil, e os filhos eram objetos de direito do pater, que tinha poder sobre os
ganhos dos filhos, podia negoci-los como escravos e detinha, inclusive, poder de vida e
morte sobre eles.
No Direito Romano a famlia no era fundada nas relaes afetivas e sim
religiosas e, principalmente, patrimoniais, alicerada no poder paterno e poder marital, demodo que o pai, por exemplo, por mais afeto que tivesse por uma filha, no poderia a ela legar
qualquer bem do seu patrimnio.
O prprio casamento no tinha uma conotao afetiva, sendo uma instituio que
visava muito mais manter unido o patrimnio em prol da unidade religiosa-familiar.6
Tambm acerca de tal evoluo, Paulo Lbo7 lembra que a famlia sofreu
5
PEREIRA, Tnia da Silva. Direito da Criana e do Adolescente Uma Proposta Interdisciplinar, Rio deJaneiro: Renovar, 1996, p. 66.6VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil Direito de Famlia, So Paulo: Atlas, 2001, p. 18.7LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil Famlias, So Paulo: Saraiva, 2010, p.17.
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profundas mudanas de funo, natureza e composio, no sculo XX, aps o advento do
Estado social, que trouxe a derrocada do modelo patriarcal, passando o Estado a se interessar
pelas relaes de famlia, ampliando tanto a tutela constitucional como definindo novos
modelos e novos mecanismos de proteo.
A criana e o adolescente deixam, portanto, definitivamente, aps a Carta
Constitucional de 1988, de ser objetos para serem sujeitos de direitos.
A nova Carta Magna institui a igualdade absoluta entre os filhos, oriundos ou no
do casamento, naturais ou adotivos, estabelece direitos fundamentais especficos para eles e
introduz o princpio da prioridade absoluta ao estabelecer que tais direitos devem ser
efetivados preferencialmente em relao aos direitos de quaisquer outros titulares.
A valorizao da criana e do adolescente como sujeitos de direitos surgiu
inspirada na legislao internacional, bem como em toda a abrangncia da Constituio
Federal, que se antecipando Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana, os
garantiu no artigo 227.8
dever constitucional da famlia, da sociedade e do Estado assegurar a proteo
de todos os direitos das crianas e dos adolescentes. Assim, quando a famlia e a sociedade
falham em seu dever, cumpre ao Estado suprir tal falha, com prioridade absoluta, uma vez queos direitos dos infantes so fundamentais e indisponveis.
Seguindo os preceitos constitucionais, o Estatuto da Criana e do Adolescente
estabeleceu normas protetivas que ganham destaque em funo da condio peculiar de
desenvolvimento, aliceradas pelo princpio do melhor interesse, assegurando criana e ao
adolescente todas as oportunidades, a fim de ajudar no seu desenvolvimento fsico, mental,
moral, social e espiritual, com liberdade e dignidade.
Nesse sentido, Mrio Volpi ensina que a proteo integral, alm de minimizar a
excluso social, nos permite compreender e abordar as questes relativas s crianas e aos
adolescentes sob a tica dos direitos humanos, dando-lhes a dignidade e o respeito do qual so
merecedores. 9
8 BRASIL, Constituio Federal, artigo 227: dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana eao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm
de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.9VOLPI, Mrio. A proteo integral como contraposio excluso social de crianas e adolescentes.Prefcio ao livro Adolescente e Ato Infracional: Garantias Processuais e Medidas Socioeducativas, de JooBatista da Costa Saraiva, So Paulo: Saraiva, 2002.
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Percebe-se, portanto, que as crianas e os adolescentes so sujeitos de direitos
plenos e gozam dos mesmos direitos das pessoas adultas, e alm disso, possuem direitos
especficos por estarem em situao de desenvolvimento. E estes direitos especiais so
necessrios, uma vez que, por no conhecerem todos os seus direitos, no tm condies de
exigir a concretizao deles.
A Constituio Federal ainda contm duas outras regras de proteo s crianas e
aos adolescentes, ao prever que a lei punir severamente o abuso, a violncia e a explorao
sexual da criana e do adolescente (CF, art. 227, 4) e que so penalmente inimputveis os
menores de 18 anos, sujeitos s normas da legislao especial (CF, art. 228)10.
Portanto, perceptvel que tanto os princpios constitucionais quanto os que
compem o ECA tm como objetivo conduzir as crianas ao alcance da maioridade de uma
forma justa e em condies para que possam gozar de seus direitos plenamente, a fim de que
se tornem cidados adultos dignos, livres e respeitados.
1.3 Do direito de visitas ao direito de convivncia
H muito que vem se discutindo acerca do alcance do denominado direito de
visitas, estando pacificado na doutrina abalizada brasileira que a expresso visitas deve ser
entendida como convivncia. Adota-se a orientao estabelecida na Conveno Universaldos Direitos da Criana e do Adolescente, promovida pela ONU, em 1989, que estabelece que
o direito de convivncia direito dos filhos. Em ateno ao comando constitucional contido
no artigo 227, que traz, de forma expressa, o direito fundamental convivncia familiar da
forma mais abrangente possvel e o princpio da prioridade absoluta em relao aos direitos da
criana e do adolescente, temos de concluir que o direito de convivncia uma via de mo
dupla, sendo direito/dever do pai no guardio de conviver com o filho, e do filho de conviver
com o pai no guardio, com nfase para o direito deste, em funo do princpio da prioridadeabsoluta.
A grande maioria dos pases ocidentais, influenciados pelo direito romano-
germnico, tratam da garantia do direito de visitas da parte parental que no ficou com a
guarda dos filhos, estendendo, em boa parte das legislaes, o direito aos avs, irmos e
parentes prximos, como acontece na Frana, na Espanha, na Argentina (onde se denomina
adequada comunicao, artigo 264, 2), no Chile, s a ttulo de exemplos.
10MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. So Paulo: Atlas, 2003, p. 241.
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Na Itlia, como no Brasil, deve o juiz observar o que melhor atender aos
interesses das crianas11.
Em Portugal, aps a reforma de 1995, o Cdigo Civil (art. 1.905), passou a prever
possibilidade de no homologao do acordo firmado pelos pais, nos processos de dissoluo
da sociedade afetiva, quando no corresponder aos interesses dos filhos, incluindo o interesse
destes em manter com aquele progenitor a quem no seja confiada a guarda uma relao de
grande proximidade12.
O Cdigo Civil alemo estabelece que o juiz pode no homologar o acordo em
que haja prejuzo ao direito de contato dos filhos com o pai no guardio, evitando o que l
se denomina comercializao do direito de contato, como lembra Wilfried Schlter,
traduzido por Elisete Antoniuk13, alm da possibilidade de indenizao tanto para o pai
preterido como contra o pai que no cumpre a obrigao de convivncia.
No Brasil a doutrina j h muito vem criticando o termo direito de visitas, assim
como a velha concepo de que apenas direito da parte parental no guardi.
Maria Berenice Dias, alm de criticar a terminologia e entender tratar-se
prioritariamente de direito dos filhos, j comenta acerca da necessidade de reaproximao dos
pais atravs do que ela denomina de visitas supervisionadas14.
Edson Fachin adverte que o direito de convivncia uma via de mo dupla, sendo
direito dos pais e direito dos filhos, com nfase para o direito destes, que uma estrela de
brilho maior, em razo da prioridade absoluta prevista na Constituio Federal15.
Rolf Madaleno, alm de ressaltar que o direito de convivncia um direito
fundamental da criana e do adolescente, matria-prima indispensvel para construo de sua
personalidade, no mais um sagrado direito de visitas do guardio no custodiante e sim um
sagrado direito do filho de ser visitado, lembrando as frequentes decises judiciais que
impem multas pecunirias pelo no exerccio das visitas 16.
11POCAE, Valrio & RONFANI, Paola. La Famiglia e il Dirito, Roma: Editori Laterza, 2003, p. 122.12SANTOS Eduardo dos. Direito de Famlia, Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p. 257.13SCHTER, Wilfred. Cdigo Civil Alemo Direito de Famlia, traduo de Elisete Antoniuk, Porto Alegre:
Sergio Antnio Fabris Editor, 2002, p.145.14DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famlias, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.278.15FACHIN, Luiz Edson. Elementos Crticos do Direito de Famlia, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 172.16MADALENO. Rolf. Direito de Famlia em Pauta, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 147.
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Rodrigo da Cunha Pereira, alm de defender o direito de convivncia como
direito dos filhos, entende cabvel indenizao por abandono moral, quando do
descumprimento de tal dever17.
Paulo Lbo, que traz importante contribuio tambm neste aspecto do Direito de
Famlia, alm de criticar a questo terminolgica, lembra que o juiz deve ter cuidado ao
regulamentar o direito de visitas, de modo que no prevaleam os interesses dos pais em
detrimento do direito do filho de contato permanente com ambos, lembrando, tambm, que a
negativa do direito de visita pode dar ensejo pretenso indenizatria tanto pelo pai preterido,
quanto pelo pai que no cumpre as visitas, citando deciso da corte alem 18.
Fbio Bahuab Boschi, em importante obra sobre o tema, alm de todas as crticas
anteriormente mencionadas, est entre os poucos que j mencionam que no deve mais
prevalecer entendimento no sentido de competir queles que rompem o casamento ou a unio
estvel, consensual ou litigiosamente, a livre estipulao das visitas ao filho. Talprovidncia
obrigatria e dever constar do acordo judicial ou da sentena; haja ou no requerimento das
partes, o juiz ter de, no interesse da criana ou do adolescente, regulamentar o exerccio
obrigatrio desse dever19
Podemos concluir, com facilidade, que o direito de convivncia direito do filho,prioritariamente, e s pode ser mitigado ou limitado se houver motivos que de forma razovel
e/ou proporcional possam permitir tal limitao.
1.4 Alguns princpios que regem o direito da criana e do adolescente convivncia
familiar
Paulo Lbo elenca como princpios que atualmente formatam o Direito de Famlia
os macroprincpios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, e como decorrncia
destes, os princpios da igualdade, liberdade, afetividade, convivncia familiar e melhor
interesse da criana.20
Uma vez que trataremos especificamente, mais adiante, do princpio da dignidade
da pessoa humana, juntamente com a prioridade absoluta referente aos direitos da criana e do
adolescente como suportes para efetivao do direito convivncia, e como o princpio da
17PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios Fundamentais Norteadores do Direito de Famlia, Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 198.18LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil Famlias, So Paulo: Saraiva, 2010, p. 249.19BOSCHI, Fbio Bauab. Direito de Visitas, So Paulo: Saraiva, 2005, p. 210.20LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil Famlias, 3 ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 50-70.
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igualdade de direitos e obrigaes entre os cnjuges/companheiros, a igualdade absoluta entre
os filhos e a liberdade de se estabelecer afetivamente como famlia e a liberdade de filiao
sero abordadas nas diversas anlises que faremos no decorrer do trabalho, nos limitaremos
aqui a traar algumas linhas acerca do princpio fundamental da solidariedade e dos princpios
gerais da afetividade, da convivncia familiar e do melhor interesse da criana.
1.4.1 Princpio do melhor interesse da criana
O melhor interesse da criana um norteador axiolgico que orienta o Estado, a
sociedade e a famlia na prtica de aes que melhor vo atender aos interesses dos sujeitos
que esto nesse processo peculiar de formao, devendo ter seus interesses considerados, quer
na elaborao, quer na aplicao dos direitos21
.
A determinao de que devem ser observados os melhores interesses da criana e
do adolescente, na aplicao do direito, nas polticas pblicas e principalmente nas relaes
familiares, est prevista, no plano interno, no artigo 227 da Lei Maior brasileira, j
mencionado, e no mbito internacional, no segundo princpio da Declarao dos Direitos da
Criana de 1959, ratificada pelo Brasil em 1990.22
Outro exemplo de norma internacional que privilegia as crianas e os
adolescentes a Conveno Americana sobre os direitos humanos - Pacto de So Jos da
Costa Rica de 1969 -, ao estabelecer em seu art. 19 que toda criana tem direito s medidas
de proteo que sua condio de menor requer, por parte da famlia, da sociedade e do
Estado.
Todos os exemplos de normas citados refletem as mudanas na concepo do que
vem a ser criana e adolescente e do lugar que devem ocupar na sociedade. Assim, passam a
ser vistos como sujeitos e no mais objetos merc dos adultos. Logo a vulnerabilidade que
os caracteriza impe a criao de mecanismos para sua proteo.
21LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil Famlias, 3 ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 69-70.22 Declarao dos Direitos da Criana, segundo princpio: A criana gozar de proteo especial e dispor deoportunidade e servios, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa desenvolver-se
fsica, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudvel e normal, assim como em condies deliberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a considerao fundamental a que se atender ser ointeresse superior da criana.
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Nesse sentido, sabido que os responsveis imediatos pela proteo da criana e
do adolescente so os seus pais. A famlia, enquanto primeiro contato com o mundo extra-
uterino, o primeiro ambiente para a aplicao do melhor interesse da criana. dentro dessa
relao de afeto que surge o afeto-ao como primeiro mecanismo de defesa da criana e do
adolescente, sendo nessa relao afetiva que a criana se constri e se estrutura.
O afeto perpassa pelo melhor interesse da criana, uma vez que sua ausncia fere
todos os diplomas normativos que reconhecem as condies peculiares de desenvolvimento
da criana e do adolescente.
As aes que caracterizam o afeto para o Direito so as que melhor garantem o
princpio do melhor interesse da criana. E os pais, como j dito, so os principais
responsveis por este dever. Assim, pertinentes so as palavras de Nelsina Elizena Damo
Comel, quando diz que o certo que a criana nasce dependente e necessitada de cuidados e
atenes por um longo tempo, funo que cabe, originariamente, aos pais. 23
1.4.2 Princpio da convivncia familiar
Com a ajuda da psicologia, podemos afirmar que conviver pressupe
basicamente interagir, criar vnculos, enfrentar desafios, superar obstculos e trocar
experincias 24. Trata-se do conjunto de aes inerentes formao de vnculos afetivo-
familiares.
Como o princpio da convivncia familiar suporte para todas as relaes
familiares, embora seja enfocada mais adiante, de forma especfica, a convivncia entre pais e
filhos, h de se ressaltar a importncia da convivncia na prpria definio de entidade
familiar.
No plano jurdico, podemos entender a convivncia familiar como a relao
afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compem o grupo familiar, em
virtude de laos de parentesco ou no, no ambiente comum, como ensina Paulo Lbo. 25
23COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade Responsvel. 2 ed. Curitiba: Juru, 2006, p. 102.
24NOVAES, Maria Helena. A Convivncia entre as Geraes e o Contexto Sociocultural, in A tica daConvivncia e sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais, PEREIRA, Rodrigo da Cunha e PEREIRA, Tniada Silva (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 215.25LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famlias. 3 ed. Saraiva: So Paulo, 2010, p. 392.
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Pela clareza e importncia para o tema, vale mencionar as palavras de Paulo Lbo
acerca da convivncia familiar:
O direito convivncia familiar, tutelado pelo princpio e por regras jurdicas
especficas, particularmente no que respeita criana e ao adolescente, dirigido famlia e a cada membro dela, alm de ao Estado e sociedade como um todo. Poroutro lado, a convivncia familiar o substrato da verdade real da famliasocioafetiva, como fato social facilmente afervel por vrios meios de prova. A possedo estado de filiao, por exemplo, nela se consolida. Portanto, h direito convivncia familiar e direito que dela resulta. 26
Conclui-se do exposto, que a convivncia se amplia para assegurar a interao do
indivduo com toda a comunidade familiar de que participa, alcanando toda situao em que
for identificado o trao afetivo caracterstico das relaes familiares.
A Constituio Federal recepciona este princpio dedicando espao especial paraa criana, o adolescente e o idoso, em respeito e em ateno as suas frgeis condies dentro
do organismo familiar, como se v nos artigos 227 e 230, o que tambm se verifica no Cdigo
Civil (art. 1.513), no Estatuto da Criana e do Adolescente (arts. 19 e 93) e no Estatuto do
Idoso (art. 3).27
A efetivao da convivncia familiar, com todas as suas repercusses, j se
apresenta como elemento essencial para a prpria caracterizao da famlia.
1.4.3 Princpio da afetividade
J no se apresenta com dificuldade a ideia de que o sistema jurdico brasileiro
reconhece o afeto como o elo que caracteriza e distingue as relaes familiares das demais
relaes privadas. O que se evidencia ainda em grande discusso a valorao jurdica que se
deve dar ao afeto e suas respectivas consequncias.
Paulo Lbo, cuja reiterada e insistente citao neste tema se justifica por se tratar
do doutrinador ptrio que melhor tem trabalhado no enquadramento do afeto como gerador deconsequncias jurdicas, descreve o princpio da afetividade como aquele que fundamenta o
direito de famlia na estabilidade das relaes socioafetivas e na comunho de vida, com
primazia sobre as consideraes de carter patrimonial ou biolgico.28
26LBO, Paulo Luiz Netto. A Nova Principiologia do Direito de Famlia e suas Repercusses, in Direito de
Famlia e das Sucesses: Temas Atuais. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes , TARTUCE, Flvio eSIMO, Jos Fernando (Org.). So Paulo: Mtodo, 2009, p. 13.27LBO, Op Cit, p. 63.28Ibidem, p. 394.
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Maria Berenice Dias ensina que apesar de o afeto no constar expressamente do
texto constitucional, nele se encontra seu fundamento, j que ao serem reconhecidas como
entidade familiar merecedora da tutela jurdica as unies estveis que se constituem sem o
selo do casamento isso significa que a afetividade que une e enlaa duas pessoas adquiriu
reconhecimento e insero no sistema jurdico.29
Como j visto, o princpio da afetividade est ligado aos princpios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, tanto como
derivao como enquanto influenciador destes, sendo elemento indispensvel caracterizao
da relao familiar, principalmente no que concerne ao afeto como valor jurdico, de que
trataremos em diversas oportunidades neste texto.
Para tanto, importante frisar, desde logo, que a afetividade de que trataremos
no aquela vista apenas como valor psicolgico ou social, mas como valor do qual se
extraem consequncias jurdicas, j que a afetividade invade a cincia jurdica, transcendendo
aos aspectos exclusivamente psicolgicos e sociolgicos; e com o respeito e considerao
mtuos (art. 1.566,V) e lealdade e respeito (art. 1.724), o afeto e a tolerncia so
incorporados como valores jurdicos no mbito das relaes familiares, como lembra Caio
Mrio da Silva Pereira.30
Para tanto, importante vislumbrar que o conceito dado pela psicologia de que
a afetividade o motor da nossa conduta, direciona-nos bem como nos motiva para o
desempenho de um papel num contexto e num momento,31 como menciona a psicloga
Maria da Penha Nery, que acrescenta que so as vivncias afetivas o fundamento da nossa
existncia herica ou aprisionada no automatismo. So as marcas afetivas que do vitalidade,
sentido e colorido s nossas aes e aos nossos vnculos32, o que se faz importante para o
entendimento do afeto que pretendemos analisar.
Como exemplos da previso constitucional do princpio da afetividade, Paulo
Lbo destaca que como todos os filhos so iguais, independentemente de sua origem (art.
227, 6), a adoo, como escolha afetiva, alou-se integralmente ao plano de igualdade de
direitos (art. 227, 5 e 6), e a comunidade familiar formada por qualquer dos pais e seus
29DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famlias, 6 ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Revista dosTribunais, 2010, p. 70.30PEREIRA, Caio Mrio da Silva Pereira. Instituies do Direito Civil: Direito de Famlia. v. V. 16 ed. rev. e
atual. Tnia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 40.31NERY, Maria da Penha. Vnculo e Afetividade: Caminhos das relaes humanas. So Paulo: gora, 2003, p.19.32Ibidem, p.15.
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descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de famlia
constitucionalmente protegida (art. 226, 4), assim como a convivncia familiar (e no a
origem biolgica) prioridade absoluta assegurada criana e ao adolescente (art. 227).33
Ressalta ainda que enquanto houveraffectiohaver famlia, unida por laos de
liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaborao, na
comunho de vida.34
O Judicirio brasileiro tem estabelecido consequncias do afeto nas relaes
familiares, destacando-se a deciso proferida pelo Superior Tribunal de Justia, ao julgar o
REsp n 945283/RN, na 4 Turma, que teve como Relator o Ministro Luis Felipe Salomo, e
trata de guarda de menor requerida por avs, tendo como sustentao maior o princpio da
afetividade.35
Ao se referir ao princpio da afetividade, o autor alagoano se refere efetividade
em seu sentido amplo, entre todos os membros da famlia, e nos interessa mais de perto a
afetividade decorrente da relao paterno/materno-filial, de que trataremos especificamente
mais adiante, quando abordaremos o afeto como valor jurdico e suas consequncias na
relao pais e filhos.
33LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famlias. 3 ed. Saraiva: So Paulo, 2010, p. 64.34LBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalizao das Relaes de Famlia, in Revista Brasileira de Direito deFamlia, Porto Alegre: Sntese, n. 24, jun./jul. 2004, p. 142,,35Brasil, STJ, REsp n 945283/RN, 4 Turma, Rel. Luis Felipe Salomo, DJU 15.09.2009, Disponvel em:www.stj.gov.br; acesso em: 30.09.2010, com a seguinte Ementa: DIREITO DE FAMLIA. GUARDA DEMENOR PLEITEADA POR AVS. POSSIBILIDADE. PREVALNCIA ABSOLUTA DO INTERESSE DACRIANA E DO ADOLESCENTE OBSERVADA.
1. slido o entendimento segundo qual mesmo para fins de prequestionamento, a oposio de embargos dedeclarao no prescinde de demonstrao da existncia de uma das causas listadas no art. 535 do CPC,inocorrentes, no caso.2. No caso em exame, no se trata de pedido de guarda unicamente para fins previdencirios, que repudiadapela jurisprudncia. Ao reverso, o pedido de guarda visa regularizao de situao de fato consolidada desde onascimento do infante (16.01.1991), situao essa qualificada pela assistncia material e afetiva prestada pelosavs, como se pais fossem. Nesse passo, conforme delineado no acrdo recorrido, verifica-se uma convivnciaentre os autores e o menor perfeitamente apta a assegurar o seu bem estar fsico e espiritual, no havendo, poroutro lado, nenhum fato que sirva de empecilho ao seu pleno desenvolvimento psicolgico e social.3. Em casos como o dos autos, em que os avs pleiteiam a regularizao de uma situao de fato, no se tratandode guarda previdenciria, o Estatuto da Criana e do Adolescente deve ser aplicado tendo em vista mais osprincpios protetivos dos interesses da criana. Notadamente porque o art. 33 est localizado em seo intituladaDa Famlia Substituta, e, diante da expanso conceitual que hoje se opera sobre o termo famlia, no se pode
afirmar que, no caso dos autos, h, verdadeiramente, uma substituio familiar.4. O que deve balizar o conceito de famlia , sobretudo, o princpio da afetividade que fundamenta o direitode famlia na estabilidade das relaes socioafetivas e na comunho de vida, com primazia sobre asconsideraes de carter patrimonial ou biolgico.
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1.4.4 Princpio da solidariedade
O princpio da solidariedade tem como regra matriz o inciso I do art. 3 da
Constituio. Porm, o dever imposto sociedade, ao Estado e famlia de proteo ao grupofamiliar, criana e ao adolescente e s pessoas idosas, est expressamente previsto no
captulo destinado famlia. A solidariedade, no direito brasileiro, apenas aps a
Constituio de 1988 inscreveu-se como princpio jurdico; antes, era concebida como dever
moral, ou expresso de piedade, ou virtude tico-teologal.36
A solidariedade pode ser definida como o agir com o outro como gostaria que
fosse consigo. Trata-se de um princpio com um forte trao tico-filosfico. Acerca deste
princpio, Paulo Nader aduz que se trata do apoio recproco, tanto no aspecto material quantono espiritual. Ser solidrio com o prximo colocar-se ao seu lado, assisti-lo em suas
necessidades37.
Com a promulgao da Carta Constitucional, a solidariedade deixa de representar
simplesmente um dever moral e passa a imperar nas relaes pblicas e privadas,
principalmente nas de cunho familiar. Tanto que, havendo crise na famlia em decorrncia do
descumprimento da solidariedade, dependendo de sua gravidade o Estado poder intervir, a
fim de proteger os elementos do pequeno grupo social. 38
Alm das previses constitucionais, podemos encontrar no Cdigo Civil vrias
consequncias do princpio da solidariedade, como a comunho de vida (1.513), a adoo
(1.618), mtua assistncia entre os cnjuges (1.566), alimentos (1.694), entre outros.39
Embora no caiba neste momento nos alongarmos acerca de divagaes tericas
sobre o princpio da solidariedade, que por si s merece uma dissertao especfica, at
porque da solidariedade que nos vai interessar mais de perto entre pais e filhos trataremos
de forma diluda no decorrer deste trabalho, importante frisar que a solidariedade no mbito
familiar acaba por se atrelar afetividade, como lembra Berenice Dias.40
36LBO, Paulo Luiz Netto. A Nova Principiologia do Direito de Famlia e suas Repercusses, in Direito defamlia e das sucesses: temas atuais, HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, SIMO, Jos Fernando(Org.). So Paulo: Mtodo, 2009, p. 36.37NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Direito de Famlia. v. 5. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,2008, p. 22.38
Ibidem, p.5.39LBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famlias. 3 ed. Saraiva: So Paulo, 2010, p. 57.40DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famlias. 6 ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Revista dosTribunais, 2010, p. 67.
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Importante se faz acrescentar que a solidariedade induz muito mais a uma ideia de
dever do que de direito fundamental, mostrando-se fundamental essa viso de dever
fundamental de que no estamos acostumados a tratar na doutrina para uma real
efetivao do direito de convivncia, que estamos a abordar.
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2 DIREITO DE CONVIVNCIA COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
2.1 Algumas linhas sobre a questo terminolgica acerca dos direitos humanos
fundamentais
Vrias so as expresses utilizadas para tratar do tema ligado aos direitos
humanos e direitos fundamentais.
O autor espanhol Eusbio Fernandes anota que so diversas as expresses
utilizadas ao longo da histria, e na atualidade, para referir-se aos denominados direitos
humanos, que so direitos naturais, direitos inatos, direitos individuais, direitos do homem,
do cidado e do trabalhador, direitos fundamentais, direitos pblicos subjetivos, liberdades
fundamentais e liberdades pblicas. Para ele a expresso mais adequada e que melhor
delimita a situao terica atual dos direitos humanos direitos fundamentais do homem.41
Karl Max42, vinculando a terminologia ao fato de estar ou no o direito previsto
exclusivamente para a burguesia ou no, classifica os direitos humanos em direitos do homem
(droits de l'homme)e direitos civis ou dos cidados (droits du citoyen).
Ao tratar de utilitarismo e direitos naturais, Hart menciona a crtica feita por
Jeremy Bentham
43
acerca da expresso direitos naturais e inalienveis, sendo este um dosdifundidores da doutrina dos direitos do homem, tendo o prprio Hart se utilizado das
expresses direitos humanos e direitos humanos fundamentais, chegando a afirmar que desde
1946, quando os subscritores da Carta da ONU afirmaram seu compromisso com os direitos
humanos fundamentais e com a dignidade da pessoa humana, nenhum Estado pode pretender
que a negao de tais direitos a seus prprios cidados seja um assunto unicamente de sua
prpria incumbncia.44
Luis Cruz45
lembra que a dignidade humana se desenvolve em direitos humanosindividuais, e que o artigo 1.3 da Lei Fundamental alem determina o destinatrio ao qual se
dirige a pretenso de respeito dignidade, que so os poderes Legislativo, Executivo e
41FERNNDEZ, Eusbio. El Problema del Fundamento de los Derechos Humanos, Anurio de DerechiosHumanos, n. 03, Madrid: Instituto de Derechos Humanos, Universidad Complusense, 1982, p. 75 e 76.42MAX, Karl. A Questo Judaica. Rio de Janeiro: Achiam, s/d,passim.43BENTHAM, Jeremy. Fragmento sobre el Gobierno, Trad. E introd. de Julin Larros Ramos, Madrid: ed.Aguilar, 1973, apudHART, H. L. A Utilitarismo y Derechos Naturales, Anurio de Derechos Humanos, n. 01,Madrid: Instituto de Derechos humanos, Universidad Complusense, 1982, p. 130.
44HART, H. L. A Utilitarismo y Derechos Naturales, Anurio de Derechos Humanos, n. 01, Madrid: Institutode Derechos humanos, Universidad Complusense, 1982, p. 167.45CRUZ, Luis M. La Constituicin como Orden de Valores Problemas Jurdicos e Polticos, Granada,2005, p. 24 e 25.
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Judicirio, e configura os direitos humanos como direitos pblicos subjetivos, sob a categoria
de direitos fundamentais.
Assim como os autores acima mencionados, vrios outros enfrentam a questo
terminolgica dos direitos humanos, que se for descuidada pode trazer srias controvrsias
conceituais, como veremos mais adiante.
O grande constitucionalista portugus J. J. Gomes Canotilho, ao tratar do sistema,
estrutura e funo dos direitos fundamentais, faz uma classificao extremamente detalhada,
vinculada tanto a critrios doutrinrios como histricos, onde enumera e diferencia: direitos
do homem e direitos fundamentais; direitos do homem e direitos do cidado; direitos naturais
e civis; direitos civis e liberdades ou direitos polticos; direitos civis e direitos ou liberdades
individuais; direitos e liberdades pblicas; direitos e garantias; direitos fundamentais e
direitos de personalidade; direitos, liberdades e garantias e direitos econmicos, sociais e
culturais; e direitos fundamentais e garantias institucionais, que sero resumidamente
conceituados no prximo tpico, chegando a dizer que com tal classificao procura-se uma
preciso terminolgica46.
Selma Regina Arago, por sua vez, informa que atravs dos tempos, das filosofias
e das sociedades, os Direitos do Homem tm apresentado denominaes tais como: direitosnaturais, direitos inatos ou originrios, direitos individuais, direitos do homem e do cidado,
direitos fundamentais ou essenciais do homem.47
Outra expresso de grande importncia na doutrina a utilizada por Pontes de
Miranda48, quando trata do direito das gentes, embora tambm trabalhe com as expresses
direito humano, direitos individuais e direitos fundamentais.
Embora sejam muitas as expresses com as quais se pretende tratar dos direitos
humanos fundamentais, duas se apresentam como as mais comuns, as que diferenciam
direitos humanos e liberdades fundamentais, previstas inclusive, no convenio para la
proteccin de los Derechos Humanos Y Liberdades Fundamentales, de 1950, comentado por
Joaquim Clotet ao tratar do convenio: genesis y constitucin49; e as que diferencia direitos
46CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, Coimbra: Almedina, 2003, p.391 e 393.47ARAGO, Selma Regina. Direitos Humanos do Mundo Antigo ao Brasil de Todos, Rio de Janeiro:Forense, 1990, p. XVI.
48PONTES DE MIRANDA, Francisco. Comentrios Constituio de 1967, Tomo IV, So Paulo: RT, 1967, p.621 e 622.49CLOTET, Joaquim. Convenio sobre los Derechos Humanos y la Biomedicina, in Direitos Humanos eBiotica, org. George Sarmento, Macei: Edufal, 2002, p.32.
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humanos e direitos fundamentais, esta seguida pela grande maioria dos doutrinadores
brasileiros, dentre os quais se podem identificar: Ingo Sarlet50 Cludio Ari Melo51, Manoel
Cavalcante de Lima Neto52, Flvia Piovesan53, entre outros.
O professor George Sarmento, tambm na linha dos direitos humanos e direitos
fundamentais, ao apresentar a obra coletiva Direitos Humanos e Biotica, alm de comentar
acerca da inesgotabilidade da constitucionalizao dos direitos humanos, relembra as quatro
geraes a eles vinculadas, que so: 1 as liberdades fundamentais e os direitos polticos; 2
os direitos econmicos e sociais; 3 o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e a proteo aos interesses difusos e coletivos; 4 o biodireito.54
Embora sejam utilizados, na maioria da doutrina, direitos humanos e direitos
fundamentais como coisas distintas, e na verdade o so, a expresso direito humano
fundamental no nos parece equivocada, pelo contrrio, convive harmoniosamente tanto na
perspectiva terica como na emprica, j que podemos ter um direito considerado
exclusivamente como direito humano, quando sua proteo se expressa apenas no plano
supraestatal ou natural; o direito humano fundamental, quando se expressa tambm no mbito
interno do Estado, quer seja atravs da recepo de tratados ou de previso no prprio texto
constitucional; e os direitos fundamentais, quando positivados no texto da Constituio, razo
pela qual utilizaremos, para desenvolvimento do direito aqui analisado, a terminologia direito
humano fundamental.
Para a maioria, os direitos humanos vinculam diretamente o direito interno, no
s atravs dos tratados, como atravs da positivao constitucional, como direitos
fundamentais, conforme ensina Flvia Piovesan, defendendo a emergncia de um Direito
Internacional dos Direitos Humanos e a tendncia da elevao da dignidade humana a
pressuposto ineliminvel de todos os constitucionalismos55. Trata os direitos fundamentais
como direitos humanos positivados na Constituio.
50SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2004,passim.51MELO, Claudio Ari. Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2004, p. 125.52LIMA NETO, Manoel Cavalcante de. Direitos Fundamentais dos Contribuintes Limitaes ao Poder de
Tributar, Recife: Nossa Livraria, 2005, p. 59.53PIOVESAN, Flvia.Temas de Direitos Humanos, So Paulo: Ed. Max Limonada, 1998, passim.54LINS JNIOR, George Sarmento. Direitos Humanos e Biotica, apresentao, Macei: Edufal, 2002, p.7.55PIOVESAN, Flvia. Temas de Direitos Humanos, So Paulo: Ed. Max Limonada, 1998, p. 53.
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Um dos passos na anlise da diferena entre direitos humanos e direitos
fundamentais trazer a lume quem so os destinatrios de sua proteo.
Adotado esse fator de diferenciao, no ficaria clara a separao entre direitos
humanos e fundamentais, permanecendo a zona de penumbra originalmente existente, pois
nos dois casos o destinatrio da proteo a pessoa humana. Logo, no sendo o critrio
pessoal suficiente para se determinar a diferena, qual seria ento o aspecto capaz de separar
os dois termos jurdicos?
Para responder a essa questo, Ingo Wolfgang Sarlet56confere ao aspecto espacial
da norma o primeiro fator preponderante de distino, afirmando que o termo direitos
fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na
esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, enquanto o termo direitos
humanos guarda relao com os documentos de Direito Internacional, por referir-se quelas
posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua
vinculao com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram validade
universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequvoco carter
supranacional (internacional).
No entanto, se considerado o critrio espacial como nica distino entre direitoshumanos e fundamentais, pairariam dvidas sobre a extenso do contedo de ambas as
categorias jurdicas. Isso, por consequncia, poderia gerar uma equiparao de significados
entre os termos postos em anlise.
Apesar de existir uma progressiva positivao interna dos direitos humanos, no
podero tais conceitos ser entendidos como sinnimos, pois a efetividade de cada um
diferente. Neste ponto Ingo Wolfgang Sarlet57 incisivo ao afirmar que importante
considerar a relevante distino quanto ao grau de efetiva aplicao e proteo das normasconsagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito
internacional), sendo desnecessrio aprofundar, aqui, a ideia de que os primeiros atingem o
maior grau de efetivao, particularmente em face da existncia de instncias (especialmente
as judicirias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.
Em apertada sntese, os direitos humanos so aquelas garantias inerentes
existncia da pessoa, albergados como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos
56SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006,p. 35 e 36.57Ibidem, p. 40
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diversos instrumentos de Direito Internacional Pblico, mas que por fatores instrumentais no
possuem aplicao simplificada e acessvel a todas as pessoas
Por outro lado, os direitos fundamentais so constitudos por regras e princpios,
positivados constitucionalmente, cujo rol no est limitado ao dos direitos humanos, que
visam garantir a existncia digna (ainda que minimamente) da pessoa, tendo sua eficcia
assegurada pelos tribunais internos. Pela importncia que os direitos fundamentais assumem
no ordenamento jurdico, a doutrina tem buscado explicar os direitos fundamentais a partir de
quatro planos de anlise: formal, material, funcional e estrutural.
No plano formal e material, Jane Reis Gonalves Pereira distingue que do ponto
de vista formal, direitos fundamentais so aqueles que a ordem constitucional qualifica
expressamente como tais. J do ponto de vista material, so direitos fundamentais aqueles
direitos que ostentam maior importncia, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por
qualquer Constituio legtima. A fundamentalidade em sentido material est ligada
essencialidade do direito para a efetivao da dignidade humana. De acordo com a autora,
essa noo relevante pois, no plano constitucional, presta-se como critrio para identificar
direitos fundamentais fora do catlogo.58
No plano funcional so duas as funes das normas (regras e princpios) dedireitos fundamentais, que atuam no plano subjetivo, operando como garantidores da
liberdade individual, e de outro lado, os direitos ostentam uma funo (ou dimenso)
objetiva, que se caracteriza pelo fato de sua normatividade transcender aplicao subjetivo
individual, pois que estes tambm orientam a atuao do Estado.59
Finalizando a distino entre direitos humanos e direitos fundamentais, ressalta
Ingo Wolfgang Sarlet60 que essas duas categorias no se excluem, j que para ele as
expresses direitos humanos (ou direitos humanos fundamentais) e direitos fundamentais nose cuidam de termos reciprocamente excludentes ou incompatveis, mas, sim, de dimenses
ntimas e cada vez mais inter-relacionadas, o que no afasta a circunstncia de se cuidar de
expresses reportadas a esferas distintas de positivao, cujas conseqncias prticas no
podem ser desconsideradas.
58PEREIRA, Jane Reis Gonalves. Interpretao Constitucional e Direitos Fundamentais UmaContribuio ao Estudo das Restries aos Direitos Fundamentais na Perspectiva da Teoria dos
Princpios, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 77.59Ibidem, p. 77 e 78.
60SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006,p. 42.
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Sobre a importncia dos direitos fundamentais supraestatais viso de Pontes de
Miranda no direito interno, ensina George Sarmento61que os direitos fundamentais supra-
estatais so paradigmas de validade das normas de direito interno, inclusive das normas
constitucionais, por estarem contidos em ordem jurdica superior, e impem limites tanto ao
poder estatal quanto ao poder constituinte, que so obrigados a incorpor-los Constituio,
cercando-os das garantias necessrias sua efetividade. Destaca que, nesse sentido, nenhuma
das regras do sistema jurdico nacional pode ser interpretada ou executada em contradio
com a Constituio e com as Declaraes de Direito.
A distino conceitual entre direitos humanos, direitos fundamentais e direitos
humanos fundamentais que nos parece traduzir melhor o que foi depurado na doutrina, quer
nas concepes filosficas, quer na perspectiva da supraestatalidade, quer na constitucional,
nos trazida pelo professor Manoel Cavalcante de Lima Neto, que resume:
No quadro evolutivo dos direitos humanos e de sua consagrao nas declaraes dedireitos, identifica-se, como Bobbio, uma primeira fase na obra dos filsofos queformataram a idia de que o homem, enquanto tal, tem direitos por natureza queningum e nem mesmo o Estado pode subtrair, mas, enquanto teoria filosfica, expresso do pensamento individual, com teor universal no tocante ao contedodesde que se dirige a um homem racional, fora do espao e do tempo, somenteadquirindo feio de um sistema de direitos quando tais teorias so reconhecidaspelo legislador como nas Declaraes de Direitos Americanas e na decorrente da
Revoluo Francesa; uma segunda faseaparece na transposio do direito pensadopara o realizado, no instante em que os direitos so protegidos e assumem aconfigurao de direitos positivos que velem dentro de um determinado Estado queos reconhece; uma terceira fase realada com a Declarao Universal dos DireitosHumanos, de 1948, quando a afirmao dos direitos de um mesmo modo universale positiva, na medida em que os destinatrios no so apenas os cidados de umdeterminado Estado e devem ser efetivamente protegidos.62
Utilizando-se dos argumentos do professor acima mencionado, podemos concluir
que direitos humanos so aqueles originrios do direito natural para os quais no se precisa
de nenhuma regulamentao internacional ou estatal - ou os previstos em instrumentosinternacionais; os direitos fundamentais so aqueles previstos na Carta Constitucional do
Estado, carecendo de uma regulamentao interna; e os direitos humanos fundamentais
seriam aqueles que, ao mesmo tempo, se apresentam como direitos humanos e so
consagrados ou absorvidos pela legislao interna do Estado.
61LINS JNIOR, George Sarmento. Direitos Fundamentais e Tcnica Constitucional, in Revista do Mestradoem Direito da Universidade Federal de Alagoas, Macei: EDUFAL, 2008, p. 70 e 71.62LIMA NETO, Manoel Cavalcante de. Direitos Fundamentais dos Contribuintes Limitaes ao Poder deTributar, Recife: Nossa Livraria, 2005, p. 58.
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Essa terminologia, reconhecemos, no aceita com muita tranquilidade na
doutrina, como j visto, porm possvel de ser adotada e serve para dar uma maior
relevncia ao direito discutido, que ao mesmo tempo direito humano e direito fundamental.
Claro que o fato de muitos entenderem que no momento em que o direito humano
positivado no mbito interno de um Estado passa a ser denominado, apenas, de direito
fundamental no retira a importncia do direito da criana e do adolescente convivncia
familiar, nem a necessidade de se criar mecanismos que garantam a sua efetivao.
Portanto, embora entendamos tratar-se de direito humano fundamental, vez por
outra pode ser tratado apenas como direito fundamental, principalmente quando cotejado com
outros direitos fundamentais, o que no significa, necessariamente, uma incoerncia, mas
apenas uma forma de, ao menos no plano terminolgico e conceitual, colocar o direito de
convivncia no patamar que ele merece.
2.2 Direito de convivncia no mbito internacional
Utilizando-se de abordagem extremamente interessante acerca dos instrumentos
internacionais que tratam dos direitos da criana e do adolescente, trazida por Victor Hugo
Albernaz Jnior e Paulo Roberto Vaz Ferreira63, para garantir o princpio do reconhecimento
da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e de seus direitos inalienveis,
de igualdade e liberdade, proclamados na Carta das Naes Unidas de 1945, bem como com o
escopo de proteger a infncia e promover a assistncia especial criana, nos termos da
Declarao Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, objetivando sua
formao plena como cidado consequente e responsvel, foi redigida a Conveno sobre os
Direitos da Criana, adotada pela Resoluo n L 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Naes
Unidas em 20 de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990.
Conforme dispe o seu prembulo, a Conveno dos Direitos da Criana, em
razo do contedo da Declarao sobre os Direitos da Criana, de 20 de novembro de 1959,
foi concebida tendo em vista a necessidade de garantir a proteo e cuidados especiais
criana, incluindo proteo jurdica apropriada, antes e depois do nascimento, em virtude de
sua condio de hipossuficiente, em decorrncia de sua imaturidade fsica e mental, e levando
em considerao que em todos os pases do mundo existem crianas vivendo em condies
extremamente adversas e necessitando de proteo especial.
63ALBERNAZ JNIOR, Victor Hugo & FERREIRA, Paulo Roberto Vaz. Conveno Sobre os Direitos daCriana, disponvel no site: http//www.dhnet.org.br, acessado em 27 de julho de 2009, s 9 horas.
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A Conveno dos Direitos da Criana tem como meta incentivar os pases
membros a proporcionar o desenvolvimento pleno e harmnico da personalidade de suas
crianas, favorecendo o seu crescimento em ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e
compreenso, preparando-as plenamente para que tenham uma vida individual em sociedade e
sejam educadas no esprito dos ideais proclamados na Carta das Naes Unidas, em esprito
de paz, dignidade, tolerncia, liberdade, igualdade e solidariedade. Foi inspirada nas normas
internacionais que a antecederam e com a finalidade de particulariz-las em razo do sujeito
de direito que tem como alvo a criana , bem como desenvolv-las a partir da criao de
mecanismos de aplicabilidade e fiscalizao desses princpios e normas.
A necessidade de proporcionar proteo especial criana foi enunciada
anteriormente na Declarao de Genebra sobre os Direitos da Criana, de 1924, e na
Declarao sobre os Direitos da Criana, adotada pela Assemblia Geral das Naes Unidas,
em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declarao Universal dos Direitos Humanos,
de 1948, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos, de 1966 (arts. 23 e 24), no Pacto
Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, tambm de 1966 (art. 10), bem
como nos estatutos e instrumentos relevantes das agncias especializadas e organizaes
internacionais que se dedicam ao bem-estar da criana.
Por fim, ressalta o prembulo da Conveno a importncia da cooperao
internacional para a melhoria das condies de vida das crianas em todos os pases, em
particular nos pases em desenvolvimento, onde se concentra um grande nmero de crianas
social e economicamente marginalizadas.
A Conveno sobre os Direitos da Criana (1989), composta por 54 artigos,
divididos em trs partes, define o conceito de criana e estabelece parmetros de orientao e
atuao poltica de seus Estado Partes para a consecuo dos princpios nela estabelecidos,
visando ao desenvolvimento individual e social saudvel da infncia, tendo em vista ser este o
perodo basilar da formao do carter e da personalidade humana.
Destacamos, da anlise do texto em foco, a importncia assinalada unidade
familiar como suporte para o crescimento social e emocional, harmnico e saudvel da
criana, atribuindo aos pais ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial
de proporcionar, de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condies de vida
necessrias ao desenvolvimento da criana (art. 27, item 2)
64
, cabendo ao Estado Parte, de
64Artigo 27, item 2: Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar,
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acordo com as condies nacionais e dentro de suas possibilidades, adotar medidas
apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsveis pela criana a tornar efetivo
este direito e, caso necessrio, proporcionando assistncia material e programas de apoio,
especialmente no que diz respeito nutrio, ao vesturio e habitao.
O artigo 1 j foi acima analisado, quanto tratamos do conceito de criana. A
partir do artigo 2, a Conveno passa a discorrer sobre os direitos humanos da criana,
dizer, direito vida (art. 6), integridade fsica e moral (art. 19), privacidade e honra
(art.16), imagem, igualdade, liberdade (art. 37), direito de expresso (arts. 12 e 13), de
manifestao de pensamento (art. 14), sem distino de qualquer natureza (raa, cor, sexo,
lngua, religio, convices filosficas ou polticas, origem tnica ou social etc.),
estabelecendo diretrizes para adoo e efetivao de medidas que garantam esses direitos por
parte dos Estados convencionados, com o objetivo de garantir a proteo das crianas de
qualquer forma de discriminao ou punio injusta. Para tanto, nos termos do artigo 4, os
Estados Partes devero tomar todas as medidas administrativas e legislativas para a efetivao
dos direitos reconhecidos na Conveno. Especialmente com relao aos direitos econmicos,
sociais e culturais, tomaro tais medidas no alcance mximo de seus recursos disponveis e,
quando necessrio, no mbito da cooperao internacional.
O artigo 3 da Conveno estabelece que todas as medidas relativas criana,
tomadas pelas instituies pblicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou
rgo legislativos, tero como meta atender aos interesses superiores da criana. Este
dispositivo guarda estreita consonncia com os princpios que regem o "direito da infncia e
juventude" brasileiro, tendo como exemplo o artigo 43 do Estatuto da Criana e do
Adolescente, que condiciona a colocao da criana em lar adotivo apresentao de reais
vantagens para o adotando.
Um dos primeiros direitos do ser humano o de ter assegurada sua identidade.
nesse sentido que a Conveno prev, em seu artigo 7, o direito de a criana ser registrada
imediatamente aps seu nascimento, garantindo, assim, seu direito ao nome e nacionalidade.
O artigo 11 da Conveno dispe que os Estados Partes tomaro medidas para
impedir o trfico de crianas para o exterior, devendo, para tanto, promover a concluso de
acordos bilaterais para tal finalidade. O artigo 35 refora o teor deste artigo visando a impedir
o sequestro, a venda ou trfico de crianas para qualquer fim ou sob qualquer forma.
de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condies de vida necessrias ao desenvolvimento dacriana.
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As crianas privadas de seu ambiente familiar ou cujos interesses exijam que elas
no permaneam nesse meio, tero direito proteo e assistncia especiais do Estado,
incluindo programa de colocao em lares de adoo ou instituies adequadas, tendo por
finalidade e considerao primordial o interesse maior da criana (art. 20).
No que diz respeito colocao da criana ou adolescente em famlia substituta,
que tambm uma forma de efetivar o direito humano convivncia familiar, lembram
Albernaz Jnior e Paulo Roberto Ferreira:
No direito brasileiro a colocao da criana ou adolescente em famlia substituta tambm considerada medida excepcional, efetivada atravs da guarda, da tutela ouda adoo, regidas pelo Cdigo Civil e pelo Estatuto da Criana e do Adolescente.No caso especfico da adoo dirigida a pessoas menores de 18 anos, o Brasil
estabeleceu, a partir de 1990, uma nova sistemtica jurdica criando a adoo plenado Estatuto da Criana e do Adolescente. A preocupao com o bem estar da crianae do adolescente vem ao encontro com os interesses internacionais expressosprincipalmente na Conveno ora analisada, que aborda o tema em seu artigo 21,buscando dar uma famlia ao adotado, proporcionando-lhes condies para se tornarum cidado pleno, contribuindo para a melhoria qualitativa da sociedade ondevive.65
Para o que nos interessa mais especificamente neste tpico, que a identificao
do direito convivncia familiar como direito humano, podemos dizer que os Estados Partes,
ao aderirem Conveno, comprometem-se a respeitar a identidade, a nacionalidade e as
relaes familiares de suas crianas, fornecendo-lhes assistncia e proteo apropriadas, de
modo que sua identidade seja prontamente restabelecida em face de qualquer privao ilegal
desta. Devero, ainda, zelar para que a criana no seja separada da famlia, salvo nos casos
de interesse maior do infante e de acordo com a legislao vigente de cada pas, e respeitando
o procedimento judicial especfico, tais como a suspenso ou a perda do ptrio poder (arts.
392 a 395 do Cdigo Civil Brasileiro, e 155 a 163 do Estatuto da Criana e do Adolescente) e
os procedimentos de colocao do menor em lar substituto (guarda, tutela e adoo), ou ainda,
no caso de separao judicial dos pais, em que ser determinado pelo juzo competente qualdos genitores ficar com a guarda da criana. Contudo, os Estados Partes respeitaro o direito
da criana que esteja separada dos pais a manter relaes pessoais e contato direto com ambos
(direito de visita), a menos que isso seja contrrio ao interesse dela (arts. 8 e 9 da
Conveno).
65ALBERNAZ JNIOR, Victor Hugo & FERREIRA, Paulo Roberto Vaz. Conveno Sobre os Direitos daCriana, disponvel no site: http//www.dhnet.org.br, acessado em 27 de julho de 2009, s 9 horas.
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2.3 O direito da criana e do adolescente convivncia familiar, no Direito brasileiro
O constitucionalismo contemporneo, como menciona Jos Alcebades de
Oliveira Jnior66, a forma mais desenvolvida do paradigma legal, embora as dificuldades
imponham peculiaridades que talvez no nos permitam enfrentar as insuficincias da
legalidade em sentido estrito. Com efeito, o constitucionalismo contemporneo se caracteriza
como compromissrio e no apenas dogmtico. Isto , para alm das regras estruturantes
do Estado de Direito, das regras que visam uma segurana jurdica, trazem consigo princpios
e valores que expressam acordos sobre um mnimo tico em relao ao ser humano. Normas
que, embora abertas, se constituem em valores a serem alcanados para a plena realizao da
dignidade humana, e dentre as quais encontramos a liberdade, a igualdade e a solidariedade.
Esses princpios devem condicionar toda e qualquer interpretao constitucional. Uma leitura
atenta dos preceitos constitucionais no deixar de perceber que quando se fala de igualdade,
no se trata apenas de seu ngulo formal, seno que da igualdade na diversidade e da
diversidade na igualdade.
Assim, embora a ideia de Direitos Humanos ou proteo do ser humano - seja
mais antiga do que o constitucionalismo, ela ganha um peso muito grande com o
constitucionalismo, podendo-se, a partir da, falar em Direitos Humanos Fundamentais
propriamente ditos.
Deixando-se de lado a ampla e rica histria do constitucionalismo, e tomando em
conta a Constituio brasileira de 88, possvel perceber, por outro lado, seu profundo
compromisso com a igualdade (formal e material), pois embora ela no seja resultante
propriamente de um exerccio de reivindicao de toda a sociedade, tendo sido forjada de
certa forma por acordos de gabinetes, ainda assim sofreu influncias de movimentos
populares, dentre os quais o movimento negro, p.ex., pretendendo o restabelecimento de bases
mais ticas e justas para a sociedade brasileira, visando, portanto, superao da
desigualdade.
Os sistemas constitucionais expressam, na modernidade, a forma mais acabada de
racionalizao legal. Aspectos formais e materiais das Constituies constituem, como diria
Bobbio67, as duas faces de uma mesma medalha, que so os direitos humanos fundamentais.
De um lado, garantias; de outro, direitos, porm numa inter-relao.
66OLIVEIRA JNIOR, Jos Alcebades. Constituio e Direitos Humanos Fundamentais Exigibilidade eProteo, Braslia: Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, 2008, p. 3.669.67BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 27.
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Para Guy Haarscher, citado por Jos Alcebades Oliveira Jnior68, podemos
classificar as demandas da preocupao com a formalizao no direito, da seguinte forma:
SEGURANA JURDICA: indiscutivelmente, com o assento na lei, tem-se a
sensao de uma superao do problema da subjetividade no dizer o Direito. Em tese, haveria
certos limites (molduras) dentro dos quais teria de se mover o aplicador.
LEGALIDADE: conhecimento da lei e vinculao a ela. Nesse ponto, o
importante que ao mesmo tempo que a lei submete os governados, tambm submete os
governantes, que tm a liberdade de estabelecer o contedo da lei, mas, do mesmo modo, se
obrigam a ele.
JU
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