3. A Estratgia em Condies de Incerteza
3.1. O que Estratgia?
A disciplina de estratgia tem pouco mais de 40 anos (WHITTINGTON et
al., 2003), o que mostra que a produo acadmica na rea no est ainda
consolidada. Com efeito, a produo de conhecimento nessa rea, para ser
relevante, precisa de pesquisas, em larga escala, que sejam inovadoras,
interdisciplinares e passveis de comparaes internacionais para que a
investigao seja confrontada com a influncia cultural sempre presente no estudo
de gesto (PETTIGREW, 2005). No entanto, Pettigrew alega que a
interdisciplinaridade e a internacionalidade dos estudos em gesto so ainda raras
em todas as perspectivas, tanto na escola de negcios, quanto nos trabalhos
acadmicos voltados para o setor pblico e so, talvez, quase inexistentes em
pesquisas que analisam a interface entre ambos.
Por outro lado, apesar de sua pouca maturidade, o discurso de estratgia
permeia uma variedade de disciplinas de gesto, incluindo recursos humanos,
informao e contabilidade, e seus conceitos espraiam-se para outras disciplinas
da cincia social, tais como geografia e sociologia (WHITTINGTON et al.,
2003). Para Mintzberg et al. (2000), pode-se estudar estratgia por meio de uma
vasta gama de conhecimentos, que vo da biologia fsica quntica, do estudo das
organizaes s aes de militares e de religiosos, ou seja, a estratgia est em
toda e qualquer parte da ao humana, ou mesmo dos sistemas coletivos de todas
as espcies. Alm disso, no seu prprio campo organizacional, o discurso de
estratgia no s direciona as empresas, como tambm internalizado pelos
empregados, consistindo em uma forma de moldar identidades e comportamentos
no ambiente de trabalho (KNIGHTS; MORGAN, 1991).
Ao analisar a emergncia do discurso de estratgia corporativa, Knights e
Morgan (1991) detectam o seu surgimento efetivo no perodo ps-guerra nos
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Estados Unidos, para lidar, sobretudo, com alguns processos de mudana no
contexto corporativo, tais como a reestruturao das relaes de propriedade das
empresas, as condies de mudana dos mercados e as novas formas de estrutura
e gerenciamento das organizaes.
A reestruturao das relaes de propriedade abriu espao para o dilogo
entre a direo das empresas e seus acionistas e investidores, antes desnecessrio
por no haver distino entre essas pessoas. Desse modo, os executivos
profissionais tinham que prestar contas aos proprietrios das empresas sobre as
suas decises - o que faziam e porque faziam -, ou seja, estava aberto um canal
para a estratgia corporativa. A ampliao dos mercados das grandes companhias
americanas aps a 2 Guerra Mundial tambm trouxe complexidade no
gerenciamento das empresas, e de suas filiais em outros pases, e gerou, mais uma
vez, a necessidade de explicar como as companhias obteriam sucesso em
condies de mercado muito mais competitivas. Ademais, o gerenciamento das
empresas tornou-se ainda mais complexo com o crescimento das corporaes e o
controle de grupos empresariais to dispersos geograficamente quanto
diversificados (KNIGHTS; MORGAN, 1991).
Claramente influenciada pelo uso como planos e estratagemas de guerra na
rea militar e antes confinada s preocupaes internas de controle de produo
sem, portanto, uma necessidade imperiosa de explicitao, a estratgia e o seu
discurso afloraram e encontraram espao no meio acadmico por meio de autores
como Igor Ansoff, que, em 1965, articulou a ideia de estratgia corporativa
(KNIGHTS; MORGAN, 1991) ao utilizar um processo racional para analisar as
capacidades internas da organizao luz das oportunidades e ameaas do
ambiente externo (ANFOFF, 1965). Tambm foram pioneiros Philip Selznick, em
1957, ao introduzir a noo de competncia distintiva no livro Leadership in
Administration, e Alfred Chandler, que, em 1962, escreveu Strategy and
Structure (SELZNICK, 1957; CHANDLER, 1962; MINTZBERG ET AL.,
2000).
Desde ento introduzido no discurso gerencial, inmeros autores tm
buscado conceituar o termo estratgia e explorar as formas pelas quais ela
formulada. Para Knights e Morgan (1991), as primeiras conceituaes geraram e
suportaram a viso mais ortodoxa na qual a estratgia percebida como um
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conjunto de tcnicas racionais para gerenciar negcios complexos em um
ambiente em mutao (p. 251).
Nessa perspectiva, Ansoff (1965; ANSOFF; MCDONNELL, 1993)
conceitua estratgia como um conjunto de regras de tomada de deciso para a
orientao do comportamento de uma organizao (ANSOFF; MCDONNELL,
1993, p. 70), as quais esto relacionadas medio do desempenho presente e
futuro da empresa, ao desenvolvimento da relao da empresa com o seu ambiente
externo, ao estabelecimento dos seus processos internos e conduo de suas
atividades dirias. Desse modo, para o autor, a estratgia tem um conceito
sistmico que d coerncia e direo ao crescimento de uma organizao
complexa.
Para Porter (1991, 1996; 2007), essa direo deve indicar a criao de uma
vantagem competitiva sustentvel e, consequentemente, a gerao de retornos
crescentes ao longo do tempo. De acordo com o autor, a essncia da estratgia a
criao de uma posio exclusiva e valiosa para a empresa, envolvendo um
conjunto diferente de atividades. Desse modo, a estratgia deve conter uma
proposio de valor nica em relao dos seus concorrentes, gerada pela sinergia
entre atividades que se encaixam e se reforam umas s outras (strategic fit) em
uma cadeia de valor diferente e bem moldada (modelo de negcio).
Nesse sentido, estratgia uma escolha que tem implicitamente trade-offs
claros entre o que fazer e o que no fazer. Segundo Porter, a verdadeira vantagem
competitiva sustentvel deriva da integrao entre atividades, a qual permite
empresa oferecer determinados valores aos seus clientes ao invs de outros. A
chave do sucesso estaria em ter um foco bem definido, para o qual todas as
pessoas na empresa estariam direcionadas e que, ao mesmo tempo, balizaria as
decises nos nveis operacional e ttico. Aqui, no h muito espao para
mudanas de rumo ou redirecionamentos significativos na implementao da
estratgia, mesmo porque um modelo de negcios distintivo e exclusivo limitaria
iniciativas divergentes.
A abordagem de Porter inspirou, desde a dcada de 80, toda uma escola de
pensamento estratgico, que Mintzberg et al. (2000) classificaram de Escola do
Posicionamento. Trinta anos depois, boa parte das empresas ainda traa suas
estratgias inspirada nos conceitos presentes nos textos de Porter, de Ansoff e de
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outros autores que contriburam para o surgimento e a ascenso do planejamento
estratgico nas empresas desde os anos 60.
De acordo com Collis e Rukstad (2008), o sucesso de uma empresa depende
da sua capacidade de definir uma estratgia simples, clara e sucinta que toda
pessoa possa internalizar e usar como uma bssola na hora de tomar decises
difceis (p. 42). Segundo os autores, uma boa declarao de estratgia deve ter
trs componentes o objetivo, o escopo e uma vantagem. Por objetivo, entende-se
uma definio clara dos resultados que a estratgia se prope a produzir, atuando
em uma determinada arena competitiva ou espao de atuao (escopo). J a
vantagem competitiva constitui a essncia da estratgia: o que a empresa far de
uma maneira distinta ou melhor do que as outras, definindo o meio pelo qual
atingir o objetivo declarado. A vantagem teria componentes externos e internos
complementares:
uma proposta de valor que explique por que a clientela visada deveria optar por
seu produto dentre todas as demais alternativas e a descrio de como as
atividades internas deveriam estar alinhadas para que a empresa e somente ela
seja capaz de garantir essa proposta de valor (p. 42).
Professores da Harvard Business School, Collis e Rukstad sendo Collis
tambm consultor em estratgia de grandes empresas americanas mostram como
ainda esto presentes os conceitos de Porter na prtica estratgica empresarial
contempornea.
Para Knights e Morgan (1991), o conceito de estratgia deve ser visto sob
uma perspectiva sociolgica. Assim, a estratgia seria entendida como um
discurso que reflete as necessidades ideolgicas da classe gerencial profissional. O
discurso de estratgia seria, ento, usado para disseminar e ampliar interesses
especficos que passam a ser legitimados pela prtica social. Desse modo, os
efeitos gerados pelo discurso da estratgia corporativa nos ltimos quarenta anos
enfatizam a racionalizao como forma de explicar sucessos e fracassos do mundo
corporativo, a rejeio de perspectivas alternativas, o senso de segurana
organizacional (os gerentes sabem o que fazer em favor da organizao), o sentido
de controle e agressividade, a demonstrao de racionalidade gerencial para o
ambiente e a prpria legitimao do exerccio de poder.
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Desse modo, o discurso dominante do planejamento formal no modo
clssico faz dele eficiente do ponto de vista sociolgico, quer seja
economicamente efetivo ou no. Mesmo que seja feito por mera formalidade (e a
realidade acabe por no refletir o que foi planejado), o planejamento formal tem
seu valor porque assim que os elementos-chave do ambiente institucional
esperam que os negcios sejam feitos (Whittington, 2006). No fosse assim, que
investidor leigo aportaria suas economias em aes de empresas cujos executivos
explicitassem que pouco podem fazer em face das incertezas e descontinuidades
do ambiente e que, por isso, no tm uma viso de futuro clara e inspiradora?
Por outro lado, o prprio conceito de estratgia influenciado pelo contexto
econmico, poltico e cultural no qual ela definida. Pases com economias mais
ou menos liberais, com culturas mais ou menos coletivistas, com crenas mais ou
menos deterministas, certamente tero vises distintas de estratgia, influenciadas
por suas ideologias. Segundo Shrivastava (1986), o estudo da administrao
estratgica no uma disciplina neutra. Ao colocar interesses especficos como
universais, uma determinada teoria legitima interesses de determinado grupo para
uma ampla comunidade. De acordo com o autor, o conhecimento ortodoxo
produzido sobre administrao estratgica tem servido a uma ideologia para
normalizar as estruturas existentes da sociedade americana e universalizar as
metas de sua elite dominante (Shrivastava, 1986, in Whittington, 2006, p. 35).
No entanto, existem outros conceitos de estratgia no discurso gerencial. Ao
fazerem uma reviso do campo da estratgia, discutirem seus conceitos e as
formas pelas quais elas so formuladas ou formadas, Mintzberg e seus colegas
descreveram cinco definies diferentes de estratgia (MINTZBERG, 1987a,
1987b; MINTZBERG; LAMPEL, 1999; MINTZBERG et al., 2000). Para os
autores,
(1) estratgia um plano, uma direo, um guia ou curso de ao para o futuro;
[....] (2) estratgia um padro: consistncia do comportamento ao longo do
tempo; [....] (3) estratgia a escolha de uma posio: a localizao de
determinados produtos em determinados mercados; [....] (4) estratgia uma
perspectiva: a maneira fundamental de uma organizao fazer as coisas; e [....]
(5) estratgia um truque: uma manobra especfica para enganar um oponente
ou concorrente. (Mintzberg et al., 2000, p. 17-20).
Mas, com exceo da segunda, essas definies esto associadas a um
processo de formulao estratgica prescritivo, no qual as estratgias so
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concebidas ex-ante e implementadas ex-post. Nas definies de estratgia como
um plano, uma posio ou uma manobra, as empresas formulam a priori o que
fazer, que posio querem assumir em determinado mercado e como competir
com outras empresas para, em seguida, colocar em ao os caminhos pretendidos.
Na concepo de estratgia como uma perspectiva, o modo pelo qual uma
organizao decide atuar pode ser traduzido pelo seu modelo de negcios e pela
definio clara de que valores vai oferecer ou no para os seus clientes. Na viso
dos autores, essa perspectiva pode ser exemplificada pela atuao do McDonalds
(MINTZBERG et al., 2000). Tambm esse modelo de negcios definido a
priori e implementado depois.
J no conceito de estratgia como um padro, prevalece o carter descritivo
do processo de formao de estratgia. A estratgia surge, ou se forma, como um
padro reconhecido a partir de um conjunto de decises tomadas pela organizao
no passado. Desse modo, a estratgia s pode ser vista de uma perspectiva
histrica, fazendo uma leitura do comportamento da organizao aps um perodo
de tempo.
Considerando a prtica do processo estratgico nas empresas, Mintzberg et
al. (2000) argumentam que a estratgia real contm estratgias tanto pretendidas,
na medida em que o mundo real exige pensar frente (p. 18), quanto
emergentes, frutos de decises tomadas uma a uma em um processo de tentativa e
erro que se transformam em um padro de comportamento a posteriori (Figura
14). As estratgias emergentes consideram a adaptao ao inesperado e o
aprendizado na prtica diria da tomada de decises empresariais.
Por outro lado, considerando uma viso mais abrangente e sistmica,
Macedo-Soares (2002) tem uma definio de estratgia que alia a anlise da
empresa e as suas relaes com o ambiente. De acordo com a autora, estratgia
pode ser definida como
o propsito unificador que traz coerncia e direo s decises e aes de uma
organizao, especialmente no que se refere alavancagem e alocao dos
recursos necessrios melhoria e sustentao de seu desempenho, de acordo com
sua viso e considerando as condies de seus ambientes interno e externo (p.
293).
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Estratgia no
Realizada
Figura 14 Estratgias Deliberadas e Emergentes
Fonte: MINTZBERG et al., 2000, p. 19.
Nesse conceito, agregada a anlise estratgica sob a tica relacional, que
inclui conexes, de natureza colaborativa ou oportunista, da empresa focal em
uma rede de parcerias, alianas e relacionamentos com clientes, fornecedores,
concorrentes, substitutos, complementadores,1 governo, entidades de classe,
fontes de financiamento etc.. Enfim, considera a empresa e sua relao com todos
os seus stakeholders (ou partes interessadas). Nesse sentido, o conceito de
estratgia extrapola as fronteiras de uma organizao para colocar nfase nas
relaes dessa com outros atores no seu ambiente-tarefa.
Sob outro ponto de vista, Beinhocker (2006) alega que no existe uma nica
estratgia, pelo contrrio, elas devem ser mltiplas, representando opes as quais
a empresa deve recorrer conforme os interesses da empresa ou as mudanas no
ambiente.
Para justificar sua afirmao, o autor comea por contestar a possibilidade
de existncia de vantagens competitivas sustentveis a longo prazo no mundo
corporativo atual. Buscando sustentar a hiptese de que toda vantagem
competitiva temporria e que, medida que o mundo se torna mais dinmico, o
prazo de validade de uma vantagem competitiva cada vez mais curto,
Beinhocker (2006) baseou-se em estudos publicados em 2002 e 2005, por Robert
1 Complementadores so parceiros cujos produtos so mais valorizados pelos clientes quando oferecidos
conjuntamente, sob a forma de soluo, do que quando ofertados separadamente (Brandenburger e Nalebuff,
1997).
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Wigguins e Tim Ruefli, que compararam a performance de 6.722 empresas em
relao ao desempenho do setor ao qual elas pertenciam, no perodo de 1974 a
1997. Nesses estudos, apenas 5% das empresas pesquisadas mantiveram uma alta
performance por um perodo superior a dez anos. Dessas, apenas 32 (0,5% do
total) mantiveram alta performance por 20 anos e apenas 3 (0,04% do total)
confirmaram essa alta performance por 50 anos. Outra concluso: a durao
mdia de perodos de vantagem competitiva declinou, empresas entraram e saram
do extrato de performance superior cada vez mais rapidamente e as chances de
perderem uma posio superior quase dobraram durante o perodo estudado.
Na concepo de Beinhocker (2006), essas concluses alteram o conceito de
empresa de excelncia, que deixa de ser
aquela que obtm contnuas altas performances por perodos muito longos (o que
quase impossvel de acontecer) para ser aquela que consegue tecer uma srie de
vantagens temporrias ao longo do tempo (p. 332).
Ademais, para ser capaz de gerar vantagens competitivas temporrias
sucessivas, Beinhocker defende a ideia de inovao com base na experimentao,
internalizando na empresa o mximo possvel de alternativas que reflitam as
opes existentes no mercado. Desse modo, o autor conceitua estratgia da
seguinte forma:
Estratgia um portfolio de experimentos, um conjunto de planos de negcio,
que competem entre si e evoluem ao longo do tempo (BEINHOCKER, 2006, p.
334).
Associada diversidade de meios para se atingir o objetivo, est a premissa
defendida por Beinhocker de que a economia muito mais complexa, dinmica e
no-linear para ser passvel de previses de longo prazo e que o futuro moldado
por pequenos eventos fortuitos,2 difceis de serem previstos, que, em determinado
momento, mudam o rumo da histria. So eventos pouco importantes quando
vistos isoladamente, mas que tm o poder de influenciar, ou mesmo, configurar o
futuro. No entanto, pela sua pouca importncia dificilmente so detectados a
priori. Eles podem ser comparados aos cisnes negros, termo cunhado por
Nassim Taleb (2009) para definir eventos impossveis de serem previstos que
2 O autor usa o termo frozen accident (usado na biologia para identificar nos organismos vivos a herana de
mutaes casuais ocorridas em um ancestral comum aos organismos atuais) para exemplificar a possvel
ocorrncia de eventos ou acidentes aleatrios cujas conseqncias se espraiam para muito alm dele mesmo,
criando inmeras ramificaes no sistema que mudam o rumo da histria.
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podem mudar o curso da histria, conforme mencionado no Captulo 2, ou podem
no ser detectados simplesmente por estarem presentes nas interconexes do
ambiente contextual - textura causal (EMERY; TRIST, 1965) e que, a princpio,
no teriam efeitos sobre a organizao.
Para exemplificar a ideia de portfolio de experimentos, o autor baseou-se
na histria da Microsoft, descrita por ele e apresentada no Quadro I.
Quadro I O Portfolio de Experimentos da Microsoft
Em 1987, a ainda recente indstria dos PCs acabara de passar por um perodo de
crescimento explosivo, em que a Microsoft se destacava como lder. Entretanto, o MS-DOS
chegava ao fim de seu ciclo de vida natural e o mercado comeava a procurar por sistemas
operacionais que aproveitassem melhor a nova gerao de computadores potentes e seus
grficos. Uma mudana na curva S aproximava-se e o mercado no tinha certeza sobre como os
novos padres de sistemas operacionais estabeleceriam-se. At esse ponto, a Microsoft ainda era
uma empresa pequena (de apenas US$ 346 milhes) frente s gigantes multibilionrias, que
buscavam sua fatia de mercado. Cada uma dessas gigantes vinha desenvolvendo solues
alternativas ao MS-DOS, seja por meio de consrcios, seja individualmente.
Era possvel imaginar as opes da Microsoft naquele momento: (1) fazer uma enorme
aposta na empresa, investindo no desenvolvimento de um novo sistema operacional chamado
Windows e tentar induzir a migrao dos usurios da base DOS para o novo padro,
preferencialmente antes que seus concorrentes atingissem fatias crticas de usurios; (2) sair do
segmento de sistemas operacionais e concentrar-se em aplicativos para os quais o pequeno porte
da Microsoft seria uma grande vantagem; e (3) vender ou formar parceria com algum de seus
concorrentes, o que aumentaria o poder do concorrente a quem a Microsoft se unisse.
A opinio geral hoje diria que Gates escolheu a opo 1 e a aposta valeu a pena,
mantendo a posio de liderana da Microsoft no mercado. Mas o que realmente aconteceu foi
muito mais interessante. Gates e sua equipe investiram simultaneamente em 6 experimentos
estratgicos diferentes.
Em primeiro lugar, a Microsoft continuou a investir no MS-DOS. Mesmo com as previses
de decadncia do ciclo de vida natural do sistema, ele ainda contava com uma base de clientes
enorme, uma vez que muitos se mostravam receosos de substituir um sistema que, a cada
verso, tornava-se melhor. Havia ainda a possibilidade de que o DOS continuasse a evoluir e
atendesse ao que os clientes desejavam por algum tempo.
Em segundo lugar, a Microsoft percebeu que a IBM era uma ameaa real, mostrando que
queria retomar o controle do mercado de sistemas operacionais, com o desenvolvimento do OS/2.
Por outro lado, a IBM percebia que investir sozinha em um sistema desse tipo seria arriscado.
Dessa forma, a Microsoft e a IBM fizeram uma joint venture para desenvolver o OS/2.
Em terceiro, a Microsoft percebeu que o Unix um sistema operacional j existente que
vinha sendo aprimorado por um consrcio liderado pela AT&T representava uma ameaa, ainda
que em escala bem menor do que o OS/2. Consequentemente, a Microsoft iniciou discusses com
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Quadro I (continuao)
diversas empresas sobre sua possvel participao no desenvolvimento conjunto do Unix. Com
essa ao, a Microsoft conseguiu no s saber o que acontecia, mas tambm alimentar as
especulaes sobre sua estratgia quanto ao sistema, criando uma incerteza adicional no
mercado e desacelerando o progresso do sistema.
Em quarto lugar, a Microsoft comprou uma parcela majoritria da Santa Cruz, a maior
empresa de venda do sistema Unix em PCs. Desta forma, caso o Unix de fato deslanchasse, a
companhia ainda teria algum produto prprio no mercado.
Em quinto lugar, Gates no desistiu de investir em aplicativos, mas sim continuou a
construir esse negcio paralelamente aos passos anteriores. Em particular, com essa estratgia a
Microsoft estabeleceu-se como a principal fornecedora de softwares da Apple.
Por ltimo, foram feitos altos investimentos no Windows, que foi elaborado para ser o
melhor dos mundos: tinha a facilidade de uso do Macintosh, era compatvel com o DOS e era
multitarefa como o Unix e o OS/2. E, mais importante, ele manteria o controle do mercado de
sistemas operacionais para PC nas mos da Microsoft. O sucesso do Windows era claramente a
opo preferida pela empresa.
Enfim, o que Gates criou no foi uma grande aposta focada, mas sim um portfolio de
opes estratgicas. Uma forma de interpretar o que foi feito pensar que Gates tinha um objetivo
de alto nvel e, por isso, criou um portfolio de estratgias que poderiam evoluir para aquele
objetivo: tornar a Microsoft a lder em softwares para PCs. Como a Microsoft naquela poca ainda
no tinha a posio que tem hoje, o sucesso do Windows no era nada certo. Ou seja, a escolha
de Gates tornou-se ainda mais importante. Ele criou dentro da prpria empresa planos de
negcios concorrentes que refletiam a competio que se desenvolvia no mercado. [....] ao utilizar
a estratgia de portfolio, a empresa protegeu-se de possveis guinadas no curso da histria.
Fonte: Beinhocker, 2006, p. 335-337.
Com sua definio de estratgia, Beinhocker subverte o conceito clssico de
Porter, que defende estratgia como uma escolha nica para gerar um valor
exclusivo e valioso. Como se v, Beinhocker acredita na multiplicidade de
experincias (que podem ser complementares ou alternativas como mostra o
exemplo da Microsoft) para chegar a um objetivo maior.
No entanto, a experincia prtica da autora em consultoria em estratgia em
grandes empresas brasileiras em 15 anos de trabalho na empresa de consultoria
Macroplan Prospectiva, Estratgia & Gesto traz uma reflexo acerca da
viabilidade de se ter diversas estratgias conflitantes simultaneamente vigentes na
organizao. Parece necessria, sobretudo considerando o nvel de maturidade do
processo estratgico de grandes corporaes no Brasil, a identificao de uma
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estratgia principal, aquela que indicar o rumo a ser seguido e guiar as
principais decises empresariais.
Por outro lado, faz sentido considerar os argumentos de Beinhocker ao
defender que, quando uma empresa capaz de internalizar e gerir uma diversidade
de caminhos pelos quais ela possa atingir um objetivo, essa empresa tem maiores
probabilidades de obter sucesso em comparao com aquela que aposta a priori
em uma nica direo.
Dessa forma, a autora prope integrar essas duas vises no conceito de
estratgia, considerando tambm a abordagem sistmica de Macedo-Soares
(2002), e incorporar tanto a necessidade de uma escolha principal quanto a
possibilidade de agregar experimentos alternativos aos caminhos pelos quais se
pretende alcanar a viso de futuro da organizao, respeitando as condies dos
ambientes interno e externo. Assim, prope-se o seguinte entendimento de
estratgia:
Estratgia compreende um conjunto de grandes escolhas (Estratgia
principal) e de um portfolio de experimentos de grande alcance potencial que
orienta o gerenciamento do presente e a construo do futuro em um
horizonte de longo prazo, sob condies de incerteza.
A meno construo do futuro e s condies de incerteza3 remete
tambm s questes iniciais apresentadas no Captulo 2: as empresas precisam
definir minimamente um caminho (ou uns poucos caminhos) a serem seguidos,
considerando a sua atuao em um ambiente econmico e social dinmico,
altamente complexo e com elevada incerteza. Ou seja, precisam agir no presente
incerto, complexo e dinmico de forma a se preparar para um futuro
desconhecido e turbulento.
com base nessa proposta para o entendimento de estratgia que se
concebeu o Modelo Integrador, apresentado no Captulo 4, dedicado formulao
de estratgias mltiplas a partir do uso dos cenrios (ver uso de cenrios para a
escolha estratgica na seo 3.3). Contribuiu tambm para a concepo do Modelo
3 O entendimento de Estratgia como uma grande escolha que orienta a construo do futuro em um horizonte
de longo prazo e sob condies de incerteza j amplamente utilizado nos trabalhos de consultoria da
Macroplan Prospectiva, Estratgia & Gesto desde o final da dcada de 80 em metodologias de
planejamento estratgico baseado em cenrios.
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a reviso bibliogrfica sobre os processos de formulao e formao de estratgia,
apresentados na prxima seo.
3.2. Processos de Formulao e Formao de Estratgia
Como visto na seo anterior, o conceito de estratgia confunde-se com o
seu prprio contedo e com o processo pelo qual ela formulada ou formada.
Para Mintzberg et al. (2000), a diferena entre a formulao e a formao da
estratgia est no modo pelo qual ela surge. Se for deliberada, baseada em um
processo de pensamento consciente, racional e analtico, a estratgia formulada,
explicitada e, ento, implementada. Por outro lado, em outras situaes, as
estratgias emergem, traduzindo padres que vo se formando a partir do
reconhecimento de aes convergentes. Nesses casos, ela formada, pois no h
uma estratgia definida a priori. A postura das empresas de reao ou adaptao
de forma no estruturada, flexvel, oportunista ou mesmo acidental em face das
mudanas. A estratgia tem, portanto, um carter descritivo. identificada como
um padro desenvolvido na ausncia de intenes, ou a despeito destas
(MINTZBERG,1987b, p.13).
Mas, para Mintzberg, as estratgias tanto prescritivas quanto descritivas
convivem no mundo real. Ao analisar diversas escolas de pensamento
estratgico, Mintzberg e Lampel (1999) avaliam o processo de formao de
estratgia da seguinte forma:
A formao de estratgia planejamento racional, viso intuitiva e aprendizado
emergente; sobre transformao e tambm perpetuao; deve envolver cognio
individual e interao social, cooperao e conflito; tem que incluir anlise prvia
e programao posterior, alm de negociao durante; e tudo isso em resposta
demanda do ambiente. (p. 27)
Na literatura, o processo de formulao de estratgia tem incio no final da
dcada de 50 e no comeo dos anos 60, teve seu auge nos anos 70, com o
Planejamento Estratgico, e evoluiu com diversas escolas e abordagens, ora mais
especficas, ora mais integradoras (BELFORT-SANTOS, 2006). A evoluo do
planejamento e das abordagens de pensamento estratgico ser detalhada nos
prximos itens.
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3.2.1. As Origens do Planejamento
At a metade do sculo passado, o planejamento encontrado nas empresas
ocidentais seguia os princpios da Administrao Cientfica, fundada por Taylor
nos Estados Unidos, juntamente com as tcnicas desenvolvidas por Ford para as
operaes industriais, e da Teoria Clssica da Administrao, desenvolvida por
Fayol na Frana (MAXIMIANO, 2000). Ao planejamento de operaes seguiu-se
o planejamento oramentrio, que dominou o mundo empresarial at a dcada de
50.
Quando a primeira ideia de planejamento no oramentrio tornou-se
difundida no mundo ocidental, nos anos 50, o ambiente empresarial era
relativamente estvel e era possvel fazer previses acerca do futuro com certo
grau de preciso. Na abordagem racional-compreensiva, a mudana era guiada por
uma unidade central geradora de planos detalhados que deveriam ser rigidamente
implementados pelas unidades executivas (MELO, 1987).
Nesse tipo de planejamento, o estado futuro era presumidamente conhecido
e controlvel, o sistema movia-se como um todo em equilbrio e seguia-se uma
sequncia essencialmente racional de definio de objetivos, identificao dos
meios alternativos para atingi-los e seleo de uma opo que maximizasse os fins
predeterminados. A avaliao era feita a posteriori, quando o ciclo estivesse
completo e, s ento, essa retroalimentaria um novo ciclo (MELO, 1987).
Esses elementos so encontrados na Design School, cujos principais autores
so Philip Selznick, Alfred Chandler, Kenneth Andrews e Christensen, citados em
Mintzberg et al. (2000), e na sua evoluo, o Planejamento Racional, defendido
por Igor Ansoff, na dcada de 60. Em ambas as abordagens, a concepo da
estratgia entendida como um processo deliberado de pensamento consciente e
as estratgias devem ser explicitadas e implementadas findo o seu processo de
formulao. Ambos os modelos do nfase avaliao das situaes externas e
internas companhia, analisando fatores tecnolgicos, econmicos, sociais e
polticos do ambiente da empresa que podem ser previstos e fatores internos, suas
dificuldades, seus valores, suas experincias e a forma como seus executivos
interpretam a tica da sociedade na qual a empresa opera (MINTZBERG, 1990;
ANSOFF, 1991; MINTZBERG et al., 2000).
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Mas a abordagem Racional-Compreensiva foi objeto de crtica por exigir
informao abrangente e rigorosa, com altos custos para sua obteno, e por no
considerar a limitao da capacidade intelectual do homem quando confrontado
com problemas complexos. Alm disso, o planejamento racional compreensivo
apresentava falhas na sua implementao. Considerando-o inadequado, Lindblom
(1968), props no final dos anos 50 um novo mtodo de planejamento, intitulado
Incrementalismo Disjunto.
O Incrementalismo Disjunto baseava-se em medidas incrementais
respeitando-se a estrutura existente. Escolhas marginais eram feitas dentre poucas
alternativas, com os fins apropriados aos meios; as partes desenvolviam-se a
diferentes taxas, pois o crescimento por si s gerava desequilbrio. Essa
abordagem baseou-se na premissa de que toda mudana deve surgir de maneira
espontnea, pois o planejamento artificial (MELO, 1987, p. 43). Portanto, a
noo de ao e reao aos acontecimentos e da prpria adaptao ao ambiente
tm seus embries no final dos anos 50. A partir da, seguiram-se abordagens de
planejamento que ora enfatizavam a tica compreensiva ora privilegiavam a viso
incremental ou abordagens que buscavam integrar essas caractersticas antitticas
dentro de uma perspectiva de adaptao e de articulao do projeto do sistema
como um todo.
Em 1980, Pava (1980) agrupou as vises de planejamento adaptativo que
atribuam um papel proeminente ao nvel normativo, mas defendiam uma
adaptao ativa em duas principais linhas de sntese, denominadas pelo autor de
Redesenho Normativo de Sistemas e Mudana no-Sinptica de Sistemas.
A primeira linha rene o conjunto de abordagens mais influenciadas pelas
caractersticas racionais-compreensivas, que tm o foco normativo aplicado ao
sistema como um todo e esse reprojetado para se adequar aos novos valores
explicitados por meio do planejamento em nvel estratgico e ttico. Os processos
sinpticos caracterizam-se por adotarem procedimentos sistemticos explcitos e
rigorosos e por serem analiticamente sequenciais e compreensivos. Nessa linha,
so exemplos o Planejamento Normativo, proposto por Ozbekhan em 1971, e o
Planejamento Interativo, proposto por Ackoff em 1969 (MELO, 1987).
Ozbekhan (1973) definiu o planejamento como um ato de projetar as aes e
modificar o objeto de uma forma previamente definida. Seu foco baseava-se nas
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ideias de problemtica, projeto e interveno na realidade, buscando o estado
desejado. J o Planejamento Interativo baseava-se em trs princpios de operao:
o princpio participativo, o princpio de continuidade e o princpio holstico.
Ackoff (1979) acreditava no engajamento dos gerentes no processo de
planejamento. O produto principal era exatamente o processo em si, o
compromisso e a responsabilidade pelas estratgias definidas.
A segunda linha de sntese, identificada por Pava, enfoca a adoo de
procedimentos no sinpticos aliados necessidade de adaptao ativa, alm da
preocupao normativa no nvel de valores. A Mudana no Sinptica dos
Sistemas considera que mudanas incrementais tm a possibilidade de gerar
transformaes globais no explcitas previamente e que a formulao aberta
devido impossibilidade de definio de um estado final ntido a priori.
Exemplificam essa linha o Planejamento Baseado em Interesse, proposto por
Chevalier em 1969, a Abordagem da Escolha Estratgica, elaborada por Friend e
Jessop em 1969, o Incrementalismo Articulado, proposto por Melo em 1977 e o
Incrementalismo Normativo, advogado por Pava em 1980 (MELO, 1987). Pode-
se acrescentar tambm a abordagem defendida por Quinn, denominada
Incrementalismo Lgico (QUINN, 1978).
No Planejamento Baseado em Interesse, Chevalier sintetizou teoricamente
os elementos das abordagens compreensiva e incremental na tentativa de buscar a
interao dos diferentes valores e interesses no contexto do processo de
planejamento. O autor acentuou a necessidade de atuao em nvel normativo, por
meio da participao dos vrios grupos de interesse atingidos pelas intervenes
planejadas, redefinindo o problema original nas vrias fases do processo de
formulao e implementao (MELO, 1987).
O Incrementalismo Articulado (MELO, 1977), baseia-se em dois conceitos-
chave:
incremental, por advogar que mudanas devem ocorrer passo a passo,
permitindo uma avaliao de cada ao realizada, a fim de identificar o prximo
melhor passo. articulado, por requerer o estabelecimento de diretrizes que
proporcionem os critrios sob os quais cada mudana incremental deva ser
avaliada. Ele d uma direo geral que articula as aes realizadas (MELO,
1979, p. 929).
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Para o desenvolvimento dessa abordagem, necessrio que haja uma tarefa
articuladora, na qual os participantes se envolvam de maneira colaborativa, e um
instrumento articulador, que fortalea e mantenha o grau de articulao atingido
atravs da tarefa articuladora. Ela acentua a necessidade de desenvolver o
processo de planejamento de forma integrada e coordenada (MELO, 1977; 1979).
Quinn e Voyer (1994) advogam que os processos de mudana estratgica
nas grandes organizaes bem administradas raramente lembram os sistemas
racionais analticos descritos na literatura at ento. Na realidade, eles
normalmente so fragmentados, evolucionrios e intuitivos. Segundo os autores,
as decises estratgicas no podem ser agregadas em um nico modelo de
deciso, com fatores tratados simultaneamente para alcanar uma soluo ideal.
H limites cognitivos, mas tambm de processo. Analogamente ao
Incrementalismo Articulado, o Incrementalismo Lgico, defendido por Quinn,
pressupe que as mudanas tendem a se desenvolver de forma incremental, como
subsistemas da atividade organizacional. Como no Incrementalismo Articulado, a
cada mudana real do sistema, so feitas anlises lgicas que resultam em uma
ao. A estrutura e a estratgia esto inter-relacionadas e impactam-se
mutuamente, aperfeioando o processo (BELFORT-SANTOS, 1996).
Desse modo, tanto a viso racional-compreensiva quanto a ideia de
adaptao ativa permearam os conceitos de planejamento desde a sua origem. No
entanto, ao longo do tempo, ntida a prevalncia do planejamento racional,
analtico e formal, nos estudos de estratgia, sobretudo no campo terico
(KNIGHTS; MORGAN, 1991; MINTZBERG, 1994), apesar das crescentes
crticas a essa linha de pensamento (mesmo que ainda em magnitude menor do
que a sua defesa). A esse respeito, Mintzberg et al. (2000) alegam que o campo da
estratgia tornou-se mais ecltico nos anos 90, com outras escolas de pensamento
ganhando relevncia tanto na academia quanto na prtica empresarial. No item
seguinte apresentado um panorama das escolas de pensamento estratgico
segundo o recorte dado por diversos autores.
3.2.2. As Escolas de Pensamento Estratgico
De todas as abordagens conceituais de estratgia, a que esteve mais em voga
nos anos 70 foi o Planejamento Estratgico. Ele foi duramente criticado no incio
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dos anos 80, mas voltou a ser utilizado como ferramenta gerencial no final dessa
mesma dcada (WILSON, 1994). Seguindo uma linha racional de definio de
objetivos, sua metodologia diferencia-se do planejamento a longo prazo na sua
viso em relao ao futuro. Enquanto no planejamento a longo prazo acreditava-se
que o futuro poderia ser previsto a partir da extrapolao do comportamento
passado, no planejamento estratgico admitia-se que o ambiente estava cada vez
mais sujeito a acentuadas inconstncias e descontinuidades e que o futuro no
seria necessariamente um prolongamento do passado (ANSOFF, 1993).
No planejamento estratgico, era feita e ainda uma anlise das
perspectivas da empresa, avaliando-se o ambiente contextual e nele as tendncias
e as descontinuidades que poderiam alterar as seqncias histricas (ANSOFF,
1993). Para lidar com as diversas hipteses de futuro, agregou-se ao planejamento
estratgico a abordagem de construo de cenrios (GODET, 1993;
MINTZBERG et al., 2000), vista no captulo anterior. No entanto, na literatura
mais recente, o uso de cenrios frequentemente enquadrado nas abordagens que
tratam do aprendizado organizacional e do planejamento como um instrumento
para o aprendizado (DE GEUS, 1988; VAN DER HEIJDEN, 1996; 1997;
RAMREZ; SELSKY; VAN DER HEIDEN, 2008).
Segundo Taylor (1984), na dcada de 70, a prtica de planejamento
estratgico amadureceu e desenvolveu-se em resposta s presses externas e
internas sobre os negcios. O que comeou como um sistema nico baseado em
um modelo simples de resoluo de problemas evoluiu posteriormente para um
amplo espectro de filosofias e tcnicas desenvolvidas para ajudar os altos
executivos a construrem organizaes que se adaptassem s rpidas mudanas no
ambiente. Cada estilo de planejamento tem uma filosofia e seguidores prprios,
alm de ferramentas que proveem administrao de condies para orientar seus
negcios.
De acordo com o autor, os principais estilos de planejamento estratgico,
surgidos nos anos 70 e incio dos anos 80, so: (a) o Sistema de Controle Central,
enfocando o planejamento como um sistema de aquisio e alocao de recursos;
(b) a Estrutura para a Inovao, na qual o planejamento proporciona uma
estrutura para a gerao de novos produtos e novos processos e a entrada em
novos mercados e novos negcios; (c) a Administrao Estratgica, na qual o
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planejamento deve referir-se no apenas formulao de estratgia, mas tambm
ao desenvolvimento de compromissos, habilidades e talentos requeridos para a
implementao de estratgias; (d) o Planejamento Poltico, no qual o
planejamento visto como um processo de resoluo de conflitos entre grupos de
interesse e organizaes internas e externas aos negcios; e (e) a Investigao do
Futuro (Futures Research), que considera o planejamento como a explorao e
criao do futuro. Nesse caso, como o futuro no pode ser previsto, os tomadores
de deciso deveriam avaliar conscientemente as incertezas e, ento, desenvolver e
trabalhar uma viso do futuro (TAYLOR, 1984).
Taylor advoga que pequenas e mdias empresas podem adotar apenas um
estilo de planejamento em geral, um sistema de controle de alocao de recursos
ou uma estrutura para gerao de inovao mas grandes empresas necessitaro
adotar a maioria desses estilos, seno todos.
Segundo Mintzberg (1994), h uma grande confuso entre planejamento
estratgico e pensamento estratgico e poucas pessoas entendem a diferena
fundamental. Para o autor, o primeiro significa anlise e o segundo sntese. Desse
modo, o pensamento estratgico deve ser a sntese do aprendizado gerencial,
incluindo tanto os insights pessoais dos gerentes da organizao quanto as
informaes hard sobre produtos e mercados.
Mintzberg e seus colegas advogam que o Planejamento Estratgico apenas
uma entre dez escolas de pensamento estratgico, cujas partes formam o grande
animal da formulao de estratgia (MINTZBERG et al., 2000). Os autores
defendem a tese de que cada uma dessas partes constitui um novo olhar sobre a
estratgia e sua forma de concepo.
As dez escolas delineadas esto divididas em trs agrupamentos. O primeiro
rene trs escolas de natureza prescritiva: (1) a Escola do Design, na qual a
estratgia formulada como um processo de concepo; (2) a Escola do
Planejamento, na qual a estratgia concebida a partir de um processo formal e
racional; e (3) a Escola do Posicionamento, na qual um processo analtico
realizado para moldar a estratgia.
Segundo os autores, a Escola do Design, j citada, constituiu a base na qual
as outras duas foram formadas, enfatizando um processo informal de formulao
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da estratgia; enquanto a Escola do Planejamento constitua um processo formal e
sistemtico do planejamento, na qual os autores enquadram o termo Planejamento
Estratgico, analisando-o na sua forma mais pura e admitindo alguns
aprimoramentos mais recentes como o Planejamento sob Cenrios e o Controle
Estratgico (MINTZBERG et al., 2000).
Elemento comum dessas escolas, a anlise dos ambientes interno e externo
ainda amplamente utilizada nos processos de planejamento estratgico, servindo
de base para a formulao da estratgia. Por fazer parte dos mtodos de avaliao
estratgica propostos no Modelo Integrador, a interao entre os elementos
internos e externos organizao ser detalhada no subitem 3.2.3.1.
A terceira escola prescritiva, chamada de Escola de Posicionamento, ganhou
notoriedade nos anos 80, focalizando sua ateno na anlise e seleo de posies
estratgicas no mercado. Alm da preocupao com o processo, muito se produziu
sobre o contedo da estratgia, baseando-se na economia, na organizao
industrial e nas estratgias de guerra. Mintzberg et al. (2000) agrupam nessa
escola Sun Tzu, autor do tratado The Art of War escrito h aproximadamente
dois mil e quinhentos anos (400 a. C) , os consultores do BCG (Boston
Consulting Group) e o seu mais notvel defensor, Michael Porter.
Porter , sem dvida, o autor mais conhecido no campo da anlise
estratgica. Sua pesquisa gira em torno do conceito de vantagem competitiva e da
anlise dos setores industriais nos quais a empresa est operando (BUJ, 2004). O
modelo das cinco foras competitivas, criado pelo autor em 1980, no livro
Competitive Strategy, at hoje, trs dcadas depois, amplamente utilizado na
anlise do relacionamento das empresas com o seu ambiente competitivo. Esse
modelo tambm ser incorporado na proposta de integrao da anlise prospectiva
e da estratgia desenvolvida nesse trabalho. Por esse motivo, ele ser descrito
brevemente no subitem 3.2.3.2.
Analisando as trs escolas prescritivas, elas so geralmente retratadas em
conjunto na literatura ou como uma evoluo de abordagens, compondo uma linha
de planejamento classificada como estratgica (TAYLOR, 1984), racional
(IDENBURG, 1993), ou clssica (WHITTINGTON, 2006).
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Na identificao das dez escolas de pensamento estratgico elencadas por
Mintzberg et al. (2000), seis delas so classificadas como descritivas e esto
reunidas em um segundo agrupamento: (1) a Escola Empreendedora, na qual a
estratgia surge a partir de um processo visionrio do lder principal; (2) a Escola
Cognitiva, na qual a estratgia advm do processo mental do estrategista; (3) a
Escola de Aprendizado, que preconiza que a estratgia emerge em passos curtos,
medida que a organizao se adapta; (4) a Escola do Poder, na qual a estratgia
fruto de um processo de negociao; (5) a Escola Cultural, que enfoca um
processo coletivo e cooperativo na formao da estratgia; e (6) a Escola
Ambiental, na qual a organizao evolui em reao s mudanas no ambiente,
fazendo as estratgias emergirem como um processo reativo (MINTZBERG et al.,
2000).
A Escola Empreendedora centraliza o processo de criao de estratgia no
lder e incentiva processos mentais como a intuio, a sabedoria e a viso de
futuro por ele concebida. Essa escola tem origem na economia e seus principais
conceitos vm de Schumpeter na dcada de 50, que colocou o empreendedor em
evidncia na teoria econmica. Mais recentemente, a literatura fala dos conceitos
de liderana e de personalidade empreendedora nas autobiografias de grandes
executivos. Mas se a estratgia pode ser uma viso pessoal, ela seria formulada na
mente de um indivduo, dando margem aos princpios da Escola Cognitiva, que
considera a psicologia cognitiva para compreender a mente do estrategista.
Embora os autores considerem essa uma escola de pensamento, eles mesmos
admitem que muitos outros a analisam junto com outras escolas, como a de
posicionamento sobre cognio relacionada a grupos estratgicos (MINTZBERG
et al., 2000).
Para a Escola de Aprendizado, o mundo complexo demais para que as
estratgias sejam desenvolvidas de uma s vez, como planos ou vises claros.
Portanto, a estratgia deve emergir em passos curtos, medida que a organizao
aprende ou se adapta. Mintzberg et al. (2000) sinalizam o incio dessa escola
no final dos anos 50 e incio da dcada de 60, com o Incrementalismo Disjunto e o
Incrementalismo Lgico, citados, e sua evoluo ficou a cargo de autores como o
prprio Mintzberg, Cyert, March, Richard Normann, Chris Argyris, Donald
Schn, Peter Senge, Hamel e Prahalad. Na escola de Aprendizado, podem ser
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includos ainda outros autores como Arie de Geus (1988), Pierre Wack (1985a,
1985b), Peter Schwartz (1993, 1998), e Kees van der Heijden (1996), que
discutem o planejamento sob cenrios em uma perspectiva de aprendizado.
A Escola do Poder considera a negociao entre grupos de interesse dentro
da organizao ou entre essa e seu contexto como fonte geradora da estratgia.
Essas discusses surgiram no final dos anos 70, com MacMillan, Sarrazin,
Pettigrew, Bower e Davis. Na sua evoluo, as estratgias que caminham alm das
fronteiras das organizaes, dentro de redes, como parcerias, alianas e
terceirizao estratgicas so consideradas pelos autores como ligados ao poder e
negociao e tem em Astley um dos seus autores. J a Escola Cultural preconiza
que a formulao de estratgia est enraizada na cultura da organizao e,
portanto, um processo fundamentalmente coletivo e cooperativo; enquanto a
Escola Ambiental enfatiza que a formulao de estratgia uma reao a uma
iniciativa que est no seu contexto externo (MINTZBERG et al., 2000).
Inserida na Escola do Poder, a anlise das partes interessadas na organizao
os seus stakeholders constitui uma tentativa de mapear as foras polticas que
interferem na estratgia da empresa por meio de uma abordagem racional
(MINTZBERG et al., 2000). Essa anlise tambm ser incorporada no Modelo
Integrador proposto neste trabalho. Portanto, cabe descrever brevemente, no
subitem 3.2.3.3, o mtodo de anlise de stakeholders a ser utilizado.
Finalizando o mapeamento das dez escolas de pensamento estratgico, os
autores classificaram uma nica escola como de carter tanto descritivo quanto
prescritivo a Escola de Configurao na qual o processo de formulao de
estratgias, seu contedo, as estruturas organizacionais e seus contextos so
agrupados para descrever um processo de transformao organizacional que
comporta vrias abordagens ao longo do ciclo de vida das organizaes. Entre os
autores dessa escola, esto Khandwalla, Miller e Mintzberg (final dos anos 70) e
Miles e Snow.
Todas essas escolas ou abordagens (algumas talvez no possam ser
consideradas escolas de pensamento estratgico) podem ser encontradas na
literatura e na prtica das organizaes. Por vezes, esto classificadas de outra
forma ou, ento, algumas delas so encontradas incorporadas a outras. No entanto,
constituem formas ou ngulos especficos sob os quais se pode analisar os
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distintos processos de gerao de estratgia desde o seu nascimento. Em uma
escala temporal, algumas delas esto representadas na Figura 15 segundo os seus
nveis de publicao acadmica.
1. Design School
1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Ativid
ad
e (vo
lum
e d
e p
ub
lica
es e
ate
n
o d
en
tro
da
ad
min
istr
a
o e
str
at
gic
a)
2. Planejamento
3. Posicionamento
4. Empreendedora
5. Aprendizado
6. Configurao
1
3
2
4
5
6
Figura 15 Evoluo de Escolas de Pensamento Estratgico.
Fonte: Adaptado de MINTZBERG ET AL., 2000, p. 258.
Em outro corte sobre o processo de formulao de estratgia, Idenburg
(1993) identifica duas dimenses fundamentais que permeiam vrias escolas em
graus variados de relevncia: a orientao para o resultado - produto, o que? - e a
orientao para o processo - metodologia, como? -, como mostra a Figura 16.
Incrementalismo
Lgico
Aprendizagem
Estratgica
Planejamento
Racional
Estratgias
Emergentes
Orientao para objetivos (o Que?)
Ori
en
ta
o
pa
ra P
roc
es
so
(C
om
o?
)
Forte
Fo
rte
Fraca
Fra
ca
Figura 16 Quatro Vises do Processo de Formulao de Estratgia
Fonte: IDENBURG, 1993, p. 133.
Na classificao de Idenburg (1993), a Escola de Aprendizado, identificada
por Mintzberg et al. (2000), est dividida em trs: o Incrementalismo Lgico,
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defendido por Quinn, teria forte orientao tanto para o produto, em um horizonte
de prazos mais curtos, quanto para o processo; enquanto que a Aprendizagem
Estratgica, defendida por Chris Argyris, Pierre Wack, Arie de Geus, Peter
Schwartz e Peter Senge, e o Modelo das Estratgias Emergentes, defendido por
Mintzberg, tm ambas uma fraca orientao para o produto (objetivos) e
diferenciam-se na orientao para o processo.
Para discutir o processo de evoluo da estratgia, Whittington (2006) fez
um corte ainda mais estreito, considerando o contedo dos resultados, se voltados
para o lucro ou mais plurais, e a orientao dos processos, se deliberados ou
emergentes. Nessa classificao, apresentada na Figura 17, so consideradas
quatro abordagens genricas de estratgia: Clssica, Evolucionria, Processual e
Sistmica.
Maximizao dos Lucros
Plurais
Resultados
De
libe
rad
os
Pro
cesso
s
Em
erg
en
tes
Clssica
Sistmica Processual
Evolucionria
Figura 17 Perspectivas Genricas de Estratgia.
Fonte: Whittington, 2006, p. 3.
Na abordagem Clssica, a permanncia e o sucesso das empresas so
obtidos pela maximizao dos lucros e eles s podem ser alcanados por
intermdio de aes planejadas e formuladas com base na aplicao de
ferramentas analticas formais (Whittington, 2006). Para Chandler (1962), um dos
precursores dessa abordagem, as decises estratgicas dizem respeito sade de
longo prazo da empresa e so aquelas que influenciam a sua alocao de recursos.
Essa abordagem aproxima-se tanto do Planejamento Racional, definido por
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Idenburg (2003), quanto abrange as trs escolas prescritivas classificadas por
Mintzberg et al. (2000): o Design, o Planejamento e o Posicionamento.
A abordagem Sistmica tem em comum com a abordagem clssica o carter
deliberativo do processo de concepo de estratgia. No entanto, a perspectiva
sistmica prope que os objetivos e as prticas da estratgia dependam do sistema
social no qual o processo de desenvolvimento de estratgia est inserido. Os
tericos sistmicos ressaltam que as razes por trs das estratgias so peculiares
a determinados contextos sociolgicos (Whittington, 2006). Desse modo, esse
atributo a aproxima da Escola Cultural, mencionada.
Em contraponto abordagem clssica no tocante aos processos, mas
tambm focalizando o lucro, a abordagem Evolucionria apia-se na metfora da
evoluo biolgica. Para Makridakis e Hau (1987), a questo principal a
competio em um ambiente adverso, na qual vencem os organismos que melhor
se adaptam ao ambiente. Assim, uma organizao sobrevive apenas se obtiver
sucesso na adaptao de seus recursos s mudanas no contexto, objetivando a
maximizao do lucro. Os evolucionistas afirmam que a estratgia deliberada e
orientada para o futuro freqentemente irrelevante, visto que o ambiente
tipicamente implacvel e imprevisvel para se faam previses eficazes
(Whittington, 2006). Essa abordagem, portanto, faz uso dos elementos essenciais
da Escola Ambiental, citada.
A quarta abordagem Processual aproxima-se da abordagem
evolucionria no modo pelo qual as estratgias so desenvolvidas, mas ctica
quanto ao princpio da sobrevivncia. Segundo Mintzberg (1987a, 1987b), as
estratgias emergem a partir da tomada de deciso diria, traduzindo padres que
vo se formando a partir do reconhecimento de aes convergentes. Para o autor,
na prtica, a estratgia emerge mais de um processo pragmtico de aprendizado e
comprometimento do que de uma srie racional de passos a serem seguidos
(MINTZBERG, 1994), assemelhando-se com a classificao de Mintzberg et al.
(2000) para a Escola de Aprendizado.
Como visto, o estudo acadmico sobre a prtica da estratgia busca
classific-la sob diferentes perspectivas por autores como Pava (1980), Taylor
(1984), Mintzberg et al. (2000), Idenburg (1993) e Whittington, (2006). Com
cortes extensos em amplitude porm agregados como o de Taylor, ou
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excessivamente detalhados, como definem Mintzberg et al., ou ainda mais
estreitos como o de Idenburg e Whittington, possvel entender as diversas
nuances no processo de desenvolvimento de estratgia nos ltimos 40-50 anos.
Nesses processos, algumas das ferramentas de anlise estratgica bastante
utilizadas nas empresas esto descritas a seguir.
3.2.3. Ferramentas de Anlise Estratgica
A formulao das estratgias geralmente precedida, nos processos de
planejamento, pela utilizao de diversas ferramentas de anlise estratgica, que
permitem no s avaliar o ambiente interno e externo organizao como tambm
identificar oportunidades, desafios e ameaas para a organizao nesses
ambientes. Essas anlises facilitam a definio de estratgias especficas
focalizadas na captura de oportunidades, na superao de dificuldades ou na
potencializao da interao da empresa com outras entidades presentes no seu
ambiente transacional. Trs dessas ferramentas esto descritas nos subitens
seguintes por serem sugeridas no Modelo Integrador proposto.
3.2.3.1. Anlise SWOT Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threats
A anlise SWOT consiste em um mtodo de avaliao sistmica que busca
visualizar os efeitos do conjunto de interaes entre os fatores internos foras e
fraquezas (strenghts and weaknesses, na sigla em ingls) e externos
oportunidades e ameaas (opportunities and threats) organizao.
A ampla utilizao do conceito presente na SWOT, inicialmente considerado
apenas para a identificao e anlise qualitativa do conjunto de pontos fortes e
fracos e de oportunidades e ameaas, possibilitou o desenvolvimento
metodolgico de abordagens de interao entre esse elementos que pudessem
levar formulao de estratgias. Nesse sentido, Weihrich props, no incio da
dcada de 80, represent-los em forma de matriz, cujas possibilidades de
combinao levariam a diferentes opes estratgicas. (WEIHRICH, 1982;
KOONTZ; WEIHRICH; CANNICE, 2009).
Para Weihrich, a anlise sistmica da Matriz SWOT pode levar a quatro
diferentes tipos de estratgia, como mostra a Figura 18: estratgias maxi-maxi,
que combina pontos fortes com oportunidades; estratgias mini-maxi, que
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considera pontos fracos com oportunidades; estratgias maxi-mini, que associa
pontos fortes com ameaas; e estratgias mini-mini, que lidam com pontos fracos
e ameaas.
Uma outra abordagem bem mais sofisticada foi desenvolvida por Claudio
Porto, fundador da Macroplan - Prospectiva, Estratgia e Gesto, em 1991, para
utilizao no processo de planejamento estratgico do Servio de Engenharia da
Petrobras (PETROBRAS/SEGEN, 1991).
Embora desenvolvida h duas dcadas, essa abordagem, que busca
quantificar a interao entre foras e fraquezas com oportunidades e ameaas foi
formalizada em uma publicao cientfica apenas em 2010, descrita na
monografia elaborada por Tostes (2010) e agora neste trabalho. Antes disso, os
textos conceituais referentes Matriz de Avaliao Estratgica, assim denominada
por Porto, compem o acervo de metodologias da Macroplan, elaboradas
exclusivamente para utilizao em processos de planejamento estratgico dos seus
clientes.
Fatores Externos
Fatores Internos
Pontos fortes internos (S)
Em administrao, operaes,
finanas, marketing, P&D,
engenharia
Pontos fracos internos (W)
Em administrao, operaes,
finanas, marketing, P&D,
engenharia
Oportunidades externas (O)
Condies econmicas atuais e
futuras; mudanas polticas e sociais;
novos produtos, servios e tecnologia
Estratgia SO: maxi-maxi
Potencialmente a estratgia mais
bem sucedida, utilizando os pontos
fortes da organizao para aproveitar oportunidades
Estratgia WO: mini-maxi
Como estratgia de desenvolvimento para superar
pontos fracos para aproveitar oportunidades
Ameaas externas (T)
Falta de energia, concorrncia,
condies econmicas, mudanas
polticas e sociais, produtos, servios
e tecnologia
Estratgia ST: maxi-mini
Uso de pontos fortes para enfrentar
ou evitar ameas
Estratgia WT: mini-mini
Parada temporria das operaes,
fechamento ou investimento
conjunto para minimizar pontos fracos e ameaas
Figura 18 Matriz SWOT para a Formulao de Estratgias segundo Weihrich.
Fonte: KOONTZ; WEIHRICH; CANNICE, 2009, p. 139.
A anlise SWOT desenvolvida por Porto localiza, nas linhas da matriz, as
foras e fraquezas da organizao e, nas colunas, as oportunidades e ameaas
identificadas para a organizao em um determinado cenrio (MACROPLAN,
2007). Esse mtodo foi inspirado em outra tcnica de interao de variveis a
Anlise Estrutural, apresentada no Anexo II.
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Elaborada a matriz, o prximo passo consiste na colocao de uma questo
para cada combinao i,j formada, como segue:
(a) Quadrante I: interao das Foras com Oportunidades (FO) - com
que intensidade a Fora "Fi" auxilia a Companhia a capturar a
Oportunidade "Oj"?;
(b) Quadrante II: interao das Foras com Ameaas (FA) - com que
intensidade a Fora "Fi" auxilia a Companhia a neutralizar ou
minimizar o impacto da Ameaa "Aj"?;
(c) Quadrante III: interao das Fraquezas com Oportunidades (fO) -
com que intensidade a Fraqueza "fi" dificulta a Companhia a
capturar a Oportunidade "Oj"?;
(d) Quadrante IV: interao das Fraquezas com Ameaas (fA) - com que
intensidade a Fraqueza "fi" acentua o impacto da Ameaa "Aj" sobre
a Companhia?
Para cada resposta, preciso estabelecer um peso (sistema de ponderao
das interaes) que varia de 0 - nenhuma intensidade, 1 - intensidade mdia e 2 -
intensidade alta4. Preenchida a matriz, a etapa seguinte constitui-se no clculo do
somatrio das colunas e das linhas, conforme apresentado na Figura 19.
Alm disso, possvel calcular a densidade de cada Quadrante, utilizando-se
a seguinte frmula:
d Q i = ( Pontos Obtidos Q i / Pontos Possveis5 em Qi) x 100
Desse modo, so calculadas a:
a) densidade de Q I (dQI), que representa as potencialidades de atuao
ofensiva da organizao (FO);
b) densidade de Q II (dQII), que contabiliza a capacidade defensiva
(FA) da empresa;
4 Escalas mais amplas j foram testadas no preenchimento da matriz com grupos diversos e em setores
distintos: 0, 1, 2 e 3; 1, 2, 3 e 4. No entanto, os resultados obtidos foram muito semelhantes aos realizados
com esta escala simplificada (0, 1 e 2), alm dessa ltima gerar menos dvidas e divergncias entre os
membros do grupo.
5 Os pontos possveis referem-se resposta mxima (intensidade 2) em todas as questes.
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c) densidade de Q III (dQIII), que demonstra as debilidades da
organizao para atuar ofensivamente (fO); e
d) densidade de Q IV (dQIV), que evidencia as vulnerabilidades
empresariais (fA).
Matriz de Avaliao
Estratgica
Instituio X
Oportunidades Ameaas
1.Amplia-o do mercado em funo da criao de blocos comerciais
2.Aumen-to da preocu-pao com questes socioam-bientais
3.Surgi-mento de polticas pblicas favor-veis indstria
1.Acirra-mento da concor-rncia
2.Vola-tilidade cambial
3. Entraves sist-micos compe-titividade
F
Fora
1.Excelente corpo gerencial
1 2 1 1 2 2 9
2.Alta capacidade de produo
2 2 1 0 1 0 6
3.Bom relacionamento com fontes de financiamento
0 0 2 0 2 1 5
F
Fraq.
1.Gesto financeira debilitada
0 2 0 0 0 1 3
2.Quadro de pessoal pouco ativo e desatualizado
1 0 2 2 0 0 5
3.Processo decisrio muito centralizado
1 2 0 1 2 1 7
Forcas - Fraquezas 1 0 2 -2 3 1
Figura 19 Matriz de Avaliao Estratgica - Exemplo.
Fonte: Macroplan, 2007, p. 3.
Para o exemplo citado, a densidade de cada Quadrante totaliza: Q I = 61%,
Q II = 50%, Q III = 44% e Q IV = 39%.
Adicionalmente, tambm possvel calcular:
(a) a capacidade ofensiva, que indica o potencial de captura de
oportunidades, considerando as foras e fraquezas da organizao:
dQI - dQIII;
(b) a capacidade defensiva, que indica a capacidade de neutralizao
de ameaas, em virtude das foras e fraquezas: dQII - dQIV); e
(c) o posicionamento estratgico global, que resulta da interao
conjunta dos quatro quadrantes dQI + dQII - dQIII - dQIV.
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Essas anlises permitem uma srie de interpretaes que podem auxiliar a
formulao de estratgias, explorando os quatro fatores: oportunidades, ameaas,
foras e fraquezas da organizao.
As densidades dos Quadrantes, por exemplo, permitem avaliar as chances e
os riscos da empresa em adotar uma atuao mais agressiva ou mostram a
necessidade da organizao de realizar movimentos mais defensivos.
semelhana de Weihrich, considerando a anlise qualitativa das interaes de
foras e fraquezas versus oportunidades e ameaas, Allison e Kaye (2005),
sugerem que a anlise dos quadrantes pode indicar reas nas quais se deve
investir, acionar defesas, tomas decises em relao a captura ou no de
oportunidades ou controlar os riscos e impactos das ameaas, conforme descrito
na Figura 20.
Oportunidades Ameaas
Fo
ra
s INVESTIR
Uma clara combinao de foras e oportunidades leva a uma vantagem comparativa da organizao sobre as
demais
DEFENDER
reas de ameaas combinadas com reas de foras indicam a necessidade da organizao em mobilizar recursos
para bloquear as ameaas
Fra
qu
eza
s
DECIDIR
reas de oportunidade combinadas com reas de fraqueza indicam a necessidade do
uso de julgamento: investir ou no nas oportunidades; associar-se
CONTROLE DE RISCOS/DESINVESTIR
reas de ameaa combinadas com reas de fraqueza indicam a
necessidade de controle de riscos ou de desinvestimentos
Figura 20 Tipos de Estratgia por Quadrante.
Fonte: Macroplan, 2007, p. 5, com base em Allison e Kaye (2005, p. 105).
Mas talvez estejam nas anlises pontuais as maiores contribuies para a
formulao de estratgias. Pelo modelo desenvolvido por Porto, possvel
identificar, com os somatrios das linhas e das colunas, as foras e fraquezas mais
importantes, as oportunidades com maior facilidade de captura pela organizao e
as ameaas as quais a organizao est mais exposta.
Nesse sentido, o somatrio das linhas da matriz d um indicador da
motricidade de cada fora ou fraqueza, permitindo a identificao das foras
mais atuantes e das fraquezas mais prejudiciais em face das oportunidades e das
ameaas extradas do cenrio analisado. J o somatrio das colunas fornece
indicadores que identificam as oportunidades mais (e menos) acessveis e as
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ameaas mais (e menos) impactantes nesse mesmo cenrio, considerando as
foras e fraquezas atuais identificadas. Dessa forma, no campo das oportunidades,
quanto mais positivo for o nmero associado a uma dada oportunidade, mais
acessvel ela ser. No caso das ameaas, quanto mais positivo for o nmero
associado a uma dada ameaa, mais a organizao encontra-se protegida, e quanto
mais negativo, mais a organizao estar exposta (MACROPLAN, 2007).
Desse modo, no exemplo da Figura 19, tem-se:
a fora mais atuante: 1. Excelente corpo gerencial;
a fraqueza mais prejudicial: 3.Processo decisrio muito centralizado;
a oportunidade mais acessvel: 3.Surgimento de polticas pblicas
favorveis indstria; e
a ameaa mais impactante para a organizao: 1.Acirramento da
concorrncia.
Com a identificao desses pontos, a formulao de estratgias especficas
para a captura de oportunidades ou para defender-se dos impactos das ameaas
torna-se mais simples e imediata.
No entanto, cabe a ressalva de que o preenchimento da Matriz de Avaliao
Estratgica por um grupo de pessoas visa objetivar a percepo qualitativa desse
grupo por meio da quantificao das interaes, uma a uma, dos elementos
dispostos na matriz. Essa objetivao tem por finalidade, alm da identificao
dos elementos mais relevantes da matriz, a facilitao da formulao estratgica,
sem pretender, contudo, substituir o processo decisrio soberano do gestor
(TOSTES, 2010). Adicionalmente, tal qual a utilizao de outras ferramentas
dessa natureza, os resultados apresentados representam a avaliao de
determinado grupo de profissionais sobre a interao dos ambientes interno e
externo organizao no momento da avaliao. Esses resultados sero,
provavelmente, distintos quando a avaliao for realizada por outro grupo de
pessoas da mesma organizao ou em outro perodo de tempo.
Desde a sua aplicao no incio da dcada de 90, esse mtodo de anlise
SWOT tem sido aplicado no planejamento estratgico baseado em cenrios de
inmeras organizaes brasileiras, em setores econmicos os mais diversos, desde
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o setor energtico (ex: Petrobras), passando por setores de formao profissional
(ex: Sistema S) e superior (diversas universidades privadas brasileiras), e de
instituies lidadas P&D (ex: FINEP, INPI, Embrapa).
3.2.3.2. Anlise da Estrutura da Indstria
Para Michael Porter (1991), a lucratividade obtida por determinada empresa
est intimamente ligada estrutura da indstria na qual ela est inserida e dentro
da indstria que se constroem as regras competitivas. O autor argumenta que o
grau de concorrncia em uma indstria vai alm do comportamento dos atuais
concorrentes; ele depende de cinco foras competitivas bsicas, apresentadas na
Figura 21: (a) ameaa de entrantes potenciais, (b) poder de negociao dos
fornecedores, (c) poder de negociao dos compradores, (d) ameaa de produtos
substitutos e (d) rivalidade entre os concorrentes.
ConcorrentesNa indstria
Rivalidade entreEmpresas
existentes
Substitutos
Ameaa de Servios ouProdutos Substitutos
Compradores
Poder de Negociao dosCompradores
Fornecedores
Entrantes
Potenciais
Ameaa de Novos Entrantes
Poder de Negociao dos Fornecedores
Figura 21 Modelo das Cinco Foras Competitivas
Fonte: PORTER (1991, p. 23).
De acordo com Porter, a compreenso das regras da concorrncia permite o
posicionamento estratgico da empresa dentro da indstria de modo que os seus
recursos ofeream defesa contra as foras competitivas e influenciem no
equilbrio das demais foras. O desafio est em encontrar uma posio dentro da
indstria onde a companhia possa melhor defender-se das foras ou influenci-las
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a seu favor. Desse modo, para dimensionar a intensidade de cada uma dessas
foras, preciso avaliar seus determinantes estruturais (PORTER, 1991).
A ameaa de entrantes potenciais to mais forte quanto menor for a
barreira entrada de novos players em determinada indstria e no mercado
considerado. Novos entrantes trazem, geralmente, para a indstria novas
capacidades, recursos e a pretenso de obter market share. Para tanto, constumam
atuar mais agressivamente. Entre os determinantes do nvel de barreira entrada
de novos players esto: economia de escala, diferenciao do produto e da marca,
necessidade de capital, custos de mudana dos consumidores, acesso aos canais de
distribuio, vantagens j obtidas pelas empresas estabelecidas, polticas
governamentais restritivas entrada de novos atores e possibilidades de forte
retaliao das empresas atuais.
Os fornecedores mais poderosos da indstria em um mercado especfico
exercem influncia sobre os demais atores por meio da ameaa de elevao dos
preos ou de reduo na qualidade dos bens e servios oferecidos. Dentre os
fatores que determinam o poder de negociao dos fornecedores esto o grau de
concentrao destes, a inexistncia de insumos substitutos, a relevncia dos seus
insumos para os clientes, os altos custos de mudana de fornecedor por parte dos
clientes e a ameaa concreta de que o fornecedor faa uma integrao jusante na
cadeia.
J os compradores (clientes) detm o poder quando esto fortemente
concentrados, realizam volumes elevados de compra, compram produtos
padronizados que independem de fornecedores especficos, possuem informaes
privilegiadas sobre o fornecedor e podem apresentar uma ameaa concreta de
integrao montante. Quando boa parte dessas condies so satisfeitas, os
clientes podem barganhar preos menores, mais qualidade ou servios adicionais,
limitando a rentabilidade da indstria.
Produtos substitutos so aqueles que desempenham a mesma funo do
produto de determinada empresa. Eles reduzem os retornos potenciais de uma
indstria ao fixar um teto para os preos, a partir do qual torna-se mais
interessante substituir o produto. Quanto mais atrativa a alternativa preo-
desempenho oferecida pelos produtos substitutos, maior ser a presso sobre os
lucros da indstria. Entre os determinantes da possibilidade de substituio de
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produtos esto o baixo custo ou a propenso mudana por parte do consumidor
e a possibilidade de apresentar a melhor relao benefcio-preo.
Por fim, os concorrentes alteram a estrutura industrial ao competirem por
uma posio mais privilegiada no mercado. O grau de rivalidade da concorrncia
depende de fatores tais como concorrentes numerosos e relativamente estveis,
crescimento lento da indstria, ausncia de diferenciao ou de custos de
mudana, custos fixos ou de armazenamento altos, necessidade de grandes
aumentos de capacidade e barreiras de sada elevadas.
Ao rediscutir seu modelo, em 2008, Porter reitera as cinco foras definidas e
rebate crticas recorrentes ao modelo referentes necessidade do governo ser uma
sexta fora. Para o autor, a melhor maneira de entender a influncia do governo
sobre a competio analisar o efeito de polticas pblicas especficas sobre as
cinco foras competitivas e argumenta que o envolvimento do governo no
inerentemente bom nem mau para a rentabilidade do setor (PORTER, 2008).
Outra crtica comum no modelo de anlise da estrutural da indstria est
baseada no carter esttico dessa anlise. A esse respeito, Porter ressalta que a
estrutura de um setor relativamente estvel e que, na prtica, mudanas
significativas em sua rentabilidade so pouco frequentes ao longo do tempo. No
entanto, o autor reconhece que a estrutura de um setor est constantemente
passando por ajustes modestos e que, por vezes, pode mudar abruptamente. Desse
modo, til investigar as possibilidades de mudana na estrutura do setor
estudado e, se for o caso, nas intensidades das cinco foras, avaliando as
implicaes para a estratgia.
3.2.3.3. Anlise de Stakeholders
O termo stakeholders foi introduzido na literatura por Freeman (1984) no
livro Strategic Management: a Stakeholders Approach para caracterizar
indivduos, grupos ou organizaes que podem afetar ou serem afetados pela
realizao dos objetivos da empresa. Em funo dessa interao mtua, cada
stakeholder possui interesse nas aes da organizao e essa, reciprocamente,
demanda apoio desses atores para realizar com sucesso as suas intenes.
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De acordo com o autor, para considerar os stakeholders no processo de
formulao de estratgia, alguns passos so fundamentais. Aps a identificao
dos stakeholders, preciso analisar o comportamento de cada um deles em
relao a cada questo estratgica, que pode variar de potencial cooperativo a
ameaa competitiva, e buscar uma explicao lgica que fundamente esse
comportamento. Em seguida, devem-se identificar as coalizes possveis entre os
vrios stakeholders para que se possa, idealmente, agir sobre elas.
De acordo com Guimares (2009), trs tipos de anlise de stakeholders so
possveis, como mostra a Figura 22: a anlise centrada na organizao, quando o
foco colocado exclusivamente nas relaes da organizao com seus
stakeholders; a anlise centrada em um determinado stakeholder, quando se
avaliam as relaes de um stakeholder especfico com a organizao e com os
demais stakeholders pertinentes; e a anlise centrada nas relaes, quando o foco
da anlise o conjunto de todas as relaes pertinentes entre organizao-
stakeholders e entre stakeholders-stakeholders.
S5
O
S1
S2
S3S4
S5
O
S1
S2
S3S4
S5
O
S1
S2
S3S4
Anlise Centrada na
Organizao Anlise Centrada no
Conjunto das Relaes
Anlise Centrada em um
Stakeholder
Figura 22 Tipos de Anlise de Stakeholders.
Fonte: GUIMARES (2009, p. 6).
Considerando a anlise centrada na organizao, Guimares a define como
uma
ferramenta de anlise estratgica que visa a obteno de um conhecimento
exploratrio sobre os relacionamentos, o poder de influncia, os interesses e o
potencial de cooperao e de ameaa dos stakeholders envolvidos com uma
determinada organizao, poltica, questo estratgica ou deciso
(GUIMARES, 2009, p. 7).
O autor prope o processo de anlise apresentado na Figura 23. Esse processo,
composto por seis etapas, tem incio com a definio do objeto de anlise, na qual
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100
delimitada a organizao pesquisada e, quando j definida, a poltica, questo ou
deciso estratgica que suscitar a anlise. A etapa seguinte compreende a
identificao e a seleo dos stakeholders a serem considerados, utilizando-se
nessa atividade tcnicas como entrevistas internas e externas com especialistas e
autoridades, discusses livres (brainstorming) com integrantes da organizao,
pesquisa bibliogrfica e documental, e dilogos com alguns dos stakeholders
inicialmente identificados de forma a permitir o esboo de um mapa dos
stakeholders.
Definio do
Objeto da
anlise
Caracterizao
das relaes
atuais da
Organizao
com os
Stakeholders
Identificao e
seleo dos
Stakeholders
atuais
Ajustamento do
Quadro das
Relaes
Possibilidades de
estratgias
CENRIO
1 2
3
4
6Avaliao das
relaes dos
stakeholders com
a organizao:
potencial de
ameaa e
cooperao
5
Figura 23 Processo de Anlise de Stakeholders Centrado na Organizao.
Fonte: GUIMARES (2009, p. 8).
Nesse mapa, so posicionados os principais atores de modo a formar um
sistema ou rede, que indique as relaes bsicas existentes entre eles. Segundo,
ROWE et al. (1986), o princpio o mesmo utilizado por ecologistas para
descrever cadeias alimentares dentro do ambiente natural. A princpio, o mapa
pode parecer um emaranhado confuso. No entanto, com a evoluo da anlise, os
exemplos de interdependncia vo surgindo naturalmente. Como exemplo, na
Figura 24 tem-se um mapa dos stakeholders da Chesf, considerando a atividade de
transmisso de energia eltrica no incio dos anos 2000.
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101
Figura 24 Mapa dos Stakeholders da Atividade de Transmisso da Chesf
Fonte: PINTO; OLIVEIRA, 2004, p. 143.
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Na terceira etapa da anlise, Guimares (2009) prope avaliar as relaes
existentes da empresa foco com os stakeholders de modo a explicitar a sua
natureza, bem como os aspectos crticos que caracterizam a interao entre os
atores. Para o autor, a natureza das relaes stakeholder-organizao pode ser
classificada em temas como superviso, definio de polticas setoriais,
coordenao e articulao, regulao e normatizao, fiscalizao formal-legal,
financiamento, consumo de produtos e servios, fornecimento de insumos e outros
recursos, concorrncia, parceria, troca de informaes etc.
J os aspectos crticos descrevem os pontos relevantes do relacionamento
entre o stakeholder e a organizao capazes de gerar conflitos ou suscitar alianas
em torno de um objetivo comum. Desse modo, a identificao dos pontos crticos
do relacionamento entre a organizao e seus stakeholders visa melhorar a
compreenso dos fatores positivos e negativos que predominam nas interaes
entre esses atores. Como exemplo, considerando o relacionamento entre uma
empresa pblica no Brasil e o stakeholder Tribunal de Contas da Unio, esse pode
ser caracterizado pela sua natureza de fiscalizao formal-legal, cujo foco est
centrado na fiscalizao do cumprimento de normas e procedimentos legais
(burocracia administrativa) e no uso adequado dos recursos financeiros.
Algumas dessas relaes existentes, no entanto, podem ser alteradas no
futuro se forem considerados contextos macroeconmicos, sociais, polticos,
tecnolgicos, legais etc. alternativos. Nesse caso, em cada contexto ou cenrio
alternativo, devem ser analisados possveis ajustes no quadro de relaes
existentes identificado. Esse o escopo da etapa 4 proposta na Figura 23. Os
ajustes podem contemplar:
alteraes na natureza e nos pontos crticos das relaes stakeholder-
organizao existentes;
surgimento de novos tipos de relaes entre os stakeholders e a
organizao; e
emergncia de um novo stakeholder relevante.
As etapas 5 e 6 consistem no dimensionamento dos potenciais de ameaa e
de cooperao dos stakeholders em relao organizao, decorrentes da natureza
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103
e dos pontos crticos das relaes identificadas entre eles e do mapeamento das
estratgias da organizao para lidar com cada um deles.
Savage et al. (1991) consideram variveis-chave na anlise dos stakeholders
tanto a possibilidade de hostilidade ou ameaa de cada um deles em relao
organizao, quanto o potencial de cooperao que pode existir ou ser construdo
no relacionamento entre ambos. Para Guimares (2009, p. 28), o
potencial de ameaa representa a possibilidade de impactos negativos sobre o
desempenho organizacional que podem advir das relaes e interaes, atuais e
potenciais, entre o stakeholder e a organizao e o potencial de cooperao
consiste nas possibilidades e capacidade de colaborao e apoio entre o
stakeholder e a organizao, em funo das interaes entre eles, que podem
contribuir para o desempenho organizacional.
A capacidade de ameaa de um stakeholder, contudo, depende do seu poder
sobre a organizao e esse poder estabelece-se em funo da relevncia do
stakeholder para o negcio da organizao. Por outro lado, o potencial de
cooperao de um stakeholder pode ser parcialmente determinado por sua
capacidade de expandir positivamente sua interdependncia com a organizao
(SAVAGE et al.,1991). Entre os fatores, elencados por Savage et al., que afetam o
potencial de ameaa e de cooperao de um stakeholder em relao organizao
podem ser citados:
o grau de controle do stakeholder sobre os recursos estratgicos da
organizao;
o poder legal, regulatrio e de fiscalizao-controle do stakeholder sobre
decises, recursos e aes da organizao;
o contexto do stakeholder: evoluo e jogos de poder e interesse vigente;
os movimentos estratgicos e as estratgias relevantes do stakeholder;
o histrico das relaes do stakeholder com a organizao;
a capacidade e propenso de dirigentes, gestores e tcnicos do stakeholder
para a formao de coalizes e para o enfrentamento d
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