XIV CONGRESSO INTERNACIONAL DE CONTABILIDADE E AUDITORIA
A IMPORTÂNCIA DO JULGAMENTO PROFISSIONAL NA PERCEÇÃO DOS
PREPARADORES DA INFORMAÇÃO: O CASO PORTUGUÊS
IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES:
FÁBIO HENRIQUE FERREIRA DE ALBUQUERQUE – DOCENTE NO ISCAL
E-MAIL: [email protected]
MANUELA MARIA MARCELINO – MESTRANDA EM AUDITORIA NO ISCAL
E-MAIL: [email protected]
´
Área temática: Relato Financeiro
Palavras-chave: harmonização contabilística, valores culturais, práticas contabilísticas,
julgamento profissional.
Metodologia: Survey (M7)
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TÍTULO:
A importância do julgamento profissional na perceção dos preparadores da informação:
O caso português
RESUMO
As normas do International Accounting Standard Board são normas do tipo principle-based
standards, que delegam ao julgamento profissional a decisão em matérias contabilísticas a
partir de conceitos especificamente delineados nas referidas normas com implicações no
relato financeiro. Este estudo propõe-se a analisar a existência de diferenças relativamente ao
julgamento profissional no que concerne ao reconhecimento de ativos e passivos, tendo em
conta os conceitos previstos na norma nacional de referência, a Norma Contabilística e de
Relato Financeiro 21, intitulada Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes,
baseada, por sua vez, na International Accounting Standard 37 com a mesma denominação.
Os dados foram recolhidos a partir de um questionário conduzido aos preparadores da
informação financeira (Técnicos Oficiais de Contas portugueses), resultando na obtenção de
uma amostra de 319 profissionais, sendo posteriormente submetidos a técnicas estatísticas de
Wilcoxon Signed Ranks Test e do qui-quadrado. Os resultados deste estudo identificaram
diferenças significativas na perceção dos profissionais em torno do reconhecimento de
passivos e ativos, constatando-se que existe uma tendência mais fortalecida para o
reconhecimento de passivos no balanço, em detrimento do reconhecimento de ativos.
Palavras-chave: harmonização contabilística, valores culturais, práticas contabilísticas,
julgamento profissional.
Área temática: Relato Financeiro
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INTRODUÇÃO
Um dos principais objetivos da harmonização contabilística internacional é a comparabilidade
do relato financeiro, sendo certo que a adoção das Normas Internacionais de Contabilidade
(NIC) emanadas do International Accounting Standard Board (IASB), organismo que está à
frente do movimento de harmonização, tem em vista a prossecução desse mesmo objetivo. O
Regulamento nº 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Julho, que veio
obrigar as entidades portuguesas com valores mobiliários admitidos à negociação em mercado
regulamentado a partir de 1 de Janeiro de 2005 a utilizarem as normas internacionais1
endossadas pela União Europeia na preparação e elaboração das suas demonstrações
financeiras consolidadas, bem como a introdução do Sistema de Normalização Contabilística
(SNC) e da Normalização Contabilística para as Microentidades (NCM), adotadas ao abrigo
do Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho, e da Lei nº 35/2010, de 2 de Setembro, em
ambos os casos em linha com o normativo internacional anteriormente referido, veio incluir
Portugal de vez no âmbito da harmonização contabilística internacional.
De acordo com Albuquerque e Almeida (2009), a harmonização favorece a comparabilidade
do relato financeiro, sendo esta uma das suas principais vantagens, uma vez que promove uma
significativa compatibilidade entre as práticas contabilísticas internacionais. Perera (1989)
refere que a contabilidade é um produto do meio onde se insere. Pelo que atores de ordem
política, económica, legais e culturais podem constituir-se uma barreira à efetiva
comparabilidade da informação financeira entre os países. Designadamente, a Estrutura
Conceptual do IASB salienta a existência de diferentes padrões internacionais motivados por
uma diversidade de fatores, conforme se depreende na seguinte passagem (IASB, 1989):
[…] há diferenças que provavelmente têm sido causadas por uma variedade de
circunstâncias sociais, económicas e legais e por diferentes países tendo em mente as
necessidades dos diferentes utentes das demonstrações financeiras aquando do
estabelecimento das necessidades nacionais.
Ressalte-se que as normas do IASB são normas do tipo principle-based standards, em
detrimento das normas do tipo rule-based standards, delegando, assim, ao julgamento
profissional, a decisão em matérias contabilísticas a partir de conceitos especificamente
delineados nas referidas normas. A existência de conceitos subjetivos introduzidos na norma
1 O termo Normas Internacionais de Contabilidade referenciadas neste estudo dizem respeito às normas emitidas
pelo IASB (International Accounting Standards Board), organismo internacional emissor de normas
contabilísticas e de relato financeiro, e endossadas pela União Europeia, nomeadamente as IAS (International
Accounting Standards), IFRS (International Financial Reporting Standards), SIC (Standing Interpretations
Committee)) e IFRIC (International Financial Reporting Interpretations Committee).
4
Com carácter de
opção
Contas consolidadas das entidades com valores
mobiliários admitidos à negociação em mercado
regulamentado da UE, sem prejuízo do disposto no
art. 5º do Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho
relativamente às entidades sujeitas à supervisão do
Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de
Portugal.
Entidades que possuam contas consolidadas
sujeitas à CLC, bem como para as entidades cujas
contas individuais integram o perímetro de
consolidação de outras empresas, desde que
igualmente sujeitas à CLC.
Regulamento 1606/2002 /
Decreto-Lei 35/2005 e
Decreto-Lei 158/2009
Com carácter
obrigatório
internacional que trata da problemática das Provisões, Ativos Contingentes e Passivos
Contingentes (International Accounting Standard (IAS) 37), determinando assim o
reconhecimento e mensuração de ativos e passivos dessa natureza a partir de conceitos tais
como “possível”, “provável” e “virtualmente certo”, que podem ser distintamente
interpretados por parte dos profissionais pode colocar em causa a comparabilidade do relato
financeiro.
Este estudo tem por objetivo analisar as diferenças existentes em torno do julgamento
profissional dos preparadores da informação financeira, relativamente ao reconhecimento de
ativos e passivos tendo em conta os conceitos previstos na Norma Contabilística e de Relato
Financeiro (NCRF) 21, norma nacional de referência em matéria de Provisões, Passivos
Contingentes e Ativos Contingentes, por sua vez baseada na IAS 37 do IASB.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo com o IASB (2009) já existem mais de 100 países que obrigam ou permitem o uso
das International Financial Reporting Standards (IFRS) ou que têm as suas normas nacionais
em processo de convergência com as normas do IASB, fortalecendo-se assim a tendência
mundial para a prossecução de políticas que visem o fortalecimento do processo de
harmonização contabilística internacional, na promoção da comparabilidade do relato
financeiro publicado por entidades dos mais diversos países.
Em Portugal, o Regulamento nº 1606/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19
de Julho, deu início ao processo de inclusão de Portugal na vaga da harmonização
internacional, embora as práticas contabilísticas internacionais já se encontrassem inseridas
no anterior normativo, nomeadamente por via das Diretrizes Contabilísticas (DC).
Assim, encontram-se abrangidas pelas normas e interpretações do IASB as seguintes
entidades, conforme ilustrado na figura seguinte, que sintetiza o âmbito de abrangência das
normas e interpretações do IASB no território nacional:
Figura 1: Abrangência das normas e interpretações do IASB em Portugal
Fonte: Albuquerque, Marcelino e Quirós, 2011
5
Nascido em 1973, o IASB, organismo emissor de normas e interpretações contabilísticas
internacionais (IFRS / IAS / SIC (Standing Interpretations Committee) e IFRIC (International
Financial Reporting Interpretations)), tem sido reconhecido mundialmente como um
organismo de elevada competência na emissão de normas e interpretações de relato financeiro
de elevada qualidade reconhecidas.
As normas do IASB são normas do tipo principle-based standards, que delegam ao
julgamento profissional a decisão em matérias contabilísticas a partir de conceitos
especificamente delineados nas referidas normas com implicações no relato financeiro. Uma
das normas onde a necessidade do exercício do julgamento profissional francamente se
verifica é a IAS 37.
A IAS 37 Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes foi emitida em Setembro
de 1998 e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, e conforme indica o seu título, diz
respeito à problemática relacionada com o reconhecimento, mensuração e divulgação.
De acordo com o documento de trabalho emitido pelo International Financial Reporting
Standards Foundation (IFRS Foundation:2010) a pedido do IASB, a IAS 37 apresenta
algumas limitações no que diz respeito ao reconhecimento e mensuração, traduzindo-se na
adoção de práticas contabilísticas divergentes que põem em causa a comparabilidade do relato
financeiro.
Essas diferenças revelam-se, principalmente, nas definições e requisitos de reconhecimento e
mensuração a seguir especificados, tais como (ibid): a existência de requisitos contraditórios e
a orientação presente na IAS 37 resultarem em práticas divergentes; os passivos só serem
reconhecidos se os exfluxos forem prováveis; não existir clareza relativamente ao significado
da “melhor estimativa” de uma única obrigação.
Com o objetivo de eliminar a diversidade de tratamentos contabilísticos previstos nas normas
emitidas, acerca de uma mesma matéria, o IASB e o Financial Accounting Standards Board
(FASB), organismo americano emissor de normas contabilísticas, têm trabalhado em conjunto
desde Setembro de 2002, por forma a garantir a convergência entre os dois conjuntos
normativos de relato financeiro, de maneira a criar um corpo comum de normas de alta
qualidade aplicáveis a uma escala global.
A eliminação de diferenças, a convergência mundial das normas contabilísticas, e o
aperfeiçoamento da mensuração dos passivos foram três das principais razões que estiveram
na base do projeto de substituição da IAS 37 (IASB: 2010).
Em Junho de 2005 e Junho de 2008, foi publicado um Exposure Draft (ED 1) pelo IASB e
pelo FASB relativamente aos requisitos de divulgação em matéria das contingências
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existentes no âmbito da IAS 37 e da SFAS 5. As alterações propostas pelo Exposure Draft
(ED 1) emitido pelo IASB incidiriam sobretudo nas definições e requisitos de
reconhecimento, bem como no esclarecimento de alguns aspetos relativos aos requisitos de
mensuração, clarificando o âmbito da norma, nomeadamente na clarificação do âmbito da
IAS 37 e terminologia; eliminação do termo e do conceito específico de “provisão” e de
“melhor estimativa”; eliminação do termo passivo contingente e ativo contingente; e alteração
da definição de uma obrigação construtiva.
Após a análise dos comentários recebidos, a (nova) norma IFRS continuava pouco clara
relativamente aos requisitos propostos, pelo que o IASB propôs acrescentar orientações
adicionais relativamente à mensuração, emitindo para o efeito um segundo ED (ED 2) em
Janeiro de 2010 como resposta a estas preocupações. O FASB emitiu o mesmo em Julho de
2010. As principais alterações propostas neste ED 2 relativamente ao aperfeiçoamento da
proposta de mensuração da ED 1 dizem respeito a uma melhor orientação relativamente à
quantia a ser mensurada, ao cálculo do valor presente, ao valor esperado, aos exfluxos futuros
relevantes e esperados, e ao risco subjacente à diferença entre os atuais recursos e os
esperados (Deloitte:2010).
De modo a possibilitar às diversas partes interessadas a compreensão da (nova) norma no seu
todo, o IASB emitiu em Fevereiro de 2010 um working draft da versão final da IFRS 37, a ser
emitida em substituição da IAS 37, com as alterações propostas. O processo, cuja conclusão
previa-se para o ano de 2012, encontra-se no entanto “em pausa”, até que o IASB conclua as
deliberações em curso no âmbito dos seus planos de trabalho futuros.
De acordo com a IAS 37 atualmente em vigor, as provisões são passivos de tempestividade ou
quantia incerta (§ 10) e só devem ser reconhecidas quando cumulativamente se verificarem as
seguintes condições (§ 14): (a) ter uma obrigação presente (legal ou construtiva) como
resultado de um acontecimento passado; (b) seja provável que será necessário um exfluxo de
recursos que incorporem benefícios económicos para liquidar a obrigação; e (c) possa ser feita
uma estimativa fiável da quantia da obrigação. Podemos assim constatar que o que distingue
as provisões dos outros passivos é a sua incerteza relativamente ao prazo ou quantia incerta (§
11). Um passivo contingente é uma possível obrigação que está dependente da ocorrência ou
não de um ou mais acontecimentos futuros incertos não totalmente sob controlo da entidade,
ou uma obrigação presente que não é reconhecida, ou porque não é provável que um exfluxo
de recursos que incorporam benefícios económicos seja exigido para liquidar a obrigação, ou
porque a quantia da obrigação não pode ser mensurada com suficiente fiabilidade (§ 10), não
devendo ser reconhecido (§ 27), mas sim, divulgado (§ 28), como exigido pelo § 86, a menos
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que seja remota a possibilidade de um exfluxo de recursos que incorporem benefícios
económicos.
Um ativo contingente é um possível ativo proveniente de acontecimentos passados e cuja
existência somente será confirmada pela ocorrência ou não ocorrência de um ou mais
acontecimentos futuros incertos não totalmente sob o controlo da entidade (§ 10), não
devendo ser reconhecido (§ 31), mas sim, divulgado (§ 34), como exigido pelo § 89, quando
for provável um influxo de benefícios económicos
No contexto da União Europeia (UE), e através do Regulamento (CE) nº 1725/03 da
Comissão, de 21 de Setembro de 2003, algumas NIC foram adotadas, entre as quais a IAS 37,
ao abrigo do Regulamento (CE) nº 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19
de Julho de 2002. Desde a introdução do Regulamento (CE) nº 1725/03 até à introdução do
texto base em vigor das NIC, com a entrada em vigor do Regulamento (CE) nº 1126/2008 da
Comissão, de 3 de Novembro, responsável pela revogação do texto base anterior, as únicas
alterações efetuadas à IAS 37 dizem respeito a alterações terminológicas. O texto base da
NCRF 21 em vigor, enquadrada no contexto do SNC, igualmente denominada “Provisões,
Passivos Contingentes e Ativos Contingentes”, corresponde ao texto base da norma
internacional (IAS 37) incorporada na União Europeia (UE) através do Regulamento (CE) nº
1126/2008.
O fluxograma abaixo apresentado, extraído da NCRF 21 estabelece os elementos que estão na
base da identificação da existência de uma provisão ou de um passivo contingente.
Figura 2: Árvore de Decisão
Fonte: Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21 Provisões, Passivos Contingentes e Ativos
Contingentes
Começo
Obrigação presente
como consequência de um
acontecimento que
cria obrigações
Obrigação possível?
Exfluxo possível?
Estimativa fiável?
Remoto?
ProvisionarDivulgar passivo
contingenteNão fazer nada
Não Não
Não
Não
Não (raro)
Sim
Sim
Sim Sim
Sim
Começo
Obrigação presente
como consequência de um
acontecimento que
cria obrigações
Obrigação possível?
Exfluxo possível?
Estimativa fiável?
Remoto?
ProvisionarDivulgar passivo
contingenteNão fazer nada
Não Não
Não
Não
Não (raro)
Sim
Sim
Sim Sim
Sim
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No entanto, e embora substancialmente semelhantes, a norma nacional não incorporou o texto
base da norma na integralidade, apresentando-se assim menos elucidativa no tratamento de
algumas matérias e obrigando à renumeração dos parágrafos da NCRF 21 (ou não
equivalência com a IAS 37 endossada pela UE).
Tendo em conta que está em curso um processo de harmonização contabilística internacional
em fase avançada é imprescindível compreender o impacto dos fatores ambientais sobre a
prática e os sistemas contabilísticos.
De acordo com Hofstede (1980), as sociedades são influenciadas por diferentes fatores
ambientais e tecnológicos, tendo como consequência o desenvolvimento de diferentes valores
sociais, que afetam os processos institucionais, incluindo as necessidades de informação sobre
tais processos. Esta parece ser a base de apoio para a alegação de que cada cultura poderá
desenvolver um sistema de contabilidade que sirva melhor às necessidades específicas de
cada país, distintas de outros países e seus distintos valores sociais.
Quatro dimensões culturais são identificadas por Hofstede (1980), nesse sentido para tentar
explicar as semelhanças e diferenças culturais entre os países, sugerindo a existência de
relações entre a cultura (com base nas dimensões culturais propostas) e as preferências
individuais e ações dos indivíduos. As referidas dimensões abrangem os seguintes aspetos
(Hofstede, 1980:8-9):
[i]ndividualismo versus colectivismo: diz respeito ao relacionamento entre o indivíduo e o
grupo e os seus valores coletivistas ou de lealdade;
grande versus pequena distância do poder: está relacionada com a desigualdade social, e
inclui a ligação dos indivíduos com as autoridades;
forte versus fraca aversão ao risco: diz respeito às várias formas de lidar com a incerteza;
masculinidade versus feminilidade: relacionado com as implicações sociais oriundas da
diferença de género entre os indivíduos em cada país.
Hofstede (1980:25) define a cultura como: «the collective programming of the mind which
distinguishes the members of one human group from another», sendo que cada grupo humano
partilha as suas normas sociais, constituídas por características comuns, tal como um sistema
de valores que é adotado pela maioria dos constituintes, definindo os referidos valores como:
«a broad tendency to prefer certain states of affair over other’s.» (Ibid.: 1:19), e identificando
a existência de associações entre os mesmos.
Gray (1988), posteriormente, postula que os valores contabilísticos estão relacionados e
derivam dos valores culturais de Hofstede (1980), influenciam o desenvolvimento do sistema
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de relato financeiro dos países e a maneira como os preparadores da informação financeira
dos países interpretam e aplicam essas normas encontram-se dentro do âmbito da estrutura
proposta por ele. Gray (1988) a partir do modelo de Hofstede (1980), defende a existência de
quatro valores contabilísticos, nomeadamente, a uniformidade, o controlo estatutário, o
conservadorismo e o secretismo, que influenciam as práticas contabilísticas dos preparadores
e, consequentemente, os sistemas contabilísticos internacionais. Os valores culturais afetam as
práticas contabilísticas, influenciando estas últimas o desenvolvimento dos sistemas
contabilísticos internacionais (Gray, 1988).
De acordo com Nobes e Parker (2004), os fatores ambientais podem ser usados para explicar
as diferenças nas práticas contabilísticas internacionais, sendo a cultura um dos fatores que
são vistos como influenciador nas práticas contabilísticas internacionais e relato financeiro.
Doupnik e Tsakumis (2004) referem que os valores contabilísticos afetam os sistemas
contabilísticos e, desse modo, os fatores culturais influenciam diretamente o desenvolvimento
da contabilidade e os sistemas de relato financeiro dos países.
Os resultados obtidos por Tsakumis (2007), com base num aperfeiçoamento da estrutura de
Gray (1988), sugerem que a cultura nacional representa um papel na divulgação do
julgamento profissional do contabilista/auditor, o que pode levantar obstáculos à utilidade das
demonstrações financeiras preparadas sobre um conjunto comum de normas contabilísticas
através dos países.
Diversos estudos têm contribuído para a análise da cultura, a partir do modelo de Gray
(1988). No contexto nacional, refira-se designadamente o estudo de Albuquerque e Almeida
(2009) que replicaram o referencial teórico de Hofstede-Gray (1988) aos preparadores da
informação financeira (Técnicos Oficiais de Contas).
Um dos desenvolvimentos do modelo de Gray (1988) diz respeito à análise da influência dos
valores culturais relativamente à interpretação de expressões relacionadas com o termo
“probabilidade” presente em várias normas do IASB, designadamente a IAS 37. Belkaoui
(1978), nesse sentido, através de um estudo com base em questionários distribuídos em
diversos países, analisou as diferenças culturais decorrentes da interpretação de tais
expressões na ótica dos preparadores da informação financeira, tendo por base os valores do
conservadorismo e secretismo, dois dos valores contabilísticos propostos por Gray (1988). Os
autores concluíram que os processos de perceção cognitiva influenciam a compreensão e
interpretação dos conceitos contabilísticos, em virtude de existirem diferentes grupos
linguísticos, dando origem assim a diferentes códigos linguísticos.
10
Doupnik e Riccio (2006) seguiram a mesma abordagem, analisando a perceção do termo
“probabilidade” em várias normas do IASB. Os autores desenvolveram hipóteses de
relacionamento entre os valores do conservadorismo e secretismo, relacionadas com a
atribuição por parte dos preparadores da informação de uma maior (menor) probabilidade
numérica tendo em conta as expressões relacionadas com o termo “probabilidade” no
reconhecimento de itens que aumentam (diminuem) os resultados ou divulgação de itens, por
países mais conservadores ou secretistas em detrimento de países menos conservadores ou
secretistas. Através de questionários distribuídos a contabilistas do Brasil (considerado um
país de elevado conservadorismo e secretismo) e dos Estados Unidos (tido como um país de
reduzido conservadorismo e secretismo), os autores encontraram mais suporte no que
concerne às hipóteses relacionadas com o secretismo, encontrando apenas um razoável
suporte para o conservadorismo relacionado com o incremento de resultados em países mais
conservadores.
Dando seguimento ao estudo desenvolvido por Doupnik e Riccio (2006), Tsakumis (2007),
analisou a influência da cultura na aplicação das regras contabilísticas tendo em conta os
mesmos valores contabilísticos, com o objetivo de identificar na ótica dos preparadores de
diferentes culturas a existência de diferentes perceções a partir de um mesmo conceito
contabilístico. O estudo efetuado partiu especificamente da análise relativamente à
interpretação dos conceitos de ativos e passivos existentes na IAS 37. O estudo consistiu na
análise de 101 respostas obtidas a um questionário distribuído a contabilistas da Grécia (52
respostas) e dos Estados Unidos (49 respostas), utilizando como variáveis independentes, a
cultura e a natureza da contingência (ativo vs passivo) e a identificação das situações
(conservadorismo) e as decisões de divulgação (secretismo) como variáveis dependentes. Os
resultados obtidos não constataram diferenças significativas relativamente à identificação de
situações que envolvessem quer os ativos quer os passivos entre os contabilistas gregos e
americanos, no entanto, os autores constataram que os contabilistas americanos apresentavam
maior conservadorismo, ao passo que os contabilistas gregos estavam menos propensos a
divulgar informação (maior secretismo) em comparação com os contabilistas americanos.
Em Portugal, e em linha com os estudos anteriores, Teixeira e Silva (2009), analisaram a
perceção em torno das expressões verbais existentes nas normas do IASB. Através de um
questionário distribuído aos auditores registados na Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM) portuguesa, do qual foram obtidas 35 respostas de um total de 45
questionários enviados, os autores identificaram a existência de diferenças significativas
relativamente à interpretação verbal dos termos “remoto” e “certeza razoável” em Portugal,
11
comparativamente com os resultados identificados em outros países (nomeadamente suíços,
alemães, britânicos e austríacos), bem como uma falta de consenso relativamente aos termos
“possível”, “provável” e a expressão “virtualmente certo” entre os profissionais em estudo. Os
autores destacam assim que em virtude de o termo “provável” ser comummente utilizado no
contexto das NIC, o mesmo “pode afetar a comparabilidade das demonstrações financeiras a
nível internacional” (Teixeira e Silva, 2009).
METODOLOGIA
Tendo em conta os objetivos inicialmente definidos, a recolha dos dados para este estudo será
feita através de um questionário, instrumento comummente utilizado neste tipo de
investigação (Hofstede, 1980; Belkaoui, 1978; Doupnik e Riccio, 2006; Teixeira e Silva,
2009; Tsakumis, 2007), tendo a definição da amostra-alvo recaído sobre os Técnicos Oficias
de Contas, em virtude de serem um dos principais intervenientes no processo de elaboração
do relato financeiro publicado pelas entidades. Assim, tendo em conta os objetivos específicos
anteriormente definidos, e com base no referencial teórico divulgado na parte precedente, foi
definida a seguinte hipótese:
H1: Verificam-se diferenças significativas relativamente à perceção dos profissionais
(preparadores da informação) em torno do reconhecimento de passivos e ativos.
A hipótese deste estudo tem subjacente a decisão tomada pelo preparador da informação de
acordo com o seu julgamento, relativamente à decisão de reconhecimento ou divulgação de
um passivo ou ativo, que tem impacto nas demonstrações financeiras.
De acordo com o cenário exposto, nomeadamente o envolvimento de uma entidade num
processo judicial, foram criadas duas situações, sendo solicitado aos preparadores da
informação para decidirem se reconheciam ou divulgavam um ativo contingente ou um
passivo contingente tendo em conta as diretrizes da norma facultada. A primeira situação diz
respeito ao reconhecimento ou divulgação de um passivo e a segunda à de um passivo.
Relativamente ao cenário, foram fornecidas informações relativamente aos danos potenciais e
ao estado do processo judicial no fim do período contabilístico. O estado do processo judicial
no fim do período está descrito de uma forma que torna incerto o resultado final do caso,
havendo assim a necessidade de os preparadores da informação aplicarem a NCRF 21 para
fazer os seus julgamentos. Foi utilizado o cenário de um processo judicial em virtude de
representar a contingência mais comum.
A NCRF 21 é uma norma que requer um considerável julgamento profissional, em virtude de
ser necessário que os preparadores da informação avaliem expressões de probabilidade tal
12
como “provável” no caso do reconhecimento de um passivo contingente e “virtualmente
certo” no caso do reconhecimento de um ativo contingente, pelo que a mesma torna-se assim
adequada para testar o conservadorismo e o secretismo. Havendo a necessidade que o
preparador da informação chegue a uma decisão tendo por base o tratamento contabilistico
mais adequado.
Os dados foram obtidos através de um questionário difundido desde Outubro de 2012 no site
da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC), e acedido a partir da seguinte ligação
http://alfa.limequery.com/index.php?sid=29114&newtest=Y&lang=pt e formações de âmbito
nacional promovidas pela mesma instituição em Janeiro de 2013. A opção pela difusão
através da Internet traz como vantagens, além da facilidade de disseminação e recolha dos
dados, a possibilidade de criação de regras no pedido de resposta e a alteração da ordem das
questões de uma maneira aleatória, reduzindo os riscos de enviesamento. Os dados finais
resultaram na obtenção de 319 respostas válidas.
A caraterização geral da amostra, contém as variáveis idade, género, último/atual nível de
formação, área de formação mais relevante, anos de experiência profissional e encontra-se
atualmente a exercer funções inerentes às atividades de Técnico Oficial de Contas (TOC).
Os resultados relativamente à maior concentração de profissionais na amostra, encontram-se
abaixo descritos:
Variáveis Resultados
Idade As idades compreendidas entre os 36 e os 45 anos representam cerca de 37%
dos respondentes, seguindo-se-lhes mais de perto as idades compreendidas
entre os 26 e os 35 anos (com cerca de 32%).
Género Não se verifica grandes divergências nesse contexto, representando os
respondentes do sexo feminino 52% da amostra em análise.
Último/atual nível de
formação
Com mais de 61% encontra-se o grau de bacharelato/licenciatura, seguindo-se
os respondentes com especialização, pós graduação ou mestrado, com cerca
de 25% e, por outro lado, cerca de 12% com formação de nível não superior.
Área de formação mais
relevante
A Contabilidade representa cerca de 50% dos respondentes, ao que se segue o
Direito/Fiscalidade (com cerca de 25%) e a Economia/Gestão (com cerca de
10%).
Anos de experiência
profissional
A maior concentração é observada na escala entre 11 e 20 anos (com cerca de
37% dos casos), seguindo-se a escala entre 6 e 10 anos (com cerca de 20%) e
a escala até 5 anos e entre 21 e 30 anos (com cerca de 14% cada).
Encontra-se atualmente a
exercer funções inerentes às
atividades de TOC
Em mais de 70% os respondentes encontram-se a exercer funções inerentes às
atividades de TOC
Quadro 1: Questões de caraterização – Resultados obtidos
As questões específicas propostas para o questionário foram obtidas em termos de escalas
nominais (utilizando uma escala de atribuição de um grau de importância que vai de
13
“concordo” até “concordo totalmente”), nomeadamente “Não divulgo um passivo contingente
nem reconheço uma provisão”; “Divulgo um passivo contingente no anexo/notas
explicativas”; e “Divulgo e reconheço uma provisão nas demonstrações financeiras”, no caso
do passivo e “Não divulgo um ativo contingente nem reconheço um ativo”; “Divulgo um
ativo contingente no anexo/notas explicativas”; e “Divulgo e reconheço um ativo nas
demonstrações financeiras” relativamente ao ativo.
A análise da hipótese anteriormente proposta terá por base duas questões difundidas através
do questionário, a partir de um determinado pressuposto de partida, sendo utilizadas como
técnicas estatísticas, para além de técnicas de estatística descritiva, as seguintes técnicas
estatísticas bivariadas: os testes não-paramétricos de Wilcoxon Signed Ranks Test e o teste do
qui-quadrado. As referidas questões, bem como o pressuposto de partida, encontram-se
identificados na imagem abaixo, tendo sido utilizado como principal referência o estudo
desenvolvido por Tsakumis (2007). Note-se que, previamente à apresentação das referidas
questões, foram igualmente difundidos definições e critérios de reconhecimento previstos na
NCRF 21 relativamente às provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, permitindo
desse modo que os preparadores da informação tomassem conhecimento e pudessem aplicar
essas diretrizes na tomada de decisão do relato financeiro.
Pressupostos
Assuma que é o diretor do departamento financeiro da entidade LusoBras, S.A., uma entidade de capital aberto de grande
dimensão. O país onde a entidade se encontra inserida raramente processa as entidades e os seus gestores. O regulador da bolsa
de valores requer o uso da norma contabilística e de relato financeiro para provisões, passivos contingentes e ativos contingentes. O
seu papel é determinar como esta norma deve ser aplicada à luz dos factos apresentados nas situações abaixo descritas. Assuma
que a maneira pela qual a norma é aplicada não terá nenhum impacto no lucro tributável da entidade.
A LusoBras é uma entidade conceituada e gerida por profissionais competentes, apresentando um desempenho económico e uma
posição financeira relativamente estáveis ??ao longo dos últimos anos.
2.
2.1 Resposta:
Situação I:
Ao preparar as suas demonstrações financeiras de 2012, a LusoBras, S.A. deparou-se com a seguinte situação:
Em Maio de 2012, a Global, S.A. intentou uma ação judicial contra a LusoBras por, alegadamente, a LusoBras ter utilizado
indevidamente direitos de autor de uma patente industrial desenvolvida pela Global, relacionada com um novo processo de
fabricação de bolas de futebol. A Global reclama, nesse sentido, o pagamento de uma indemnização pela LusoBras.
Em Novembro de 2012, os advogados da LusoBras sugerem a negociação de um acordo financeiro com a Global. Os advogados
da LusoBras estimam que um eventual acordo poderá situar-se entre 5.000.000 e 10.000.000, em quaisquer dos casos uma quantia
material para a LusoBras. Até ao momento da preparação das demonstrações financeiras referentes ao período findo em 31 de
Dezembro de 2012, não havia ocorrido novos contatos entre as partes envolvidas.
Assim, e tendo por base os conceitos previstos na norma contabilística e de relato financeiro aplicável, bem como os
pressupostos acima apresentados, indique o tratamento contabilístico a adotar pela LusoBras em 31 de Dezembro de
2012, utilizando um único número situado exclusivamente numa das escalas abaixo indicadas:
ConcordoConcordo
totalmenteConcordo
Concordo
totalmenteConcordo
Concordo
totalmente
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Não divulgo um passivo contingente Divulgo um passivo contingente Divulgo e reconheço uma provisão
nem reconheço uma provisão no anexo/notas explicativas nas demonstrações financeiras
14
Figura 3: Questionário: Questões específicas
O tratamento estatístico da informação foi realizado com o suporte do software Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17, tendo sido definido um nível de
significância (ou p-value) de 5% para este estudo.
RESULTADOS
Tendo por base o quadro seguinte, é possível identificar a existência de frequências relativas
mais elevadas associadas à existência de um eventual ativo até ao nível “10” da escala
proposta, isto é, até ao ponto em que nenhum ativo é reconhecido no balanço. Constata-se
ainda que 72% dos profissionais divulgavam um ativo contingente no anexo/notas
explicativas, contra uns meros 14% que não divulgavam nem reconheciam um ativo. A seguir
ao referido nível, as frequências relativas mais elevadas identificam-se com as respostas
associadas ao reconhecimento de um eventual passivo, verificando-se que 53% dos
profissionais divulgavam e reconheciam uma provisão nas demonstrações financeiras e 44%
divulgava um passivo contingente no anexo/notas explicativas.
Nível Passivo Ativo Diferença de
Frequências (Passivo-Ativo) Número de
respostas
Frequência
Relativa (%)
Número de
Respostas
Frequência
Relativa (%)
1 1 0,3 6 1,9 -1,6
2 0 0,0 4 1,3 -1,3
3 3 0,9 9 2,8 -1,9
4 3 0,9 8 2,5 -1,6
5 3 0,9 19 6,0 -5,0
6 8 2,5 17 5,3 -2,8
7 8 2,5 15 4,7 -2,2
8 36 11,3 59 18,5 -7,2
9 22 6,9 32 10,0 -3,1
10 65 20,4 104 32,6 -12,2
3.
3.1 Resposta:
Ao preparar as suas demonstrações financeiras de 2012, a LusoBras, S.A. deparou-se com a seguinte situação:
Em Maio de 2012, a LusoBras intentou uma ação judicial contra a Internacional, S.A. por, alegadamente, a Internacional ter
utilizado indevidamente direitos de autor de uma patente industrial desenvolvida pela LusoBras, relacionada com um novo conceito
de relva sintética para campos de futebol. A LusoBras reclama, nesse sentido, o recebimento de uma indemnização da
Internacional.Em Novembro de 2012, os advogados da LusoBras sugerem a negociação de um acordo financeiro com a Internacional. Os
advogados da LusoBras estimam que um eventual acordo poderá situar-se entre 5.000.000 e 10.000.000, em quaisquer dos casos
uma quantia material para a LusoBras. Até ao momento da preparação das demonstrações financeiras relativas ao período findo
em 31 de Dezembro de 2012, não havia ocorrido novos contatos entre as partes envolvidas.
Assim, e tendo por base os conceitos previstos na norma contabilística e de relato financeiro aplicável, bem como os
pressupostos acima apresentados, indique o tratamento contabilístico a adotar pela LusoBras em 31 de Dezembro de
2012, utilizando um único número situado exclusivamente numa das escalas abaixo indicadas:
Situação II:
ConcordoConcordo
totalmenteConcordo
Concordo
totalmenteConcordo
Concordo
totalmente
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Não divulgo um ativo contingente Divulgo um ativo contingente Divulgo e reconheço um ativo
nem reconheço um ativo no anexo/notas explicativas nas demonstrações financeiras
15
Nível Passivo Ativo Diferença de
Frequências (Passivo-Ativo) Número de
respostas
Frequência
Relativa (%)
Número de
Respostas
Frequência
Relativa (%)
11 20 6,3 7 2,2 4,1
12 21 6,6 9 2,8 3,8
13 47 14,7 12 3,8 11,0
14 27 8,5 9 2,8 5,6
15 55 17,2 9 2,8 14,4
319 100,0 319 100,0
Quadro 2: Frequências relativas ao reconhecimento de passivos ou ativos
O quadro seguinte apresenta algumas medidas estatísticas descritivas relacionadas com as
respostas identificadas no contexto do reconhecimento de um eventual passivo (“0”) e de um
eventual ativo (“1”), sendo possível observar valores médios e medianas mais elevadas
relativamente ao passivo, em linha com as constatações anteriores.
Statistic Std. Error
0 Mean 11,17 ,162
95% Confidence Interval for Mean Lower Bound 10,85
Upper Bound 11,49
5% Trimmed Mean 11,32
Median 11,00
Variance 8,412
Std. Deviation 2,900
1 Mean 8,71 ,160
95% Confidence Interval for Mean Lower Bound 8,39
Upper Bound 9,02
5% Trimmed Mean 8,75
Median 9,00
Variance 8,196
Std. Deviation 2,863
Quadro 3: Estatísticas descritivas relativas ao reconhecimento de passivos e ativos
O quadro seguinte baseia-se, por sua vez, na identificação do número de observações obtidas,
quer para o ativo quer para o passivo, que se encontrem abaixo (“0”) ou acima (“1”) da
mediana das respostas para os mesmos agrupamento anteriormente identificados, isto é, “0”
relativamente ao reconhecimento de um eventual passivo e “1” no que diz respeito ao
reconhecimento de eventuais ativos. Assim, e com base no referido quadro, é possível
constatar que em 66 situações os registos que se encontravam abaixo (acima) da mediana em
um determinado agrupamento (e.g. agrupamento “0” associado ao reconhecimento de um
eventual passivo) passaram a estar situados acima (abaixo) da mediana no contexto de outro
agrupamento (e.g. agrupamento “1” associado ao reconhecimento de um eventual ativo).
16
0 1 Total
0 103 66 169
1 66 84 150
Total 169 150 319
Quadro 4: Número de observações abaixo ou acima da mediana
A mesma análise efetuada exclusivamente aos profissionais (TOC) que se encontram
atualmente a exercer a profissão (cerca de 76% dos respondentes, equivalente a 241 respostas
válidas) revelam resultados similares, conforme identificado no quadro abaixo.
0 1 Total
0 77 56 133
1 47 61 108
Total 124 117 241
Quadro 5: Número de observações abaixo ou acima da mediana em relação a profissionais a exercer a
profissão
Analisando-se os resultados obtidos a partir do teste do qui-quadrado a seguir apresentados, é
possível identificar, para o nível de significância adotado neste estudo, a existência de
diferenças significativas relativamente à perceção dos profissionais (preparadores da
informação) em torno do reconhecimento de passivos e ativos.
Value df
Asymp. Sig.
(2-sided)
Exact Sig.
(2-sided)
Exact Sig.
(1-sided)
Pearson Chi-Square 9,161 1 ,002
Continuity Correctionb 8,494 1 ,004
Likelihood Ratio 9,199 1 ,002
Fisher's Exact Test ,003 ,002
Linear-by-Linear Association 9,133 1 ,003
N of Valid Cases 319
Quadro 6: Perceção em torno do reconhecimento de passivos e ativos: Teste do qui-quadrado
No mesmo sentido da análise anterior, tendo presente as respostas dos TOC que exercem
atualmente a profissão, os resultados anteriormente identificados mantém-se válidos dentro do
nível de significância definido para este estudo (5%).
Value df
Asymp. Sig.
(2-sided)
Exact Sig.
(2-sided)
Exact Sig.
(1-sided)
Pearson Chi-Square 4,931 1 ,026
Continuity Correctionb 4,373 1 ,037
Likelihood Ratio 4,946 1 ,026
Fisher's Exact Test ,028 ,018
Linear-by-Linear Association 4,911 1 ,027
N of Valid Cases 241
Quadro 7: Perceção em torno do reconhecimento de passivos e ativos em relação a profissionais a exercer
a profissão: Teste do qui-quadrado
17
Os valores associados aos testes de Wilcoxon Signed Ranks Test (mean rank e sum of ranks)
identificados no quadro seguinte, assim como a análise das medidas estatísticas descritivas
anteriormente apresentadas, indiciam uma tendência mais fortalecida para o reconhecimento
de passivos no balanço, em detrimento do reconhecimento de ativos.
Resp_0 - Resp_1 N Mean Rank Sum of Ranks
Negative Ranks 166 93,30 15488,50
Positive Ranks 14 57,25 801,50
Ties 139
Total 319
Quadro 8: Resultado do teste de Wilcoxon Signed Ranks Test (valor médio)
Tendo em conta exclusivamente as respostas dos TOC que se encontram atualmente a exercer
a profissão, os resultados mantêm a tendência de fortalecimento do reconhecimento de
passivos, conforme o quadro seguinte permite identificar.
Resp_0 - Resp_1 N Mean Rank Sum of Ranks
Negative Ranks 129 73,59 9493,00
Positive Ranks 12 43,17 518,00
Ties 100
Total 241
Quadro 9: Resultado do teste de Wilcoxon Signed Ranks Test (valor médio) em relação a profissionais a
exercer a profissão
Os resultados do teste de Wilcoxon Signed Ranks Test a seguir apresentados evidenciam, uma
vez mais, a existência de diferenças significativas relativamente à perceção dos profissionais
(preparadores da informação) em torno do reconhecimento de passivos e ativos, para um nível
de significância inferior a 5%.
Test Statistics
Z -10,587
Asymp. Sig. (2-tailed) ,000
Quadro 10: Resultados do teste de Wilcoxon Signed Ranks Test
Considerando-se, uma vez mais, exclusivamente as respostas obtidas por parte dos TOC que
se encontram no exercício da profissão, os resultados do teste de Wilcoxon Signed Ranks Test
continuam a identificar a existência de diferenças significativas entre as respostas obtidas no
contexto do eventual reconhecimento de passivos e ativos no balanço das entidades.
Test Statistics
Z -9,320
Asymp. Sig. (2-tailed) ,000
Quadro 11: Resultados do teste de Wilcoxon Signed Ranks Test em relação a profissionais a exercer a
profissão
18
CONCLUSÕES
Perceber os impactos e a incidência dos conceitos relacionados com a prática contabilística,
com base no julgamento profissional, contribui para que os objetivos que estão por trás do
processo de harmonização, designadamente, a efetiva comparabilidade do relato financeiro ao
nível internacional, sejam mais facilmente atingidos.
Os resultados obtidos permitiram obter uma significativa confirmação da hipótese definida
para este estudo, na medida em que foram identificadas diferenças significativas
relativamente à perceção dos profissionais (preparadores da informação) em torno do
reconhecimento de passivos e ativos.
É de ressaltar ainda a maior frequência associada ao reconhecimento de passivos, em
detrimento de ativos, o que indicia a existência de um maior conservadorismo como valor
cultural em Portugal (Gray: 1988), caracteristicamente atribuído aos países do designado
sistema continental ou de países de sistemas legais do tipo code-law, e em linha com as
conclusões obtidas em estudos anteriores (e.g. Albuquerque e Teixeira, 2012). Ressalve-se
ainda que os resultados dos testes estatísticos efetuados, nomeadamente, os testes do qui-
quadrado e do Wilcoxon Signed Ranks Test, mantêm-se válidos mesmo quando são tidas
exclusivamente em consideração as respostas obtidas por parte dos profissionais (TOC) que
se encontram no exercício da profissão, ao nível de significância definido para este estudo
(5%).
A preferência pelo reconhecimento de passivos como forma de antecipação de riscos futuros,
em detrimento de ativos, está em linha com o valor contabilístico do conservadorismo
(Albuquerque e Almeida, 2009), valor contabilístico atribuído por Gray (1988) a Portugal. O
conservadorismo e o secretismo são, de acordo com Tsakumis (2007), dois dos valores
culturais mais relevantes relativamente ao impacto da cultura nacional na comparabilidade das
demonstrações financeiras, encontrando-se relacionados com a mensuração e a divulgação da
informação, respetivamente. O julgamento profissional encontra-se na base dos referidos
valores, o qual, no contexto da elaboração das demonstrações financeiras, pode eventualmente
ocasionar distintas interpretações de conceitos previstos nas normas.
Por fim, é de referir-se que os resultados obtidos neste estudo encontram-se, assim, em linha
com investigações anteriormente efetuadas em Portugal, designadamente, o estudo de
Teixeira e Silva (2009). A relevância desta matéria é destacada pelos autores no sentido em
que diferentes interpretações no domínio da aplicação das normas podem levar a
reconhecimentos e desreconhecimentos de ativos e passivos, bem como à sua divulgação ou
não divulgação (Teixeira e Silva, 2009).
19
Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira limitação a ser mencionada diz respeito
ao reduzido número de questões apresentadas no questionário. As dificuldades inerentes ao
processo de condução de um questionário, de entre as quais a sua extensão – que em casos
expressivos contribui para a redução do número de respostas – levaram a que se mantivesse
neste estudo um número mais reduzido de questões. No mesmo sentido, estudos que cercam a
identificação de valores e o julgamento profissional apresentam, senão uma limitação, um
fator subjetivo próprio e inultrapassável que também deve ser aqui referenciada.
A relativa ausência de estudos empíricos com base nas preferências dos profissionais no
âmbito da informação financeira revelou-se, no contexto nacional, um outro fator de limitação
relativo à comparação dos seus resultados, situação que foi constatada particularmente no que
diz respeito a estudos que cercam a temática do julgamento profissional sob diferentes
perspetivas e, no âmbito específico da Contabilidade, relacionados com as características
qualitativas da informação.
Novos estudos poderiam relacionar mais diretamente a hipótese lançada por esta investigação,
designadamente, na relação entre os valores culturais e a importância atribuída, pelos
profissionais, às características qualitativas da informação ou, ainda, na ligação das
preferências dos profissionais por determinados conceitos que estão na base de tais
preferências. Estudos nos campos da cultura e do julgamento profissional têm ainda analisado
as relações entre variáveis específicas das amostras, tais como o sexo, a formação académica
mais relevante ou os anos de experiência profissional, com os efeitos decorrentes de tais
diferenças à luz do julgamento profissional.
Mesmo numa fase avançada do processo de harmonização, espera-se que este e outros estudos
neste campo de investigação continuem a prestar o suporte necessário à tomada de decisões
por parte dos organismos emissores de normas internacionais, bem como pelos responsáveis
nacionais pela subscrição das referidas normas.
20
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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