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XII ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS MEDIEVAIS
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE HAGIOGRAFIA
MEDIEVAL
Porto Alegre, 04 a 06 de julho de 2017
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Comissão Organizadora Prof. Dr. Igor S. Teixeira – coordenador geral (UFRGS) Profa. Dra. Ana Rieger Schmidt (UFRGS) Prof. Dr. André Luis Pereira Miatello (UFMG) Profa. Dra. Andreia Cristina L. Frazão da Silva (UFRJ) Profa. Dra. Carolina Coelho Fortes (UFF) Profa. Dra. Cybele Crossetti de Almeida (UFRGS) Profa. Dra. Daniele Gallindo Gonçalves Silva (UFPEL) Comitê Científico Prof. Dr. Alfredo Carlos Storck (UFRGS) Profa. Dra. Leila Rodrigues da Silva (UFRJ) Prof. Dr. Marcelo Cândido da Silva (USP) Prof. Dr. Márcio Ricardo Coelho Muniz (UFBA) Prof. Dr. Stéphane Gioanni (Lyon II) Profa. Dra. Yara Frateschi Vieira (UNICAMP)
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Programação
03.07.2017 18:30 - SOLENIDADE DE ABERTURA Local: Instituto Ling Endereço: Rua João Caetano, 444, Bairro Três Figueiras, Porto Alegre As demais atividades acontecerão todas no Campus do Vale da UFRGS, Av. Bento Gonçalves, 9500, Bairro Agronomia.
04.07.2017
09:00-10:00 - CREDENCIAMENTO
IFCH-UFRGS
10:00-11:30 - CONFERÊNCIA DE ABERTURA
A imagem do mundo: o homem e a natureza no ocidente medieval
Profa. Dra. Adriana Vidotte (UFG)
Presidente da ABREM
Local: Auditório do ILEA (Campus do Vale, próximo à sede do IFCH e da biblioteca).
13:00-14:00 - MINICURSOS
14:10-15:50 – SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
15:50-16:20 - INTERVALO
16:30-18:00 - MESA REDONDA História e Direito: Diálogos Latino-americanos
Afonso II de Portugal: um monarca à prova do tempo
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Profa. Dra. Maria Filomena Coelho (UNB)
Excomunión y criminalización de la cogitatio en el derecho bajomedieval
Prof. Dr. Alejandro Morin (CONICET/UBA-Argentina)
Local: Auditório do ILEA
18:00-19:30 MESA REDONDA Literatura e Poder
O Reino Português e os Descobrimentos: Poemas de Garcia de Resende Abordam a
Colonização a a Degeneração Social
Prof. Dr. Geraldo Augusto Fernandes (UFCE)
Sarracenos, cristianos y procedimientos épicos en Rhamant Otuel, traducción al galés
medio del poema Otinel
Profa. Dra. Luciana Mabel Cordo Russo (UBA-Argentina)
Local: Pantheon-IFCH
19:40-21:00 CONFERÊNCIA
Une passerelle entre Orient et Occident ? Ecrire l'hagiographie en Italie dans le haut
Moyen Âge
Prof. Dr. Thomas Granier (Montpellier)
Local: Pantheon-IFCH
05.07.2017
08:30-09:30 - MINICURSOS
09:45-11:30 – SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
13:00-15:10 - SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
15:10-15:30 - INTERVALO
15:30-20:00 - ASSEMBLEIA DA ABREM
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06.07.2017
08:30-09:30 - MINICURSOS
10:00-11:30 MESA REDONDA A translatio studiorum e a recepção de Aristóteles
Prof. Dr. Alfredo Storck (UFRGS)
Prof. Dr. Roberto Pich (PUCRS)
Local: Auditório do ILEA
13:00-15:10 – SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
15:10-15:50 - INTERVALO
16:00-17:30 - CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO
Eresia e santità. Alcuni casi italiani del XIII secolo
Profa. Dra. Marina Benedetti (Universidade de Milão)
Local: Auditório do ILEA
Minicursos:
1. Combate â Heresia e criminalização do pecado: algumas considerações sobre a
História da Inquisição Medieval
Alécio Nunes Fernandes (UnB)
Local: Sala 206
2. Formas de vida religiosa no Medievo Ocidental: o monacato e o movimento
franciscano
Bruno Uchoa Borgongino e Victor Mariano Camacho (UFRJ)
Local: Sala 222
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3. Construindo Memória: novos olhares arqueológicos no mundo viking
escandinavo
Munir Lutfe Ayoub (USP)
Local: Miniauditório
4. Camponês, servo ou vilão? Teoria e Historiografia sobre o campesinato medieval
Thiago Pereira da Silva Magela e Eduardo Cardoso Daflon (UFF)
Local: Multimeios
5. Sexualidades, Heresia e Marginalidades na Idade Média Central (séculos XI-XIII)
Wendell dos Reis Veloso (UFRRJ) e Odir Fontoura (UFRGS)
Local: Pantheon
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Sessões de Comunicação
04.07.2017
14:10 – 15:50
Sessão 1– Estudos sobre a Legenda Aurea Local: Pantheon São Jorge, a Ordem dos Pregadores e a Legenda Áurea Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva Caval(h)eiro, mártir e santo: as vidas de São Jorge na Elssässische Legenda Aurea e em Der Heiligen Leben Daniele Gallindo Gonçalves Silva O vilão, a vítima e o companheiro:a presença do laicado na narrativa hagiográfica de Jacopo de Varazze Henrique de Melo Kort Kamp As relações de poder entre instituições eclesiásticas e seculares: a Legenda aurea e a construção de um regime de verdade André Rocha de Oliveira Sessão 2 – Manifestações do Poder na Idade Média Local: Sala 206 Uma Prosopografia da Festa: mapeamento e observações iniciais acerca de nobres participantes do Passo Honroso de Suero de Quiñones Lucas Werlang Girardi Lord justice in the views of don Juan Manuel. Noble identity and resistance to the royal authority (XIVth century) Federico Javier Asiss Gonzalez e Martha Luciana Chiappero Lógica Feudal e as Inquirições de 1258 em Portugal Thiago Pereira da Silva Magela
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Sessão 3 – Mulheres Escritoras na Idade Média Local: Multimeios Perfil e Atuação Política de Isabel de Aragão através de Algumas Cartas Aldinida Medeiros N’O Espelho de Cristina, a imagem de Santa Maria Maria Ascenção Ferreira Apolonia Fé em Cristo e nos Homens? Como mulheres escritoras expuseram suas relações com o clero e com a Igreja Carolina Niedermeier Barreiro Mística Feminina na Baixa Idade Média: Corpus Mysticum e o Imaginário Medieval Ocidental de Sociedade por Catarina de Siena (1347-1380) Caio César Rodrigues Une femme des lettres: produção de legitimidade de mulheres intelectuais no Medievo
Leonardo de Lara Cardoso Sessão 4 - Igreja na Alta Idade Média Local: Sala 222 Estudo comparado dos milagres na Vita Sancti Fructuosi e na Vita Sancti Amandi Leila Rodrigues da Silva A verdade na filosofia de Agostinho Fabiano Ricardo Paz A Cidade de Deus é Heteronormativa? Apontamentos sobre as Proposições Agostinianas acerca das Sexualidades em De Civitate Dei (Século V) Wendell dos Reis Veloso “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja”: os sermões de ascensão episcopal de Leão de Roma (440-461) Paulo Duarte Silva
05.07.2017
09:45 – 11:30 Sessão 5 – Entre Ocidente e Oriente I Local: Sala 206
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A iconografia ocidental do imperador bizantino Heráclio (séculos XI-XIII): uma aproximação Guilherme Queiroz de Souza Do Oriente ao Ocidente: relações entre Constantinopla e o Mediterrâneo nos registros de Procópio de Cesareia e Jordanes: séculos V e VI Renato Viana Boy A ficcionalidade das “atas do concílio de Éfeso (431)”: um exercício de interpretação a partir dos registros cirilinos da sessão de 22 de junho Robson Murilo Grando Della Torre Un texto hagiográfico bizantino atribuido a Efrén el sirio: Vida de Andronico y Anastasia(Madrid, BNE 4787; BHG Novum auctarium 123j)
Pablo Cavallero Sessão 6 - Entre Ocidente e Oriente II Local: Multimeios A globalização do antijudaísmo medieval a partir do século XIII Cybele Crossetti de Almeida Movimentos entre o pequeno e o grande mundo: desfazendo as categorias de oriente e ocidente na análise do Picatrix
Aline Dias da Silveira Abraham Ibn Daud (circa 1110-1180) e a primeira (ana)crônica sefardita na Toledo do século XII Rodrigo Bragio Bonaldo Conflitos identitários e Intolerância religiosa: a perspectiva maimonidiana sobre as conversões forçadas Tatiane Santos de Souza Sessão 7 - Martírio Local: Pantheon Os ciclos iconográficos do beato Simão de Trento e a difusão do culto ao menino mártir no final do século XV Vinícius de Freitas Morais Sagrada Violência: aspectos do fenômeno martirológico no século XIII Dionathas Moreno Boenavides O Livro de Milagres dos Santos Mártires de Marrocos: a construção de uma santidade em Portugal no século XV
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Bruno Soares Miranda “Mortos mais que especiais”: mártires e guerreiros no contexto medieval português Renata Cristina de Sousa Nascimento Sessão 8 – Ordens Mendicantes Local: Sala 222 Os conceitos de pobreza, castidade e obediência na Franceschina (1474): releituras observantes a partir do texto e imagem Angelita Marques Visalli Manifestações conflitantes: a influência da religiosidade franciscana no sistema eclesiástico, através do conceito de cultura intermediária, na Inglaterra do século XIV Gabriel Alves Pereira Erudição e atividade intelectual franciscana no século XIII a partir das vitae sobre Antônio de Lisboa/Pádua: uma proposta de pesquisa Victor Mariano Camacho “(...) continuem pelas riquezas do reino dos céus as confrontando com as angústias da pobreza voluntária (...)”: considerações sobre o voto de pobreza na Ordem dos Pregadores (1285-1289) Luiz Otávio Carneiro Fleck Filii carnis-filii spiritus: Angelo Clareno e as sete tribulações da Ordem franciscana
Veronica Aparecida Silveira Aguiar
13:00 – 14:05 Sessão 9 – Imagens I Local: Sala 206 Píramo e Tisbe: narrativa de um amor trágico nos cofres de amor do tardo-medievo Flavia Galli Tatsch Anexos Góticos da Sé de Lisboa, interpretações e relações Willian Funke Transformações e continuidades na iconografia do primeiro século franciscano: távolas, afrescos, gravados e vitrais (1226-1285) André Luiz Marcondes Pelegrinelli
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Sessão 10 – Canções de Gesta e Trovadorismo Local: Sala 222 Lisboa em cena: representação da cidade na dramaturgia medieval portuguesa Márcio Ricardo Coelho Muniz Os diálogos entre gêneros do trovadorismo galego-português: a intertextualidade das cantigas de amor e de amigo de Dom Dinis Ana Luiza Mendes A Primavera, O amor e Vênus: a lírica amorosa dos Goliardos no Carmina Burana (séculos XII- XIII) Helena Macedo Ribas Sessão 11 – Paganismo e Heresia Local: Multimeios De armatura omnium fidelium: a preparação espiritual para a guerra contra os hereges (séc. XIII-XV) Michele de Araújo A Historia Albigensis e a percepção de violência no negotium pacis et fidei no início do século XIII Magda Rita Ribeiro de Almeida Duarte O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen
Lukas Gabriel Grzybowski Sessão 12 – Ordenação eclesiástica Local: Pantheon Servus servorum Dei: as redes clientelares e a construção do poder papal na Itália medieval (1024-1157) Felipe Augusto Ribeiro A “invenção” da diocese e a definição da jurisdição episcopal (séculos XII-XIII) Carolina Gual da Silva As redes de poder em torno de Pedro Damiano Cláudia Regina Bovo
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14:05 – 15:10 Sessão 13 – Imagens II Local: Sala 206 As margens dos livros de horas da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Maria Izabel Escano Duarte de Souza A representação musical nos Infernos dos Trípticos de Hieronymus Bosch: Partituras e torturas musicais Grasiela Prado Duarte O ornamental no manuscrito BM Cambrai 528 – século XI Pamela Wanessa Godoi Sessão 14 – Hagiografia no Século XIII Local: Pantheon Os Miracula de Cecília Romana e a Identidade da Ordem dos Frades Pregadores
Carolina Coelho Fortes O Exordium Magnum Cisterciense entre crônica e hagiografia: o exemplo dos primórdios e a construção do conceito de pessoa na narrativa hagiográfica do século XIII Ana Paula Lopes Pereira Uma nova história de Francisco? Possibilidades de pesquisas a partir de uma recente descoberta Gustavo da Silva Gonçalves Sessão 15 – Idade Média e Contemporaneidade I Local: Multimeios A Invenção do Medievo: narrativas sobre a Idade Média nos livros didáticos de História Nilton Mullet Pereira A Idade Média que nos habita: sobre a legitimidade memorial dos estudos medievais no mundo contemporâneo Gabriel Castanho Saberes e sabores: a narrativa da Cocanha como uma permanência medieval na cultura brasileira Mariana Amorim Romero
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Sessão 16 – Aspectos do Monasticismo Medieval Local: Sala 222 O paradoxo premonstratense após a morte de Norberto de Xanten (1135): Vida monástica ou vida canônica? Vinicius Cesar Dreger de Araujo Os primeiros séculos do movimento monástico em The decline and fall of Roman Empire de Edward Gibbon Bruno Uchoa Borgongino Os estudos monacais em Reims no século X Rafael Bassi “Monacato em movimento”: considerações sobre o eremitismona VitaAntonini (século VI-VII) Juliana Salgado Raffaeli
06.07.2017
13:00 – 14:05 Sessão 17 – Bruxaria e Heresia Local: Multimeios Espiritualidade leiga, cristianismo e heresia (séculos XI-XIII): algumas considerações Alécio Nunes Fernandes “Heresiologia e Repressão: a ideia de ‘Perseguição justa’ na Summa Adversus Catharos et Valdenses, do dominicano Moneta de Cremona
Patrícia Antunes Serieiro Silva Estudos sobre a bruxaria na Idade Média: revisões historiográficas e novas perspectivas de análise Odir Fontoura Sessão 18 – História e crônicas Local: Pantheon Sucessões régias e conflitos em três crônicas do Sul da Itália ou características literárias do poder no reino de Nápoles (séculos XIII-XIV) Igor Salomão Teixeira
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As histórias de um livro catedral: Relações entre passado, presente e futuro na interpretação do Dragmaticon do mestre Guilherme de Conches (c. 1080 - 1154)
Carlile Lanzieri Júnior Conquistar, narrar e reputar: a escrita da história e a dimensão narrativa da ação Rodrigo Prates de Andrade Sessão 19 – Aspectos do Imaginário Medieval I Local: Sala 206 Anjos planetários e o mundo sublunar: Trithemius, astrologia e política nos séculos XV e XVI Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior As Paixões da Alma nos escritos dietéticos medievais (séculos XII – XIV) Maria Dailza da Conceição Fagundes O anjo-guia no itinerário da viagem imaginária ao Além medieval na obra Visão de Túndalo
Solange Pereira Oliveira Sessão 20 – Hagiografia na Alta Idade Média Local: Sala 222 Formas de devoção aos mártires nas comunidades cristãs do Ocidente (Roma, século III) Vanessa de Mendonça Rodrigues dos Santos O culto à Virgem Maria no Liber In Gloria Martyrum de Gregório de Tours
Edmar Checon de Freitas A construção do Santo (Jerônimo) de Estridão Maria Cristina Martins e Alexandra de Brito Mariano
14:05 – 15:50 Sessão 21 – Idade Média e Contemporaneidade II Local: Sala 206 Un avatar argentino de la leyenda del corazón comido Susana G. Artal O mito do cavaleiro na longa duração: um estudo de caso sobre ressignificações do imaginário medieval nos anos 1930 Mauricio da Cunha Albuquerque
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A “morte domada” e a “morte de si” em Gil Vicente e seus Aspectos Residuais na obra de Ariano Suassuna Francisco Wellington Rodrigues Lima Sessão 22 – Poder e santidade na Alta Idade Média Local: Sala 222 Modelos de conduta nas paixões visigóticas Flora Gusmão Martins Reis, bispos e druidas: autoridade e poder na Vita Sanctae Brigitae, de Cogitosus (Irlanda, século VII) Clarissa Mattana Os Concílios Visigóticos como espaço de construção de consenso (Séculos VI-VIII) Eduardo Cardoso Daflon Sessão 23 – Aspectos do Imaginário Medieval II Local: Multimeios As Sagradas Escrituras como lógica argumentativa jurídica na voz de Deus e do Diabo (século XIII) Clarice Machado Aguiar A reprodução e a geração de monstros no De Secretis mulierum (séc. XIV)
Lidiane Alves de Souza Poderes (in) visíveis: as criaturas do mal na Arte de Bien Morir
Patrícia Marques de Souza Sessão 24 – Literatura e História Local: Pantheon Servir a Deus e servir ao rei nas Canções de Gesta Ademir Aparecido de Moraes Arias João Zorro e marcas de sua individualidade poética Márcia Maria de Melo Araújo Alegoria histórica: Uma possibilidade para operacionalizar tempo e espaço na antiguidade e no medievo Daniel Lula Costa & Janaina de Fátima Zdebskyi
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RESUMOS
Conferências
Uma passarela entre o Oriente e o Ocidente? Escrever hagiografia na Itália na Alta Idade
Média
Thomas Granier
(Universidade de Montpellier)
A Itália do sul, latina, zona de contatos entre as culturas romana, lombarda e bizantina, viu
se desenvolver uma intensa atividade cultural na alta Idade Média. Uma parte desta
atividade consistiu na composição de numerosos textos hagiográficos sobre figuras santas
regionais ou sobre as quais o culto teve origem em outras regiões. Foram particularmente
compostas numerosas Vidas, Paixões e Milagres de santos orientais cujo culto tem origens
no Império cristão do Oriente ou às suas margens (Armênia cristã, por exemplo). A quase
totalidade desse corpus de textos dedicados aos santos orientais foi composta em Nápoles,
em um período preciso: os três quartos de século entre 875 e 960, aproximadamente. Esta
conferência procura evidenciar as características dessas obras e as motivações dos que
encomendaram e de seus autores. Trata-se de definir, principalmente, se a origem oriental
dessas tradições é valorizada, se há um autêntico interesse pelas regiões de origem desses
cultos: os laços culturais estreitos da Itália meridional com o mundo bizantino motivaram
uma vontade de transmitir à cristandade ocidental essas tradições que são originalmente
estranhas ao Ocidente?
Heresia e Santidade: alguns casos italianos do século XIII
Marina Benedetti (Universidade de Milão)
Santidade e heresia são dois substantivos aparentemente opostos que deram origem a dois
âmbitos de pesquisarão profícuos quanto incomunicáveis. De modo diverso, a história da
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Santidade e a história da heresia foram dotadas de instrumentos metodológicos e de
consciência historiográfica. Não obstante, se olharmos os indivíduos – os santos e os hereges
– descobre-se que não são poucos os casos em que uma santa se torna herética (ou um santo
se torna herético), sobretudo na peculiar conjuntura do século XIII, quando a proclamação
do primeiro jubileu solicita o papado e as ordens mendicantes um controle mais cerrado
sobre todas as formas de santidade.
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Mesas Redondas
O reino português e os descobrimentos: poemas de Garcia de Resende abordam a
colonização e a degeneração social
Geraldo Augusto Fernandes
(Doutor em Letras, Universidade Federal do Ceará)
Garcia de Resende, em sua Miscelânea e variedade de histórias, apresenta umas trovas em
que resume a situação da metrópole portuguesa com a ascensão de grande número de
escravos negros. Diz Resende: “Vemos no reino meter, / tantos cativos crescer, / irem-se os
naturais / que, se assim for, serão mais / eles que nós, a meu ver.” Registro de um reino às
voltas com os efeitos das Grandes Descobertas do final da Idade Média, Garcia de Resende
recheia suas trovas de certo desconforto e certa desilusão para com as riquezas que afloram
em Portugal, as quais, inclusive com a chegada daqueles escravos africanos, colaboram para
degenerar o sonho dourado de perfeita convivência entre os que habitavam Portugal.
Essas trovas de Garcia de Resende espalham-se por muitas obras no Brasil e no Exterior.
Euclides da Cunha em Os Sertões e Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, para
citar apenas dois, valem-se dos poemas resendianos para fazer uma análise da situação
brasileira, invadida pelos afro-lusitanos com seus costumes, ideais e normas.
Este estudo pretende analisar em que situação o uso dos referidos poemas foi importante
para se entender os meandros de nossa Colonização, com destaque para o tema da
escravidão em Portugal.
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Sarracenos, cristianos y procedimientos épicos en Rhamant Otuel,
traducción al galés medio de Otinel
Luciana Cordo Russo
(Doutora em Letras, Universidad Nacional de San Martín,
IMHICIHU, CONICET)
En esta comunicación me propongo analizar la representación de sarracenos y cristianos en
Rhamant Otuel, traducción al galés medio y en prosa del poema épico francés Otinel,
perteneciente a la llamada “compilación carolingia galesa” que también comprende una
traducción incompleta de La chanson de Roland, Cân Rolant, insertada como capítulo XXI
de la Crónica del Pseudo-Turpín (versión galesa del cuarto libro de la Historia de Vita Caroli
Magni et Rotholandi) y una traducción completa del Pèlerinage de Charlemagne (La
Peregrinación de Carlomagno), Pererindod Siarlymaen. La compilación ha sido datada
hacia el año 1275 pero Otuel es una incorporación posterior, de aproximadamente 1336.
Los pocos críticos que han estudiado Otuel —en general de forma transversal— subrayan
el marcado énfasis en el aspecto religioso de la composición galesa, en especial los temas de
conversión y cruzada (Poppe, 2014; Petrovskaia, 2015). En este marco, resulta
particularmente productivo explorar el vocabulario y los términos que se utilizan para
referirse a los sarracenos y la imagen que se configura de estos personajes teniendo en
cuenta que tanto los temas de conversión y cruzada como los motivos del noble sarraceno o
la bella sarracena son convenciones narrativas del discurso épico (Ailes, 2012) utilizados con
mayor o menor soltura por parte del compositor de Otinel. Asimismo, esta imagen de los
sarracenos se delinea en relación con un modelo de cristianos que pretende funcionar como
su opuesto. De este modo, en el tratamiento que el traductor dispensa a estos elementos
podremos percibir no solo aquello que le resulta de interés al comanditario de la traducción
y a su público sino, además, el modo en que este comprende, interpreta y traslada técnicas
de composición asociadas al género de la épica francesa a las tradiciones literarias y al estilo
narrativo galeses. Como conclusión, el análisis nos permitirá plantear innovaciones
importantes en el proceso de traducción de Otuel respecto del resto de las traducciones de
textos épicos carolingios al galés medio.
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Afonso II de Portugal: um monarca à prova do tempo
Maria Filomena Coelho
(Doutora em História, UnB)
Afonso II, que reinou em Portugal, entre 1211 e 1223, é frequentemente identificado como o
monarca que, por meio de diversas iniciativas jurídicas e legislativas, encarna o marco
temporal que assentou as bases para o surgimento do Estado português. Tal reconhecimento
significa também a inauguração de um novo tempo na história, cujo motor se constrói pela
associação necessária e exclusiva entre rei e Estado. Entretanto, a produção legislativa e os
modos de governar de Afonso II, quando analisados por um prisma pluralista, permitem
destacar outras lógicas que se afastam da interpretação extemporânea das semelhanças com
a nossa matriz política contemporânea que, se por um lado, coloca a personagem “à frente
de seu tempo”, por outro, acaba por admitir que ela não esteve à altura do “novo tempo”.
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Comunicações
Servir a Deus e servir ao rei nas Canções de Gesta
Ademir Aparecido de Moraes Arias
(Doutor em História Social, USP)
Até o século XI, devido ao monopólio da escrita pelos membros do clero, apenas as
narrativas em latim mereceram ser conservadas em textos. Muitos destes tinham caráter
apologético e, como nas Vidas de Santos, exaltavam personagens cuja firmeza na fé cristã, a
devoção, o zelo pregador e a paciência no momento do suplício e da morte serviam de
exemplos ao povo cristão. Mas em torno de 1050 uma literatura vernácula passou a ser
difundida em terras onde se desenvolveria a língua francesa e seus temas e personagens se
distanciavam daqueles valorizados pelos clérigos. O meio cavaleiresco em busca de
afirmação na sociedade cristã incentivou poemas nos quais suas atividades guerreiras eram
enaltecidas e as Canções de Gesta foram um dos melhores instrumentos para isso.
Literatura surgida num tempo no qual a Cristandade se expandia através de guerras
justificadas pela Igreja contra os islamitas da Espanha (tomada de Barbastro, 1064; conquista
de Toledo, 1085) e da Palestina (1095-1099), seus heróis faziam da luta armada uma obra do
agrado divino e suas vitórias eram mostradas como manifestações da vontade de Deus em
favor de seu povo. A morte dos guerreiros era convertida numa forma de martírio, ideia já
esboçada pela Igreja no século X para incentivar o combate contra os invasores normandos,
sarracenos e magiares. Com isto a função cavaleiresca sobrepujava em importância as
funções clerical e monástica, na visão da poesia épica. Poemas como a Chanson de Roland, a
Chanson de Guillaume e o Moniage Guillaume faziam dos cavaleiros um novo modelo para
determinado grupo de cristãos, justificavam a superioridade moral dos combatentes sobre
o homem de oração e defendiam uma primazia do rei épico – identificado principalmente
com o lendário Carlos Magno (764-814) – sobre o papa. Se os santos descritos nas
hagiografias e sermões travavam combates espirituais e morriam indefesos perante seus
algozes, os heróis épicos deviam ser exemplos para uma luta real contra o infiel e a sua
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morte devia assumir a forma de um autossacrifício guerreiro, doloroso e ao mesmo tempo
homicida, no qual orgulho e fé se entrelaçavam em prol da Cristandade.
Perfil e atuação política de Isabel de Aragão através de algumas cartas
Aldinida Medeiros
(Doutora em Literatura Comparada, UEPB)
Conhecida como a Rainha Santa de Portugal, Isabel de Aragão está envolta há muito tempo
em uma aura de santidade. Porém, consideramo-la mais que uma figura canonizada pela
Igreja Católica, pois sua atuação na política de Portugal é emblemática. Além de ajudar na
pacificação das contendas entre o esposo, D. Dinis, e o filho, D. Afonso IV, a altura infante,
Isabel escreveu cartas com teor político ao seu irmão, D. Jaime II, então rei de Aragão. Nosso
interesse de investigação sobre esta mulher, importante figura histórica do período
medieval, aconteceu através de sua representação no romance histórico contemporâneo,
porém, alargou-se, à medida que mais conhecíamos seus feitos, fossem na habilidade
política com a Igreja Católica, sobremaneira no tocante à questões relacionada ao Mosteiro
de Santa Clara-a-Velha, fosse na política dos casamentos e criação dos filhos bastardos de
seu marido. O objetivo desta comunicação e artigo é trazermos à tona a voz de Isabel de
Aragão bem como observarmos os posicionamentos desta rainha através de algumas de
suas cartas, a fim de comprovar sua habilidade nas estratégias da política do reinado de D.
Diniz. Nosso investigação está embasada, principalmente, pelas seguintes referências
bibliográficas: Sebastião Antunes Rodrigues (1958), Fernando Barros Leite (1993), Francisco
da Fonseca Benevides (2009) e José Carlos Gimenez (2005).
Espiritualidade leiga, cristianismo e heresia (séculos XI-XIII): algumas considerações
Alécio Nunes Fernandes
(Doutorando em História, UnB)
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Em alguma medida, as heresias medievais podem ser caracterizadas como o
aprofundamento entre leigos de uma religiosidade cristã de caráter monástico-ascético, a
manifestação de uma espiritualidade leiga que tenta se aproximar de Deus. Ao contrário de
ser uma negação da fé cristã, as heresias exprimem a difusão de um modelo de cristianismo
muito semelhante àquele que viria a ser adotado por dominicanos e franciscanos: Pedro de
Valdo e São Francisco de Assis são faces de uma mesma moeda – que o digam os vários
franciscanos condenados por heresia que acabaram seus dias em fogueiras inquisitoriais. O
surgimento e proliferação de movimentos heréticos no começo do segundo milênio são um
indicativo de que o cristianismo se enraizara no ocidente, mesmo que ele continue
convivendo com traços de religiosidades não-cristãs ao longo de todo medievo,
“paganismos” que serão muito mais cristianizados que eliminados. Depois de uma longa,
lenta, gradual e desigual difusão no primeiro milênio da cristandade – dependente da
recepção que ele terá nas diferentes sociedades em que for definido como religião oficial –,
o cristianismo do segundo milênio precisará acertar as contas com uma aflorada
religiosidade popular de leigos que acreditam ter papel importante na tarefa de sua própria
salvação. Nesta comunicação pretende-se discutir o quanto a propagação das heresias
medievais, sobretudo entre os séculos XI e XIII, representou, paradoxalmente, o
aprofundamento social da religião cristã no ocidente: muito mais que uma crítica à
ortodoxia ou a constituição de uma igreja paralela, os hereges acreditavam ser e representar
a verdadeira Igreja dos apóstolos.
Movimentos entre o pequeno e o grande mundo: desfazendo as categorias de oriente e
ocidente na análise do Picatrix
Aline Dias da Silveira
(Doutora em História Medieval, UFSC)
Quando escutamos palavras como globalização ou história global, é comum ocorrer em
nossas mentes imagens como computadores, internet, redes sociais, economia mundo, ou
seja, uma temporalidade que se iniciaria no século XX. Se pesquisarmos um pouco, talvez
possamos recuar até as navegações europeias através do atlântico a partir do século XVI.
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Que imagens nós teríamos em mente, no entanto, se tentássemos romper com a perspectiva
europeia e iluminista da História e entendêssemos as temporalidades ainda mais recuadas
sem as divisões modernas entre ocidente e oriente? Veríamos o que estava lá, ou seja, uma
gigantesca rede de rotas terrestres e marítimas que ligavam a China à Península Ibérica, a
Escandinávia à África oriental. Rotas que foram passagens para o comércio, o poder, a
religião, a opressão e o conhecimento; passagens de trocas, conflitos e transformações. A
partir do experimento de exercitar uma perspectiva não europeia da história - dentro das
limitações e vantagens que nossa posição subequatorial nos permite - pretendo apresentar
meu trabalho de medievalista (minhas indagações e indignações), trazer questões da
historiografia atual, bem como apresentar exemplos de um fenômeno histórico que teve
passagem pelas rotas antigas e medievais: o movimento de textos, pensamentos e
interpretações das ciências astronômicas e astromágicas através de um texto árabe ibérico
do século X, o Picatrix. A fonte articula diversas temporalidades, como um vórtice histórico,
do qual as linhas nos conduzem às transformações do pensamento platônico em
interpretações monoteístas, às pretensões políticas, bem como às tradições mesopotâmica e
caldeia de estudos dos corpos celestes nas passagens e interações entre micro e
macrocosmos. Passagens da experiência humana no tempo e no espaço.
Os diálogos entre gêneros do trovadorismo galego-português: a intertextualidade das
cantigas de amor e de amigo de Dom Dinis
Ana Luiza Mendes
(Doutoranda em História, UFPR)
As denominações dos gêneros do trovadorismo galego-português nos são dadas pela Arte
de Trovar, tratado poético fragmentado, contido no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, um
dos cancioneiros em que se tem a compilação das produções trovadorescas ibéricas. A partir
desse tratado, portanto, assumimos que as cantigas de amor são aquelas em que o a voz
masculina se apresenta como o porta-voz das lamentações amorosas, diferentemente das
cantigas de amigo, nas quais as benesses e os infortúnios amorosos são cantados por uma
voz feminina.
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Além do eu-lírico também podemos perceber alguns elementos estruturais que auxiliam a
determinar a identidade desses gêneros, como alguns nexos lógicos, vocativos ou a
utilização de certas frases feitas específicos de cada um deles. Todavia, na produção de Dom
Dinis é possível identificar que algumas cantigas não seguem de forma rígida as predições
que sugeririam o tratado poético galego-português, uma vez que elementos de um gênero
são utilizados no outro, sugerindo uma intertextualidade das obras que pode ser
compreendida como um componente próprio do movimento trovadoresco, uma vez que
dele não estava dissociada a performance que permitiria o compartilhamento de referências
contidas nos cantares.
Diante disso, podemos pensar nas relações entre as cantigas de forma mais abrangente que
a Arte de Trovar sugere, levando em consideração que este tratado fragmentário e contido
num cancioneiro do século XVI, podendo ser possível que contivesse outras informações
sobre as produções que nos escapam ao conhecimento ou que não se constituísse como um
parâmetro tão rígido de produção.
Ainda assim, é sabido que Dom Dinis tinha conhecimento das normas da tradição
trovadoresca, o que pode indicar que, além de ter contato com as produções de outros
movimentos culturais, também poderia ter tido acesso a diferentes poéticas. No entanto,
algumas de suas cantigas não seguiam um esquema rígido de composição. Tal fato pode ser
relativo à falta de um tratado poético dirigido especificamente ao ensino da produção da
poesia ou, ainda, à afirmação de originalidade de produção com o intuito de uma
diferenciação como trovador.
O Exordium Magnum Cisterciense entre crônica e hagiografia: o exemplo dos
primórdios e a construção do conceito de pessoa na narrativa hagiográfica do século XIII
Ana Paula Lopes Pereira
(Doutora em História Medieval, UERJ-FFP)
O Exordium Magnum Cisterciense de Conrad d’Eberbach é a crônica das primeiras décadas
da Ordem Cisterciense. Trata-se de uma narrativa edificante que contém a vida de Cristo,
uma história do monaquismo até o século XII, e uma compilação de pequenas histórias ou
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exempla que manifestam a santidade dos primeiros membros da Ordem. A base do relato
de Conrad d’Eberbach, escrito entre 1190 e 1210, é o Liber Miraculorum de Herbert de
Claraval composto entre 1178 e 1181. Dessa forma, o texto se situa entre a crônica e a
hagiografia cisterciense tal como é concebida no início do século XIII. Com base na nossa
pesquisa sobre as vitae de beguinas e monjas cistercienses do Brabante consideramos que
esse tipo de relato hagiográfico, construído através de exempla, veicula um determinado
conceito de pessoa, com emoções e formas de intelecção específicas. Buscaremos, na
presente comunicação demonstrar a relação entre a narrativa hagiográfica cisterciense e as
vitae de beguinas e monjas cistercienses no que concerne a construção do conceito de pessoa
na primeira metade do século XIII.
Transformações e continuidades na iconografia do primeiro século franciscano: távolas,
afrescos, gravados e vitrais (1226-1285)
André Luiz Marcondes Pelegrinelli
(Mestrando em História Social, UEL)
O processo de canonização e reconhecimento de Francisco de Assis (1182-1226) foi, no Baixo
Medievo, um dos mais rápidos. Em menos de dois anos, o poverello de Assis, uma vez
reconhecido pelo poder pontifício, teve imagens, efígies e narrativas proliferadas por toda
a península itálica. É provável que a alta popularidade tenha feito surgir uma grande
quantidade de imagens de Francisco, mesmo entre os leigos e camadas populares
(FRUGONI, 1993, p. 322), material perdido. Essa comunicação busca mapear a produção
imagética sobre Francisco de Assis, nas cidades italianas, no primeiro século de iconografia
franciscana, compreendido da morte do santo à criação do Ciclo da Vida de Francisco de
Giotto di Bondone (1266-1337), atentando-se para a manutenção ou modificação da escolha
das cenas narrativas retratadas. Enquanto temas como a “pregação aos pássaros” ou a
“estigamtização sobre o monte Verna” se mantém por um período largo, os episódios de
milagres e curas se alternam com bastante celeridade. Compreendendo essa iconografia
como imago (SCHMITT, 1996), que transita entre suportes visuais, textuais e mentais,
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buscamos serializá-los, tal qual pistas que nos permitam pensar a devoção franciscana no
período.
As relações de poder entre instituições eclesiásticas e seculares: a Legenda aurea e a
construção de um regime de verdade
André Rocha de Oliveira
(Mestrando em História Comparada, UFRJ)
A Legenda aurea, produzida pelo frade dominicano Jacopo de Varazze na segunda metade
do século XIII, vem sendo abordada pelos estudiosos por diferentes vieses. No âmbito das
Pós-Graduações em território nacional, um conjunto de trabalhos já foi produzido
utilizando este legendário como fonte. No entanto, não encontramos, dentre essas
investigações, nenhuma que se ocupasse exclusivamente da inserção da obra nas relações
de poder entre a Igreja Romana e os poderes seculares instituídos, dos quais se destaca o
Sacro Império Romano.
Nesta pesquisa de mestrado que se inicia, propomos uma interpretação possível para o uso
do legendário. Compreendendo as querelas entre instituições eclesiásticas e seculares como
um embate para estabelecer um regime de verdade, e assim instituir um “discurso
verdadeiro”, a obra do frade genovês pode ser concebida como um instrumento capaz de
influenciar tais relações de poder. Destarte, seus usos poderiam auxiliar a busca da
instituição eclesiástica pela primazia política sobre o Ocidente medieval. Na presente
comunicação, aprofundaremos essas reflexões.
S. Jorge, a Ordem dos Pregadores e a Legenda Áurea
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
(Doutora em História Social, UFRJ)
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Com a chegada dos portugueses e demais grupos europeus ao Rio de Janeiro e a inserção
do catolicismo na região, a prática de veneração aos santos foi iniciada e se expandiu no
decorrer dos séculos. A devoção aos santos deixou marcas não só na religiosidade carioca,
mas em diversos outros campos, como na toponímia, na paisagem, no calendário, nas
manifestações artísticas, na linguagem, nas festas populares. Ou seja, hoje os santos
participam, direta ou indiretamente, da vida de todos os moradores do Rio de Janeiro, sejam
católicos ou não. Dentre os diversos santos cultuados, há vários personagens que tiveram a
sua memória transmitida durante a Idade Média. Nesta comunicação vou me deter em um
desses santos: S. Jorge. O culto a Jorge, segundo a historiografia, surgiu no Oriente entre os
séculos IV e V e expandiu-se pelo Ocidente durante a Idade Média. Dentre os diversos
trechos escritos sobre ele no medievo, vou apresentar as conclusões da análise da Legenda
Áurea, compilação de hagiografias elaborada sob a coordenação do dominicano Jacopo de
Varazze. A opção pelo estudo desta narrativa justifica-se pelo seu papel na sistematização
de uma memória de santidade do chamado Santo Guerreiro, pela perspectiva dominicana,
que alcançou grande difusão ao final do Medievo entre distintos grupos sociais. Estas
reflexões estão vinculadas ao desenvolvimento do projeto “A construção medieval da
memória de santos venerados na cidade do Rio de Janeiro: uma análise a partir da categoria
gênero”, financiado pela Faperj por meio do Programa Cientiista do Nosso Estado.
Os conceitos de pobreza, castidade e obediência na Franceschina(1474): releituras
observantes a partir do texto e imagem
Angelita Marques Visalli
(Doutora em História, UEL)
Apresentamos um estudo sobre textos e imagens da Franceschina (1474), escrita pelo frei
Giacomo Oddi, na região da Úmbria, no ambiente da reforma observante. A obra foi
realizada no centenário da reforma do convento de Monteripido, em Perugia, e apresenta-
se como um “espelho”, evidenciando as virtudes franciscanas. A partir do modelo
evangélico e de Francisco de Assis, são evidenciados diversos frades que se destacaram em
virtudes como a castidade, a obediência, a humildade, a caridade, constituindo-se a obra
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numa extensa compilação de franciscanos virtuosos, conhecidos e reconhecidos na Ordem
dos Frades Menores ou anônimos. Buscamos uma melhor compreensão da articulação entre
imagens e texto na apresentação das virtudes da pobreza, obediência e castidade, aquelas
que compõem o tripé da Ordem dos Frades Menores. As virtudes destacadas passam por
modificação sensível quanto ao seu conteúdo em relação ao modelo do fundador da Ordem
(mesmo considerando as diferentes perspectivas apresentadas pelos textos das Fontes
Franciscanas) mas destacamos, especialmente, as distintas abordagens entre as duas
linguagens, textual e imagética. A partir da consideração do manuscrito como uma unidade,
desenvolvemos uma análise que expõe as relações entre as duas formas de expressão,
evidenciando o caráter autônomo e de construtor de conhecimento das imagens. Dentre os
quatro códices ilustrados da Franceschina, analisamos aquele que apresenta o maior número
de imagens, o de Santa Maria dos Anjos, com 152 ilustrações.
O Livro de Milagres dos Santos Mártires de Marrocos: a construção de uma santidade
em Portugal no século XV
Bruno Soares Miranda
(Doutorando em História Social, USP)
Prática das peregrinações, a escrita de Livros de Milagres aconteceu amplamente no século
XV português. Um deles é referente aos Santos Mártires de Marrocos. Nesta fonte,
encontramos 26 relatos que foram compilados em Santa Cruz de Coimbra e que corresponde
a um momento de intensificação do culto dos Santos promovido pelo Mosteiro. O registro
escrito dos milagres narrados pelos peregrinos tinha como função obter a canonização pela
Santa Sé dos protomártires franciscanos. O objetivo desta comunicação é analisar este corpus
documental e, com isto, compreender como o aumento potencial de novos testemunhos
sobre graças e mercês recebidas serviu para os objetivos do Mosteiro. Igualmente, através
desta análise, podemos compreender os peregrinos portugueses medievais, sua
espiritualidade e suas angustias diárias.
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Os primeiros séculos do movimento monástico em The decline and fall of Roman Empire
de Edward Gibbon
Bruno Uchoa Borgongino
(Doutorando em História Comparada, UFRJ)
Edward Gibbon, historiador inglês do século XIX, tornou-se celebre pelo seu trabalho
intitulado The decline andfallof Roman Empire. Adotando uma abordagem pejorativa em
relação ao medievo e partindo dos paradigmas iluministas então em voga, atribuiu, neste
estudo, um quadro de decadência civilizacional aos últimos séculos do Império Romano.
Em sua abordagem desse “declínio”, considerou o papel dos monges e do movimento
monástico no panorama que delimitava. Destaca-se, nesse sentido, o capítulo XXXVII, em
que aprofundou suas reflexões sobre a trajetória do monaquismo cristão.
O objetivo desta comunicação é analisar criticamente as hipóteses tecidas por Gibbon em
The decline andfallof Roman Empire a respeito do fenômeno monástico no início da Idade
Média. Esta apresentação consiste no meu primeiro esforço de avaliação das pesquisas
históricas concernentes ao monaquismo em suas primeiras centúrias – empreitada por sua
vez derivada da constatação da ausência de exposições sistematizadas sobre a trajetória
desse canteiro de estudos.
Mística feminina na Baixa Idade Média: Corpus Mysticum e o imaginário medieval
ocidental de sociedade por Catarina de Siena (1347-1380)
Caio César Rodrigues
(Mestrando em História, UFRRJ)
Através dos indícios coletados no epistolário e na obra “Diálogo da Divina Providência”
(1377 -1378) de Catarina de Siena, encontramos a construção e o entendimento de aspectos
particulares do imaginário medieval ocidental de sociedade como parte idealizada do
Corpus Mysticum de Cristo. Catarina entendeu a dor, o sofrimento e o flagelo do corpo
como elementos constituintes para a cristandade tornar-se o corpus mysticum de Cristo, ou
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seja, sofrer o que seu deus sofreu assumindo seu corpo e suas chagas. Ao pensar o arquétipo
de sua sociedade, Catarina de Siena, denunciou o estado de ganância e riqueza que envolveu
o clero, desviando-o do cuidado das almas e levando-o à prática da “simonia e ganância de
riqueza, negociando a graça do Espírito Santo” (CATARINA DE SIENA, 1984; 255). E
paralelamente, foi defensora da primazia do clero na sociedade e da infalibilidade papal.
As histórias de um livro catedral: relações entre passado, presente e futuro na
interpretação do Dragmaticon do mestre Guilherme de Conches (c. 1080 - 1154)
Carlile Lanzieri Júnior
(Doutor em História, UFMT)
Escrito entre os anos de 1144 e 1149, o Dragmaticon divide-se em seis livros que trazem
muitas das concepções pedagógicas de Guilherme de Conches (1090-1154). Concepções
assinaladas por uma percepção profunda do tempo, o que nos sugere a intensa relação que
Guilherme estabeleceu entre experiências passadas e expectativas futuras diante de um
presente que considerava decadente e que teria pouco a ensinar aos que a ele se inclinavam.
Ombro a ombro com personagens como João de Salisbury (c.1120-1180), Bernardo de
Chartres (†1160) e Gilberto de La Porrée (1076-1154), Guilherme de Conches atuou na
consolidação do que foi denominado pela posteridade como a Escola da Catedral de
Chartres, uma das importantes expressões da cultura intelectual da Idade Média no século
XII.
Os Miracula de Cecília Romana e a identidade da Ordem dos Frades Pregadores
Carolina Coelho Fortes
(Doutora em História Social, UFF)
Ao longo do século XIII, uma nova ordem se configurava. Nova ordem essa, tanto no
sentido mais amplo – as transformações que vinham ocorrendo pelo menos desde o século
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XI agora atingiam contornos claros – quanto no sentido mais restrito – surgia a Ordem dos
Irmãos Pregadores. Esse primeiro século de existência da Ordem instituida por Domingos
de Gusmão foi marcado por sucessos e reveses, lutas internas e embates com o papado, os
clérigos seculares e outras ordens mendicantes. A produção literária nessas décadas foi
considerável. Assim, podemos ter acesso a variadas perspectivas do processo de
institucionalização da Ordem Dominicana.
Nesta breve apresentação, preocupa-nos analisar uma dessas visões a respeito da Ordem,
que toma como ponto central a figura de seu fundador. Nesse sentido, buscaremos no
chamado “Relato dos Milagres Operados por Santo Domingo em Roma”, ou Miracula,
elementos que indiquem as posições de seu meio de produção no que tange à identidade
institucional da Ordem, e às relações de gênero.
A “invenção” da diocese e a definição da jurisdição episcopal (séculos XII-XIII)
Carolina Gual da Silva
(Doutorado em História Cultural, Unicamp)
Ao final do século XII, podemos observar uma maior delimitação da autoridade do bispo e
um reforço de seu governo no nível da diocese através da redefinição do ofício episcopal
(officium episcopi), sob influência do direito romano-canônico. Expresso em termos de
jurisdição, o poder territorial do bispo passou a se impor com maior vigor, sendo inserido
em uma hierarquia cada vez mais rigorosa que culminaria com a jurisdição suprema do
papa. O objetivo dessa comunicação é discutir como, principalmente a partir do século XIII,
a diocese transformou-se em um espaço de práticas administrativas, fiscais e pastorais
territorializadas e como ela se tornou um elemento chave de uma instituição – a Igreja – que,
a partir de então, se pensava de forma global como um conjunto territorial dominado por
um papado imperial. Nossa análise tem por fonte alguns dos principais canonistas do século
XIII, particularmente Raimundo de Peñafort e Henrique de Susa, cujas summae discutem
com profundidade o ofício episcopal, a constituição das dioceses e as relações entre poder
de ordem e poder de jurisdição.
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Fé em Cristo e nos homens? Como mulheres escritoras expuseram suas relações com o
clero e com a igreja
Carolina Niedermeier Barreiro
(Mestranda em História, UFRGS)
O objetivo central desta comunicação estará em avaliar e apresentar os modos com que são
desenvolvidas as relações entre mulheres leigas e figuras clericais masculinas em obras
escritas por mulheres. Concentramo-nos na Baixa Idade Média, em especial entre fins do
século XIII e início do século XV. O trabalho surge como fruto de pesquisas mais amplas
sobre as relações de gênero percebidas nestas obras. A análise nos indica, portanto, alguns
caminhos para responder às questões que envolvem categorias de masculino e de feminino
e suas relações de poder. Ao analisarmos a apresentação de clérigos e os modos com que
essas mulheres se relacionam com eles nas obras, teremos em mente precisamente essas
relações de gênero. Por outro lado, levaremos em conta as relações que estas mulheres
estabeleceram com a própria instituição católica a partir de seus textos, evidenciando as
aproximações e as rupturas, os tensionamentos, as negociações e as disputas envolvidas
para além do gênero.
As Sagradas Escrituras como lógica argumentativa jurídica na voz de Deus e do Diabo
(século XIII)
Clarice Machado Aguiar
(Mestranda em História, UnB)
Nesta comunicação nos propomos a apresentar uma análise do papel do Diabo, em uma
perspectiva jurídica, com base em algumas das narrativas que compõem os Milagros de
Nuestra Señora, de Gonzalo de Berceo (séc. XIII). Frequentemente, Deus e o Diabo são
entendidos de forma reducionista por meio de uma lógica antagônica, como forças duais
que se opõem. Entretanto, as narrativas de milagres permitem ir além dessa imagem,
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acrescentando aspectos e modelos de comportamento de tornam essa dualidade simplista
muito mais complexa e nuançada. As criaturas, por natureza, estão submetidas ao poder de
Deus, e nem o Diabo escapa a esse vínculo jurídico. O fato de tentar e acusar os homens
deve-se ao cumprimento da missão a que foi condenado no momento da queda. Desta
forma, o Diabo configura-se como importante agente na realização da lógica jurisdicional
cristã, e nas narrativas de milagres mostra-se constantemente preocupado com o respeito à
ordem estabelecida e às Escrituras Sagradas. Enquanto os santos buscam garantir a salvação
dos fiéis, por meio das normas, o diabo aparece como figura oposta, que os desencaminha,
mas recorrendo às mesmas normas para reforçar os argumentos que justificariam a
condenação. Em alguns casos, fica claro que o Diabo, com o propósito de obedecer a Deus
e às Escrituras, acusa a intervenção milagrosa da Virgem Maria como fator desestabilizador
da ordem vigente e promotor de injustiça. Numa perspectiva jurisdicional, conceder perdão
aos que não merecem cria precedentes que prejudicam a atuação do Diabo e encolhe seus
direitos sobre as almas. Nessas narrativas de milagres a preocupação com a norma aproxima
Deus e o Diabo. Assim, o juiz e o promotor das condutas humanas promovem a norma, pois
desrespeitar as Escrituras significaria o caos e a desordem.
Reis, bispos e druidas: autoridade e poder na Vita Sanctae Brigitae, de Cogitosus
(Irlanda, século VII)
Clarissa Mattana
(Mestranda em História Comparada, UFRJ)
O período conhecido como Primeira Idade Média foi marcado por intensas transformações
sociopolíticas e culturais. Uma de suas características foi o grande investimento em
produção hagiográfica, esforço este que emanou de contextos monásticos e eclesiásticos em
um momento de expansão e consolidação da Igreja no Ocidente.
A hagiografia é um gênero literário cristão que se ocupa de contar a historia da vida dos
santos, buscando preservar sua memória e difundir o seu culto. Os santos são os
protagonistas heroicos das hagiografias, cuja vida virtuosa servia como um modelo de
conduta para as audiências às quais os textos eram endereçados. Os relatos de vidas de
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santos são caracterizados pela presença de uma série de topoi literários, como a origem
nobre do santo, a predestinação à vida religiosa e a capacidade de realizar milagres tanto
em vida como após a morte. Contudo, ainda que muitas hagiografias apresentem uma
estrutura narrativa comum, marcada pela presença de tais estereótipos, podemos também
observar nesses documentos algumas particularidades – como as localidades por onde o
santo circula, ou os personagens com quem ele interage.
Para além de sua mensagem edificante, o texto hagiográfico se encontra permeado por
discussões de natureza eclesiástica, teológica e política. Dessa forma, podemos inferir que
tais particularidades estão relacionadas com as escolhas do hagiógrafo ao compor sua
narrativa que, por sua vez, remetem a questões que emergem dos contextos específicos do
local e do tempo em que a hagiografia foi produzida, e a relações de poder a eles inerentes.
Na presente comunicação, pretendemos analisar a hagiografia de Brígida de Kildare (Vita
Sanctae Brigitae), produzida por Cogitosus em meados do século VII, na Irlanda. Este
documento foi produzido em um período marcado por disputas entre grandes
comunidades monásticas irlandesas, de forma que exaltar a memória do santo patrono de
uma dessas comunidades contribuía para a afirmação de sua superioridade sobre as demais.
Nossa análise será pautada nas representações de três figuras de autoridade – bispos, reis e
druidas – a fim de compreender possíveis relações de poder que perpassam o discurso
hagiográfico, à luz do contexto de produção do documento e da historiografia.
As redes de poder em torno de Pedro Damiano
Cláudia Regina Bovo
(Doutora em História, UFTM)
Desde a década de 1980 a reflexão sobre a configuração de redes de integração social aparece
nas pesquisas em História Medieval. O conceito de rede social adaptado pelos medievalistas
veio de uma tradição de estudos prosopográficos sobre o Império Romano, cujo objetivo
principal era construir bases de dados sobre pessoas que participavam de um mesmo grupo
familiar ou de amizade. Enquanto nessa perspectiva a reflexão sobre as redes sociais era
secundária, servindo como fator de explicação do poderio de um indivíduo ou de uma
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parentela, mais recentemente, tem-se recorrido ao diálogo com a sociologia para estabelecer
novas abordagens para o estudo das redes sociais. Enquanto um conjunto de relações
estabelecidas entre pessoas ou grupos sociais, indagando-se como um comportamento
individual pode ser modelado pela interação social e vice-versa, a investigação sobre as
“redes sociais” medievais tem se dedicado a identificar as formas de interação das unidades
sociais, quantificando sua natureza, sua qualidade e sua intensidade. Nesse sentido, a
proposta dessa comunicação é investigar o processo de institucionalização da Ermida de
Santa Cruz de Fonte Avellana a partir da identificação das redes de poder constituídas em
torno de Pedro Damiano. Esta ermida foi fundada entre o final do século X e início do século
XI, mas sua projeção política se deu a partir de 1043, quando Pedro Damiano, um dos
principais líderes dessa comunidade anacoreta passou a constituir, pessoalmente ou por
correspondência, uma rede de colaboradores para o debate e orientação da política
monástica.
A globalização do antijudaísmo medieval a partir do século XIII
Cybele Crossetti de Almeida
(Doutora em História, UFRGS)
O fenômeno do antijudaísmo no período medieval é um tema bastante conhecido da
historiografia. No entanto, ainda hoje encontramos generalizações que tendem a abordar
esse tema sem refletir sobre as variações - sincrônicas e diacrônicas - ao longo desse período.
Nessa apresentação pretendo discutir esse problema a partir da análise de fontes como
crônicas, mas também códigos normativos, como expressos nas determinações do IV.
Concílio de Latrão e nas Siete Partidas, como forma de entender a ampliação dos
estereótipos e perseguições aos judeus especialmente a partir do século XIII, verdadeiro
ponto de inflexão no antijudaísmo que, mais que os episódios mais ou menos isolados da
primeira Cruzada, pode ser pensado como uma verdadeira globalização desse fenômeno
nos diferentes reinos medievais.
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Caval(h)eiro, mártir e santo: as vidas de São Jorge na Elssässische Legenda Aurea e em
Der Heiligen Leben
Daniele Gallindo Gonçalves Silva
(Doutora em Germanistik/Ältere Deutsche Literatur, UFPel)
Nesta comunicação propõe-se a análise de duas legendas de São Jorge oriundas da região
sul da Germânia: a primeira delas é LVIII Georg, encontra-se na Winterteil da Elssässische
Legenda Aurea (séc. XIV), e a segunda 5 Georg, encontra-se na Sommerteil da Der Heiligen Leben
(séc. XV). Pretende-se, assim, compreender de que forma as duas narrativas, inseridas em
seu contexto e dialogando com outros textos, constroem a masculinidade de São Jorge tendo
como trinômio as representações do caval(h)eiro, do mártir e do santo. À luz da metodologia
comparada e das teorias de masculinidades, espera-se demonstrar que as narrativas
dialogam e misturam discursos laicos e religiosos incorporando, assim, imagens masculinas
recorrentes em ambos os universos: como é o caso do caval(h)eiro e do mártir. Essas imagens
coexistem e recriam uma figura híbrida que privilegia o contexto de circulação destas
narrativas, a saber, o grande movimento das épicas corteses e toda a literatura de corte. Não
apenas a recepção continuada das narrativas através dos séculos influencia a construção
dessa masculinidade, mas também o momento histórico. Destarte, criou-se a imagem de um
santo ‘ao gosto do público’, sobre o qual foram atribuídos os papéis sociais mais revisitados.
Sagrada violência: aspectos do fenômeno martirológico no século XIII
Dionathas Moreno Boenavides
(Mestrando em História, UFRGS)
Há um número considerável de estudos sobre o martírio cristão nos séculos iniciais de
propagação dessa religião. O denominado “tempo das perseguições”, com seus embates,
muitas vezes físicos, costuma chamar a atenção de historiadores. Entretanto, não podemos
dizer o mesmo acerca de martírios ocorridos em séculos posteriores. A carência de estudos
sobre o fenômeno martirológico no século XIII é bastante evidente. Muito disso por conta
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da quase nula taxa de canonizações oficiais de mártires no período, ainda que o status desse
estilo de santidade, principalmente entre os leigos, tenha continuado bastante valorizado.
Pretendemos, com a comunicação, chamar a atenção para alguns fatores que consideramos
essenciais para compreender tal objeto de estudo nesse recorte cronológico. Articulamos os
conceitos de violência e sagrado para, a partir deles, entender a peculiaridade do martírio
em comparação com estilos de mortes mais corriqueiras. Além disso, levantamos hipóteses
sobre alguns porquês de ter havido a drástica diminuição de canonizações oficiais desse tipo
especial de morto. Identificamos que o ímpeto de enquadramento social por parte da
instituição eclesiástica (que alguns autores costumam chamar de Reforma Gregoriana)
gerou consequências nesse âmbito em específico. Primeiramente, uma inicial tentativa de
controle da violência nas cidades se chocou com a valorização da morte violenta que os
mártires sofriam. Outro aspecto diz respeito ao desenvolvimento dos rituais de
consagração. A partir do momento em que há uma maior valorização do papel
desempenhado pelo consagrador, membro da hierarquia eclesiástica, o martírio parece ter
acarretado em problemas. Quem é o consagrador do ato de martírio, se aquele executa a
função ativa nas cenas são os assassinos?
O culto à Virgem Maria no Liber In Gloria Martyrum de Gregório de Tours
Edmar Checon de Freitas
(Doutor em História, UFF)
Na coletânea de milagres elaborada pelo bispo Gregório de Tours (†594) em honra dos
mártires (Liber In Gloria Martyrum) figuram vários relatos associados ao culto da Virgem
Maria. Relíquias, templos e imagens marianas misturam-se em tal registro hagiográfico,
cobrindo — ainda que de forma desigual ― um arco temporal que se estende da
Antiguidade cristã aos dias do próprio Gregório e distribuindo-se espacialmente ao longo
de todo o mundo cristão. Mas o que faria a Virgem numa coletânea dedicada aos mártires?
A resposta a tal questão exige uma análise em profundidade da lógica narrativa do texto
gregoriano. Pois o mesmo está longe de constituir um simples ajuntamento de anedotas
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edificantes ou relatos de prodígios. Ao contrário, o fio condutor do texto pode ser
reconstituído com base nas relações que seu autor estabelecia entre texto, milagres e
relíquias, cada um a seu modo manifestando a ação da Palavra divina no mundo. Tal
reconstrução é o que se pretendeo. neste trabalho, tomando como referência os relatos de
milagres associados às igrejas, relíquias e imagens da Virgem Maria incluídos na coletânea
acima mencionada
Os Concílios Visigóticos como espaço de construção de consenso (Séculos VI-VIII)
Eduardo Cardoso Daflon
(Doutorando em História, UFF)
O presente trabalho se insere no bojo de uma reflexão mais ampla a respeito da organização
estatal visigoda, abordando-a de maneira distinta daquela como diversos autores
tradicionalmente têm feito. Ou seja, em grande parte da historiografia ou se trata o Estado
visigodo como um aparato quase moderno em sua configuração ou nega-se
peremptoriamente qualquer possibilidade de sua existência. Procuro aqui, ao contrário,
tomá-lo como a articulação social das várias frações aristocráticas visigodas para a
dominação e exploração do campesinato. Nesse sentido, pretendo nesta comunicação
explorar como os concílios visigóticos eram momentos fundamentais dessa articulação,
sendo de enorme importância para a construção de consenso entre os membros da
aristocracia. Algo que se manifesta mais explicitamente desde a conversão de Recaredo ao
credo niceno em 589, no III Concílio de Toledo, até a conquista árabe em 711, especialmente
nas reuniões de caráter peninsular. Assim sendo, desejo aqui explorar as conflituosas
relações havidas no seio da classe aristocrática visigoda que, com base em minha orientação
teórica, estava dividida em frações que consensuavam ou disputavam abertamente entre si
o controle do cargo régio
A verdade na filosofia de Agostinho
Fabiano Ricardo Paz
(Mestrando em Filosofia, UnB)
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Agostinho dedicou grande parte de sua obra ao estudo da verdade. Apesar de ser um Bispo
da Igreja medieval, sua abordagem da verdade fundamenta-se, em grande parte, nas
filosofias de Platão e Plotino. Assim, sua preocupação maior diz respeito ao estatuto
ontológico da verdade, ou seja, ao perguntar-se quid est veritas? (o que é a verdade?),
Agostinho encontrará o ser que é a verdade (id quod est). Portanto, seu estudo da verdade
está vinculado ao estudo do ser, e não à mera verdade de proposições faladas. Nosso
objetivo, então, é mostrar que a verdade em si é um atributo de um ser específico, e que, por
participação nesse ser, existem instâncias de verdade no mundo. Com essa finalidade,
trataremos da teoria da participação em Agostinho, a qual se encontra, principalmente no
De Trinitate (A Trindade); da diferença existente entre veritas e verum, isto é, entre verdade
e verdadeiro; em seguida, da relação existente entre memória, verdade e mente; e por
último, da teoria da iluminação divina, que, segundo Agostinho, é o que nos permite
conhecer.
Servus servorum Dei: as redes clientelares e a construção do poder papal na Itália
medieval (1024-1157)
Felipe Augusto Ribeiro
(Mestre em História, UFMG)
Esta comunicação pretende explorar a história da consolidação do poder papal na Itália
entre os anos de 1024 e 1157. Faz uma leitura dos diplomas papais emitidos dentro deste
recorte temporal, focada especialmente na península itálica. Tais documentos levantam para
o pesquisador um problema: os papas aparecem neles não tanto como sacerdotes, homens
cujo ofício é cuidar da religião, da fé e do sagrado, mas como senhores terrenos encarregados
de exercer a justiça, de gerir e distribuir bens públicos, de organizar territórios, definir
fronteiras e jurisdições, bem como de proteger seus vassalos contra ataques externos,
conferir-lhes privilégios e garantir-lhes os direitos. Destarte, o objetivo do trabalho é fazer
uma análise crítica da atuação dos papas neste campo, entendendo a simbiose entre a
religião e a política, o sagrado e o mundano, o espiritual e o temporal que significa o ofício
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episcopal. O método empregado para o estudo é a analogia: comparar-se-ão os diversos
casos contidos na documentação procurando entender, mediante uma leitura heurística, o
que eles trazem de semelhanças e diferenças entre si. A investigação parte da premissa,
sugerida pelas fontes, de que aos sucessores de Pedro coube evocar e fazer-se o baluarte da
autoridade romana numa Itália repleta de grupos insatisfeitos com a política imperial
germânica: a recusa em oferecer a fidelidade vassálica aos alemães fez alguns italianos
procurarem nos papas um novo protetor, um novo dominus (malgrado a sua
autorrepresentação como servus servorum), um novo soberano. Nas novas alianças que se
estabeleceram ambos os lados tinham garantidos os seus interesses: os vassalos contavam
com a proteção papal para os seus bens e privilégios e os papas contavam com fiéis dispostos
a conceder-lhes parte de suas rendas e a prestar-lhes serviços como a albergagem e defesa
militar. Como resultado, a comunicação espera propor a compreensão dos pontífices não
apenas como sacerdotes, mas também como governantes que agiram em meio ao vácuo de
poder deixado na Itália após a migração da coroa imperial para as casas teutônicas para
construir uma rede clientelar que lhes desse a fidelidade das cidades e de estabelecimentos
monásticos por toda a península.
Lord justice in the views of don Juan Manuel. Noble identity and resistance to the royal
authority (XIVth c.)
Federico Javier Asiss Gonzalez
(Doutorando em História, CONICET, Universidad Nacional de San Juan,
Universidad Nacional de Mar del Plata)
Martha Luciana Chiappero
(Graduada em Língua e Cultura Inglesas, Universidad Nacional de San Juan)
The writings of don Juan Manuel, taken as literary monuments of Spanish language for a
long time, not only boil down political, social and religious theories of previous centuries,
and in some cases their later expression. In that trifunctional social order that the author
outlines, a contradictory and complex representation of nobility emerges through several
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identity traits. From among them, in the current paper framed within the New Cultural
History and the New Political History, we approach Lord justice as a facet originally
interpreted by don Juan. In the frame of his dynastic and political disputes with the Castilian
monarchy, several means to fundament a noble class, free of interference of the monarchy
will be used, but perhaps there will not exist a more offensive one than to question the role
of the king as a source, chosen by God, as the jurisdiction of His kingdom. His collegiate
vision, in which the practice of Sovereign justice is not a royal prerogative, not only implied
a questioning of the rex iudex figure, but also the exercise of royal power in all spheres of
public life under this concept. Thus, through comparison with treaties and full legislations,
late medieval as well as local, vg. Fuero Juzgo or the Partidas, and European vg.
Policraticus, or the works of John Fortescue, we will look into sizing the theoretical
implications of the idea of the king as a place where “justice lies” (II, I, V) in the political
level, as it was declared by the Partidas.
Píramo e Tisbe: narrativa de um amor trágico nos cofres de amor do tardo-medievo
Flavia Galli Tatsch
(Doutora em História, UNIFESP)
Píramo e Tisbe – ele, o mais belo, ela, a mais linda das moças do Oriente, como os descreve
Ovídio (43 a.C – 17/18 d.C.) em Metamorfoses – viveram um amor impossível e com final
trágico. A partir da segunda metade do século XII, esse mito passou a integrar a imagética
do amor cortês: despido de seu aspecto clássico, o sentimento puro e eterno dos jovens foi
inserido em um ambiente medieval. Nos séculos XIV e XV, a história de Píramo e Tisbe foi
entalhada em cofres de amor. Os exemplares que chegaram até nós, elaborados em regiões
distintas da Europa, testemunham o gosto de uma ampla elite social por esses bens de luxo,
determinado em grande parte pela concentração das elites com potencial de compra nos
centros urbanos. Nesta comunicação, apresentarei cofres elaborados em Paris e em Veneza,
procurando destacar suas diferentes formas narrativas.
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Modelos de conduta nas paixões visigóticas
Flora Gusmão Martins
(Mestranda em História Comparada, UFRJ)
Em nossa pesquisa de mestrado analisamos comparativamente nove paixões escritas no
reino visigodo, entre o final do século VI e a primeira década do século VIII. Consideramos
que estes relatos hagiográficos foram produzidos em um período em que a instituição
eclesiástica passava por um intenso processo de fortalecimento e unificação no reino. A
redação e divulgação destas paixões eram, portanto, ao que tudo indica, parte das
estratégias episcopais que buscavam fortalecer o poder da instituição, como as normativas
conciliares, a difusão do culto aos santos e a unificação da liturgia.
Nesta comunicação temos como objetivo apresentar uma análise comparada destas
hagiografias, a partir da observação das virtudes exaltadas nos relatos. Tais virtudes se
associam à divulgação de determinados modelos de conduta prezados pela hierarquia
eclesiástica que buscava atingir uma comunidade diversificada de cristãos.
A “morte domada” e a “morte de si” em Gil Vicente e seus aspectos residuais na obra de
Ariano Suassuna
Francisco Wellington Rodrigues Lima
(Doutorando em Letras/ Literatura, UFC)
A morte, de acordo com o pensamento cristão medieval, por exemplo, tornou-se símbolo de
passagem, de travessia, de viagem ao reino de Deus, ou do Diabo. Ela era esperada e nunca,
repentina. Tornou-se ainda símbolo de medo e de angústia diante do desconhecido; algo
inevitável que levaria a todos ao fim comum: a finitude do ser. A morte seria ainda o
caminho para o Céu, para o Inferno ou para o Purgatório; o caminho que levaria alma
humana ao encontro dos anjos, dos santos, de Deus, de Cristo, da Virgem Maria; do Diabo,
dos demônios e dos pecados mundanais. De certa forma, esse modo de pensar a morte
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atravessou épocas e transformações culturais. Tornou-se, por exemplo, presente na
atualidade brasileira, de modo, claro, compatível com mentalidade cristã cá constituída,
híbrida por natureza. Sendo assim, o referido trabalho visa dissertar sobre sobre a morte e
o ato de morrer no teatro medieval português vicentino e no contemporâneo de Ariano
Suassuna. Para tal, abordaremos dois aspectos importantes presentes nos textos teatrais dos
respectivos autores: a “morte domada” e a “morte de si”. A “morte domada”, segundo os
estudos de Philippe Ariés, no livro O Homem Diante da Morte (1989), é o momento em que
as personagens, diante da morte, esperam a sua chegada. Este é o momento de refletir sobre
a vida e a passagem para o Além-túmulo; o momento de perdoar; de pedir proteção a Deus
e morrer em paz consigo e com o mundo. A “morte de si”, ainda conforme a obra de Ariés
(1989), é um fenômeno que nos remete a quatro dimensões importantes: 1. a da negação de
Deus e da Igreja; 2. a da vida; 3. a do temor do Juízo Final; 4. a da sentença. Para
compreendermos como foi possível que traços da cultura medieval – “morte domada” e
“morte de si” -, subsistissem por tanto tempo e aparecessem vivos na obra de Ariano
Suassuna, utilizamos os conceitos de resíduo, hibridismo, cristalização e mentalidade
trabalhados pela Teoria da Residualidade Cultural e Literária sistematizada por Roberto Pontes.
Os conceitos teóricos são trazidos de outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a
história e a antropologia. A partir dessa sistematização, o autor demonstra que os resíduos
da cultura de um período temporal podem ser percebidos noutro tempo e numa sociedade
diferente, sendo, portanto, o mesmo fenômeno observável na literatura, desde que esta é
um produto da endoculturação.
Anjos planetários e o mundo sublunar: Trithemius, astrologia e política nos séculos XV
e XVI
Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior
(Doutor em História e Culturas Políticas, UFSM)
A presente comunicação se debruçará sobre as relações entre esoterismo e política na
transição do século XV para o século XVI, na Alemanha de Maximiliano I (1459-1519),
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imperador do Sacro Império-Romano Germânico. Dando continuidade a uma reflexão
iniciada em nossa dissertação de mestrado e aprofundada em nossa tese de doutoramento,
iremos novamente nos voltar às obras do abade alemão Johannes Trithemius, mais
especificamente sua De septem secunda Deis id est intelligentiis sive spiritibus orbes post deum
moventibus, obra resultante dos seus derradeiros anos de vida. Ao analisar tal fonte,
investigaremos a relação que o abade fez ao fim da vida entre o reino supralunar e o reino
sublunar, em outras palavras, como ele pensava a relação entre ideias esotéricas e práticas
políticas, após já carregar a pecha de demonomago há alguns anos. Dessa forma,
acreditamos que podemos contribuir para ampliar o olhar sobre o complexo cenário das
relações políticas no período marcado pela passagem do regimen medieval para a Razão de
Estado.
A Idade Média que nos habita: sobre a legitimidade memorial dos estudos medievais
no mundo contemporâneo
Gabriel Castanho
(Doutor em História, UFRJ)
No Brasil e em outros países do mundo as pesquisas nas áreas das humanidades em geral e
das ciências sociais em especial têm sido frontalmente atacadas por interesses ligados à
formação de competências necessárias a uma mão de obra técnica que permita o aumento
da produção industrial ou da “uberização” das profissões. Nesse contexto, a produção e o
ensino de conhecimentos históricos perderam seu capital simbólico face ao avanço de
abordagens personalistas do passado. De fato, se as sociedades ocidentais contemporâneas
atribuem grande valor a narrativas que alimentam seus imaginários sobre tempos passados,
cada vez menos essas mesmas sociedades dão ouvidos ao que dizem os historiadores.
Assim, e no que mais interessa aos associados da ABREM, enquanto filmes, livros, jogos
eletrônicos, romances gráficos etc. de forte caráter “medievalesco” alimentam o bilionário
mercado do entretenimento, os medievalistas não apenas não obtêm a mesma visibilidade
social como, em muitos casos, precisam lutar por sua sobrevivência diante de reformas
educacionais e científicas que pretendem apagar a memória de tal temporalidade.
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Impulsionada por tais questões gerais, esta comunicação versará sobre a legitimidade da
medievalística no mundo contemporâneo por meio do estudo do papel do período medieval
no longo processo de “laicização” da memória no ocidente.
Manifestações conflitantes: a influência da religiosidade franciscana no sistema
eclesiástico, através do conceito de cultura intermediária, na Inglaterra do século XIV
Gabriel Alves Pereira
(Mestrando em História Social, UFRJ)
A presente comunicação tem como objetivo analisar a questão da influência da religiosidade
franciscana na vida de clérigos e leigos na Inglaterra do século XIV. Sabe-se que a vida
desses dois grupos está inserida em um sistema eclesiástico, isto é, como afirma Jérôme
Baschet, esses dois tipos sociais constituem a comunidade de fé centrada na Ecclesia. O clero,
por sua vez, não forma uma comunidade homogênea. De fato, existem muitos conflitos de
interesses e confluências não só entre clérigos, mas também entre esses e a aristocracia leiga.
No século XIV, a alta hierarquia clerical é constituída por abades, bispos, arcebispos e papas.
Entre esses se encontram alguns dos aristocratas mais poderosos da época. Alguns membros
do clero escolhem viver em penitência, isolamento, dedicando-se às letras, ao sagrado, em
suma, ao que concebem como serviço de Deus. Outros conservam maior presença na vida
secular, tendo contato com os leigos; sua missão é o cuidado com as almas através do
ensinamento da palavra divina. Dentro desse contexto heterogêneo, composto por
diferentes formas de pensar e viver o religioso (religiosidades), encontra-se um embate
cultural, entre as chamadas cultura clerical e cultura vulgar. De acordo com Hilário Franco
Júnior, deve-se olhar para a religiosidade medieval como um substrato cultural comum
partilhado por diferentes grupos sociais, manifestado por meio de uma “cultura
intermediária”. A presente comunicação irá examinar, utilizando o conceito de “cultura
intermediária” proposta por Hilário Franco Júnior, as possíveis relações entre a
religiosidade franciscana e elementos culturais comuns a clérigos e leigos na Inglaterra do
século XIV.
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A representação musical nos Infernos dos Trípticos de Hieronymus Bosch: Partituras e
torturas musicais
Grasiela Prado Duarte
(Mestranda em História da Arte, UNIFESP)
O estudo analisa escritos partiturados contidos especificamente nos Infernos dos trípticos
“Jardim das Delícias” e “Juízo Final” (1482) de Hieronymus Bosch, e seus aparentes efeitos
de tortura nos condenados existentes nestes Infernos. A pesquisa parte da região dos Países
Baixos no período Tardo Medievo, do artista e das obras citadas, para mais especificamente
nos situarmos no Inferno criado por Bosch, onde observamos uma peculiar forma de tortura
dos sentenciados, a tortura musical. É possível a leitura destes pequenos excertos musicais
partiturados, conforme a escrita da época, e desta forma é feita a análise das composições e
a possível decifração do por que foram colocadas neste propósito. As fontes de pesquisa
abordadas neste estudo contam também com obras especializadas no meio infernal e na
temática apocalíptica do período proposto.
A iconografia ocidental do imperador bizantino Heráclio (séculos XI-XIII): uma
aproximação
Guilherme Queiroz de Souza
(Doutor em História Medieval, UEG)
Este estudo iconográfico focaliza a representação do imperador Heráclio (c. 575-641) na
Europa ocidental entre os séculos XI-XIII. Em 614, os persas – liderados pelo rei Cósroes II
– invadiram a Palestina, conquistaram a Cidade Santa de Jerusalém e roubaram a relíquia
da Santa Cruz. Em um contra-ataque eficaz, Heráclio derrotou os sassânidas, recuperou a
Terra Santa e conduziu, de forma triunfal, a relíquia de volta para Jerusalém (630). O renome
do basileus na sociedade medieval está diretamente ligado ao restabelecimento da Santa
Cruz, a Restitutio Crucis. No Ocidente medieval, os feitos de Heráclio ganharam contornos
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míticos, com caracterizações que oscilaram entre a soberba e a humildade – do triunfante
imperador ao imitator Christi em busca da Restitutio Crucis. Simultaneamente à análise
iconográfica, estudaremos as características do texto fundacional desta tradição, a Reversio
Sanctae Crucis, que serviu de inspiração para os artistas medievais.
Uma nova história de Francisco? Possibilidades de pesquisas a partir de uma recente
descoberta
Gustavo da Silva Gonçalves
(Mestrando em História, UFRGS)
Não é frequente a descoberta de novos documentos sobre Francisco de Assis. Acreditava-se
que, ao longo do século XX, havia se consolidado a documentação sobre o santo, bem como
a Ordem criada por ele. De tal modo, seria possível a descoberta de uma nova hagiografia
sobre Francisco? Vinculando-se a esta interrogação, em 2014 houve a descoberta do
manuscrito NAL 3245, posto à venda em um site especializado e adquirido pela Biblioteca
Nacional da Franca (BNF). De pequenas dimensões e em precário estado de conservação,
este manuscrito contém a inédita Vita Brevior, redigida por Tomás de Celano, possivelmente
entre 1232 e 1239. Inédita para os pesquisadores brasileiros – e também suscitando
discussões historiográficas sobre seu conteúdo no exterior, esta hagiografia é uma versão
resumida e, portanto, alterada, da Vita Prima, redigida pelo mesmo hagiógrafo. Sendo uma
versão abreviada da primeira hagiografia sobre Francisco, cabe apontar alguns
questionamentos norteadores: Por qual motivo houve a solicitação de uma nova Vita? Quais
foram as condições que possibilitaram a existência – e até mesmo permanência deste
manuscrito, haja visto que Boaventura ordenou a destruição de todas os documentos
concernentes a Francisco em 1264? Por fim, é possível identificar, a partir da análise
comparada das hagiografias sobre Francisco, uma alteração – por parte da Ordem, frente
aos estudos e à posse dos livros, já que esse manuscrito possivelmente fora produzido para
uso interno dos frades? Em caráter provisório, argumenta-se que esta hagiografia possibilita
uma nova interpretação sobre a vida e os feitos de Francisco, ao lado de novas análises sobre
a história do movimento franciscano em relação às diferentes conjunturas históricas
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existentes no século XIII. Não somente isso: a descoberta deste manuscrito permite
compreender de que modo as tramas históricas inferem na produção das hagiografias, cujas
interpretações fomentaram – ao longo do século XX, acaloradas discussões filológicas,
também conhecidas como a “Questão Franciscana”.
A Primavera, O amor e Vênus: a lírica amorosa dos Goliardos no Carmina Burana
(séculos XII- XIII)
Helena Macedo Ribas
(Mestranda em História, UFPR)
O século XII vê nascer na Cristandade Latina uma série de fenômenos transformadores, e
dentre eles podemos citar as escolas laicas e catedralícias que surgem nas cidades, que
também estão se renovando. Atendendo uma demanda crescente por instrução e
institucionalização dos poderes, essas escolas serão responsáveis por formar doutos, isto é,
pessoas letradas com conhecimento em diversas áreas, do direito à medicina, que tentarão
encontrar seu lugar nas cortes, nas próprias escolas, na Cúria e nas cidades. Neste contexto,
vemos florescer uma diversidade cultural muito grande, a exemplo da presença de jograis
e trovadores nas cidades e nas cortes, responsáveis por trazer divertimento para as pessoas
e também prestígio para aqueles que os contratavam. Os Goliardos, personagens que são o
foco de nossas pesquisas, são uma interseção entre essas duas esferas, enquanto poetas
doutos que transmitem através de suas canções tanto a riqueza de sua erudição quanto seus
sentimentos, percepções e comportamentos. A poesia goliárdica ocupa um espaço
importante dentre as formas de poesia difundidas na cristandade latina, fruto de uma vasta
gama de experiências desses homens de letras, que poderiam transitar por diversos espaços
e ocupar diversas posições dentro da dinâmica da cidade e da corte, num contexto que por
si só está em transformação. Ainda que não tenhamos muitas informações biográficas sobre
os goliardos, a própria existência dos códices que contém as canções já revela uma intenção
de preservação e indica sua importância. Outro aspecto importante sobre o qual devemos
refletir é a extensão da penetração dessa cultura clássica nas sociedades do século XII, que
estava presente em vários âmbitos do saber, e que de certa forma foi um dos responsáveis
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por sua renovação. Os goliardos também representam isso em sua poesia, mesclando vários
elementos clássicos e cristãos com a própria experiência de vida e criando uma lírica
bastante original e diferente do que estava sendo feito em outros âmbitos da cristandade.
Nosso objetivo principal é apreender através dessa lírica, especialmente a lírica amorosa, a
forma que os goliardos se relacionavam com o mundo e a forma como eles o enxergavam e
representavam.
O vilão, a vítima e o companheiro: a presença do laicado na narrativa hagiográfica de
Jacopo de Varazze
Henrique de Melo Kort Kamp
(Mestrando em História Social, UFF)
O modelo de escrita hagiográfica desenvolvido durante a Idade Média Central constituiu,
para além de seu caráter de preservação da memória da santidade, um suporte por meio do
qual a Igreja legitimava seu discurso acerca dos preceitos que deveriam reger a vida dos
cristãos. Logo, as hagiografias medievais perpetuavam não só a tradição do culto aos santos,
mas principalmente os exemplos de vida a serem imitados pela comunidade de fiéis.
Tornavam-se, pois, obras de caráter educativo que representavam as relações cotidianas,
como a aproximação entre a aristocracia laica e as ordens mendicantes, naturalizando e
idealizando-as afim de maximizar suas intenções discursivas. Nesse sentido, o dominicano
Jacopo de Varazze construiu, por meio de elementos e artifícios narrativos, uma clivagem
particular entre o sagrado e o profano, estabelecendo modelos de santidade ora
contrapostos, ora associados ao laicado. Entretanto, a historiografia acerca das vidas de
santos e das práticas eclesiásticas e religiosas tem se preocupado em analisar a santidade e
os modelos hagiográficos por meio de interpretações que consideram o divino, o sacro, em
detrimento de sua contraparte, o mundano, o leigo. Desta forma, o objetivo desta
apresentação é pontuar e analisar algumas características centrais e possíveis motivações
para o papel dos leigos na Legenda Áurea, procurando relacionar a sua participação no
processo de legitimação de sua santidade.
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Sucessões régias e conflitos em três crônicas do Sul da Itália ou características literárias
do poder no reino de Nápoles (s. XIII-XIV)
Igor Salomão Teixeira
(Doutor em História, UFRGS)
Esta proposta tem como principal objetivo apresentar as linhas gerais da proposta de Pós-
Doutorado aprovada com recursos CAPES para desenvolvimento na École Française de
Rome (2017-2018). O cerne da investigação é o Reino de Nápoles durante o período
angevino entre os séculos XIII e XIV. O corpus documental privilegiado são crônicas em
vernáculo escritas no período, como a Cronaca di Partenope, escrita por Bartholomeo
Caracciolo-Carafa por volta de 1350. Interessa saber como se deu, em termos narrativos e
literários, a afirmação da dinastia francesa em terras italianas após a batalha de Benevento
e as Vésperas Sicilianas. A Batalha de Benevento marcou a vitória de Carlos de Anjou sobre
os Hohenstaufen (1266) e as Vésperas Sicilianas (1282) a expulsão dos franceses da Ilha da
Sicília e a redução espacial da dominação francesa na parte continental do Sul da Península
Itálica.
O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert
e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen
Lukas Gabriel Grzybowski
(Doutor em História, UEL)
Ao tratarmos da cultura religiosa na Europa setentrional no período alto-medieval
deparamo-nos com uma condição singular no que tange a natureza das fontes textuais
disponíveis ao historiador. Estas são todas constituídas por relatos produzidos por agentes
externos à cultura escandinava, ainda que em contato com esta. Assim, os documentos
centrais para o conhecimento das práticas religiosas levadas a cabo no espaço escandinavo
acabam por constituir um corpus ao menos “problemático” em relação ao objeto que se
propõe a investigar. Tais questões são fundamentais, todavia, pois têm gerado uma gama
de debates em torno da fiabilidade das fontes textuais, sobretudo diante da diversidade de
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informações oferecidas pelas investigações de natureza distinta, como a arqueologia ou a
linguística. Ainda mais interessante nesse contexto parece ser o caráter quase sempre
intermediado das informações registradas pelos autores do continente europeu em relação
aos costumes religiosos do Norte. Desse modo, proponho um estudo comparativo entre
duas narrativas, compostas em épocas distintas e a partir de experiências
fundamentalmente diversas com o espaço escandinavo. De um lado a Vita Anskarii,
composta por Rimbert ao final do século IX, e de outro as Gesta Hammaburgensis, escritas por
Adam de Bremen na segunda metade do XI. Para além do tempo, separam as obras o gênero
textual – a primeira é uma hagiografia, enquanto a segunda trata-se de obra historiográfica
– e a mediação da narrativa, posto que Rimbert foi ele mesmo partícipe dos eventos
narrados, enquanto Adam se baseia principalmente nos relatos de Sven Estridsen. Irei focar
a investigação sobre um aspecto pontual das narrativas: os relatos sobre o paganismo
escandinavo. O eixo da análise será a relação entre percepção e imaginação do elemento
pagão nesses autores, tema que se coloca em relação direta com discussões recentes a
respeito dos textos historiográficos e hagiográficos medievais.
A Historia Albigensis e a percepção de violência no negotium pacis et fidei no início do
século XIII
Magda Rita Ribeiro de Almeida Duarte
(Doutoranda em História, UnB)
A avidez das palavras de Inocêncio III na epístola de 10 de março de 1208 pela qual lançou
a cruzada contra os hereges e seus defensores no Sul da atual França demonstrava um
intenso anseio por encarnar a luta pela unidade da Igreja. A morte do legado pontifício
Pierre de Castelnau, às margens do Ródano, em janeiro daquele ano, havia sido um atentado
contra a paz e a fé, pelo que o antigo arcediago de Maguelone havia sido encarregado de
pregar e lutar e por cuja causa seu sangue fora violentamente derramado. Uma imensurável
violência, cuja culpa recaía sobre o mais poderoso senhor das terras meridionais da Gália,
Raimundo VI de Toulouse, que deveria ser impiedosamente golpeado com a espada do
anátema. As profundas e dolorosas palavras do papa, ao longo desse documento, ecoavam
pelas províncias eclesiásticas da Occitânia e clamavam pelo suporte material dos príncipes
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e cavaleiros cristãos contra uma violência ainda maior que o martírio de Pierre de Castelnau.
Sua morte não poderia ser em vão. O apelo pontifício era pelo zelo por uma fé que agonizava
em meio a vícios e ansiava pelo encorajamento das virtudes. As palavras de Inocêncio III
são evidenciadas fielmente pela crônica de Pierre des Vaux-de-Cernay que considera o
documento pontifício a mais autêntica narrativa da morte do legado. E é justamente por
meio dos relatos desse famoso notário cisterciense da cruzada que este trabalho objetiva
analisar a noção de violência que se tentou construir naquele panorama de guerra e paz.
Algumas vezes, a violência aparece como uma afronta do inimigo à paz que se quer
estabelecer na região. Em outras, os atos violentos dos cruzados são plenamente justificados
por sua luta ter um escopo mais nobre, a paz e a defesa da fé. Outras vezes, ainda, a questão
se remete aos movimentos de Paz e de Trégua de Deus que se iniciaram séculos antes
naquelas terras occitanas. Diante disso, considerando o exercício do poder papal no
Languedoc, à luz da Historia Albigensis e em confronto com a historiografia especializada, a
análise buscará compreender a percepção de violência ora a contrapelo da noção de paz, ora
como elemento justificador da luta e necessário à paz.
Lisboa em Cena: representação da cidade na dramaturgia medieval portuguesa
Márcio Ricardo Coelho Muniz
(Doutor em Letras/Literatura Portuguesa, UFBA)
Dentre os gêneros da literatura dramática medieval, a farsa foi o mais associado à
representação da realidade, como se esta fosse mais palpável por meio do riso. Por sua vez,
a alegoria e, por conseguinte, sua personificação dramática, a personagem alegórica, foram
estratégias retóricas a que os dramaturgos medievais frequentemente recorreram para a
representação das instituições sociais, especialmente quando em perspectiva crítica.
Partindo daquele gênero e desta personagem dramática, discutirei a personificação da
cidade de Lisboa na dramaturgia quinhentista portuguesa, analisando sua configuração e
observando criticamente o diálogo daquela representação com fatos históricos concernentes
aos períodos em que uma crise econômica, política, climática ou de outra ordem tenha
afetado a joia da coroa, a capital do reino português. Guiar-me-ei pela historiografia
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dedicada à cidade de Lisboa (GHANDEIGNE, 1992; CATARINO, 2007; MATTOSO, 2013 e
2011; HANAWALT, REYERSON, 1994; SILVA, 2010) e pela crítica sobre a dramaturgia
quinhentista portuguesa (CAMÕES, 2007,2009, 2010; BERNARDES, 2006; MUNIZ, 2011)
para ver a Lisboa medieval em cena.
As paixões da alma nos escritos dietéticos medievais (séculos XII – XIV)
Maria Dailza da Conceição Fagundes
(Doutora em História, UEG)
Esta pesquisa tem por objetivo analisar o conceito de paixões da alma nos escritos dietéticos
medievais que, na literatura médica, era o gênero que tinha por finalidade fornecer preceitos
destinados à manutenção da saúde. A sexta coisa não natural, as paixões ou acidentes da
alma, refere-se às inclinações que rompem o equilíbrio da vida psíquica e, portanto, na
medicina medieval, era um campo de domínio médico, pois acreditava-se que as emoções
poderiam modificar ou alterar o corpo e consequentemente prejudicar ou beneficiar a saúde.
Nesta perspectiva, propõe-se o estudo das paixões da alma a partir da análise de quatro
textos dietéticos: o Livro VI da obra Colliget do médico árabe Averróis (1126 – 1198), o
Regimen Sanitatis do físico judeu Maimônides (1135 – 1204), o Liber de Conservanda Sanitatis
do físico português Pedro Hispano (1210-1277) e o Regimen sanitatis ad Regem Aragonum
composto pelo catalão Arnaldo de Vilanova (1240-1311). Assim, pretende-se analisar esses
escritos, a partir de uma dupla perspectiva: compreender como os físicos medievais
concebiam a influência da vida emocional na saúde dos seus pacientes e identificar os
preceitos médicos acerca das quatro principais paixões: alegria, tristeza, temor e ira.
Saberes e sabores: a narrativa da Cocanha como uma permanência medieval na cultura
brasileira
Mariana Amorim Romero
(Doutora em História, Instituto Federal de Goiás, Campus Valparaíso)
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O texto medieval do mito da Cocanha encontra seu lugar em diversas áreas de pesquisa,
como os estudos literários, históricos e culturais. Dentro da perspectiva da história da
alimentação, analisamos o texto francês fazendo um estudo comparativo com a literatura de
cordel, que ressignificou o mito medieval, adaptando a cultura brasileira moderna,
agregando saberes ao fabliau francês (séc. XII). As palavras saber e sabor possuem a mesma
origem, no termo latino sapere. Ao significar “ter gosto”, estas palavras aproximam-se
trazendo o saber também para os hábitos alimentares, o que perpassa a narrativa da
Cocanha. Saber e sabor se interpenetram e o ato de se aventurar em outros sabores é também
a possibilidade de expandir nossos saberes. Desta forma, pretendemos demonstrar neste
trabalho as permanências do mito do país de delícias, que encontraram seu lugar no
nordeste brasileiro, povoando o imaginário popular em um momento de miséria e
dificuldades.
O mito do cavaleiro na longa duração: um estudo de caso sobre Ressignificações do
Imaginário Medieval nos anos 1930
Mauricio da Cunha Albuquerque
(Mestrando em História, UFPel)
Neste trabalho analisamos pranchas da série em arte sequencial Prince Valiant (no Brasil,
Principe Valente), produzida pelo escritor e ilustrador Harold Rudolph Foster em 1937.
Buscamos compreender como o mito do cavaleiro medieval – ou seja, a representação
idealizada desta figura histórico-literária, somada a um complexo arca bolso simbólico que
lhe é próprio –fora apropriado e ressignificado pelo autor em um momento em que a
indústria cultural dos Estados Unidos estava completamente voltada à exaltação de seus
ideais socioculturais, assim como à propaganda anti-eixo. Neste sentido, asseveramos que
ao criar Prince Valiant Foster se inspirara não apenas nos romances e códigos de cavalaria
que vigoraram durante o medievo central e tardio, mas também nos valores morais e
ideológicos básicos dos Estados Unidos. No intuito de tornar Val (herói e protagonista da
narrativa) e suas aventuras mais atrativas para um público que ainda era atormentado pelos
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“fantasmas” da Grande Depressão, em paralelo ao avanço dos fascismos na Europa, o autor
acabara construindo um personagem quimérico, mesclando características de um cavaleiro,
de um soldado patriota e de um self-made man. Em suma, trata-se de um trabalho que busca
compreender como determinadas imagens relacionadas ao passado medieval sobrevivem
em nossas expressões cultural-midiáticas em um processo de longa duração. A
representação imaginária do cavaleiro medieval como paladino da justiça, galante, cortês,
sempre ávido a defender os fracos e oprimidos perante as forças do caos, encontra ecos no
ideário dos séculos XII e XIII, mas sua sobrevivência em nossos meios de comunicação e
entretenimento é um fato a ser analisado em sua complexidade.
De armatura omnium fidelium: a preparação espiritual para a guerra contra os hereges
(séc. XIII-XV)
Michele de Araújo
(Doutoranda em História, UnB)
A doutrina cristã prega uma mensagem de “paz”. A guerra, como consequência da queda
do homem, é sempre um ilícito. A dificuldade dos pensadores cristãos foi justamente a de
conciliar as exigências de paz com a guerra. Partindo desse problema – da construção
discursiva da legitimação da guerra contra os inimigos da fé – analisaremos a ilustração
constante na obra Summa de Virtutibus et Vitiis de Willelmus Peraldus (séc. XIII), o Estado e
Pranto da Igreja de Álvaro Pais (séc. XIV) e o Fortalitium Fidei de Alonso de Espina (séc. XV).
Para estes teólogos não se busca a paz para promover a guerra, mas ao contrário, se vai à
guerra para conquistar a paz. Ao defenderem a guerra, salientam que a força corporal
também é um dom de Deus. Ainda que se guerreie por uma necessidade, ainda assim, a
vontade deve desejar a paz. O fim último da guerra é a paz.
Os milites christi tinham como objetivo estender o reino de Cristo ao mundo dos homens
através da espada. Esta sacralização do serviço militar a Cristo fica evidente no próprio
vocabulário das fontes. Um cavaleiro não é “armado”, mas “ordenado”. O ato de pegar em
armas se torna quase um sacramento (um ato de consagração a Cristo). A missão do bom
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soldado seria a de pacificar os homens, manter e defender o cristianismo e vencer os infiéis.
A guerra deveria estar a serviço da fé cristã. Para tanto, as guerras deveriam ser combatidas
com os mais nobres ideais, pois sempre estariam imbuídas de uma missão divina. Por isto,
os fiéis devem se armar para a guerra espiritual, colocando a armadura que os protegerão
no combate aos inimigos da fé. Somente podem ir à guerra aqueles preparados não só
fisicamente, mas espiritualmente, para lutar. Visto que mesmo uma causa justa pode se
tornar injusta se os ânimos não estiverem conforme as virtudes.
Un texto hagiográfico bizantino atribuido a Efrén el sirio: Vida de Andronico y
Anastasia (Madrid, BNE 4787; BHG Novum auctarium 123j)
Pablo Cavallero
(Doutor em Letras, Universidad de Buenos Aires / CONICET)
La ponencia presenta el texto conservado en la Biblioteca Nacional de España, indicando
sus rasgos paleográficos y lingüísticos y la problemática que genera la transcripción del
texto, dado que parte de él se halla dañada por los accidentes habituales sufridos por los
códices, en particular la parte final, folio que en el s. XVI fue copiado y añadido aunque su
responsable no llegó a descifrar plenamente el contenido. Por otra parte, según parece el
contenido se halla desordenado; debemos confirmar si eso se debe a un trastrueque en el
modelo del copista.
Esta ponencia anuncia la próxima edición crítica de este texto, acompañado de traducción
española, introducción y notas, como aportación al conocimiento de los textos hagiográficos
bizantinos, dado que éste se halla inédito. Se propone que el texto no pertenece a Efrén,
debido a ciertos rasgos de lengua que serían del autor, no del copista, y al hecho de que no
fue incluido en las Opera omnia del escritor sirio.
O ornamental no manuscrito BM Cambrai 528 – século XI
Pamela Wanessa Godoi
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(Doutoranda em História Social, USP)
Os livros litúrgicos foram objetos comuns nas bibliotecas medievais. Seus usos, atrelados
aos rituais de celebração e de estudo, os fizeram necessários em várias igrejas e abadias; a
organização desses códices pode nos dizer muito a respeito da forma como se deu sua
utilização, nesses locais. De difícil catalogação, o livro litúrgico se apresentava a partir de
várias possibilidades: homiliários, lecionários, graduais, missais; sendo que o texto litúrgico
é o que os define. Ainda que se tratasse de livros importantes, não era muito comum, até o
século XI, o uso de iluminuras nesses tipos de códices. O homiliário/lecionário catalogado
como BM Cambrai 528, no entanto, se destaca entre os livros litúrgicos desse período. Nesse
manuscrito de 276 fólios encontramos um grande número de imagens: miniaturas e iniciais
historiadas e ornamentadas com vários elementos vegetais, animais e geométricos, além de
diversas letras coloridas. A organização dos espaços destinados às imagens e ao texto
funcionava de maneira bastante dinâmica, criando um ritmo que agregava ao códice
elementos de diferenciação. A partir do conceito de ornamentalidade apresentado por Jean-
Claude Bonne, procuramos refletir sobre as possibilidades de organização encontradas
nesse livro litúrgico medieval.
Poderes (in) visíveis: as criaturas do mal na Arte de Bien Morir
Patrícia Marques de Souza.
(Mestra em História Social, UFRJ)
No medievo, o Diabo e os demônios eram objetos essencialmente visuais e constantemente
o texto se referia à imagem e a imagem ao texto. Estas duas formas de expressão inspiravam-
se mutuamente e era muito difícil falar do “príncipe deste mundo” e do seu séquito de
seguidores sem apresentar as suas representações pictóricas. Por isso, grande parte dos
livros medievais que tratavam deste tema eram ilustrados, já que a visualização das figuras
e das ações demoníacas causava um grande impacto nos espectadores e chegava ao ponto
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de muitos demônios serem riscados dos manuscritos e dos afrescos em que apareciam, por
exemplo.
Uma das funções desempenhadas pelos demônios na escatologia cristã era a de tentar os
homens e pô-los à prova. O momento de ataque favorito destas criaturas era a hora da
morte, pois a partir do século XIII, passou-se a associar o instante do transitus da alma com
a decisão do destino pessoal. Neste sentido, esta comunicação tem como objetivo analisar o
papel desempenhado pelas figuras demoníacas no processo de construção e propagação da
pedagogia da boa morte no século XV. Além disso, pretende-se explicitar quais foram os
recursos retóricos e visuais utilizados para comover e persuadir o leitor/espectador. A fonte
privilegiada neste trabalho é um livro raro e de grande relevância: trata-se do incunábulo
conhecido como a Arte de Bien Morir, a primeira versão ilustrada da Ars Moriendi realizada
em língua vernácula na Espanha. Esta edição que foi impressa em c. 1480, na cidade de
Saragoça, ficou a cargo da oficina de Pablo Hurus, um importante gravador, impressor e
comerciante de livros do reino de Aragão.
Heresiologia e Repressão: a ideia de “Perseguição Justa” na Summa Adversus Catharos
et Valdenses do dominicano Moneta de Cremona
Patrícia Antunes Serieiro Silva
(Doutoranda do Programa de História Social, USP)
As primeiras sumas anti-heréticas redigidas pelos frades Pregadores surgiram na primeira
metade do século XIII, logo após o comprometimento da Ordem Dominicana com as
funções inquisitoriais, em 1233, por solicitação do papa Gregório IX (1145-1241). De
natureza polêmica, essas obras têm como objetivo mostrar a “falsidade” e os “absurdos” das
crenças heterodoxas, bem como reforçar os dogmas e as ações repressivas da Igreja Católica,
por meio, principalmente, da argumentação escriturística. Nesta comunicação, propomos
analisar alguns argumentos escriturais recorridos pelo frade pregador Moneta de Cremona,
na Summa Adversus Catharos et Valdenses, composta entre 1241 e 1244, para legitimar a
perseguição e a punição dos hereges. Moneta recorre à ideia agostiniana de “perseguição
justa” pautando-se em alguns episódios bíblicos neotestamentários. Pretendemos, ainda,
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com este estudo, pontuar as relações entre a produção heresiológica do dominicano e o
ofício inquisitorial.
“Sobre esta pedra edificarei a minha igreja”: os sermões de ascensão episcopal de Leão
de Roma (440-461)
Paulo Duarte Silva
(Doutor em História Comparada, UFRJ)
Durante a Primeira Idade Média (séculos IV-VI), o Ocidente assistiu ao fortalecimento do
episcopado, cuja atuação pública gradualmente se articulou aos assuntos urbanos e, em
menor medida, rurais. Sabe-se que esta primazia fez com que muitos bispos se
empenhassem em ampliar a pregação. Componente fundamental das atividades pastorais,
a divulgação de sermões e homilias serviu simultaneamente como expressão e meio de
projeção do bispado, se articulando à ampliação de seu público-alvo.
Nas últimas décadas, os pesquisadores tem se voltado ao estudo da historia do episcopado
dando atenção a documentos como as hagiografias e os sermões, de modo a investigar de
que modo os bispos conceberam sua liderança em meio às transformações socio-culturais
em andamento. Deste modo, temas como as eleições episcopais e o próprio debate sobre os
limites e os fundamentos de suas atuações foram ampliados pelo emprego de novas
documentações.
Nesta apresentação, examinamos os cinco sermões de Leão divulgados por ocasião de
comemoração anual de sua elevação à sede romana. Considerando as especifidades
relacionadas à pregação e aos sermões, nos interessa avaliar como a prédica do bispo
referente ao ofício episcopal pode ser contraposta a outros documentos de sua autoria, que
costumam fundamentar o entendimento historiográfico sobre seu bispado.
Os estudos monacais em Reims no século X
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Rafael Bassi
(Doutorando em História Cultural, Unicamp)
Richer de Reims (v. 940-998) foi um monge beneditino que, no final do século X, a pedido
de Gerberto de Aurillac, escreveu um relato histórico, chamado "Historiarum Libri
Quatuor", ou, simplesmente, Histórias. Essa obra tornou-se uma grande fonte de
informações sobre a sociedade no Reino dos Francos e sua estrutura política neste período.
Essa comunicação tenta apontar, a partir da análise dos próprios relatos richerianos, como
estavam estruturados os estudos na formação monacal. Se partimos do pressuposto que
Richer enquadrava-se em um conjunto de ideias-base para a escrita da história, é
fundamental compreender o ambiente educacional para discutir a pertinência e validade
desses direcionamentos obtidos a partir dos livros, disciplinas e estudos diversos desse
ambiente cultural que é Reims no período.
“Mortos mais que especiais”: mártires e guerreiros no contexto medieval português
Renata Cristina de Sousa Nascimento
(Doutorado em História, UFG / PUC-Go)
O rito cristão envolve uma série de elementos que foram sendo construídos ao longo do
estabelecimento e fortalecimento desta religião. Inicialmente no Império Romano, os corpos
dos mártires rememorados por narrativas sublimes, teriam sido responsáveis pela
instituição da santidade dos locais de suas tumbas. Uma nova reconfiguração espacial e
valorativa destes mortos especiais teriam incorporado os cemitérios ao mundo urbano. Com
o fim das perseguições, e a institucionalização do cristianismo enquanto religião oficial o
número de martírios teria diminuído sistematicamente. Por desejarem uma experiência
mística mais intensa, os fiéis passaram a experimentar novas formas de sofrimento, como a
solidão, a autoflagelação e a negação do que consideravam desejos carnais. Com o advento
das cruzadas no século XI, paralelamente ao avanço muçulmano na África do Norte, novos
desafios foram apresentados ao universo religioso. Agora era preciso reelaborar um perfil
de santidade, respaldada pelo exemplo dos primeiros mártires. Uma revivência do morrer
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por Cristo e pela fé, encontraria no palco africano oportunidade de retomar o significado
mais profundo da morte santa. Neste texto pretende-se analisar dois casos específicos que
tiveram singularidade, pois referem- se a construções narrativas que alcançariam relevância
para além de seu significado puramente religioso. Para tanto foram elencadas duas
manifestações célebres de martírio tardio, tendo por contexto as lutas entre muçulmanos e
cristãos: A vida e a morte dos Mártires de Marrocos e o cativeiro do Infante Santo.
Do Oriente ao Ocidente: relações entre Constantinopla e o Mediterrâneo nos registros
de Procópio de Cesareia e Jordanes: séculos V e VI
Renato Viana Boy
(Doutor em História Social, UFFS, campus Chapecó-SC)
Este é um estudo sobre as relações travadas entre o Império Bizantino e regiões do
Mediterrâneo, em especial a Península Itálica, durante a segunda metade do século V e o
governo do imperador bizantino Justiniano, no século VI. Trata-se de um período
historiograficamente conhecido como sendo de guerras dos exércitos imperiais pela
“Reconquista” dos antigos territórios romanos, tanto nas fronteiras com a Pérsia quanto na
Itália e norte da África. Entretanto, propomos para este trabalho uma reavalização desta
ideia. Tendo como documentos principais as obras História das Guerras, de Procópio de
Cesareia e a Getica, de Jordanes, acreditamos ser possível verificar nas relações entre oriente
bizantino e ocidente mediterrânico, além de disputas por espaços de poder político e militar,
nem sempre compreendidas como uma reconquista territorial, também argumentos para a
constituição e legitimação de relações de alianças entre o governo imperial e populações
estrangeiras. Assim, este trabalho pretende, a partir dos escritos desses dois historiadores,
refletir sobre a complexidade das relações, tanto para uma aproximação quanto para
aquelas de natureza conflituosa, travadas entre Bizâncio e populações ditas “bárbaras”
durante os séculos V e VI. O objetivo aqui é buscar uma melhor compreensão sobre os
argumentos apresentados pelos dois historiadores sobre as ações do governo imperial neste
período de disputas e entre a Roma Oriental e o Ocidente mediterrânico.
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A ficcionalidade das “atas do concílio de Éfeso (431)”: um exercício de interpretação a
partir dos registros cirilinos da sessão de 22 de junho
Robson Murilo Grando Della Torre
(Doutor em História, UNIMONTES)
Em 431 d.C., um concílio reunido a mando do imperador Teodósio II (408-450) deliberou a
respeito da disputa teológica entre os arcebispos Cirilo de Alexandria (412-444) e Nestório
de Constantinopla (428-431) relativa à relação entre a humanidade e a divindade de Cristo.
No curso desses debates, houve um cisma entre os partidários de Cirilo e os de João de
Antioquia (429-441), um bispo originalmente aliado de Nestório que acabou assumindo
uma linha de atuação independente de confrontação a Cirilo. Por conta desse cisma e da
importância do imperador para a organização do encontro, os dois partidos eclesiásticos
envolvidos começaram não só a realizar sessões conciliares em separado, mas também a
produzir registros das mesmas concebidos para ser despachados o mais rápido possível ao
palácio de Constantinopla a fim de convencer o soberano a apoiar sua causa e condenar seus
rivais. Dispomos de parte significativa desses registros conciliares, sobretudo daqueles
produzidos pelo partido cirilino, conservados em coleções canônicas medievais usualmente
chamadas de “atas do concílio de Éfeso”, ainda que o esforço de compilação dessa
documentação não remonte a iniciativas levadas a cabo pelos participantes do encontro
efesino. Nessas ditas “atas”, destaca-se a sessão em que o partido cirilino condenou Nestório
pela primeira vez, realizada em 22 de junho de 431. Não pretendo aqui tratar das inúmeras
versões desse texto conservadas nos manuscritos medievais, porém, tomando sua versão
base editada por Eduard Schwartz em suas Acta conciliorum oecumenicorum, almejo mostrar
que o texto que podemos reconstituir não reflete um registro literal da dinâmica do encontro
e das falas de seus participantes, mas sim constitui-se como uma peça de propaganda
cuidadosamente elaborada para surtir o máximo efeito em seu público-alvo inicial, qual seja,
o imperador em Constantinopla. Assim, defendo que tais registros são dotados de forte
ficcionalidade, ou seja, de artifícios ideológicos e literários que, embora não alterem o cerne
dos debates originais, moldam essas informações de modo a dar-lhes uma forma
conveniente aos interesses propagandísticos do grupo eclesiástico que os gestou.
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Conquistar, narrar e reputar: a escrita da história e a dimensão narrativa da ação
Rodrigo Prates de Andrade
(Doutorando em História, UFSC)
Entre os anos de 1268 e 1278, sob os auspícios de Jaime I de Aragão, o Conquistador (1208-
1276), foram elaboradas duas obras historiográficas: a Geste dels comtes de Barcelona i reis
d’Aragó e o Llibre dels Feyts. Procuramos aqui compreender como a ação, a
monumentalização e a comemoração se articularam a partir de uma experiência cavaleiresca
do tempo. Afinal, ao realizar seus feitos, Jaime I desejara construir uma memória sobre si?
A consciência histórica do Conquistador deve ser percebida como um sentido complexo que
condicionara a ação do monarca e estimulara a necessidade de transmiti-la na forma de um
texto. Estas narrativas se confluíram em uma ideologia da imitatio morum parentum pautada
na exemplaridade dos ancestrais – de características laicas esta ideologia da casa de
Barcelona, que se situava codificada em formas textuais ao menos desde o século XII, fizera
da ação condal e régia e da escrita da história um uníssono: a superação dos antepassados.
Entendemos que a elaboração de memórias e a comemoração da ação nobiliárquica e régia
dera continuidade a mesma ao transformá-las em monumentos a perpetuação e exaltação
de seus pretensos protagonistas. A memória sobre a ação e a ação em si não estabeleciam
uma contradição – as obras de um rei só se tornaram dignos porque eram posteriormente
lembradas, alçando tanto o feito quanto a memória sobre ele como reprodutores sociais do
poder e autoridade régias.
“Abraham Ibn Daud (circa 1110-1180) e a primeira (ana)crônica sefardita na Toledo do
século XII”
Rodrigo Bragio Bonaldo
(Doutor em História, UFSC)
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Lançada por Yerushalmi (1992), a tese de que os judeus escrevem a história em momentos
de crise ou perseguição tornou-se um guia para os estudos a respeito do relacionamento dos
hebreus com seu próprio passado. Seu argumento indicava que, entre Flávio Josefo e o
século XVI, o interesse do povo da Torá na escrita sobre o passado teria cessado. Mas o que
fazer com as fontes teimosas? Nesta comunicação, viso apontar e problematizar aspectos da
experiência do tempo presentes no Dorot ‘Olam de Abraham Ibn Daud, sábio toledano do
século XII que viveu sob a “proteção” dos reis-imperadores cristãos. Com uma leitura
compreensiva, busco propor que algumas passagens da obra de Ibn Daud, vistas como
obscuras pelos comentadores, desvelam táticas de sobrevivência social que articulam usos
do passado em benefício da comunidade judaica de seu período.
O anjo-guia no itinerário da viagem imaginária ao Além medieval na obra Visão de
Túndalo
Solange Pereira Oliveira
(Doutoranda em História Medieval, UFF)
Esta comunicação propõe-se a analisar as funções do anjo na narrativa de viagem imaginária
ao Além na versão portuguesa do manuscrito Visão de Túndalo (códice 244). Nessa obra o
anjo assume o papel de guia do cavaleiro pecador, Túndalo, a um itinerário penitencial no
mundo dos mortos, dividido nos seguintes lugares: Inferno, Purgatório e Paraíso.
Destacam-se as características da figura do anjo como protetor, condutor e mensageiro do
Além de importância fulcral para a transformação espiritual do cavaleiro e para o público
leitor e ouvinte da narrativa. Desta maneira, o anjo no Além é uma figura essencial para o
processo de conversão cristã, na medida em que é um agente partícipe da pastoral da
conversão cristã através do desvelamento dos mistérios do mundo do pós-morte.
Un avatar argentino de la leyenda del corazón comido
Susana G. Artal
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(Doutora em Letras, Universidad de Buenos Aires)
Desde la sugestiva alusión a un lai de Guirun, en el Tristan de Thomas (ms. Sneyd 1, ca.
1173), hasta la recientemente estrenada ópera Written on Skin, con música de George
Benjamin y libreto de Martin Crimp (2012), la leyenda del corazón comido no ha dejado de
demostrar su capacidad para burlar fronteras geográficas, temporales, idiomáticas y
genéricas, dando origen a las más diversas apropiaciones y reescrituras. Este tema, que en
el Medioevo europeo se manifiesta entre los siglos XII y XIV en las literaturas provenzal,
francesa, alemana e italiana, prácticamente no ha dejado de transformarse y resignificarse
en distintos contextos sociohistóricos. Más allá del campo literario, sus ecos son reconocibles
no solo en las obras de compositores como Michele Carafa, Donizetti, Mercadante y Camille
Saint-Saëns, sino incluso en más de un film contemporáneo. El objetivo de este trabajo es
examinar el particular tratamiento de esta fértil matriz narrativa en la novela El unicornio
(1965) de Manuel Mujica Lainez.
Conflitos identitários e Intolerância religiosa: a perspectiva maimonidiana sobre as
conversões forçadas
Tatiane Santos de Souza
(Mestranda em História, UFRRJ)
Questionando a tolerância na Idade média hispânica, a partir do novo governo que se
instaurou na Península Ibérica - o governo Almôada, no qual as relações entre os
muçulmanos e dhimmis se agravaram ao ponto de ter-se estabelecido a escolha entre a
conversão forçada ou o martírio - que nos propusemos a analisar o epistolário
maimonidiano (1165 - 1172). Documentação, esta, que nos proporcionou perceber a
inauguração de novas formas de relacionar-se com a "fé judaica" durante e depois dos
processos de conversões forçadas. Afinal, mais do que um grupo religioso, a designação
"judeu" representa uma identidade social, um modo pelo qual indivíduos atribuem sentido
ao mundo em que vivem. Desse modo, ao serem coagidos a adotarem uma nova religião -
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o Islã - instaurava-se um conflito identitário e social na forma de concepção de existência
dos mesmos.
Lógica Feudal e as Inquirições de 1258 em Portugal
Thiago Pereira da Silva Magela
(Doutorando em História, UFF)
A sociedade Feudal é, sem sombras de dúvidas, uma das que mais desperta a atenção de
estudiosos e curiosos em geral (graças aos jogos de RPG, vídeo games e etc!). No nível
acadêmico podemos observar uma frequente, mas, nociva idealização do poder régio. Os
estudos, em geral, parecem perenemente atribuir à ideologia régia medieval, um poder
transcendental de explicação de si mesmo e de suas ações.
Um dos maiores exemplos dessas posturas idealizantes por parte dos medievalistas são
algumas análises das Inquirições régias de 1258 (realizadas no norte de Portugal por ordem
de Afonso III). Os medievalistas portugueses consideram que a ação de inquirir por ordem
do rei é uma iniciativa de controlar e recuperar seus patrimônios “perdidos” por usurpação
dos senhores locais. Assim, muitos autores enxergam nessa prática o indício de uma
racionalização do patrimônio público (régio), e um processo vivo de centralização do poder
num pólo único.
Nesta apresentação desejamos demonstrar que as lógicas sociais que perpassavam as
Inquirições de 1258 estavam longe de assegurar uma racionalização do patrimônio régio.
Desta forma, defenderemos que os objetivos da realeza portuguesa com os inquéritos
pautavam-se na necessidade de estabelecer e reafirmar pactos feudais. Pactos estes abalados
por uma conjuntura de conflitos sociais iniciados nos anos finais do reinado de Sancho II
(1223-1248).
Formas de devoção aos mártires nas comunidades cristãs do Ocidente (Roma, século III)
Vanessa de Mendonça Rodrigues dos Santos
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(Mestranda em História Social, UFRJ)
Nossa comunicação tem por objetivo apresentar os resultados preliminares de nossa
pesquisa, que consiste na análise do monumento Memoria Apostolorum, construído
aproximadamente na metade no século III, na atual Catacumba de São Sebastião (Roma),
para receber os corpos dos apóstolos Pedro e Paulo, os quais teriam sido transladados para
o local em virtude das perseguições imperiais. Nosso trabalho consiste na análise do espaço
físico do local bem como das inscrições votivas deixadas por visitantes endereçadas aos
apóstolos, associada à leitura de textos de intelectuais cristãos, cujo nosso destaque é
Tertuliano. Neste esforço, pretendemos delinear as principais questões referentes à devoção
aos mártires nas comunidades pré-constantinianas no Ocidente, tais como: o papel social do
mártir enquanto figura central na construção de identidade das comunidades cristãs
durante o período de perseguição, seu papel religioso enquanto meio de comunicação com
o divino, e as formas de relação da comunidade com seus mártires.
Filii carnis-filii spiritus: Angelo Clareno e as sete tribulações da Ordem franciscana
Veronica Aparecida Silveira Aguiar
(Doutora em História, UNIR)
Esta comunicação tem por objetivo fazer um exercício de análise da Liber Chronicarum, da
“espiritualidade” de Angelo Clareno (1245?-1337) intimamente preocupada com o retorno
as “origens” e discutir o que a historiografia italiana mais recente tem proposto acerca desta
obra. O Liber Chronicarum sive tribulationum Ordinis Minorum é o escrito mais famoso de Frei
Angelo Clareno. Em linhas gerais, o principal objetivo deste manuscrito é apresentar as
tribulações e os relaxamentos da pobreza da Regra que a Ordem franciscana teria sofrido
até aquele momento. O Liber Chronicarum revela ainda uma continuidade histórica ao
apresentar a separação de um grupo de frades, “filii francisci” e “filii Helie” que viviam em
constantes conflitos, Clareno faz um paralelo com a separação dos frades dentro da
ortodoxia e de seus discípulos que sofreram perseguições, prisões e condenações. As
tribulações mais espirituais do que corporais gravitaram em torno de quem seriam os mais
70
“fiéis” discípulos de Francisco de Assis, os frades desviantes das origens e inserem-se no
debate mais amplo da interpretação da pobreza, da humildade e da obediência a Frei
Francisco. Enfim, todo o tema da obra está repleta da antítese “filhos da carne/filhos do
espírito”, fornecendo motivações concretas aos companheiros de Clareno para
permanecerem fiéis a pobreza dos “filhos de Francisco”.
Erudição e atividade intelectual franciscana no século XIII a partir das vitae sobre
Antônio de Lisboa/Pádua: uma proposta de pesquisa
Victor Mariano Camacho
(Doutorando em História Comparada, UFRJ)
O texto a seguir se propõe a lançar luz sobre o campo dos estudos acerca da escrita
hagiográfica franciscana dedicada a narrar a vida e os milagres de Antônio de
Lisboa/Pádua, o primeiro frade menor ordenado presbítero que foi canonizado pela Igreja
Romana, em 1232. Apresento neste trabalho aspectos da proposta de pesquisa em
desenvolvimento no curso de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em História
Comparada, que tem como objeto as representações do clérigo minorita nas hagiografias
sobre o frade lisboeta compostas no século XIII, à luz das transformações ocorridas na
Ordem Franciscana. Neste sentido, ao longo da exposição, serão apresentadas as legendas
sobre o santo redigidas durante o século XIII, bem como um panorama crítico sobre os
principais estudos sobre estes relatos levantados até o momento.
O paradoxo premonstratense após a morte de Norberto de Xanten (1135): Vida
monástica ou vida canônica?
Vinicius Cesar Dreger de Araujo
(Doutor em História Social, UNIMONTES)
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Os movimentos de renovação espiritual embasados na vita apostolica que se expandiram pela
Cristandade Ocidental entre os séculos XI e XII, disseminaram uma pletora de formas
religiosas novas ou renovadas, a partir de um contexto unitário de vivências religiosas
oriundo da reorganização carolíngia (por exemplo, a regra beneditina sendo considerada
como única forma de organização monástica). Entretanto, neste período surgiram ordens
eremíticas, novas ordens monásticas reinterpretando a regra beneditina (como a Ordem
Cisterciense), as novas ordens militares e, finalmente, a reestruturação dos cônegos,
tornados regulares por meio da aderência à regra de Santo Agostinho, movimento do qual
veio a surgir a Ordem dos Cônegos Regulares Premonstratenses ou Ordem Norbertina, a
partir de seu fundador, Norberto de Xanten.
A fundação oficial da ordem se deu com a do então priorado de Prémontré, na diocese de
Laon em 1121. Todavia, Norberto não deixou de lado sua vida como pregador intinerante,
que passou a ligar à fundação de novos estabelecimentos, incluindo Cappenberg, a primeira
casa em terras germânicas. Até sua morte, não mais retornou a Prémontré, embora ainda se
mantivesse como seu prior. Por outro lado, houve um choque considerável entre as fileiras
da ordem quando, em 1126, Norberto deixou a intinerância para aceitar sua eleição como
Arcebispo de Magdeburg, adentrando assim ao mundo que havia renunciado em 1115,
quando de sua conversão: o mundo do Alto Clero e da política imperial germânica. Quando
faleceu em 1134, Norberto não deixou nenhum herdeiro designado ou última vontade em
relação à ordem, que teve um crescimento explosivo durante o século XII, e veio a encontrar-
se, na prática, dividida entre duas lideranças e destinos: Hugo de Fosses, eleito abade de
Prémontré, advogava a vida monástica aos Premonstratenses, com pesada influência
Cisterciense. Evermode, depois bispo de Ratzeburg, liderou o impulso canônico,
incentivando as casas de cônegos regulares em meios urbanos ou nos entroncamentos das
principais vias comerciais. Assim, chegamos ao paradoxo premonstratense: a ordem
fundada por Norberto de Xanten se pôs em uma encruzilhada – ordem monástica ou
canônica? Nos ermos ou nas cidades? Nossa investigação pretende, a partir das fontes
contraditórias, estabelecer um entendimento mais amplo destas questões.
Os ciclos iconográficos do beato Simão de Trento e a difusão do culto ao menino mártir
no final do século XV
72
Vinícius de Freitas Morais
(Mestrando em História, UFF)
A devoção ao menino de dois anos e meio chamado Simão de Trento, suposta vítima de um
crime ritual, foi logo disseminada por diversas cidades da península itálica e da Baviera.
Embora o culto a Simão de Trento houvesse sido proibido inicialmente, por meio de um
edito feito em 10 de outubro de 1475 pelo papa Sisto IV, as imagens e os textos escritos
relacionados ao assassinato do novo menino mártir não pararam de circular tanto ao sul
como ao norte dos Alpes.
Dentre os temas imagéticos relacionados ao beato Simão, o mais conhecido é o que
representa o seu martírio, momento crucial para a justificação da devoção a este pequeno
menino. Contudo, chamarei a atenção para as xilogravuras relacionadas a dois ciclos
iconográficos, referentes ao caso do assassinato de Simão Unferdorben, presentes nos
incunábulos: Die geschicht und legend von dem seyligen kind und marterer genannt Symon e
Geschichte des zu Trient ermordeten Christenkindes respectivamente. Sugerir algumas possíveis
funções desse grupo de imagens e relaciona-las à religiosidade cristã da região ao entorno
dos Alpes no final do século XV, são os principais pontos desta apresentação.
A Cidade de Deus é Heteronormativa? Apontamentos sobre as Proposições Agostinianas
acerca das Sexualidades em De Civitate Dei (Século V)
Wendell dos Reis Veloso
(Doutorando em História, UFRRJ)
Dentre os autores denominados de Pais da Igreja, talvez Aurélio Agostinho (354-430), bispo
da cidade de Hipona, no Norte da África, seja um dos mais estudados. E grandes estudiosos
das sexualidades humanas nas comunidades cristãs medievais, tais como, Peter Brown,
Joyce Salisbury e Thomas Lequeur, o distinguem dos demais autores da patrística pós-
nicena, tais como Ambrósio de Milão e Jerônimo, a partir de suas proposições sobre as
sexualidades, descritas como positivas e até mesmo revolucionárias. Atentando-se para os
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textos de época dos quais essa historiografia se vale, constata-se que as argumentações se
sustentam majoritariamente na monumental e derradeira obra agostiniana, De Civitate Dei
(413-426), embora isso nem sempre seja explicitado de maneira objetiva. Esta caracterização
das sexualidades nos escritos agostinianos estabeleceu o que tenho denonimado de noção
historiográfica de revolução sexual agostiniana. Seguindo no propósito de rever esta
historiografia, fundamental para os estudos das sexualidades no contexto de expansão do
cristianismo, inclusive em sua via institucional, o objetivo desta comunicação é, a partir de
reflexões da Teoria Queer, analisar o discurso agostiniano sobre as sexualidades em A Cidade
de Deus, a fim de caracterizar que sexualidade é esta que fora considerada positiva e
revolucionária, verificando quem dela (não) participa. Como a provocação na pergunta do
título sugere, minha hipótese é que a própria afirmação das proposições do hiponense como
positivas já é fruto da heteronormatividade enraizada e tomada como padrão para a análise
histórica hodiernamente. De igual modo, feitas as devidas ressalvas, a noção de
heteronormatividade também ajuda a pensar as proposições de Agostinho no século V.
Anexos Góticos da Sé de Lisboa, interpretações e relações
Willian Funke
(Mestrando em História, UFPR)
No presente trabalho pretende-se apresentar algumas possibilidades de interpretação dos
anexos Góticos da Sé de Lisboa enquanto indicativos dos processos políticos e sociais que
ocorriam na cidade e em Portugal durante os séculos XIII e XIV. O edifício original do
templo foi erguido depois da conquista de Lisboa aos muçulmanos em 1147, em estilo
românico. Passados pouco mais de um século a situação era bem diferente. O Tejo já não era
fronteira do reino, mas encontrava-se a meio caminho entre o norte e o sul, e o Rei passava
mais tempo em Lisboa. A Catedral da cidade também ganhava importância e foi alvo de
reformas e acréscimos. No reinado de D. Dinis (1261 – 1325, Rei desde 1279) foram
adicionados ao corpo românico da igreja o claustro, por patrocínio régio, e a Capela de São
Bartolomeu, por iniciativa do comerciante lisboeta Bartolomeu Joanes, o que pode indicar o
aumento da relevância dessa parcela da população na vida da cidade e do reino. Já durante
74
o período em que D. Afonso IV (1291 – 1357, Rei desde 1325) esteve à frente do reino foi feita
a reconstrução da cabeceira da igreja. Esses elementos adossados ao templo lhe conferiram
novas configuração e funções, alterando a relação da construção com a cidade. A instituição
encabeçada pelo bispo também não ficou sem conhencer alterações, precisando se relacionar
constantemente com os monarcas, os habitantes de Lisboa e as demais componetes da
estrutura religiosa, por vezes de forma conflituosa. Assim, o edifício da Sé de Lisboa foi
marcado pelos acontecimentos desse período. Não existe, porém, concenso sobre o que essas
obras significariam, podendo ser respostas a necessidades decorrentes de intempéries ou da
passagem do tempo, constituição intencional de lugares de memória ou ainda adequações
para mudanças nas demandas às quais o templo era submetido. Este trabalho pretende
apresentar possibilidades e contribuir com essa discussão, enriquecendo o debate sobre o
período de reinado de D. Dinis e D. Afonso IV.
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Posters
A Cavalaria nos Contos da Cantuária: Análise dos contos do Cavaleiro e do Escudeiro
como possibilidade de entendimento da cavalaria inglesa no século XIV
Alexandre Fernandes Alves (Graduando, UFRGS)
Este trabalho tem como intuito a abordagem da cavalaria na Inglaterra do século
XIV. Visando atingir o objetivo, Os Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer foi o
documento norteador da pesquisa.
Como parte da metodologia elaborada está a análise e comparação da tradução da
obra para o português brasileiro com traduções do inglês médio para a língua inglesa
contemporânea. Os manuscritos que serviram como base para as traduções também serão
mencionados, com suas semelhanças e diferenças.
Também como parte do tópico metodológico encontra-se a discussão das
particularidades dos personagens selecionados, Cavaleiro e Escudeiro. Não apenas como
estes se aproximam do ideal de cavalaria, mas em especial as características que podem os
distanciar do ideal cavalheiresco cristalizado em alguns romances medievais.
Constituindo característica fundamenta deste trabalho, é necessário destacar
algumas análises historiográficas acerca da Cavalaria enquanto ordem dominante no
período medieval. Com o intuito de cumprir este requisito, autores como Alain Demurger,
Jacques Le Goff e Jean Flori serão essenciais para compreendermos o panorama social e
político que permitiu que os cavaleiros pudessem se consolidar (e posteriormente se
reproduzir) como setor dominante da Inglaterra do século XIV.
São Pelágio na Legenda Áurea: Hagiografia ou Crônica?
Augusto Machado Rocha (Graduando, UFRGS)
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O foco de uma crônica é determinado por quem a escreve, sendo que essa pessoa
possui suas próprias opiniões ou é cativada a escolher um foco sobre determinado
acontecimento. A analise da mobilidade do foco neste capítulo da Legenda Áurea possibilita
uma compreensão sobre a maneira e as escolhas de um cronista escrever sua história,
possibilitando a percepção “dos bons e dos maus”. Tendo uma entidade central (a Igreja)
podemos perceber a diferença de percepção dos que estão ao seu redor em determinadas
situações e ações.
O objetivo deste trabalho é o de buscar responder a seguinte questão: “É possível
analisar o capítulo de São Pelagio da Legenda Áurea como uma crônica, mesmo sendo uma
hagiografia?”. O estudo será feito através da comparação na escrita entre o capítulo ___ que
fala sobre Santa Maria Madalena e como o Capítulo de São Pelágio se diferencia deste,
aproximando-se muito mais de uma crônica do que de uma hagiografia propriamente dita.
Utilizando-se da Legenda Áurea realizaremos um estudo comparado a partir do
Capítulo de São Pelágio, buscando a compreensão do por que e do como ele difere dos
demais registros presentes nesta hagiografia. Portanto nosso recorte espacial está centrado
no momento de escrita da obra (século XIII), pensando-se no momento de sua escrita, no
que viria a se tornar a Itália moderna.
As representações dos judeus nas crônicas da cidade de Colônia
na Idade Média tardia
Christian Arend Kremer (Graduando, UFRGS)
A historiografia medieval no Brasil já se utiliza de crônicas há bastante tempo e com
ótimos resultados. Entretanto, as obras analisadas no Brasil são geralmente restritas ao
contexto ibérico e a temáticas político-econômicas. O trabalho desenvolvido inova ao
apropriar-se de fontes de uma região que é pouco explorada na historiografia medieval
brasileira, que é o caso do Sacro Império Romano-Germânico. Neste âmbito, o presente
trabalho inclui-se em um projeto mais amplo que analisa três eixos temáticos – judeus,
mulheres e praticantes da medicina – nas crônicas das cidades alemãs de Colônia e Mainz.
Entretanto, neste trabalho é feita uma observação apenas da ocorrência e da abordagem dos
judeus, grupo que foi adotado como recorte temático, nas crônicas de Colônia. Assim, a
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metodologia empregada recorre à análise narratológica das fontes cronísticas desta cidade
para a obtenção de resultados. O recorte proposto pretende observar as formas como judeus
foram pensados e abordados (inclusive estereótipos), e como isto é retratado nas crônicas.
Sabendo da clara fronteira existente entre a medicina “teórica” e a medicina
“prática” durante o período medieval, verifica-se, a partir da análise temática dos relatos
cronísticos, que os judeus - assim como as mulheres - eram fortemente relacionados à
medicina prática, alijados da formação universitária e do sistema de aprendizado, mas
desempenhando funções importantes – e reconhecidas –, no que diz respeito ao cuidado da
saúde da população. Ademais, a prática da medicina misturava-se com crendices e práticas
mágicas e supersticiosas, o que, juntamente do tabu do sangue (vinculado a sacrifícios de
sangue e uso ritual do mesmo), colaborou para o processo de exclusão e estigmatização
deste grupo. É comum, por exemplo, o enquadramento dos judeus como marginais na
sociedade medieval, sendo estes paulatinamente degradados, empobrecidos e
culpabilizados por problemas como aumento de impostos e doenças. Isso pode ser apontado
como um dos principais fatores desencadeadores de comportamentos irracionais como o
antissemitismo e do desenvolvimento de iconografias como a Judensau (porca judia).
Assim, a partir da apropriação da ocorrência de judeus nas crônicas da cidade de Colônia,
pode-se compreender melhor diversas relações sociais e seus desdobramentos, como a
expulsão dos judeus da cidade em questão, ocorrida em 1424.
Malleus Malleficarium e A Camona de Avintes: uma reflexão sobre as diferentes facetas
do discurso inquisitorial a cerca das práticas de feitiçaria
Daniela da Silva Martins (Graduanda, UFSM)
Francisco de Paula Sousa Mendonça Júnior (Doutor, UFSM)
Este trabalho se propõe a apresentar uma reflexão sobre a construção do discurso
inquisitorial a cerca da feitiçaria a partir da comparação e problematização deste nos
manuais e nos processos inquisitoriais. Para realização de tal tarefa focaremos nossa reflexão
na análise de um processo inquisitorial ibérico do início do século XVIII e num dos mais
conhecidos manuais de Inquisição, o Malleus Malleficarium. Esta obra fora escrita em 1486
por monges dominicanos, mas seria ao longo dos três séculos seguintes que se converteria
em um dos manuais indispensáveis para a Inquisição na perseguição às bruxas. Assim,
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trabalharemos nosso objeto de pesquisa dentro do recorte em que fora produzido o
documento e refletindo sobre os impactos dessa produção nos processos inquisitoriais já no
período de caça às bruxas. O processo inquisitorial utilizado trata do julgamento da
curandeira Maria Gonçalves, também conhecida pela alcunha “A Camona”, que no ano de
1709 fora acusada do crime de superstição e feitiçaria, e teve seu julgamento conduzido pela
Inquisição do Porto. Nossa pesquisa pretende identificar como era o discurso oficial e
perceber de que forma ele era utilizado nos julgamentos, buscando observar como eram
encaradas as práticas de feitiçaria e de que forma sua relação com o pacto demoníaco vai
fazendo com que adquiram significado de bruxaria. Nossa perspectiva teórica e
metodológica está diretamente vinculada à História Cultural, principalmente a partir das
contribuições de Roger Chartier sobre análise de discursos. Também nos pautamos
consideravelmente nas reflexões de Carlo Ginzburg, sobretudo no que diz respeito à
circularidade cultural.
“Mal esteja o Diabo no Inferno”: a figura do Demônio através dos Manuais de
Inquisição e sua relação com as diferentes concepções do Inferno Medieval
Eduardo Leote de Lima (Graduando, UFSM)
Este trabalho apresentará uma reflexão sobre a associação entres as diferentes concepções
de Inferno e as diferentes facetas da figura do Demônio que serão elaboradas ao longo da
Idade Média e que terão influência direta na formulação de manuais de Inquisição dos
Séculos XIV e XV. Deste modo, pretende-se discutir como a população em geral, os
pensadores da Igreja e a própria instituição irão elaborar concepções diferentes sobre o reino
infernal e sobre a figura central desse local, Satanás, como tais concepções se relacionam
entre si e como isso influencia no imaginário sobre tais elementos no final da Idade Média,
de modo que estes adquiram contornos mais nítidos e ares mais ameaçadores. Para isso,
pretende-se pautar inicialmente na análise de dois manuais de Inquisição, o Directorium
Inquisitorum e o Malleus Maleficarum, escritos por volta de 1376 e 1486, respectivamente,
entendidos aqui como expoentes de uma concepção teológica que se alimenta da visão
popular sobre Inferno e Demônio, buscando sistematizar diversos de seus elementos, e que,
ao mesmo tempo, serve de base para a doutrina da Igreja sobre o tema. Assim, será
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trabalhado o objeto da pesquisa dentro do recorte de produção dos documentos, refletindo
como estes são produtos da complexa e intrincada relação entre as diferentes elaborações
de Inferno e Demônio, e como todo o imaginário construído ao redor deste último nos
manuais de Inquisição, é, portanto, em última análise, não exatamente original: é o resultado
de uma intersecção entre diferentes visões, é toda uma carga de elementos do imaginário
popular, recheados de influência de culturas não-cristãs, que são racionalizados em uma
corrente de pensamento teológica que, por sua vez, também não foge da influência de
pensamentos considerados pagãos. Assim sendo, se faz importante a problematização
destas questões sob um ponto de vista que leve em consideração essa totalidade de
elementos que constituem a poderosa e ameaçadora figura do inimigo número um da
cristandade e de sua morada infernal no fim do período medieval.
Vos Exorciso et Conjuro : Práticas necromânticas no meio eclesiástico germânico do
século XV
Jayme Rodrigues Krum (Graduando, UFSM)
Esta pesquisa tem como objetivo fazer uma análise interna de um manual
necromântico encontrado na Baviera, datado do século XV, para assim retirar informações
relevantes acerca dos praticantes de necromancia e sobre a sociedade eclesiástica germânica
do século XV.
O manuscrito original se encontra no Museu Nacional da Baviera ( Bayerisches
Nationalmuseum ) sob o código de Clm 849: Fold 3r-108v, e foi transcrito no livro
“Forbidden Rites: A Necromacer’s Manual of the fifteenth Century ” por Richard
Kieckhefer.
O documento está majoritariamente em latim eclesiástico e para facilitar a utilização
do mesmo, como fonte para o estudo, foi necessária a divisão dos 47 conjuros em 10
categorias - Saúde, Conhecimento, Social, Maldições, Pessoais, Materiais, Invocações,
Magias, Fragmentos e Outros – Estas divisões se fizeram necessárias porque existem
diferenças significativas entre os conjuros de campos diferentes, por exemplo, os diagramas
performáticos, componentes verbais e demônios, mencionados nas conjurações que buscam
ganhos pessoais, podem ser diferentes nos conjuros que buscam amaldiçoar alguém.
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Com os aspectos gerais da pesquisa abordados, podemos adentrar nos motivos que
levam a mesma. Utilizando o manual necromântico (Clm 849: Fold 3r-108v) como fonte e a
necromancia medieval como eixo de discussão, desejamos retirar informações pertinentes
do manuscrito para a produção de conhecimento sobre a sociedade eclesiástica germânica
do século XV e o papel da necromancia neste meio eclesiástico.
Relações de Poder e estruturas políticas na Crônica Anglo-saxônica: uma visão sobre os
séculos VII e VIII
Kauê Junior Neckel (Graduando, UFFS)
O trabalho se dispõe a analisar as relações de poder e estruturas políticas dos reinos
anglo-saxões construídas sob a ótica da Crônica Anglo-Saxônica, nos séculos VII e VIII. A
Crônica Anglo-Saxônica trata de um conjunto de sete manuscritos que começaram a ser
escritos no século IX no reino de Wessex durante o reinado de Alfredo, o Grande, e
estenderam sua escrita até o ano de 1154. Nele, constrói-se uma narrativa em que relata os
acontecimentos da ilha britânica desde o nascimento de Cristo até 1154, o ano que o
documento deixa de ser escrito. Aqui, nos atentamos aos séculos VII e VIII, investigando
espaços de construção e desconstrução do poder político, buscando verificar trocas de
reinados e questões sobre hegemonia política. Neste sentido, questões como análises sobre
trocas de poder envolvendo os reinos anglo-saxões mais mencionados no documento –
Wessex, Mércia, Nortúmbria, Ânglia Oriental, Kent e Essex – estão presentes. Todas estas
questões são vistas a partir do pressuposto de que a Crônica Anglo-Saxônica foi escrita no
reino de Wessex, sendo uma fonte carregada de perspectiva política, temporalidade e
diferentes narrativas quando menciona os outros reinos anglo-saxões. Estas narrativas
influenciam na descrição de outros reinos anglo-saxões, aparecendo como uma
problemática ativa de nossa pesquisa. A leitura sobre um espaço de poder na produção da
Crônica Anglo-Saxônica está constantemente relacionada com nossas questões de pesquisa
voltadas ao estudo do poder político. É necessário entender o espaço do rei dentre sua
nobreza e como ele se relaciona com o poder em seu reino, verificando relações que
envolvem desde o entendimento de determinadas posições reais até o próprio conceito de
81
reino a partir do que se constrói na Crônica Anglo-Saxônica. A política e suas relações
externas são elementos presentes em nossas inspeções, fazendo a necessidade de se
visualizar hegemonias de reinos e expansões de seus territórios para pesquisar estas
relações de poder que os reis anglo-saxões estabelecem entre si, buscando verificar o reflexo
que estas relações políticas externas produzem sobre a manutenção do poder dos reis
internamente. Assim, partimos do pressuposto de que é possível realizarmos um estudo da
Crônica Anglo-Saxônica pelo viés de uma história política que nos permite realizar uma
reflexão sobre as relações de poder e suas formas de organização nos reinos mencionados.
Noli Me Tangere: o vitral de Santa Maria Madalena (1495) da Catedral de Barcelona,
perspectivas artísticas, simbólicas e luminosas
Lorena da Silva Vargas (Graduanda, UFG)
Construído em 1495, o vitral de Santa Maria Madalena, mais conhecido por Noli me
tangere, foi o último a ser produzido para a Catedral de Barcelona, composta por cento e
oito vitrais acrescentados entre os séculos XIX e XV. Nele, apresenta-se a cena da
ressurreição de Jesus, na qual Maria Madalena aparece ajoelhada frente a Cristo
ressuscitado, havendo logo abaixo das personagens a inscrição Noli me tangere e ao fundo
uma paisagem com vegetação frondosa. Especificamente, o que cabe neste estudo é a
percepção da luz e da cor enquanto elementos simbólicos que compõem os vitrais, de uma
forma geral, e o de Santa Maria Madalena, de forma específica, partindo de sua análise
enquanto fonte histórica que revela, através da arte, o imaginário social e suas criações
simbólicas. Artisticamente, esse vitral destaca-se ao integrar aspectos dos estilos gótico e
renascentista, e sua composição revela elementos que caracterizam tal processo transitório,
tanto no emprego das cores, associando-se à mensagem da cena representada, quanto na
perspectiva realista e naturalista/paisagística encontrada. A luz, por sua vez, associa-se à
cor enquanto fragmento luminoso e natural, fazendo do vitral instrumento de aproximação
entre Deus e os homens.
Disputa simbólica e barbárie na representação do saxão em a Destruição Britânica e Sua
Conquista (540-546), do monge Gildas
Luciana Araújo De Souza
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A presente pesquisa, orientada pelo Prof. Paulo Duarte Silva no âmbito do Pem-
UFRJ, tem por objetivo problematizar a caracterização do bárbaro, substantivo adjetivador
daqueles povos que adentraram no ocidente romano durante as migrações germânicas, feita
pelos monge Gildas, em A destruição Britânica e sua Conquista (540-546).
Levando em consideração a região da Britannia como uma das componentes de tal
território romano, busca-se enfocar na chegada dos saxões e seu assentamento como
realidade de contraposição à ordem romano-bretã estabelecida à priori: ou seja, a chegada
dos saxões correspondeu a uma alteração da organização estabelecida anteriormente.
Pretende-se então demonstrar como a representação do saxão como um bárbaro na
citada obra corresponderia a essa reação supracitada sobre a chegada de tais grupos.
Ressalta-se que tal reação, em um plano mais amplo e correspondente a outras obras do
mesmo período a saber, remete a dois modelos que divergem em conteúdo: um deles
constrói a memória de tais grupos de forma valorada e se vê associado a projetos
monárquicos, e o outro corresponde a um rechaçamento de tais grupos.
Ambos os modelos tem a mesma finalidade – a de inserir os grupos “bárbaros” no
universo simbólico pré-estabelecido na região, além de ser indicativo da situação política
estabelecida/em mudança.
Deste modo, nosso principal objetivo é analisar a forma como a representação dos
grupos recém chegados, como os saxões, pautava-se em caracteres associados à definições
de civilização e barbárie, levando em consideração uma narrativa de extrema violência, nos
possibilitando assim estabelecer conexões entre a chegada de tais grupos, a realidade
política da Britannia e a recepção de um representante da Igreja.
A Jornada de Pampinéia em Decameron: peste negra, trauma e o medo de um
castigo de Deus associado à criação de uma utopia de moral religiosa
Rafaella Schmitz dos Santos (Graduanda, UFSC)
A obra de Giovanni Boccaccio, "Decameron", escrita entre 1348 e 1353 é analisada no
presente trabalho enquanto uma literatura que permeia problemas e acontecimentos da vida
cotidiana e simbólico-religiosa da sociedade medieval italiana. A peste negra, um dos
principais medos que assolam a vida da sociedade neste período, faz com que o autor
imagine um cenário de refúgio, o qual temos a intenção de retratar como utópico após o uso
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da metodologia hermenêutica de moral religiosa para a construção do seu retrato. Partindo
da fonte, trataremos como moral o que percebemos enquanto vícios e virtudes. A relação
dos vícios e virtudes como constituintes dessa moral religiosa com a percepção periódica e
também linear do tempo histórico, apresenta, para o presente trabalho, a necessidade da
obra de defender os pecados cristãos em relação ao medo do fim dos tempos. Assim,
podemos nos apoiar num certo pressuposto medieval de explicar a peste negra enquanto
um castigo de Deus. Ainda neste sentido, a partir da análise da peste enquanto uma
experiência traumática, é possível indagar se o trauma enquanto fenômeno social pode
constituir um elemento importante dentro da criação desta utopia. É a partir da jornada de
Pampinéia que pretendemos trabalhar a relação entre um tempo periódico, sendo este ritual
ou litúrgico, associado a um tempo linear, sendo este escatológico. Para a criação da utopia,
estas duas perspectivas temporais se relacionam seja para encontrar um jeito melhor de lidar
com as desgraças mundanas, seja para defender os pecados que teriam levado à decadência
deste espaço medieval. Em contraposição à este espaço abatido e através da criação de um
cenário imagético, a utopia se manifesta em um majestoso castelo, com lindos bosques,
roupas belas, banquetes, danças e histórias de vícios “justificáveis”. Assim, busca-se
demonstrar que as duas formas de percepção temporal trabalham justamente com a acepção
de Reinhart Koselleck de “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”, além do
diálogo com Jörn Rüsen para o entendimento do trauma histórico. Para tanto, a metodologia
epistemológica também se faz essencial.
A expansão mediterrânea aragonesa e as Vésperas Sicilianas: construção narrativa para
um (futuro) império marítimo?
Vinícius Silveira Cerentini (Graduando, PIBIC/CNPq-UFRGS)
A presente pesquisa tem por objetivo analisar duas crônicas catalãs dos séculos XIII
e XIV para entender como a conquista da Sicília a partir da rebelião das Vésperas Sicilianas
pela Coroa Aragonesa é construída pelos narradores. As duas crônicas fazem parte de um
corpo documental mais vasto nomeado de “As quatro grandes crônicas” – Les quatre grans
cròniques, em catalão – que englobam uma mais antiga, de Jaime I de Aragão, e uma mais
moderna, de Afonso III, o Benigno. As duas narrativas analisadas situam-se entre ambas as
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referidas. El llibre del rey En Pere e dels seus antecessors passats, ou crônica de Bernat
Desclot, foi escrita em 1288 pelo escrivão do rei Pedro III, o monarca no trono aragonês à
época das Vésperas Sicilianas. A segunda crônica chamada geralmente de Crònica Calatana,
ou Crônica de Ramon Muntaner, foi escrita no primeiro quarto do século XIV – c. 1328 – e
abarca um período que vai de Jaime I (1207) a Afonso III (1327). Muntaner trabalhou a
serviço do rei e viajou por todo o Mediterrâneo. Seus escritos são fontes importantes para o
entendimento da expansão aragonesa no período. A análise das duas crônicas servirá para,
em trabalho posterior, contrapor a outras crônicas escritas na Península Itálica (analisadas
em trabalho anterior) e que também fazem referências às Vésperas Sicilianas e à conquista
da ilha pelos aragoneses de Pedro III, o Grande. Juntamente com a análise das crônicas para
entendimento da construção narrativa da conquista da Sicília pretende-se analisar os usos
do passado em crônicas posteriores aos eventos a partir da construção narrativa empregada
nas crônicas contemporâneas a eles. Este é o principal objetivo do trabalho aqui
apresentado, que constitui a proposta de TCC e um futuro projeto de dissertação de
mestrado.
A formação da religiosidade etíope entre os séculos V e XVI
Vitor Borges da Cunha (Graduando, UFRGS)
Neste trabalho, pretendo apresentar a formação da religiosidade etíope entre
os séculos V e XVI. Esse recorte cronológico foi escolhido por dois motivos: primeiro, por
conta das modificações que essa religiosidade sofreu com o tempo devido a contatos e
dominações que a região foi alvo ao longo do tempo, a saber: axumitas e sua religiosidade
influenciada por diferentes culturas, em um primeiro momento, e que, a partir do século VI,
passam a ser mais fortemente influenciados pelo cristianismo monofisista; povos de origem
semita, que trazem características judaicas para a religião ; e muçulmanos, que, a partir do
século X até o XIV, exercem um controle político e comercial na região e que, por conta disso,
influenciam a religião local .
O segundo motivo para o recorte cronológico escolhido é devido à fonte que
trabalhamos, Verdade Informaçam das Terras do Preste Ioam, escrita por Francisco Álvares ,
franciscano português que integrou uma embaixada portuguesa ao Império Etíope no início
da década de 1520, a qual culminou com a publicação de sua obra por volta de 1540. A partir
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de sua obra, podemos perceber esses traços da religiosidade etíope que se desenvolveram
ao longo do tempo, uma vez que as características da crença local são um dos pontos
abordados na obra de Francisco.
Traçando um panorama da religião etíope a partir de uma fonte exógena,
poderemos traçar tanto a cultura local quanto questões relacionadas à produção de relatos
de viagens europeus, algo que, como aponta Rafael Afonso Gonçalvez, em sua dissertação
de mestrado , se modificou fortemente no século XIII em diante.
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