CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo...

339
CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS José Jairo Gomes

Transcript of CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo...

Page 1: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

CRIMESE PROCESSO PENAL

ELEITORAIS

José Jairo Gomes

Page 2: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

CRIMESE PROCESSO PENAL

ELEITORAIS

Page 3: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

4a Prova 4a Prova

Para alguns livros é disponibilizado MaterialComplementar e/ou de Apoio no site da editora.

Verifique se há material disponível para este livro em

atlas.com.br

Page 4: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

CRIMESE PROCESSO PENAL

ELEITORAIS

José Jairo Gomes

SÃO PAULOEDITORA ATLAS S.A. – 2015

Page 5: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

© 2014 by Editora Atlas S.A.

Capa: Nilton Masoni Composição: Luciano Bernardino de Assis

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gomes, José JairoCrimes e processo penal eleitorais / José Jairo Gomes,

–– São Paulo : Atlas, 2015.

ISBN 978-85-224-9341-8ISBN 978-85-224-9342-5 (PDF)

1. Crimes e delitos políticos – Brasil 2. Direito eleitoral – Brasil 3. Justiça eleitoral – Brasil 4. Processo penal I. Título

14-09413CDU-342.8(81)

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Crimes eleitorais : Processo penal eleitoral  342.8(81)

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos

direitos de autor (Lei no 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei no 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

Editora Atlas S.A.

Rua Conselheiro Nébias, 1384

Campos Elísios

01203-904 São Paulo (SP)

Tel.: (011) 3357-9144

atlas.com.br

ABDR

Page 6: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

SUMÁRIO

tÍtULO I DIreItO eLeItOraL PenaL MaterIaL 1

1 CrIMe eLeItOraL e a Parte GeraL DO CÓDIGO PenaL 3

1.1 Introdução 3

1.2 Natureza do crime eleitoral 6

1.3 Objeto do crime eleitoral 11

1.4 Classificação dos crimes eleitorais 12

1.5 Conceito de agente público para fins eleitorais 13

1.6 Pena privativa de liberdade: limite mínimo 14

1.7 Substituição de pena privativa de liberdade 15

1.8 Pena restritiva de direito 15

1.9 Causas de aumento e diminuição de pena 16

1.10 Pena de multa 18

1.11 Reincidência e duplicação da pena de multa 21

1.12 Crime eleitoral cometido pela mídia 21

1.13 Institutos despenalizadores: infração penal de menor potencial ofensivo – transação penal e sursis processual 22

1.13.1 Juizados especiais criminais eleitorais 231.13.2 Cômputo de causa de aumento 24

1.14 Efeitos de sentença penal condenatória: suspensão de direitos políticos e inelegibilidade 25

1.14.1 Suspensão de direitos políticos 251.14.2 Inelegibilidade 31

2 CrIMeS eLeItOraIS eM eSPÉCIe 35

2.1 Introdução 35

2.2 Crimes previstos no Código Eleitoral 36

art. 289 Inscrição fraudulenta de eleitor 36

Page 7: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

vi Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

art. 290 Induzimento à inscrição fraudulenta 41

art. 291 efetuar o juiz inscrição fraudulenta de alistando 44

art. 292 negar ou retardar inscrição eleitoral 46

art. 293 Perturbar ou impedir alistamento 47

art. 296 Promover desordem nos trabalhos eleitorais 48

art. 297 Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio 49

art. 298 Prisão ou detenção irregular de eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato 50

art. 299 Corrupção eleitoral 52

art. 300 Coação eleitoral por servidor público 61

art. 301 Coação eleitoral 65

art. 302 Promover a concentração de eleitores 68

art. 303 Majorar preços de utilidades e serviços necessários às eleições 70

art. 304 não fornecimento normal de produtos e serviços 71

art. 305 Intervir em mesa receptora de votos 72

art. 306 não observar a ordem da fila de votação 74

art. 307 Fornecimento de cédula marcada 75

art. 308 Fornecer cédula em oportunidade indevida 75

art. 309 Infringir a igualdade e personalidade do voto 76

art. 310 Prática de irregularidades ensejadoras de anulação da votação 78

art. 311 Votar em seção eleitoral diversa 80

art. 312 Violar o sigilo do voto 81

art. 313 não expedir boletim de urna 83

art. 314 não recolher as cédulas apuradas, fechar e lacrar urna 86

art. 315 Mapismo eleitoral 88

art. 316 não receber nem mencionar em ata protesto ou impugnação 90

art. 317 Violar o sigilo de urna eleitoral 92

art. 318 apurar votos de urna com eleitor impugnado 93

art. 319 Subscrever mais de uma ficha de apoio para registro de partido 95

art. 320 Pluralidade de filiação partidária 96

art. 321 Colher assinaturas do mesmo eleitor para registro de partido 97

art. 323 Divulgar falsos fatos na propaganda eleitoral 98

art. 324 Calúnia eleitoral 104

art. 325 Difamação eleitoral 118

art. 326 Injúria eleitoral 125

art. 331 Inutilizar, alterar ou perturbar meio regular de propaganda 139

art. 332 Impedir o exercício de propaganda 142

art. 334 Uso irregular de organização comercial 144

art. 335 Fazer propaganda em língua estrangeira 150

art. 337 Participar de atividade partidária sem gozar de direitos políticos 152

art. 338 não assegurar prioridade postal 156

Page 8: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Sumário vii

art. 339 Destruir, suprimir ou ocultar urna ou documentos eleitorais 158art. 340 Fabricar, adquirir, fornecer, subtrair ou guardar materiais de uso exclusivo

da Justiça eleitoral 161art. 341 retardar ou não publicar atos da Justiça eleitoral 163art. 342 não apresentar denúncia no prazo legal 165art. 343 Omitir-se o juiz no controle da obrigatoriedade da ação penal 169art. 344 recusar ou abandonar serviço eleitoral 171art. 345 não cumprir deveres no prazo legal 174art. 346 Permitir o uso de serviço e bem público em benefício de partido 177art. 347 Desobediência eleitoral 182art. 348 Falsidade material de documento público 188art. 349 Falsidade material de documento particular 194art. 350 Falsidade ideológica eleitoral 196art. 352 Falso reconhecimento de firma ou letra 203art. 353 Uso de documento falso 206art. 354 Obter falso documento 211

2.3 Crimes previstos na Lei das Eleições – Lei no 9.504/1997 213

art. 33, § 4o Divulgar pesquisa eleitoral fraudulenta 213art. 34, § 2o Dificultar ou impedir o acesso aos dados de pesquisa eleitoral 218art. 34, § 3o Divulgação de irregularidade de dados de pesquisa eleitoral 222art. 39, § 5o Propaganda eleitoral no dia da eleição 224art. 40 Usar sinais ou imagens semelhantes aos da administração Pública 230art. 57-H, §§ 1o e 2o Contratar pessoas para produzir mensagens ofensivas na

Internet 234art. 58, § 7o não observar prazo para julgar direito de resposta 240art. 68, § 2o não entregar cópia de boletim de urna aos partidos 242art. 72 acessar ou desenvolver sistema de dados ou lesar equipamento

eleitorais 244art. 87, § 4o Impedir a fiscalização da apuração por fiscais de partido 248art. 91, parágrafo único – reter título ou comprovante de alistamento eleitoral 250

2.4 Crimes eleitorais na Lei no 6.091/1974 – transporte e alimentação de eleitores em dia de eleição 254

art. 11, I não disponibilizar à Justiça eleitoral veículos e embarcações 255art. 11, II Descumprir, o particular, requisição de veículo ou embarcação 257art. 11, III Fornecer transporte ou alimentação a eleitor no dia do pleito 258art. 11, IV Obstar o serviço de fornecimento de refeições ou transporte a

eleitores 264art. 11, V Usar em campanha eleitoral veículo ou embarcação da administração

Pública 266

2.5 Crimes eleitorais na Lei no 6.996/1982 269

art. 15 Mapismo eleitoral no processamento eletrônico de cédulas 269

2.6 Crimes eleitorais na Lei de Inelegibilidades – LC no 64/1990 270

Page 9: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

viii Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

art. 25 arguir inelegibilidade ou impugnar registro de candidatura com má-fé ou de forma temerária 270

tÍtULO II DIreItO eLeItOraL PrOCeSSUaL PenaL 275

3 PrOCeSSO eLeItOraL PenaL 277

3.1 Introdução 277

3.2 Aplicação subsidiária do Código de Processo Penal 277

3.3 Inquérito policial eleitoral 278

3.4 Medidas cautelares 284

3.5 Ação penal eleitoral 284

3.5.1 natureza 2843.5.2 Princípios 2853.5.3 Condições da ação 286

3.6 Denúncia 288

3.7 Processo jurisdicional penal eleitoral 289

3.8 Pressupostos processuais 291

3.8.1 existência e validade do processo 2913.8.2 Competência 293

3.8.2.1 Regras de distribuição de competência 2953.8.2.2 Alteração de competência 2993.8.2.3 Conflito de competência 302

3.9 Rito processual 303

3.9.1 Procedimento na primeira instância 3043.9.2 Procedimento nos crimes eleitorais de competência originária 311

3.9.2.1 O procedimento especial como previsto na Lei no 8.038/1990 3113.9.2.2 Alterações da Lei no 11.719/2008 no CPP e no rito nos crimes de competência

originária 316

aPênDICe – a reFOrMa DOS CrIMeS e DO PrOCeSSO PenaL eLeItOraIS 321

Referências 325

Page 10: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

tÍtULO I

Direito Eleitoral Penal Material

Page 11: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos
Page 12: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

1

CRIME ELEItORAL E A PARtE GERAL DO CÓDIGO PENAL

1.1 Introdução

Diversas leis eleitorais preveem figuras típicas penais. Por exemplo: Lei no 4.737/1965 (Código Eleitoral), Lei no 6.091/1974 (Transporte de Eleitores), Lei no 6.996/1982 (Processamento Eletrônico de Dados nos Serviços Eleitorais), Lei no 7.021/1982 (Es-crutínio), Lei Complementar no 64/1990 (Inelegibilidades), Lei no 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Conquanto o Direito Eleitoral tenha vários tipos criminais, não conta com uma teoria própria de crime, tampouco detém um arcabouço de regras gerais e princípios que permita dar concretude a tais tipos. Por isso, o próprio Código Eleitoral prescre-ve em seu art. 287: “Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal.”

Na verdade, o Direito Penal doa ao Eleitoral toda a teoria do crime, além dos ins-titutos versados na Parte Geral do Código Penal, tais como lugar e tempo do delito, consumação e tentativa, pena e sua aplicação, concurso de pessoas, concurso de cri-mes, concurso de normas penais, sursis e extinção da pretensão punitiva estatal.

O crime eleitoral é apenas uma especificação do crime em geral, com a particulari-dade de objetivar a proteção de bens e valores político-eleitorais caros à vida coletiva. Tais bens são eminentemente públicos, indisponíveis e inderrogáveis pela autonomia privada. São bens necessários à configuração da legítima ocupação dos cargos políti-co-eletivos e, portanto, do regular funcionamento do regime democrático. Entre eles destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos ativos e passivos, o resguardo do direito fundamental de sufrágio, a regularidade da campanha política, da propaganda eleitoral, da arrecadação e do dispêndio de recursos, a veracidade do voto, a representatividade.

Há muito se erigiu o bem jurídico como objeto da tutela penal. A esse respeito, acentua Aníbal Bruno (1967, p. 15, 17) que o fim do Direito Penal é a defesa da socie-dade pela proteção de bens jurídicos fundamentais. Estes consubstanciam

“interesses fundamentais do indivíduo ou da sociedade, que, pelo seu valor social, a consciência comum do grupo ou das camadas sociais nele

Page 13: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

4 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

dominantes elevam à categoria de bens jurídicos, julgando-os merece-dores da tutela do Direito, ou, em particular, da tutela mais severa do Direito Penal” .

Com isso,

“o fim do Direito Penal transcende da defesa de condições puramente materiais à proteção de valores, pois o que chamamos, em linguagem técnica, bens jurídicos, são valores, valores da vida individual ou coletiva, valores da cultura, que, na maioria dos casos, fazem objeto de preceitos tanto jurídicos quanto morais”.

Atualmente se destaca a concepção constitucional do bem jurídico. Consoante asseveram Delmanto et al. (2010, p. 106-107), a

“exigência de que exista um bem jurídico ofendido ou ameaçado por uma conduta contrária ao Direito, e reprovável, para que o Direito Penal pos-sua legitimidade, é fundamental em um Estado Democrático de Direito à medida que impõe limites ao Direito Penal”.

Aduzem os autores que essa abordagem impõe que o legislador penal fundamen-te-se na Constituição Federal

“ao eleger bens jurídicos a serem penalmente protegidos, bem como quais as condutas a eles lesivas que merecem repressão penal. Isso tendo como referência o ser humano, seu destinatário, devendo a ele servir o Estado e o Direito. O Direito Penal, em última análise, deve proteger bens reconheci-dos pela própria Magna Carta como essenciais à concretização da liberdade do ser humano, como membro de uma sociedade que nela se fundamenta, com respeito a uma existência digna e igualitária. Enfim, como bem jurídico penal tem-se tudo o que é eticamente valorado pela sociedade como essencial para a sua existência e desenvolvimento igualitário, harmônico e pacífico”.

Vale, porém, lembrar – com Tavares (2002, p. 216) – que o Direito Penal não tem como único e exclusivo objetivo a proteção de bens jurídicos, devendo, também, tra-çar nitidamente “os contornos das zonas do lícito e do ilícito, do proibido e do permi-tido, no sentido de só justificar a intervenção do Estado sobre a liberdade da pessoa humana, em casos de extrema e demonstrada necessidade [...]”.

Diversas teorias foram formuladas para explicar o crime. Entre elas, cumpre lem-brar as seguintes: naturalista ou causal – compreende o crime como mera descrição legal da conduta, a qual traduz-se no movimento físico-corporal que causa o resultado; finalista – conduta criminosa é aquela conscientemente dirigida à realização de um objetivo; o autor age com consciência e vontade de realizar o tipo objetivo; social ou

Page 14: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 5

pós-finalista – crime é a conduta humana voluntária socialmente relevante, danosa à sociedade; funcionalista – atribui ao Direito Penal uma função político-criminal, consis-tente em assegurar o funcionamento harmônico da sociedade com vistas à realização da ideia de justiça.1

Sob o aspecto analítico (estrutural), o crime é concebido como sendo um fato típico e ilícito ou antijurídico. A culpabilidade liga-se à reprovabilidade do autor que praticou o fato, denotando a potencial consciência da ilicitude; não é, pois, elemento do crime, mas pressuposto de aplicação da pena. No entanto, vale registrar que a maioria da doutrina segue a teoria tripartite, segundo a qual a culpabilidade é requi-sito do crime, e não pressuposto de aplicação da pena, definindo o crime como o fato típico, antijurídico e culpável.

Fato típico é a ação ou omissão que se amolda à prévia descrição legal do delito (estrutura lógico-objetiva) – nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.2

Nos crimes dolosos e materiais ou de resultado (que provocam um efeito natural, na realidade exterior), o fato típico é composto por: (i) conduta; (ii) resultado; (iii) relação causal; e (iv) tipicidade. Já nos crimes dolosos formais e de mera conduta, é ele formado apenas pelos elementos i e iv, a saber: conduta e tipicidade.

Para os crimes culposos, além da tipicidade e do nexo causal, tem-se ainda que: 1) a conduta deve ser voluntária; 2) o resultado deve ser involuntário; 3) deve haver quebra do dever de cuidado objetivo, o que é traduzido pelas ideias de imprudência, negligência e imperícia; 4) o resultado deve ser objetivamente previsível.

Conduta é o comportamento voluntário do agente, podendo ser ativa ou omissiva.3 Por resultado compreende-se a consequência ou o efeito decorrente da realização do fato; pode provocar uma alteração na realidade, no caso de delito material ou de re-sultado (como ocorre no crime de destruir ou suprimir urna eleitoral, previsto no art. 339 do CE) ou ser tão só normativo, no caso de delitos formais e de mera atividade. Relação ou nexo causal é o liame entre a conduta e o resultado; esse nexo só se dá em cri-mes materiais. Tipicidade significa a correspondência ou concordância entre a conduta real praticada e a descrição legal e abstrata do delito estampada no tipo penal. Ilícito ou antijurídico é a qualidade da conduta contrária ou em desarmonia com o Direito.

Conquanto as teorias funcionalistas ainda não gozem de tranquila aceitação na doutrina e jurisprudência brasileiras, algumas de suas concepções teóricas têm sido

1 No Brasil, a teoria finalista ainda goza de grande prestígio, não se podendo dizer ter sido superada. Nes-se sentido, vide: Prado e Carvalho (2002), (Mirabete, 2003c, p. 104), Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 351), Estefam e Gonçalves (2014, p. 290), Bitencourt (2014, p. 352 ss.), Greco (2002, p. 6, nota 4 – onde afirma que o “finalismo é sustentado pela maior parte de nossa atual doutrina”).

2 Esse princípio é inscrito no art. 5o, XXXIX, da Lei Maior nos seguintes termos: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Porque restringe a liberdade, o tipo penal in-criminador deve ser claro e preciso; deve ser taxativo – princípio da taxatividade. É preciso evitar o emprego de linguagem dúbia, imprecisa, confusa, bem como conceitos indeterminados, vagos e fluidos.

3 Para a teoria finalista, a conduta deve ser consciente e voluntária, dirigindo-se à realização de um objetivo.

Page 15: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

6 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

acolhidas, pois apresentam solução mais racional e justa para o problema tratado. En-tre elas, vale destacar a teoria da imputação objetiva. De maneira que, aos elementos do fato típico há pouco citados acrescenta-se a existência de imputação objetiva.

A teoria da imputação objetiva – afirma Greco (2013, p. 22 e 24) – “enuncia o con-junto de pressupostos que fazem de uma causação uma causação objetivamente típica; e estes pressupostos são a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco no resultado.” Ocupa-se ela tanto do desvalor da ação quanto do resultado:

“O desvalor da ação, até agora subjetivo, mera finalidade, ganha uma face objetiva: a criação de um risco juridicamente proibido. Somente ações intoleravelmente perigosas são desvaloradas pelo direito. Também o des-valor do resultado é enriquecido: nem toda causação de lesão a bem ju-rídico referida a uma finalidade é desvalorada; apenas o será a causação em que se realize o risco juridicamente proibido criado pelo autor. Ou seja, a imputação objetiva acrescenta ao injusto um desvalor objetivo da ação (a criação de um risco juridicamente desaprovado), e dá ao desva-lor do resultado uma nova dimensão (realização do risco juridicamente desaprovado).”

1.2 Natureza do crime eleitoral

Discute-se se o crime eleitoral é comum ou político. Tal discussão apresenta gran-de relevância prática, pois, além da exata fundamentação do ilícito eleitoral, há várias peculiaridades que cercam o crime político, tais como: (i) a Lei Maior veda a conces-são de extradição de estrangeiro pela prática de crime político (CF, art. 5o, LII); (ii) ao juiz federal (logo, à Justiça Federal) compete processar e julgar os crimes políticos (CF, art. 109, IV); (iii) é do Supremo Tribunal Federal a competência para julgar, em recurso ordinário, os crimes políticos (CF, art. 102, II, b) – portanto, não há apelação para o Tribunal Regional Federal – TRF, tampouco recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça – STJ, devendo a sentença de primeiro grau ser impugnada dire-tamente perante a Corte Suprema; e (iv) crimes políticos não são considerados para efeito de reincidência (CP, art. 64, II), sendo, pois, ineficazes para esse fim.

A expressão crime comum possui significados diversos no Direito Penal. Refere-se, de um lado, ao sujeito ativo do ilícito. Nesse sentido, diz-se comum o crime que pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo possível a coautoria e a participação em sua execução. De maneira que o crime comum relaciona-se: (i) ao crime próprio, assim entendido que o tipo penal exige do agente certa qualidade – ex.: corrupção passiva (CP, art. 317), cujo autor deve ser funcionário público; e (ii) ao crime de mão própria; neste, além de se exigir que o agente ostente certa qualidade, só ele pode praticar a conduta típica; não se admite coautoria, embora possa haver participação – ex.: falso testemunho (CP, art. 342).

Page 16: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 7

De outro lado, sob enfoque distinto, o crime comum é compreendido como sendo o que viola bens jurídicos triviais, das pessoas em geral, tais como personalidade, patrimônio, família, fé pública, saúde, liberdade. Diferentemente, o crime político visa atingir a própria configuração político-ideológico-jurídica do Estado para aniquilá-la ou substituí-la.

Ante tais premissas é que se perquire a natureza jurídica do injusto eleitoral.

É discutível o valor e a legitimidade da previsão legal de crime político em um Estado Democrático de Direito, nomeadamente se a ação não for violenta. Isso por-que tal Estado se funda na ideia de liberdade, tendo cores fortes as liberdades de pensamento, crença, expressão e manifestação. Os valores atinentes à liberdade, democracia, igualdade, respeito ao próximo e às minorias ensejam aos cidadãos pensarem diferente do que é propugnado pela ideologia predominante. Mais que isso: é lícito que o façam, podendo, inclusive, postular mudanças no acordo político fundamental ou mesmo a conveniência de se conviver sob outra forma de organiza-ção política. O Estado-legislador não poderia criminalizar condutas que, na verda-de, decorrem do exercício legítimo de direitos fundamentais instituídos pelo poder constituinte originário. A violência, porém, é sempre intolerável, sendo merecedora do repúdio estatal.

Ocorre, porém, que a própria Constituição Federal alude expressamente ao crime político em seus arts. 5o, LII, 109, IV, e 102, II, b. Mas, embora a ele se refira, não o define, nem oferece elementos aptos a guiar o intérprete na fixação de seus contornos jurídicos.

É certo que o crime político não tem o mesmo tratamento do comum, não rece-bendo o agente e sua conduta o mesmo desvalor atribuído ao autor de crime comum. É que no crime político a ação se volta para a transformação político-social e a afirmação de ideias ou de um sistema de pensamento.

À vista do silêncio da Lei Maior, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem identificado o crime político com os tipos penais da Lei no 7.170/1983, deno-minada Lei de Segurança Nacional – LSN, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social. Confira-se:

“1. Como a Constituição não define crime político, cabe ao intérprete fazê-lo diante do caso concreto e da lei vigente. 2. Só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2o da Lei de Segurança Na-cional (Lei no 7.170/83), ao qual se integram os do artigo 1o: A materia-lidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada no artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe agregue a motivação política. Precedentes.” (STF – RC no 1468/RJ – Tribunal Pleno – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJ 16-8-2000, p. 88).

Page 17: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

8 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Tradicionalmente, a doutrina tem apresentado três critérios distintivos entre os crimes políticos e comuns, a saber: objetivo, subjetivo e misto. São critérios demasia-do genéricos, e por isso nem sempre seguros. Segundo Damásio de Jesus (1992, p. 185), o critério objetivo considera “a natureza do interesse jurídico lesado ou exposto a perigo de dano pela conduta do sujeito”. Nesse diapasão, qualifica-se como político o crime que lesa ou ameaça a configuração política do Estado, ofendendo sua estrutu-ra ou as condições que o sustentam. O critério objetivo foi acolhido no art. 1o da Lei no 7.170/1983, que arrola os seguintes bens como objeto de proteção: “I – a integridade territorial e a soberania nacional; II – o regime representativo e democrático, a Fede-ração e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.

Já pelo critério subjetivo, põe-se em relevo a intenção do sujeito ativo do delito, sendo esse o dado diferenciador essencial. Importante na conduta do agente será o dolo e os motivos políticos que o impeliram a agir ou a se abster – objetiva-se a deses-truturação ou a desarticulação da organização política do Estado. O art. 2o, I, da Lei no 7.170/1983 acolhe esse critério ao determinar que se leve em conta “a motivação e os objetivos do agente”.

Finalmente, o critério misto, em essência, combina os dois anteriores.

Tem-se, ademais, crime político puro ou próprio e impuro ou impróprio. Enquan-to aquele só lesa ou põe em risco a organização político-ideológico-estatal, sem atingir outros bens jurídicos, o impuro também agride bem jurídico comum (ex.: homicídio, roubo, sequestro, praticados com fins políticos). Nesse último releva a motivação do agente, pois trata-se de delito comum praticado por motivos político-ideológicos; a motivação, portanto, confere uma qualidade ao delito comum. Mas é preciso máxima cautela para que subjetivismos e fatores psicológicos do infrator não convertam sua ação criminosa em delito político.

Para alguns autores o crime eleitoral tem natureza de político. Dessa maneira pensam Delmanto et al. (2010, p. 299 – comentários ao art. 64 do CP), para quem os crimes eleitorais são “exclusivamente políticos”. Em igual sentido, Camargo Gomes (2006, p. 41) afirma não ser possível negar-lhe tal qualidade, já que “as condutas de-lituosas atingem justamente as instituições democráticas, desvirtuando-as”. Do mes-mo modo entende Michels (2006, p. 163), que afirma que o delito eleitoral deriva “da subdivisão dos crimes políticos, sendo, portanto, sua natureza jurídica política, pois, como se sabe, os crimes eleitorais são cometidos contra a ordem política e social, enquanto a outra divisão dos crimes políticos é daqueles crimes cometidos contra a segurança nacional”.

Entretanto, não é pacífica essa interpretação. Muitos encartam o crime eleitoral na categoria do crime comum. Nessa linha, sustenta Ramayana (2006, p. 448) que tais crimes

“atingem não a organização política do Estado de forma direta, mas a organização do processo democrático eleitoral, atingindo os direitos pú-

Page 18: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 9

blicos políticos subjetivos ativos e passivos e a ordem jurídica da relação pública da legitimidade política dos mandatos eletivos”.

À luz do sistema jurídico brasileiro, é correta essa última posição. Os que afirmam que o crime eleitoral é político assentam suas asserções no fato de o Direito Eleitoral cuidar do controle das eleições e do exercício do direito fundamental de sufrágio – e este, em essência, constitui direito político fundamental. Nessa perspectiva, em razão de a matéria eleitoral ostentar coloração política, o crime eleitoral assumiria a natu-reza de crime político.

Contudo, em sentido técnico-jurídico, o delito eleitoral não é crime político nem no sentido objetivo nem subjetivo, tampouco puro ou impuro. Isso porque não ofende o Estado como totalidade orgânica, como organização política fundamental da sociedade, tampouco fere sua conformação político-jurídica ou as condições que o sustentam.

Quem comete crime eleitoral não o faz motivado por elevados sentimentos polí-tico-ideológicos, não visa a radical transformação da sociedade nem do Estado. Ne-nhuma das figuras típicas eleitorais visa coibir a desestruturação ou a desarticulação da organização política do Estado seja do ponto de vista interno, seja do externo. Na verdade, os ilícitos eleitorais visam resguardar bens e valores clara e especificamente definidos em lei, tais como a higidez do processo eleitoral, a lisura do alistamento e da formação do corpo eleitoral, princípios como a liberdade do eleitor e do voto, a veracidade da votação e do resultado das eleições, a representatividade do eleito.

Afirmar que um crime é político porque ofende o Estado é incorrer em erro, pois todo e qualquer crime tem a sociedade (juridicamente organizada sob a forma de Es-tado) como sujeito passivo. Ademais, o só fato de a matéria eleitoral ostentar matiz político não torna seus tipos penais delitos políticos no sentido técnico-jurídico. No-te-se que a competência para processar e julgar o crime eleitoral é da Justiça Eleitoral, e não da Justiça Federal, como determina o art. 109, IV, da Constituição Federal. E mais: o trânsito em julgado de condenação por crime eleitoral gera reincidência, ao contrário do disposto no art. 64, II, do CP.

A interpretação aqui acolhida há muito se encontra consagrada no Supremo Tri-bunal Federal. A ver:

“[...] compreendidas, na locução constitucional ‘crimes comuns’, todas as infrações penais (RTJ 33/590 – RTJ 166/785-786), inclusive as de ca-ráter eleitoral (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 – RTJ 150/688-689), e, até mes-mo, as de natureza meramente contravencional (RTJ 91/423) [...]” (STF – HC no 80511/MG – 2a Turma – Rel. Min. Celso Mello – DJ 14-9-2001, p. 49).

“3. EXTRADIÇÃO. Passiva. Crime político. Não caracterização. Quatro homicídios qualificados, cometidos por membro de organização revolu-cionária clandestina. Prática sob império e normalidade institucional de

Page 19: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

10 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Estado Democrático de direito, sem conotação de reação legítima contra atos arbitrários ou tirânicos. Carência de motivação política. Crimes co-muns configurados” (STF – Ext. no 1085/República Italiana – Tribunal Pleno – Rel. Min. Cezar Peluso – DJe 67, de 16-4-2010).

“Extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo de estado do Go-verno requerente (República Federal da Alemanha), utilizável em pro-jeto de desenvolvimento de armamento nuclear. Crime político puro, cujo conceito compreende não só o cometido contra a segurança interna, como o praticado contra a segurança externa do Estado, a caracterizarem, ambas as hipóteses, a excludente de concessão de extradição, prevista no art. 77, VII e §§ 1o a 3o, da Lei no 6.815-80 e no art. 5o, LII da Constitui-ção. Pedido indeferido, por unanimidade” (STF – Ext. no 700/República Federal da Alemanha – Tribunal Pleno – Rel. Min. Octávio Gallotti – DJ 5-11-1999, p. 3).

À luz desses julgados, não parece exata a conclusão restritiva de Camargo Gomes (2006, p. 48-49), no sentido de que a Corte Suprema “somente enquadrou os crimes eleitorais na categoria dos crimes comuns” (e não na dos crimes políticos) para distin-gui-los dos chamados crimes de responsabilidade.4 E assim a Corte teria procedido por-que, enquanto os crimes eleitorais são processados e julgados por órgão jurisdicional (tais quais os comuns), os de responsabilidade o são por órgão político, isto é, o Poder Legislativo; daí a necessidade de se distinguirem essas duas categorias de delito.

Embora seja clara na Constituição a dicotomia entre crime comum e de responsabi-lidade, os julgados citados do STF infirmam a aludida conclusão, porque relacionam o crime político a ideias como “reação legítima contra atos arbitrários ou tirânicos”, trans-missão ilícita de “segredo de estado”, atos empreendidos contra a “segurança interna” e externa do Estado, lesão ou exposição a perigo da “soberania nacional”. Esses funda-mentos qualificadores do crime político nada têm a ver com o crime eleitoral, menos ainda com os de responsabilidade, conforme se vê no art. 85 da Constituição Federal.5

4 Os crimes de responsabilidade têm natureza político-constitucional. São essencialmente infrações polí-tico-administrativas em que o agente – em regra, titular do Poder Executivo – infringe dever próprio de seu cargo ou da função pública que exerce. A competência para conhecer e julgar o fato é do Poder Legislativo. No tocante ao Presidente da República, Ministro de Estado, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Pro-curador-Geral da República, tais ilícitos são previstos nos arts. 51, I, 52, I e II, 85, todos da Constituição Federal, regulamentados pela Lei no 1.079/1950. Já quanto a Prefeito Municipal, o tema é versado no Decreto-lei no 201/1967. O art. 3o da Lei no 1.079/1950 pressupõe a distinção entre o crime de responsabi-lidade e o comum, assinalando que a pena aplicada pelo cometimento do primeiro “não exclui o processo e o julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal”.

5 Reza o art. 85 da CF: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e

Page 20: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 11

Na verdade, os julgados citados permitem afirmar que o crime político constitui categoria própria, com contornos e objetivos próprios, não constituindo gênero do crime eleitoral. As peculiaridades que cercam o crime político justificam o tratamento diferenciado que o ordenamento jurídico lhe confere.

Assim, à luz do ordenamento jurídico-penal brasileiro, o que se pode divisar é a existência de pelo menos três categorias de crime, a saber: (i) crime comum (no qual se insere o eleitoral); (ii) crime político; (iii) crime de responsabilidade.

Não obstante, dadas as nuanças que cercam o crime eleitoral, bem poderia ser co-locado em uma categoria própria: a do crime eleitoral – ou, pelo menos, na categoria de crime de natureza especial.

Não se nega que o crime eleitoral tenha matiz político, porque se liga à garantia de direitos que são essencialmente políticos, como é o direito de sufrágio. Mas isso não faz com que, tecnicamente, seja qualificado como crime político, mormente à vista do sentido que o Supremo Tribunal Federal confere a essa última espécie delitual.

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de definir a locução constitucional ‘crimes comuns’ como expressão abran-gente a todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais e alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais. Precedentes” (STF – Rcl. no 511/PB – Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 15-9-1995, p. 29506).

Nessa mesma linha é a interpretação da Corte Superior Eleitoral:

“Recurso especial – Corrupção eleitoral – Art. 299 do CE – Atos prati-cados pelo candidato a vice-prefeito. Rejeição da alegação de que crime eleitoral é crime político. A jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-ral e do TSE formou-se no sentido de definir a locução constitucional ‘crimes comuns’ como expressão abrangente a todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais e alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais. Precedentes: acórdão TSE 20.312 e reclamação STF 511/PB. [...] Recurso não conhecido” (TSE – REspe no 16048/SP – DJ 14-4-2000, p. 96).

1.3 Objeto do crime eleitoral

Objeto do crime, afirma Jesus (1992, p. 159), “é aquilo contra que se dirige a conduta humana que o constitui”. Sua determinação implica desvendar a finalidade da conduta do agente.

julgamento.” A “lei especial” a que se refere o parágrafo único é a Lei no 1.079/1950, que, segundo se tem entendido, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Page 21: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

12 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Todo delito apresenta dois objetos: um jurídico, outro material.

Objeto jurídico é o bem ou interesse jurídico cuja proteção se visou com a criação do delito pela norma legal. É, e. g., a fé pública eleitoral nos crimes de falso (CE, arts. 348 ss), a Administração Pública eleitoral e suas determinações no crime de deso-bediência (CE, art. 347), a veraz e regular formação do corpo eleitoral no crime de inscrição fraudulenta de eleitor (CE, art. 289).

Já o objeto material é aquilo sobre o que incide a conduta do agente. Ou seja: é a pessoa ou coisa atingida pela conduta do sujeito ativo. À guisa de exemplo, citem-se o documento, no crime de falso (CE, art. 348), e a propaganda do candidato, no crime de inutilização de meio de propaganda devidamente empregado (CE, art. 331).

Saliente-se que a inexistência de objeto material ou a sua absoluta impropriedade torna impossível o crime (CP, art. 17). Nesse caso, o fato praticado pelo agente é atípico.

1.4 Classificação dos crimes eleitorais

A mesma classificação do crime em geral incide no crime eleitoral, podendo, pois, ser comissivo, omissivo, de dano, tentado, consumado, exaurido, de ação única ou múltiplo, conexo, instantâneo, material, formal, comum, próprio, de mão própria, putativo etc.

Enfocando especificamente o injusto eleitoral, nem o Código Eleitoral, nem as leis eleitorais esparsas apresentam qualquer classificação. Limitam-se a arrolar em sequên-cia as condutas consideradas mais relevantes e por isso merecedoras da tutela penal.

No entanto, visando uma melhor compreensão e estudo dessa matéria, a doutrina tem se empenhado em classificar o crime eleitoral.

Nesse diapasão, pode o crime eleitoral ser puro ou acidental. Chama-se puro o crime eleitoral em que a conduta é assim descrita tão só na legislação eleitoral, não encontrando correspondente na legislação penal comum. Cite-se como exemplo o crime de boca de urna previsto no art. 39, § 5o, II, da Lei no 9.504/1997.6

Já no crime eleitoral acidental a conduta inquinada é tipificada como crime tanto na legislação eleitoral quanto na comum. Nesse caso, o delito será eleitoral apenas se o fato revestir-se de características ofensivas a bens jurídicos eleitorais. Tome-se como exemplo o delito de falsificação de documento público, que é previsto no art. 348 do CE e também no art. 297 do CP; naquele caso sua perfeição depende da existência de “fins eleitorais”. Vale notar, ainda, que a mera motivação ou mesmo o contexto eleito-ral em que a ação delituosa se realiza não faz com que um crime comum não eleitoral se torne eleitoral por acidente.

6 Eis o teor desse dispositivo: “Art. 39 [...]. § 5o Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com deten-ção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: [...] II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;”

Page 22: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 13

Note-se que existem infrações não eleitorais que – para fins de persecução penal – se reúnem ao crime eleitoral em razão da ocorrência de conexão ou continência. Aqui já não se trata de crime eleitoral, mas de julgamento conjunto de infrações por força da vis atrativa exercida pelo juízo eleitoral, que puxa para sua esfera de competência o conhecimento e julgamento dos delitos envolvidos no evento. Todavia, equivocada-mente se fala em “crime eleitoral por conexão”.

Há também classificações doutrinárias que procuram reunir debaixo de critério lógico-valorativo as diversas espécies de crime eleitoral. Nesse diapasão, Cândido (2002, p. 273) apresenta a seguinte classificação: (i) crimes contra a organização ad-ministrativa da Justiça Eleitoral; (ii) crimes contra os serviços da Justiça Eleitoral; (iii) crimes contra a fé pública eleitoral; (iv) crimes contra a propaganda eleitoral; (v) crimes contra o sigilo e o exercício do voto; e (vi) crimes contra os partidos políticos.

Por sua vez, Camargo Gomes (2006, p. 76) assim qualifica os crimes eleitorais: (i) crimes eleitorais concernentes à formação do corpo eleitoral; (ii) crimes eleitorais relativos à formação e funcionamento dos partidos políticos; (iii) crimes eleitorais em matéria de inelegibilidades; (iv) crimes eleitorais concernentes à propaganda eleito-ral; (v) crimes eleitorais relativos à votação; (vi) crimes eleitorais pertinentes à garan-tia do resultado legítimo das eleições; (vii) crimes eleitorais relativos à organização e funcionamento dos serviços eleitorais; e (viii) crimes contra a fé pública eleitoral.

Sem negar o mérito dessas classificações, a análise acurada do Direito Eleito-ral material permite apresentar a seguinte ordenação dos delitos eleitorais: (i) corpo eleitoral; (ii) partidos políticos; (iii) administração e serviços eleitorais; (iv) inelegi-bilidade; (v) propaganda eleitoral; (vi) sufrágio e votação; (vii) apuração e totalização de votos; e (viii) fé pública eleitoral. Sob tais tópicos pode-se enfeixar quase todos os crimes eleitorais.

Observe-se que essa, como qualquer outra classificação, tem apenas o propósito de auxiliar na organização do pensamento, pois coloca cada figura típica em seu lugar mais adequado, em ordem. Facilita-se, com isso, a visualização dos diversos delitos eleitorais, pois são remetidos ao tema geral a que se referem ou ao bem jurídico que se visa resguardar.

1.5 Conceito de agente público para fins eleitorais

“CE/Art. 283. Para os efeitos penais são considerados membros e funcio-nários da Justiça Eleitoral:

I – os magistrados que, mesmo não exercendo funções eleitorais, este-jam presidindo Juntas Apuradoras ou se encontrem no exercício de outra função por designação de Tribunal Eleitoral;

II – Os cidadãos que temporariamente integram órgãos da Justiça Elei-toral;

Page 23: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

14 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

III – Os cidadãos que hajam sido nomeados para as mesas receptoras ou Juntas Apuradoras;

IV – Os funcionários requisitados pela Justiça Eleitoral.

§ 1o Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, além dos indicados no presente artigo, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 2o Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal ou em sociedade de economia mista.”

O Código Penal também define funcionário público no art. 327, considerando como tal, para os efeitos penais, “quem, embora transitoriamente ou sem remunera-ção, exerce cargo, emprego ou função pública”. O § 1o desse artigo (incluído pela Lei no 9.983/2000) define a figura do funcionário público por equiparação, assim consideran-do quem “exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de ati-vidade típica da Administração Pública”.

Note-se que no Código Penal é mais extensa a definição de funcionário por equipa-ração, pois também abrange “quem trabalha para empresa prestadora de serviço con-tratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”.

1.6 Pena privativa de liberdade: limite mínimo

“CE/Art. 284. Sempre que este Código não indicar o grau mínimo, en-tende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão.”

No tocante à pena privativa de liberdade abstratamente cominada, a técnica do CE difere da adotada no Código Penal. Enquanto este, em cada tipo penal, estabelece os limites mínimo e máximo do tempo de privação de liberdade, o Eleitoral apresenta ape-nas o limite máximo. O limite abstrato mínimo é idêntico para todos os delitos, sendo previsto no art. 284, a saber: 15 dias para a pena de detenção e 1 ano para a de reclusão.

Tome-se como exemplo o crime de corrupção eleitoral. Reza o art. 299 do CE:

“Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para ou-trem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-mul-ta.”

A pena privativa de liberdade é de “reclusão até quatro anos”. A citada figura penal não estabelece o limite mínimo da pena. Esse, porém, é dado pelo art. 284 do

Page 24: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 15

CE, que o fixa em um ano. Logo, a pena privativa de liberdade no crime de corrupção eleitoral é de um a quatro anos de reclusão.

1.7 Substituição de pena privativa de liberdade

Conquanto o Código Eleitoral não preveja, são inteiramente aplicáveis os critérios estabelecidos no Código Penal com vistas à substituição da pena privativa de liber-dade imposta pelo cometimento de crime eleitoral. A substituição pode ser feita por pena de multa ou restritiva de direito. Assim:

“i) a pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 do CP (CP, art. 60, § 2o);

ii) a pena privativa de liberdade pode ser substituída por restritivas de direitos, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (CP, art. 44, I, II e III).”

As espécies de pena restritiva de direitos são previstas no art. 43 do CP, consis-tindo em: “I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (vetado); IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.”

Vale registrar que a “prestação pecuniária” prescrita no citado inciso I, do art. 43, não se confunde com a “pena de multa”, tampouco com a “multa substitutiva” pre-vista no art. 60, § 2o, do CP. Na verdade, a “prestação pecuniária” contemplada nesse inciso I consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entida-de pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz (CP, art. 45, § 1o). Destarte, tal prestação tem caráter indenizatório ou reparatório, e por isso deve ser deduzida do montante de eventual condenação em ação de reparação civil.

1.8 Pena restritiva de direito

As penas restritivas de direito são autônomas (CP, art. 44, caput), e não acessórias. Apesar de não serem previstas na parte especial do Código Penal, substituem as pri-vativas de liberdade. Por isso, com estas não podem ser cumuladas. A substituição é obrigatória quando se apresentarem os requisitos que a ensejam, isto é, os arrolados nos incisos I a III do art. 44 do CP; daí dizer-se que, sempre que os requisitos legais se apresentarem, a substituição constitui direito subjetivo do réu.

Page 25: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

16 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Essa sistemática do Código Penal é aplicável ao Direito Eleitoral.

Entretanto, diferentemente do Direito Penal, em certos casos o Eleitoral prevê pena restritiva de direitos (na modalidade de interdição temporária de direito) como sanção pela prática de crime. Citem-se os seguintes exemplos: (i) o art. 334 do CE (“Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores”), cuja pena é de “detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável for candidato”; (ii) o art. 11, V, da Lei no 6.091/1974 (constitui crime “utilizar em campanha eleitoral, no de-curso dos 90 – noventa – dias que antecedem o pleito, veículos e embarcações perten-centes à União, Estados, Territórios, Municípios e respectivas autarquias e sociedades de economia mista”), que tem como pena o “cancelamento do registro do candidato ou de seu diploma, se já houver sido proclamado eleito”.

Nesses dispositivos, a cassação ou o cancelamento de registro do candidato ou do diploma constituem autênticas restrições de direito. Quanto ao registro, o cida-dão perde o direito de seguir com sua candidatura, fazer campanha e receber votos em eleições populares; já quanto ao eleito, perde o direito de exercer o mandato e participar da gestão do Estado. Em ambas as situações há restrição a direito político fundamental consistente em exercer a cidadania passiva e, pois, representar o povo na tomada de decisões político-estatais.

Vale salientar que o próprio Código Penal, em seu art. 47, I, contempla a pena de proibição de exercício de mandato eletivo como modalidade de restrição de direito.7

1.9 Causas de aumento e diminuição de pena

“CE/Art. 285. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o ‘quantum’, deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime.”

A aplicação da pena no julgamento de crime eleitoral segue a mesma sistemá-tica implantada na Parte Geral do Código Penal. O art. 68 desse diploma acolheu o critério trifásico, preconizado por Nélson Hungria, pelo qual o órgão judicial deve, primeiramente, fixar a pena-base, atentando aos limites mínimo e máximo previstos no tipo – para tanto deve atender ao art. 59 do CP, i. e., às circunstâncias judiciais. Sobre a pena-base incidem as circunstâncias atenuantes e agravantes. Finalmente, consideram-se as causas de aumento e diminuição. As qualificadoras não são ex-pressamente mencionadas porque alteram a própria pena fixada in abstrato; havendo

7 Dispõe o art. 47 do CP: “As penas de interdição temporária de direitos são: I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV – proibição de frequentar determinados lugares.”

Page 26: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 17

qualificadora, deve o juiz partir dela para a fixação da pena-base.

As circunstâncias judiciais são previstas no art. 59 do CP e referem-se a: (i) cul-pabilidade; (ii) antecedentes; (iii) conduta social; (iv) personalidade; (v) motivos do crime; (vi) circunstâncias do crime; (vii) consequências do crime; e (viii) comporta-mento da vítima.

Fixada a pena-base, passa-se à segunda fase, consistente na aplicação de agravan-tes ou atenuantes genéricas. Enquanto as agravantes são previstas nos arts. 618 e 629 do CP, as atenuantes são contempladas nos arts. 65 10 e 6611 do mesmo código. Não prevê a lei penal a quantidade de aumento ou diminuição que a pena-base deve sofrer – esse montante é deixado ao alvedrio do juízo, que deve justificar sua escolha. Mas, nos termos da Súmula 231 do STJ, a incidência dessas circunstâncias não pode alterar os limites mínimos e máximos estabelecidos no tipo.

Na terceira e última fase, são apreciadas as causas de aumento e diminuição da pena. São elas referidas como indicadores que fazem aumentar ou diminuir o mon-tante de pena estabelecido na operação anterior. Tais indicadores são expressos em quantidades fixas, tais como um sexto, um terço, um quinto etc. Ao contrário das circunstâncias agravantes e atenuantes, as causas de aumento e diminuição podem promover a elevação ou diminuição da pena para além dos limites máximo e mínimo, respectivamente, cominados abstratamente.

8 “Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o cri-me: I – a reincidência; II – ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia re-sultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de em-briaguez preordenada.”

9 “Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II – coage ou induz outrem à execução material do crime; III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.”

10 “Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; II – o desconhecimento da lei; III – ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontâ-nea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.”

11 “Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”

Page 27: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

18 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“2. A pena deve ser fixada em estrita observância ao critério trifásico estabelecido nos arts. 59, 67 e 68 do CP, com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157, 381 e 387 do CPP c.c. o art. 93, inciso IX, segunda parte da Constituição Federal), determinação não atendida na espécie. Precedentes do c. STF e do c. STJ. 3. A majorante do crime con-tinuado (art. 71, CP) não pode ser considerada como circunstância judi-cial. 4. Para a exacerbação da pena em razão do crime continuado (art. 71, CP), deve ser considerado o número de infrações cometidas. Prece-dentes. 5. No caso de pena de multa no crime continuado, não é aplicável a regra do art. 72 do Código Penal. Precedentes do STJ. 6. Constatada a inobservância do sistema trifásico, além da incorreta aplicação da pena relativamente ao crime continuado, devem os autos ser remetidos ao Tri-bunal de origem para que proceda ao redimensionamento da pena. 7. Recurso especial parcialmente provido para, mantida a condenação, de-terminar ao e. Tribunal a quo que redimensione as penas de acordo com os critérios legais” (TSE – REspe no 28.702/AC – DJe 26-9-2008, p. 10).

O art. 285 do CE veicula causas de aumento (embora use o termo “agravação”) e diminuição (embora use o termo “atenuação”) de pena. Visa suprir lacuna de regra legal que, embora afirme a causa de aumento ou diminuição, omite-se quanto à fixa-ção de seu quantum. Assim, havendo tal omissão, “deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime”.

A cláusula final do enfocado art. 285 (“guardados os limites da pena cominada ao crime”) não pode ser interpretada no sentido de impedir a majoração ou a diminuição da pena para além ou para aquém dos limites máximo e mínimo, respectivamente, cominados in abstrato. Isso porque, se a pena-base fosse estabelecida no mínimo e inexistisse circunstância agravante, a incidência de uma causa de diminuição não im-pediria que a pena final fosse mantida no limite mínimo.

Havendo concurso entre causas de aumento ou de diminuição, o parágrafo único do art. 68 do CP faculta “limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, preva-lecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”.

1.10 Pena de multa

“CE/Art. 286. A pena de multa consiste no pagamento ao Tesouro Na-cional, de uma soma de dinheiro, que é fixada em dias-multa. Seu mon-tante é, no mínimo, 1 (um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa.

§ 1o O montante do dia-multa é fixado segundo o prudente arbítrio do juiz, devendo este ter em conta as condições pessoais e econômicas do

Page 28: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 19

condenado, mas não pode ser inferior ao salário-mínimo diário da região, nem superior ao valor de um salário-mínimo mensal.

§ 2o A multa pode ser aumentada até o triplo, embora não possa exce-der o máximo genérico do caput, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do condenado, é ineficaz a cominada, ainda que no máximo, ao crime de que se trate.”

É interessante observar que, embora o CE seja de 1965, desde então já preconiza o critério do dia-multa para a fixação da pena pecuniária. Tal critério só seria implantado na parte geral do Código Penal em 1984, por força da reforma promovida pela Lei no

7.209 daquele ano.

No Código Penal, a pena de multa ou pecuniária é regulada nos arts. 49 a 52, 58 e 60. Segundo dispõe o primeiro: “A pena de multa consiste no pagamento ao fundo pe-nitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”

Na sistemática dessa norma legal, cumpre observar o sistema bifásico para a fixa-ção da pena. Primeiramente, sopesando em conjunto as circunstâncias judiciais, as circunstâncias agravantes e atenuantes, as causas de aumento e diminuição, deve o órgão judicial estabelecer a quantidade de dias-multa, que poderá variar de dez a 360. Essa primeira etapa engloba as três fases empregadas na fixação da pena privativa de liberdade. Note-se que os tipos previstos na parte especial do Código Penal somente registram a apenação com multa, não estabelecendo o seu montante, o qual é fixado pelo órgão judicial nessa primeira fase.

Uma vez firmado o número de dias-multa, passa-se à segunda etapa, consistente no arbitramento do valor de cada um deles. Esse valor não pode ser inferior “a um trigésimo do maior salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário” (CP, art. 49, § 1o). Para sua obtenção, deve-se atentar, “principalmente, à situação econômica do réu” (CP, art. 60). O resultado dessa opera-ção pode ser aumentado “até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo” (CP, art. 60, § 1o).

Nesse quadro, praticada uma infração em concurso de pessoas, todos os agentes poderão ser sancionados com o mesmo número de dias-multa, individualizando-se, porém, o valor de cada dia-multa em função da culpabilidade e da situação econômica de cada um deles.

No Código Penal, a multa tem natureza de pena e se destina ao fundo peniten-ciário.

A só leitura do aludido art. 186 do Código Eleitoral revela que a sistemática desta norma difere da prevista no Código Penal. Cumpre, então, perquirir qual normativa deve ser aplicada na fixação da pena de multa em razão do cometimento de crime eleitoral.

Page 29: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

20 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Argumentando com o princípio da especialidade e com o disposto no art. 2o, § 2o, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),12 entendem Decomain e Prade (2004, p. 365) que o art. 286 do CE está em vigor, não sendo, pois, empregá-veis as regras do Código Penal no que concerne à aplicação da pena de multa. A esse, soma-se o argumento de que a adoção dos critérios estampados no Código Penal, no particular, mudaria os limites mínimo e máximo da pena pecuniária eleitoral, limites esses estabelecidos entre 1 e 300 dias-multa pelo art. 286, caput, do CE, enquanto pelo art. 49 do CP a variação é de dez a 360 dias-multa. Outrossim, ao contrário da parte especial do Código Penal, os tipos penais eleitorais já trazem os montantes mínimo e máximo do dia-multa. Por exemplo: no crime de inscrição fraudulenta de eleitor (CE, art. 289)13 são cominadas as penas de reclusão e pagamento de cinco a 15 dias-multa. Na primeira fase do aludido sistema bifásico, esses parâmetros mínimo e máximo devem ser observados pelo juiz. Em tal quadro, a aplicação tout court do sistema do Código Penal poderia alterar o montante da pena pecuniária concretamente aplicada. E tal alteração significaria violação ao princípio fundamental de legalidade estrita, que informa todo o Direito Penal.

Mas isso não significa que não se possam fazer atualizações na compreensão da matéria em apreço. A evolução do sentido do texto legal em foco é tão útil quanto necessária, porquanto o § 1o do art. 286 do CE estabelece como piso para o dia-multa o “salário-mínimo diário da região”. Entretanto, esse parâmetro é impróprio para a fixação de pena criminal devido à variação do montante conforme a região, e, pois, do local do crime. Ademais, se inexistir salário mínimo regional dever-se-á recorrer ao salário mínimo nacional, cuja vinculação “para qualquer fim” é vedada pelo art. 7o, IV, da Constituição Federal.

Por outro lado, causa perplexidade o texto do § 2o do citado art. 286, pois se a primeira parte estabelece que a triplicação da multa não pode “exceder o máximo genérico do caput”, essa ideia se desvanece na parte final do mesmo dispositivo. Nessa perspectiva, estariam ainda em vigor apenas a segunda parte do caput do art. 286 do CE, e a primeira parte de seu § 1o.

Resulta, pois, que: (i) na aplicação da pena de multa, no que for cabível deve-se aplicar os critérios do Código Penal; (ii) caso seja insuficiente, em razão da situação econômica do réu, pode ser elevada até o triplo, ainda que aplicada no máximo (CP, art. 60, § 1o); (iii) a multa criminal destina-se ao Fundo Penitenciário, como estabele-ce o caput do art. 49 do CP, e não ao Tesouro Nacional; (iv) o pagamento deve ser feito dentro de dez dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, podendo ser cobrada mediante desconto no vencimento do condenado (CP, art. 50, § 1o); (v) para fins de execução e cobrança judicial, é “considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes

12 Reza o art. 2o, § 2o, da LINDB: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

13 Dispõe o art. 289 do CE: “Inscrever-se fraudulentamente eleitor: Pena – Reclusão até cinco anos e pa-gamento de cinco a 15 dias-multa.”

Page 30: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 21

as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição” (CP, art. 51).

Situações particulares – há tipos penais eleitorais que ignoram o sistema de dia-mul-ta. Tome-se como exemplo o art. 91, parágrafo único, da Lei no 9.504/1997, que, para o delito de retenção de título eleitoral, prevê, cumulada com a pena privativa de liber-dade, “multa no valor de cinco mil a dez mil UFIR”. Nesse caso, na concretização da sanção pecuniária, não é possível atender ao sistema bifásico. Deve o juiz, então, esta-belecer o montante da multa tendo em conta todas as situações assinaladas, ou seja: circunstâncias judiciais, circunstâncias agravantes e atenuantes, causas de aumento e diminuição, e situação econômica do infrator.

1.11 Reincidência e duplicação da pena de multa

Dispõe o art. 90, § 2o, da Lei no 9.504/97: “Nos casos de reincidência, as penas pecuniárias previstas nesta Lei aplicam-se em dobro”.

O instituto da reincidência é definido no art. 63 do Código Penal, que reza: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.”

No presente contexto, trata-se de reincidência específica em crime eleitoral previsto na Lei no 9.504/97.

Portanto, não haverá duplicação da pena pecuniária se o crime anterior for pre-visto no Código Eleitoral ou em outra norma esparsa que não seja a Lei no 9.504/97.

1.12 Crime eleitoral cometido pela mídia

“Art. 288. Nos crimes eleitorais cometidos por meio da imprensa, do rá-dio ou da televisão, aplicam-se exclusivamente as normas deste Código e as remissões a outra lei nele contempladas.”

O crime eleitoral não perde sua natureza por ser cometido pela mídia: imprensa, TV, rádio, Internet. A ele se aplicam, portanto, as normas eleitorais. Observa-se, aqui, o princípio da especialidade.

Em certos casos, discutia-se a incidência da Lei no 5.250/1967 (Lei de Imprensa) em fatos estritamente eleitorais, notadamente os crimes contra a honra (calúnia, di-famação e injúria) cometidos por meio da imprensa. Ocorre que o formal reconheci-mento pelo Supremo Tribunal Federal de que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988 sufocou qualquer argumento dessa natureza. O julgamento do STF se deu na Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental no 130, fican-do expresso no aresto que às causas concernentes às relações de imprensa aplica-se não a aludida Lei no 5.250/1967, mas “as normas da legislação comum, notadamente

Page 31: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

22 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal” (STF – ADPF 130/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Carlos Britto – DJe 208, de 6-11-2009); e também – acrescente-se – a legislação eleitoral, quando a relação em questão for por esta regulada.

1.13 Institutos despenalizadores: infração penal de menor potencial ofensivo – transação penal e sursis processual

A Lei no 9.099/1995 dispõe sobre o Juizado Especial Criminal. Provido por juízes togados ou togados e leigos, esse órgão é competente para “a conciliação, o julga-mento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência” (art. 60).

Infrações penais de menor potencial, reza o art. 61 da referida norma legal, são “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

Para essa categoria de infração o art. 72 da Lei no 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais – LJE) autoriza a realização de conciliação:

“Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministé-rio Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibili-dade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.”

Já o art. 76 dessa mesma norma prevê a possibilidade de transação penal.

“Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”

Por seu turno, o art. 89 da Lei no 9.099/1995 dispõe sobre a suspensão condicio-nal do processo (sursis processual) caso se apresentem os requisitos que estabelece.

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou infe-rior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”

Page 32: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 23

Tais institutos situam-se num horizonte de despenalização do Direito Penal, sendo a pena criminal substituída por medidas alternativas. O que se busca é a solução do conflito social por meios menos ortodoxos, mais afinados com a complexidade da sociedade contemporânea.

No tocante à definição de infração de menor potencial ofensivo, cumpre registrar inexistir no Direito Eleitoral Penal previsão de contravenção penal. Logo, nessa seara a discussão se restringe aos crimes eleitorais.

A análise das penas fixadas aos crimes eleitorais permite concluir que um grande número deles se enquadra na definição de infração penal de menor potencial ofensivo dada pelo aludido art. 61 da LJE.

1.13.1 Juizados especiais criminais eleitorais

Ocorre que a legislação eleitoral não prevê Juizado Especial Eleitoral Criminal. Até o presente momento, inexiste órgão dessa natureza instaurado na Justiça Eleitoral.

Na jurisprudência, já se entendeu que crimes eleitorais não poderiam ser conhe-cidos e julgados pelo Juizado, pois as “infrações penais definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto nos seus arts. 355 e seguintes e o seu processo é especial” (TSE – Res. no 21.294, de 7-11-2002 – DJ, v. 1, de 7-2-2003, p. 133).

Mas o fato de não ter sido previsto, criado e instalado Juizado Especial Criminal Eleitoral não significa que as citadas medidas de caráter despenalizador não possam incidir no Direito Eleitoral. Mesmo porque tal veto não seria justo nem jurídico, por ferir o princípio fundamental da isonomia (CF, art. 5o, caput), pois ao autor de crime eleitoral seriam negados benefícios legalmente concedidos a agentes de crimes por-ventura até mais graves praticados em detrimento de bens e interesses diversos do eleitoral. Na verdade, até mesmo em atenção ao aludido princípio, pacificou-se o en-tendimento de que as medidas assinaladas incidem no Eleitoral. A ver:

“IV – É possível, para as infrações penais eleitorais cuja pena não seja superior a dois anos, a adoção da transação e da suspensão condicional do processo, salvo para os crimes que contam com um sistema punitivo especial, entre eles aqueles a cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro se o responsável for candidato, a exemplo do tipi-ficado no art. 334 do Código Eleitoral” (TSE – Res. no 21.294, de 7-11-2002 – DJ, v. 1, de 7-2-2003, p. 133).

Nesse quadro, quando cabível, a medida pertinente deve ser proposta diretamente ao órgão judicial competente para conhecer e julgar a lide penal.

“Habeas corpus. Crime eleitoral: fraude na apuração (artigo 315 do Código Eleitoral). Direito intertemporal: suspensão condicional do processo (ar-tigo 89 da Lei no 9.099/95). 1. O artigo 89 da Lei no 9.099, de 25.09.95,

Page 33: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

24 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

instituiu a possibilidade de suspensão condicional do processo para os crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano. [...]. 3. Habeas corpus conhecido e deferido para anular as decisões condenató-rias (sentença e acórdão) e determinar que os autos sejam submetidos ao Ministério Público que atua perante a primeira instância, para mani-festar-se sobre a suspensão condicional do processo.” (TSE – HC no 361/RJ – DJ 6-8-1999, p. 98)

“Habeas corpus. Concurso de crimes. Arts. 299 e 312 do Código Eleito-ral. Penas individuais que possibilitam a proposta do art. 89 da Lei no 9.099/95. Soma aritmética. Inviabilidade. Concessão do sursis processual. Possibilidade. Inteligência do art. 119 do Código Penal.

Ordem deferida para o fim de anular o acórdão e a sentença, abrindo-se oportunidade ao Procurador Regional Eleitoral para oferecer a proposta de que trata o art. 89 da Lei no 9.099/95.” (TSE – HC no 435/RS – DJ, v. 1, 13-9-2002, p. 177)

1.13.2 Cômputo de causa de aumento

Para a aplicação das medidas assinaladas há mister sejam computadas na pena abstratamente cominada no tipo legal as causas de aumento porventura existentes. O acréscimo deverá ser feito no máximo ou no mínimo da pena conforme se almeje respectivamente transação penal ou sursis processual.

Nesse diapasão: (i) “No caso, a pena máxima prevista para o crime de desaca-to é de 02 (dois) anos, que, acrescida da causa de aumento prevista para o crime continuado (um sexto a dois terços), ultrapassa o quantum estabelecido na Lei no 9.099/95 c/c Lei no 10.259/01, impedindo, assim, o oferecimento da proposta de transação penal. Ordem denegada” (STJ – HC no 33212/SP – 5a T. – DJ 23-8-2004, p. 257); (ii) no cálculo da pena mínima para obtenção de sursis processual, “deve-se levar em consideração as causas especiais de aumento” (STJ – HC no 29126/MS – 5a T. – DJ 5-4-2004, p. 288).

Tal exegese é sintetizada na Súmula 243 do Superior Tribunal de Justiça, que reza:

“O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às in-frações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou con-tinuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”

Refletindo, ainda, essa Súmula, veja-se o seguinte julgado:

“1 – Se há incidência da causa especial de aumento, prevista no art. 71 do CP (continuidade delitiva), não há espaço para suspensão con-

Page 34: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 25

dicional do processo, porquanto, para os efeitos do art. 89, da Lei no 9.099/95, leva-se em consideração a pena mínima, acrescida daquele quantum, pelo que, ultrapassado o limite de 01 ano, descabida é a apli-cação do sursis processual. Súmula 243/STJ. 2 – Recurso conhecido e provido” (STJ – REsp no 261371/SP – 6a T. – DJ 1o-9-2003, p. 324).

1.14 Efeitos de sentença penal condenatória: suspensão de direitos políticos e inelegibilidade

1.14.1 Suspensão de direitos políticos

Reza o art. 15, inciso III, da Constituição Federal que a condenação criminal tran-sitada em julgado determina a suspensão de direitos políticos enquanto perdurarem seus efeitos. Trata-se de norma autoaplicável, conforme pacífico entendimento juris-prudencial.

“Suspensão de Direitos Políticos – Condenação Penal Irrecorrível – Sub-sistência de seus Efeitos – Autoaplicabilidade do art. 15, III, da Cons-tituição – A norma inscrita no art. 15, III, da Constituição reveste-se de autoaplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata inci-dência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível – e enquanto durarem os seus efeitos, como ocorre na vigência do período de prova do sursis –, a sanção cons-titucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado. Precedente: RE no 179.502-SP (Pleno), Rel. Min. Moreira Alves. Doutri-na.” (STF – AgRRMS no 22.470/SP – 1a T. – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 27-9-1996, p. 36158)

“1 . O art. 15, III, da CF/88 é auto-aplicável, constituindo a suspensão dos direitos políticos efeito automático da condenação. 2. A condenação crimi-nal transitada em julgado é suficiente à imediata suspensão dos direitos políticos, ainda que a pena privativa de liberdade tenha sido posteriormen-te substituída por uma restritiva de direitos. 3. Agravo regimental despro-vido.” (TSE – AgR-REspe no 65172/SP – DJe, t. 98, 28-5-2014, p. 82-83).

“Recurso Especial. Eleições 2004. Regimental. Registro. Condenação criminal transitada em julgado. Direitos políticos. CF/88, art. 15, III. Autoaplicabilidade. É autoaplicável o art. 15, III, CF. Condenação cri-minal transitada em julgado suspende os direitos políticos pelo tempo que durar a pena. Nega-se provimento a agravo que não infirma os fun-damentos da decisão impugnada” (TSE – AREspe no 22.461/MS – PSS 21-9-2004).

Page 35: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

26 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Veja-se em igual sentido: STJ – RMS no 16.884/SE – 5a T. – DJ 14-2-2005, p. 217.

A suspensão de direitos políticos constitui efeito secundário da sentença criminal condenatória, exsurgindo direta e automaticamente com seu trânsito em julgado, in-dependentemente da natureza ou do montante da pena aplicada in concreto. Por isso, não é necessário que venha gravada na parte dispositiva do decisum.

Considerando que a investidura e o exercício de mandato político-eletivo pres-supõem que o mandatário esteja no gozo dos direitos políticos, cumpre indagar se a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado implica a perda automática de mandato eletivo. A indagação justifica-se diante da especificidade que reveste a sentença penal condenatória e seus efeitos, bem como do especial tratamento normativo conferido à matéria.

No que concerne a deputado federal ou senador (e também a deputado estadual ou distrital, por força do disposto nos arts. 27, § 1o, e 32, § 3o, da CF), reza o art. 55, VI, § 2o da Constituição Federal: “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegu-rada ampla defesa.” A redação desse dispositivo foi alterada pela EC no 76/2013, que suprimiu o caráter secreto da votação; essa, agora, é aberta. Logo, na hipótese de ha-ver condenação criminal, a perda do mandato não se concretiza de forma instantânea, pois tal efeito depende de ato a ser praticado ulteriormente pelo órgão Legislativo a que pertence o condenado.

O citado § 2o, art. 55, da CF enseja a interpretação de que – no caso específico de condenação criminal – a Câmara dos Deputados ou o Senado decidirão, por maioria absoluta de votos, a perda do mandato de seus respectivos membros. Portanto, esse efeito não decorreria direta e imediatamente da condenação criminal imposta pelo Poder Judiciário, mas do ato emanado daquelas Casas. De sorte que o ato judicial constituiria apenas requisito ou ponto de partida para análise e julgamento político do Poder Legislativo.

Entretanto, essa regra colide com outra de igual estatura, a saber, a prevista no § 3o, IV, art. 55 c.c. art. 15, III, ambos da Constituição Federal. Aqui não há propriamen-te decisão por parte do Legislativo, mas mera declaração e publicação do ato de perda do mandato. Isso porque a condenação criminal (entre outras causas) provoca a sus-pensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III), e essa suspensão, só por si, determina a incidência do inciso IV e do § 3o do mesmo art. 55 da Constituição, os quais só exigem a declaração da Mesa da Casa respectiva, declaração essa que pode se dar ex officio ou decorrer de provocação de qualquer de seus membros ou de partido político repre-sentado no Congresso Nacional. Não há, aqui, discricionariedade (ou liberdade) do Poder Legislativo para decidir se declara ou não a perda do mandato do parlamentar que se encontrar com seus direitos políticos suspensos, pois trata-se de ato vinculado,

Page 36: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 27

de maneira que a Casa Legislativa se limita a declarar a perda do mandato e publicar o respectivo ato.

No julgamento da Ação Penal no 470, o plenário do Supremo Tribunal Federal, pela estreita maioria de cinco a quatro, na sessão realizada em 17-12-2012, firmou a interpretação de que, havendo condenação criminal emanada do Pretório Excelso (mormente na hipótese de crime contra a administração pública), a perda do mandato parlamentar do acusado exsurge direta e automaticamente do trânsito em julgado do decisum. À Mesa da Casa Legislativa cabe apenas declarar a perda do mandato e não decidi-la. Distinguiu-se, portanto, a decisão da declaração. Isso porque a resolução (decisão) sobre a perda do mandato é inerente ao exercício da jurisdição.

“Perda do mandato eletivo. Competência do Supremo Tribunal Federal. Ausência de violação do princípio da separação de poderes e funções. Exercício da função jurisdicional. Condenação dos réus. detentores de mandato eletivo pela prática de crimes contra a Administração Pública. Pena aplicada nos termos estabelecidos na legislação penal pertinente. 1. O Supremo Tribunal Federal recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao Supre-mo Tribunal Federal que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena aces-sória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto. 2. Diferentemente da Carta outorgada de 1969, nos termos da qual as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos deveriam ser disciplinadas por Lei Complementar (art. 149, § 3o), o que atribuía efi-cácia contida ao mencionado dispositivo constitucional, a atual Consti-tuição estabeleceu os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos em norma de eficácia plena (art. 15, III). Em consequência, o condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, tem seus direitos po-líticos suspensos pelo tempo que durarem os efeitos da condenação. 3. A previsão contida no artigo 92, I e II, do Código Penal, é reflexo direto do disposto no art. 15, III, da Constituição Federal. Assim, uma vez con-denado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condena-tória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional. A Constituição não submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da República. Não há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Po-

Page 37: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

28 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

lítico. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijurídicas e culpáveis. Entendimento que se extrai do artigo 15, III, combinado com o artigo 55, IV, § 3o, ambos da Constituição da República. Afastada a incidência do § 2o do art. 55 da Lei Maior, quando a perda do mandato parlamentar for decretada pelo Poder Judiciário, como um dos efeitos da condenação criminal transitada em julgado. Ao Poder Legislativo cabe, apenas, dar fiel execução à decisão da Justiça e declarar a perda do mandato, na forma preconizada na decisão jurisdicional. 4. Repugna à nossa Constituição o exercício do mandato parlamentar quando recaia, sobre o seu titular, a reprovação penal defi-nitiva do Estado, suspendendo-lhe o exercício de direitos políticos e de-cretando-lhe a perda do mandato eletivo. A perda dos direitos políticos é ‘consequência da existência da coisa julgada’. Consequentemente, não cabe ao Poder Legislativo ‘outra conduta senão a declaração da extinção do mandato’ (RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim). Conclusão de ordem ética consolidada a partir de precedentes do Supremo Tribunal Federal e extraída da Constituição Federal e das leis que regem o exercício do po-der político-representativo, a conferir encadeamento lógico e substância material à decisão no sentido da decretação da perda do mandato eleti-vo. Conclusão que também se constrói a partir da lógica sistemática da Constituição, que enuncia a cidadania, a capacidade para o exercício de direitos políticos e o preenchimento pleno das condições de elegibilidade como pressupostos sucessivos para a participação completa na formação da vontade e na condução da vida política do Estado. 5. No caso, os réus parlamentares foram condenados pela prática, entre outros, de crimes contra a Administração Pública. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, necessária e proporcional. 6. Decre-tada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, III, da Constituição Federal. Unânime. 7. Decretada, por maioria, a perda dos mandatos dos réus titulares de mandato eletivo.” (STF - AP no 470/MG – Pleno – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJe 74, 22-4-2013).

Todavia, esse último entendimento foi revogado pelo próprio STF no julgamento da Ação Penal no 565/RO, ocorrido na sessão plenária dos dias 7 e 8-8-2013. Desta feita, também por maioria de votos, afirmou o Pretório Excelso competir à respectiva Casa Legislativa decidir sobre a eventual perda de mandato parlamentar (no caso, de senador), por força do disposto no art. 55, VI, § 2o, da CF. De maneira que o específico efeito atinente à perda de mandato político não decorre direta e automaticamente do ato jurisdicional. É essa a interpretação tendencial daquela Corte Suprema.

Page 38: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 29

No que concerne a vereadores e detentores de mandato executivo (prefeito, go-vernador, presidente da República e seus respectivos vices) inexistem regras excepcio-nais como as dos aludidos arts. 27, § 1o, 32, § 3o, e 55, §§ 2o e 3o, todos da Lei Maior. E exceções interpretam-se restritivamente. Vale frisar que o silêncio constitucional aqui é relevante, eloquente, não havendo de se falar em lacuna a ser colmatada. Em tais casos, o trânsito em julgado da condenação criminal implica privação de direitos políticos e perda de mandato.

Nesse sentido, colhem-se na jurisprudência da Corte Suprema os seguintes ares-tos:

i) “Da suspensão de direitos políticos – efeito da condenação criminal transitada em julgado – ressalvada a hipótese excepcional do art. 55, § 2o, da Constituição – resulta por si mesma a perda do mandato eletivo ou do cargo do agente político” (STF – RE no 418.876/MT – 1a T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 4-6-2004, p. 48);

ii) “Condenação criminal transitada em julgado após a posse do candi-dato eleito (CF, art. 15, III). Perda dos direitos políticos: consequência da existência da coisa julgada. A Câmara de vereadores não tem compe-tência para iniciar e decidir sobre a perda de mandato de prefeito eleito. Basta uma comunicação à Câmara de Vereadores, extraída nos autos do processo criminal. Recebida a comunicação, o Presidente da Câmara de Vereadores, de imediato, declarará a extinção do mandato do Prefeito, assumindo o cargo o Vice-Prefeito, salvo se, por outro motivo, não possa exercer a função. Não cabe ao Presidente da Câmara de Vereadores outra conduta senão a declaração da extinção do mandato. Recurso extraordi-nário conhecido em parte e nessa parte provido” (STF – RE no 225.019/GO – Pleno – Rel. Min. Nelson Jobim – DJ 22-11-1999, p. 133);

iii) “O propósito revelado pelo embargante, de impedir a consumação do trânsito em julgado de decisão penal condenatória – valendo-se, para esse efeito, da utilização sucessiva e procrastinatória de embargos declarató-rios incabíveis – constitui fim ilícito que desqualifica o comportamento processual da parte recorrente e que autoriza, em consequência, o imedia-to cumprimento do acórdão emanado do Tribunal a quo, viabilizando, desde logo, tanto a execução da pena privativa de liberdade, quanto a privação temporária dos direitos políticos do sentenciado (CF, art. 15, III), inclusive a perda do mandato eletivo por este titularizado. Precedentes” (STF – AgEDAI no 177.313/MG – 1a T. – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 14-11-1996, p. 44488).

Note-se, porém, que em tais hipóteses a concretização da perda de mandato com o efetivo afastamento do agente público se dá a partir de declaração emanada do res-pectivo órgão legislativo. Este não decide a perda do mandato, mas apenas a declara e torna pública, inexistindo espaço para revisão ou discussão dos fundamentos da de-

Page 39: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

30 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

cisão condenatória. O ato do Legislativo é vinculado e não discricionário. Tal solução encontra fundamento no princípio de divisão dos poderes.

Por outro lado, não se pode olvidar a previsão constante do art. 92, I, do Código Penal, que estabelece como efeito secundário da condenação a perda de mandato ele-tivo: (a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. Na seara penal, a perda de cargo público ou mandato político deve ser motivadamente declarada na sentença. Antes de impor essa sanção, o juiz deve sopesar fatores como a natureza do evento e sua lesividade, o grau de culpa do agente, a necessidade de aplicação da sanção no caso concreto. O aludido dispositivo regula nomeadamente a perda de mandato no âmbito e para os fins do Direito Penal, e não a perda de direitos políticos. Ocorre, porém, que a só incidência dos aludidos arts. 15, III, 55, IV, VI, §§ 2o e 3o da Constituição Federal por si só afeta o mandato.

Sempre que transitar em julgado condenação penal, o juiz da vara criminal deve comunicar esse fato ao juiz eleitoral para o fim de cancelamento da inscrição e de exclusão do condenado do corpo de eleitores (CE, art. 71, II). Não se pode negar o exagero de se determinar a exclusão do eleitor, pois bastaria que houvesse a suspen-são de sua inscrição.

A expressão condenação criminal, constante do art. 15, III, da Lei Maior, é genérica, abrangendo a contravenção penal. Nesse diapasão, assentou-se na jurisprudência o entendimento de que: “A disposição constitucional, prevendo a suspensão dos direi-tos políticos, ao referir-se à condenação criminal transitada em julgado, abrange não só aquela decorrente da prática de crime, mas também a de contravenção penal” (TSE – REspe no 13.293/MG – PSS 7-11-1996).

Não importa a natureza da pena aplicada, pois, em qualquer caso, ficarão suspen-sos os direitos políticos. Logo, é irrelevante: (1) que a pena aplicada seja restritiva de direitos; (2) que seja somente pecuniária; (3) que o réu seja beneficiado com sursis (CP, art. 77); (4) que tenha logrado livramento condicional (CP, art. 83); (5) que a pena seja cumprida no regime de prisão aberto, albergue ou domiciliar. Igualmente irrelevante é perquirir quanto ao elemento subjetivo do tipo penal, havendo a suspen-são de direitos políticos na condenação tanto por ilícito doloso quanto por culposo.

E quanto à sentença penal absolutória imprópria? Nesse caso, a despeito da absol-vição, há aplicação de medida de segurança, a qual ostenta natureza condenatória. Por isso, também nessa hipótese haverá suspensão de direitos políticos.

E se houver transação penal, conforme previsão constante do art. 76 da Lei no 9.099/95? Note-se que a proposta de transação deve ser feita antes da denúncia; a aceitação e a homologação da proposta não causam reincidência, sendo isso regis-trado apenas para impedir nova concessão desse mesmo benefício no lapso de cinco anos; ademais, a imposição de sanção não constará de certidão de antecedentes

Page 40: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 31

criminais. Embora possa haver a aplicação de pena restritiva de direito ou multa, a homologação judicial da transação não significa condenação criminal. Inexistindo condenação judicial transitada em julgado, os direitos políticos de quem aceita a transação penal não são atingidos e, pois, não se suspendem.

E quanto ao sursis processual? Impõe-se, nesse caso, a mesma solução dada à tran-sação penal. Previsto no art. 89 da Lei no 9.099/95, essa medida susta o curso do processo e, expirado o prazo sem revogação, deve ser decretada sua extinção. Extinto o processo, impossível se torna a condenação.

Os efeitos da suspensão dos direitos políticos somente cessam com o cumpri-mento ou a extinção da pena. É o que reza a Súmula no 9 do TSE: “A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou prova de reparação de danos.” Logo, a propositura de revisão criminal (CPP, art. 621) por si só não faz cessar os efeitos da condenação, de maneira a restaurar os direitos políticos.

1.14.2 Inelegibilidade

Além da suspensão de direitos políticos enquanto durarem os efeitos da conde-nação penal, há diversos casos em que o condenado fica inelegível no período subse-quente à extinção da punibilidade.

É isso que prevê o art. 1o, I, e, da LC no 64/1990, segundo o qual são inelegíveis para qualquer cargo

“os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou profe-rida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o pa-trimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando”.

Ao julgar o REspe no 7.679/AM, em 15-10-2013, o TSE, por maioria, entendeu que os crimes contra a Administração Pública ensejadores da inelegibilidade estabele-cida na enfocada alínea e não se restringem aos previstos no Título XI da Parte Geral do Código Penal (arts. 312 a 359-H), abrangendo, também, os tipificados em normas

Page 41: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

32 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

penais extravagantes, tal como o art. 183 da Lei no 9.472/1997, que prevê o delito de exploração ilegal de atividade de telecomunicação.

Vale ressaltar que a inelegibilidade em apreço não se aplica aos seguintes crimes: (i) culposos; (ii) de menor potencial ofensivo; e (iii) de ação penal privada (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Logo, quanto àquelas infrações especificadas, além de o agente ter suspensos seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação (CF, art. 15, III), tam-bém permanecerá inelegível desde a condenação por órgão judicial colegiado até o prazo de oito anos, após a extinção da pena.

Para a declaração da inelegibilidade, irrelevante é a natureza da pena concreta-mente aplicada, ou seja, se privativa de liberdade, restritiva de direito ou pecuniária.

O marco inicial da causa de inelegibilidade em exame é: 1) o trânsito em julgado da decisão penal condenatória de primeiro grau; 2) a publicação da sentença penal condenatória emanada do Tribunal do Júri (que é “órgão judicial colegiado” – TSE – REspe no 61103/RS – DJe 13-8-2013); 3) a publicação do acórdão penal condenató-rio (competência originária do tribunal) ou confirmatório (competência recursal) da sentença condenatória de primeiro grau. No REspe no 122-42/CE (PSS 9-10-2012), entendeu a Corte Superior que a inelegibilidade incide desde a publicação da deci-são, de maneira que a oposição de embargos de declaração não afeta sua imediata incidência.

Cessando os efeitos da condenação penal pelo cumprimento ou extinção da pena, o sentenciado recobra seus direitos políticos. Não obstante, sua cidadania passiva permanecerá cerceada em virtude da incidência da causa da inelegibilidade em apreço. Consequentemente, por mais oito anos, embora possa votar, não poderá ser votado, porque a restrição veiculada na enfocada alínea e embaraça apenas a capacidade elei-toral passiva.

Nesse quadro, na hipótese de condenação por órgão colegiado (itens 2 e 3, aci-ma): i) ficará o réu inelegível no intervalo situado entre (A) a publicação da decisão condenatória até (B) o seu trânsito em julgado; ii) a partir deste evento (trânsito em julgado), seus direitos políticos estarão suspensos até (C) o cumprimento ou a extin-ção da pena; e iii) finalmente, ficará inelegível por oito anos após o cumprimento ou a extinção da pena.

Note-se que a inelegibilidade concernente ao intervalo (A)-(B) não possui prazo definido, vigorando pelo tempo em que o respectivo recurso permanecer pendente de julgamento. Por isso, não se afigura viável a ideia de se descontar dos oito anos de ine-legibilidade o tempo relativo a esse intervalo (A)-(B), porque a demora no julgamento do recurso acarretaria a ineficácia da inelegibilidade. Por certo, é de se descartar a interpretação que priva o instituto de gerar os efeitos para os quais foi concebido.

A inelegibilidade em tela incide ainda que tenha ocorrido extinção da pretensão executória do Estado pela ocorrência de prescrição. Transitando em julgado a senten-

Page 42: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crime Eleitoral e a Parte Geral do Código Penal 33

ça penal condenatória para a acusação e para a defesa (com o que se torna definitiva a condenação), surge para o Estado a pretensão de executar a pena imposta. Nos termos do art. 110 do Código Penal, tal pretensão deve ser satisfeita nos prazos es-tabelecidos no art. 109 do mesmo código (ou em dois anos, caso somente seja apli-cada a pena de multa – CP, art. 114, I), tendo por base o montante da pena privativa de liberdade aplicada. Não sendo a pena executada no prazo, opera-se a prescrição, a qual fulmina o direito de o Estado executá-la (jus executionis). Entretanto, a extinção da pretensão executória não prejudica os efeitos extrapenais da condenação crimi-nal, designadamente não afasta a inelegibilidade prevista na presente alínea e, I, art. 1o da LC no 64/90. A bem ver, permanece hígida a inelegibilidade, que, no caso, deve ser contada a partir da data em que se operou a extinção da pretensão executória. Por ser mais favorável ao réu, deve-se observar essa data, e não a da publicação do ato judicial que declara extinta a pretensão executória. Assim, permanece o réu inelegível nos oito anos seguintes à data em que se opera a extinção da pretensão executória estatal.

Com isso, porém, não deve ser confundida a extinção da pretensão punitiva estatal, pois aqui perece o próprio “direito de punir” do Estado (jus puniendi), surgido com o cometimento do crime. A extinção do jus puniendi afasta não só os efeitos principais (imposição de pena ou medida de segurança), como também todos os secundários da sentença penal condenatória (ex.: reincidência, confisco de bens etc.), e, ainda, os efeitos extrapenais como os civis (CP, art. 91, I) e os político-eleitorais.

“8. A declaração de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória, embora impeça a execução da pena, não afasta os efeitos pe-nais secundários decorrentes da existência de condenação criminal que transitou em julgado, tais como a formação de reincidência e maus ante-cedentes. É hipótese diferente da prescrição da pretensão punitiva, cujo implemento fulmina a própria ação penal, impendido a formação de títu-lo judicial condenatório definitivo, e, por essa razão, não tem o condão de gerar nenhum efeito penal secundário.” (STJ – REsp no 1065756/RS – 6a T. - Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 17-4-2013).

“2. A inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da LC no 64/90 incide mes-mo após o reconhecimento da prescrição da pretensão executória, a qual afasta apenas a execução da pena, subsistindo os efeitos secundários da decisão condenatória, como é o caso da inelegibilidade (condenação por tráfico de drogas – arts. 12 e 14 da Lei no 6.368/76). [...] 5. Agravo regi-mental a que se nega provimento.” (TSE – AgR-REspe no 22783/SP – PSS 23/10/2012).

Ao erigir a presente causa de inelegibilidade, o Legislador Complementar teve em vista o contido no § 9o do art. 14 da Lei Maior, que manda considerar “a vida pregressa

Page 43: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

34 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

do candidato”, de sorte a preservar “a moralidade para o exercício do mandato”. O condenado por um dos delitos indigitados atrai para si a presunção de desapreço pe-los valores maiores que o Constituinte quis implantar, nomeadamente a primazia do interesse público e a dignidade e o decoro no exercício de mandato.

Page 44: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

2.1 Introdução

Os diversos tipos penais eleitorais encontram-se espalhados nos textos legais componentes do microssistema jurídico-eleitoral. A maior parte deles é arrolada no Código Eleitoral.

Nesta obra, os tipos penais são apresentados na mesma ordem em que aparecem no Código. Na sequência, serão expostos os delitos previstos em outras leis eleitorais, a chamada legislação extravagante.

Diferentemente do que ocorre no Código Penal, não há indicação nas normas eleitorais do nomem juris dos crimes. Mas no presente texto cada um deles é nomeado.

Vale ressaltar que o Código Eleitoral foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965. Sua instituição fundamentou-se no art. 4o, caput, do Ato Institucional de 9 de abril de 1964. De sorte que seu contexto histórico-social era completamente diverso do existente hoje.

Por isso, há figuras típicas que foram extintas não só por terem sido expressamente revogadas por normas posteriores, mas também por não terem sido recepcionadas pela Constituição de 1988 ou simplesmente porque são incompatíveis com a realidade atual.

No que concerne à recepção de normas, trata-se de acontecimento ligado à promul-gação de uma nova Constituição pela manifestação do Poder Constituinte Originário. A emergência desse Poder inaugura um novo ordenamento jurídico na sociedade. No momento em que a nova Constituição entra em vigor, o sistema jurídico anterior per-de seu fundamento de validade, sendo integralmente extinto. No entanto, as normas harmônicas com o novel sistema são por ele recebidas – fenômeno denominado recep-ção. A Constituição funciona como filtro, pelo qual só passam e sobrevivem as normas jurídicas compatíveis com ela, sendo fulminadas todas as demais.

Por outro lado, há tipos penais eleitorais que foram extintos mais propriamente em razão da superação da própria realidade, ou seja, dos valores e das relações para cuja proteção foram concebidos. A esse respeito, ressalte-se serem diversos os valores hoje encarecidos, entre os quais se destacam a liberdade e a democracia em sentido amplo. Vive-se, afinal, na era tecnológica, pós-positivista.

CRIMES ELEITORAIS EM ESPÉCIE

2

Page 45: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

36 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

No tocante a esse último aspecto, vale registrar que as rotinas da administração eleitoral, da gestão e do controle de eleições foram informatizadas, tornando obsole-tas algumas figuras típicas.

Pouco expressivas são as penas privativas de liberdade da maioria dos crimes elei-torais. Isso faz com que eles se enquadrem na categoria de infração penal de menor potencial ofensivo, ensejando, portanto, transação penal. Ou, ainda, rendam ensejo à suspensão condicional do processo. Essa circunstância, porém, não lhes retira a re-levância. Pois pelo menos impõe-se ao agente uma reflexão antes de alçar voos mais altos na criminalidade.

2.2 Crimes previstos no Código Eleitoral

Art. 289 Inscrição fraudulenta de eleitor

“Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena – Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.”

Atualmente, não mais se fala em inscrição, mas sim em alistamento eleitoral.

O funcionamento da contemporânea democracia representativa pressupõe a exis-tência de um corpo eleitoral bem organizado. Daí a importância do alistamento eleito-ral, pois é ele que propicia a estruturação do eleitorado em todo o território nacional com vistas ao exercício do sufrágio.

Por alistamento compreende-se o procedimento administrativo-eleitoral pelo qual se qualificam e se inscrevem os eleitores. Nele se verifica o preenchimento dos requi-sitos constitucionais e legais indispensáveis à inscrição do eleitor e, portanto, à forma-lização de seu status de cidadão. Uma vez deferido, o indivíduo é integrado ao corpo de eleitores, podendo exercer direitos políticos, votar e ser votado, enfim, participar da vida política do país. Tecnicamente, adquire cidadania.

Não havendo alistamento, não é possível que a pessoa exerça direitos políticos, já que não terá título de eleitor, seu nome não figurará no rol de eleitores de nenhu-ma seção eleitoral, tampouco constará da urna eletrônica. Por isso, tem-se dito que o alistamento constitui pressuposto objetivo da cidadania, sem o qual não é possível a concretização da soberania popular.

O delito em exame tem por objeto jurídico a higidez do alistamento eleitoral, a veracidade dos dados lançados no cadastro. Indiretamente também se protege a lisura da representação política, porque quem não for realmente domiciliado na circunscrição do pleito, em tese não detém legitimidade para escolher as pessoas que lá governarão.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa física.

Sujeito passivo é a sociedade.

Page 46: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 37

O crime é comissivo.

O núcleo do tipo é formado pela elementar “inscrever”.

Sob o aspecto objetivo, o tipo legal descreve a conduta de inscrever-se fraudulenta-mente eleitor.

No presente contexto, inscrever significa alistar, matricular, registrar.

Já o termo fraude denota frustração do sentido e da finalidade da norma jurídica pelo uso de artimanha, astúcia, artifício ou ardil. Conquanto aparentemente aja o agente conforme o Direito, o efeito visado o contraria, disso resultando sua violação. Há uma aparência de legalidade no ato.

Pode a inscrição fraudulenta ser originária ou derivada. Enquanto aquela consiste no primeiro alistamento, esta se refere à mudança de título para local diverso do que o cidadão se encontra inscrito. Havendo mudança do local de votação, no mesmo município, procede-se à revisão eleitoral (vide art. 6o da Res. TSE no 21.538/2003). Todavia, havendo mudança de domicílio eleitoral, o procedimento a ser seguido será o de transferência (Res. TSE no 21.538/2003, arts. 5o e 18). Em ambos os casos novo título eleitoral é expedido.

Na descrição típica, o pronome reflexivo se indica que a ação deve ser realizada pelo próprio agente. Este deve postular o alistamento como eleitor, fazendo, pois, in-serir seu próprio nome no cadastro eleitoral, sem que para tanto ostente as condições fático-legais requeridas. Logo, na realização da conduta criminosa não é admitida coautoria.

A participação na forma de indução é prevista como crime autônomo no sub-sequente art. 290. Entretanto, é possível a participação material, como ocorre, por exemplo, na hipótese em que o partícipe colabora com o agente fornecendo-lhe infor-mações, instruções, documentos, ou o conduz ao Cartório Eleitoral.

E se o agente intentar alistar fraudulentamente não a si mesmo, mas outra pes-soa? Nessa hipótese, o fato seria atípico em face do presente art. 289. Mas sendo o autor juiz eleitoral, poder-se-ia cogitar a incidência do art. 291 do CE. De qualquer modo, dificilmente isso ocorreria, porque o alistamento é ato personalíssimo, só po-dendo ser feito pessoalmente pelo próprio interessado. Note-se que os dispositivos legais que tratam do alistamento se referem sempre ao alistando, tais como: CE, art. 43 (“o alistando apresentará”), CE, art. 45 (“determinará que o alistando”), Lei no 7.444/85, art. 5o (“o alistando apresentará em Cartório”).

Entre os requisitos para o alistamento consta o domicílio na circunscrição elei-toral. Cumpre averbar, porém, que no Direito Eleitoral o conceito de domicílio é mais flexível que no Direito Privado. Com efeito, o art. 40, parágrafo único, da Lei no 6.996/82 dispõe que, “para efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, consi-derar-se-á domicílio qualquer delas”. É essa igualmente a definição constante do art. 42, parágrafo único, do CE. Logo, o Direito Eleitoral considera domicílio da pessoa o

Page 47: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

38 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

lugar de residência, habitação ou moradia, ou seja, não é necessário haver animus de permanência definitiva.

A jurisprudência tem admitido como domicílio eleitoral qualquer lugar em que o cidadão possua vínculo específico, o qual poderá ser familiar, econômico, social ou po-lítico. Nesse diapasão, considera-se domicílio eleitoral o lugar em que o eleitor man-tiver vínculo: (a) familiar, e. g., aquele em que seu genitor é domiciliado (TSE – AAg no 4.788/MG – DJ 15-10-2004, p. 94) ou em que seja “proprietário rural” (TSE – REs-pe no 21.826/SE – DJ 1-10-2004, p. 150); (b) patrimonial (TSE – REspe no 13.459/SE – DJ 12-11-1993, p. 24103); (c) afetivo, social ou comunitário (TRE-MG – Ac. no 1.240/2004 e Ac. no 1.396/2004 – RDJ 14:148-155); (d) o lugar em que o candidato, nas eleições imediatamente anteriores, obteve a maior parte da votação (TSE – REspe no 16.397/AL – DJ 9-3-2001, p. 203).

Possuindo o cidadão mais de um domicílio eleitoral, poderá alistar-se em qualquer deles, sem que a inscrição possa ser caracterizada como fraudulenta. Nesse caso, não há tipicidade à luz do art. 289 do CE. A ver:

“Ação penal pelo crime do art. 289 do Cód. Eleitoral. Falta de justa causa. Em sendo certo o entendimento, na espécie, de que a alistanda tinha mais de uma residência ou moradia, poderia ela, licitamente, optar entre a capital e o interior, quando do seu alistamento eleitoral. Recurso ordi-nário provido.” (TSE – RHC no 8/SE – DJ 22-8-97, p. 38.864).

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, consistente na vontade de se inscrever como eleitor valendo-se de meio fraudulento.

Impõe-se a presença de elemento subjetivo, expresso na específica finalidade elei-toral.

A consumação do delito de inscrição fraudulenta se dá com a efetivação do alista-mento do agente. Esse resultado revela que a fraude empregada foi apta para ludibriar os servidores da Justiça Eleitoral encarregados do serviço de alistamento. Não é ne-cessário que o título eleitoral tenha sido expedido, pois isso já significa exaurimento do delito.

Admite-se a tentativa, ao qual ocorre se o agente realizar todo o iter criminis e, ape-sar disso, a transferência não se concretizar por circunstâncias alheias à sua vontade.

Sanção – a pena é de reclusão de um a cinco anos, e cinco a 15 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não tem cabimento a transação penal. Portanto, no caso de condenação, há gera-ção da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Page 48: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 39

Conflito aparente de normas – tal conflito pressupõe a existência de mais de uma regra legal aparentemente incidindo sobre o mesmo fato, sendo que apenas uma das regras será concretamente aplicada. Na verdade, o conflito é apenas aparente ou ilu-sório, e não real. As regras seguintes são apontadas pela doutrina para a solução da questão: especialidade, subsidiariedade e consunção – esta é aplicável às hipóteses de crime progressivo, crime complexo e progressão criminosa (progressão criminosa em sentido estrito, antefactum e postfactum impuníveis).

Cumpre averiguar se pode haver conflito de normas entre o presente art. 289 e os crimes de falso material (CE, art. 348 e 349) e ideológico (CE, art. 350).

A diferença entre os momentos consumativos da inscrição fraudulenta e do falso, bem como a diferença de bens jurídicos tutelados pelos respectivos tipos legais, ins-pira a compreensão de que haveria, nesses casos, concurso de crimes e não concurso ou conflito de normas. Argumenta-se, ademais, que o falso eleitoral é crime formal, e sua consumação se dá com a só realização da conduta típica, sendo desnecessário qualquer resultado exterior. Como resultado, tem-se a incidência autônoma de tais delitos. Esse entendimento tem sido sufragado na jurisprudência, a ver:

“Recurso especial. Falsidade ideológica para fins eleitorais. Acórdão re-corrido que aplicou o princípio da consunção. Crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, absorvido pelo delito tipificado no art. 290 do mesmo diploma legal: impossibilidade. O princípio da consunção tem aplicação quando um crime é meio necessário ou fase normal de prepa-ração ou de execução de outro crime e nos casos de antefato ou pós-fato impuníveis, o que não ocorre nos autos. O tipo incriminador descrito no art. 350 do Código Eleitoral trata de crime formal, que dispensa a ocor-rência de prejuízos efetivos, sendo suficiente a potencialidade lesiva da conduta. Afastada a possibilidade de aplicação do princípio da consunção ao delito imputado ao réu, não há que se falar em prescrição em abstrato da pretensão punitiva estatal. Recurso provido.” (TSE – REspe no 23310/MA – DJe 6-9-2011, p. 70).

É verdade que o falso pode ser praticado para diversas finalidades, e não apenas para a inscrição eleitoral ilícita. É igualmente exato que o autor do falso pode não coincidir com o autor do delito do art. 289 do CE. No entanto, insta ponderar que, quando o autor do falso for também o sujeito ativo da inscrição fraudulenta, sendo aquele delito cometido justamente para viabilizar este último, é defensável a ocorrên-cia de consunção – nomeadamente sob a forma de antefactum impunível. O falso aí constitui meio ou instrumento necessário para se obter a inscrição.

Nesse específico caso, analisados os fatos globalmente, em sua totalidade, sob a ótica da ideia de justiça, não há como negar a existência de crime único, a saber: o de inscrição fraudulenta de eleitor. É que o falso documental se operou com o exclusivo fim de burlar a Administração Eleitoral.

Page 49: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

40 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Dúvida não há de que os tipos em questão visam proteger bens jurídicos dis-tintos, a saber: de um lado, a higidez do alistamento eleitoral, de outro, a fé pública eleitoral. No entanto, a caracterização do ante ou postfactum impunível não exige que as condutas subsumam tipos penais que tutelem bens jurídicos análogos. Na verdade, o propósito do referido instituto reside em afastar da conduta auxiliar a incidência de um tipo, seja qual for o bem jurídico por ele tutelado.1

Distinção – o delito em tela não deve ser confundido com o do art. 290 do CE, consistente em induzimento a inscrição fraudulenta. Rompeu-se, aqui, com a teo-ria monista acolhida no Código Penal para o concurso de pessoas. Por essa teoria: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 29, CP). De sorte que o induzimento à inscrição fraudulenta é conduta prevista e apenada autonomamente.

Jurisprudência

“Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Justa causa. Inscrição fraudu-lenta de eleitor e falsidade. Descrição. Condutas típicas. Ordem denega-da. [...] 2. Não há se falar em falta de justa causa para a acusação, quando a denúncia descreve condutas que configuram, em tese, os crimes de inscrição fraudulenta de eleitor e de falsidade ideológica, previstos nos arts. 289 de 350 do Código Eleitoral. 3. Ordem denegada.” (TSE – HC no 654/RS – DJe 1o-9-2010, p. 10).

“Transferência que não se concretizou – Tentativa passível de punição – Art. 14, II do Código Penal. Precedentes TSE. Recurso não provido.” (TSE – RHC no 27/SP – DJ 19-11-1999, p. 151).

“Crime Eleitoral. Inscrição Fraudulenta como Eleitor (Código Eleitoral, art. 289). I – Admite-se o domicílio eleitoral em localidade onde o eleitor mantenha vínculo patrimonial. No caso, a recorrente foi contemplada,

1 Vale registrar que essa mesma linha de pensamento é acolhida no Superior Tribunal de Justiça, cuidando-se, porém, de conflitos entre os delitos de falso, uso e sonegação fiscal. Confira-se: “1. Observa-se que o acórdão recorrido não se referiu ao crime do art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica), até porque a denúncia imputa ao Réu a prática do delito do art. 304 (uso de documento falso) em combinação com o do art. 298 (fal-sificação de documento particular) do Código Penal. Incidem, assim, os verbetes sumulares nos 282 e 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. O delito previsto no art. 1o, inciso IV, da Lei no 8.137/90 não se consuma com a mera inserção de informações falsas, mas com o lançamento definitivo do débito. 3. No caso, constata-se que o crime de uso de documento falso – crime meio – foi praticado para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do crime de sonegação fiscal – crime fim –, localizando-se na mesma linha de desdo-bramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito-fim. 4. Constatado que o uso do documento falso ocorreu com o fim único e específico de burlar o Fisco, visando, exclusivamente, à sonegação de tributos, e que lesividade da conduta não transcendeu o crime fiscal, incide, na espécie, mutatis mutandis, o comando do Enunciado no 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, ad litteram: ‘Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido’, aplicando-se, portanto, o princípio da consunção ou da absorção. Precedentes. 5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (STJ – RESP no 200900819991 – 5a Turma – Rel. Min. Laurita Vaz – DJe 26-10-2009).

Page 50: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 41

no inventário do seu pai, com uma parte ideal no imóvel rural, situado o Distrito e Município de Onda Verde, onde o casal comprovou possuir interesses na produção agrícola do imóvel, em que, com frequência, ad-ministrado pelo cônjuge-varão, também recorrente. II – Ofensa ao art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral, caracterizada. III – Recurso Es-pecial provido, a fim de reformar o acórdão recorrido e absolver os recor-rentes das penas que lhes foram impostas.” (TSE – Ag no 11814/SP – DJ 30-9-1994, p. 26207).

“Inscrição fraudulenta de eleitor para regularização de sua situação junto a instituições financeiras. Inexistência de finalidade eleitoral. O crime do art. 289 do Código Eleitoral requer o dolo específico para sua configu-ração. Segundo recurso provido. Primeiro recurso julgado prejudicado.” (TRE/MG – RC no 47722006 – DJ 5-7-2007, p. 102).

Art. 290 Induzimento à inscrição fraudulenta

“Art. 290. Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código.

Pena – Reclusão até 2 anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa.”

O contexto em que se delineia o crime de induzimento à inscrição fraudulenta é idêntico ao do artigo anterior (CE, art. 289).

Também é igual a objetividade jurídica, ou seja, visa-se proteger a lisura do alista-mento eleitoral, a veracidade dos dados lançados no cadastro.

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa física.

Sujeito passivo é a sociedade. Em certas situações, a pessoa induzida a se alistar também poderá figurar como sujeito passivo.

O crime é comissivo.

O núcleo do tipo é formado pela elementar “induzir”.

Sob o aspecto objetivo, o tipo legal descreve a conduta de induzir alguém a se ins-crever eleitor com infração de qualquer dispositivo do Código Eleitoral.

A literalidade do dispositivo legal sugere que o crime de induzimento à inscrição irregular somente se perfaz se for infringido dispositivo do Código Eleitoral. Tal, po-rém, não ocorre. Urge interpretar extensivamente a norma legal. Assim, a infringência de qualquer preceito eleitoral, independentemente de estar ou não localizada no Có-digo, enseja a ocorrência do delito em tela.

Induzir denota incutir, inspirar, provocar, causar. No presente contexto, significa que o agente põe, introduz, semeia ou planta na consciência de alguém a intenção de alistar-se eleitor com infração à legislação eleitoral.

Page 51: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

42 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

E se a pessoa já acalentava essa ideia, a qual o agente apenas reforça, incentiva ou estimula? Nesse caso, não há indução, mas instigação à realização de projeto já concebido. De sorte que o agente não introduz na mente de alguém a intenção de inscrever-se irregularmente, mas apenas incentiva-o a tanto.

Ao contrário do art. 122 do CP,2 o presente art. 290 do CE não distingue entre in-duzir e instigar, que são modalidades de participação moral. No léxico, o termo induzir comporta ambos os significados. É isso que se lê no Dicionário Houaiss da língua por-tuguesa (2001), cujo verbete induzir traz, entre outros, os seguintes sentidos: causar, encorajar, aconselhar, incitar, instigar, impulsionar. Nesse diapasão, a Corte Superior Eleitoral já entendeu que, no texto legal, o termo induzir abrange as condutas de “ins-tigar, incitar ou auxiliar terceiro a alistar-se fraudulentamente” (TSE – RHC no 68/MG – DJ, v. 1, 6-5-2005, p. 153 – trecho do voto do relator).

No entanto, embora se possa admitir que as condutas de instigar e incitar possam ser abrangidas pela de induzir, nesta certamente não cabe o auxílio. Há nisso evidente equívoco no citado excerto de voto. A prestação de auxílio material não pode simples-mente ser equiparada à indução, porque são situações diversas, situadas em momentos distintos do iter criminis. Quem age já foi convencido. A esse respeito, acertadamente afirma Ramayana (2006, p. 467), que a “participação material é conduta subsumida ao artigo anterior (CE, art. 290)”, de sorte que quem presta auxílio na inscrição irre-gular (sem antes induzir) é partícipe do mesmo delito.

De qualquer forma, não se afasta a possibilidade de a prestação de auxílio ser absorvida pela indução. O agente que induz à irregular inscrição pode, em momento posterior, auxiliar materialmente na concretização do resultado almejado. Nesse caso, poder-se-ia falar em exaurimento da conduta anterior ou post factum impunível.

Consoante já salientado, a inscrição eleitoral pode ser originária ou derivada; nes-ta distinguem-se os procedimentos de revisão e transferência. O delito em apreço pode ocorrer nas duas situações.

“Habeas Corpus. Induzimento de transferência de eleitor com infração à lei. Pretensão de trancamento da ação penal com fundamento no art. 8, III, da Lei n. 6.996/82. Ordem denegada. O fato de a transferência do título de eleitor se dar pela declaração, feita pelo próprio interessado, sob as penas da lei, de estar no novo domicílio por mais de três meses, não impede a caracterização do crime eleitoral de induzimento de trans-ferência de eleitor com infração à lei (CE, art. 290). Ordem denegada.” (TSE – HC no 298/MG – DJ 1-7-1996, p. 23.963).

No que concerne ao tipo subjetivo, trata-se de crime doloso.

2 Reza o art. 122 do CP “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.”

Page 52: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 43

A consumação se dá com a prática de ato que induza alguém a inscrever-se irregu-larmente eleitor, sendo o induzido convencido e efetivamente requerer sua inscrição ou transferência. Não se exige que o requerimento de alistamento seja apreciado ou mesmo deferido pela autoridade competente. Confira-se:

“No que se refere ao tema de fundo, o recorrente não nega a existência dos fatos, apenas discute sua tipificação, argumentando que a infração de que cuida o art. 290 começa com o induzimento mas só se consuma com a obtenção do deferimento do pedido de transferência, o que não ocorreu na espécie. Entretanto, este entendimento diverge da pacífica jurisprudência desta Corte que assentou que o crime de induzimento previsto no art. 290 do Código Eleitoral, não exige a consumação do cri-me do art. 289, do mesmo diploma legal, ou seja, não é necessário que a transferência seja deferida. Neste sentido os acórdãos 11.301, de 28.6.94 e 291, de 07.05.96.” (TSE – REspe no 12.485/SC – DJ 17-10-1997, p. 52.583 – trecho do voto do relator).

Mas, se não se exige êxito no requerimento de inscrição ou transferência para a consumação do crime em exame, insta ponderar que a conduta do agente será atípica se o terceiro não se convencer e nada fizer, ou seja, se nem sequer comparecer ao Car-tório e requerer inscrição ou a transferência de seu domicílio e título eleitorais. Nesse caso, a indução não se terá materializado ou, pelo menos, o meio empregado terá sido inidôneo (CP, art. 17), o que torna impossível o crime. Ademais, o bem jurídico tute-lado não chega a sofrer qualquer abalo.

Daí não ser admitida a forma tentada.

A impossibilidade de tentativa também se apoia no argumento de que o crime em tela é unissubsistente. Este não admite a fragmentação temporal da conduta, a qual é inteiramente realizada em um momento determinado – assim, a execução da conduta já implica a consumação do delito.

Sanção – a pena é de reclusão de um a dois anos, e 15 a 30 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não supera dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; e ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegi-bilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é de um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinção – cumpre não confundir o delito em tela com o do art. 289 do CE, con-sistente em inscrição fraudulenta de eleitor. Embora a indução possa ser considerada uma forma de participação no crime de inscrição fraudulenta (participação moral), os dois crimes são autônomos. Isso significa que a perfeição do “crime de induzimento inscrito no art. 290 do Código Eleitoral não exige a consumação do crime do art. 289

Page 53: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

44 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

do mesmo diploma legal. O que se exige é que sejam praticados os atos de execução do crime.” (TSE – Ag no 11301/SC – DJ 7-10-1994, p. 26.854).

Se a pessoa induzida lograr inscrever-se eleitora com fraude ou infração à lei, co-meterá o crime do art. 289 do CE.

Jurisprudência

“2- Induzimento de terceiros para transferência de título eleitoral, sob promessa de vantagens. Art. 289 e 290, CE. 2.1- A jurisprudência da Corte é no sentido de que a expressão ‘inscrição’, contida no art. 290 do Código Eleitoral, é gênero do qual a ‘transferência’ é espécie. Tipicidade da conduta. 2.2- A ação típica de induzir corresponde à caracterização de crime unissubsistente, de modo que a prática dessa conduta, por si só, é capaz de acarretar a sua consumação, independentemente do fato de ter sido deferido a inscrição ou transferência. Recurso Especial não conheci-do.” (TSE – REspe no 15177/RN – DJ 22-5-1998, p. 72).

Art. 291 Efetuar o juiz inscrição fraudulenta de alistando

“Art. 291. Efetuar o juiz, fraudulentamente, a inscrição de alistando.

Pena – Reclusão até 5 anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

O presente dispositivo é quase idêntico ao art. 289. Até a pena foi repetida. A única diferença é que, aqui, a inscrição fraudulenta é realizada pelo juiz eleitoral res-ponsável pelo serviço de alistamento. Por isso, cuida-se de crime de mão-própria, que só pode ser realizado pela pessoa descrita na figura típica, a saber, juiz eleitoral. Daí o equívoco da interpretação acolhida no seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral ao admitir a coautoria na enfocada figura típica.

“O crime do artigo 291 é próprio de juiz. Admito que comporte co-au-toria, mas, se nenhum juiz o cometeu, não pode ser denunciados estra-nhos, como co-autores. O crime é efetuar o juiz, fraudulentamente, a inscrição de eleitor.” (TSE – RHC no 71/CE – DJ 9-3-1976, p. 1 – trecho do voto do Min. Xavier de Albuquerque).

Na verdade, a previsão típica em foco seria inócua se se suprimisse a partícula reflexiva “se” da ação típica descrita no art. 289 do CE.

Assim, vale aqui o que ficou dito nos comentários àquele dispositivo.

Figuras assemelhadas – o art. 68, § 2o, do CE sujeita às mesmas penas do presente art. 291 o juiz eleitoral que despachar “pedido de inscrição, transferência ou segunda via” após esgotado o prazo legal. Esse prazo é de 150 dias, contados anteriormente à

Page 54: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 45

data da eleição; foi estabelecido pelo caput art. 91 da Lei no 9.504/97, que dispõe: “Ne-nhum requerimento de inscrição eleitoral ou de transferência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anteriores à data da eleição.”

Por outro lado, reza o art. 45, § 11, do CE: “O título eleitoral e a folha indivi-dual de votação somente serão assinados pelo juiz eleitoral depois de preenchidos pelo cartório e de deferido o pedido, sob as penas do artigo 293”. Ocorre que os pressupostos da regra inscrita nesse dispositivo não mais subsistem, tornando, portanto, insubsistente o delito aí estampado. No tocante ao título de eleitor, assinalei alhures:

“Deferido o alistamento – por decisão do juiz eleitoral –, o requerente passa a integrar o corpo de eleitores da circunscrição. Impende registrar que, com a emissão do título on-line, o eleitor não mais precisará retornar ao cartório para receber o documento de inscrição. E mais: após compro-var a identidade e a exatidão dos dados, o título é entregue imediatamen-te, antes mesmo de o pedido ser submetido ao exame do juiz eleitoral. Se indeferido, a inscrição é invalidada no sistema. De qualquer sorte, o documento em questão deve ser entregue, no cartório ou no posto de alistamento, pessoalmente ao eleitor, vedada a interferência de pessoas estranhas à Justiça Eleitoral. Antes de efetuar a entrega, comprovadas a identidade do eleitor e a exatidão dos dados inseridos no documento, o servidor destacará o título eleitoral e colherá a assinatura ou a impressão digital do polegar do eleitor, se não souber assinar, no espaço próprio constante do canhoto.” (Res. no 21.538/2003, art. 24, §§ 1o e 2o). (GO-MES, 2012a, p. 121-122).

Já quanto à aludida “folha individual de votação”, foi ela substituída por uma nova figura, a “lista de eleitores”, a qual é emitida eletronicamente.

“A lista foi introduzida pela Lei no 6.996/82, que dispõe sobre a implan-tação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral; é gerada e disponibilizada exclusivamente pela Justiça Eleitoral. A lista contém a relação dos eleitores de cada seção com seus respectivos da-dos, a identificação das eleições, a data de sua realização e o respectivo turno; deve ser assinada pelo eleitor antes de votar, dela sendo destacado o comprovante de votação. Somente os eleitores cujos nomes estiverem inscritos na lista são autorizados a votar. Tão importante é esse docu-mento que deve ser conservado pelo prazo de oito anos. Sua falsifica-ção material ou ideológica pode suscitar dúvidas quanto ao resultado apurado na seção, o que compromete a lisura e integridade do pleito.” (GOMES, 2012a, p. 444).

Page 55: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

46 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Art. 292 Negar ou retardar inscrição eleitoral

“Art. 292. Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem fundamento legal, a inscrição requerida:

Pena – Pagamento de 30 a 60 dias-multa.”

A previsão do enfocado art. 292 situa-se no mesmo contexto dos dispositivos an-tecedentes, protegendo, pois, a lisura do alistamento eleitoral, bem como o direito do nacional inscrever-se eleitor e, com isso, adquirir a cidadania ativa e passiva.

O delito em exame é de mão própria, porque exige que o agente ostente a especial qualidade de “autoridade judiciária”, i.e., juiz eleitoral.

O tipo legal é comissivo na modalidade de negar, e omissivo próprio ou puro na de retardar.

Consiste a conduta típica em a autoridade judiciária negar (recusar) ou retardar (demorar, prolongar), sem fundamento legal, a inscrição eleitoral requerida pelo eleitor.

Pode a inscrição eleitoral ser originária (a pessoa se inscreve pela primeira vez) ou derivada (transferência de domicílio eleitoral).

O elemento normativo do tipo “sem fundamento legal” afasta a tipicidade na hipó-tese de a negativa ter sido motivada. Mas o fundamento invocado pelo juiz não pode ser de qualquer teor, mas sim razoável, coerente com o contexto considerado.

Note-se que o fato de o fundamento invocado dever ser razoável não significa que dele não se possa discordar ou divergir. De maneira que a revisão da decisão pelo tribunal eleitoral, com base em fundamento diverso, não induz, só por si, a tipicidade da conduta em exame.

Trata-se de crime mera conduta, o que torna inadmissível a forma tentada.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de realizar a ação típica.

Sanção – a pena é tão somente pecuniária, consistindo no pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Diante disso, trata-se de infração de menor potencial ofensivo, de sorte que: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o); e iii) admite-se a suspensão condicional do processo.

Figura assemelhada – da decisão que indefere requerimento de inscrição ou de trans-ferência cabe recurso para o Tribunal Regional Eleitoral. É isso que reza o art. 7o, § 1o, da Lei no 6.996/82 (que derrogou o art. 45, § 7o, do CE), regra essa regulamentada pelo § 1o do art. 17 da Resolução TSE no 21.538/2003, que assim dispõe:

“Do despacho que indeferir o requerimento de inscrição, caberá recurso interposto pelo alistando no prazo de cinco dias e, do que o deferir, po-

Page 56: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 47

derá recorrer qualquer delegado de partido político no prazo de dez dias, contados da colocação da respectiva listagem à disposição dos partidos, o que deverá ocorrer nos dias 1o e 15 de cada mês, ou no primeiro dia útil seguinte, ainda que tenham sido exibidas ao alistando antes dessas datas e mesmo que os partidos não as consultem (Lei no 6.996/82, art. 7o).”

Idêntica solução se apresenta na hipótese de transferência eleitoral, conforme es-tabelece o § 5o, do art. 18, da Resolução TSE no 21.538/2003.

Art. 293 Perturbar ou impedir alistamento

“Art. 293. Perturbar ou impedir de qualquer forma o alistamento:

Pena – Detenção de 15 dias a seis meses ou pagamento de 30 a 60 dias--multa.”

O presente dispositivo tem por fim proteger o normal desenvolvimento do alista-mento eleitoral, resguardando o serviço respectivo de interferências indevidas.

O crime é comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa.

Sujeito passivo é a sociedade. Secundariamente, também podem figurar como ví-timas os servidores públicos incumbidos do serviço de alistamento e os cidadãos que estejam se alistando.

O tipo legal é misto alternativo, contendo dois núcleos, a saber: “impedir” e “per-turbar”. O emprego da partícula “ou” indica que há fungibilidade entre as condutas, sendo que a realização de ambas implica o cometimento de um só delito.

Consiste a conduta típica em o agente imiscuir-se indevidamente no alistamento, de maneira a prejudicá-lo, embaraçá-lo ou mesmo bloqueá-lo. No caso de impedimen-to o ato não chega a ser realizado.

No aspecto subjetivo, o crime é doloso. O dolo é de dano e genérico, consistente na vontade livre e consciente de estorvar ou tolher o alistamento. É preciso que o agente saiba que se trata de alistamento.

Trata-se de crime material, só se consumando se houver efetiva perturbação ou impedimento. Requer, portanto, que haja prejuízo ao ato.

Daí ser admitida a tentativa.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias até seis meses ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Page 57: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

48 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Art. 296 Promover desordem nos trabalhos eleitorais

“Art. 296. Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais:

Pena – Detenção até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.”

O presente dispositivo tem por fim proteger a regularidade dos trabalhos eleito-rais. Assim, resguarda esse serviço de indevidas interferências externas.

O crime é comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal tem seu núcleo formado pelo verbo promover.

Consiste a conduta típica em o agente promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais.

Promover é causar, provocar, gerar.

Desordem é sinônimo de confusão, tumulto, agitação, alarido.

É vaga a expressão normativa trabalhos eleitorais, podendo se referir a várias coisas, tais como: i) atividades realizadas durante a votação, pelos agentes da Justiça Eleito-ral, que têm em vista propiciar o exercício do direito de sufrágio; ii) atividades concer-nentes à apuração e totalização de votos; e iii) atos praticados pela Justiça Eleitoral, como audiência, sessão de julgamento, reunião para instrução de mesários.

No aspecto subjetivo, o crime é doloso. O dolo é de dano e genérico, consistente na vontade livre e consciente de prejudicar os trabalhos desenvolvidos pela Justiça Eleitoral. Abrange o conhecimento da lesão provocada a tais trabalhos.

Trata-se de crime material, cuja consumação se dá com o advento de prejuízo aos trabalhos eleitorais.

Admite-se a tentativa, a qual ocorreria se, e.g., apesar da confusão, não houver prejuízo a tais trabalhos.

Sanção – a pena é de detenção de 15 dias até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Page 58: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 49

Jurisprudência

“Recurso criminal – Crimes tipificados nos artigos 296 do Código Elei-toral e 329 caput do Código Penal – Inocorrência de prejuízo aos traba-lhos eleitorais – Crime eleitoral não caracterizado – Condenação man-tida quanto ao crime de resistência – Substituição do regime inicial de cumprimento da pena pelo regime aberto – Recurso provido em parte.” (TRE/SP – RECC no 1757 – DOE 20-4-2004)

“Mandado de segurança – Consumo de bebidas alcoólicas no dia da elei-ção – Ato que visa assegurar a ordem dos trabalhos eleitorais – Liminar indeferida. A medida determinada no ato coator já foi incorporada pelos costumes e visa assegurar a ordem nos termos do art. 296 do Código Eleitoral, que considera crime eleitoral promover desordem que preju-dique os trabalhos eleitorais.” (TRE/PR – MS no 259 – DJ 13-10-2008).

Art. 297 Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio

“Art. 297. Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio:

Pena – Detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.”

A objetividade jurídica do presente tipo consiste na proteção do livre exercício do sufrágio, da prática do voto.

O crime é comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa.

Sujeito passivo é a sociedade. Secundariamente, também pode figurar como víti-ma o eleitor cujo ato de votar foi embaraçado ou impedido.

O tipo legal é misto alternativo, contendo dois núcleos, a saber: impedir e embara-çar. O emprego da partícula ou indica que há fungibilidade entre as condutas, sendo que a realização de ambas implica o cometimento de um só delito.

Consiste a conduta típica em o agente impedir ou embaraçar o exercício do sufrá-gio. Conforme visto há pouco, impedir é sinônimo de inibir, tolher, ficando impossibi-litada a realização do ato. Já embaraçar significa perturbar, atrapalhar, estorvar.

A expressão exercício do sufrágio abrange tanto as eleições, quanto a votação em plebiscito ou referendo.

No que concerne ao tipo subjetivo, só é prevista a modalidade dolosa. O dolo é de dano e genérico, consistindo na vontade livre e consciente de impedir ou estorvar o exercício do sufrágio.

Trata-se de crime material, cuja consumação exige a ocorrência de resultado. Se, a despeito da conduta do agente não houver real impedimento nem embaraço ao exer-cício do sufrágio, a tipicidade não se aperfeiçoa.

Page 59: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

50 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Admite-se a tentativa, que ocorrerá se o resultado só não ocorrer por circunstân-cias alheias à vontade do agente.

Sanção – a pena é de detenção de 15 dias até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Art. 298 Prisão ou detenção irregular de eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato

“Art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no art. 236:

Pena – Reclusão até quatro anos.”

O art. 236 do Código Eleitoral confere imunidade formal a eleitor, membro de mesa receptora de votos e/ou justificativas, fiscal de partido e candidato, nos seguintes termos:

“Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (qua-renta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto. § 1o Os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição. § 2o Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator.”

Compreende-se por imunidade o direito ou a prerrogativa que assegura a invio-labilidade de seu titular. Entre outras modalidades, pode a imunidade ser material e formal ou processual. Pela primeira, o sujeito não comete crime; já pela segunda, ele não pode ser preso nem processado.

Extrai-se do citado art. 236 que “nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor”. A prisão somente poderá concretizar-se em três hipóteses: a)

Page 60: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 51

flagrante delito; b) sentença criminal condenatória por crime inafiançável; c) desres-peito a salvo-conduto. À vista da letra b, não se exige que a sentença tenha transitado em julgado; se o réu tiver sido mantido preso cautelarmente durante a instrução pro-cessual, poderá a sentença condenatória preservá-lo nesse estado; caso tenha respon-dido ao processo em liberdade, poderá ser preso se os requisitos da prisão preventiva se apresentarem e assim determinar a sentença.

Quanto a membro de mesa receptora de votos e/ou justificativas, fiscal ou delega-do de partido político, durante o exercício de suas funções, só poderá haver detenção ou prisão no caso de flagrante delito (CE, art. 236, § 1o). Se não estiverem no exercício de suas funções, gozam das mesmas garantias asseguradas aos eleitores em geral.

Também os candidatos gozam da proteção legal (CE, art. 236, § 1o, in fine). Mas quanto a eles o período de vedação de prisão é mais extenso, vigorando desde 15 dias antes das eleições. Dentro desse lapso, só poderão ser detidos ou presos em flagrante delito. Encerradas as eleições, têm direito à mesma garantia deferida aos eleitores, só podendo ser presos em flagrante ou em virtude de sentença penal condenatória por crime inafiançável.

Havendo prisão, deverá o detido ser imediatamente conduzido à presença do ma-gistrado competente que, se constatar ilegalidade, a relaxará, ultimando as medidas necessárias para que o coator seja responsabilizado.

O enfocado art. 298 descreve conduta violadora da imunidade formal ou processual conferida a eleitor, membro de mesa receptora e/ou justificativas, fiscal ou delegado de partido e candidato.

A objetividade jurídica consiste em tutelar a liberdade de locomoção das pesso-as indicadas, pois a prisão delas poderia afetar o regular andamento dos trabalhos voltados para a organização do pleito e, dependendo das circunstâncias, do próprio processo eleitoral. Protegem-se, ainda, as pessoas indicadas de eventuais excessos ou abuso de poder cometidos por agentes públicos que porventura tenham interesse em influir no resultado das eleições.

Deveras, não se pode olvidar que a polícia (civil, militar, federal, estadual) consti-tui corpo armado integrante do Poder Executivo e, pois, hierarquicamente subordina-da ao chefe desse poder – o qual é sempre interessado nas eleições.

O delito em tela é próprio, só podendo ser cometido por quem detém o poder legal de efetuar detenções e prisões, a saber: agentes policiais, civis e militares. É possível haver coautoria.

Mesmo que haja ordem ou mandado de prisão emanados do Poder Judiciário, não socorre ao agente a excludente de ilicitude atinente “ao estrito cumprimento de dever legal”, prevista no art. 23, III, do Código Penal. No caso – fora das três exceções preconizadas no citado art. 236 –, para que a detenção ou a prisão sejam efetuadas, há mister que se aguarde a cessação da imunidade, devendo a autoridade policial adotar as cautelas pertinentes para que não haja fuga do procurado.

Page 61: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

52 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Sujeito passivo é a sociedade e também a pessoa privada de sua liberdade de lo-comoção.

No que concerne ao tipo subjetivo, o delito é doloso. Consiste o dolo na vontade livre e consciente de efetuar a prisão ou a detenção fora das hipóteses permitidas. Abrange o dolo o conhecimento por parte do agente da situação pessoal do detido, ou seja, que se trata de eleitor, membro de mesa receptora de voto e/ou justificação, fiscal ou delegado de partido político e candidato.

O crime em tela é material, sendo que sua a consumação se dá com a efetivação da prisão ou da detenção.

É possível a tentativa.

Sanção – a pena é de reclusão de um a quatro anos.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado supera dois anos, não é cabível a transação penal. Assim, no caso de condenação, há geração da inelegi-bilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Habeas corpus – Ameaça de prisão em face de inadimplemento de obriga-ção alimentar. Requerimento de salvo-conduto. Hipóteses que não se en-quadra nas exceções da proibição de prisão nos cinco dias que antecedem as eleições e nas quarenta e oito horas posteriores. Preenchimento dos requisitos. Concessão da ordem. Expedição de salvo-conduto. – A prisão alimentar é modalidade que não se insere nas exceções contidas no art. 236 do Código Eleitoral, uma vez que referido dispositivo, buscando a garantia do exercício do sufrágio, excepcionou daquelas previsões asse-curatórias somente o direito à liberdade de locomoção. Ordem concedi-da.” (TRE/PB – HC no 192, j. 25-10-2002).

Art. 299 Corrupção eleitoral

“Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

Entre os crimes praticados por particular contra a Administração Pública, figura o de corrupção ativa, previsto no art. 333 do Código Penal. Esse dispositivo tipifica a

Page 62: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 53

conduta de: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.”

Por outro lado, entre os crimes praticados por funcionário público contra a Adminis-tração Pública consta o de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal. Se-gundo essa regra, constitui crime “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

O legislador do Código Eleitoral certamente inspirou-se nesses preceitos do Códi-go Penal ao erigir o tipo inscrito no vertente art. 299, comumente designado corrup-ção eleitoral. Mutatis mutandis, no lugar do funcionário público, entrou o eleitor, em torno do qual gira o marco legal protetivo.

Note-se, porém, que a descrição contida no art. 299 reúne as duas modalidades de corrupção: a ativa e a passiva.

O objeto jurídico é a liberdade do eleitor de escolher livremente, de acordo com sua consciência e seus próprios critérios e interesses, o destinatário de seu voto. Tanto a dação, a oferta ou a promessa, quanto a solicitação e o recebimento de vantagem podem criar vínculo psicológico no eleitor, gerando obrigação moral que o force a apoiar determinada candidatura em razão da vantagem auferida ou apenas acenada.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa física. Admissível é o concurso de pessoas, sob a forma de coautoria ou participação.

No que concerne à corrupção eleitoral ativa (dar, oferecer, prometer) não é im-prescindível que o autor seja candidato ou tenha com este um vínculo formal, como ocorre com a pessoa contratada para trabalhar na campanha. Isso porque qualquer pessoa pode dar, oferecer ou prometer vantagem para eleitor votar ou deixar de votar em determinado candidato.

Já quanto à corrupção eleitoral passiva (solicitar ou receber), há quem entenda que a conduta típica somente pode ser cometida por eleitor, cidadão ativo. Para essa corrente, se o agente não for eleitor, não haverá crime, pois ao não eleitor é negado o direito de votar. Tratar-se-ia de crime impossível, já que o bem jurídico protegido – li-berdade do voto – em nenhum momento estaria em perigo ou ameaçado. Nesse senti-do, afirmam Decomain e Prade (2004, p. 382): “Na perspectiva, porém, de solicitar ou receber vantagem, para dar voto ou para abster-se de votar, é necessária a qualidade de eleitor. Se aquele que faz a solicitação ou recebe a vantagem não é eleitor, o crime previsto neste artigo não se configura”. Na mesma linha, Barreiros Neto (2011, p. 398) expõe: “Já na modalidade passiva, a prática será exclusiva de eleitor.”

Contudo, essa interpretação é equivocada. Na modalidade passiva, a solicitação ou o recebimento de vantagem também pode ser “para conseguir ou prometer absten-ção”, conforme registrado no próprio tipo legal. Uma pessoa cujos direitos políticos estejam suspensos, portanto um não eleitor, pode solicitar ou receber vantagem ou benefício (para si, para outrem, para si e para outrem) para obter voto de terceiro ou

Page 63: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

54 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

para conseguir abstenção de outrem. Isso, aliás, aconteceu incontáveis vezes – e ainda hoje ocorre –, bastando pensar em situações em que alguém recebe vantagem não só para apoiar determinada candidatura, como também para obter o apoio de seus familiares.

Sujeito passivo é a sociedade. Na corrupção ativa, o eleitor que refuga a oferta também pode figurar como vítima secundária.

O tipo objetivo apresenta as modalidades de corrupção eleitoral ativa e passiva.

A ativa relaciona-se às condutas de dar, oferecer ou prometer dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter voto ou conseguir abstenção, ainda que a oferta não seja aceita pelo destinatário.

Dar significa entregar, prestar, transferir concretamente a posse de uma coisa a alguém. Implica uma ação efetivando a entrega real de um bem ou produto.

Oferecer denota apresentar, propor, colocar algo à disposição de alguém, exibir uma coisa para que subsequentemente seja aceita.

Já prometer tem o sentido de acenar, anunciar, firmar compromisso ou acordo obri-gando-se entregar.

Saliente-se que tanto a oferta quanto a promessa não podem ser genéricas, deven-do ser dirigidas a uma ou a algumas pessoas, ou a um grupo específico e determinável de pessoas.

Por sua vez, a corrupção eleitoral passiva liga-se às condutas de solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para dar voto ou conseguir abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Solicitar significa pedir, requerer, demandar, postular.

Receber tem o sentido de auferir, obter, ganhar, granjear, embolsar, entrar na posse ou detenção de uma coisa.

Tanto na modalidade ativa quanto na passiva, o crime em exame é comissivo, exi-gindo, portanto, a realização de uma ação por parte do agente.

Outrossim, é de forma livre, podendo ser realizado por diversos meios: fala, gesto, escrito.

Trata-se, ainda, de delito de ação múltipla, também chamado de conteúdo varia-do ou alternativo misto. Nesse, o tipo abriga várias condutas, podendo o ilícito ser executado com a realização de ações diversas. Haverá, porém, crime único se mais de uma conduta for concretizada em relação à mesma vítima em idêntico contexto fático. Assim, por exemplo, haverá um só crime de corrupção ativa se o agente prometer e, depois, efetivamente dar dinheiro a eleitor para obter voto.

O objeto material do delito é dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem.

Dinheiro é por excelência instrumento de troca. Como tal deve-se entender moeda corrente ou papel-moeda, cédulas ou moedas empregadas como meio de pagamento. O dispositivo legal não impõe que o dinheiro seja o de circulação oficial no Brasil,

Page 64: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 55

donde se conclui que a conduta pode ter por objeto moedas estrangeiras, em curso, como dólar americano, euro etc. Nessa categoria, porém, não entram moedas sem valor corrente, mas meramente histórico ou comemorativo.

A seu turno, o termo dádiva é comumente empregado com o sentido de donativo, presente, recompensa ou gratificação. Trata-se de objeto da doação. Tecnicamente, doa-ção é o contrato unilateral3 e gratuito em que há a transferência de “bens ou vantagens” de um patrimônio a outro (CC, art. 538). Os bens ou as vantagens transmitidas devem ter natureza econômica, incrementando o patrimônio do donatário. Assim, seu objeto pode ser qualquer coisa ou bem in commercio, e, pois, que tenha valor econômico e possa ser alienada. Conforme salienta Pereira (2009, p. 212), podem ser doados bens “imó-veis, móveis corpóreos, móveis incorpóreos, universalidades, direitos patrimoniais não acessórios”. Assim, também pode ser objeto de dádiva direito de crédito, remissão de dívida (CC, art. 385). Por outro lado, a dádiva pode referir-se a bens presentes e futuros. Como exemplo destes últimos, pense-se em coisas que ainda serão adquiridas, frutos pendentes que serão colhidos no tempo adequado, animal ainda prenhe.

Já a elementar típica qualquer outra vantagem constitui cláusula aberta, debaixo da qual podem ser compreendidos qualquer benefício, proveito, ganho, lucro, privilégio, direito, utilidade ou serventia. Sozinha, essa cláusula torna desnecessárias as duas outras que a precedem. Como a regra legal não especifica, não é mister que a van-tagem tenha caráter patrimonial; pode, pois, ser de ordem pessoal, moral, religiosa ou política. Nesse sentido, imagine-se eleitor que, para votar em certa candidata, lhe solicita que com ele pratique “conjunção carnal” ou “outro ato libidinoso” (CP, art. 213). Assim, nessa categoria também entram bens sem valor econômico corrente, mas meramente histórico ou comemorativo, tais como moedas antigas e selos, obje-tos de valor sentimental.

O dinheiro, a dádiva ou a vantagem dada, oferecida, prometida, solicitada ou rece-bida pode ser para si ou para outrem, ou seja: para o próprio corrompido ou para terceira pessoa. Exemplos: i) candidato dá dinheiro a eleitor para obter o seu voto; o cor-rompido recebe o dinheiro para si próprio; ii) para conseguir o voto de determinado eleitor, candidato promete entregar telhas ao seu genitor, custear tratamento médico de seu tio ou contratar sua irmã para trabalhar na Administração Público, caso seja eleito; aqui a vantagem é prometida a terceiro.

Note-se que ambas as modalidades de corrupção podem ocorrer no mesmo even-to. No exemplo (i), o candidato que dá dinheiro a eleitor para obter-lhe o voto pratica o delito de corrupção ativa, enquanto o eleitor que recebe o numerário comete o de corrupção passiva. Nesse caso, tanto o corruptor quanto o corrompido poderão figu-rar no polo passivo do mesmo processo penal.

3 A unilateralidade do contrato em tela significa que cria obrigações para uma só das partes, no caso o doador. No presente contexto, não poderia haver bilateralidade. Isso porque o voto é bem extracomércio, não podendo ser objeto de negócio jurídico sob pena de nulidade pleno iure deste (CC, art. 166, II, primeira figura, III).

Page 65: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

56 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“Recurso em habeas-corpus – Corrupção eleitoral – Art. 299 do Código Eleitoral – Eleitor – Aceitação de dádiva em troca de voto – Conduta típica – Recurso a que se negou provimento. 1. O art. 299 do Código Elei-toral veda tanto o oferecimento de vantagem em troca de voto quanto a aceitação de benesse para o mesmo fim. 2. Podem figurar no polo passivo da ação penal tanto candidatos como meros eleitores.” (TSE – RHC no 40/MG – DJ 8-3-2002, p. 191).

No que concerne ao tipo subjetivo, só é típica a conduta dolosa, não sendo previs-ta a modalidade culposa.

Há previsão de elemento subjetivo do tipo, assim expresso: “para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”. Destarte, para a perfeição do crime é preciso que a causa da conduta esteja relacionada diretamente ao voto, isto é, obter ou dar voto, bem como conseguir ou prometer abstenção de voto. Caso contrário, atípica será a conduta.

Diante disso, não se tem reconhecido tipicidade penal em situações como as se-guintes:

i) “mera distribuição de bens. A abordagem deve ser direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será obtido ou dado ou haverá abstenção em decorrência do recebimento da dádiva. Ordem conce-dida para trancar a ação penal.” (TSE – HC no 463/BA – DJ, v. 1, 3-10-2003, p. 105); ii) “1. Pedido de obtenção de voto efetuado de forma genérica, ou meramente implícito, não se enquadra na ação descrita no art. 299 do Código Eleitoral, que exige dolo específico, caracterizado pela intenção de obter a promessa de voto do eleitor. Recurso Especial conhecido e provi-do.” (TSE – REspe no 16108/MG – DJ 17-12-1999, p. 174).

O crime em exame é de natureza formal. Para sua consumação, basta a oferta (ainda que não seja aceita), a promessa (ainda que não seja cumprida) ou a solicita-ção (ainda que não seja atendida). A entrega concreta, efetiva, real da coisa, bem ou produto, ou mesmo a transferência de sua propriedade, posse ou detenção, configura o esgotamento da ação delituosa.

A tentativa não é admitida: “2. O crime de corrupção eleitoral, por ser crime for-mal, não admite a forma tentada, sendo o resultado mero exaurimento da conduta criminosa.” (TSE – Ag no 8905/MG – DJ, v. 1, 19-12-2007, p. 224).

Sanção – a pena é de reclusão de um a quatro anos e multa de cinco a 15 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominada é superior a dois anos, não tem cabimento a transação penal. Assim, no caso de condenação, há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Page 66: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 57

Admite-se o sursis processual, porquanto a pena mínima é de um ano.

Corrupção eleitoral e abuso de poder – o abuso de poder nas eleições é assunto am-plamente debatido em diversas esferas da sociedade. Dele também se ocupa o Direito Eleitoral. Mas aqui apresenta feição própria, sendo que sua configuração requer a presença de específicos requisitos legais.

Conforme salientei alhures (GOMES, 2012a, p. 221), em sua concretização, o abuso de poder tanto pode significar ofensa ao processo eleitoral, resultando o com-prometimento da normalidade ou legitimidade das eleições, quanto subversão da vontade do eleitor, em sua indevassável esfera de liberdade, ou pelo comprometimen-to da igualdade da disputa.

No plano dos efeitos, a natureza, a forma, a finalidade e a extensão do “abuso” praticado podem induzir diferentes respostas sancionatórias do sistema jurídico. En-tre essas respostas está a criminalização da conduta que o caracteriza, o que é feito no presente art. 299 do CE, com o crime de corrupção eleitoral.

No Direito Eleitoral, a responsabilização por abuso de poder se dá no bojo de ações eleitorais típicas, a saber: (i) ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), fun-dada nos arts. 19 e 22, XIV, ambos da LC no 64/90; (ii) ação por captação ou emprego ilícitos de recurso de campanha, fundada no art. 30-A da LE; (iii) ação por captação ilícita de sufrágio, fulcrada no art. 41-A da LE; (iv) ação por conduta vedada, prevista nos arts. 73 ss. da LE; (v) ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), contemplada no art. 14, §§ 10 e 11, da CF.

Note-se que a negação de responsabilidade no plano do Direito Eleitoral comum não implica sua exclusão no plano criminal. Em outros termos, a improcedência do pedido formulado em ação eleitoral típica não acarreta só por si a absolvição do réu na esfera penal e vice-versa. E não poderia ser diferente, principalmente porque os fun-damentos das respectivas responsabilidades são diversos. Enquanto na esfera penal a responsabilidade é pessoal (CF, art. 5o, XLV) e se funda na culpa e no dolo (CP, art. 18, parágrafo único), na esfera eleitoral comum baseia-se na lesão à normalidade do pleito, higidez das eleições, equilíbrio das campanhas. Há diversidade, portanto, de pressupostos.

Consequentemente, absolvido o candidato no processo penal por “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal” (CPP, art. 386, IV), nada obsta que em ação de investigação eleitoral fulcrada nos arts. 19 e 22, XIV, da LC 64/90, seja ele condenado e tenha decretada sua inelegibilidade e perda de mandato.

“Rejeição da alegação de que a ação penal deveria dirigir-se também con-tra o Prefeito. Diferentemente dos feitos que visam apurar abuso de po-der, a ação penal para apuração do crime de corrupção eleitoral deve di-rigir-se exclusivamente contra quem efetivamente praticou atos ilícitos, não havendo de se cogitar que o Prefeito figure como réu tão-somente pelo fato de que ele teria sido beneficiado pela conduta irregular do Vice-

Page 67: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

58 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

-Prefeito. Rejeição da alegação de que a improcedência de ação de impug-nação de mandato eletivo seria suficiente para descaracterizar o crime de corrupção. A caracterização do abuso de poder depende da demonstração da potencialidade que os fatos tenham de influir no resultado do pleito, podendo atos isolados que não configurem abuso vir a configurar corrup-ção eleitoral. Recurso não conhecido.” (TSE – REspe no 16048/SP – DJ 14-4-2000, p. 96).

Pondere-se, porém, que se categoricamente for “reconhecida a inexistência mate-rial do fato” (CPP, art. 66), esse juízo vinculará as demais esferas em que o fato cuja existência foi negada figurar como causa de pedir.

Corrupção eleitoral ativa e captação ilícita de sufrágio – com a captação ilícita de sufrá-gio apresenta o delito de corrupção eleitoral estreita ligação. Dispõe a Lei no 9.504/97:

“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, pro-meter, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Com-plementar no 64, de 18 de maio de 1990.”

A captação ilícita de sufrágio constitui, na verdade, uma forma de abuso de poder, à qual se afigurou oportuno conferir tratamento específico. Por isso, a ela se aplicam as observações feitas no item anterior.

Ocorre que as condutas configuradoras de captação ilícita de voto (doar, oferecer, prometer, ou entregar) são idênticas às atinentes ao crime de corrupção eleitoral ativa. Nos dois casos, o candidato (ou terceiro que o represente) se lança ao eleitor com vis-tas a obter-lhe o voto mediante a vinculação psicológica cimentada pela dação, oferta, promessa ou entrega de bem ou vantagem de qualquer natureza.

Mas a assinalada coincidência de comportamentos típicos não significa que o art. 41-A da LE tenha suplantado ou de algum modo alterado o crime de corrupção elei-toral erigido no art. 299 do CE. A propósito, a jurisprudência é firme ao afirmar que o “art. 41-A da Lei no 9.504/97 não alterou a disciplina do art. 299 do Código Eleitoral, no que permanece o crime de corrupção eleitoral incólume” (TSE – RHC no 81/SP – DJ, v. 1, 10-6-2005, p. 164).

As duas figuras legais convivem no sistema. Mesmo porque, além de se situarem em ambientes distintos, com diferentes finalidades, o tipo do art. 299 é mais amplo, pois também abarca a corrupção eleitoral passiva, da qual não cogita o art. 41-A da LE. Daí o assento jurisprudencial no sentido de que a “decisão em sede de representação por captação ilícita de sufrágio não impede seja julgada procedente ação penal por

Page 68: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 59

crime de corrupção eleitoral, ainda que os fatos sejam os mesmos, tendo em vista a independência entre as esferas cível-eleitoral e penal” (TSE – Ag no 8905/MG – DJ, v. 1, 19-12-2007, p. 224). E mais:

Jurisprudência

“Recurso em habeas corpus. Processual penal. Crime do art. 299 do Có-digo Eleitoral. Pedido de trancamento da ação penal. Identificação dos eleitores. Ausência. Provimento. 1. ‘Na acusação da prática de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299), a peça acusatória deve indicar qual ou quais eleitores teriam sido beneficiados ou aliciados, sem o que o direito de defesa fica comprometido’ (RHC no 45224, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. designado Min. Henrique Neves, DJe de 25.4.2013). 2. In casu, ausente a adequada identificação do corruptor eleitoral passivo, fato esse que impede a aferição da qualidade de eleitores, como impõe o dispo-sitivo contido no art. 299 do Código Eleitoral, devem ser reconhecidas a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para submissão do paciente à ação penal. 3. Recurso conhecido e provido para concessão do pedido de habeas corpus negado na origem. Decisão: O Tribunal, por maioria, proveu o recurso, nos termos do voto da Relatora. Vencido o Ministro Marco Aurélio.” (TSE – RHC no 13316/SC – DJe, t. 34, 18-2-2014, p. 95-96).

“Recurso especial. Agravo regimental. Art. 299 do Código Eleitoral. Cor-rupção eleitoral. Promessa de realização de obras. Pedido de votos. Ca-ráter não genérico. Grupo de pessoas determinadas e/ou determináveis. Reuniões. Abordagem direta. Conduta típica. Condenação. Reexame dos fatos da causa. Impossibilidade. Súmula 279 do STF. Dissídio jurispru-dencial não demonstrado. Recurso a que se nega provimento. Não cabe, na cognição do recurso especial, reexame dos fatos em que se baseou o acórdão impugnado.” (TSE – REspe no 25991/ES – DJ 11-9-2008, p. 9).

“3. Captação ilícita de sufrágio. Fatos idênticos. Penalidade afastada. Insuficiência de provas. Não repercussão na esfera penal. Precedentes. A não aplicação de penalidade por captação ilícita de sufrágio, em face de insuficiência de provas, não repercute na instância penal, ainda que fundadas nos mesmos fatos. 4. Corrupção eleitoral. Dolo específico. Exi-gência. Não demonstração. Afastada. Obtenção de voto. Provas materiais indiciárias. Passagem de barco. Troca por voto. Finalidade demonstrada. Indicativo de crime. Ordem denegada. A exigência de demonstração do dolo específico, para a denúncia, satisfaz-se com a apresentação de prova material de intenção de se obter voto, no caso, trocando-o por passagem de barco.” (TSE – HC no 572/PA – DJ 16-6-2008, p. 27).

Page 69: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

60 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“2. Conforme jurisprudência deste Tribunal Superior, o delito do art. 299 do Código Eleitoral constitui crime comum, tendo como sujeito ativo qualquer pessoa.” (TSE – RHC no 106/SP – DJ 18-3-2008, p. 11-12).

“Ação Penal. Corrupção Eleitoral (art. 299, do Código Eleitoral). Admis-sibilidade. Representação por captação ilícita de sufrágio. Improcedência. Trânsito em julgado. Irrelevância. Agravo regimental improvido. A ab-solvição na representação por captação ilícita de sufrágio, na esfera cível-eleitoral, ainda que acobertada pelo manto da coisa julgada, não obsta a persecutio criminis pela prática do tipo penal descrito no art. 299, do Códi-go Eleitoral.” (TSE – Ag no 6553/SP – DJ, v. 1, 12-12-2007, p. 191-192).

“Não se aplica ao caso o art. 17 do Código Penal. A toda evidência, o meio era eficaz: oferta em dinheiro; e o objeto era próprio: interferir na vontade do eleitor e orientar seu voto. Não se trata, portanto, de crime impossível. 3. A corrupção eleitoral é crime formal e não depende do alcance do resultado para que se consuma. Descabe, assim, perquirir o momento em que se efetivou o pagamento pelo voto, ou se o voto efeti-vamente beneficiou o candidato corruptor. Essa é a mensagem do legis-lador, ao enumerar a promessa entre as ações vedadas ao candidato ou a outrem, que atue em seu nome (art. 299, caput, do Código Eleitoral).” (TSE – Ag no 8649/SP – DJ 8-8-2007, p. 229).

“Esta Corte tem entendido que, para a configuração do crime descrito no art. 299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, qual seja, a finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção. Prece-dentes. (Ac. no 319/RJ, DJ de 17.10.97, rel. Min. Costa Leite; Ac. no 463/BA, DJ de 3.10.2003, rel. Min. Luiz Carlos Madeira; Ac. no 292/BA, DJ de 6.3.98, rel. Min. Eduardo Ribeiro). – Correta a decisão regional que rejeitou a denúncia tendo como fundamento a atipicidade da conduta por ausência do dolo específico do tipo descrito no art. 299 do CE, não havendo justa causa para a ação penal. [...]. Agravo regimental desprovi-do.” (TSE – Ag no 6014/SE – DJ 17-4-2007, p. 101).

“É sabido – e este Tribunal Superior reiteradamente tem decidido – o que se incrimina é a corrupção eleitoral em ambas as modalidades: a ativa – dar, oferecer ou prometer, ou a passiva – solicitar ou receber, em qualquer das hipóteses, porém, vinculando a conduta ilícita à obtenção ou à abstenção de voto, já tendo firmado o entendimento de que, não se verificando essa finalidade, indissociavelmente ligada ao tipo, não há como configurar-se o crime de corrupção eleitoral.” (TSE – HC no 270/GO – DJ 25-8-1995, p. 26.263 – excerto do voto do relator).

Page 70: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 61

“O crime de corrupção eleitoral (art. 299, CE) não exige a produção de resultado para sua consumação, bastando, apenas a promessa de qual-quer vantagem, ainda que a oferta não seja aceita. Ordem denegada.” (TSE – HC no 250/MG – DJ 10-2-1995, p. 1.948).

Art. 300 Coação eleitoral por servidor público

“Art. 300. Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir al-guém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleito-ral e comete o crime prevalecendo-se do cargo a pena é agravada.”

O bem jurídico protegido pelo tipo penal do art. 300 do CE é a liberdade do eleitor, liberdade que lhe é assegurada para votar no candidato de sua preferência sem quaisquer constrangimentos. Visa-se impedir que servidor público, valendo-se da autoridade que a lei confere ao seu cargo, pressione eleitores para apoiarem ou não determinada candidatura ou partido.

O crime em tela é próprio, só podendo ser cometido por servidor público, o qual se vale da autoridade de seu cargo, emprego ou função para constranger o eleitor e influir em sua liberdade de escolha. Trata-se, pois, de crime funcional.

Mas o que se deve compreender por servidor público?

Já foi visto que, para fins penais eleitorais, o § 1o do art. 283 do CE define funcioná-rio público como sendo “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”, além dos indicados nos incisos daquele mesmo artigo, a saber:

“I – os magistrados que, mesmo não exercendo funções eleitorais, este-jam presidindo Juntas Apuradoras ou se encontrem no exercício de outra função por designação de Tribunal Eleitoral; II – Os cidadãos que tem-porariamente integram órgãos da Justiça Eleitoral; III – Os cidadãos que hajam sido nomeados para as mesas receptoras ou Juntas Apuradoras; IV – Os funcionários requisitados pela Justiça Eleitoral.”

Além disso, o § 2o desse mesmo art. 283 equipara ao funcionário público “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal ou em sociedade de econo-mia mista”. Tais definições assemelham-se às do Código Penal; mas, nesse código, a definição de funcionário público por equiparação posta no § 1o, do art. 327, é mais ampla, pois também abrange “quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”.

Page 71: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

62 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Percebe-se que, enquanto o art. 300 do CE usa a expressão “servidor público”, o art. 283 do mesmo Código define a figura do “funcionário público”. Há sinonímia entre esses dois termos?

Do Direito Administrativo extrai-se que tanto o servidor quanto o funcionário público constituem espécies de agente público. Este termo é tecnicamente empregado para designar os exercentes de funções estatais, de maneira que se denomina agente público qualquer pessoa física que preste serviço ao Estado, quer seja à Administração direta, quer seja à indireta. Conforme ensina Di Pietro (2006, p. 499), o gênero agente público compreende quatro categorias, a saber: (a) agentes políticos – participam do governo ou da formação da vontade superior do Estado; são os dirigentes dos Poderes Executivo e Legislativo e, para alguns, também do Judiciário e do Ministério Público; (b) servidores públicos; (c) militares – compreendem os integrantes das Forças Ar-madas (Exército, Marinha e Aeronáutica), policiais militares e bombeiros militares; (d) particulares em colaboração com o Estado, como mesários convocados pela Justiça Eleitoral, concessionários, permissionários, notários, registradores, jurados, comissá-rios de menores.

Por sua vez, servidor público compreende as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, com ele mantendo vínculo laboral e remunerado. Segundo Di Pietro (2006, p. 502), esse termo encerra as seguintes subcategorias: (a) servidores estatutários ou funcionários públicos – sujeitam-se ao regime jurídico estatutário e ocupam cargo pú-blico; (b) empregados públicos – submetem-se ao regime da legislação trabalhista (CLT) e ocupam emprego público; (c) servidores temporários – são contratados por tempo de-terminado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal; submetem-se a regime jurídico espe-cial, pois exercem função sem vinculação a cargo ou emprego.

Nesse quadro, além de o termo servidor público ser gênero a que pertence funcioná-rio público, o art. 283 do CE lhe conferiu sentido ainda mais amplo, chegando mesmo a equipará-lo a agente público.

A ação típica pode ser realizada mediante concurso, notadamente coautoria e par-ticipação.

Sujeitos passivos são a sociedade e, secundariamente, o eleitor coagido.

O tipo legal descreve a conduta de “valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido”.

A coação, portanto, figura como elementar do tipo. Trata-se da violência, física ou moral, exercida contra alguém para compeli-lo a praticar ato contrário à sua vontade. Sua ocorrência inibe a livre e espontânea expressão do querer, resultando maculada a declaração de vontade externada sob sua influência.

Para que se configure a coação em apreço, mister será ponderar as circunstâncias e a natureza do ato do coator. O mal prometido deve ser sério e grave, incutindo no coacto justificável receio ou temor de que, se não ceder (votando ou deixando de vo-

Page 72: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 63

tar no candidato ou partido indicados), ele se cumprirá. De sorte que não é qualquer ameaça que ostenta aptidão para configurar a coação, mas apenas aquela que cause abalo, como, e. g., a prática de ato em prejuízo da vítima, a divulgação de informa-ções que possam comprometê-la em seu círculo social, familiar ou de trabalho, sua demissão, exoneração ou transferência, a denegação de algum benefício que ela tenha interesse de pleitear.

A ameaça deve endereçar-se à pessoa do eleitor. Mas também se admite que ela se dirija contra a sua família ou seus bens, pois esses interesses estão imediatamente – e de maneira relevante – ligados a ele, podendo, eventualmente, forçá-lo a emitir decla-ração de vontade em desacordo com seu real e verdadeiro querer.

É preciso que o ato ameaçado esteja encartado entre as funções do servidor público coator? Uma análise mais acurada da realidade indica não ser imprescindível que o coa-tor tenha, ele mesmo (pessoalmente), legitimidade para praticar o ato ameaçado. Isso porque é possível que integre uma quadrilha ou um grupo político do qual participem outros servidores públicos com competência legal para a efetivação do ato ameaçado.

Divisa-se no delito em exame uma hipótese evidente de uso abusivo do poder esta-tal. Dada sua natureza essencialmente abstrata, o Estado fala, ouve, vê e age por inter-médio de seus agentes, que, naturalmente, ocupam posições destacadas na comunida-de, porquanto suas atividades terminam por beneficiá-la direta ou indiretamente. Não se pode deixar de remarcar que ao realizarem seus misteres, os agentes públicos devem sempre guardar obediência aos princípios constitucionais regentes de suas atividades, nomeadamente os previstos no art. 37 da Lei Maior, entre os quais avultam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, licitação e o concurso público. A ação administrativo-estatal deve necessariamente pautar-se pelo atendimento do inte-resse público. Este é conceituado por Bandeira de Mello (2002, p. 71) como “resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”. Esclarece o renomado administrativista que os interesses públicos, na verdade, correspondem à dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, consistem no plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da sociedade, esta entificada no Estado.

Quanto ao tipo subjetivo, o crime é doloso, não sendo prevista modalidade cul-posa. Consiste o dolo na vontade de forçar o eleitor a votar em consonância com os desígnios do coator.

O crime é formal. Não é exigida a produção do resultado para sua consumação. Essa se dá com a só prática do ato coator, não sendo necessário que a ameaça se concretize no plano fático. Ademais, é irrelevante que o eleitor tenha cedido e efeti-vamente votado ou deixado de votar no candidato ou partido beneficiados pelo ilícito constrangimento. Mesmo porque, à vista do segredo do voto, a verificação desse fato seria impossível.

Sanção – a pena é de detenção de 15 dias até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

Page 73: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

64 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

O parágrafo único do art. 300 prevê uma causa de aumento para a hipótese de o agente ser membro ou funcionário da Justiça Eleitoral e cometer o crime prevalecen-do-se do cargo. Embora não tenha sido indicado o quantum, esse deve ser fixado entre um quinto e um terço, conforme estabelece o art. 285 do CE.

Observe-se que, mesmo que se aplique o máximo da majorante, o delito não alte-ra sua natureza de menor potencial ofensivo.

Jurisprudência

“Inquérito. Servidora comissionada. Divergência política. Exoneração. Voto contra a vontade. Prática de coação. Art. 300 do Código Eleitoral. Secretário municipal de administração. Falta de prova robusta. Arquiva-mento. Não se mostrando robustos os elementos indiciários coligidos nos autos, vez que, conforme depoimentos, o Secretário Municipal de Administração, responsável pelo procedimento de exoneração, não fez nenhuma menção a questões eleitorais quando exonerou a servidora, ausente, portanto, a justa causa para a denúncia e, assim, arquiva-se o feito com relação à sua participação. Divergência política. Prefeito. Pedido de exoneração de servidora. Depoimentos testemunhais. Fortes indícios. Justa causa para instauração de ação penal. Envio dos autos ao Ministério Público. Havendo indícios suficientes para se concluir pela presença de justa causa motivadora da instauração de ação penal, em virtude de de-poimentos que levam a crer que servidora foi exonerada por divergência política a mando do Chefe do Executivo Municipal, determina-se o envio dos autos a uma das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal para que analise a questão e opine pelo arquivamento do feito ou designe outro membro do Parquet para oficiar nos autos, confor-me determinado pelo art. 62, IV, da Lei Complementar no 75/93.” (TRE/MS – INQTO no 49 – DJ, v. 1.622, 20-11-2007, p. 182/183).

“Recurso criminal. Coação eleitoral. Afronta ao disposto no artigo 300 da Lei 4.737/65. Decisão que não acolheu a pretensão punitiva deduzida na exordial acusatória. Ausente o dolo específico de causar temor relevante, necessário à configuração do delito em apreço. Mantida a sentença do juízo a quo, com base no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Negado provimento.” (TRE/RS – RC no 132007 – DJ, t. 174, 24-09-2007, p. 95).

Page 74: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 65

“Recurso – Processo-crime eleitoral – Sentença condenatória com fun-damento no art. 300 do Código Eleitoral – Funcionária pública munici-pal – Assistente social – Ameaça de cancelamento de programas sociais – Eleitor que não é beneficiário do programa – Coação inidônea – Ine-xistência de eleitor coagido – Conduta atípica – Provimento do recurso – Absolvição decretada. Para configuração do crime previsto no art. 300 do Código Eleitoral, faz-se necessário que funcionário público tenha se valido de sua autoridade para coagir eleitor, de modo irresistível, a votar ou a deixar de votar em determinado partido ou candidato.” (TRE/SC – VI no 462 – DJESC 17-12-2003, p. 114).

Art. 301 Coação eleitoral

“Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

O bem jurídico tutelado pelo art. 301 do CE é a liberdade do eleitor de votar con-forme os ditames de sua própria consciência. É a liberdade de formar sua vontade de votar livremente, escolhendo quem bem entender para o governo.

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa física.

Pode a ação típica ser realizada mediante concurso.

Sujeitos passivos são a sociedade e, secundariamente, o eleitor que tiver sofrido violência ou grave ameaça.

O tipo legal descreve a conduta de usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido.

As ações típicas “usar de violência” e “grave ameaça” são realizadas com vistas à coação do eleitor, para que vote ou deixe de votar em determinado candidato ou partido.

Consiste a coação na violência, física ou moral, exercida contra alguém para com-peli-lo a atuar em sentido contrário à sua vontade. Sua prática impede a livre e espon-tânea expressão do querer do coacto, de sorte que a declaração de vontade externada sob sua influência resulta maculada.

A coação de que cogita o legislador penal eleitoral é do tipo moral, psicológica ou relativa (vis compulsiva). Dadas as formalidades e peculiaridades que cercam o ato de votar, impossível seria a ocorrência de vis absoluta ou física. Nessa última, há constran-gimento físico, corporal, ficando o coacto totalmente privado de manifestar sua vonta-de; ocorreria, e.g., se alguém dominasse o eleitor na hora de votar e, tomando sua mão à força, digitasse o número do candidato na urna eletrônica. Mas isso, por óbvio, é

Page 75: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

66 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

impossível. Diferentemente, na vis compulsiva o coator atua sobre o campo psicológico da vítima, agredindo-lhe, dirigindo-lhe ameaça iminente e grave. Sua intenção é fo-mentar a insegurança, o medo, o temor. Tais sentimentos instalam-se na consciência do coacto, provocando-lhe tensão, estresse, insegurança e, em certos casos, pânico. Isso para que ele vote (ou não vote) no candidato ou partido apontado pelo coator. Assim, nessa espécie de coação, fica livre o coacto para decidir: curvar-se à ameaça ou deixar de votar no candidato ou partido indicados, assumindo, em tal caso, o risco de sofrer o mal propalado.

Para a configuração prática de coação eleitoral, mister será ponderar as circuns-tâncias e a natureza do ato do coator. Pela dicção legal, é preciso que haja violência ou grave ameaça. Assim, deve a coação ser grave, apta a incutir no coacto justificá-vel receio ou temor de que, se votar ou não no candidato ou partido apontados, o mal ameaçado se cumprirá. Não é, pois, qualquer ameaça que a configura, mas sim aquela que cause abalo psicológico. À guisa de ilustração, citem-se os seguintes exemplos: assassinato ou sequestro de alguém, exposição a escândalo, destruição de coisas, divulgação de informações que possam comprometer a vítima em seu círculo social, familiar ou de trabalho.

Assim, ameaças vagas, indefinidas, de impossível concretização, proferidas em tom jocoso ou para serem cumpridas em futuro muito distante não caracterizam coação eleitoral, por não se revestirem da necessária gravidade, seriedade ou credi-bilidade.

Ao dizer que a coação deve ser dirigida contra “alguém”, o tipo legal em exame deixa claro que ela deve endereçar-se à pessoa do eleitor. Afinal, a violência ou a grave ameaça são realizadas para “coagir alguém a votar”, e somente pessoas físicas votam, já que titulares de cidadania ativa. Por tratar-se de regra protetiva, a interpretação não deve ser restritiva. Divisam-se na ideia de pessoa duas esferas: uma existencial, na qual são enfeixados os direitos de personalidade, e outra patrimonial, na qual se situa o pa-trimônio. Assim, a violência ou a grave ameaça podem igualmente dirigir-se à família ou aos bens da vítima (CC, art. 151), pois esses interesses estão imediatamente – e de maneira relevante – ligados a ela, podendo sua ameaça, eventualmente, forçá-la a emitir declaração de vontade em desacordo com sua consciência, ou seja, em descom-passo com o seu real e verdadeiro querer.

Sob o aspecto temporal, não é mister que a coação seja realizada tão somente durante o período eleitoral. Isso porque ela pode ser exercida para que o eleitor vote ou não em determinado partido, e a participação de partido nas eleições independe de escolha levada a efeito na convenção (como ocorre com os candidatos).

O tipo subjetivo é o dolo, não sendo prevista a forma culposa. É a vontade livre e consciente de realizar as ações descritas no tipo.

Há, ainda, o elemento subjetivo do tipo, pois a violência ou a grave ameaça são realizadas “para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido”. De maneira que é preciso que a coação tenha em mira o voto do eleitor

Page 76: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 67

em eleições realizadas para a investidura em mandatos públicos eletivos. Sendo di-versa a intenção do agente ou dirigindo-se ela a outra finalidade que não a indicada, a conduta não se subsumirá ao tipo do art. 301 do CE, que é especial. Nesse caso, poder-se-á cogitar da ocorrência do delito de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP.4

A consumação se perfaz com a efetivação de violência ou grave ameaça com vistas à captação do voto do eleitor.

Cuidando-se de grave ameaça, não é preciso que o mal prometido se concretize no plano fático, pois, nesse aspecto, o tipo legal é de natureza formal. A realização da ameaça prometida consubstancia o exaurimento da conduta típica.

A tentativa não é possível, pois ela mesma já foi tipificada pelo legislador na forma de ameaça.

Ressalte-se ser desnecessária a demonstração de que o eleitor tenha efetivamente votado conforme a orientação do coator.

Sanção – a pena é de reclusão de um a quatro anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não tem cabimento a transação penal. Logo, no caso de condenação, há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Distinções – o delito de coação eleitoral é muito semelhante ao previsto no art. 300 do CE. Esse último, porém, é especial em relação a ele, porque tem natureza funcio-nal, ou seja, só pode ser praticado por servidor público que se vale da autoridade que lhe é conferida por lei para coagir eleitor a votar ou não votar em candidato ou partido.

O § 2o do art. 41-A da LE estabelece constituir captação ilícita de sufrágio, “desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive”, praticar “atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto”. A infringência dessa regra sujeita o agente a “pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma”, para o que deve ser observado o procedimento previsto no art. 22 da LC no 64/90.

Coação para escolha de candidato em convenção – a coação realizada com vistas à es-colha de determinado filiado na convenção do partido não se subsume ao tipo do art. 301 do CE. Pode, porém, enquadrar-se no art. 146 do CP, que descreve o delito de constrangimento ilegal.

4 Dispõe o art. 146 do CP “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”

Page 77: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

68 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Jurisprudência

“Ação Penal Originária. Eleições 2002. Prefeito Municipal. Denúncia ofe-recida com fulcro no artigo 301 do Código Eleitoral. Aliciamento vio-lento de eleitores, mediante grave ameaça de exoneração de servidores públicos que não votassem nos candidatos indicados pelo Prefeito. Au-sência de provas suficientes da materialidade do delito, concernente à existência de coação. Aplicação do princípio do in dubio pro reo. Absol-vição nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. Improcedência da denúncia.” (TRE/MG – AP no 4112006 – DJMG, 30-10-2007, p. 118).

Art. 302 Promover a concentração de eleitores

“Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte cole-tivo:

Pena – reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.”

Objeto jurídico do presente dispositivo é a lisura do voto, bem como a norma-lidade dos serviços realizados pela Justiça Eleitoral e a regularidade do exercício do sufrágio pelos cidadãos.

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa física.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pelo verbo promover, que significa causar, realizar, provocar.

A conduta típica consiste em promover, no dia da eleição, a concentração de elei-tores, sob qualquer forma.

Portanto, incrimina-se a reunião ou o agrupamento de pessoas – no dia do pleito. Fora desse dia, a conduta é penalmente indiferente, mesmo porque não afetará o re-gular exercício do sufrágio.

É irrelevante que a reunião se dê em local distante de seção eleitoral ou de onde esteja ocorrendo votação.

E se a reunião ou agrupamento de pessoas ocorrer espontaneamente, sem que haja agente promotor ou provocador? Embora não seja típica a conduta de simples-mente participar de concentração ou reunião coletiva (mas sim a de promovê-la), o estímulo ou apoio aos circunstantes pode ser interpretado como ato de promoção.

Page 78: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 69

Note-se, ainda, que o art. 39-A, § 1o, da LE veda “no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado”, bem como instrumentos de propaganda como bandeiras, broches, dísticos e adesivos, de modo a caracterizar manifestação coletiva. Essa regra não tem natureza penal, mas é certo que seu caráter administrativo autoriza a autoridade pública a determinar a dispersão da aglomeração.

No tocante ao tipo subjetivo, só é prevista a modalidade dolosa. O dolo consiste na vontade livre e consciente de promover – i.e., suscitar, provocar, facilitar ou realizar – concentração ou reunião de eleitores no dia marcado para o pleito.

Há também a previsão de elemento subjetivo do tipo, ou seja, a exigência de um fim especial de agir, consistente na finalidade “de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto”. A ausência dessa específica finalidade impõe o juízo de atipicidade da conduta.

A consumação do delito em apreço se dá com a efetiva promoção da concentração ou reunião de eleitores.

A pena prevista é de reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.

Considerando os limites mínimo e máximo da pena privativa de liberdade abstra-tamente cominada, não se admite transação penal, tampouco suspensão condicional do processo.

Consequentemente, no caso de condenação, há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Distinção – o art. 39, § 5o, II da LE estabelece constituir crime, no dia da eleição, “a arregimentação de eleitor”. Diferentemente do enfocado art. 302, não há aí o elemento subjetivo do tipo consistente em “impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto”. Na verdade, a arregimentação do art. 39, § 5o, II, tem em vista a captação de votos.

Jurisprudência

“Crime do art. 302 do Código Eleitoral. Indispensabilidade, para sua con-figuração, não apenas do fornecimento de transporte, mas também da promoção de concentração de eleitores, para o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto. Acórdão que, no caso, teve por bastante a primeira elementar para condenar o paciente, fazendo-o, consequente-mente, sem justa causa. Recurso não conhecido, por ausência de afronta aos dispositivos legais invocados e de demonstração do alegado dissídio. Habeas corpus que, todavia, é concedido de ofício, com a absolvição do paciente.” (TSE – REspe no 12.688/TO – DJ 30-8-1996, p. 30.648).

“Recurso criminal. Delito tipificado no art. 302 do Código Eleitoral. Au-sência de demonstração do dolo específico. Provimento do recurso. Ab-solvição. Sendo o art. 302 do Código Eleitoral norma penal que exige,

Page 79: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

70 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

para sua configuração, demonstração do elemento subjetivo do tipo, vale dizer, a especial finalidade em impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto, não há que se falar em condenação de acusado que transporta eleitores quando estes já exerceram o sufrágio, vez que em tal ato ine-xiste manifesta intenção em interferir no resultado do certame.” (TRE/BA – RECR no 301 – DPJBA, 22-8-2007, p. 65).

“Recurso – Crime eleitoral – Transporte de eleitores no dia da eleição – Art. 302 do código eleitoral – Comprovação – Presença de dolo específico – Aliciamento de eleitores – Concurso de agentes – Art. 29 do código penal – Desprovimento. Configura-se o crime do artigo 302 do Código Eleitoral quando provado que, junto com o transporte, houve o fim de se impedir, embaraçar, ou fraudar o exercício do voto. Restando compro-vado que o recorrente concorreu para a produção do crime, deve-se lhe imputar integralmente o delito, nos termos do art. 29 do Código Penal.” (TRE/SC – RCRIME no 500 – DJESC, 31-10-2006, p. 2).

Art. 303 Majorar preços de utilidades e serviços necessários às eleições

“Art. 303. Majorar os preços de utilidades e serviços necessários à rea-lização de eleições, tais como transporte e alimentação de eleitores, im-pressão, publicidade e divulgação de matéria eleitoral.

Pena – pagamento de 250 a 300 dias-multa.”

O presente dispositivo prevê como crime a majoração de preços de utilidades e serviços necessários à realização de eleições, citando como exemplos o transporte e a alimentação de eleitores, impressão, publicidade e divulgação de matéria eleitoral.

Ocorre, porém, que essa regra não foi recepcionada pela Constituição Federal. A or-dem econômica por essa inaugurada é “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, sendo garantida a propriedade privada, a livre concorrência e o exercício livre de qualquer atividade econômica (CF, arts. 5o, XXII, e 170, II, IV, parágrafo único).5

De maneira que, em princípio, o preço dos produtos é fixado pelo próprio merca-do, em atenção às leis econômicas que lhe são próprias, notadamente a lei da oferta e procura.

5 Eis o teor dos citados dispositivos constitucionais: “Art. 5o, XXII – é garantido o direito de propriedade; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princí-pios: [...] II – propriedade privada; [...] IV – livre concorrência; [...] Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Page 80: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 71

Art. 304 Não fornecimento normal de produtos e serviços

“Art. 304. Ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimentação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mesmos a determinado partido ou candidato:

Pena – pagamento de 250 a 300 dias-multa.”

Visa esse dispositivo resguardar a oferta regular à população, no dia da eleição, de produtos e serviços, prevenindo sua exploração eleitoral com vistas a beneficiar determinada candidatura ou partido. Também se protege o curso regular do pleito, pois a inacessibilidade a determinados serviços (como transporte público) ou produ-tos (como combustível e alimentação) pode vir a obstaculizar o comparecimento dos eleitores às urnas, prejudicando efetivamente o exercício do sufrágio.

Quanto ao sujeito ativo, trata-se de crime próprio, porque exige que o agente tenha uma especial qualidade, a saber: a de empresário. Deveras, o fornecimen-to de produtos e serviços é atividade de natureza empresarial. Segundo dispõe o art. 966 do CC: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Ademais, prevê o art. 980-A do mesmo Código o instituto da empresa individual de responsabilidade limitada, a qual é “constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social”. Há, ainda, a figura do empresário de fato ou irregular, que exerce atividade empresarial sem formalizar sua inscrição na Junta Comercial; é ele considerado empresário. Tal conclusão é ainda reforçada pela presença no tipo da elementar “normalmente a todos”, que denota permanência e continuidade do exercício da atividade empresária.

Sujeitos passivos são a sociedade e as pessoas que não tiveram acesso aos serviços ou produtos.

O tipo legal contém vários núcleos, a saber: ocultar, sonegar, açambarcar (mono-polizar, apoderar-se), conceder exclusividade. Mas o emprego de sinônimos e da par-tícula ou indica que se trata de tipo misto alternativo. Assim, há fungibilidade entre as várias condutas, sendo que a realização de mais de uma delas implica o cometimento de um só delito.

Os bens referidos no tipo (“utilidades, alimentação e meios de transporte”) de-vem ter alguma relevância para a realização das eleições. Caso contrário, a ação será penalmente indiferente. À guisa de exemplo, suponha-se que no dia da eleição o único posto de combustível da cidade só forneça combustível para os eleitores que apoiarem determinado candidato.

Também é mister que produtos sejam fornecidos “normalmente a todos”, isto é, sejam disponibilizados no mercado de consumo. Assim, e.g., é atípica a conduta de particular contratado especificamente para realizar determinado serviço que descum-

Page 81: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

72 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

pre o acordo; aqui se trata de mero inadimplemento contratual, não, porém, do delito em apreço.

Por outro lado, só é juridicamente relevante a conduta realizada no “dia da eleição”.

Quanto ao tipo subjetivo, o crime é doloso. O dolo é genérico e consiste na reali-zação das condutas especificadas.

Trata-se de crime formal. Sua consumação se dá com o só ato de ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar o fornecimento de produtos e serviços normalmente ofereci-dos aos consumidores, bem como com ato de conceder exclusividade a determinado partido ou candidato.

A pena é tão somente de multa, consistindo no pagamento de 250 a 300 dias-multa.

Tratando-se de infração de menor potencial ofensivo: i) admite-se transação pe-nal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibili-dades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Distinção – fora do dia da eleição, a realização das condutas previstas no presente dispositivo pode caracterizar crime contra a economia popular, nos termos do art. 1o da Lei no 1.521/1951.6

Art. 305 Intervir em mesa receptora de votos

“Art. 305. Intervir autoridade estranha à mesa receptora, salvo o juiz elei-toral, no seu funcionamento sob qualquer pretexto:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.”

O presente dispositivo tem por fim proteger o normal desenvolvimento dos tra-balhos realizados pela mesa receptora de votos e/ou justificativas, resguardando-a de interferências indevidas por parte de autoridades que lhe sejam estranhas. Com isso, também fica resguardada a lisura da votação.

O crime é próprio, porque requer que o agente ostente uma especial qualidade; é preciso que ele seja autoridade, ou seja, agente público.

Qualquer autoridade pode cometê-lo, independentemente de ser civil ou militar.

Na verdade, a lei somente ressalva “juiz eleitoral”, como tal devendo compreen-der-se o magistrado responsável pela seção em que se dá a votação. E não poderia ser diferente, porque entre os deveres do juiz eleitoral está o de velar pelo normal

6 Eis o texto desse dispositivo legal: “Art. 1o. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes e as contra-venções contra a economia popular. Esta Lei regulará o seu julgamento. I – recusar individualmente em estabelecimento comercial a prestação de serviços essenciais à subsistência; sonegar mercadoria ou recusar vendê-la a quem esteja em condições de comprar a pronto pagamento; II – favorecer ou preferir comprador ou freguês em detrimento de outro, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores; [...] Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinquenta mil cruzeiros.”

Page 82: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 73

funcionamento daquele órgão, cabendo-lhe “a polícia dos trabalhos eleitorais” (CE, art. 139).

Assim, o crime em tela pode ser cometido por juiz (inclusive eleitoral) que não atue na seção em que ocorre a votação. E também por membro do Ministério Público, ainda que exerça suas funções perante a respectiva seção eleitoral. A esse respeito, vale salientar que a fiscalização exercida pelo membro do Parquet não pode descambar para intervenção no funcionamento da mesa; se porventura detectar alguma irregu-laridade deve promover a medida legal cabível, não, porém, interferir diretamente no funcionamento da mesa.

Já se entendeu na jurisprudência que “presidentes de Diretório de partidos polí-ticos são autoridades para os fins do disposto no art. 305 do CE.” (TRE/PR – RE no 111 – DJ 19-07-1994).

Sujeito passivo do delito em exame é a sociedade e também os servidores públicos incumbidos das atividades da mesa.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pelo verbo “intervir”, que significa interferir, intrometer.

A conduta típica consiste em autoridade estranha à mesa imiscuir-se no seu fun-cionamento, sob quaisquer pretextos.

Nos termos do art. 140 do CE, no recinto da mesa receptora, somente podem per-manecer “os seus membros, os candidatos, um fiscal, um delegado de cada partido e, durante o tempo necessário à votação, o eleitor”. Durante os trabalhos, o presidente da mesa é a autoridade superior, devendo fazer “retirar do recinto ou do edifício quem não guardar a ordem e compostura devidas e estiver praticando qualquer ato atenta-tório da liberdade eleitoral” (§ 1o). O desatendimento da determinação do presidente implica o cometimento de desobediência, previsto no art. 347 do CE.

No aspecto subjetivo, o crime é doloso. O dolo é genérico, consistente na vonta-de livre e consciente de interferir no funcionamento de mesa receptora de voto e/ou justificativas.

Trata-se de crime de mera conduta, consumando-se com o só ato de ingerência realizado pelo agente. É desnecessário que haja qualquer resultado externo à conduta do agente, bem como prejuízo aos trabalhos em curso.

Daí não ser admitida a tentativa.

Sanção – a pena é de detenção de 15 dias até seis meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Page 83: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

74 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Art. 306 Não observar a ordem da fila de votação

“Art. 306. Não observar a ordem em que os eleitores devem ser chama-dos a votar:

Pena – pagamento de 15 a 30 dias-multa.”

O fim do dispositivo em tela consiste em resguardar a disciplina e o normal anda-mento das atividades atinentes à votação.

Consiste a conduta típica simplesmente em não ser observada a ordem de chegada dos eleitores na seção eleitoral. Pressupõe, portanto, a ocorrência de fila no momento em que se dá a votação.

Cumpre observar que algumas pessoas têm prioridade para votar. Nesse senti-do, dispõe o art. 143, § 2o do CE: “Observada a prioridade assegurada aos candida-tos, têm preferência para votar o juiz eleitoral da zona, seus auxiliares de serviço, os eleitores de idade avançada os enfermos e as mulheres grávidas.” Tal primazia é assegura a promotores eleitorais, policiais militares em serviço e lactantes (vide Res. TSE no 23.399/2013, art. 85, § 2o). Havendo mais de uma pessoa com preferência para votar, deve-se observar a ordem de chegada na fila de votação. Nesses casos, evidentemente, não há qualquer ilicitude em se assegurar a prioridade de votar às pessoas indicadas.

O crime é próprio, porque só pode ser cometido por mesário atuando na mesa receptora de votos e/ou justificativa.

Sujeito passivo do delito em exame é a sociedade e também os eleitores que esti-verem na fila e forem preteridos.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “não obser-var”, que significa deixar de atender.

O crime é doloso. O dolo é genérico e consiste na vontade livre e consciente de se permitir que alguém “fure” a fila formada pelos eleitores na adjacência da seção eleitoral.

A sanção é tão somente pecuniária, consistindo no pagamento de 90 a 120 dia--multa.

Trata-se, pois, de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se tran-sação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Também se admite a suspensão condicional do processo.

Crítica – não se pode deixar de registrar o exagero que é criminalizar a conduta em apreço, o que denota evidente banalização do Direito Penal.

O comportamento do mesário que despreza a ordem de chegada dos eleitores para votação é evidentemente censurável. Constitui falta funcional e nenhum exage-

Page 84: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 75

ro haveria em impor-lhe sanção administrativa. Mas criminalizá-la é medida a toda evidência exagerada, desproporcional, pois não há relevante ferimento a bem jurídico tutelado pelo ordenamento.

Art. 307 Fornecimento de cédula marcada

“Art. 307. Fornecer ao eleitor cédula oficial já assinalada ou por qualquer forma marcada:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.”

Art. 308 Fornecer cédula em oportunidade indevida

“Art. 308. Rubricar e fornecer a cédula oficial em outra oportunidade que não a de entrega da mesma ao eleitor.

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 60 a 90 dias-multa.”

Os crimes previstos nos arts. 307 e 308 do CE encontram-se praticamente ex-tintos, pela improvável ocorrência das condutas neles previstas no atual sistema de votação eletrônica e identificação biométrica dos eleitores.

Os dois dispositivos pressupõem o uso abusivo de “cédula”, remetendo ao antigo sistema de votação que adotava esse modelo.

Em verdade, atualmente o emprego de cédulas só acontece em caráter extraordi-nário. Isso ocorrerá tão somente se a urna eletrônica apresentar defeito insanável ou de difícil reparação no momento da votação e não puder ser substituída por outra, a chamada urna de contingência. Somente quando não houver êxito com essa última e com os respectivos procedimentos de contingência é que a votação passa a ser por cédula. Isso, porém, é de reconhecida raridade nos dias correntes.

No contexto do art. 307 do CE, registra a história uma interessante forma de fraude denominada “voto de formiguinha”. Mancomunado com o líder de seu grupo político, determinado eleitor era instruído para, em vez de votar, subtrair a cédula; esta era assinalada ou marcada e entregue a outro eleitor que, em vez de efetivamente votar, simplesmente depositava na urna a cédula previamente preenchida, trazendo de volta a sua, em branco, que por sua vez era marcada pelo cabo eleitoral e entregue a outro eleitor, e assim sucessivamente. Com isso, assegurava-se a eleição do chefe político ou de quem ele indicasse.

Jurisprudência

“Direito penal. Suposta infração ao disposto no art. 307 do código elei-toral. Fato ocorrido em 03/10/92. Inocorrência de prescrição pela pena em

Page 85: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

76 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

abstrato. Inexistência de prova robusta a conduzir ao decreto condena-tório. Absolvição do réu. Reforma da sentença. 1 – Se o fato delituoso ocorreu em 03/10/92, não há que se falar em prescrição pela pena em abstrato, alusiva ao tipo de que trata o art. 307 do Código Eleitoral, se ainda não transcorreram os doze anos necessários para a extinção da pretensão punitiva (art. 109, III, do Cód. Penal). 2 – Não estando esta-belecido o ‘iter criminis’ e o ‘modus operandi’ empregado pelo agente, bem como estando nitidamente configurada a ausência do benefício (ser eleito o candidato), face ao diminuto número de cédulas eleitorais frau-dadas, não há como se condenar o réu, especialmente se, tratando de crime que deixa vestígios, os laudos periciais não vinculam o candidato à fraude. 3 – Recurso do réu provido, para absolvê-lo, com base no art. 386, VI, do Cód. de Proc. Penal, prejudicado o recurso do Ministério Público Eleitoral.” (TRE/SP – RECC no 1.509 – DOE 3-2-2000).

Art. 309 Infringir a igualdade e personalidade do voto

“Art. 309. Votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de outrem:

Pena – reclusão até três anos.”

Tem esse dispositivo o objetivo de resguardar os princípios da personalidade do voto e igualdade do sufrágio.

A personalidade do voto significa que o cidadão só pode votar pessoalmente, sendo imprescindível que ele próprio se apresente para a prática desse ato. Não é possível exercer esse direito por meio de representante ou mandatário.

Já pela igualdade do sufrágio, tem-se em vista o atendimento do princípio da isono-mia. No que respeita ao voto, são os cidadãos equiparados, igualados, colocados no mesmo plano. O voto de todos apresenta idêntico valor e peso político, independen-temente de riquezas, idade, grau de instrução, naturalidade ou sexo. Significa dizer que todas as pessoas possuem o mesmo valor no processo político-eleitoral, ideia bem expressa pelo princípio one man, one vote.

O ordenamento jurídico brasileiro veda o sufrágio desigual. Nesse – salienta Ferrei-ra (1989, p. 292) –, é admitida “a superioridade de determinados votantes, pessoas qualificadas a quem se confere maior número de votos”. Por óbvio, esse tipo de voto “espelha princípios elitistas, oligárquicos e aristocráticos, de prevalência de classes ou grupos sociais”. São exemplos de sufrágio desigual: o voto familiar, em que o pai de família detém número de votos correspondente ao de filhos; o voto plural ou plúrimo, em que o eleitor pode votar mais de uma vez na mesma eleição, desde que o faça na mesma circunscrição eleitoral; o voto múltiplo, em que o eleitor pode votar mais de uma vez na mesma eleição em várias circunscrições eleitorais. É desnecessário dizer

Page 86: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 77

que os tipos de sufrágio desigual apontados não têm sentido nas democracias contem-porâneas, se é que já tiveram algum dia.

O tipo legal é de ação múltipla, pois prevê diversas ações. Quatro são as condutas típicas, a saber: i) votar mais de uma vez; ii) tentar votar mais de uma vez; iii) votar em lugar de outrem; iv) tentar votar em lugar de outrem.

Atualmente, com a implementação dos sistemas de votação eletrônica e identifica-ção biométrica tornou-se praticamente impossível a realização das condutas indicadas nos números (i) e (ii). Isso porque o eleitor somente pode votar na seção eleitoral em que estiver inscrito (CE, art. 148), sendo que seu nome só constará na urna eletrônica nela instalada. Ao finalizar o voto, o eleitor não mais é admitido para votar na mesma máquina. Assim, nesse caso, ainda que houvesse tentativa de nova votação, haveria crime impossível por “ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto”, nos termos do art. 17 do Código Penal.

Mas resta a possibilidade remota de a votação ser realizada pelo sistema con-vencional (de cédulas), no caso de haver falha irremediável da urna eletrônica e dos procedimentos de contingenciamento.

O mesmo, porém, não se pode dizer das condutas descritas nos números (iii) e (iv), já que é possível que alguém vote ou tente votar em lugar de outrem.

Se não houver identificação biométrica na seção eleitoral, para que uma pessoa vote no lugar de outra bastará que compareça à seção eleitoral e apresente título de eleitor e documento de identificação pertencentes a terceiro, sendo admitido para votar se não surgir dúvida acerca de sua identidade.

No entanto, havendo identificação biométrica, essa fraude torna-se de impossível ocorrência. O problema, porém, é que a identificação biométrica nem sempre é viá-vel. Por exemplo: pode haver desgaste da digital, corte no dedo que a desestruture, a digital pode não existir em virtude de a pessoa ser portadora de doença congênita ou mesmo ter acidentalmente perdido os dedos. Em tais casos, é mister empregar o sistema convencional de identificação do eleitor.

E mesmo havendo identificação biométrica, não é impossível que a fraude em apreço venha a se manifestar. Mas nesse caso, deve contar com o uso abusivo de cargos e funções públicos que, de forma disfarçada ou dissimulada, são postos a ser-viço de candidaturas ou grupos políticos. Assim é que, recentemente, constatou-se o seguinte expediente: quando do encerramento da votação, os membros da mesa receptora de votos verificavam as ausências na lista de eleitores e, de fato, votavam por eles, falsificando suas assinaturas naquela lista.

O crime em tela é comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa. Entre-tanto, será próprio na aludida hipótese de fraude, pois, nesse caso, mister será que o agente seja servidor da Justiça Eleitoral e efetivamente atue na mesa receptora de votos no dia das eleições.

Page 87: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

78 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

No aspecto subjetivo, o crime é doloso. O dolo é de dano e genérico, consistente na vontade livre e consciente de realizar uma das condutas citadas.

Trata-se de crime formal, ocorrendo sua consumação já com a tentativa. A consu-mação, portanto, é antecipada.

Sanção – a pena é de reclusão de um a três anos.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não se admite transação penal.

Consequentemente, a condenação gera a inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Promessa de vantagem indevida. Inscrição. Eleitores. Fraude. Votação em nome de terceiros. Defesa técnica. Ausência. Nomeação de defensor ad hoc. Cerceamento de defesa. Alegações finais. Devido processo legal. Nulidade. – Tratam-se de recursos interpostos contra sentença que con-denou o acusado com fulcro nos arts. 299 e 309 do Código Eleitoral e substituiu a pena privativa de liberdade por restritiva de direito e multa. – O acusado não dispunha de defesa técnica para prosseguir no feito. A nomeação de defensor ad hoc só pode ser feita quando o defensor consti-tuído deixar de comparecer a algum ato processual. – Constatada a viola-ção ao princípio do devido processo legal, uma vez que não foi dada opor-tunidade de apresentação de alegações escritas ao acusado, o que acaba por inquinar de nulidade o procedimento. A intimação para alegações finais em audiência, na qual estava presente o defensor dativo, não sana o vício.” (TRE/RJ – RECRI no 116 – DOERJ, v. III, t. II, 25-10-2007, p. 6).

Art. 310 Prática de irregularidades ensejadoras de anulação da votação

“Art. 310. Praticar, ou permitir membro da mesa receptora que seja prati-cada, qualquer irregularidade que determine a anulação de votação, salvo no caso do art. 311:

Pena – detenção até seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.”

O dispositivo em tela tem por objeto a tutela da regularidade da votação, e, pois, da lisura das rotinas realizadas nessa fase do processo eleitoral.

Page 88: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 79

O crime é próprio, porque só pode ser cometido por membro de mesa receptora de votos. Mas pode haver coautoria ou participação de terceiros.

Sujeito passivo do delito em exame é a sociedade.

O tipo legal é misto alternativo, pois prevê duas ações, a saber: praticar ou permitir. De maneira que a prática de uma ou de ambas implicará o cometimento de um só delito.

A primeira conduta típica refere-se à realização por membro da mesa receptora de qualquer irregularidade que determine a anulação de votação. A segunda consiste em o membro permitir que outrem realize ato desse jaez.

Face à elementar típica “que determine a anulação de votação”, há mister que a irregularidade acarrete a invalidação da votação. Como não há distinção, haverá rele-vância penal tanto na invalidação total, quanto na parcial. Se não ocorrer esse resulta-do, atípica será a conduta do mesário.

Assim, o crime em exame é material, pois o tipo descreve a ação e o resultado, o qual é exigido para operar-se a consumação.

No que concerne ao tipo subjetivo, o crime é doloso. O dolo é de dano e genérico e consiste na vontade livre e consciente por parte de membro da mesa receptora de praticar, ele mesmo, ou permitir que se pratique irregularidade que cause a anulação de votação.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias até seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Eleitoral. Remessa de ofício em apuração. Acolhimento de impugna-ção de urna. Fundamento no art. 165, inciso e § 3o do código eleitoral. Ocorrência da hipótese. Integração da decisão do juiz de 1o grau. Ante a infringência do art. 165, inciso V, do Código Eleitoral há de se manter a decisão do juiz a quo que anulou os votos constantes da urna de de-terminada seção. Outrossim, havendo fortes indícios de cometimento do crime capitulado no art. 310 do Código que rege as eleições, reco-menda-se a imediata substituição dos membros da mesa receptora de votos da seção impugnada e o encaminhamento de peças do processo ao Representante do Ministério Público local para adoção das providências cabíveis.” (TRE/BA – ROFA no 3725 – DPJBA 26-10-2002, p. 39).

Page 89: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

80 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“Eleitoral. Remessa de ofício em apuração. Incoincidência entre número de votantes e de cédulas encontradas. Idêntica caligrafia aposta nas cé-dulas excedentes. Fraude comprovada. Realização da conduta tipificada no art. 310 do CE pela mesa receptora. Anulação da urna. Integração da decisão. Comprovada a conduta fraudulenta, para a qual contribuiu a mesa receptora de votos, integra-se a decisão da junta eleitoral, que anulou urna contendo número de cédulas diverso do de votantes, deter-minando-se ao Juiz Eleitoral que forneça ao Parquet elementos referentes ao crime eleitoral praticado, para as providências cabíveis.” (TRE/BA – ROFA no 3213 – DPJBA 10-11-1998, p. 70).

Art. 311 Votar em seção eleitoral diversa

“Art. 311. Votar em seção eleitoral em que não está inscrito, salvo nos ca-sos expressamente previstos, e permitir, o presidente da mesa receptora, que o voto seja admitido:

Pena – detenção até um mês ou pagamento de 5 a 15 dias-multa para o eleitor e de 20 a 30 dias-multa para o presidente da mesa.”

O delito veiculado no presente art. 311 encontra-se extinto, não só pela impossi-bilidade legal de ocorrência das condutas que tipifica, como também pela impossibili-dade prática determinada pelo atual sistema de votação eletrônica.

Deveras, o eleitor somente pode votar na seção eleitoral em que estiver inscrito (CE, art. 148), sendo que seu nome só constará na urna eletrônica nela instalada.

A impossibilidade de qualquer eleitor votar fora da seção em que se encontra inscrito ocorre até mesmo na hipótese de a votação ser realizada pelo sistema con-vencional (de cédulas), no caso de haver falha irremediável da urna eletrônica e dos procedimentos de contingenciamento. Pois, ainda aí, somente serão admitidos a votar os eleitores inscritos na respectiva seção eleitoral.

Essa impossibilidade ainda se faz presente no chamado voto em trânsito. Tal modali-dade de voto é objeto do art. 233-A do CE (inserido pela Lei no 12.034/2009), que reza:

“Aos eleitores em trânsito no território nacional é igualmente assegurado o direito de voto nas eleições para Presidente e Vice-Presidente da Repú-blica, em urnas especialmente instaladas nas capitais dos Estados e na forma regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral.”

Extrai-se desse dispositivo que, para que o voto em trânsito seja viabilizado, mister será que o interessado se habilite com antecedência (o que pode ser feito em qualquer Cartório Eleitoral do país), indicando a capital do Estado em que pretende votar. Com a habilitação, seu nome será excluído da urna eletrônica instalada na seção eleitoral

Page 90: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 81

em que se encontra inscrito, sendo incluído na Seção destinada ao voto em trânsito na cidade indicada. Assim, uma vez habilitado para votar em trânsito, não poderá o eleitor exercer o direito de sufrágio em sua seção originária, já que seu nome não figurará na urna aí instalada. Caso não compareça para votar, deverá justificar a ausência.

Jurisprudência

“I – Denúncia de crime eleitoral (art. 311, do CE). Alegação de sua inép-cia que se rejeita em sede de preliminar. II – Não é inepta a denúncia que embora descreva de forma sintética a imputação, enseja a ampla de-fesa do acusado. III – Fatos ditos delituosos que se encontram descritos na peça denunciatória de crime eleitoral que atende integralmente às exigências do art. 357, § 2o, do Código Eleitoral. IV – Recebimento da denúncia para se determinar o regular prosseguimento da ação penal em curso. V – Decisão unânime.” (TRE/CE – ACCO no 11.012 – DJ 31-5-2000, p. 89).

Art. 312 Violar o sigilo do voto

“Art. 312. Violar ou tentar violar o sigilo do voto:

Pena – detenção até dois anos.”

O objeto jurídico do presente dispositivo é a proteção do segredo do voto. No ordenamento brasileiro, o voto é sigiloso. O seu sentido não pode ser devassado por ninguém, tampouco revelado pelos órgãos da Justiça Eleitoral que controlam o processo de votação e apuração dos votos. O sigilo constitui um bem jurídico em si mesmo, porque resguarda a sinceridade do voto, a probidade e a lisura no processo eleitoral, de maneira a evitar o suborno, a corrupção e a intimidação do eleitor. Como se vê, trata-se de um dos traços mais relevantes de tal ato, merecedor de proteção penal, pois sem ele a liberdade de escolha do cidadão poderia vir a ser comprometida.

No caso da votação feita em urna eletrônica, deve o aparelho dispor de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identifi-cação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor (LE, art. 59, § 4o). Cada voto deverá ser contabilizado, assegurando-lhe seu sigilo e inviolabilidade. Ademais, a urna deve ser “dotada de arquivo denominado Registro Digital do Voto, no qual ficará gravado aleatoriamente cada voto, separado por cargo, em arquivo úni-co” (LE, art. 59, § 4o; TSE Res. no 23.397/2013, art. 41). O sigilo é ainda garantido pelo uso de sistemas de informática desenvolvidos com exclusividade para a Justiça Eleitoral e por mecanismos específicos da urna, como a autonomia operacional, o não funcionamento em rede, a chave de segurança e a lacração a que é submetida.

Page 91: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

82 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Na excepcional hipótese de ser empregada votação por cédula (LE, art. 59), de-vem-se observar os arts. 83 a 89 da LE c.c. art. 103 do CE, o qual arrola as seguintes providências com o objetivo de se assegurar o sigilo do voto:

“I – uso de cédulas oficiais em todas as eleições, de acordo com modelo aprovado pelo Tribunal Superior; II – isolamento do eleitor em cabine indevassável para o só efeito de assinalar na cédula o candidato de sua escolha e, em seguida, fechá-la; III – verificação da autenticidade da cé-dula oficial à vista das rubricas; IV – emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio e seja suficientemente ampla para que não se acumulem as cédulas na ordem em que forem introduzidas.”

Vale registrar que o art. 220, IV, do CE reputa nula a votação “quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios”.

O delito em exame é comum, porque não exige que o agente ostente qualquer qualidade especial; de sorte que pode ser cometido por qualquer pessoa.

Observe-se, porém, que o segredo protegido pelo dispositivo enfocado constitui direito subjetivo público do eleitor. Querendo, ele poderá, a qualquer tempo, revelar seu próprio voto e descortinar suas preferências políticas. Para o eleitor, a conduta aqui incriminada é lícita.

Sujeito passivo do delito em exame é a sociedade e o cidadão cujo voto tiver sido devassado.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “violar”, que, no presente contexto, significa transgredir, devassar, invadir. O tipo também pre-vê a forma tentada.

Assim, a conduta típica refere-se tanto à violação quanto à tentativa de vio-lação do sigilo do voto. Como dizem Decomain e Prade (2004, p. 399), violar o sigilo do voto “significa saber de que modo o eleitor votou. Significa ter acesso, de alguma forma, ao conteúdo do seu voto”. Por outro lado, prosseguem, tentar violar “significa realizar qualquer conduta que possa conduzir à obtenção desse informe, sem que o resultado, todavia, seja alcançado, por força de circunstância alheia à vontade do agente.”

Trata-se de crime formal, pois embora haja referência a um resultado (violação ao sigilo do voto), este não é separado da própria ação.

Ademais, o crime é de atentado, pois sua consumação é antecipada, sendo a forma tentada equiparada à consumada.

E quanto à divulgação da informação obtida com violação do sigilo? O tipo do art. 312 do CE não prevê essa conduta. Assim, tanto é atípica a conduta de quem divulga o voto já espontaneamente revelado pelo próprio eleitor, quanto a de quem divulga a in-formação obtida por outrem com violação do sigilo. Note-se que, quando a divulgação é feita pelo autor do delito, seu ato traduz mero exaurimento da ação típica.

Page 92: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 83

No que concerne ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e consciente de devassar o segredo que reveste o voto. Não é penalmente relevante a finalidade última do agente, se age por mera curiosidade, se tem a só intenção de bisbilhotar para divulgar o fato na mídia etc.

Sanção – a pena é de detenção de 15 dias a dois anos.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Recursos criminais. Corrupção ativa eleitoral e violação do sigilo de voto (arts. 299 e 312 do Código Eleitoral). Ausência de prova segura da conspurcação do sigilo do voto. Conjunto probatório coeso e seguro no sentido da configuração do delito de corrupção. Inexistência, na decisão recorrida, de registro expresso de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, aptas a justificar apenamento acima do mínimo legal. Recur-so ministerial improvido. Provimento parcial à irresignação do réu, para expungir a exacerbação da pena-base.” (TRE/RS – RC no 121999 – DJE, v. 602, t. 69, 16-4-2002, p. 71).

Art. 313 Não expedir boletim de urna

“Art. 313. Deixar o juiz e os membros da Junta de expedir o boletim de apuração imediatamente após a apuração de cada urna e antes de passar à subsequente, sob qualquer pretexto e ainda que dispensada a expedição pelos fiscais, delegados ou candidatos presentes:

Pena – pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Parágrafo único. Nas seções eleitorais em que a contagem for procedida pela mesa receptora incorrerão na mesma pena o presidente e os mesá-rios que não expedirem imediatamente o respectivo boletim.”

Antes da introdução da tecnologia da urna eletrônica, a votação era feita inte-gralmente em cédulas de papel e a apuração dos votos efetuada manualmente pela junta eleitoral. Os votos eram recolhidos na seção eleitoral. Encerrada a votação às 17:00 h, as urnas de todas as seções eram enviadas para a junta eleitoral e mantidas sob os seus cuidados. A junta era incumbida de realizar a apuração, ou seja, de con-

Page 93: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

84 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

ferir as cédulas e computar os votos. Para cada urna apurada expedia-se um boletim – chamado boletim de urna (BU).

Conquanto essa metodologia esteja superada nos dias atuais, nem por isso a expe-dição de boletim de urna deixou de ter relevância no sistema eleitoral.

Deveras, hoje, é a própria urna eletrônica que realiza as operações assinaladas: capta e registra os votos e, às 17:00 h, quando é encerrada a votação, faz a apuração e emite o boletim de urna.

Esse documento – que faz prova do resultado apurado – consiste em um relatório impresso por equipamento acoplado à urna, contendo dados como: data da eleição; identificação do Município, da zona e seção eleitorais; data e horário de encerramento da votação; código de identificação da urna; número de eleitores aptos; número de votantes por seção; a votação individual de cada candidato; os votos para cada legenda partidária; os votos nulos; os votos em branco; a soma geral dos votos (CE, art. 179, II; Res. TSE no 23.372/2011, art. 108; no 23.399/2013, art. 153). Deve ser assinado pelo presidente da mesa e, se presentes, por fiscais dos partidos políticos e membro do Ministério Público Eleitoral. Uma via do BU é afixada em local visível na seção, dando publicidade ao resultado. Três vias devem ser encaminhadas, juntamente com a ata da seção, ao cartório eleitoral. Uma outra via é entregue aos fiscais dos partidos políticos que estiverem presentes.

Há mais. Após a impressão do BU, uma mídia (já assinada digitalmente) con-tendo o resultado é gravada de forma criptografada. Posteriormente, ela é enviada ao servidor central (situado nos TRE e TSE) onde, primeiramente, é verificada a sua assinatura digital; se essa for válida, estará garantido que aquele resultado foi gerado pela urna eletrônica que foi preparada para aquela seção eleitoral, isto é, garante-se a integridade e a autenticidade do resultado. Após a verificação da assinatura digital, o BU é decifrado e seus dados integrados no sistema de totalização das eleições.

Todavia, a urna – por si mesma – não encerra a votação, conclui a apuração dos votos e emite o respectivo BU de forma autônoma. Para que assim proceda, é preci-so que o presidente da mesa receptora de votos e/ou justificativas, utilizando senha própria, lhe insira um comando específico. Somente diante desse ato, praticado pelo presidente da mesa, é que a urna eletrônica concluirá a apuração e emitirá o respectivo boletim de urna.

Se por quaisquer razões não for possível que o BU seja emitido na própria seção eleitoral, deverá sê-lo pela junta eleitoral (CE, arts. 40, III, e 179), que, para tanto, se valerá dos sistemas de votação, de recuperação de dados ou de apuração.

Vale ressaltar que esse procedimento é observado até mesmo na hipótese em que a votação – excepcionalmente – for feita manualmente. Nos termos do art. 59 da LE, a votação por cédula poderá ser realizada quando a urna eletrônica apresentar defeito insanável ou de difícil reparação e não puder ser substituída por outra, a chamada urna de contingência. Se tampouco houver êxito com essa última e com os respecti-

Page 94: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 85

vos procedimentos de contingência, aí sim – extraordinariamente – a votação passa a ser realizada por cédula, reclamando a apuração manual dos votos. É rara, porém, a ocorrência desse evento nos dias atuais.

Nessa excepcional hipótese, o procedimento de apuração não é integralmente ma-nual, como ocorria antigamente. Na verdade, em sua quase totalidade ele é eletrônico. Inicialmente, são recuperados os dados contendo os votos colhidos pelo sistema ele-trônico até o momento da interrupção do funcionamento da urna, sendo – relativa-mente ao período em que a urna funcionou normalmente – expedido boletim parcial de urna. Os dados parciais são inseridos no equipamento de informática (urna eletrô-nica) que será usado para a apuração. Aberta a urna de lona atinente à votação por cé-dula, dela são retiradas e conferidas todas as cédulas. Em seguida, o voto contido em cada cédula é lido (daí a expressão voto cantado) e seu conteúdo (número do candidato e/ou da legenda) digitado no aludido equipamento, sendo, pois, lançado no sistema de apuração. Concluído o cômputo dos votos, encerra-se o procedimento de apuração mediante comando inserido no equipamento. Isso propicia que o próprio equipamen-to, de forma automática, conclua a apuração e emita o respectivo boletim de urna.

O bem jurídico tutelado pelo enfocado art. 313 do CE consiste na regular emissão de boletim de urna após o encerramento da apuração dos votos.

Como visto, esse documento é sobremaneira relevante não só porque as informa-ções que contém são importantes para a fiscalização promovida por partidos políticos, Ministério Público e sociedade (que poderão verificar a ocorrência de fraude), mas tam-bém porque é fundamental para a alimentação do sistema de totalização dos votos.

O delito em exame é próprio, porque exige que o agente ostente a especial quali-dade de servidor da Justiça Eleitoral, seja atuando como presidente de mesa receptora de votos, seja como membro de junta eleitoral.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro, sendo seu núcleo formado pela elementar “deixar de expedir”, que, no presente contexto, significa não inserir na urna eletrônica o comando necessário para que ela entre em atividade e conclua a apuração, expedin-do o boletim de urna.

Claro está na parte final do art. 313 que o crime ocorrerá ainda que for dispensada a expedição de BU “pelos fiscais, delegados ou candidatos presentes”. É que, dado o relevante interesse público que o envolve, esse documento é indisponível, não sendo dado aos particulares dele dispor.

Por se tratar de delito omissivo próprio, é inadmissível a forma tentada.

Trata-se de crime mera conduta.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de deixar o agente de expedir o boletim de urna ao recusar-se a inserir na urna eletrônica o comando adequado.

Sanção – a pena é tão somente pecuniária, consistindo no pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Page 95: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

86 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Diante disso, trata-se de infração de menor potencial ofensivo, de sorte que: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o); iii) admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinções – o art. 313 do CE encontra-se em vigor, não tendo sido revogado nem pelo art. 68, §§ 1o e 2o, nem pelo art. 87, ambos da LE. Isso porque a ação típica nele prevista é diversa das contidas nos dois últimos.

Realmente, o § 2o do art. 68 dispõe constituir crime “o descumprimento do dis-posto no parágrafo anterior”, isto é, em seu § 1o. Este, por sua vez, reza: “O Presidente da Mesa Receptora é obrigado a entregar cópia do boletim de urna aos partidos e co-ligações concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após a expedição.” A conduta típica veiculada nesse § 1o consiste em “não entregar cópia do boletim de urna” às pessoas indicadas. Observe-se, porém, que a entrega do BU pressupõe sua anterior emissão. O BU pode ser emitido e, todavia, não ser entregue aos fiscais de partidos. São condutas, portanto, distintas. À guisa de exemplo, supo-nha que na seção eleitoral não haja qualquer fiscal nem representante do Ministério Público a quem uma cópia do BU possa ser entregue; ainda assim, se o presidente da mesa receptora não emitir o BU, cometerá o delito do art. 313 do CE.

O mesmo argumento é válido para o art. 87 da LE. Conforme estabelecem os §§ 2o e 4o desse artigo, constitui crime não “entregar cópia deste [do BU] aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após sua expedição”.

A esses, deve-se somar o argumento de que o art. 68, §§ 1o e 2o, e art. 87, da LE limitam-se a proteger a adequada fiscalização das eleições, enquanto o art. 313 do CE é mais amplo, protegendo também a totalização das eleições.

Art. 314 Não recolher as cédulas apuradas, fechar e lacrar urna

“Art. 314. Deixar o juiz e os membros da Junta de recolher as cédulas apuradas na respectiva urna, fechá-la e lacrá-la, assim que terminar a apuração de cada seção e antes de passar à subsequente, sob qualquer pretexto e ainda que dispensada a providência pelos fiscais, delegados ou candidatos presentes:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Parágrafo único. Nas seções eleitorais em que a contagem dos votos for procedida pela mesa receptora incorrerão na mesma pena o presidente e os mesários que não fecharem e lacrarem a urna após a contagem.”

O contexto do delito previsto nesse art. 314 reporta-se à época em que a eleição era feita com cédulas de papel e a apuração dos votos efetuada manualmente pela junta eleitoral. Conforme já foi salientado, isso encontra-se superado pelo uso da

Page 96: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 87

tecnologia de votação eletrônica. Em regra, não há mais cédulas a serem recolhidas, tampouco urna a ser fechada e lacrada. Hoje, é a própria urna eletrônica que capta e registra os votos e, encerrada a votação, faz a apuração e emite o boletim de urna.

Entretanto, em caráter excepcional (LE, art. 59) poderá a votação ser realizada por cédula. Isso ocorrerá se a urna eletrônica apresentar defeito insanável ou de difícil reparação e não puder ser substituída por outra, a chamada urna de contingência. Se tampouco houver êxito com essa última e com os respectivos procedimentos de con-tingência, aí sim – extraordinariamente – a votação passa a ser realizada por cédula, reclamando a apuração manual dos votos; essa, na verdade, não é integralmente ma-nual, pois em sua quase totalidade é feita eletronicamente.

Concluído o cômputo dos votos, o procedimento de apuração é encerrado. Entre outras providências, as cédulas deverão ser recolhidas em um invólucro (que poderá ser a própria urna de lona, se esta não mais for utilizada), que deverá ser fechado e lacrado.

O bem jurídico tutelado pelo enfocado art. 314 do CE é a lisura e segurança dos resultados apurados. O recolhimento das cédulas em invólucro fechado e lacrado per-mite, em caso de dúvida, que os dados sejam auditados, conferidos e confrontados, sem risco de alteração.

O delito em exame é próprio, porque exige que o agente ostente a especial quali-dade de servidor da Justiça Eleitoral, seja atuando como presidente de mesa receptora de votos, seja como membro de junta eleitoral.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro, sendo seu núcleo formado pelas elemen-tares “deixar de recolher”, “deixar de fechar” e “deixar de lacrar”.

A conduta típica consiste em o agente não recolher as cédulas apuradas no invó-lucro adequado (que pode ser a respectiva urna), nem fechá-la ou lacrá-la, assim que terminar a apuração de cada seção e antes de passar à subsequente.

Consoante esclarece a parte final do art. 314, o crime ocorrerá ainda que as alu-didas providências forem dispensadas “pelos fiscais, delegados ou candidatos presen-tes”. É que o bem jurídico que se encontra em jogo é indisponível.

Cuidando-se de delito omissivo próprio, não é admitida a forma tentada.

O crime é mera conduta.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de deixar o agente de realizar as condutas aludidas.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Page 97: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

88 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinção – reza o art. 183 do CE:

“Concluída a apuração, e antes de se passar à subsequente, as cédulas serão recolhidas à urna, sendo esta fechada e lacrada, não podendo ser reaberta senão depois de transitada em julgado a diplomação, salvo nos casos de recontagem de votos. Parágrafo único. O descumprimento do disposto no presente artigo, sob qualquer pretexto, constitui o crime eleitoral previsto no Art. 314.”

Note-se que o art. 183 acrescenta uma elementar ao tipo em exame, consistente em reabrir urna anteriormente lacrada antes “de transitada em julgado a diplomação, salvo nos casos de recontagem de votos”.

No caso, a reabertura da urna consiste em delito comissivo. É possível haver ten-tativa.

Art. 315 Mapismo eleitoral

“Art. 315. Alterar nos mapas ou nos boletins de apuração a votação obti-da por qualquer candidato ou lançar nesses documentos votação que não corresponda às cédulas apuradas:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.”

No jargão político, o presente delito ficou conhecido como mapismo eleitoral, em referência à elementar “mapas” contida no tipo.

O dispositivo legal visa tutelar a fé pública eleitoral, bem como a sinceridade do voto, a representatividade do eleito e a higidez dos procedimentos eleitorais.

O tipo penal alude a “mapas” e “boletins de apuração”, remetendo, portanto, à forma convencional (antiga) de apuração, em que os resultados da apuração eram lançados manualmente naqueles documentos.

Cometerá o delito em foco quem alterar ou lançar informações inverídicas em documentos correlatos aos assinalados, que se encontrarem armazenados no sistema de dados da Justiça Eleitoral.

O objeto material do delito em exame são os “mapas” ou “boletins de apuração”, isto é, boletins eleitorais.

O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa – por si mesma ou mediante concurso de outras.

Sujeito passivo é a sociedade, assim como, secundariamente, os candidatos e parti-dos políticos prejudicados com as alterações e lançamentos indevidamente efetuados.

Page 98: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 89

O tipo legal é misto alternativo, pois prevê duas ações, a saber: alterar e lançar. A prática de uma ou de ambas implicará o cometimento de um só delito.

As duas condutas expressam a falsificação ideológica de mapas ou boletins de apuração, nos quais são alterados, inseridos ou lançados falsos dados, daí havendo divergência com os resultados decorrentes das cédulas apuradas.

A primeira conduta típica (alterar) pressupõe que os documentos aludidos já es-tejam regularmente preenchidos. O agente, então, modifica, transforma ou decompõe os dados verdadeiros registrados no documento que, portanto, torna-se falso, adulte-rado, sem correspondência com a verdade expressa nas urnas.

Já na segunda conduta (lançar), o agente acrescenta um novo dado ou elemento nos documentos, nele fazendo constar informação inverídica, mentirosa, sem relação com a verdade.

O parâmetro comparativo é sempre a apuração dos votos, que deve corresponder à verdade atinente à votação nas urnas.

Trata-se de crime formal, não sendo exigida a ocorrência de dano. Na primeira modalidade, a consumação se dá com a alteração do documento; na segunda, ela opera com o só lançamento da falsa informação do documento.

E se a alteração ou o lançamento não acarretar prejuízo direto? Exemplo: em elei-ção majoritária, o primeiro colocado obteve 11 mil votos, sendo esse número alterado para dez mil, que, ainda assim, não lhe retira a primeira colocação nem a vitória no pleito. É preciso ponderar que, embora nesse exemplo o candidato permaneça eleito, haverá prejuízo político indireto relativamente à percepção de sua representatividade perante a comunidade. Também haverá prejuízo aos eleitores no que concerne ao valor efetivamente conferido aos seus votos – afinal, cada voto deve ser considerado. Diante disso, remanesce o crime.

O crime é doloso. O dolo é genérico e consiste na vontade livre e consciente de praticar as condutas descritas.

Sanção – a pena é de reclusão de um a cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

Como o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não tem cabimento a transação penal. Por conseguinte, a condenação gera a inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Distinções – atualmente não mais se faz o lançamento manual de dados em “ma-pas” e “boletins de apuração”, isto é, boletins eleitorais. Tudo isso se dá eletronica-mente a partir dos dados inseridos na urna ou no equipamento eletrônico usado na apuração dos votos.

O art. 15 da Lei no 6.996/1982 (que dispõe sobre a utilização de processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais) procurou atualizar o crime do art. 315,

Page 99: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

90 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

trazendo-o para o cenário do processamento eletrônico “das cédulas”. Reza aquele dispositivo:

“Art. 15. Incorrerá nas penas do art. 315 do Código Eleitoral quem, no pro-cessamento eletrônico das cédulas, alterar resultados, qualquer que seja o método utilizado.”

Todavia, hoje somente se poderia falar em “cédula” na excepcional situação de, durante a votação, as urnas eletrônica e de contingência apresentarem defeitos insa-náveis ou de difícil reparação, quando, então, a colheita de votos passa a ser feita por cédula (LE, art. 59).

Assim, em certa medida, pode-se afirmar que o transcrito art. 15 derroga o dis-posto no art. 315 do CE.

Por outro lado, a só obtenção de “acesso a sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos” é conduta tipificada no art. 72, I, da LE, ficando o agente sujeito a pena de “re-clusão, de cinco a dez anos”. Portanto, esse dispositivo criminaliza a conduta anterior à que se poderia chamar de “mapismo eletrônico”.

Jurisprudência

“Recurso. Crime eleitoral. Art. 315, do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65). Alteração indevida de boletins de urnas. Absolvição por insuficiência de provas. 1 – Membro de junta apuradora, que tomou para si a tarefa de conferir e confeccionar os boletins de urnas, a fim de poder modificar os dados neles contidos, beneficiando, assim, candidatos ao seu bel-prazer. 2 – Materialidade e autoria comprovadas. 3 – Recurso da acusação provi-do para condenar o denunciado nas penas do art. 315, do Código Eleito-ral, c/c art. 71 do Código Penal. 4 – Fixação da reprimenda de acordo com as diretrizes do art. 59 do CP, e pena majorada em face da continuidade delitiva. 5 – Sursis: concessão do benefício.” (TRE/ES – RECRIM no 34 – DOE 5-5-1997, p. 15).

Art. 316 Não receber nem mencionar em ata protesto ou impugnação

“Art. 316. Não receber ou não mencionar nas atas da eleição ou da apu-ração os protestos devidamente formulados ou deixar de remetê-los à instância superior:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.”

Page 100: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 91

No dia marcado para a eleição, às 7 horas da manhã os membros das mesas re-ceptoras já devem encontrar-se em suas respectivas seções preparando o início da votação. Entre outras coisas, cumpre-lhes verificar se o material remetido pelo juiz eleitoral e a urna eletrônica encontram-se em ordem, bem como se estão presentes fiscais de agremiações políticas (CE, art. 142).

A votação inicia-se às 8 horas e encerra-se até às 17 horas, se não houver eleitores presentes (CE, arts. 143 e 144).

Durante todo o período de votação, admite-se ampla fiscalização das atividades desenvolvidas na seção, o que poderá ser feito não só pelo Ministério Público Elei-toral, como também pelos partidos políticos, desde que não se atrapalhe a rotina da votação nem se viole o sigilo do voto.

Para tanto, cada partido ou coligação poderá credenciar previamente, no máximo, 2 fiscais por seção eleitoral (LE, art. 65, § 4o – incluído pela Lei no 12.891/2013). A escolha não poderá recair em menor de 18 anos. As credenciais serão expedidas pelos próprios partidos, devendo o nome da pessoa autorizada a expedi-las ser registrado na Justiça Eleitoral. Não poderá servir como fiscal de partido integrante de mesa re-ceptora de votos ou justificação.

No interior da seção, permite-se que os fiscais usem crachá com a sigla de seus partidos – afinal, é a serviço destes que se encontram –, sendo-lhes, porém, proibido o porte ou uso de qualquer objeto que contenha propaganda eleitoral de candidato, bem como o uso de vestuário padronizado (LE, art. 39-A, §§ 2o e 3o).

Ao verificar qualquer irregularidade na votação (incluídas as concernentes à iden-tidade do eleitor), podem os fiscais apresentar protesto ou impugnação ao presidente da mesa receptora, que deve recebê-lo fazê-lo constar na ata que será lavrada ao final dos trabalhos.

Por igual, durante a apuração dos votos podem os fiscais protestar ou impugnar irregularidades que porventura detectarem, devendo esse ato ser recebido e registrado na respectiva ata.

O enfocado art. 316 do CE tem por objeto salvaguardar esse direito de impugna-ção e protesto, que, na verdade, é essencial para o bom êxito da fiscalização.

O delito em exame é próprio, porque exige que o agente ostente a especial quali-dade de servidor da Justiça Eleitoral, seja atuando como membro de mesa receptora de votos, seja como membro de junta eleitoral.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro, sendo seu núcleo formado pelas elemen-tares “não receber”, “não mencionar”, “deixar de remeter”.

As condutas típicas consistem em o agente: i) não receber protesto ou impugna-ção devidamente formulado durante a votação; ii) não mencioná-lo (ou registrá-lo) na respectiva ata; iii) não receber protesto ou impugnação devidamente formulado du-rante a apuração dos votos; iv) não mencioná-lo (apontá-lo, referi-lo) na ata da apuração; v) deixar de remeter à instância superior tais protestos e impugnações.

Page 101: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

92 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O crime é de mera conduta, não admitindo, portanto, a forma tentada.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de deixar o agente de realizar as condutas aludidas.

Sanção – a pena é de reclusão de um a cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Nos termos do art. 1o, I, e, da LC no 64/90, a decisão condenatória, transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, determina a inelegibilidade do agen-te desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena.

Art. 317 Violar o sigilo de urna eleitoral

“Art. 317. Violar ou tentar violar o sigilo da urna ou dos invólucros.

Pena – reclusão de três a cinco anos.”

O presente dispositivo tem por objetividade jurídica a tutela do sigilo da urna e seus invólucros.

Antes do dia das eleições, as urnas são devidamente preparadas, inclusive com a introdução de softwares específicos desenvolvidos para a Justiça Eleitoral, tais como cartão de memória de votação, mídia para gravação de arquivos, mídias com aplicati-vos de urna e de gravação de resultado. A preparação se dá em cerimônia pública, para a qual são convidados partidos políticos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público Eleitoral. Nesse mesmo ato, as urnas são lacradas. Após a lacração, elas não podem mais ser mexidas – exceto para conferência procedida pela própria Justiça Eleitoral, devendo esse ato ser público e devidamente formalizado.

Entre os fatores que garantem o sigilo do voto eletrônico está o uso de sistemas de informática próprios e exclusivos, e também de mecanismos específicos da urna, como a autonomia operacional, o não funcionamento em rede, a chave de segurança e a cuidadosa lacração a que é submetida.

Na excepcional hipótese de votação por cédulas (LE, art. 59), as respectivas urnas de lona são igualmente preparadas com antecedência.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, sozinha ou em concurso.

Objeto material é a urna e seus invólucros.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “violar”, que, no presente contexto, significa transgredir, devassar, invadir. O tipo também pre-vê a forma tentada.

Page 102: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 93

Assim, a conduta típica refere-se tanto à violação quanto à tentativa de violação do sigilo da urna ou dos respectivos invólucros.

Trata-se de crime formal, pois embora aja referência a um resultado (violação ao sigilo da urna), este não é separado da própria ação.

O crime é também de atentado, pois a consumação é adiantada, sendo o conatus equiparado à forma consumada.

O tipo subjetivo consiste no dolo genérico, traduzido na vontade livre e conscien-te de praticar as condutas descritas.

Não há previsão de um elemento subjetivo do tipo (dolo específico), atinente a um especial fim de agir por parte do autor. Assim, indiferente é o motivo que seduziu o agente.

Sanção – a pena é de reclusão de três a cinco anos.

Considerando os limites mínimo e máximo da pena privativa de liberdade, não são cabíveis nem transação penal, nem suspensão condicional do processo.

Nos termos do art. 1o, I, e, da LC no 64/90, a decisão condenatória, transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, determina a inelegibilidade do agente.

Distinção – o delito em exame não se confunde com o previsto no art. 312 do CE. Neste, a conduta do agente ocorre depois do pleito, orientando-se à violação do sigi-lo do voto, enquanto no enfocado art. 317 a conduta ocorre provavelmente antes do pleito, sendo a intenção desvendar o sigilo da urna ou de seus invólucros. Há, pois, diversidade de bens jurídicos.

Por outro lado, se a intenção do agente for causar dano físico ao equipamento eleitoral, poderá responder pelo crime previsto no art. 72, III, da Lei no 9.504/97, que reza: “Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: [...] III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização de votos ou a suas partes.”

Art. 318 Apurar votos de urna com eleitor impugnado

“Art. 318. Efetuar a mesa receptora a contagem dos votos da urna quando qualquer eleitor houver votado sob impugnação (art. 190):

Pena – detenção até um mês ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.”

Conforme já foi assinalado, durante todo o período de votação há ampla fiscaliza-ção das atividades desenvolvidas na seção pelo Ministério Público Eleitoral, cidadãos e partidos políticos por seus fiscais credenciados. Qualquer irregularidade constatada nessa fase pode ser objeto de impugnação perante o presidente da mesa receptora, que deve recebê-la e fazê-la constar na ata lavrada ao final dos trabalhos.

Page 103: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

94 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O contexto do delito em exame reporta-se à época anterior à introdução da vota-ção na urna eletrônica. Pressupõe a ocorrência de protesto ou impugnação à admissão de determinado eleitor, notadamente em virtude da existência de dúvida acerca de sua identificação.

O art. 190 do CE proíbe que a mesa receptora efetue a contagem dos votos “se qualquer eleitor houver votado sob impugnação”, caso em que a apuração será pro-cedida pela junta eleitoral. Esta – dispõe o art. 195, V, do CE – deverá “resolver todas as impugnações constantes da ata da eleição” e, em seguida, proceder à apuração dos votos.

No entanto, na atual sistemática eletrônica de votação e apuração de votos, ha-vendo impugnação à identidade de eleitor, deve o presidente da mesa receptora in-terrogá-lo sobre os dados do título, do documento oficial ou do caderno de votação, confrontando a assinatura constante desses documentos com aquela feita pelo eleitor em sua presença. Persistindo a dúvida quanto à identidade, deve o presidente solicitar a presença do juiz para que ele decida a questão (vide nesse sentido, e.g., o disposto no art. 87, § 2o da Res. TSE no 23.399/2013). O incidente deve ser registrado na ata dos trabalhos.

Esse procedimento também deve ser adotado na hipótese (excepcional, é certo) de votação por cédulas (LE, art. 59), caso haja problemas insolúveis com a urna ele-trônica e com os procedimentos de contingência.

Nesse cenário, não mais subsistem os pressupostos fáticos do delito previs-to no enfocado art. 318 do CE. Deveras, não é a “mesa receptora” que efetua a contagem dos votos, mas sim o próprio sistema implantado na urna. Por outro lado, o eleitor de identidade duvidosa só será admitido a votar se demonstrar sua identidade ao presidente da mesa ou se, persistindo a dúvida, assim decidir o juiz eleitoral.

Cumpre, então, indagar: e se, mesmo ante a perseverança de dúvida, o presidente da mesa receptora insistir em admitir o eleitor a votar e se recusar a chamar o juiz eleitoral para decidir a questão? Note-se que, em tal situação, a admissão do eleitor implicará a contagem automática de seu voto pela urna.

Face ao princípio da legalidade ou da reserva legal previsto no art. 5o, XXXIX, da CF – nullum crimen, nulla poena sine praevia lege –, afigura-se atípica a conduta de presi-dente de mesa receptora que se recusa a chamar o juiz eleitoral para decidir a questão ligada à identidade do eleitor. Embora esse comportamento leve ao mesmo resultado prático da conduta descrita no art. 318, não parece adequada a extensão típica, pois isso implicaria a criação de um tipo penal por interpretação extensiva. O que é vedado pelo sistema de garantias penais.

Page 104: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 95

Art. 319 Subscrever mais de uma ficha de apoio para registro de partido

“Art. 319. Subscrever o eleitor mais de uma ficha de registro de um ou mais partidos:

Pena – detenção até 1 mês ou pagamento de 10 a 30 dias-multa.”

Partido político é o ente formado pela livre associação de pessoas, com organi-zação estável, cujas finalidades são alcançar e/ou manter o poder político-estatal e assegurar, no interesse do regime democrático de direito, a autenticidade do sistema representativo, o regular funcionamento do governo e das instituições políticas.

No ordenamento brasileiro, o partido possui natureza de pessoa jurídica de Di-reito Privado, devendo seu estatuto ser registrado no Serviço de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Capital Federal (LOPP, art. 8o).

Uma vez adquirida personalidade jurídica, na forma da lei civil, o estatuto deve igualmente ser registrado no Tribunal Superior Eleitoral (CF, art. 17, § 2o; LOPP, art. 7o, caput). Tal registro é essencial para que o partido funcione regularmente e goze das prerrogativas que lhe são conferidas, tais como participar do processo eleitoral, rece-ber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão. Ademais, somente o registro do estatuto no TSE lhe assegura a exclusividade de sua denomina-ção, sigla e símbolos.

Ocorre que só é admitido o registro no TSE do estatuto de partido que tenha cará-ter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento mínimo de eleitores correspondente a, pelo menos, 0,5% dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, dis-tribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado que haja votado em cada um deles (CF, art. 17, I, e LOPP, art. 7o, § 1o).

O apoiamento mínimo de eleitores é comprovado “por meio de suas assinaturas, com menção ao número do respectivo título eleitoral, em listas organizadas para cada Zona, sendo a veracidade das respectivas assinaturas e o número dos títulos atestados pelo Escrivão Eleitoral.” (LOPP, art. 9o, § 1o).

Observe-se que a expressão de apoio não estabelece o vínculo de filiação do apoia-dor ao partido.

A exigência de expressão nacional visa afastar a estruturação de agremiações com caráter meramente local ou regional. Historicamente, trata-se de reação às oligarquias estaduais e ao regionalismo político imperantes na República Velha. Nesta, sobressaíam partidos políticos estaduais, sendo os principais o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM). Daí o predomínio das oligarquias cafeeiras pau-listas e mineiras, que controlavam o governo federal, fato conhecido como “política do café-com-leite”; tal expressão alude ao maior produtor e exportador de café (São Paulo), e ao tradicional produtor de leite e derivados – Minas Gerais.

Page 105: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

96 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

A objetividade jurídica do art. 319 do CE consiste em resguardar a veracidade do aludido apoiamento mínimo de eleitores, bem como tutelar a lisura na formação e registro de novas agremiações.

O crime em tela é próprio, pois somente pode ser praticado por eleitor. Mas pode haver participação de terceiros, notadamente dos apoiadores que, vinculados ao par-tido, trabalham para viabilizar o seu registro no TSE.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “subscre-ver”, que, no presente contexto, significa assinar, firmar, avalizar, sancionar.

Duas são as condutas tipificadas, a saber: i) firmar o eleitor mais de uma ficha de registro de um mesmo partido; aqui, o apoiamento mínimo requerido é indevidamen-te inflado ou aumentado, pois o mesmo eleitor será computado mais de uma vez – o que revela a não observância daquele requisito; ii) assinar o eleitor fichas de registro de mais de um partido; aqui, o mesmo eleitor afiança mais de um partido, apoiando a um só tempo a criação de todos eles – isso revela que os partidos não têm uma base real, independente, restando frustrada suas autenticidades.

Trata-se de crime de mera conduta, por isso não se admite o conatus.

O tipo subjetivo consiste no dolo genérico, traduzido na vontade livre e conscien-te de praticar as condutas descritas. Abrange o dolo o conhecimento a respeito da subscrição de mais de uma ficha de registro.

A consumação se dá com a efetivação da subscrição da segunda das fichas men-cionadas. O uso que dela se fizer no processo de registro significa mero exaurimento da conduta.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a um mês ou pagamento de dez a 30 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Art. 320 Pluralidade de filiação partidária

“Art. 320. Inscrever-se o eleitor, simultaneamente, em dois ou mais par-tidos:

Pena – pagamento de 10 a 20 dias-multa.”

O delito previsto no art. 320 do CE não mais se encontra vigente. Se a sua recep-ção pela Constituição Federal de 1988 já era duvidosa, hoje não subsiste qualquer

Page 106: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 97

dúvida acerca de sua extinção. É que o parágrafo único do art. 22 da Lei no 9.096/95 (com a redação da Lei no 12.891/2013) estabelece que “Havendo coexistência de filia-ções partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais.”

Assim, a duplicidade ou a pluralidade de filiações partidárias não terá outra impli-cação senão a manutenção da filiação mais recente com o consequente cancelamento das anteriores.

Jurisprudência

“Recurso Eleitoral. Duplicidade de filiação. Declaração de nulidade de filiações partidárias. Não-comprovação de comunicação de desfiliação ao partido político e ao Juiz Eleitoral. Inobservância do disposto nos arts. 21 e 22 da Lei no 9.096/95. Abertura de procedimento criminal. O art. 320 do Código Eleitoral não foi recepcionado pelo atual ordenamento jurídico, principalmente pelo art. 22 da Lei no 9.096/95, que não trouxe qualquer apenação. Configuração de dupla filiação. Nulidade de ambas as filiações partidárias. Recurso a que se nega provimento.” (TRE/MG – RE no 6832008 – DJMG 15-5-2008, p. 109).

“Recurso Criminal. Denúncia. Art. 320 do Código Eleitoral. Condena-ção. Multa. Ausência de justa causa para a ação penal. Figura atípica. Tipo penal não recepcionado pela Constituição da República de 1988. Recurso a que se dá provimento para absolver o recorrente.” (TRE/MG – RC no 48912004 – DJMG 31-8-2007, p. 94).

Art. 321 Colher assinaturas do mesmo eleitor para registro de partido

“Art. 321. Colher a assinatura do eleitor em mais de uma ficha de registro de partido:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 20 a 40 dias-multa.”

O contexto desse art. 321 é idêntico ao do há pouco narrado art. 319. Também a objetividade jurídica de ambos é a mesma.

O crime em tela é comum, pois não exige que o agente ostente uma especial qua-lidade. Entretanto, normalmente será praticado por quem tenha estreita relação com o partido cujo registro no TSE se pretende ultimar.

Sujeito passivo é a sociedade. Caso haja fraude na colheita da assinatura, o eleitor poderá figurar como vítima secundária.

Page 107: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

98 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “colher”, que, no presente contexto, significa coletar, recolher, obter.

A conduta tipificada consiste em o agente arrecadar a assinatura do mesmo eleitor em mais de uma ficha de registro de partido. Assim, o apoiamento mínimo legalmen-te requerido será indevidamente inflado ou aumentado com o cômputo do mesmo eleitor mais de uma vez. Revela-se, com isso, a não observância do mencionado requi-sito legal exigido para o registro de partido político.

Trata-se de crime de mera conduta, por isso não se admite o conatus.

O tipo subjetivo consiste no dolo genérico, expresso pela vontade livre e cons-ciente de praticar as condutas descritas. O dolo abrange o conhecimento a respeito da anterior subscrição formalizada pelo eleitor.

A consumação se opera com a efetivação do segundo preenchimento do formulá-rio de registro. Se esse for usado para instruir o processo de registro do partido, tal significará mero exaurimento da conduta.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a dois meses ou pagamento de 20 a 40 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Art. 323 Divulgar falsos fatos na propaganda eleitoral

“Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em rela-ção a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado:

Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão.”

Destacam-se entre as formas de comunicação política, as propagandas eleitoral, partidária e intrapartidária.

Denomina-se eleitoral a propaganda elaborada por partidos políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público-ele-tivo. Caracteriza-se por levar ao conhecimento público, ainda que de maneira disfar-çada ou dissimulada, a candidatura ou os motivos que induzam à conclusão de que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. De sorte que a propaganda elei-

Page 108: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 99

toral tem o sentido de influir na vontade do eleitor, sendo sua mensagem orientada à conquista de votos nas urnas.

A realização de propaganda eleitoral só é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição até o dia do pleito, durante, pois, o período eleitoral (LE, art. 36, caput). Se realizada fora desse período, qualifica-se como extemporânea ou antecipada, sujeitan-do seu autor ou beneficiário a sanções.

A seu turno, chama-se propaganda partidária a destinada a divulgar o programa, os projetos e o ideário do partido político. É o meio pelo qual a agremiação se comunica com a comunidade, não com vistas à imediata captação de votos, mas a fim de se dar a conhecer, expor seus projetos e sua atuação.

Já a intrapartidária é endereçada aos convencionais do partido por ocasião da es-colha dos filiados que disputarão as eleições (i.e., dos candidatos); somente pode ser realizada nos 15 dias anteriores à data marcada para a convenção do partido.

Essas propagandas regem-se por princípios como: legalidade – a propaganda é regulada por lei; liberdade – há liberdade quanto à criação da mensagem a ser vei-culada; liberdade de expressão ou comunicação – salvante as restrições legais, é livre a criação do conteúdo; liberdade de informação – os cidadãos têm direito de receber to-das as informações, positivas ou negativas, acerca do candidato e dos projetos que defende; veracidade – os fatos e as informações veiculados devem se harmonizar com a verdade, ou seja, com a realidade histórica; igualdade ou isonomia – a todos os interessados se deve oportunizar a veiculação de seus programas, pensamentos e propostas; responsabilidade – havendo lesão a bens juridicamente protegidos ou infração à legislação de regência impõe-se a responsabilização do autor do evento ou daqueles que com ele se beneficiaram; controle judicial – a Justiça Eleitoral exer-ce controle da propaganda, fazendo-o quer no âmbito do poder de polícia, quer no jurisdicional.

A objetividade jurídica do art. 323 do CE liga-se à tutela da veracidade da propagan-da eleitoral, à correspondência da comunicação com a verdade histórica, localizada no espaço e no tempo. Ademais, protege o direito político fundamental dos eleitores de serem informados corretamente sobre os candidatos, de sorte que possam formular juízos seguros a respeito deles, suas ideias, propostas e projetos que defendem. Por fim, também se resguarda a normalidade e a sinceridade do pleito, que poderia ser afetado pelo abuso comunicacional.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa (não ape-nas candidatos) por si mesma, mediante coautoria ou participação de terceiros.

Sujeito passivo é a sociedade. Se os inverídicos fatos imputados forem negativos (propaganda negativa), também o partido ou candidato a que se referirem figurarão como sujeito passivo secundário.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “divulgar”, que, no presente contexto, significa difundir, propalar, espalhar.

Page 109: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

100 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

A conduta típica refere-se à difusão, “na propaganda”, de “fatos” que o autor “sabe inverídicos”, “em relação a partidos ou candidatos”, e que sejam “capazes de exerce-rem influência perante o eleitorado”.

O termo propaganda é usado em seu sentido genérico, não sendo especificada a es-pécie a que ele se refere. A ausência de determinação legal revela que a conduta não se restringe ao âmbito da propaganda eleitoral, abrangendo as demais espécies aludidas, a saber: partidária, intrapartidária e extemporânea ou antecipada.

A propaganda pode ser veiculada sob várias formas e em diversos tipos de mídia, tais como: bens móveis, imóveis, folhetos, comício, carro de som, jornal, revista, rá-dio, televisão, Internet.

Atípica é a conduta se a divulgação do fato falacioso ocorrer fora da esfera da pro-paganda. Por exemplo: a divulgação é feita em carta particular, no noticiário normal de canal de rádio ou televisão, ou, ainda, em um blog muitíssimo prestigiado e acessado pelos internautas. Nesses casos, porém, poderá haver o cometimento de outro delito.

A divulgação deve ser de fato, não de meras opiniões ou insinuações tóxicas. Fato é qualquer evento ou acontecimento que se passa na realidade histórica, no mundo.

Vale ressaltar que os fatos jamais são apresentados de forma pura, sendo, antes, o resultado da reconstituição que deles se faz no nível da linguagem. Tal reconstituição não é, certamente, um processo totalmente isento, livre de subjetivismos, porquan-to encontra-se ligada indelevelmente à interpretação e aos condicionantes culturais que a envolvem. Há, ainda, grande margem de arbítrio na seleção e no emprego de “palavras” para descrição ou reconstrução de objetos e eventos. Para além do signi-ficado próprio de cada palavra, sua escolha e colocação na frase, e essa no período, as conexões estabelecidas, tudo deixa transparecer uma opção interpretativa ou um ponto de vista. Nessa perspectiva, o “fato” não é senão o resultado da compreensão do intérprete. Por isso, jamais se discute no processo o fato “puro”, tal qual ocorrido no mundo natural, senão o fato já filtrado pela valoração imprimida pelo intérprete.

E mais: o fato deve ser inverídico, ou seja, falso, mendaz – que não existiu na realida-de histórica, ou que ocorreu de maneira diferente da narrada. Por exemplo: divulgar que determinado partido apoia ideias nazifascistas ou comunistas, quando, na verdade, ele jamais sustentou tais ideias; divulgar que o candidato é homossexual ou homofóbico, que se encontra acometido de doença grave e incurável, que teve filhos fora do casamen-to (e os abandonou), que já praticou ou apoiou aborto, sendo tais fatos irreais.

A falsidade do fato não implica que ele deva ser negativo. A esse respeito, conside-rando o sentido da mensagem, pode a propaganda ser positiva ou negativa. A primeira exalta o beneficiário, sendo louvadas suas qualidades, ressaltados seus feitos, sua his-tória, enfim, sua imagem. Como assinalam Clift e Spieler (2012, p. 73), na propagan-da positiva (positive political ads) o candidato alardeia suas realizações e personalidade, fazendo todo o possível para se apresentar sob uma luz positiva, de maneira a passar uma imagem com a qual os votantes possam facilmente se identificar. Nela podem ser

Page 110: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 101

veiculadas informações sobre desempenhos anteriores do candidato no exercício de funções públicas (ex.: “quando senador, o candidato João votou projetos que melho-ravam escolas e combatiam a criminalidade”), sobre sua biografia (ex.: “o candidato João bem serviu ao seu país, criou muitos empregos como empresário, combateu a corrupção enquanto governador”).

Já a propaganda negativa tem por fulcro o menoscabo ou a desqualificação da pessoa dos oponentes, sugerindo que não detém adornos morais, aptidão técnica ou experiência bastante para a investidura em cargo eletivo. Aqui, portanto, há agressão à reputação da vítima, procurando-se atrair contra ela a antipatia, a indignação, a repulsa ou o desprezo dos eleitores. Como tática, a propaganda negativa pode pro-vocar sérios danos à imagem. Sobretudo quando fundada em fatos mendazes, se for inteligente e de fácil compreensão, pode ser devastadora para a campanha adversária.

Deveras, tanto a propaganda positiva quanto a negativa podem ser fundadas em falsos fatos.

Por outro lado, os fatos podem ser total ou parcialmente falsos.

Os fatos falaciosos devem se referir a partidos ou candidatos. Quanto aos parti-dos, não é esclarecido se eles devem ou não estar aptos para participar das eleições. Nos termos do art. 4o da LE, somente pode disputar o certame o partido que, até um ano antes, tenha logrado registrar seu estatuto no TSE, e, ainda, “tenha, até a data da convenção, órgão de direção constituído na circunscrição”. Ante a exigência típica de que os fatos difundidos sejam “capazes de exercerem influência perante o eleitorado”, se o partido não puder disputar as eleições, nenhuma relevância no pleito terão os fatos – daí se poder afirmar a atipicidade da conduta do agente.

Já quanto à elementar “candidatos”, foi esse termo empregado em sentido comum. Abrange, pois, os pré-candidatos, ou seja: i) os que forem escolhidos na convenção partidária, mas ainda não tiveram seu pedido de registro de candidatura formalizado na Justiça Eleitoral; ii) os que já tiveram seus pedidos de registro formalizados, não havendo, ainda, decisão definitiva da Justiça Eleitoral.

Também é mister que os fatos tenham aptidão para influir no ânimo do eleitorado, de modo a provocar a mudança de seu pensamento acerca do partido ou do candidato. Assim, devem ser graves, relevantes e altamente comprometedores. Não ostentam tais qualidades fatos ordinários ou de somenos importância, porque destituídos de aptidão para influenciar o corpo eleitoral e, pois, alterar o curso das eleições.

Trata-se de crime material, porque exige a ocorrência de um resultado exterior à conduta do agente, o qual é expresso pela potencial influência do eleitorado.

Por isso, é possível ocorrer a forma tentada. A esse respeito, imagine-se a situação em que, por razões alheias à vontade do agente, a divulgação do fato não se perfaz. Por exemplo: os jornais ou as revistas em que os fatos são veiculados sofrem apreensão antes da distribuição; problemas técnico-operacionais impedem ou interrompem a transmissão das mídias já gravadas e entregues às estações de rádio e televisão.

Page 111: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

102 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O tipo subjetivo consiste no dolo, que pode ser direto, eventual e genérico. Di-reto, porque implica o conhecimento da falsidade do fato, bem como a ciência de que sua divulgação poderá influenciar o eleitorado. Eventual porque, a despeito de não querer o resultado (influência do eleitorado), pode o agente assumir o risco de produzi-lo. Genérico, porque requer apenas a consciência e a vontade de realizar a conduta típica.

Quanto a esse último aspecto, vale ressaltar que não há previsão no tipo de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor. É equivocado o entendimento – doutrinário e jurisprudencial – que, com fundamento na elementar “capazes de exercerem influência perante o eleitorado”, afirma a “exigência de dolo específico” para a configuração do delito do presente art. 323, como o fez o seguinte julgado: TRE/MG – RC no 5732001 – DJMG 21-11-2002, p. 67. Em verdade, o fim especial de agir deve vir expresso na própria descrição típica; sua ausência na conduta a torna atípica.7 No caso, o delito do art. 323 do CE ocorrerá ainda que o agente não tenha a especial intenção de exercer “influência perante o eleitorado”. Ora, razões di-versas poderão motivar o agente a divulgar os fatos mendazes, e ainda assim o delito restará configurado.

A consumação se perfaz com a efetiva divulgação dos fatos mendazes na propa-ganda.

Para a consumação, não é necessário demonstrar a real e efetiva influência do fato sobre os eleitores. Na verdade, tal influência tem caráter potencial, devendo ser infe-rida a partir das circunstâncias concretas.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

Caso o crime seja cometido pela imprensa, rádio ou televisão, incide a causa de aumento prevista no parágrafo único do art. 323 – o aumento deve ser fixado entre um quinto e um terço, nos termos do art. 285 do CE. A razão da majorante está em que tais mídias ensejam a rápida propalação da mensagem, atingindo grande número de pessoas.

Em virtude da falta de previsão legal, não incide o aumento se a divulgação ocorrer pela Internet. Todavia, ante o alto poder de difusão e penetração social da web, é per-feitamente cabível a fixação da pena base acima do mínimo legal com fulcro nas “cir-cunstâncias e consequências do crime”, nos termos dos arts. 59 e 68 do Código Penal.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se

7 À guisa de exemplo, veja-se o art. 155, caput, do CP, que reza: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. O tipo subjetivo é formado pelo dolo genérico (vontade livre e consciente de subtrair) e pelo dolo específico ou elemento subjetivo do tipo “para si ou para outrem”, que expressa a intenção do agente de se apoderar da coisa para si mesmo ou para terceira pessoa. Outros exemplos no CP: art. 159: “com o fim de obter, para si ou para outrem”; art. 161: “para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia; art. 171: “para si ou para outrem”; art. 216-A: “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”.

Page 112: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 103

transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 323 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.” Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Distinção – o crime do art. 323 não se confunde com os delitos contra a honra (ca-lúnia, injúria e difamação – expostos na sequência), porque esses últimos tutelam a honra (objetiva e subjetiva) da vítima.

Jurisprudência

“Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Propaganda eleitoral irre-gular. Indeferimento de liminar. Eleições 2008. Propaganda que divulga foto de agente político demonstrando apoio à candidatura de candida-to de coligação adversária. Fotografia exibida se refere a outro contexto que não o da campanha eleitoral do presente pleito. Objetivo de criar, artificialmente, no eleitor, a ideia de apoio à candidatura do agravante. Descumprimento do disposto nos arts. 242 e 323 do Código Eleitoral. Configuração de propaganda irregular. Manutenção da decisão que deter-minou a apreensão do material publicitário. Agravo regimental a que se nega provimento.” (TRE/MG – RE no 4.889 – PSS 25-9-2008).

“Recurso Criminal. Ação Penal. Denúncia. Art. 323 do Código Eleitoral. Sentença condenatória. Preliminar de cerceamento de defesa. Rejeitada. O juiz tem liberdade para apreciar as provas já produzidas e concluir pela desnecessidade de outras. A prova requerida revelou-se dispensá-vel para a apuração da responsabilidade do acusado. Mérito. Divulgação, por meio de aparelhagem de som instalada em veículo automotor, de mensagem musicada com número de candidatura diverso daquele com o qual concorria o desafeto, induzindo o eleitorado a erro. Configuração

Page 113: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

104 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

do tipo previsto no art. 323 do Código Eleitoral. Recurso a que se nega provimento.” (TRE/MG – RC no 4022005 – DJMG 9-2-2006, p. 77/78).

“Inquérito. Art. 323 do Código Eleitoral. Divulgação, em propaganda, de fatos sabidamente inverídicos capazes de influenciar o eleitorado. Para a caracterização do tipo do art. 323 do Código Eleitoral, é necessária a divulgação de fatos sabidamente inverídicos em relação a partidos ou candidatos capazes de exercer uma influência negativa no eleitorado. Não-ocorrência de fato totalmente inverídico e inexistência de violação ao bem jurídico tutelado. Conduta atípica. Inquérito arquivado. Remessa de cópias dos autos ao Ministério Público Eleitoral de 1o grau.” (TRE/MG – INQ no 4222003 – DJMG 27-11-2003, p. 83).

“Recurso – Crime eleitoral – Incompetência relativa reconhecida – Au-sência de ratificação expressa – Irrelevância – Princípio da instrumentali-dade – Cerceamento de defesa – Erro de numeração de folhas dos autos – Inocorrência à míngua de prejuízo – Divulgação de fatos inverídicos em nota jornalística – Art. 323, parágrafo único do código eleitoral – Inexis-tência de propaganda política em qualquer de suas modalidades – Ati-picidade – Provimento – Absolvição do recorrente. [...] Não configura o tipo do art. 323 do Código Eleitoral a divulgação inverídica de fato que não através de propaganda política em qualquer de suas modalidades: partidária, intrapartidária ou eleitoral.” (TRE/SC – PCRIME no 570 – DJE 24-4-2007).

“Recurso criminal. Artigo 323 do Código Eleitoral. Divulgação de fatos verídicos. Ausência de elemento essencial do tipo. Conduta atípica. Re-curso a que se nega provimento.” (TRE/SP – RECR no 1.819 – DOE 15-9-2005, p. 269).

Art. 324 Calúnia eleitoral

“Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dia--multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a pro-pala ou divulga.

§ 2o A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é ad-mitida:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

Page 114: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 105

II – se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absol-vido por sentença irrecorrível.”

A matriz do vertente art. 324 encontra-se no art. 138 do Código Penal, que assim define o crime de calúnia: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. A esse tipo penal o legislador eleitoral apenas enxertou a elementar “na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda”, para deixar assentado que a calú-nia eleitoral é um delito especial e só se apresenta no contexto de propaganda eleitoral.

O art. 324 do CE tem por objeto a tutela da honra objetiva, bem jurídico inte-grante da personalidade8 e do rol de direitos que a protegem, os denominados direitos de personalidade.

Malgrado as tradicionais tentativas de classificação desses direitos, atualmente se entende que sua enumeração é sempre insuficiente e limitada. De maneira que não mais tem lugar discussões sobre a enumeração taxativa dos direitos de personalidade, “porque se está em presença, a partir do princípio constitucional da dignidade (CF, art. 1o, III), de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana” (BODIN DE MORAIS, 2003, p. 117-118). O princípio da dignidade, portanto, possui a relevantíssima função de cláusula geral, abrigando todos os bens jurídicos atinentes à personalidade, inde-pendentemente de constarem ou não de um rol classificatório. Em verdade, a pessoa – e a dignidade que lhe é inerente – figura como um dos valores mais resplandecentes do sistema jurídico. De sorte que a honra objetiva liga-se imediatamente à dignidade da pessoa humana.

A honra objetiva consiste na projeção social da personalidade, sua abertura para fora (e para além) da própria pessoa. Afinal, a existência é sempre uma coexistência, sentida e afetada pela presença das outras pessoas. Refere-se à apreciação ou à valo-ração de alguém pelos demais personagens da comunhão social, ou seja, à reputação ou fama que se goza no meio social. Trata-se, pois, de algo objetivo, externo à pessoa. Na expressão de Bruno (1972, p. 269), ela se apresenta “como a consideração e o respeito que o cercam [o indivíduo] no meio em que vive, a sua reputação, que ele conquista pela soma de valores sociais, éticos e jurídicos, segundo os quais ele dirige seu comportamento na vida”.

8 A personalidade reveste o ser humano, inculcando-lhe o status de pessoa; com ela, giza-se a socialidade inerente ao espaço humano e a integração nas relações jurídico-econômico-sociais. Sem as emanações da personalidade não poderia o ser humano ingressar e ter trânsito no mundo sócio-jurídico-político, sendo elas, portanto, necessárias para a promoção de sua realização na vida social. A ordem jurídica capta e reco-nhece tais emanações como sendo bens de primeira grandeza, direitos fundamentais, essenciais e inerentes à pessoa, outorgando-lhes proteção. Assim, o direito à vida, à honra, à imagem, à identidade, à integridade física e psíquica, à liberdade de pensamento e de crença são bens cuja preservação se faz necessária para que a pessoa seja reconhecida como tal no ambiente social e nele se expanda, existindo e atuando com honra e dignidade perante os seus semelhantes. Trata-se, portanto, de bens necessários à própria existência da sociedade humana.

Page 115: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

106 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Também se visa à proteção da veracidade da propaganda eleitoral, compreendida como a correspondência do sentido da comunicação com a verdade histórica, locali-zada no espaço e no tempo. E, ainda, o direito político fundamental dos eleitores de serem informados corretamente sobre os candidatos a fim de que possam formular juízos conscientes e seguros a respeito deles.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Não se exige a qualidade de candidato, filiado ou representante (fiscal, delegado, apoiador) de partido político.

Sujeito passivo é a sociedade. Ademais, qualquer pessoa – física ou jurídica – que sofrer a falsa atribuição de fato pode figurar como vítima secundária. Não é preciso que a pessoa física seja candidata, tampouco pré-candidata. Quanto à pessoa jurídica, considerando que o nosso ordenamento penal lhe atribui responsabilidade penal (vide CF, art. 225, § 3o; Lei no 9.605/98, arts. 3o e 21 a 24; CE, art. 336, parágrafo único), pode ser vítima de calúnia; mas isso apenas com relação a delitos em que ela possa figurar como sujeito ativo.

À vista do bem jurídico tutelado, as pessoas ditas “desonradas” podem figurar como vítimas, pois a dignidade é direito fundamental ligado à pessoa humana.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “caluniar”. O § 1o do art. 324 estende a incriminação ao “propalar” ou “divulgar” a calúnia.

Caluniar é imputar falsamente a alguém fato definido como crime, na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda. Também é típica a conduta de propalar ou divulgar a falsa imputação.

Imputar, no presente contexto, significa atribuir, acoimar, acusar.

Falsamente é elemento normativo do tipo que expressa a necessidade de a atribui-ção ser mentirosa, mendaz, divergente da realidade histórica.

O fato deve ser atribuído a alguém, isto é, a pessoa certa, individualizada, ou facilmente determinável. Se a vítima não for minuciosamente identificada, é mister que se lhe possa ligar a acusação feita. De igual modo, pode a falsa imputação ser atribuída a um grupo ou conjunto de pessoas, desde que ele seja determinado; nesse caso, todos os integrantes do grupo serão vítimas. Caso o grupo seja indeterminado (ex.: os católicos, os socialistas, os liberais), é preciso que em seu interior se possa, com facilidade, identificar o indivíduo a quem a ofensa é endereçada. Se não houver possibilidade de identificação do sujeito passivo, atípica será a conduta.

Deve o fato imputado ser definido em lei como crime. É irrelevante que o crime seja previsto na legislação comum ou especial, culposo, de menor potencial ofensivo ou enseje suspensão condicional do processo. A atribuição falsa de fato atípico (não criminoso) pode ensejar o cometimento do delito de difamação.

Ademais, o fato há de ser específico e objetivamente determinado. Urge indicar os elementos essenciais do crime, os quais devem se harmonizar com a definição contida na norma legal que o prevê. Todavia, não é necessário que haja descrição minuciosa,

Page 116: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 107

contendo todos os pormenores e todas as circunstâncias – além de revelar demasiado apego ao mero formalismo, tal exigência inviabiliza a configuração do delito. Basta que se apontem os elementos necessários para que a acusação feita seja crível ou goze de credibilidade perante o ouvinte. Na sempre oportuna lição de Hungria (1958, p. 65), a credibilidade “não está necessariamente subordinada a uma descrição detalha-da do fato imputado”, sendo suficiente que ela possa suscitar credibilidade. Portanto, afirmações vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes não são há-beis a realizar o delito em exame.9

A mendaz imputação tanto pode ter por objeto um fato falso, quanto a autoria de fato verdadeiro. Nessa última situação, conquanto o delito tenha realmente existido, foi cometido por outra pessoa. Em qualquer dos dois casos, mentirosa será a atribuição.

A imputação falsa deve ocorrer: a) na propaganda eleitoral; ou b) visando fins de propaganda. No primeiro caso, a especificação feita no tipo deixa claro que só haverá calúnia eleitoral se ela for realizada na propaganda eleitoral. Abrange-se, pois, tanto a propaganda eleitoral feita no período regular (a partir de 5 de julho do ano das elei-ções), quanto a extemporânea ou antecipada. Outrossim, não importa a forma nem a mídia em que a propaganda é veiculada, abarcando a efetuada em comício, carro de som, autofalante, folheto, horário gratuito de rádio e televisão, Internet.

No segundo caso, a imputação falsa deve visar “fins de propaganda”. Assim, faz-se uma comunicação em local, mídia ou contexto que não são próprios de propaganda eleitoral. Entretanto, ressai da comunicação o propósito de propaganda e, pois, a inten-ção de que apresente alguma relevância nas eleições. Trata-se, então, de comunicação eleitoral dissimulada. Como exemplo dos aludidos locais, mídias e contextos, citem-se entrevistas veiculadas em rádio, televisão, blog na Internet, jornal e revista, propagandas partidária e intrapartidária; comunicação oficial em cadeia de rádio e televisão.

Também é típica a conduta de “propalar ou divulgar” a falsa imputação. Esses termos são sinônimos, significando espalhar, difundir, apregoar. Pelo que, o agente leva a falsa imputação ao conhecimento de outras pessoas ou providencia para que elas a conheçam.

Trata-se de crime formal, porque não exige a ocorrência de resultado exterior à conduta do agente. O propósito do agente é lesionar a honra alheia, provocar sua execração ou aversão perante terceiros, notadamente os eleitores, mas a concretização desse resultado não é necessária para a consumação do delito.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, direto ou eventual. O primeiro consiste no querer, livre e consciente, atribuir falsamente a alguém fato definido como crime. Abrange o conhecimento da falsidade da imputação. Já no eventual, apresenta-se uma dúvida na consciência do agente, o qual, porém, não se detém diante dela e realiza a conduta típica.

9 Todavia, afirmações vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes podem caracterizar o delito de injúria.

Page 117: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

108 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O art. 324, caput, também requer a presença de um elemento subjetivo específico. Trata-se de um plus que não se confunde com o dolo. A falsa imputação de crime deve ser feita visando fins de propaganda eleitoral. Portanto, a conduta do agente deve ter a especial finalidade de produzir efeito nas eleições, ou melhor, deve haver animus eleitoral. Mas como já dito, não é necessário que esse resultado seja concretizado para que a infração se consume.

Se a falsa imputação se der na propaganda eleitoral, o meio em que é veiculada já evidencia a presença do elemento subjetivo do tipo em apreço; a intenção de ofender a honra encontra-se in re ipsa. Caso, porém, ela não ocorra na propaganda eleitoral, mas em espaço diverso, deve-se evidenciar a existência de um sentido especificamente eleitoral, ou da intenção de se produzir efeito nas eleições. A ausência desse sentido ou intenção aliada à presença exclusiva de animus caluniandi descaracteriza a calúnia eleitoral, tornando-a comum, tal como previsto no art. 138 do Código Penal.

Vale ressaltar que, para a configuração da calúnia eleitoral, não é necessária a presença de animus caluniandi, bastando a intenção de que a falsa imputação produ-za efeito nas eleições. Afinal, esse efeito pode suceder ainda que a falsa imputação seja proferida em tom de gracejo (animus jocandi) ou com intuito de narrar (animus narrandi).

No que concerne à conduta descrita no § 1o do art. 324, consiste o dolo na vonta-de de transmitir a terceiros a falsa imputação, o que contribui para agravar a lesão ao bem jurídico tutelado. O dolo compreende a ciência da falsidade da imputação, sendo que a ausência desse conhecimento afasta a tipicidade. Segundo Hungria (1958, p. 72), o dolo, aqui, é direto, não bastando o eventual; isso porque “aquele que se limi-ta a propalar ou divulgar a imputação somente será condenado quando tenha plena consciência de que o fato imputado não corresponde à verdade”.

A consumação se perfaz no instante em que a falsa imputação chega ao conhe-cimento de qualquer pessoa – exceto a vítima. Para tanto, basta que uma só pessoa tome conhecimento. No caso de a falsa imputação ser veiculada em post (texto publi-cado em website), blog ou Internet, devido às características desse meio virtual, presu-me-se o seu conhecimento por terceiros.

Se a imputação for feita verbalmente, por óbvio não é possível haver tentativa: ou o agente fala ou se cala. Na lição de Hungria (1958, p. 67), a

“calúnia verbal, como em geral os crimes contra a honra, quando come-tidos oralmente, não admitem tentativa, pois, em tal caso, se trata de crime que se perfaz unico actu. Ou as palavras são proferidas, e o crime se consuma, ou não são proferidas, e seria absurdo cogitar-se de crime, ainda que meramente tentado.”

No entanto, o conatus é possível de ocorrer quando a falsa imputação se dá por ou-tras formas. Depois de afirmar ser concebível “a tentativa de calúnia por escrito ou por

Page 118: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 109

outro qualquer meio cujo emprego importe um iter a ser percorrido”, figura Hungria (1958, p. 68), como exemplo, a situação em que,

“já preparado o pasquim calunioso, é este apreendido pela polícia quan-do o agente vai afixá-lo na fachada de uma casa. É inegável a tentativa, como também o será neste outro exemplo: o pasquim calunioso é afixado em lugar público, mas, antes que alguém o leia, o próprio ofendido o retira, inutilizando-o”.

Outro exemplo de tentativa é citado por Bruno (1972, p. 291): “o Aretino conduz exemplares de um libelo calunioso, mas, antes de começar a distribuí-los, encontra a vítima visada, que os arrebata e destrói, sem que ninguém tivesse tomado conheci-mento do seu conteúdo”. Nessa linha de pensamento, suponha-se que a falsa imputa-ção conste em mídia digital (produzida para exibição na propaganda gratuita no rádio ou na televisão), e essas sejam apreendidas pela autoridade ou destruídas pela própria vítima antes da exibição.

Sanção – a pena é de detenção seis meses a dois anos, e pagamento de dez a 40 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é igual a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação pe-nal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibili-dades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Causas de aumento de pena – reza o art. 327 do CE que as penas cominadas no art. 324 “aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Pre-sidente da República ou chefe de governo estrangeiro; II – contra funcionário público, em razão de suas funções; III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa”.

Mais se falará sobre essas causas na sequência, quando se cuidar da injúria.

Conforme anteriormente salientado, causas de aumento e diminuição da pena são indicadores que impõem o crescimento ou a redução do montante da pena. Tais indicadores são expressos em quantidades fixas. Podem elevar a pena cominada para além do máximo ou reduzi-la para aquém do mínimo.

Por isso, sendo prevista causa de aumento, deve ela ser computada para se con-ceituar a infração como sendo ou não de menor potencial ofensivo, bem como para verificar a possibilidade ou não de concessão de sursis processual.10

10 A esse respeito, reza a Súmula no 243 do STJ: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”

Page 119: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

110 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Logo, se a pena máxima abstratamente cominada ao delito for de dois anos e incidir causa de aumento de pena, a infração penal deixa de ser conceituada como de menor potencial ofensivo, pois, nesse caso, o máximo da pena abstratamente comina-do supera o marco de dois anos.

É essa precisamente a situação que se apresenta. Computando-se a causa de au-mento de um terço, o máximo da pena passa a ser de dois anos e oito meses, deixando de se enquadrar na definição de infração de menor potencial ofensivo. Consequente-mente: i) não se admite transação penal; ii) há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Por outro lado, considerando a causa de aumento, a pena mínima cominada passa a ser de oito meses, permanecendo, portanto, inferior a um ano. Assim, admite-se a suspensão condicional do processo.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 324 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente”. Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Exceção da verdade (exceptio veritatis) – é um incidente no processo penal pelo qual o réu se defende arguindo (e provando) que o fato imputado é verdadeiro. Seu objetivo harmoniza-se com o interesse público de que não fique impune o autor do delito.

Foi visto que o tipo legal da calúnia contém o elemento normativo “falsamente”. É, pois, essencial para sua configuração que a imputação seja falsa. Sendo verdadeiro o fato, atípica é a conduta.

Entretanto, a exceptio veritatis não é admitida nas hipóteses arroladas no § 2o do art. 324 do CE, a saber:

“I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível; II – se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.”

Esse dispositivo reproduz ipsis litteris o § 3o do art. 138 do Código Penal.

Page 120: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 111

Observe-se que, se a vítima tiver foro privilegiado, a competência para julgar o incidente é do respectivo tribunal. Vale ressaltar que a competência do tribunal é tão somente para julgar a exceção; a admissibilidade, o processamento e toda a instrução devem ser realizados pelo próprio juízo originário, perante o qual a exceção é oposta. Concluída a instrução, devem os autos da exceção ser remetidos à instância superior para julgamento do mérito. Ultimado o julgamento, eles retornam ao juízo de ori-gem, no qual tal decisum deverá ser observado. Nesse sentido: STF – HC no 74649/SP – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJ 11-4-1997; STF – EV no 601/MT – Pleno – Rel. Min Paulo Brossard – DJ 8-4-1994; STF – Ap no 305 QO-QO/DF – Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 10-9-1993; STJ – Rcl no 6595/MT – CE – Rel. Min. Laurita Vaz – DJe 1-7/2013; STJ – ExVerd no 42/ES – CE – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJ 3-9/2007, p. 109; STJ – Rcl no 7391/MT – CE – Rel. Min. Vaz – DJe 1-7-2013.

Exceção de notoriedade – o Código Eleitoral não trata da exceção de notoriedade do fato. Entretanto, é ela prevista no art. 523 do CPP.11

A exceção de notoriedade não se confunde com exceptio veritatis. Nessa última, visa-se provar que o fato imputado é verdadeiro, enquanto na primeira visa-se de-monstrar que o fato imputado é de conhecimento geral na comunidade, portanto o agente não agiu com dolo.

Por notório deve-se compreender o fato cujo conhecimento é compartilhado pelos membros de uma determinada comunidade ou grupo social, sobre cuja existência não há discussão. Um evento notório não é ipso facto verdadeiro: a verdade e a notoriedade nem sempre estão juntas.

Note-se que a notoriedade deve ser demonstrada.

Retratação do agente – pelo art. 107, VI, do CP extingue-se a punibilidade “pela re-tratação do agente, nos casos em que a lei a admite”. O mesmo Código prevê em seu art. 143: “O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.” Assim, é prevista a possibilidade de retratação nos delitos de calúnia e difamação.

Na retratação o agente se desdiz, retirando o que disse. Assevera Hungria (1958, p. 126) que ela “revela, da parte do agente, o propósito de reparar o mal praticado, o intuito de dar uma satisfação cabal ao ofendido, a boa-fé com que os homens de bem reconhecem os próprios erros, o arrependimento de um ato decorrente de momentâ-nea irreflexão”.

Ocorre, porém, que a retratação não é prevista no Código Eleitoral, tampouco extingue a punibilidade da calúnia eleitoral. Porque nessa há a especial finalidade de influenciar as eleições. Ainda que o agente se retrate, esse efeito não é apagado.

11 Eis o texto do art. 523: “Quando for oferecida a exceção da verdade ou da notoriedade do fato imputado, o querelante poderá contestar a exceção no prazo de dois dias, podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas naquele prazo, em substituição às primeiras, ou para completar o máximo legal.”

Page 121: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

112 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Pedido de explicações em juízo – embora o Código Eleitoral não preveja essa medida, em certos casos será útil sua admissão, conforme se exporá mais à frente, no texto dedicado à injúria eleitoral.

Concurso entre calúnia comum e eleitoral – pode haver concurso entre os delitos de calúnia do art. 138 do CP e do presente art. 324. Não há dúvida de que, além da finali-dade eleitoral, a conduta do agente também poderá albergar o animus caluniandi, isto é, a intenção de aviltar a honra objetiva da vítima. Nesse caso, não há dois delitos, por-que ocorre concurso de normas. À ação única praticada pelo agente contra a mesma vítima incidem as duas regras apontadas. Note-se, porém, que o concurso de normas não é real, mas meramente aparente. E é resolvido pelo princípio da especialidade, segundo o qual lex specialis derogat generali (a lei especial derroga a geral). Prevalece, portanto, a regra especial. Assim, ainda que exista animus caluniandi, haverá somente o delito do art. 324 do CE.

Concurso entre calúnia, difamação e injúria – também pode acontecer de o agente, me-diante uma só conduta, violar diferentes bens jurídicos pertencentes à mesma pessoa e protegidos por regras incriminadoras diversas – sendo que uma das ações constitui meio necessário, fase de preparação ou execução de outra. No caso, há o cometimento de dois ou três delitos contra a honra da mesma vítima. Também aqui ocorre concurso aparente de normas, de sorte que o agente não responde por todos os delitos, mas ape-nas pelo mais grave, que absorve os demais. Incide o princípio da consunção, em uma de suas sub-regras, a saber: crime progressivo, progressão criminosa ou fato anterior não punível, conforme a situação fática. Em tal quadro, se em uma mesma conduta delituosa se divisar a prática de calúnia, difamação e injúria eleitorais contra a mesma vítima, somente do crime de calúnia se cogitará, nele ficando absorvidos os demais.

No entanto, havendo diversas vítimas, a hipótese será não de concurso de normas, mas de concurso de crimes. De aplicar-se, então, a regra do concurso formal de deli-tos, nos termos do art. 70 do CP.12 É que, mediante uma só conduta, pratica o agente dois ou mais crimes contra vítimas diferentes.

Concurso entre calúnia e denunciação caluniosa – o art. 339 do CP prevê o crime de denunciação caluniosa, consistente na conduta de “dar causa à instauração de investi-gação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inqué-rito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”. Esse delito não é previsto no Código Eleitoral.13

12 Dispõe o art. 70 do CP: “Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais cri-mes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”

13 Tramita no Senado o Projeto de Lei no 43/2014 (originário do PL no 01978 da Câmara dos Deputados), inserindo no Código Eleitoral o art. 326-A, no qual é previsto o crime de denunciação caluniosa eleitoral. Eis o teor desse artigo: “Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém

Page 122: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 113

Assim, se a intenção do agente for provocar uma investigação em desfavor da vítima, e não apenas lesar sua honra, o crime de calúnia ficará absorvido pelo de de-nunciação caluniosa.

Considerando que a calúnia é elementar do delito de denunciação caluniosa, tem-se que este apresenta natureza de crime complexo.14 Portanto, competente é a Justiça Eleitoral, nos termos do art. 78, IV, do CPP.

Distinção – o crime de calúnia eleitoral não se confunde: a) com o delito previsto no art. 323 do CE, pois, conforme foi visto, são diversos os bens jurídicos tutelados por cada qual deles; b) com o delito de difamação eleitoral (CE, art. 325), pois esse refere-se à só imputação de fato não definido como crime; c) com o delito de injúria eleitoral (CE, art. 326), pois o bem jurídico por esse tutelado é a honra subjetiva da pessoa.

Jurisprudência

“Ação penal. Denúncia. Extinção da punibilidade pela prescrição da pre-tensão punitiva com relação aos crimes eleitorais de injúria e difamação. Condenação pelo crime eleitoral de calúnia. [...]. II. Calúnia – Tipicidade. A tipicidade própria à calúnia pressupõe a imputação de fato determina-do, revelador de prática criminosa, não a caracterizando palavras gené-ricas, muito embora alcançando a honra do destinatário. Precedentes do STF. Atipicidade do fato. Vencido o relator, Ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso para desclassificar o crime de calúnia para o de injúria, declarando, outrossim, a prescrição deste. III. Recurso provi-do. Recorrente absolvido da imputação com base no artigo 386, inciso III, do CPP.” (STF – AP no 428/TO – Pleno – Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes – DJe, 62, 28-8-2009).

Exceção da verdade. Calúnia. Crime eleitoral. Excepto-querelante de-putado federal. Exceção regularmente recebida e instruída pelo TRE. Remessa ao STF para o julgamento. Não demonstrada pelo excipien-te-querelado a prova da veracidade do fato imputado, impõe-se a im-procedência da exceção. Devolução dos autos para a sequência da ação penal.” (STF – Pet no 3381/PB – Pleno – Rel. Min. Ellen Gracie – DJ 2-9-2005, p. 519-523).

a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. § 1o A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. § 2o A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. § 3o Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsa-mente atribuído.”

14 O art. 101 do CP define o crime complexo como aquele em que “a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes”.

Page 123: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

114 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Crime eleitoral – Exceção da verdade – Exceto que dispõe de prerrogativa de foro perante o STF nos crimes comuns – disciplina ritual da exceptio veritatis – Exceção da verdade em crime de difamação – Hipótese em que o STF é incompetente para julgá-la – Devolução dos autos a origem. – A formalização da exceptio veritatis contra aquele que goza de prerrogativa de foro ratione muneris perante o Supremo Tribunal Federal desloca, para esta instância jurisdicional, somente o julgamento da exceção oposta. Para esse efeito, impõe-se que a exceção da verdade de competência do Supremo Tribunal Federal, seja previamente submetida a juízo de admis-sibilidade que se situa na instância ordinária. Resultando positivo esse juízo de admissibilidade, a exceptio veritatis deverá ser processada perante o órgão judiciário inferior, que nela promoverá a instrução probatória pertinente, eis que a esta corte cabe, tão-somente, o julgamento des-sa verdadeira ação declaratória incidental. – A competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da exceção da verdade resume-se, na linha da jurisprudência desta Corte, aos casos em que a demonstratio veri disser respeito ao delito de calúnia, no qual se destaca, como elemento essencial do tipo, a imputação de fato determinado revestido de caráter delituoso. Tratando-se de difamação – hipótese em que se revela inapli-cável o art. 85 do Código de Processo Penal –, a exceção da verdade, uma vez deduzida e admitida, deverá ser processada e julgada pelo próprio juízo inferior, ainda que o exceto disponha, nos termos do art. 102, i, “b” e “c”, da Constituição, de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal. Precedentes da Corte.” (STF – Ap no 305 QO-QO/DF – Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 10-9-1993).

“1. Ação penal originária [...] Ainda quando se admita, em casos ex-cepcionais, que o congressista, embora licenciado, continue projetado pela imunidade material contra a incriminação de declarações relativas ao exercício do mandato, a garantia não exclui a criminalidade de ofensas a terceiro, em atos de propaganda eleitoral, fora do exercício da função e sem conexão com ela (CF. Inq 390, 27.9.89, Pertence, RTJ 129/970). 3. Crime contra a honra e discussão político-eleitoral: limites da tolerância. As discussões políticas, particularmente as que se travam no calor de campanhas eleitorais renhidas, são inseparáveis da necessidade de emis-são de juízos, necessariamente subjetivos, sobre qualidades e defeitos dos homens públicos nelas diretamente envolvidos, impondo critério de especial tolerância na sua valoração penal, de modo a não tolher a liber-dade de crítica, que os deve proteger; mas a tolerância há de ser menor, quando, ainda que situado no campo da vida pública ou da vida privada de relevância pública do militante político, o libelo do adversário ultra-passa a linha dos juízos desprimorosos para a imputação de fatos mais

Page 124: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 115

ou menos concretos, sobretudo, se invadem ou tangenciam a esfera da criminalidade: consequente viabilidade da denúncia, no caso concreto, que se recebe.” (STF – Inq no 503 QO/RJ – Pleno – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 26-3-1993, p. 5001).

“Ação penal. Crimes contra a honra. Decisão regional. Procedência par-cial. Recurso especial. Alegação. Violação. Art. 324 do Código Eleitoral. Calúnia. Não-configuração. Imputação. Ausência. Fato determinado. 1. A ofensa de caráter genérico, sem indicação de circunstâncias a mostrar fato específico e determinado, não caracteriza o crime de calúnia previsto no art. 324 do Código Eleitoral. [...] Agravo regimental a que se nega provimento.” (TSE – AREspe no 25583/SP – DJ 30-11-2006, p. 96).

“Manifestação pública que atingiu a honra da vítima, juíza eleitoral em exercício, bem imaterial tutelado pelas normas dos tipos dos arts. 324, 325 e 326 do Código Eleitoral. Comprovação, nos autos, de que o réu agiu com o objetivo de ofender moralmente a juíza eleitoral. Não ape-nas narrou fatos ou realizou críticas prudentes, foi além, agiu de forma evidentemente temerária, sem qualquer limite tolerável, razoável, ainda que considerado o contexto próprio de campanhas eleitorais. A alegação de que o tipo do art. 324 do Código Eleitoral exige sempre a finalidade de propaganda eleitoral não se sustenta. A simples leitura do dispositivo esclarece qualquer dúvida: a calúnia estará caracterizada quando ocorrer ‘na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda’. [...]. A alega-ção de ser o réu ‘[...] homem do campo [...] de pouca instrução (para não dizer nenhuma); [...]’ mostra-se desarrazoada. Ainda que possa ter pouca instrução formal, não se trata de homem simplório, ingênuo, pois consta dos autos que, além de candidato a deputado federal, foi prefeito do município de Viçosa/AL em quatro legislaturas. [...] Agravo regimen-tal a que se nega provimento.” (TSE – AgR-REspe no 35322/AL – DJe, t. 165, 31-8-2009, p. 41).

“Habeas corpus. Pretensão. Trancamento. Ação penal. Decisão regional. Concessão parcial. Recurso ordinário. Crimes contra a honra. Ação penal pública incondicionada. Art. 355 do Código Eleitoral. Nulidade. Denún-cia. Inexistência. 1. Nos termos do art. 355 do Código Eleitoral, os crimes eleitorais são apurados por meio de ação penal pública incondicionada. 2. Conforme já assentado por esta Corte Superior (Recurso Especial no 21.295, rel. Min. Fernando Neves), em virtude do interesse público que envolve a matéria eleitoral, não procede o argumento de que o referido art. 355 admitiria ação penal pública condicionada à manifestação do ofendido ou de seu representante legal. 3. Em face disso, não há falar em nulidade da denúncia, por crime de calúnia previsto no art. 324 do

Page 125: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

116 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Código Eleitoral, sob a alegação de ausência de representação ou queixa dos ofendidos. Recurso a que se nega provimento.” (TSE – RHC no 113/SP – DJ 16-6-2008, p. 26).

“Ação penal. Condenação. Calúnia. Art. 324 do Código Eleitoral. Nota. Jornal. Fato. Afirmação genérica. Não-caracterização. Divulgação de fato inverídico ou difamação. Enquadramento. Impossibilidade. Prescrição da pena em abstrato. 1. A afirmação genérica não é apta a configurar o crime de calúnia, previsto no art. 324 do Código Eleitoral, sendo exigida, para a caracterização desse tipo penal, a imputação de um fato determinado que possa ser definido como crime. 2. Impossibilidade de se enquadrar o fato nos tipos previstos nos arts. 323 do Código Eleitoral, que se refere à divulgação de fato inverídico, ou art. 325 do mesmo diploma, que diz respeito ao crime de difamação, em face da ocorrência da prescrição pela pena em abstrato para esses delitos. Recurso especial provido a fim de declarar extinta a punibilidade.” (TSE – REspe no 21.396/AC – DJ, v. 1, 2-4-2004, p. 106).

“Habeas corpus – Condenação – Calúnia – Comício – Ofensa a duas pes-soas – Art. 324, c/c art. 327, III, do Código Eleitoral – Duplicidade de processos oriundos da mesma situação fática – Irregularidade. Concessão da ordem – Suspensão dos efeitos de ambas as sentenças para facultar ao promotor de justiça o oferecimento do benefício previsto no art. 89 da Lei no 9.099/95. 1. Se a ofensa a duas pessoas ocorreu no mesmo evento, deve o réu responder a um só processo, sendo-lhe aplicada uma só pena, ainda que aumentada na forma da lei.

2. A existência irregular de dois processos não pode ser invocada para afastar, em cada um, o benefício do art. 89 da Lei no 9.099, de 1995, pela simples existência do outro.” (TSE – HC no 444/SP – DJ, v. 1, 13-12-2002, p. 211).

“Crime eleitoral. Calúnia. Divulgação. Constando da denúncia que o acu-sado procedeu à distribuição de publicação, atribuindo falsamente a prá-tica de crime à vítima, justifica-se a condenação com base no artigo 324, parágrafo 1o do Código Eleitoral, embora não demonstrado que tivesse ele providenciado a feitura dos impressos, como também consignado na inicial. Incidência do disposto no caput do artigo 384 do Código de Pro-cesso Penal.” (TSE – Ag no 1.251/MS – DJ 14-5-1999, p. 132).

“Reclamação. Exceção da verdade. Autoridade com prerrogativa de foro No STJ. Competência. Admissibilidade, processamento e instrução da Exceptio veritatis: juízo da ação criminal de origem. Julgamento do Mé-rito: STJ. Possibilidade de o juízo de piso inadmitir a exceção. Ausência

Page 126: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 117

de usurpação de competência do STJ. Precedentes. Reclamação Improce-dente. Pedidos subsidiários prejudicados. 1. O juízo de admissibilidade, o processamento e a instrução da exceção da verdade oposta em face de autoridades públicas com prerrogativa de foro devem ser feitos pelo próprio juízo da ação penal originária que, após a instrução dos autos, admitida a exceptio veritatis, deve remetê-los à Instância Superior para jul-gamento do mérito. 2. Hipótese em que o juízo de piso decidiu pela inad-missibilidade da exceção da verdade, em face da impossibilidade jurídica do pedido, porquanto dissociado do objeto da ação penal em curso. Au-sência de usurpação da competência do STJ. Matéria a ser eventualmente impugnada pelas vias recursais ordinárias. Precedentes do STJ e do STF. 3. Reclamação julgada improcedente, com a cassação da liminar anterior-mente deferida. Prejudicados, por conseguinte, os pedidos subsidiários.” (STJ – Rcl no 7391/MT – Corte Especial – Rel. Min. Vaz – DJe 1-7-2013).

“Inquérito Policial. Apuração de eventual prática de crimes previstos nos artigos 324 e 327 do Código Eleitoral. Deputado Federal. Incompetência da Corte Regional para julgamento. Foro privativo estabelecido pelo art. 102, inciso I, alínea b, da Constituição da República. Remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.” (TRE/MG – INQ no 29002006 – DJMG 28-11-2006, p. 103).

Inquérito policial. Apuração de fatos supostamente tipificados no art. 324 do Código Eleitoral, durante a campanha eleitoral do ano de 2004. Crime de calúnia. Solicitação de arquivamento pelo titular da ação penal. Não configuração da prática do fato delituoso. Ausência de justa causa para a propositura de ação penal. Arquivamento. Decisão por maioria. – Durante o período eleitoral, o acirramento da disputa deve ser visto como fator atenuante para a caracterização de ofensa à honra e à imagem do candidato, uma vez que o calor do embate provoca nos candidatos a exaltação dos ânimos. Decisão: Acordam os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, por maioria de votos, [...] em arquivar o inquérito policial, diante da inexistência da prática de crime eleitoral, nos termos do voto do Juiz Relator.” (TRE/AL – PCRIO no 51/AL – DOEAL 24-2-2006, p. 71).

“Representação para fins de propositura de ação civil pública e de ação penal por crime eleitoral contra a honra – Apuração, por meio de ação civil pública, de improbidade administrativa não se insere no âmbito da Justiça Eleitoral – Não se demonstrou que a conduta tida como ofensiva à honra tenha sido praticada durante propaganda eleitoral, elementar de qualquer das figuras típicas dos crimes capitulados nos arts. 324 a 326 do Código Eleitoral – Acolhida manifestação ministerial para arquivamento

Page 127: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

118 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

da representação.” (TRE/SP – CON no 15.705 – DOE 19-4-2005, p. 146).

“Recurso Criminal. Prática de crime previsto no art. 324 c/c 327, inciso III, do Código Eleitoral. Majoração da pena prevista em razão do fato definido como crime ter ocorrido através da imprensa escrita. Conside-ra-se o aumento da pena para efeitos do cálculo do prazo prescricional, alterando-o de quatro para oito anos – Art. 109 do Código Penal. Não ocorrência de prescrição. Recurso provido.” (TRE/MG – RC no 6212001 – DJMG 20-7-2002, p. 31).

“Crimes contra a honra. Apreciação em grau de recurso da exceção de verdade inadmitida em primeira instância. Ausência de cerceamento de defesa, ante a produção de todas as provas requeridas. Ilícitos penais não elididos. Redução das penas impostas aos réus, em atenção às circuns-tâncias do artigo 59 do Código Penal, e do prazo do sursis. Exclusão da penalidade imposta a partidos políticos sem os pressupostos do artigo 336 do Código Eleitoral.” (TRE/PR – RE no 78 – DJ 5-10-1993).

Art. 325 Difamação eleitoral

“Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dia--multa.

Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.”

O enfocado art. 325 corresponde ao art. 139 do Código Penal, que assim define o crime de difamação: “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”. A esse tipo penal o legislador eleitoral apenas enxertou a elementar “na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda”, para deixar assentado que a difamação eleito-ral é um delito especial e só se apresenta no contexto da propaganda eleitoral.

Tal qual o delito de calúnia, o art. 325 do CE tem por objeto a tutela da honra ob-jetiva, bem como a veracidade da propaganda eleitoral e o direito político fundamental dos eleitores de serem informados corretamente sobre os candidatos a fim de que possam formular juízos conscientes e seguros a respeito deles.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Não se exige a qualidade de candidato, filiado ou representante (fiscal, delegado, apoiador) de partido político.

Sujeito passivo é a sociedade. Ademais, qualquer pessoa – física ou jurídica – que sofrer a atribuição de fato ofensivo pode figurar como vítima secundária. Não é pre-

Page 128: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 119

ciso que a pessoa física seja candidata, tampouco pré-candidata. No que concerne à pessoa jurídica, admite-se que seja vítima de dano moral,15 donde se segue poder ser difamada.

À vista do bem jurídico tutelado, as pessoas ditas “desonradas” podem figurar como vítimas de difamação, pois a dignidade é direito fundamental da pessoa humana.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “difamar” alguém.

Difamar é imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação, na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda.

Imputar, no presente contexto, significa atribuir, conferir, infligir, apor.

Há mister que o fato seja atribuído a alguém, isto é, a pessoa certa, individuali-zada, ou facilmente determinável. Se a vítima não for minuciosamente identificada, é preciso que se lhe possa ligar a imputação feita. De igual modo, pode a falsa atribuição ser dirigida a um grupo ou conjunto de pessoas, desde que ele seja de-terminado; nesse caso, todos os integrantes do grupo serão vítimas. Caso o grupo seja indeterminado (ex.: os católicos, os comunistas, os capitalistas), é preciso que em seu interior se possa, com facilidade, identificar o indivíduo a quem a ofensa é endereçada. Se não houver possibilidade de identificação do sujeito passivo, atípica será a conduta.

Também é preciso que o fato seja específico e objetivamente determinado quanto aos seus principais contornos. Mas não se requer sua descrição minuciosa, detalhada, exaustiva. É bastante que o relato suscite credibilidade, i.e., que seja crível. Imputa-ções vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes não são hábeis a realizar o delito em exame.16

O desairoso fato atribuído tanto pode ser verdadeiro como falso ou inventado pelo agente. Se verdadeiro, sua autoria pode ser realmente do próprio ofendido como pode ser de outrem – porque nos dois casos há ofensa ao bem jurídico. Com razão, assevera Bruno (1972, p. 298) ser irrelevante a autenticidade do fato, porque, contrária ou não à verdade, “a imputação infamante pode por em perigo ou realmente ofender a repu-tação da vítima”. Mutatis mutandis, contrária ou não à verdade, a imputação infamante pode ser feita para influir nos rumos do certame eleitoral.

A imputação deve ocorrer: a) na propaganda eleitoral; ou b) visando fins de pro-paganda. No primeiro caso, a especificação feita no tipo deixa claro que só haverá difamação eleitoral se a conduta for realizada na propaganda eleitoral. Abrange-se, pois, tanto a propaganda eleitoral feita no período regular (a partir de 5 de julho do ano das eleições), quanto a extemporânea ou antecipada. Outrossim, não importa a forma

15 É o que reza a Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”

16 Todavia, imputações vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes podem caracterizar o delito de injúria.

Page 129: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

120 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

nem a mídia em que a propaganda é veiculada, abarcando a efetuada em comício, car-ro de som, autofalante, folheto, horário gratuito de rádio e televisão, Internet.

No segundo caso, a imputação deve visar “fins de propaganda”. Assim, faz-se uma comunicação em local, mídia ou contexto que não são próprios de propaganda eleito-ral. Entretanto, ressai da comunicação o propósito de propaganda e, pois, a intenção de que apresente alguma relevância nas eleições. Trata-se, então, de comunicação eleito-ral dissimulada. Como exemplo dos aludidos locais, mídias e contextos, citem-se en-trevistas veiculadas em rádio, televisão, blog na Internet, jornal e revista, propagandas partidária e intrapartidária; comunicação oficial em cadeia de rádio e televisão.

Ressalte-se que divulgar (ou levar ao conhecimento de terceiro) a imputação di-famatória arquitetada por outrem não é conduta típica. Isso em razão do direito fun-damental inscrito no art. 5o, XXXIX, da CF: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. Para ser típica tal conduta, mister seria que o art. 325 do CE expressamente lhe fizesse referência, tal como o fez o art. 324, em seu § 1o, relativamente à calúnia. Nesse sen-tido, aduz Aranha (2000, p. 73) que “a propalação ou divulgação (ato de transmitir a terceiro o que se ouviu de outrem) é fato atípico [...] desde que provado que se trata de divulgação e não de geração de fato ofensivo”.17

Trata-se de crime formal, porque não exige a ocorrência de resultado exterior à conduta; assim, não é preciso que a reputação do ofendido seja concretamente abalada ou que da imputação decorra real influência nas eleições.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, direto e eventual. O primeiro consis-te no querer, livre e consciente, atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação, com o propósito de lhe ofender a honra – o que é expresso no brocardo animus diffamandi. Já o eventual refere-se ao fato de, apesar de o agente ter consciência e prever o re-sultado, não se deter e praticar a conduta, assumindo, portanto, o risco de provocar o resultado antevisto.

O art. 325, caput, requer a presença de um elemento subjetivo específico. Tra-ta-se de um plus que não se confunde com o dolo. A imputação desairosa deve ser feita visando fins de propaganda eleitoral. Portanto, a conduta do agente deve ter a especial finalidade de produzir efeito nas eleições, ou melhor, deve haver animus eleitoral.

Se a imputação se der na propaganda eleitoral, o meio em que é feita já evidencia a presença do elemento subjetivo do tipo em apreço (culpa in re ipsa). Caso, porém, ela não ocorra na propaganda eleitoral, mas em espaço diverso, cumpre demonstrar a existência de um sentido especificamente eleitoral, ou da intenção de se produzir efeito nas eleições. A ausência desse sentido ou intenção aliada à presença exclusiva de animus diffamandi descaracteriza a difamação eleitoral, tornando-a comum, tal como previsto no art. 139 do Código Penal.

17 Em sentido contrário ao texto, afirma Damásio de Jesus (2009, p. 494) que é “de entender-se que o propalador realiza nova difamação”.

Page 130: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 121

Note-se que, para a configuração da difamação eleitoral não é necessária a pre-sença de animus diffamandi, bastando a intenção de que a imputação gere efeito nas eleições. Afinal, esse efeito pode suceder ainda que a falsa imputação seja proferida em tom de gracejo (animus jocandi) ou com intuito de narrar (animus narrandi).18

A consumação se perfaz no instante em que a imputação chega ao conhecimen-to de qualquer pessoa – exceto a vítima. Para tanto, basta que uma só pessoa tome conhecimento. No caso de a imputação ser veiculada em post (texto publicado em website), blog ou Internet, devido às características desse meio virtual, presume-se o seu conhecimento por terceiros.

Conforme já ressaltado, se a imputação for feita verbalmente, por óbvio não é possível haver tentativa: ou o agente fala ou se cala. Mas se a imputação for levada a efeito por outros meios torna-se possível o conatus.

Sanção – a pena é de detenção de três meses a um ano, e pagamento de cinco a 30 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Causas de aumento de pena – também para a difamação são previstas causas de au-mento de pena. Reza o art. 327 do CE que as penas cominadas no art. 325 “aumen-tam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; II – contra funcionário público, em razão de suas funções; III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divul-gação da ofensa”. Essas causas serão mais bem explicitadas na sequência, quando se tratar do delito de injúria.

Computando-se a causa de aumento de um terço, o máximo da pena passa a ser de 1 ano e 4 meses, permanecendo o enquadramento como infração de menor potencial ofensivo.

Por outro lado, considerando a causa de aumento, a pena mínima cominada passa a ser de 4 meses, permanecendo, portanto, inferior a um ano. Assim, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 325 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.” Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-

18 Não há crime se a intenção do agente for tão somente de narrar fato ocorrido em local público. Mas se o fim da narrativa for gerar efeito nas eleições, pode haver a configuração da difamação eleitoral – isso, evidentemente, dependerá das circunstâncias fáticas.

Page 131: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

122 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal, eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Exceção da verdade – não se admite a exceptio veritatis no delito em exame. Isso por-que a falsidade da imputação não constitui elementar do tipo. Significa dizer que o delito se configura ainda que o fato seja verdadeiro.

Excetua-se, porém, a situação em que o “ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções” (CE, art. 325, parágrafo único). Nesse caso, a prova da verdade exclui o crime. Tal exceção encontra fundamento no interesse pú-blico existente no exercício de fiscalização e crítica pelos cidadãos quanto ao exercício de funções públicas. Afinal, interessa ao Estado-Administração apurar irregularidades cometidas por seus agentes.19

Para que a exceção seja admitida, é mister o preenchimento de pelo menos dois requisitos, a saber: a) ser o ofendido funcionário público; b) ser a ofensa relativa ao exercício de funções públicas. Dessa última extrai-se a necessidade de haver relação causal entre a imputação e as funções exercidas pela vítima.

Para a presente finalidade, a expressão funcionário público deve ser compreendida nos termos do art. 283, §§ 1o e 2o, do CE, conforme salientado anteriormente.

Se o ofendido deixa de ocupar cargo ou exercer função pública, não se admite a exceção, já que não mais subsiste o interesse público que ela tem em vista proteger. Nesse sentido, ensina Bruno (1972, p. 300) que se

“o ofendido foi, mas já não é funcionário, não tem cabimento a prova da verdade, ainda que a imputação se refira a fato praticado no exercício da função. Aí não há mais que atender ao exercício da crítica visando à preservação das boas normas no serviço público, uma vez que este já não está nas mãos do indigitado auto do fato imputado”.

Se a vítima for detentora de foro privilegiado, não há deslocamento de competên-cia para o tribunal respectivo, pois o fato imputado não é criminoso.

Retratação do agente – conforme já salientado quando se tratou da calúnia, a retra-tação do agente não extingue a punibilidade da difamação eleitoral.

19 A Lei no 8.112/90 (que institui o regime jurídico dos servidores federais) prevê em seu art. 116 múl-tiplos deveres ao servidor, enquanto o art. 117 estabelece várias proibições; já o art. 127 daquele estatuto veicula penalidades disciplinares.

Page 132: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 123

Pedido de explicações em juízo – o Código Eleitoral não prevê essa medida, mas em certos casos será útil sua admissão, conforme se exporá na sequência, no texto dedi-cado à injúria eleitoral.

Concurso entre difamação comum e eleitoral – pode haver concurso entre os delitos de difamação do art. 139 do CP e do presente art. 325. Não há dúvida de que, além da finalidade eleitoral, a conduta do agente também pode encerrar animus diffamandi, isto é, intenção de insultar a honra objetiva da vítima. Nesse caso, não há dois delitos, por-que ocorre concurso de normas. À ação única praticada pelo agente contra a mesma vítima incidem as duas regras apontadas. Note-se, porém, que o concurso de normas não é real, mas meramente aparente. E é resolvido pelo princípio da especialidade, segundo o qual lex specialis derogat generali (a lei especial derroga a geral). Prevalece, portanto, a regra especial. Assim, ainda que exista animus diffamandi, haverá somente o delito do art. 325 do CE.

Concurso entre calúnia, difamação e injúria – vide o que ficou dito no item anterior (calúnia), que aqui se aplica inteiramente.

Distinção – o crime de difamação eleitoral não se confunde: a) com o delito previsto no art. 323 do CE, pois, conforme foi visto, são diversos os bens jurídicos tutelados por cada qual deles; b) com o delito de calúnia eleitoral (CE, art. 324), pois esse refere-se à falsa imputação de fato definido como crime; c) com o delito de injúria eleitoral (CE, art. 326), pois o bem jurídico por esse tutelado é a honra subjetiva da pessoa.

Jurisprudência

“Penal. Inquérito. Denúncia. Crimes eleitorais. Ex-deputado federal. Prescrição parcialmente reconhecida. Liberdade de crítica política. Limi-tes. Honra objetiva. Na linha da reiterada jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal, os crimes eleitorais são considerados comuns para efeito de enquadramento na regra de competência do art. 102, I, b, da Consti-tuição Federal. [...] Recebe-se a denúncia, todavia, quanto aos crimes de difamação (art. 325 do Código Eleitoral), por haver, em tese, individua-lizado fatos que o acusado teria imputado a vítima, com narrado intui-to de denegrir-lhe a imagem, sendo descabido pretender, desde logo, o reconhecimento da existência de simples e legítima liberdade de crítica política, quando se tenha atribuído ao candidato adversário condutas que tangenciem a esfera do ilícito. Precedente do Supremo Tribunal Federal. Denuncia parcialmente recebida.” (STF – Inq no 496/DF – Pleno – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJ 12-11-1993, p. 13).

“Difamação. Aquele que divulga ou propala a imputação da ofensa tam-bém pratica o crime. A expressa previsão dessa modalidade, quando se trata de calúnia, visa a excluir crime se informada a ação por dolo even-tual, pois exige que o agente saiba que falsa a imputação. Irrelevância

Page 133: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

124 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

da circunstância para a difamação, em que, como regra, não importa se falsa ou verdadeira a imputação ofensiva.“ (TSE – Ag no 1.103/SP – DJ 14-5-1999, p. 132).

“Habeas corpus. 2. Ação penal 3. Crime contra a honra – Difamação (art. 325, do Código Eleitoral). 4. A denúncia considerou os atos praticados pelo paciente como difamação. Para a caracterização do delito previsto no art. 325, do CE, é necessário que haja a imputação de fato determinado ofensivo à reputação do querelante, o que não se verifica no caso concre-to. 5. Ordem deferida para trancar a ação penal, por manifesta inépcia da denúncia.” (TSE – HC no 275/RS – DJ 20-6-1997, p. 28.590).

“Recurso Criminal. Denúncia. Arts. 323, parágrafo único, 324 e 325, c/c art. 327, II, do Código Eleitoral. Improcedência. Duras críticas à vida pú-blica de candidato e a seus atos administrativos e políticos. Declarações divulgadas fora do período eleitoral. Não-imputação de um fato especí-fico ou determinado. Críticas de forma generalizada. Não-configuração dos crimes de calúnia e difamação na propaganda eleitoral ou visando a fins de propaganda. Recurso a que se nega provimento.“ (TRE/MG – RC no 81122005 – DJMG 17-3-2006, p. 110).

“Denúncia – Irrogação de ofensa ao disposto nos arts. 325 e 326 do CE – Narrativa constante da peça acusatória que não permite entrever, to-davia, a caracterização da figura mais gravosa da difamação – Expressões reproduzidas que correspondem a mera indicação de atributos deprecia-tivos, inexistindo imputação de fato ou fatos determinados, ofensivos à reputação da sedizente ofendida – Definida a prática, em tese, apenas do crime de injúria, tem lugar o reconhecimento da extinção da punibilidade do agente, diante da prescrição da pretensão punitiva – Incidência, na es-pécie, do art. 107, IV, c.c. o art. 109, VI, ambos do CP.” (TRE/SP – PCRIM no 1.066 – DOE, v. 1, 9-8-2005, p. 178).

“Exceção. Excipiente condenado como incurso nas sanções dos arts. 324 e 325 do Código Eleitoral, c/c o art. 327, incisos ii e iii, do mesmo Códi-go. Exceptos: Prefeito Municipal e outros. Afastada a exceção da verdade em relação a um dos exceptos, por não ser funcionário público à época dos fatos. Conforme dispõe o parágrafo único do art. 325 do C.E. a exce-ção da verdade, excluindo a ilicitude somente se permite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Julgada procedente com relação a dois outros exceptos concernentes à aquisição irregular de bebida alcoólica e de insumos agrícolas. Quanto ao 4o excepto, julgada improcedente com relação à compra de trator com preço superfaturado e doação de bem imóvel público. Determinada a de-

Page 134: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 125

volução do processo ao juízo de 1o grau para julgamento da pretensão punitiva efetivada pelo oferecimento da denúncia. Determinada a remes-sa de cópia dos autos à Procuradoria Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais.” (TRE/MG – EXC no 125 – DJMG 13-8-1999, p. 39).

“Crime de difamação contra quem ainda não foi escolhido em convenção como candidato. Condenação. Recurso. Conhecimento. Incompetência da Justiça Eleitoral. Nulidade. O crime eleitoral configura-se quando a conduta é verificada durante o processo eleitoral, que se inicia com a es-colha de candidatos na convenção partidária.” (TRE/PR – RE no 94 – DJ 11-3-1997).

“Recurso em sentido estrito. Exceção da verdade. Infração do art. 325, cc o art. 327, inciso 3, do Código Eleitoral. Delegado de Polícia que deixou o cargo para cumprir mandato eletivo de vereador foi ofendido em sua honra por fato ocorrido quando exercia a função de delegado. In casu, ad-mite-se a exceção da verdade, porque estão presentes os dois pressupos-tos fáticos: o ofendido ainda é detentor de cargo público, e a imputação difamatória versa exclusivamente sobre fato concernente ao exercício de suas funções públicas. Recurso provido.” (TRE/MG – EXC no 14A/94 – DJMG 1-9-1994).

Art. 326 Injúria eleitoral

“Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

§ 1o O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2o Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natu-reza ou meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.”

O presente art. 326 corresponde ao art. 140 do Código Penal, que assim define o crime de injúria: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. A esse tipo penal o legislador eleitoral apenas enxertou a elementar “na propaganda eleito-ral, ou visando fins de propaganda”, para deixar assentado que a injúria eleitoral é um delito especial e só se apresenta no contexto da propaganda eleitoral.

Page 135: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

126 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Entre os crimes contra a honra, a injúria é certamente o de ocorrência mais frequente.

Diferentemente da calúnia e difamação, o art. 326 do CE tem por objeto a tutela da honra subjetiva, bem jurídico igualmente integrante da personalidade e do rol de direitos que a protegem, os chamados direitos de personalidade.

A honra subjetiva corresponde a um traço interno da personalidade, a qual se volta para si própria, ou melhor: para algo mais elementar e ancestral, que é a afeti-vidade da pessoa por si mesma. Nessa dimensão, não há a presença do outro. Na base dessa experiência não está a razão (logos), mas a emoção, a paixão (pathos). Trata-se, portanto, do sentimento de dignidade da pessoa em relação a ela mesma, que habita o círculo mais estreito de sua existência. A honra não apenas se enraíza na dignidade da pessoa (CF, art. 1o, III), como é, sozinha, reconhecida como direito fundamental pelo art. 5o, X, da Lei Maior, que afirma sua inviolabilidade.20 Há, pois, uma pretensão de respeito que a Lei Maior reconhece a todos. A proteção constitucionalmente con-ferida à honra subjetiva estende-se às suas múltiplas formas de manifestação: decoro, dignidade, profissional.21

Além disso, também se visa resguardar a veracidade da propaganda eleitoral, com-preendida como a correspondência do sentido da comunicação com a verdade histó-rica, localizada no espaço e no tempo. E, ainda, o direito político fundamental dos eleitores de serem informados corretamente sobre os candidatos a fim de que possam formular juízos conscientes e seguros a respeito deles.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Não se exige a qualidade de candidato, filiado ou representante (fiscal, delegado, apoiador) de partido político.

Sujeito passivo é a sociedade. Ademais, qualquer pessoa física pode figurar como vítima secundária, desde que tenha capacidade de compreender o ato ofensivo. Não é preciso que a pessoa física seja candidata, tampouco pré-candidata.

Considerando que se tutela a honra subjetiva, as pessoas ditas “desonradas” po-dem figurar como vítimas de injúria, pois a dignidade é atributo e direito fundamental da pessoa humana.

No que concerne à pessoa jurídica, dada a sua natureza, não é possível seja vítima de injúria.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “injuriar” alguém.

20 Rezam os citados dispositivos da CF: “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união in-dissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana;” “Art. 5o, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

21 Assevera Hungria (1958, p. 90) que o bem jurídico tutelado é o sentimento “da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal.” No mesmo diapasão, Bruno (1972, p. 269), ressalta tratar-se da “estima em que o indivíduo tem a si mesmo, o sentimento pessoal da própria dignidade”.

Page 136: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 127

Injuriar é emitir conceito, ideia, pensamento ou opinião ultrajante, ofensivos da dignidade ou do decoro de alguém. Depois de afirmar que a injúria traduz uma opinião pessoal do agente, consigna Hungria (1958, p. 91) tratar-se “da palavra insultuosa, o epíteto aviltante, o xingamento, o impropério, o gesto ultrajante, todo e qualquer ato, enfim, que exprime desprezo, escárnio, ludíbrio”. Vê-se que não apenas se infringe um direito fundamental, como também a pretensão ética de respeito ao semelhante.

São vários os meios pelos quais se pode cometer injúria: a) oral – palavra falada, proferida direta ou pessoalmente, pelo rádio, pela televisão, pela Internet, por grava-ção em mídia; b) gráfico – que se manifesta por escritos em geral: carta, jornal, revista, panfleto, placa, cartaz, inscrição em muro ou tapume, texto veiculado na Internet; c) simbólico – em que há uma associação de ideias que resultam na ofensa: dese-nho, imagem, caricatura, pintura, escultura, gestos, sinais ou gesticulação, atitudes ou ações; d) real – em que há o emprego de violência ou vias de fato contra a vítima.

Diversas também são as maneiras de se executá-la: a) direta ou imediata – a ofen-sa é feita expressamente, de forma clara e induvidosa; b) indireta ou mediata – a ofen-sa deve ser inferida ou deduzida dos fatos e de suas circunstâncias. Hungria (1958, p. 96) arrola as seguintes formas de injúria indireta: 1) equívoca – ambígua, velada; 2) implícita – ex.: “não posso deixar-me ver em sua companhia, porque não sou um la-drão”; 3) por exclusão – ex.: declaram-se honestas as pessoas de um grupo, omitindo uma; 4) interrogativa – ex.: “será você um gatuno?”; 5) suspeitosa – ex.: “talvez seja fulano um intrujão”; 6) irônica, reticente – ex.: “a senhora X, formosa e ... modelar”; 7) por fingido quiproquó, ou seja, mediante uso trocado de letras ou palavras – ex.: “o meretríssimo, digo, meritíssimo juiz”22; 8) condicionada – ex.: “fulano seria um ca-nalha se tivesse praticado tal ou qual ação”; 9) truncada – ex.: “a senhora X não passa de uma p...”; 10) simbólica – ex.: “dar-se o nome de alguém a um asno; imprimir-se o nome de alguém em folhas de papel higiênico; pendurar chifres à porta de um homem casado”. Há ainda a injúria por ricochete ou reflexa, isto é, que atinge pessoa diversa da que é endereçada – ex.: “quando se diz que um homem casado é ‘cornudo’, injuria-se também sua esposa.”

Mas é fundamental atentar para o contexto em que a conduta ocorre, pois há ex-pressões, modos de dizer, atitudes e comportamentos que são apenas deselegantes, rudes, outras fazem parte da moral e dos costumes locais ou de um grupo de pessoas, não adentrando à esfera criminal quando relacionadas a tais contextos.

O conceito ultrajante deve ser referido a alguém, isto é, a alguma pessoa. Essa deve ser certa ou facilmente determinável, de modo que a ela se possa relacionar a injúria. Também pode o impropério ser dirigido a um grupo ou conjunto de pessoas, desde que ele seja determinado; nesse caso, todos os integrantes do grupo serão víti-mas. Se o grupo for indeterminado (ex.: os cristãos, os conservadores, os neoliberais),

22 Um advogado endereçou petição ao juiz nos seguintes termos: “Esselentíssimo Juiz da Vara de...”. Ao encontrá-lo no Fórum, em tom irônico, o magistrado noticiou-lhe o erro ortográfico. Ao que o causídico replicou: “Mas Meritíssimo, nada há a reparar na petição...”.

Page 137: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

128 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

é preciso que em seu interior se possa, com facilidade, identificar o indivíduo a quem a ofensa é endereçada. A esse respeito, leciona Aranha (2000, p. 46-48):

“‘Alguém’ significa ‘alguma pessoa’, indicando claramente a necessidade da individualização da pessoa ofendida, a determinação de a ofensa atin-gir uma certa pessoa.

Todavia, por pessoa determinada deve-se também entender aquela que pode ser identificável, que pode ser determinável, ou reconhecida por um juízo fundado num processo de dedução ou um meio conclusivo. Vale dizer, por pessoa determinada, ‘por alguém’, não se podem enten-der somente as que são indicadas nominativamente, pela via direta, mas também todas as que possam ser identificadas como atingidas por uma ofensa indireta ou oblíqua, mesmo quando tal meio seja buscado deli-beradamente pelo ofensor; corre-se o perigo de se dar ao ofensor que intencionalmente usar uma via oblíqua o direito de atingir a honra alheia impunemente.

Às vezes, uma ofensa aparentemente genérica, endereçada a um determi-nado e restrito agrupamento social ou uma categoria profissional, pode levar a uma determinação, identificando-se o ‘alguém’, atingindo a pes-soa visada pelo ataque.

[...] A pessoa indeterminada só surgirá, evidentemente sem possibilida-de de ser sujeito passivo, se não houver a possibilidade de se nominar ou individualizar a pessoa atingida, com um grau de certeza.”

Se não houver possibilidade de identificação do sujeito passivo, atípica será a con-duta.

Na injúria não se cuida de atribuir fato, seja ele verdadeiro ou falso, mas de des-respeitar o outro mediante a mera emissão de conceito, opinião ou juízo afrontoso, ultrajante, infamante. É irrelevante se a opinião insultuosa seja ou não verdadeira, se corresponde ou não ao que realmente o emissor (ou as pessoas em geral) acredita.

O tipo penal distingue dignidade de decoro. Para alguns penalistas, essa diferença “é tênue e imprecisa, o termo dignidade podendo compreender o decoro” (BRUNO, 1972, p. 301). Dignidade (honra dignidade) identifica o sentimento da pessoa em re-lação a seus próprios atributos ou valores morais, tais como honestidade, retidão de caráter, agir ético-moral. Decoro (honra decoro) refere-se à estima da pessoa em rela-ção a suas qualidades físicas e intelectuais. Assim, ofende-se: i) a dignidade – chamar uma pessoa de corrupta, desonesta, trapaceira, bandida, bajuladora, tendenciosa; ii) o decoro – dizer que uma pessoa é incompetente, burra, ignorante, imbecil, aleijada.

Embora não haja referência no tipo penal em exame, também se distingue entre honra comum e especial ou profissional. Comum é a que diz respeito a todos indistin-tamente. Especial, diz Aranha (2000, p. 5), é a que

Page 138: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 129

“está ligada a particulares dotes de certas pessoas, em razão de sua par-ticipação em agrupamentos sociais ou categorias profissionais. Em razão de uma particularidade toda especial, como o agrupamento social (co-munidade religiosa, conterraneidade etc.) ou profissão exercida (militar, médico, magistrado etc.) surge a chamada honra especial ou profissional. Em tais agrupamentos (sociais ou profissionais) encontramos os chama-dos ‘pontos de honra’, deveres e obrigações que devem ser seguidos com absoluta obediência e que dizem respeito apenas e particularmente ao agrupamento social a que se pertence ou à profissão exercida.

A honra especial e a profissional, atribuídas em razão de particulares deveres, são um acréscimo à dignidade e à reputação dadas a todos, e merecem ser respeitadas da mesma forma que a honra geral”.

A relevância dessa distinção se encontra na existência de ofensas que só atingem (ou só podem ser referidas) os membros do grupo a que ela se refere.

A injúria deve ocorrer: a) na propaganda eleitoral; ou b) visando fins de propa-ganda. No primeiro caso, a especificação feita no tipo deixa claro que só haverá injúria eleitoral se a conduta for realizada na propaganda eleitoral. Abrange-se, pois, tanto a propaganda eleitoral feita no período regular (a partir de 5 de julho do ano das elei-ções), quanto a extemporânea ou antecipada. Outrossim, não importam a forma nem o meio em que a propaganda é veiculada, abarcando a efetuada em comício, carro de som, folheto, horário gratuito de rádio e televisão, Internet.

No segundo caso, o ultraje deve visar “fins de propaganda”. Assim, dá-se a co-municação em local, mídia ou contexto que não são próprios de propaganda elei-toral. Entretanto, dela ressai o propósito de propaganda e, pois, a intenção de que apresente alguma relevância nas eleições. Trata-se, então, de comunicação eleitoral que se pretende dissimular. Como exemplo dos aludidos locais, mídias e contextos, citem-se entrevistas veiculadas em rádio, televisão, blog na Internet, jornal e revista, propagandas partidária e intrapartidária; comunicação oficial em cadeia de rádio e televisão.

Trata-se de crime formal, porque não exige a ocorrência de resultado exterior à conduta. De sorte que não é preciso que o ofendido se sinta ferido ou concretamente abalado ou que haja efetiva influência nas eleições.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, direto e eventual. O primeiro consiste no querer, livre e consciente, infamar alguém, com o propósito de lhe ofender o sen-timento dignidade ou decoro – o que é expresso no brocardo animus injuriandi. Já o eventual refere-se ao fato de, apesar de o agente ter consciência e prever o resultado, não se deter e praticar a conduta, assumindo, portanto, o risco de provocar o resultado antevisto.

O art. 325, caput, requer a presença de um elemento subjetivo específico. Trata-se de um plus que não se confunde com o dolo. A injúria deve visar fins de propaganda

Page 139: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

130 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

eleitoral. Portanto, há mister que a conduta do agente tenha a especial finalidade de produzir efeito nas eleições, ou melhor, deve haver animus eleitoral.

Advirta-se que, nos domínios eleitorais, a análise do contexto da conduta assume especial relevo para o reconhecimento do elemento anímico. É preciso ter presente que o ambiente é de embate político, de disputa, de ânimos nem sempre serenos, sen-do corrente a crítica ácida, a comparação mordaz, o uso de expressões ásperas, o tom caricatural, enfim, a ironia e o sarcasmo. Nesse contexto, tênue é a linha que separa a ação lícita da delituosa.

Se a imputação se der na propaganda eleitoral, o meio em que é feita já evidencia a presença do elemento subjetivo do tipo em apreço – aqui a intenção do agente é encontra-se in re ipsa.

Caso, porém, a imputação não ocorra na propaganda eleitoral, mas em espaço diverso, cumpre demonstrar a existência de um sentido especificamente eleitoral, ou da intenção de se produzir efeito nas eleições. A ausência desses sentido e intenção aliada à presença exclusiva de animus injuriandi, ou de outro tipo de animus, descarac-teriza a injúria eleitoral.

Note-se que para a configuração da injúria eleitoral não é necessária a presença de animus injuriandi, bastando a intenção de que a imputação gere efeito nas eleições. Afinal, o efeito eleitoral pode suceder ainda que o impropério seja proferido em tom de gracejo (animus jocandi) ou com intuito de narrar (animus narrandi).

A consumação se perfaz no instante em que a imputação chega ao conhecimento da vítima, de quem se exige capacidade de compreender o seu sentido injurioso. Não é necessário que a vítima esteja presente ou diante do agente, bastando que, por qual-quer meio, tome conhecimento do agravo à sua honra.

No que concerne à tentativa, em geral a doutrina nega a possibilidade de haver tentativa nos crimes contra a honra praticados pela via oral,23 admitindo-a, porém, em outros meios. Isso porque o crime praticado oralmente é unissubsistente: ou o agente fala ou se cala. Entretanto, notadamente no caso de injúria, parece possível o conatus. Nos domínios eleitorais, figure-se como exemplo a situação de um candidato que, ao discursar em comício, avista alguém (que pode ser um político ou o cabo eleitoral de outro candidato) e lhe dirige uma ofensa; entretanto, no momento exato em que fala ocorre um forte ruído no aparelho de som ou uma queda na energia elétrica, o que impede que o ofendido ouça o impropério. Nesse caso, o crime de injúria só não

23 Entre outros, assim pensam: Hungria (1958, p. 67), Bruno (1972, p. 284), Damásio de Jesus (2009, p. 490, 495, 500). Mas a questão não é pacífica. Em sentido contrário, afirmando a possibilidade de haver tentativa, Aranha (2000, p. 163-164) figura o exemplo da pessoa que, “com o firme propósito de ofender seu antagonista e sabedora de que ele se encontra num bar onde várias pessoas veem um jogo de futebol pela televisão, adentra o estabelecimento e lhe dirige um impropério justamente no momento do gol. A gritaria do bar acabou impedindo que os presentes, terceiros e a vítima, ouvissem a ofensa e só com o co-nhecimento dela consuma-se o crime, qualquer deles. Ora, se não ouvida a ofensa, embora o agente tivesse o possível para tanto, só há que se falar em tentativa e não em consumação. O problema residiria na prova, porém a tentativa é teórica e tecnicamente possível, como demonstra o exemplo”.

Page 140: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 131

se consumou por razões alheias à vontade do agente, o que caracteriza a tentativa. E note-se que nem sequer haveria dificuldade de prova, pois as pessoas que se encon-trassem próximas ao orador certamente o ouviriam.24

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Causas de aumento de pena – tal como ocorre na calúnia e na difamação, também aqui são previstas causas de aumento de pena. Dispõe o art. 327 do CE que as penas cominadas no art. 326 “aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometi-do: I – contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; II – contra funcionário público, em razão de suas funções; III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa”.

O inciso I encontra fundamento na grandeza e honorabilidade dos cargos de “Pre-sidente da República ou chefe de governo estrangeiro”. Face ao princípio da estrita legalidade, a agravação da reprimenda não se estende aos cargos de Vice-Presidente, tampouco aos de Presidente do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado e Ministros do STF.

Já o inciso II tem em vista a dignidade do cargo público. Afinal, a injúria não atinge só a honra da pessoa do funcionário, mas também a dignidade de seu cargo, o órgão em que atua e a própria noção de autoridade pública. É preciso que a ofensa seja con-temporânea ao exercício da função, de modo que haja relação causal entre elas. Se não houver relação causal entre a ofensa e o exercício de função pública, o crime poderá ser de desacato, nos termos do art. 331 do CP.

O inciso III encerra duas hipóteses e ambas se fundam na maior extensão da lesão à honra da vítima, porque maior número de pessoas toma conhecimento da ofensa.

Considerando a primeira parte do inciso III, há controvérsia acerca do número mí-nimo de pessoas necessárias para que o crime possa ser considerado cometido na “pre-sença de várias pessoas”. Para alguns penalistas é preciso no mínimo três pessoas para se configurar a causa de aumento (DAMÁSIO, 2009, p. 505; MIRABETE, 2003, p. 170), enquanto para outros bastam duas pessoas (ARANHA, 2000, p. 116); entre essas pes-soas não se contam nem o agente nem a vítima. Portanto, no âmbito eleitoral, incidirá a causa de aumento se a injúria for proferida em reunião eleitoral ou comício.

24 Observe-se que esse exemplo não seria possível na calúnia e difamação, pois esses delitos se consumam quando qualquer pessoa (exceto a vítima) toma conhecimento da falsa imputação de fato.

Page 141: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

132 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

No que pertine à segunda parte do inciso III (“meio que facilite a divulgação da ofensa”), haverá a causa de aumento se a ofensa for veiculada em propaganda gratuita no rádio ou na televisão, bem como na Internet.

Computando-se a causa de aumento de um terço, o máximo da pena privativa de liberdade passa a ser de oito meses, permanecendo o enquadramento como infração de menor potencial ofensivo.

Por outro lado, considerando a causa de aumento, a pena mínima cominada passa a ser de 20 dias, permanecendo, portanto, inferior a um ano. Assim, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 326 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.” Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Exceção da verdade – não se admite a exceptio veritatis no delito de injúria. Isso porque não há aí imputação de fato, mas mera exteriorização de conceito, juízo ou opinião.

Perdão judicial – o art. 326, § 1o, do CE prevê hipóteses de perdão judicial. Reza esse dispositivo: “O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – se o ofendido, de forma reprová-vel, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.” Igual previsão consta do art. 140, § 1o, do Código Penal.

O perdão judicial é instituto contemplado nos arts. 107, IX, e 120 do CP. Só tem cabimento se houver expressa previsão legal, como no caso em exame. Trata-se de uma forma de renúncia do Estado ao jus puniendi. Sua concessão pelo órgão judicial opera a extinção da punibilidade. Estabelece a Súmula no 18 do STJ: “A sentença con-cessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.” Portanto, a sentença declaratória de extinção de puni-bilidade “não produz nenhum efeito condenatório” (STJ – REsp no 4348/AM – 5ª T. – DJ 26-11-1990, p. 13.782). Embora o texto legal use o termo “poder”, ensejando o entendimento de que o perdão judicial é uma faculdade conferida ao órgão judicial, trata-se, na verdade, de poder-dever; caso seus pressupostos se apresentem, o réu tem o direito subjetivo de ter declarada extinta a punibilidade pelo perdão.

O inciso I, § 1o do art. 324 cuida da hipótese de provocação direta e reprovável da in-júria pela vítima. Aqui, o agente é irritado, importunado, incomodado pela vítima, que

Page 142: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 133

age de maneira injusta, censurável. O comportamento da vítima exaspera o agente, levando-o a reagir com o maltrato de sua dignidade ou de seu decoro. O emprego do advérbio diretamente denota que a provocação deve ser direta, isto é, na presença das duas partes, no calor dos acontecimentos.

Por sua vez, o inciso II trata da retorsão imediata, que consista em outra injúria. Retor-quir significa revidar, retrucar, contestar, contrapor. Ao ser injuriado, o agente revida de imediato, malferindo a honra de seu ofensor.25 Aqui, à ofensa proferida por uma pessoa segue-se resposta igualmente ofensiva. Observe-se que não se trata de legítima defesa, porque essa requer que a ofensa seja atual ou iminente (CP, art. 25); na retorsão imediata, a injúria por primeiro lançada situa-se no passado. Também não se cuida de compensa-ção de culpa, pois esse critério é mais consentâneo com o Direito Privado, não havendo que se falar em compensação de crimes no Direito Penal. Cuida-se, antes, de perdão judicial pela desnecessidade de se punir os infratores. Deveras, sopesadas as circunstâncias, não há aí um papel para o Direito Penal.

Injúria real – chama-se real a injúria qualificada pela violência ou vias de fato. É prevista no art. 326, § 2o, do CE nos seguintes termos: “Se a injúria consiste em vio-lência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se considerem avil-tantes: Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de cinco a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.”

São ofensas físicas (lesão corporal ou vias de fato) praticadas contra o corpo do ofendido. Mas a intenção do agente não é lesar a integridade corporal nem a saúde da vítima (animus laedendi), mas sim ofender-lhe a dignidade ou o decoro. Pelo corpo se agrava a honra.

No caso, a contravenção penal de vias de fato (D-L no 3.688/1941, art. 21) fica absorvida pela injúria real.

O mesmo, porém, não ocorre com o crime de lesão corporal, ainda que simples (CP, art. 129), já que a regra em foco ressalva “as penas correspondentes à violência prevista no Código Penal”. Nesse caso, haverá concurso material de crimes, conforme prevê o art. 69 do CP, respondendo o agente pela injúria e pela lesão corporal.

É mais grave a sanção da injúria qualificada, que prevê pena cumulada de deten-ção de três meses a um ano e pagamento de cinco a 20 dias-multa. Sendo o máximo da pena abstratamente cominado inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. De sorte que: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o). Por outro lado, considerando que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

25 Em debate acalorado entre dois políticos, um acusou o outro de ser mau gestor porque não ouvia os munícipes, os problemas que lhe eram levados entravam pelo ouvido direito e saíam pelo esquerdo, e que isso mudaria se ele fosse eleito; o outro, então, retorquiu dizendo que uma tal mudança jamais aconteceria, porque o som não se propaga no vácuo. Eis um exemplo coloquial de retorsão imediata.

Page 143: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

134 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Injúria com preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição pessoal – dispõe o art. 140, § 3o, do CP: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa.” Essa regra foi aí incluída pela Lei no 9.459/1997 e, depois, alterada pela Lei no 10.741/2003. Trata-se, pois, de uma forma qualificada de injúria. Chama a atenção o montante da pena cominada, muito superior ao tipo básico, e superior, ainda, a outros delitos mais graves.

No âmbito eleitoral não foi prevista qualificadora desse jaez. No entanto, não é impossível a ocorrência de injúria eleitoral matizada de preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição pessoal. Nesse caso, a pena bem mais grave da injúria com preconceito impede sua absorção pela injúria eleitoral. Pode-se cogitar, então, de concurso formal de delitos, nos termos do art. 70 do CP. A pena será a da injúria com preconceito aumentada de 1/6 (um sexto) até 1/2 (metade); mas se houver autono-mia de desígnios as penas se acumulam.

Retratação do agente – não é cabível a retratação do agente na injúria eleitoral. Pri-meiro, porque o Código Eleitoral não a prevê. Segundo, porque mesmo no Código Penal ela só se aplica aos delitos de calúnia e difamação, nos termos expressos do art. 143. Terceiro, porque tal instituto é incompatível com a injúria, já que nesse delito não há imputação de fato cuja falsidade possa ser reconhecida, mas mera exterioriza-ção de opinião ou conceito.

Pedido de explicações em juízo – de natureza cautelar e preparatória, o pedido de explicações é contemplado no art. 144 do CP nos seguintes termos: “Se, de refe-rências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a crité-rio do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.” A esse respeito, assinala Hungria (1958, p. 127):

“A ofensa pode ser equívoca (não manifestada, encoberta, ambígua), quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto ao seu destinatário. É o que ocorre quando há o emprego de palavras de duplo sentido, frases vagas ou imprecisas, alusões veladas ou imprecisas, referências dissimuladas, antífrases irônicas, circunlóquios ou rodeios de camuflagem. Há vocá-bulos que, dispondo de dois sentidos ou de um sentido próprio e outro figurado ou popular, podem ser inocentes e podem ser ofensivos. [...]. Em tais casos de equivocidade, a lei permite à pessoa que se julga ofendida pedir sejam dadas explicações em juízo.”

Assim, o pedido de explicações tem lugar quando houver dúvida relevante, equí-voco, ambiguidade, que podem se referir ao sentido da comunicação em si (seu cará-ter ofensivo), a seu destinatário ou a seu autor.

O pedido deve ser formulado em juízo, estando legitimada a pessoa que se julgar ofendida. Conforme ensina Aranha (2000, p. 186), o pedido “poderá ser indeferido

Page 144: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 135

em três hipóteses: por ilegitimidade de parte, por falta ou deficiência quanto à funda-mentação ou porque o caso não se reveste de ambiguidade, de equivocidade ou dúvida quanto à autoria”. Ao final, com ou sem as explicações demandadas, devem os autos ser entregues à parte. Caso prestadas, as explicações devem ser analisadas quando do oferecimento da queixa ou da denúncia, podendo, inclusive, fortalecer a justa causa para a ação penal.

O Código Eleitoral não prevê a medida em apreço. No entanto, sua natureza e evidente utilidade em certos casos aconselham sua admissão na seara dos crimes eleitorais.

É certo que o pedido de explicações é providência destinada sobretudo ao quere-lante na ação privada. Exato, ainda, que todos os crimes eleitorais são de ação pública incondicionada (CE, art. 355). Todavia, não se pode olvidar o disposto no art. 5o, LIX, da Constituição Federal, segundo o qual “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. Portanto, se o Ministério Público, titular da ação penal pública, não apresentar denúncia no prazo legal (até por entender dúbias as declarações ou incerta sua autoria), poderá o ofendido fazê-lo mediante quei-xa-crime. Para tanto, sendo o caso, tudo recomenda que se valha do instituto em exame, até para que se evite ajuizar demanda penal temerária, sem justa causa.

Concurso entre injúria comum e eleitoral – pode haver concurso entre os delitos de injúria do art. 140 do CP e do presente art. 326. Não há dúvida de que, além da fina-lidade eleitoral, a conduta do agente também pode encerrar animus injuriandi, isto é, intenção de insultar a honra subjetiva da vítima. Nesse caso, não há dois delitos, por-que ocorre concurso de normas. À ação única praticada pelo agente contra a mesma vítima incidem as duas regras apontadas. Note-se, porém, que o concurso de normas não é real, mas meramente aparente. E é resolvido pelo princípio da especialidade, segundo o qual lex specialis derogat generali (a lei especial derroga a geral). Prevalece, portanto, a regra especial. Assim, ainda que exista animus injuriandi, haverá somente o delito do art. 326 do CE.

Concurso entre calúnia, difamação e injúria – a injúria pode ser absorvida pela difa-mação e pela calúnia, conforme exposto anteriormente, quando se tratou da calúnia.

Concurso entre injúria e desacato – a injúria pode ser meio ou etapa de realização de desacato. Esse crime não é previsto no Código Eleitoral, mas o é no art. 331 do Penal, que reza: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.”

Desacatar tem o sentido de menosprezar, menoscabar, humilhar, desprezar, afron-tar. Qualquer ato, gesto ou atitude com esses sentidos pode significar desacato, desde que dirigido a funcionário no exercício de sua função ou em razão dela. A perfeição do desacato requer a existência de relação de causalidade entre a conduta do agente e o exercício funcional. Exemplos: ultrajar (xingar, insultar, agredir fisicamente, ameaçar com arma, gesticular de maneira ofensiva etc.) servidor da Justiça Eleitoral quando do cumprimento de mandado.

Page 145: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

136 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Se a injúria for meio de realização do desacato, fica por este absorvida.

Imunidade penal material – importa destacar a imunidade penal material garanti-da aos membros do Poder Legislativo. São eles “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF, art. 53, caput). Portanto, desde que a manifestação externada relacione-se com o cumprimento de suas funções, não cometem os parlamentares crime contra a honra, ficando afastada a tipicidade da con-duta. No caso, a conduta do parlamentar é permitida pela própria Constituição, e se é permitida, não pode ser considerada antijurídica. A permissão é estabelecida no in-teresse público atinente ao ótimo exercício e desempenho das funções parlamentares, de sorte que não haja desvirtuamento por intimidação ou pressão de qualquer espécie.

Gozam de imunidade penal material: i) deputados federais e senadores – CF, art. 53, caput; ii) deputados estaduais – CF, art. 27, § 1o (“imunidades”); iii) deputados dis-tritais – CF, art. 32, § 3o; iv) vereadores – CF, art. 29, VIII (“por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do pleito”).

Distinção – o crime de injúria eleitoral não se confunde: a) com o delito de calúnia eleitoral (CE, art. 324), pois esse refere-se à falsa imputação de fato definido como crime, resguardando a honra objetiva da pessoa; b) com o delito de difamação eleitoral (CE, art. 325), pois, além dele pressupor a imputação de fato, o bem jurídico por ele tutelado é a honra objetiva da pessoa.

Jurisprudência

“I. Supremo Tribunal Federal: competência originária: CF, art. 102, I, n: reconhecimento: hipótese em que dos sete desembargadores que inte-gram o Tribunal de Justiça, três deles se declaram impedidos por terem sido arrolados como testemunhas do querelado e outro juiz afirmou sus-peição por motivo de foro íntimo. II. Queixa-crime que imputa a Promo-tor de Justiça a prática de crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), por ter, na qualidade de agente do Ministério Público, subscrito representação eleitoral contra o querelante: atipicidade do fato: rejeição: falta de justa causa para a queixa. 1. O querelado, atuando no exercício de suas atribuições funcionais, ofereceu representação, com fundamento em fatos noticiados em denúncia anônima, na qual levantou, em tese, suspeitas em torno da independência funcional do magistrado para o exercício da judicatura na esfera eleitoral. 2. Não houve atribuição, pelo querelado, de nenhum fato específico que se revelasse apto a caracterizar a prática de crime contra a honra do querelante.” (STF – AO no 1402/ RR – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 6-10-2006, p. 14).

“Ação Penal. Queixa-crime. Crime contra a honra. Difamação e injúria. Supostas ofensas proferidas em debate eleitoral pela televisão. Qualifica-ção teórica como delitos eleitorais. Arts. 325 e 326 do Código Eleitoral.

Page 146: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 137

Atipicidade dos fatos. Disputa eleitoral entre candidatos ao Governo do Estado. Expressões que se contêm nos limites das críticas toleráveis no jogo político. Arquivamento determinado. Não se tipifica crime eleitoral contra a honra, quando expressões tidas por ofensivas se situam nos li-mites das críticas toleráveis no jogo político e ocorrem entre candidatos durante debate caloroso pela televisão.” (STF – Inq no 2431/DF – Pleno – Rel. Min. Cezar Peluso – DJe 87, 24-8-2007).

“Recurso ordinário em ‘habeas corpus’ – Pretendida extinção da ‘per-secutio criminis’ pelo reconhecimento, na espécie, da imunidade parla-mentar em sentido material (CF, art. 53, ‘caput’) – Inviolabilidade como obstáculo constitucional à responsabilização penal e/ou civil do parla-mentar – Necessidade, porém, de que os ‘delitos de opinião’ tenham sido cometidos no exercício do mandato legislativo ou em razão dele – Indis-pensabilidade de ocorrência do nexo de implicação recíproca – Inexistên-cia, no caso, de referido vínculo causal – Alcance, significado e função político-jurídica da cláusula de inviolabilidade – Garantia constitucional que não protege o parlamentar, quando candidato, em pronunciamentos motivados por propósitos exclusivamente eleitorais e que não guardam vinculação com o exercício do mandato legislativo – Alegada inépcia da denúncia – Inocorrência – Peça acusatória que atende, plenamente, às exigências legais – Pretendida perempção quanto à oportunidade de oferecimento da denúncia – Inaplicabilidade às hipóteses perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública – Recurso improvido.” (STF – RHC no 82555/SP – Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – j. 6-2-2003 – DJe 105, 5-6-2013).

“Injúria. Ofensa irrogada contra quem não participa diretamente do plei-to, em matéria jornalística que tece elogios a um dos candidatos. Atipici-dade em relação ao art. 326 do Código Eleitoral. Se a afirmação injuriosa não possui por si só fins de propaganda eleitoral, não se configura o crime eleitoral. Habeas corpus concedido.” (TSE – HC no 356/SP – DJ 7-5-1999, p. 82).

“Ação Penal. Competência Originária. Deputado Estadual. [...] VI – In-júria. o réu afirmou que o Juiz Eleitoral [...] seria “safado”, “bandido”, tendo, também, dito “quero que ele vá tomar no cu”, expressões estas que, por óbvio, atingem a dignidade da vítima. Denota-se, também, pre-sente o dolo específico de manchar a imagem do magistrado, tendo em vista, inclusive, a natureza dos diversos xingamentos que se sucederam durante a conduta. Outrossim, como as expressões injuriosas chegaram ao conhecimento da vítima, tem-se consumado o delito. Por último, a injúria, se cometida contra funcionário público no exercício de suas fun-

Page 147: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

138 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

ções e na presença de várias pessoas, submete-se às causas de aumento de pena descritas nos incisos II e III do artigo 141 do Código Penal [cor-respondente aos incisos II e III do art. 327 do CE]. [...] IX – Há conflito aparente de normas penais quando uma mesma conduta encontra, prima facie, adequação típica em mais de um dispositivo penal. Neste caso, há tão somente uma ação típica, com um resultado lesivo a um bem jurídico e que, a despeito disso, encontra previsão legal em mais de um dispo-sitivo. No caso dos autos, revela-se tal instituto na hipótese dos delitos de desacato, difamação e injúria, na medida em que aquele absorve estes [...]. Decisão: Por unanimidade, rejeitou-se a questão prejudicial e, no mérito, julgou-se procedente a pretensão condenatória, nos termos do voto do relator.” (TRE/RJ – AP no 8770/RJ – DJERJ, t. 243, 11-10-2012, p. 12-15).

“Exceção. Ação Penal. Calúnia e injúria. Eleições 2006. Preliminar de impossibilidade de arguição de exceção da verdade para o delito de in-júria. Acolhida. O crime de injúria não comporta a exceção da verdade. Ausência de previsão legal para tal providência. Mérito. Inexistência de qualquer tipo de proteção ou parcialidade na conduta da Promotora de Justiça. Ausência de prova de prevaricação, corrupção ou favorecimento a candidato. Conteúdo das publicações jornalísticas inverídico. Exceção da verdade julgada improcedente.” (TRE/MG – EXC no 48152006 – DJMG 17-5-2008, p. 108).

“Recurso Criminal. Denúncia. Difamação. Eleições 2002. Procedência. Imputação de vícios ou más qualidades mediante a atribuição genérica de fatos. Conduta que configura injúria. Comprovação da autoria e da materialidade. Cabimento da emendatio libelli, nos moldes do art. 383 do Código de Processo Penal. Recapitulação para crime de injúria tipificado no art. 326 do Código Eleitoral. Tipo penal que prevê pena alternativa. Imposição de detenção. Substituição da pena por prestação de serviços à comunidade. Recurso a que se dá provimento parcial.” (TRE/MG – RC no 9382005 – DJMG 6-10-2005, p. 86).

“Recurso Criminal. Circulação de panfletos com dizeres caluniosos, inju-riosos e difamatórios. Suposta conduta criminosa – arts. 324, 325 e 326, c/c o art. 327, incisos II e III do Código Eleitoral. Sentença absolutória. Art. 386, III, do Código de Processo Penal. Possibilidade de exigir do acusado a compreensão da ilicitude do fato. Veiculação de enunciado que encerra uma metáfora, uma crítica à atuação política pretérita. Não-ca-racterização dos delitos. Recurso a que se nega provimento.” (TRE/MG – RC no 152004 – DJMG 28-5-2004, p. 95).

Page 148: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 139

“Recurso Criminal. Art. 326, caput, c/c o art. 327, inciso III, ambos do Código Eleitoral. Preliminar de cerceamento de defesa – afastada. Veraci-dade das falas confirmada pelo próprio recorrente. A análise dos demais aspectos probatórios é que revelará ou não o dolo. Ausência de prejuí-zo. Mérito. As expressões utilizadas não trazem no seu bojo potencial ofensivo. O contexto em que está inserida a frase é a figura da retorsão, que não se desqualifica em razão da falta de imediatismo, que, no caso, é impossível. As palavras mais ásperas e em tom jocoso são próprias do acirramento eleitoral. Art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Recurso provido.” (TRE/MG – RC no 7402001 – DJMG 7-8-2003, p. 55).

Art. 331 Inutilizar, alterar ou perturbar meio regular de propaganda

“Art. 331. Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devida-mente empregado:

Pena – detenção até seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.”

O presente art. 331 do Código Eleitoral visa resguardar um bem jurídico da maior relevância para o Estado Democrático e Representativo, a saber: a propa-ganda feita regularmente, em meios lícitos e, pois, em consonância com a ordem jurídica. É direito de todo ente político e candidato divulgar seus projetos e pro-gramas, bem como externar suas ideias e criticar a ação governamental, as políti-cas públicas adotadas, enfim, os rumos para os quais a sociedade é conduzida. Por outro lado, há mister que os cidadãos estejam sempre bem informados, pois de outro modo não estariam aptos a participar do debate político e exercer adequada e conscientemente o direito de sufrágio. Assim, independentemente de sua natu-reza (eleitoral ou partidária), há evidente e relevante interesse político-social na realização de propaganda política.

O delito em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa por si mes-ma, mediante coautoria ou participação de terceiros.

Sujeito passivo é a sociedade. O partido ou candidato cujo meio de propaganda for prejudicado figurará como sujeito passivo secundário.

O núcleo do tipo é formado pelas elementares “inutilizar”, “alterar” ou “pertur-bar”. Refere-se a conduta típica à inutilização, alteração ou perturbação de meio de propaganda devidamente empregado.

Inutilizar significa extinguir, desfazer, eliminar, suprimir, tirar. Nessa hipótese, a propaganda deixa de existir, porque o meio em que ela é externada é eliminado. Ex.: cobrir de tinta propaganda veiculada em muro, retirar faixas afixadas em fachada de um prédio.

Page 149: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

140 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Alterar tem o sentido de desfigurar, distorcer, adulterar, deteriorar, corromper. Aqui a propaganda subsiste à ação do agente, mas sem a integridade original. Ex.: acrescentar letras ou palavras na mensagem propagandística, borrar ou desenhar na imagem exibida, invadir (um hacker) o sítio eletrônico de partido ou candidato e altera a mensagem que lá se encontre.

Por fim, perturbar significa transtornar, embaraçar, turbar. Nesse caso, o agente cria embaraços para a perfeição do evento, estorvando ou tolhendo a realização da propa-ganda. Exs.: durante comício, o agente liga aparelho de som, criando dificuldade para que todos os participantes ouçam com clareza os discursos; criam-se restrições para que carro de som circule por certa região divulgando jingles ou mensagens do candidato.

O tipo legal é misto alternativo. Embora sejam diversas as condutas típicas, ha-verá um só crime se mais de uma delas for concretizada em relação à mesma vítima em idêntico contexto fático. Assim, por exemplo, haverá um só crime se o agente, primeiro, alterar e, depois, inutilizar o meio de propaganda.

Objeto material do delito é qualquer meio de propaganda político-eleitoral. Por exemplo: veículo, cartaz, faixa, pintura em muro ou tapume, folheto, carro de som, programas veiculados no rádio ou na televisão, site na Internet.

O termo propaganda é usado em seu sentido genérico, não sendo especificada a espécie a que ele se refere. A ausência de determinação legal revela que a conduta não se restringe à propaganda eleitoral, abrangendo a partidária e a intrapartidária.

Ademais, o tipo legal contém o elemento normativo “devidamente”. É, pois, es-sencial que a propaganda seja legal, que esteja em conformidade com o ordenamento jurídico. Sendo ela irregular ou ilícita, atípica será a conduta do agente. Por exemplo: suponha-se que a propaganda foi feita em muro particular sem o consentimento do proprietário; nesse caso, lícita é a conduta do proprietário ou possuidor que a inuti-lize. Outro exemplo: é legal a conduta de quem inutiliza propaganda extemporânea.

Desde que a propaganda seja regular, é indiferente quem a tenha produzido. Ha-verá o crime ainda que ela tenha sido realizada por simpatizante da agremiação ou do candidato.

O tipo subjetivo consiste no dolo de dano, podendo esse ser direto ou eventual. Assim, é mister que haja vontade livre e consciente de realizar as condutas típicas. Mas, ainda que haja dúvida sobre a licitude da propaganda haverá responsabilidade criminal.

Cuidando-se de crime material, exige-se a ocorrência de resultado danoso para a sua consumação, que consiste na efetiva inutilização, alteração ou perturbação de meio de propaganda. É irrelevante que a propaganda tenha ou não aptidão para in-fluenciar cidadãos, bastando que seja legal.

No que concerne à tentativa, é ela possível, já que o iter criminis pode ser fracionado.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Page 150: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 141

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 331 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente”. Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Jurisprudência

“Recurso. Inutilização de propaganda eleitoral. Artigo 331 do Código Eleitoral. Para a configuração do delito dispensa-se a comprovação de dolo específico. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. Prejuízo de difícil mensuração. Provimento negado.” (TRE/RS – RC no 92005b – DJE, t. 74, 27-4-2006, p. 95).

“Do recurso intentado pelo órgão ministerial: recurso. Retirada pelo agente administrativo de propaganda eleitoral regular. Alegação de ofen-sa à legislação municipal e ao Código Eleitoral. Usurpação de competên-cia exclusiva dos juízes eleitorais. Conhecimento e provimento. Cons-tando da denúncia que o acusado destruiu propaganda eleitoral lícita, e resultando provado esse fato na instrução, justifica-se sua condenação nos crimes dos arts. 331 do Código Eleitoral e 328 do Código Penal, porque sua conduta, a par de atentar contra a liberdade de propaganda, usurpa competência exclusiva dos Juízes Eleitorais.” (TRE/AM – RECEL no 412000 – DOE 19-3-2001).

“Inquérito policial. Suposta prática dos crimes tipificados nos artigos 331, 332 e 347 do Código Eleitoral. É ilícita a fixação de placas e faixas em determinados locais, não se configurando o tipo penal corresponden-

Page 151: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

142 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

te. A autoridade policial é a responsável para a tomada de providências necessárias à garantia de realização de ato público e ao funcionamento do tráfego e de serviços que o evento possa afetar. Feito arquivado, res-salvando-se o disposto na Súmula no 524 do STF.” (TRE/RS – INQ no 11000400 – DJ 10-7-2000, p. 29).

Art. 332 Impedir o exercício de propaganda

“Art. 332. Impedir o exercício de propaganda:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.”

Esse dispositivo apresenta semelhanças com o anterior, isto é, com o art. 331. Os dois delitos são comuns e tutelam o mesmo bem jurídico.

Entretanto, o art. 332 é de ação única, sendo o seu núcleo formado pela elementar “impedir”. Impedir é sinônimo de bloquear, tolher, obstar.

A conduta típica refere-se ao impedimento do exercício de propaganda, podendo ser concretizada por ação ou por omissão.

Diferentemente do art. 331 (que tem por objeto material o meio empregado na propaganda), no vertente art. 332 a conduta do agente dirige-se contra o próprio ato de realizar propaganda, a qual, em razão disso, não vem a ser ultimada. Portanto, a vítima (partido, candidato, simpatizante) é constrangida a não exercer um direito que o sistema jurídico lhe assegura. À guisa de exemplo, pense-se na pessoa que impede a inscrição de mensagem em muro, a fixação de cartazes, a distribuição de panfletos, que ocupa (ou não libera) o local em que o comício será realizado.

Aqui também o termo propaganda é usado em sentido genérico, abrangendo as propagandas eleitoral, partidária e intrapartidária.

Diferentemente do anterior, o art. 332 não contém um elemento normativo. De-veras, não há expressa previsão de que a propaganda cuja realização foi impedida seja “devida”, i.e., lícita, legal.

No entanto, deve-se entender que tal elemento normativo se encontra implícito no tipo. E isso até por razão de ordem lógica. Afinal, se a propaganda é indevida, qual sentido haveria em se permitir que ela seja veiculada para, ato contínuo, se autorizar sua inutilização? De sorte que, somente é típica a conduta de impedir o lícito ou regular exercício de propaganda, assim entendida a realizada em consonância com o Direito.

Por outro lado, não se exige que a propaganda seja produzida por partido ou can-didato. Por exemplo, haverá o crime se for impedida a realização de propaganda por qualquer pessoa que nutra simpatia pela agremiação ou pelo candidato.26

26 A propósito, vale lembrar o disposto no art. 27 da Lei no 9.504/97, segundo o qual “Qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR,

Page 152: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 143

O delito em exame é doloso, não sendo prevista a forma culposa. O dolo é de dano.

Trata-se de crime material cuja consumação se dá com o efetivo impedimento da propaganda. Admite-se a tentativa.

Sanção – a pena é cumulativa: detenção de 15 dias a seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa. Note-se que, diferentemente do dispositivo anterior, a pena prevista para o art. 332 não é alternativa, mas cumulativa (privativa de liberdade e pecuniária); ademais, houve redução dos limites mínimo e máximo da pena pecuniária.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 332 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente”. Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Jurisprudência

“Recurso criminal. Impedimento de distribuição de material de propa-ganda eleitoral em frente da entrada de casa de saúde. Condenação por incursão nas sanções do art. 332 do Código Eleitoral. Panfletos distribuí-dos em via pública. Regularidade do exercício da propaganda. Provimen-to negado.” (TRE/RS – RC no 382006 – DJE, v. 1.207, t. 68, 20-4-2007, p. 84).

“Crime eleitoral. Art. 332 do Código Eleitoral. Impedir propaganda elei-toral. Apreensão de veículo em situação administrativa irregular. Agen-

não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados.”

Page 153: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

144 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

tes da Guarda Municipal e Polícia Militar. Competência do Município para a polícia de trânsito dentro do seu peculiar interesse, na cidade. Conduta possível. Ausência de prova de desvio de função, visando impe-dir a propaganda. Necessidade de finalidade indevida ou dolo específico. Ausência de contexto bastante e prova suficiente. Condenação. Recurso provido para absolvição.” (TRE/SP – RECR no 1.780 – DOE 23-8-2004, p. 74).

“Inquérito policial. Art. 332 do Código Eleitoral. Dolo. Não comprova-ção. Arquivamento. 1. É de se arquivar autos de inquérito policial quan-do, nas diligências procedidas, não se vislumbrem evidências quanto ao dolo dos indiciados. 2. Requerimento do MPE acolhido. 3. Arquivamento dos autos.” (TRE/PB – INQ no 203 – DJ 14-10-2003).

“Inquérito policial. Alegada infringência dos arts. 331 e 332 do Código Eleitoral – Inutilização e impedimento de propaganda lícita. 1. A Lei no 4.737/65 prevê somente crimes dolosos. Como a conduta inquinada de delituosa foi, no máximo, culposa, o fato não tem tipicidade. 2. A ação narrada na peça vestibular inquisitória está, ademais, prescrita in abstra-to, havendo perdido o Estado o poder de punir. Arquivamento.” (TRE/RS – INQ no 42003 – DJE, t. 145, 4-8-2003, p. 143).

“Recurso criminal – Impedir o exercício de propaganda – Art. 332 do Có-digo Eleitoral – Ocultação de placas de propaganda eleitoral – Ausência de dolo torna a conduta atípica – Absolvição. A retirada de material de propaganda de dentro de sua própria residência não configura a finalida-de de impedir a propaganda eleitoral descrita no artigo.” (TRE/PR – RE no 66 – DJ 24-5-2002).

Art. 334 Uso irregular de organização comercial

“Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mer-cadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores:

Pena – detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o res-ponsável for candidato.”

O art. 334 do Código Eleitoral visa salvaguardar o processo eleitoral do abuso de poder econômico. Conforme assinalei alhures (GOMES, 2013, p. 245), a expressão

“abuso de poder econômico deve ser compreendida como a concretização de ações que denotem mau uso de direitos e, pois, de recursos patrimo-niais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente. Essas ações não

Page 154: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 145

são razoáveis nem normais à vista do contexto em que ocorrem, revelan-do a existência de exorbitância, desbordamento ou excesso no exercício dos respectivos direitos e no emprego de recursos”.

Tal abuso tanto pode decorrer do desvirtuamento de uma relação jurídico-social, do emprego abusivo de recursos patrimoniais, como também do mau uso de meios de comunicação social. Entre outras hipóteses, estará configurado sempre que houver oferta ou doação, a eleitores, de quaisquer bens, produtos ou serviços como aten-dimento médico, hospitalar, dentário, estético, fornecimento de remédios, próteses, gasolina, cestas básicas, roupas, calçados, materiais de construção.27

No dispositivo em exame, são protegidos bens como liberdade de sufrágio, igual-dade das campanhas, sinceridade do voto, legitimidade e representatividade do eleito. Pretende-se que a representação popular seja genuína, autêntica e, sobretudo, ori-ginada de procedimento legítimo. A vida democrática não se resume ao mero cum-primento de fórmulas procedimentais, pois o exercício legítimo do poder exsurge sobretudo do respeito àqueles bens.

O delito em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa por si mes-ma, mediante coautoria ou participação de terceiros. Não se exige que o agente seja candidato ou dirigente de partido político.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo penal é misto, podendo, conforme as circunstâncias, ser cumulativo ou alternativo. Em seu núcleo destaca-se o verbo utilizar, que tem o sentido de usar, em-pregar, servir-se, valer-se.

Quatro são as condutas típicas previstas, a saber: i) utilizar organização comercial de vendas; ii) distribuir mercadorias (utilizar da distribuição de mercadorias); iii) distribuir prêmios (utilizar da distribuição de prêmios); e iv) realizar sorteios (utilizar da realização de sorteios). Em todos esses casos o agente tem em mira a realização de propaganda ou o aliciamento de eleitores.

A primeira das condutas especificadas requer o envolvimento de “organização co-mercial de vendas”. Em sua generalidade, essa expressão abrange não só a empresa individual de responsabilidade limitada (constituída por uma única pessoa – CC, art. 980-A), como também a sociedade empresarial, em quaisquer de suas formas (CC, art. 981 ss.), e as sociedades não personificadas, i.e., irregular e de fato.28

27 Há diversas regras no Direito Eleitoral cuja finalidade precípua consiste em reprimir o uso abusivo do poder econômico. Visam nomeadamente à responsabilização quer seja diretamente dos agentes, quer seja dos beneficiários do ilícito. Destacam-se entre elas: i) ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), fundada nos artigos 19 e 22, XIV, ambos da LC no 64/90; ii) ação por captação ou emprego ilícitos de recurso de campanha, fundada no artigo 30-A da LE; iii) ação por captação ilícita de sufrágio, fulcrada no artigo 41-A da LE; iv) ação por conduta vedada, prevista nos artigos 73 ss da LE; v) Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), contemplada no artigo 14, §§ 10 e 11, da CF.

28 A regular constituição de uma sociedade se dá com a inscrição de seu contrato ou estatuto social no

Page 155: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

146 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Vale salientar que, na gestão da sociedade, é defeso ao administrador desviar-se do estipulado no contrato ou estatuto social, porquanto a pessoa jurídica encontra-se pre-sa à realização das atividades para as quais foi concebida. A desatenção a esses limites pode significar desvio de finalidade e uso abusivo de poder por parte do gestor. Afinal, nenhuma atividade empresarial tem por objeto a interferência espúria no processo elei-toral e, sobretudo, na liberdade dos eleitores.

Já as outras três condutas apontadas podem resultar de ações desenvolvidas por qualquer pessoa, física ou jurídica (CC, art. 44), tais como associação, fundação e organização não governamental (ONG).

O uso de organização empresarial poderia assegurar vantagem indiscutível ao can-didato, pois sua imagem ficaria relacionada a ela, sem mencionar a visibilidade que adquiriria perante a comunidade. É evidente que tal oportunidade não será concedida a todos os candidatos, o que contraria a ideia de isonomia e equilíbrio no certame. Não é certamente por esse caminho que a empresa realiza sua função social.

A distribuição de mercadorias e de prêmios pode gerar vínculo psicológico no eleitor para com o doador, de maneira a cercear a liberdade do primeiro de escolher livremente o candidato conforme seus próprios critérios e suas próprias convicções político-morais.29

Já a realização de sorteio poderia acender a esperança de o eleitor ser contempla-do, vindo essa expectativa a ser associada ao sorteio e à definição do sentido do voto. Evidente o comprometimento da liberdade do cidadão.

O termo propaganda é empregado no texto legal em seu sentido genérico, não sen-do indicada a espécie a que ele se refere. A ausência de determinação legal revela que a conduta incriminada não se restringe à propaganda eleitoral, abrangendo a partidária e a intrapartidária.

Não é necessário que a conduta ocorra no período compreendido entre o pedido de registro de candidatura (5 de julho do ano das eleições) e a data designada para o pleito, ou seja, durante o período em que é permitida a realização de propaganda elei-toral. E isso não só porque o tipo não descreve qualquer elemento ou circunstância temporal, como também porque, no caso de propaganda eleitoral, pode ela ser extem-porânea ou antecipada. Ademais, condutas tendentes a aliciamento de eleitor podem ocorrer ainda antes daquele período.

O tipo subjetivo é o dolo de dano, consistente na vontade livre e consciente de rea-lizar as ações descritas no tipo.

órgão competente. Chama-se “de fato” a sociedade que não possui ato constitutivo. Por outro lado, deno-mina-se “irregular” a sociedade que, embora possua ato constitutivo, esse não foi devidamente registrado. Esse tema é objeto dos arts. 986 a 990 do CC, que dispõe sobre sociedade não personificada.

29 A propósito, vale registrar que o § 6o do art. 39 da Lei no 9.504/97 veda “na campanha eleitoral a con-fecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor”.

Page 156: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 147

Há, ainda, o elemento subjetivo do tipo, pois a utilização de organização comercial de vendas, a distribuição de mercadorias e de prêmios e a promoção de sorteios de-vem ser realizadas “para propaganda ou aliciamento de eleitores”. É, pois, preciso que na conduta do agente se apresente uma dessas específicas finalidades. Sendo outra a intenção ou dirigindo-se ela a objetivo diverso, a conduta não se subsumirá ao tipo do enfocado art. 334 do CE, sendo, portanto, atípica.

Cuidando-se de crime material, sua consumação exige a ocorrência de resultado, o qual consiste na efetiva utilização de organização comercial de vendas, na distribuição de mercadorias, na distribuição de prêmios e na realização de sorteios.

Note-se ser indiferente para a consumação que a propaganda promovida tenha ou não aptidão para influenciar cidadãos, que seja expressa ou implícita. E mais: quanto ao sorteio, é irrelevante que alguém tenha sido contemplado; por exemplo: a mera promoção de “bingo” implica a realização do delito em exame, independentemente de haver ou não ganhador.

No que concerne à tentativa, é ela possível, já que o iter criminis pode ser fraciona-do. Como exemplo, pense-se na situação em que as mercadorias estão devidamente dispostas, prontas para a distribuição que, porém, não ocorre devido à intervenção da autoridade pública.

Sanção – a pena é cumulativa: detenção de seis meses a um ano e cassação do re-gistro se o responsável for candidato.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Entretanto, se o réu for candidato e a demanda penal for julgada durante o pro-cesso eleitoral a pena de “cassação do registro” impede a transação penal e o sursis processual.

Responsabilização de partido – nos termos do art. 336 do CE, no delito previsto no vertente art. 334 cumpre verificar “se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.” Nesse caso, pode o diretório ser responsabilizado, ficando sujeito à “pena de suspen-são de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas rein-cidências”. O concurso do diretório pode se dar por coautoria ou participação. Embora o aludido art. 336 expresse que tal responsabilidade deve ser verificada pelo juiz na fase de sentença, o ordenamento penal veda a imposição de pena sem a observância do devido processo legal eis que, “aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5o, LV) – nulla poena sine iudicium. Logo, a

Page 157: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

148 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

imputação ao partido, representado por seu respectivo diretório, deve ser formalizada já na denúncia ou em seu aditamento.

Jurisprudência

“Processo penal eleitoral – Leis nos 9.099/95 e 10.259/2001 – Aplicabi-lidade. As Leis nos 9.099/95 e 10.259/2001, no que versam o processo relativo a infrações penais de menor potencial ofensivo, são, de início, aplicáveis ao processo penal eleitoral. A exceção corre à conta de tipos penais que extravasem, sob o ângulo da apenação, a perda da liberdade e a imposição de multa para alcançarem, relativamente a candidatos, a cassação do registro, conforme é exemplo o crime do artigo 334 do Códi-go Eleitoral.” (TSE – REspe no 25.137/PR – DJ, v. I, 16/09/2005, p. 173)

“Infrações penais eleitorais. Procedimento especial. Exclusão da compe-tência dos juizados especiais. Termo circunstanciado de ocorrência em substituição a auto de prisão – possibilidade. Transação e suspensão con-dicional do processo – viabilidade. Precedentes. I – As infrações penais definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto nos seus arts. 355 e seguintes e o seu processo é especial, não podendo, via de consequência, ser da competência dos Juizados Especiais a sua apuração e julgamento. II – O termo circunstanciado de ocorrência pode ser utilizado em subs-tituição ao auto de prisão em flagrante, até porque a apuração de infra-ções de pequeno potencial ofensivo elimina a prisão em flagrante. III – O entendimento dominante da doutrina brasileira é no sentido de que a categoria jurídica das infrações penais de pequeno potencial ofensivo, após o advento da Lei no 10.259/2001, foi parcialmente alterada, passan-do a ser assim consideradas as infrações com pena máxima até dois anos ou punidas apenas com multa. IV – É possível, para as infrações penais eleitorais cuja pena não seja superior a dois anos, a adoção da transação e da suspensão condicional do processo, salvo para os crimes que con-tam com um sistema punitivo especial, entre eles aqueles a cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro se o responsável for candidato, a exemplo do tipificado no art. 334 do Código Eleitoral.” (TSE – PA no 18.956/DF – DJ, v. 1, 7-2-2003, p. 133).

“Crime eleitoral. Propaganda ou aliciamento de eleitores – artigo 334 do Código Eleitoral. Abrangência. O artigo 334 do Código Eleitoral encerra quatro tipos penais, todos ligados à utilização de meios objetivando a propaganda ou o aliciamento de eleitores: a) valer-se de organização co-mercial de vendas; b) distribuir mercadorias; c) distribuir prêmios e d) proceder à sorteios. Os três últimos não pressupõem necessariamente, o envolvimento de organização comercial de vendas, podendo resultar

Page 158: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 149

de atividade desenvolvida por qualquer outra pessoa jurídica ou natural, como ocorre quando a distribuição de mercadorias seja feita por entida-de assistencial, colocando-se as cestas a fotografia de certo candidato.” (TSE – REspe no 9.607/SP – DJ 9-8-1993, p. 15.215).

“Recurso criminal eleitoral. Ano de eleição municipal. Candidato. Entre-ga de premiação em concurso de beleza. Inexistência da finalidade de ob-tenção de voto. Não caracterização de propaganda eleitoral. Provimento negado. Cingindo-se a participação do acusado na mera entrega de flores, por ele não custeadas, às candidatas de Concurso de Beleza em perío-do de livre propaganda eleitoral, não resta caracterizada a subsunção da conduta ao tipo constante do art. 334 do Código Eleitoral. Ainda, sua aparição pública não pode ser tida por ilegal, vez que, para configuração do ilícito em exame, a entrega de premiação deve se confundir com a própria propaganda, sendo que tal ato deve ter capacidade de influenciar o eleitor.” (TRE/MS – RCRIM no 79 – DJ 9-1-2007, p. 145).

“Crime eleitoral. Delito previsto no art. 334 do Código Eleitoral. Réu absolvido por sentença de primeiro grau. Reforma de sentença. 1 – O único objetivo visado pelo acusado na distribuição de cestas básicas foi a propaganda eleitoral, a fim de garantir sua permanência ad eternum no poder. 2 – É irrelevante a ocorrência ou não de pleito eleitoral. 3 – Com-provado está nos autos que o acusado vem praticando este crime eleitoral desde o ano de 1997 até março de 1999, o que subsume a figura penal da continuidade delitiva. 4 – Recurso conhecido e provido para reformar a sentença de primeiro grau.” (TRE/ES – RCRIM no 12 – DOE 22-10-2001, p. 104).

“Crime eleitoral. Propaganda eleitoral feita ao arrepio da lei. Art. 334 do Código Eleitoral. Confissão pelo próprio réu de que mandara confec-cionar cartazes de festival de música com distribuição de prêmios onde nome e número de candidatos. Dosimetria da reprimenda que atende às exigências do art. 59 do código [penal]. 1. Dentre as condutas previstas no [art. 334] do Código Eleitoral está distribuir prêmios a quem promo-ve festival de música, com outorga de prêmios aos vencedores, donde fez inserir nomes e números de candidatos, bem como do partido eleitoral, ao qual é ele filiado, infringe a conduta vedada naquele dispositivo de lei, já que o bem ali tutelado é de igualdade de condições dos concorrentes ao pleito, que resta rompido pela ação do agente. 2. A confissão judicial do autor, aliada à prova documental e testemunhal autoriza a condena-ção, reconhecendo-se, assim, a subsunção da conduta do agente ao tipo descrito em lei, podendo tal conduta ser imputada, inclusive à pessoa na-tural e não através de organização comercial de vente, até mesmo porque

Page 159: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

150 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

a distribuição de prêmios não é, em si mesma, sua atividade precípua. 3. A fixação de pena no mínimo legal, sopesadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e ainda a substituição da reprimenda física por prestação de serviços à comunidade, pela julgadora monocrática não merece reparos, pois atende integralmente às exigências da lei.” (TRE/MS – RCRIM no 4/98 – DJ 7-7-1998, p. 38).

“Configura o crime do art. 334 do Código Eleitoral a distribuição de car-telas em estabelecimento comercial, com promessa de motocicleta para o autor de prognóstico sobre a exata diferença de votos em favor de de-terminado candidato. É que promoção deste ‘jaez’ estimula o ‘palpiteiro’ a adotar, no pleito, postura favorável ao candidato do autor da promoção, notadamente por induzir no portador da cartela a crença de que o prêmio está garantido pelo apoio econômico emprestado pelo estabelecimento envolvido na campanha do beneficiário da propaganda. – Recurso provi-do em parte, para excluir a condenação pelo delito do art. 299 do Código Eleitoral, reduzida a pena para o mínimo cominado no art. 334 do mes-mo estatuto, decretada, por outro lado, a extinção da pretensão punitiva, pela prescrição, nos termos do art. 109 do Código Penal. – Decisão por maioria.” (TRE/CE – RC no 96010255 – DJ 29-4-1998, p. 111).

Art. 335 Fazer propaganda em língua estrangeira

“Art. 335. Fazer propaganda, qualquer que seja a sua forma, em língua estrangeira:

Pena – detenção de três a seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Parágrafo único. Além da pena cominada, a infração ao presente artigo importa na apreensão e perda do material utilizado na propaganda.”

O art. 335, caput, do CE prevê o crime de realizar propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma, em língua estrangeira. Por sua vez, o parágrafo único desse dispo-sitivo autoriza a “apreensão e perda do material utilizado na propaganda”.30

Segundo já se entendeu na jurisprudência, a vedação expressa no tipo legal “tem a finalidade de, preservando a soberania nacional, reprimir a intromissão indevida de alienígenas no processo eleitoral e impedir que possa haver exploração demagógica de comunidades étnicas”. (TRE/PR – RE no 1097 – PSS 18-9-2000).

Reza o art. 13 da Constituição Federal: “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Logo, qualquer outro deve ser considerado estrangeiro.

30 Afigura-se desnecessário esse parágrafo, pois a apreensão e perda de instrumentos de crime é sempre possível por força do art. 240, § 1o, d, do CPP, e do art. 91, II, a, do CP.

Page 160: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 151

O delito em exame deve ser contextualizado historicamente, reportando-se à épo-ca em que surgiu. Funda-se, provavelmente, no temor de se difundirem no Brasil ideias comunistas, contrárias aos interesses da ideologia liberal dominante e dos de-sígnios nacionalistas do regime ditatorial que presidia o país.

Cumpre, porém, indagar se tal dispositivo foi recepcionado pela Constituição de 1988. Prima facie, não parece fazer sentido quando confrontado com o direito fun-damental à livre manifestação do pensamento. Ademais, pela vigente Constituição, todo brasileiro deve se alistar eleitor, independentemente de dominar ou não a língua portuguesa.

É pacífico o entendimento de que o alistamento eleitoral só não é exigido de es-trangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, dos conscritos. Todos os demais brasileiros que atendam aos requisitos constitucionais e legais devem se inscrever no rol de eleitores. Nesse sentido, vejam-se os seguintes atos do TSE: Res. no 23.274 – DJe 20-8-2010; PA no 1806-81/PR – PSS 6-12-2011.

Conforme dispõe o § 1o, I, do art. 14, da Lei Maior, o alistamento eleitoral e o voto são “obrigatórios para os maiores de dezoito anos”. Mas o alistamento será fa-cultativo nas hipóteses arroladas no inciso II do mesmo dispositivo constitucional, a saber: a) analfabetos; b) maiores de setenta anos; c) maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Note-se que, para o alistamento, a Constituição não impõe que o brasileiro domi-ne o vernáculo. Assim, ainda que desconheça a língua portuguesa ou nela não saiba se exprimir bem, constitui direito fundamental do brasileiro alistar-se eleitor e votar. Situações como essas são comuns em regiões de fronteira com outros países, também ocorrem com filhos de casais de brasileiros que há muito tempo vivem em outro país, bem como em comunidades indígenas que vivem isoladas no território nacional ou com pouco contato com a cultura brasileira.

O alistamento e o voto só se tornam obrigatórios se o brasileiro (índio ou não, pou-co importa) se alfabetizar. Nesse caso, não está sujeito “ao pagamento de multa pelo alistamento extemporâneo” (TSE – PA no 180681/PR – DJe, t. 46, de 8-3-2012, p. 62).

Assim, se brasileiros alistados eleitores não compreenderem o vernáculo, tam-pouco nele souberem se expressar, é legítimo que a propaganda eleitoral seja veicula-da em língua outra que não a oficial. Isso até mesmo para que o eleitor possa melhor se inteirar do debate político em curso e dele participar conscientemente.

Nesse quadro, é defensável a não recepção do art. 335 do CE pela Constituição Federal de 1988.

Saliente-se que, sob a ótica atual, o tipo criminal em análise melhor se enquadra-ria como infração administrativa. A lei penal estabelece um rol mínimo de compor-tamentos coercitivamente exigidos pelo Estado, não podendo ser transformada em garante de bandeiras ideológicas vinculadas a determinado regime político. Somente fatos e situações realmente graves e relevantes para a harmonia da vida social é que

Page 161: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

152 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

devem ser postos sob a tutela da lei penal. Essa tese, aliás, é corolário do Direito Penal mínimo e garantista em voga atualmente.

Afinal, o fim visado pelo legislador com o tipo criminal em análise poderia ser alcançado com medida menos invasiva ao direito humano fundamental de liberdade.

Vale notar que essa forma menos invasiva já se encontra estruturada no ordena-mento eleitoral. Nesse sentido, estabelece o art. 242 do Código Eleitoral:

“A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, menciona-rá sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificial-mente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.”

Essa regra é completada pelo subsequente art. 243, VIII (in fine), segundo o qual não será tolerada propaganda que contravenha “qualquer restrição de direito”.

Destarte, se é certo que qualquer propaganda eleitoral “só poderá ser feita em língua nacional”, i.e., no idioma português, a comunicação que desatender essa regra será ilícita. Como tal, poderá ser restringida no âmbito do poder de polícia deferido à Justiça Eleitoral, eis que – nos termos do art. 41 da Lei no 9.504/1997 – não será “exercida nos termos da legislação eleitoral”.

Conforme se extrai do § 2o, do citado art. 41 da LE, o poder de polícia “se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais”. Assim, a questão é entregue ao prudente arbítrio do juiz eleitoral, a quem incumbe definir a conveniência de a propaganda em língua estrangeira ser veiculada em comunidade onde vivam brasilei-ros que não dominem perfeitamente o idioma nacional. As peculiaridades fáticas e a realidade vivida pelos destinatários da propaganda é que indicarão a conveniência de ela ser ou não coibida. Coibida, reitere-se, no âmbito do poder de polícia.

Art. 337 Participar de atividade partidária sem gozar de direitos políticos

“Art. 337. Participar, o estrangeiro ou brasileiro que não estiver no gozo dos seus direitos políticos, de atividades partidárias inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o responsável pelas emissoras de rádio ou televisão que autorizar transmissões de que participem os mencionados neste artigo, bem como o diretor de jornal que lhes divul-gar os pronunciamentos.”

O art. 337 do CE incrimina a conduta de estrangeiro ou brasileiro que não es-tiver no gozo de seus direitos políticos de participarem de “atividades partidárias”,

Page 162: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 153

inclusive comícios e atos de propaganda. O parágrafo único estende a punição ao “res-ponsável pelas emissoras de rádio ou televisão” que autorizar transmissões de que participem tais pessoas, bem como ao “diretor de jornal que lhes divulgar os pronun-ciamentos”. É cominada a sanção de detenção de 15 dias a seis meses e pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Há controvérsia quanto à subsistência da presente regra incriminadora em nosso sistema jurídico.

Para alguns, o art. 337 do CE não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porque contrasta com a ordem jurídica por ela estabelecida, notadamente ante as disposições concernentes aos direitos políticos (CF, arts. 14 e 15) e às liberdades fundamentais de manifestação do pensamento e de comunicação (CF, art. 5o, IV e IX). Nesse sentido:

“Recurso criminal – Art. 337 do Código Eleitoral – Arguição de incons-titucionalidade – Direitos políticos com status de direitos fundamentais (art. 14, CF) – Auto-aplicabilidade dos arts. 14, 15 e 16 da Constituição Federal – Não recepção do art. 337 do Código Eleitoral pela Constituição Federal de 1988 (liberdades de manifestação e de comunicação – art. 5o, CF) – Conduta delituosa não mais considerada como crime – Recur-so provido. 1. As normas constitucionais relativas aos direitos políticos (arts. 14, 15 e 16) são de eficácia plena. Portanto, produzem de imediato todos os efeitos relativos às situações que foram reguladas pelo consti-tuinte originário. 2. O art. 337 do Código Eleitoral, ao punir como con-duta delituosa a participação, em atividades partidárias, de cidadão que não esteja em pleno gozo de seus direitos políticos, conflita diretamente com os direitos e garantias fundamentais elencadas no art. 5o da Consti-tuição Federal de 1988, motivo pelo qual deve ser declarada sua incons-titucionalidade.” (TRE/PR – PROC no 151 – DJ 31-3-2009).

Na mesma linha: TRE/PR – RE no 113 – DJ 19-4-2005.

No entanto, o dispositivo em exame tem sido aplicado por alguns tribunais elei-torais, consoante demonstram os seguintes julgados:

“Recurso Criminal. Denúncia com base no artigo 337 do Código Eleito-ral, combinado com os artigos 61, inciso I, e 71 do Código Penal. Pro-cedência. Prejudicial de mérito arguida pelo Procurador Regional Elei-toral. Acolhida. Participação em comícios e programa de rádio em prol de candidatos. Direitos políticos suspensos em decorrência de sentença penal condenatória anterior. Prescrição na modalidade retroativa. Lapso temporal entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia superior a 02 (dois) anos, considerando-se a pena de 01 (um) mês e vinte dias de detenção aplicada. Extinção da punibilidade decretada com base nos ar-

Page 163: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

154 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

tigos 107, inciso IV, e 110, §§ 1o e 2o, do Código Penal.” (TRE/MG – RC no 8962008 – DJMG 20-6-2008, p. 118).

“‘Habeas corpus’. Direitos políticos suspensos. Pretensa inconstitucio-nalidade do artigo 337 do Código Eleitoral. Impetrante que pretende sal-vo conduto para participar de comício e propaganda eleitoral no rádio e televisão. Ordem denegada.” (TRE/SP – HC no 23 – DOE 18-11-2004, p. 187).

Em igual sentido: TRE/SP – RC no 1.884 – DOE 1-8-2006, p. 195; TRE/MS – RE no 90 – DJ, v. 877, 31-8-2004, p. 111.

Na parte atinente a estrangeiro, também se tem sustentado que o vertente art. 337 teria sido revogado pelo art. 125, XI, c.c. 107, III, ambos da Lei no 6.815/1980 (Esta-tuto do Estrangeiro). Eis o teor desses últimos artigos:

“Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui comina-das: [...] XI – infringir o disposto no artigo 106 ou 107:

Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e expulsão.”

“Art. 107. O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe especialmente vedado:

I – organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de cará-ter político, ainda que tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de ideias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem;

II – exercer ação individual, junto a compatriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, ade-são a ideias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políti-cas de qualquer país;

III – organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natu-reza, ou deles participar, com os fins a que se referem os itens I e II deste artigo.”

Tem procedência esse argumento. Pois enquanto o caput do citado art. 107 proíbe o estrangeiro de “exercer atividade de natureza política”, o art. 337 do CE o veda de participar de “atividades partidárias”, aí incluindo a participação em atos como comí-cio e propaganda. Ocorre que atividades partidárias são espécies do gênero atividades políticas, de maneira que a realização daquela implica igualmente a da última. Note-se que o argumento da revogação não pode se fundar tão só no fato de o Estatuto do Es-

Page 164: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 155

trangeiro, norma posterior, ter regulado inteiramente a matéria,31 porque ainda aí de-veria prevalecer a regra do Código Eleitoral por ser ela especial. Deveras, o verdadeiro fundamento está nas penas cominadas respectivamente no art. 337 do CE (detenção de 16 dias a 6 meses e 90 a 120 dias-multa) e no art. 125 do Estatuto (detenção de 1 a 3 anos e expulsão). Ora, do ponto de vista lógico-jurídico, é inconcebível que o crime menos grave prevaleça sobre o de maior gravidade.

Mas não é só. O estrangeiro não poderia mesmo realizar “atividade partidária” já que para se filiar a partido político, o art. 16 da Lei no 9.096/95 exige que o in-teressado seja “eleitor”, e o estrangeiro é inalistável nos termos do art. 14, § 2o, da Lei Maior.

Já quanto à parte do art. 337 pertinente ao “brasileiro que não estiver no gozo dos seus direitos políticos”, parece ter fundamento o argumento que afirma sua não recep-ção pela ordem jurídica inaugurada com a Constituição Federal de 1988. E isso porque não é possível a atuação partidária de quem se encontra privado daqueles direitos, eis que: i) o pleno exercício dos direitos políticos é condição de elegibilidade (CF, art. 14, § 3o, II; Lei no 9.504/97, art. 11, § 7o); ii) o art. 16 da Lei 9.096/95 determina que “só pode filiar-se a partido o eleitor que estiver no pleno gozo de seus direitos políticos”, e a filiação partidária é condição de elegibilidade (CF, art. 14, § 3o, V; Lei no 9.504/97, art. 11, § 1o, III). Diante disso, no vigente sistema jurídico, não se afigura possível que brasileiro privado de direitos políticos participe “de atividades partidárias”.

Nesse quadro, tem-se que tanto o estrangeiro, como o brasileiro privado de direitos políticos não poderiam validamente realizar “atividades partidárias”. No máximo, po-deriam externar suas ideias, pensamentos e opiniões. O problema, portanto, se resume à manifestação do pensamento e comunicação. Ocorre que o art. 5o, IV e IX, da Consti-tuição Federal assegura a todos – brasileiros e estrangeiros – os direitos fundamentais de manifestação do pensamento e comunicação, sem que haja qualquer ressalva.

Jurisprudência

“Recurso criminal. Artigo 337 do Código Eleitoral. Participação em ativi-dade partidária. Direitos políticos suspensos. Ausência de dolo. Conduta atípica. Recurso a que dá provimento para absolver.” (TRE/SP – RC no 1.884 – DOE 1-8-2006, p. 195).

“Crime eleitoral. CE 337. Condenado que, cumprindo a pena em regime aberto, prega placa de candidato a prefeito no telhado de sua própria casa de morada. 1. Pendurar placa de um candidato a prefeito no telhado de sua casa é ato voluntário atípico, e não configura ‘atividade partidária’,

31 Conforme preconiza o § 1o do art. 2o da LINDB: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamen-te o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Page 165: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

156 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

elemento normativo cultural do tipo previsto no artigo 337 do Código Eleitoral. 2. A Constituição da República não recepcionou o artigo 337 do Código Eleitoral, que exterioriza bem jurídico permitido pelo artigo 5o, IV (‘é livre a manifestação de pensamento’) e não uma das hipóteses de suspensão dos direitos políticos (artigo 15). 3. O Código Eleitoral exi-ge imposição de sanção específica para privação temporária dos direitos políticos (artigo 71, § 2o), e a sua falta não permite a presunção de penas acessórias, banida do Código Penal por reforma de 1.984, nem suposição de efeito que a tanto equivalha, por inconstitucionalidade manifesta.” (TRE/PR – RE no 113 – DJ 19-4-2005).

“Recurso. Regularização de filiação partidária. Indeferimento de inclusão do nome de eleitor que se encontra com os direitos políticos suspensos. Filiação também suspensa. Art. 16 da Lei no 9.096/95. Decisão correta. Improvimento. Encontrando-se com os direitos políticos suspensos, nos termos do art. 15, inciso III, da Constituição Federal, a filiação parti-dária também fica suspensa em conformidade com o art. 16 da Lei no 9.096/95, cuja disposição assenta que só pode filiar-se a partido quem estiver no pleno gozo de seus direitos políticos. Desta forma, se o eleitor estiver nesta situação quando da entrega da relação de filiados pelo parti-do à Justiça Eleitoral, não deve o seu nome ser incluído na lista, mesmo porque neste período não poderia o cidadão praticar qualquer ato parti-dário, sob pena de se incorrer no crime disposto no art. 337 do Código Eleitoral.” (TRE/MS – RE no 90 – DJ, v. 877, 31-8-2004, p. 111).

Art. 338 Não assegurar prioridade postal

“Art. 338. Não assegurar o funcionário postal a prioridade prevista no Art. 239:

Pena – Pagamento de 30 a 60 dias-multa.”

O art. 338 do Código Eleitoral é norma penal em branco, pois sua compreensão e aplicação dependem de complementação de outra norma. Conquanto ele descreva uma conduta típica, essa descrição demanda o complemento contido no art. 239 do mesmo Código. Este dispositivo assegura prioridade postal a partidos políticos nos se-guintes termos: “Aos partidos políticos é assegurada a prioridade postal durante os 60 (sessenta) dias anteriores à realização das eleições, para remessa de material de propaganda de seus candidatos registrados.”

A prestação de serviço postal é monopólio da União, nos termos do art. 21, X, da Constituição Federal. O serviço é prestado pela Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública federal vinculada ao Ministério das Comunicações.

Page 166: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 157

Tal prioridade postal não é objeto de detalhada regulamentação. A ECT atua no mercado explorando atividade econômica. Várias modalidades de serviços de entrega são oferecidas ao mercado consumidor, uns rápidos (ex.: SEDEX) e muito rápidos (ex.: SEDEX 10), outros mais demorados (ex.: carta comum e com registro). Na falta de específica regulamentação e também de um sistema criado especialmente para a distribuição e entrega de material de campanha eleitoral, é de se entender que a prioridade postal conferida aos partidos deve sujeitar-se à modalidade de serviço con-tratado. Em outros termos, a prioridade só existirá dentro da categoria de serviço contratado. Assim, se foi contratado serviço próprio de “carta comum”, não se pode pretender que a entrega seja feita na modalidade “SEDEX”. Entender de outro modo é subverter a lógica de funcionamento da empresa e de toda a sua logística, além de impor-lhe prejuízos significativos.

De qualquer modo, na época em que instituída, a prioridade postal garantida pela regra em tela era altamente significava. Atualmente, porém, com o extraordinário avanço da ciência e das técnicas, com a revolução que a tecnologia imprimiu às co-municações, foram introduzidas novas formas de realização de propaganda eleitoral, as quais independem da remessa física de material de propaganda e campanha. Nessa linha, destacam-se a televisão e o rádio, veículos cuja importância nas eleições dis-pensa comentários, bem como a Internet e as novas mídias eletrônicas. Nesse novo contexto, material de propaganda poderá ser enviado pela Internet ou postado nas páginas do partido e do candidato para que os interessados o baixem (download) em seus computadores ou outros aparelhos, como smartphones.

O art. 338 tem por objetivo afiançar a realização de propaganda e, pois, a eficácia das campanhas eleitorais. Não há exagero em dizer que sem campanhas os pleitos ficariam esvaziados, pois é por elas que os candidatos se dão a conhecer – a si mesmos e às suas ideias –, apresentando aos cidadãos suas propostas, projetos e programas. Isso se perfaz pelas mais diferentes maneiras, destacando-se atualmente o emprego de técnicas de marketing que incluem a divulgação de mensagens por material impres-so como panfletos, cartazes e faixas.

O delito é próprio, só podendo ser cometido por empregado do serviço postal. Não é impossível imaginar situação em que o agente, sabedor da natureza do material a ser despachado ou entregue, deixe de fazê-lo no tempo devido por sentimentos e preferências pessoais, inclusive de ordem política.

Sujeito passivo é a sociedade.

Trata-se de crime omissivo próprio, pois a omissão figura como elemento do tipo penal. O núcleo do tipo é formado pela elementar “não assegurar”.

A conduta típica refere-se a não assegurar o empregado, aos partidos políticos, a prioridade postal instituída no citado art. 239, durante os 60 dias anteriores à data marcada para as eleições, para remessa de material de propaganda de seus candidatos registrados.

Page 167: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

158 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Não assegurar privilégio postal significa descumpri-lo, deixar de observá-lo, não garanti-lo a quem de direito.

O objeto material do delito é o “material de propaganda” de candidatos regis-trados. A propaganda, aqui, é eleitoral. Fica excluído material contendo propaganda exclusivamente do partido (propaganda institucional), bem como de candidatos cujo pedido de registro tiver sido indeferido pela Justiça Eleitoral.

O texto não esclarece se o material deve conter propaganda lícita, legal. Conside-rando, porém, que a propaganda eleitoral sujeita-se a limitações legais, a propaganda ilícita evidentemente não goza da proteção do sistema jurídico. Donde se conclui que a exigência de licitude da propaganda encontra-se implícita no tipo. Afinal, se a pro-paganda for ilícita, qual o sentido de se lhe assegurar prioridade postal?

Há um elemento temporal a ser observado. Só é típica a conduta realizada “du-rante os 60 dias anteriores à data marcada para as eleições”. Tal limitação é justificada pela urgência com que o material de propaganda deve chegar a seu destino.

O delito em exame é doloso, não sendo prevista a forma culposa. O dolo é de dano e genérico, consistindo na vontade livre e consciente de negar prioridade à remessa do material de propaganda eleitoral no período aludido.

Ademais, o dolo é direto. Abrange o conhecimento por parte do empregado dos Correios do conteúdo do invólucro, pois só assim ele poderá desatender à prioridade postal deferida aos partidos políticos. Não é razoável a admissão do dolo eventual, pois é preciso que o agente saiba, com certeza, da natureza do conteúdo do invólucro, ou seja: é mister que ele saiba que o conteúdo se trata de material de propaganda eleitoral de candidatos. A ausência desse conhecimento afasta a tipicidade da conduta.

Trata-se de crime formal cuja consumação se dá com a omissão do agente. Não se exige que haja prejuízo aos candidatos.

Por se tratar de crime omissivo próprio, não se admite a tentativa.

Sanção – a pena é exclusivamente pecuniária, consistindo no pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Cuida-se, pois, de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se tran-sação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Também se admite a suspensão condicional do processo.

Art. 339 Destruir, suprimir ou ocultar urna ou documentos eleitorais

“Art. 339 – Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou docu-mentos relativos à eleição:

Pena – reclusão de dois a seis anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Page 168: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 159

Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleito-ral e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é agravada.”

O presente dispositivo tem por objeto a tutela da veracidade, correção e confiabi-lidade dos dados pertinentes aos resultados das eleições. Deveras, as condutas aí pre-vistas podem desnaturar a apuração dos votos e a totalização dos resultados das elei-ções, podendo mesmo provocar a reiteração da votação na respectiva seção eleitoral.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa – por si mesma, mediante coautoria ou participação de terceiros.

Dois são os objetos materiais: a) urna contendo votos; b) documentos relativos à eleição.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal é de ação múltipla, sendo seus núcleos formados pelas elementares “destruir”, “suprimir” e “ocultar”.

A conduta típica refere-se à destruição, supressão ou ocultação de urna contendo votos ou documentos relativos a eleição.

No presente contexto, destruir tem o sentido de inutilizar, arruinar, extinguir. Já suprimir possui o sentido de retirar, eliminar, subtrair. Por fim, ocultar significa escon-der, encobrir, velar, dissimular.

O emprego da partícula ou indica que se trata de tipo misto alternativo. De ma-neira que há fungibilidade entre as várias condutas, sendo que a realização de mais de uma delas implica o cometimento de um só delito, não havendo que se falar em concurso de crimes.

Quanto à urna, o delito pode ter por objeto tanto a eletrônica quanto a de lona. Em qualquer caso, é essencial que contenha votos. Para a urna eletrônica isso significa dizer que a votação ainda não foi encerrada.

Note-se, porém, que, no que concerne à urna eletrônica, sua destruição ou provo-cação de dano físico faz incidir o disposto no art. 72, III, da Lei no 9.504/97, que, aliás, prevê pena bem mais severa.32 Nesse particular, o enfocado art. 339 restou derrogado.

Caso a urna esteja vazia (ou, no caso da urna eletrônica, se os votos já tiverem sido apurados) a conduta será atípica em relação ao enfocado art. 339. Mas, conforme os fatos ocorrerem, o agente poderá responder por outro delito, como o do art. 340 do CE, o do art. 72, III, da Lei no 9.504/97, ou mesmo pelo crime de dano previsto no art. 163 do Código Penal.

Note-se que a destruição, supressão ou ocultação de urna contendo votos impe-de que estes sejam devidamente apurados e computados, o que prejudica a verdade

32 Reza esse dispositivo: “Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: [...] III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização de votos ou a suas partes.”

Page 169: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

160 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

dos resultados das eleições, podendo mesmo impor a realização de nova votação na respectiva seção eleitoral. No caso de votação por cédulas (LE, art. 59 – realizada ex-cepcionalmente, apenas se houver falha insuperável da urna eletrônica e dos procedi-mentos de contingência), depositadas em urna de lona, a destruição desta ainda obsta a eventual conferência dos votos caso haja posterior questionamento.

Já quanto aos documentos relativos à eleição, esse termo, documentos, deve ser tomado em sentido amplo. Assim, abrange mídias eletrônicas usadas na operaciona-lização do sistema eletrônico de votação, apuração e totalização de votos, bem como boletim de urna – BU.

O crime em exame é material. Sua consumação exige a realização do resultado previsto.

Possível é a tentativa.

O tipo subjetivo consiste no dolo de dano, genérico, traduzido na vontade livre e consciente de praticar as condutas descritas.

Não há previsão de um elemento subjetivo do tipo, atinente a um especial fim de agir por parte do autor. Assim, indiferente é o motivo que seduziu o agente. Irrele-vante, ainda, é a ocorrência de prejuízo para a totalização das eleições; se esse vier a acontecer, tal significará mero exaurimento da ação típica.

Sanção – a pena é de reclusão de dois a seis anos e pagamento de cinco a 15 dia--multa.

Considerando os limites mínimo e máximo da pena privativa de liberdade, não são cabíveis nem transação penal, nem suspensão condicional do processo.

Nos termos do art. 1o, I, e, da LC no 64/90, a decisão condenatória, transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, determina a inelegibilidade do agen-te desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena.

O parágrafo único do enfocado art. 339 prevê uma causa de aumento, nos seguintes termos: “Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleitoral e comete o crime pre-valecendo-se do cargo, a pena é agravada.” Embora não tenha sido indicado o quantum, esse deve ser fixado entre um quinto e um terço, conforme estabelece o art. 285 do CE.

Distinção – se a intenção do agente for tão somente causar dano físico a equipa-mento usado na votação (urna eletrônica) e ou na totalização de votos, poderá respon-der pelo crime previsto no art. 72, III, da Lei no 9.504/97.

Jurisprudência

“Recurso criminal. Eleições de 1994. Prática do crime previsto no art. 339 do código: destruição de urna eleitoral. Decisão de primeira instân-cia que, julgando parcialmente procedente a denúncia oferecida, excluiu da condenação um dos acusados, por ausência de prova de sua participa-ção. [...] 2 – Mérito: relativamente ao elemento excluído da condenação

Page 170: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 161

pelo douto magistrado a quo, a existência de indícios de sua participação no ilícito apurado mostra-se insuficiente para, de per si, provocar a apli-cação de sanção criminal, uma vez que, comprovadamente, em nenhum momento esteve ele presente no interior da seção eleitoral cuja urna fora destruída. 3 – Recurso desprovido. Maioria de votos.” (TRE/MG – RC no 3A/97 – DJMG 17-6-1997, p. 31).

Art. 340 Fabricar, adquirir, fornecer, subtrair ou guardar materiais de uso exclusivo da Justiça Eleitoral

“Art. 340. Fabricar, mandar fabricar, adquirir, fornecer, ainda que gratui-tamente, subtrair ou guardar urnas, objetos, mapas, cédulas ou papéis de uso exclusivo da Justiça Eleitoral:

Pena – reclusão até três anos e pagamento de 3 a 15 dias-multa.

Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleito-ral e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é agravada.”

O presente dispositivo tem por objetivo resguardar a autenticidade, lisura e con-fiabilidade de objetos, materiais e documentos empregados pela Justiça Eleitoral na realização das eleições e, pois, no controle da investidura político-eletiva.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa – por si mesma, mediante coautoria ou participação de terceiros.

Sujeito passivo é a sociedade.

Como objeto material, têm-se “urnas, objetos, mapas, cédulas ou papéis de uso exclusivo da Justiça Eleitoral”. Essa lista é aberta, numerus apertus, nela podendo ser incluídos quaisquer outros objetos de uso exclusivo da Justiça Eleitoral, a exemplo de softwares específicos como cartão de memória de votação, mídia para gravação de arquivos, mídias com aplicativos de urna e de gravação de resultado. Os objetos, por-tanto, são exclusivos da Justiça Eleitoral e devem ter relação direta com o exercício do sufrágio e as eleições.

O tipo legal é de ação múltipla, sendo seus núcleos formados pelas elementares “fabricar” (criar, produzir, manufaturar), “mandar fabricar” (determinar que outrem produza), “adquirir” (obter, colher, pegar), “fornecer” (ministrar, prover, entregar, abastecer), “subtrair” (tirar, apossar), “guardar” (salvar, depositar).

Trata-se de tipo misto alternativo. A realização, no mesmo contexto, de mais de uma dessas condutas implicará o cometimento de um só delito, não havendo que se falar em concurso de crimes.

As condutas incriminadas denotam mera preparação de outro ilícito. A prática desse último pelo mesmo agente implicará a absorção, por ele, do crime do art. 340 do CE, respondendo o autor por um só crime.

Page 171: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

162 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

No que concerne à subtração de urna, o delito pode ter por objeto tanto a eletrônica quanto a de lona. Essa última deve estar vazia, pois se contiver cédulas com votos o crime será o do art. 339 do CE.

O delito em exame é material. Sua consumação se dá com a fabricação, aquisição, fornecimento, subtração ou guarda dos objetos aludidos.

Possível é a tentativa, exceto nas hipóteses em que o agente manda fabricar e guarda.

Na modalidade de guardar o crime é de natureza permanente, de modo que sua consumação se protrai no tempo.

O tipo subjetivo consiste no dolo genérico, traduzido na vontade livre e conscien-te de praticar as condutas descritas, sabendo o agente, de forma inequívoca, que a urna, os objetos e os materiais são de uso exclusivo da Justiça Eleitoral.

Não há previsão de um elemento subjetivo do tipo, atinente a um especial fim de agir por parte do autor. Assim, indiferente é o motivo que levou o agente a praticar a conduta incriminada. Ademais, é irrelevante que venha a suceder qualquer dano ou prejuízo para a Justiça Eleitoral.

Sanção – a pena é de reclusão de um a três anos e pagamento de 3 a 15 dias-multa. Chama a atenção a desproporção entre as penas privativa de liberdade e pecuniária.

Tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a sus-pensão condicional do processo.

Nos termos do art. 1o, I, e, da LC no 64/90, a decisão condenatória, transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, determina a inelegibilidade do agen-te desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena.

O parágrafo único do enfocado art. 340 prevê uma causa de aumento, nos seguintes termos: “Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleitoral e comete o crime pre-valecendo-se do cargo, a pena é agravada.” Embora não tenha sido indicado o quantum, esse deve ser fixado entre um quinto e um terço, conforme estabelece o art. 285 do CE.

Distinção – na propaganda eleitoral, é vedada a utilização de artefato que se asse-melhe a urna eletrônica. O propósito dessa vedação é evitar que o eleitor fique confu-so com relação ao manejo da urna eletrônica (TSE – Res. no 21.161/2002).

Jurisprudência

“Eleitoral. Penal. Fragilidade da prova. Prescrição da pretensão punitiva. 1. Para a caracterização do delito previsto no art. 340 do Código Eleitoral é necessário prova de que o acusado tinha ciência do fato. 2. Ocorre a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva quando, fixada a pena em concreto em um ano, com trânsito em julgado para a acusação, ocorreu lapso superior a quatro anos entre a data do fato e a denúncia.” (TRE/DF – PCRIM 20 – DJ, v. 3, 19-3-1991, p. 56).

Page 172: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 163

Art. 341 Retardar ou não publicar atos da Justiça Eleitoral

“Art. 341. Retardar a publicação ou não publicar, o diretor ou qualquer outro funcionário de órgão oficial federal, estadual, ou municipal, as de-cisões, citações ou intimações da Justiça Eleitoral:

Pena – detenção até um mês ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.”

O art. 5o, LXXVIII, da Constituição Federal estabelece o direito fundamental à “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua trami-tação”.

A necessidade de a jurisdição ser prestada em tempo razoável é especialmente relevante no Direito Eleitoral, tanto que a legislação prevê tramitação célere para os procedimentos eleitorais. A rapidez é especialmente relevante nessa seara porque o processo eleitoral (em sentido amplo) se desenvolve em período determinado (dentro do qual as campanhas dos candidatos são realizadas), as eleições têm data certa para serem realizadas e os mandatos são temporários. Isso também explica a exiguidade dos prazos eleitorais.33

Nesse contexto, o bem tutelado pelo art. 341 do CE é a duração razoável dos processos eleitorais, de maneira que a demora em sua tramitação não torne inócua a prestação jurisdicional.

O delito é próprio, só podendo ser cometido por “diretor ou qualquer outro fun-cionário de órgão oficial federal, estadual, ou municipal” incumbido de publicar os atos da Justiça Eleitoral.

Trata-se de crime omissivo próprio, pois a omissão figura como elemento do tipo penal. O núcleo do tipo é formado pelas elementares “retardar” (adiar, demorar, de-longar, prolongar) e “não publicar”.

Sujeito passivo é a sociedade.

A conduta típica refere-se a retardar a publicação ou não publicar decisões, cita-ções ou intimações da Justiça Eleitoral.

33 Note-se que no período do processo eleitoral compreendido entre 5 de julho (dia legalmente previsto para o protocolo do pedido de registro de candidatura) até a proclamação dos candidatos eleitos, os prazos dos processos respectivos (ex.: registro de candidatura, impugnação ao pedido de registro de candidatu-ra (AIRC), representação por propaganda irregular etc.) correm nos finais de semana e feriados, não se suspendendo nem se interrompendo. Nesse sentido, dispõe o art. 16 da LC no 64/90: “Os prazos a que se referem o art. 3o e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados.” Em processos de direito de resposta a urgência é ainda maior, pois a lei fixa o prazo máximo de 72 horas da data da formulação do pedido para que a decisão judicial seja prolatada, sendo prevista convocação de juiz auxiliar e até mesmo sanção à autoridade judicial que descumprir prazos (LE, art. 58, §§ 2o, 7o e 9o). Isso faz com que os prazos na representação em que se busca direito de resposta situem-se entre os mais rigorosos da legislação eleitoral, o que torna esse procedimento extremamente cé-lere. Quer o legislador que a resposta não venha a destempo, pois isso contribuiria para perpetuar o agravo cometido pelo agente em detrimento do equilíbrio da disputa.

Page 173: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

164 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Não há dúvida de que a protelação ou a não publicação do ato oficial pode carrear benefício a uma das partes no processo jurisdicional em prejuízo da outra parte e da própria sociedade. Imagine-se, e.g., situação em que mandato político é cassado por abuso de poder sem que a decisão judicial seja publicada; considerando que a eficácia da decisão só surge com a publicação, se essa não for ultimada no tempo devido, é evidente que o réu exercerá mandato ilegítimo.

O delito em exame é doloso, não sendo prevista a forma culposa. O dolo consiste na vontade livre e consciente de realizar as condutas aludidas, sabendo o agente que se trata de atos da Justiça Eleitoral.

Trata-se de crime formal cuja consumação se dá com a omissão do agente. Não se exige que haja prejuízo concreto às partes no processo.

Por se tratar de crime omissivo próprio, não se admite a tentativa.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a um mês ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Cuida-se, pois, de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se tran-sação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Também se admite a suspensão condicional do processo.

Distinção – o art. 319 do Código Penal prevê o crime de prevaricação nos seguintes termos: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.” Com esse não deve ser confun-dido o delito do enfocado art. 341 do CE. É que a prevaricação, além de conter um elemento normativo expresso no termo “indevidamente”, ainda requer a presença de um elemento subjetivo do tipo consistente na finalidade de se “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Jurisprudência

“Edital publicado pela imprensa oficial com 15 dias de atraso. 1. Na impossibilidade de solucionar o impasse decorrente do retardamento, condescende-se com a dilatação do prazo para julgamento das impugna-ções, reduzindo-se, todavia, pela metade os prazos fixados para os órgãos da Justiça Eleitoral no Amazonas. 2. Instauração de inquérito policial para apurar eventual culpabilidade penal (CE, art. 341).” (TSE – CTA no 6.606/AM – DJ 30-9-1982, p. 1).

Page 174: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 165

Art. 342 Não apresentar denúncia no prazo legal

“Art. 342. Não apresentar o órgão do Ministério Público, no prazo legal, denúncia ou deixar de promover a execução de sentença condenatória:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-multa.”

A ação penal eleitoral é pública incondicionada, sendo o Ministério Público o seu titular privativo (dominus litis – CF, art. 129, I). No processo penal vige o princípio da obrigatoriedade da ação penal, pelo qual o Ministério Público é obrigado a promover a ação penal ante a ocorrência de fato que entenda delituoso. A esse respeito, ressalta Pacelli de Oliveira (2012, p. 121) que estar obrigado

“à promoção da ação penal significa dizer que não se reserva ao parquet qualquer juízo de discricionariedade, isto é, não se atribui a ele qualquer liberdade de opção acerca da conveniência ou da oportunidade da inicia-tiva penal, quando constatada a presença de conduta delituosa, e desde que satisfeitas as condições da ação penal. A obrigatoriedade da ação penal, portanto, diz respeito à vinculação do órgão do Ministério Público ao seu convencimento acerca dos fatos investigados, ou seja, significa apenas ausência de discricionariedade quanto à conveniência ou oportu-nidade da propositura da ação penal”.

Do princípio da obrigatoriedade decorre a indisponibilidade da ação penal (CPP, art. 42), pelo que o órgão do Ministério Público não possui a faculdade de dispor ou desistir de ação penal ajuizada, já em curso. Como corolário, nos termos do art. 576 do CPP, indisponível é também o recurso, se for interposto.

No âmbito do procedimento comum, o art. 357, caput, do CE fixa o prazo de dez dias para que o órgão do MP Eleitoral ofereça denúncia, dando, pois, início ao proces-so penal. Mas não é esclarecido se esse prazo é para a hipótese de o investigado encon-trar-se solto ou preso cautelarmente. Considerando que o art. 46 do CPP determina que a denúncia deve ser oferecida em cinco dias se o investigado estiver preso, esse mesmo lapso de cinco dias deve ser observado na seara eleitoral por força da analogia autorizada pelo art. 364 do CE. Assim, a denúncia deve ser oferecida em cinco ou dez dias conforme o investigado esteja preso ou solto respectivamente.

Já no procedimento especial, a denúncia deve ser oferecida no prazo de cinco dias se o réu estiver preso, e 15 dias se solto (Lei no 8.038/1990, art. 1o, caput, e § 2o, a).

No entanto, se não estiver convencido do delito e entender imprescindíveis no-vos esclarecimentos para a formação de seu juízo (opinio delicti), em vez de oferecer denúncia, poderá o órgão do MP retornar os autos do inquérito à autoridade policial com a requisição de novas diligências (CPP, art. 16).

Page 175: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

166 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Por outro lado, se não se convencer da ocorrência de crime, é dado ao órgão mi-nisterial pleitear ao juiz o arquivamento do inquérito (CE, art. 357, § 1o; CPP, art. 28). Nesse caso, se o juiz discordar das razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao órgão superior do MP Eleitoral,34 e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Permanecendo, porém, inerte o órgão do parquet, o art. 5o, LIX, da Constituição Federal autoriza o ajuizamento de “ação privada nos crimes de ação pública”.

Nesse contexto, o bem tutelado pelo art. 342 do CE é a observância do princípio da obrigatoriedade da ação penal.

O delito é de mão própria ou de atuação pessoal, só podendo ser cometido por “ór-gão do Ministério Público”. Isso porque a ação penal pública é privativa do Ministério Público, sendo vedado o seu exercício por quem não integrar essa instituição. Daí não se admitir concurso de pessoas na forma de coautoria, mas tão somente de participação.

Assim, esse crime só poderá ser cometido por: 1) promotor eleitoral, se o inves-tigado não tiver foro privilegiado; 2) procurador regional eleitoral, se o tiver no TRE; 3) subprocurador-geral da República, se o investigado tiver foro no Superior Tribunal de Justiça; 4) procurador-geral da República, se o investigado tiver foro perante o Supremo Tribunal Federal.35 Vê-se, pois, que nem sempre é necessário que o agente ministerial esteja investido em função eleitoral para cometer o delito em exame.

Sujeito passivo é a sociedade.

Trata-se de crime omissivo próprio, pois a omissão figura como elemento do tipo penal. O núcleo do tipo é formado pelas elementares “não apresentar” e “deixar de promover”.

Duas são as condutas típicas: 1) não apresentar o órgão do Ministério Público, no prazo legal, denúncia; 2) deixar de promover a execução de sentença condenatória.

Desde logo, registre-se que a segunda hipótese é de impossível ocorrência no sis-tema atual, tendo se tornado letra morta. Isso porque a pena criminal será privativa de liberdade ou pecuniária. Sendo privativa de liberdade, transitada em julgado a sen-tença penal condenatória, a execução se dá a partir de carta de guia de recolhimento, cuja expedição é determinada ex officio pelo juiz, nos termos do art. 105 da Lei no 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP).36

34 Esse órgão é a 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Nesse sentido: Enunciado no 29 daquela Câmara; TSE – REspe no 25030/MG – DJ 15-5-2007, p. 158.

35 O TSE não possui competência originária para conhecer e julgar crime eleitoral, pois essa foi entregue aos STJ e STF. Diante disso, o vice-procurador-geral eleitoral não pode cometer o delito em exame, já que ele só atua perante a Corte Superior Eleitoral.

36 Eis o texto do art. 105 da LEP: “Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de li-berdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”

Page 176: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 167

Tal situação não se altera se a pena privativa de liberdade for substituída por res-tritiva de direitos (CP, art. 44). Primeiro, porque a execução da restrição de direitos se dá por impulso oficial. Segundo, porque “a pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta” (CP, art. 44, § 4o).

Já no caso de aplicação de pena pecuniária, por força do disposto no vigente art. 51 do Código Penal (com a redação da Lei no 9.268/96),37 a multa decorrente de sen-tença penal condenatória é considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Embora muito se tenha discutido acerca da legitimidade ativa para ajuizamento da execução da pena de multa, pacifi-cou-se na jurisprudência a interpretação segundo a qual, face à redação do art. 51 do CP, a legitimidade para a ação em tela é da Procuradoria da Fazenda Pública (e não do Ministério Público). Confira-se:

“1. Em essência, a controvérsia circunvolve-se à legitimidade da Fazenda Pública para propor a execução da pena de multa, com o advento da Lei no 9.268, de 1o-4-1996. 2. No caso, de acordo com a jurisprudência do STJ, com o advento da Lei no 9.268/96, a qual forneceu nova redação ao art. 51, do CP, afastou-se do Ministério Público a legitimidade para pro-mover a execução de pena de multa imposta em decorrência de processo criminal. Diante disso, atribui-se a competência à Procuradoria da Fazen-da Pública, havendo juízo especializado para a cobrança da dívida, que não o da Vara de Execuções Penais. 3. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 4. Agravo regi-mental a que se nega provimento.” (STJ – AgRgREsp 1.111.981/RS – 6a Turma – DJe 17-12-2010).

“1. Embora a multa ainda possua natureza de sanção penal, a nova redação do art. 51, do Código Penal, trazida pela Lei no 9.268/96, de-termina que após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a pena pecuniária deve ser considerada dívida de valor, saindo da esfera de atuação do Juízo da Execução Penal, e se tornando responsabilidade da Fazenda Pública, que poderá ou não executá-la, de acordo com os patamares que considere relevante. 2. O Juízo da Execução, portanto, após o cumprimento integral da pena privativa de liberdade, ainda que pendente o pagamento da pena de multa, deve extinguir o processo de execução criminal. 3. Ordem concedida para determinar o arquivamen-

37 Dispõe o art. 51 do CP: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dí-vida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”

Page 177: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

168 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

to do processo de execução criminal,” (STJ – HC 147.469/SP – 5a Turma – DJe 28-2-2011).

Em tal quadro, é impossível que o órgão do Ministério Público realize a conduta descrita naquela segunda hipótese, ou seja, que deixe “de promover a execução de sentença condenatória”. Pois, ou a execução da pena se dá propter officium ou sua ini-ciativa é da Procuradoria da Fazenda Pública.

Já a primeira hipótese (não apresentar o órgão do MP, no prazo legal, denúncia) parece ser plausível.

Nesse caso, porém, é mister que a regra legal seja contextualizada e lida em con-sonância com a Constituição Federal. Isso porque, ao receber o inquérito, o órgão do MP pode, em vez de apresentar denúncia, requerer novas diligências para definir sua opinio delicti ou, então, pugnar pelo arquivamento dos autos. Nesses dois casos, a não apresentação de denúncia não poderia implicar o cometimento de qualquer ilícito pelo órgão do MP. Do contrário, haveria vitanda violação de sua liberdade de convicção e, portanto, da independência funcional que a Lei Maior lhe assegura no § 1o de seu art. 127.

Destarte, a conduta típica em exame deve significar que o órgão ministerial man-tém-se inerte, sem nenhuma providência adotar, no prazo legal para oferecimento de denúncia.

A experiência mostra que, em certos casos, a inação do parquet na seara criminal pode carrear benefícios ao investigado, ainda que indiretamente. Por exemplo, a pa-ralisação de inquérito policial (pela não adoção das providências legais pertinentes) pode preservar o candidato ou o pré-candidato de críticas e de ser avaliado pelos ci-dadãos com base na verdade de sua história. Isso subtrai do eleitor a possibilidade de formar adequadamente sua convicção, afetando a sinceridade do voto e das eleições. A omissão em exame adquire especial relevo em momentos cruciais de definição po-lítica, como são os de campanha e pré-campanha eleitoral. Parece claro, então, que a inação do órgão do MP pode, sim, influir o curso das eleições.

A elementar “no prazo legal” significa que a conduta só será típica se a omissão do parquet extrapolar os prazos legalmente fixados. Na seara eleitoral, tais prazos são de cinco, dez ou 15 dias conforme o investigado esteja preso ou solto, goze ou não de foro privilegiado. Os prazos são contados a partir da data do recebimento dos autos de inquérito policial no Ministério Público.

O delito em exame é doloso, não sendo prevista a forma culposa. O dolo consiste na vontade livre e consciente de o agente omitir-se quanto à adoção, no prazo legal, das medidas legais pertinentes no âmbito de investigação criminal, seja não requeren-do novas diligências no inquérito policial, seja não promovendo o arquivamento dos autos, seja, enfim, não apresentando denúncia ao órgão jurisdicional.

Trata-se de crime formal cuja consumação se dá com a omissão do agente.

Por se tratar de crime omissivo próprio, não é possível a tentativa.

Page 178: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 169

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-multa.

Cuida-se, pois, de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se tran-sação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Também se admite a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Recurso criminal. Prazo de oferecimento da denúncia. Nulidade da oi-tiva de testemunhas para o que não foram intimados os réus. Inépcia da denúncia, se não pormenoriza os atos que genericamente tipifica de boca de urna. A inobservância do prazo a que alude o artigo 357 do Código Eleitoral, de que a denúncia seja oferecida em 10 dias, não importa em extinção do processo, nem mesmo em preclusão, mas apenas possibilita ao ofendido a instauração de ação penal privada, subsidiária e a aplicação das medidas previstas nos §§ 3o e 4o, do mencionado artigo do Código Eleitoral.” (TRE/PR – PROC n. 136 – DJ 14-9-2006).

“Notícia-crime. Retardamento de publicações eleitorais e omissão do Ministério Público. Delitos tipificados nos arts. 341 e 342 da Lei no 4.737/65. Atipicidade penal dos fatos narrados. Arquivamento.” (TRE/RS – INQ no 11001500 – DJe 22-11-2001, p. 50).

Art. 343 Omitir-se o juiz no controle da obrigatoriedade da ação penal

“Art. 343. Não cumprir o juiz o disposto no § 3o do Art. 357:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-multa.”

Esse art. 343 remete ao anterior, com ele possuindo íntima relação. Ademais, trata-se de norma penal em branco, pois a definição de seu sentido requer a comple-mentação do § 3o do art. 357 do CE, que reza: “Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal representará contra ele a autoridade judiciária, sem prejuízo da apuração da responsabilidade penal.”

À luz dessa regra, o juiz deve fiscalizar a observância do princípio da obrigato-riedade pelo órgão do Ministério Público, conforme há pouco exposto no art. 342. Assim, se o órgão ministerial permanecer inerte após o vencimento dos prazos legais fixados para sua atuação no inquérito policial, deve o magistrado contra ele represen-tar. A representação deve ser dirigida à Corregedoria do Ministério Público (a própria

Page 179: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

170 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

do órgão ou a nacional ligada ao Conselho Nacional do MP), a quem incumbe apurar o fato e adotar a medida correcional apropriada.

A omissão do juiz em representar contra o desidioso órgão ministerial perfaz a conduta incriminada no dispositivo em exame.

Ocorre, porém, que o delito previsto no vertente art. 343 do CE não subsiste no atual sistema jurídico, notadamente por não ter sido recepcionado pela Constituição Federal.

Deveras, é ele incompatível com o sistema acusatório albergado na Lei Maior e delineado na legislação infraconstitucional. Se não cabe ao juiz tutelar o inquérito e a investigação nele desenvolvida, tampouco lhe incumbe a tutela da atuação do Mis-tério Público. Mesmo porque isso ofenderia a autonomia funcional reconhecida ao Ministério Público.

Some-se a isso o fato de, atualmente, encontrarem-se derrogadas algumas regras do Código de Processo Penal atinentes à tramitação do inquérito policial. Se antes essa tramitação passava sempre e necessariamente pelo Poder Judiciário, hoje isso só ocorre em caráter excepcional. Em regra, a tramitação do inquérito ocorre dire-tamente entre Polícia Judiciária e Ministério Público. A intervenção do juiz na fase pré-processual só se faz necessária em determinados casos, notadamente quando a atuação da jurisdição se torna necessária para resguardar a liberdade do investigado ou assegurar a eficácia de algum outro direito fundamental. Assim, a intervenção judicial no inquérito ocorre, por exemplo, na hipótese de comunicação de prisão em flagrante, quando houver representação ou requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público com vistas à decretação de prisão cautelar ou de medidas constri-tivas ou de natureza acautelatória.

A tramitação direta de inquérito policial entre a polícia judiciária e o Ministério Público atende à necessidade de desburocratização da fase pré-processual penal. Ela encontra fundamento em várias decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), es-pecialmente no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) no 599/2007. No âmbito da Justiça Federal, esse tema é regulamentado pela Resolução no 63/2009 do Conselho da Justiça Federal (CJF).38 Com base nesses atos, os tribunais passaram a regulamentar, em resoluções próprias, a tramitação direta de inquérito policial – in-clusive os tribunais eleitorais, como demonstram as resoluções no 05/2012 do TRE/

38 Dispõe a Resolução no 63/2009 do CJF: “Art. 1o Os autos de inquérito policial somente serão admitidos para registro, inserção no sistema processual informatizado e distribuição às Varas Federais com compe-tência criminal quando houver: a) comunicação de prisão em flagrante efetuada ou qualquer outra forma de constrangimento aos direitos fundamentais previstos na Constituição da República; b) representação ou requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal para a decretação de prisões de natureza cautelar; c) requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal de medidas constritivas ou de natureza acautelatória; d) oferta de denúncia pelo Ministério Público Federal ou apre-sentação de queixa crime pelo ofendido ou seu representante legal; e) pedido de arquivamento deduzido pelo Ministério Público Federal; f) requerimento de extinção da punibilidade com fulcro em qualquer das hipóteses previstas no art. 107 do Código Penal ou na legislação penal extravagante.”

Page 180: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 171

BA, no 147/2013 do TRE/RR; no 15.067/2010 do TRE/AL; no 535/2013 do TRE/CE; no 459/2011 do TRE/MS.

Desse contexto extrai-se que o juiz não detém o controle da tramitação do inqué-rito, que tem como único destinatário o Ministério Público, que é o titular da ação penal pública incondicionada. Portanto, não é possível que o juiz controle a atuação do órgão do parquet. 39

Para os padrões atuais, o máximo que se poderia cogitar na espécie delitual enfo-cada é, dependendo das circunstâncias, a ocorrência de falta funcional cometida pelo juiz, desde que ele tenha inequívoco conhecimento da ocorrência do crime. Observe-se que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN (LC no 35/79) estabelece em seu art. 42 o rol de penas disciplinares aplicáveis ao juiz. A advertência é prevista para o “caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo” (art. 43), enquan-to a censura pressupõe a “reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave”. Isso, é claro, se se entender como dever do órgão judicial realizar a representação de que cogita o § 3o do art. 357 do CE.

Art. 344 Recusar ou abandonar serviço eleitoral

“Art. 344. Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.”

O êxito na realização das eleições requer o desenvolvimento de complexa logísti-ca, sendo intenso e permanente o trabalho realizado. Mas a Justiça Eleitoral não pos-sui em seu quadro pessoal suficiente para realizar todos os procedimentos das elei-ções. Afinal, a população brasileira já chegou a 200 milhões de pessoas, entre as quais contavam-se, nas eleições municipais de 2012, 140.646.446 de eleitores (http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleicoes-2012). Por isso, há mister que os cidadãos cooperem com a realização dos trabalhos atinentes à colheita de votos e apu-ração do resultado. Não por outra razão, os serviços prestados à Justiça Eleitoral são classificados como de relevância pública. Não há dúvida de que se trata de uma das dimensões de realização da cidadania.

A Junta Eleitoral é composta por “um juiz de direito, que será o presidente, e de 2 (dois) ou 4 (quatro) cidadãos de notória idoneidade” (CE, art. 36). Seus membros devem ser nomeados até 60 dias antes do pleito (§ 1o). Nos termos do art. 40 do CE, entre outras coisas, compete a esse órgão apurar as eleições reali-zadas nas zonas eleitorais sob a sua jurisdição e expedir diploma aos eleitos para cargos municipais.

39 Foi nesse mesmo sentido o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao apreciar, na sessão plenária de 21-5-2014, o pedido cautelar formulado na ADI no 5104/DF (DJe 6-6-2014).

Page 181: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

172 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Por outro lado, a cada seção eleitoral corresponde uma mesa receptora de votos e/ou justificativas que, em regra, é constituída por um presidente, um primeiro e um segundo mesários, dois secretários e um suplente; as nomeações para o exercício des-sas funções são feitas pelo juiz eleitoral até 60 dias antes das eleições. Os nomeados são intimados, por via postal ou por outro meio eficaz, para constituírem as mesas receptoras de votos nos dias, horário e lugares designados (CE, art. 120). A eles é ministrado treinamento específico sobre suas atribuições.

Às 7 horas do dia marcado para a votação, os membros das mesas receptoras já devem estar em suas respectivas seções, cumprindo-lhes verificar se o material reme-tido pelo juiz eleitoral e a urna estão em ordem, bem como se se encontram presentes fiscais dos partidos políticos e das coligações (CE, art. 142).

O bem tutelado pelo art. 344 do CE é o regular funcionamento dos serviços elei-torais concernentes à votação e apuração de votos.

O delito é próprio, pois só pode ser cometido por quem tiver sido nomeado para integrar junta eleitoral ou mesa receptora de votos e/ou justificativas.

Sujeito passivo é a sociedade.

Trata-se de crime omissivo e comissivo. O núcleo do tipo é formado pelas elemen-tares “recusar” e “abandonar”.

A conduta típica refere-se a recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa.

Recusar tem o sentido de rejeitar, negar, repelir. A recusa pode ocorrer em dois momentos: i) quando o agente é nomeado para o exercício das funções respectivas e, após isso, se recusa a aceitar a nomeação; ii) quando, já nomeado, deixa de compare-cer ao local indicado para a prestação do serviço eleitoral. Nesse último caso a conduta é omissiva.

Abandonar, por sua vez, significa desertar, desistir, largar, desamparar. Nesse caso, malgrado o agente tenha se apresentado ao local designado para prestar o serviço, largou-o, deixando a equipe desfalcada. Aqui, portanto, há interrupção do trabalho que vinha sendo prestado.

Não há dúvida de que o abandono reveste maior gravidade, pois pode acarretar prejuízo ao serviço eleitoral em andamento.

O tipo legal prevê o elemento normativo “sem justa causa”. De sorte que é essen-cial para sua configuração que a recusa ou o abandono ocorram de forma imotivada, sem que se apresente uma razão justa, razoável. A questão deve ser decidida pelo juiz eleitoral. Havendo justa causa, atípica será a conduta.

No caso de recusa de mesário, determina o art. 120, § 4o, do CE que os motivos justos “somente poderão ser alegados até 5 (cinco) dias a contar da nomeação, salvo se sobrevindos depois desse prazo”.

O delito em exame é doloso, não sendo prevista forma culposa. O dolo consiste na vontade livre e consciente de realizar as condutas aludidas, sem que se apresente um motivo justo.

Page 182: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 173

Trata-se de crime formal cuja consumação se dá com a recusa ou o abandono. Não se exige que haja prejuízo concreto aos serviços eleitorais.

Não é possível a tentativa.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de 15 dias a dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Cuida-se, pois, de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se tran-sação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Também se admite a suspensão condicional do processo.

Distinção – o art. 124 do Código Eleitoral estabelece sanção administrativa de multa para o membro de mesa receptora que, sem justa causa, não comparecer ao local, no dia e hora determinados. Sendo o faltoso servidor público ou autárquico, a pena será de suspensão de até 15 dias (§ 2o). Deixando a mesa receptora de funcionar, tais sanções serão aplicadas em dobro. As sanções também serão duplicadas no caso de abandono dos trabalhos sem justa causa.

Essas sanções não prejudicam a ocorrência do delito previsto no vertente art. 344. Por se tratar de sanções de naturezas distintas – uma penal e outra administrativa –, não há falar em bis in idem ou dupla punição pelo mesmo fato. Nessa linha:

“Recurso – Crime eleitoral – Mesário faltoso sem justa causa – Art. 344 do Código Eleitoral – Desprovimento. O crime previsto no art. 344 do Código Eleitoral é de mera conduta (crime formal), bastando, para sua tipificação, a ausência, sem justa causa, do mesário regularmente con-vocado. Não constitui atentado ao princípio ne bis in idem o apenamento com base no art. 344, concomitantemente com o art. 124, ambos do Código Eleitoral, por se tratar de penalidades distintas e independentes, previstas em lei.” (TRE/SC – RCRIM no 149 – DJESC, 29-3-1995, p. 41).

No entanto, não foi essa a interpretação esposada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Para esse sodalício, o

“não comparecimento de mesário no dia da votação não configura o cri-me estabelecido no art. 344 do CE, pois prevista punição administrativa no art. 124 do referido diploma, o qual não contém ressalva quanto à possibilidade de cumulação com sanção de natureza penal.” (TSE – HC no 638/SP – DJe 21-5-2009, p. 19).

Em igual sentido:

“Ausência de comparecimento para compor mesa receptora de votos. Não configuração do crime previsto no artigo 344 do Código Eleitoral, uma vez que prevista sanção administrativa, no artigo 124 do mesmo

Page 183: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

174 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Código, sem ressalva da incidência da norma de natureza penal. Entendi-mento relativo ao crime de desobediência que também se aplica no caso, já que constitui modalidade especial daquele. Decisão: por unanimidade, o Tribunal deu provimento ao recurso.” (TSE – RHC no 21/SP – DJ 11-12-1998, p. 69).

Art. 345 Não cumprir deveres no prazo legal

“Art. 345. Não cumprir a autoridade judiciária, ou qualquer funcionário dos órgãos da Justiça Eleitoral, nos prazos legais, os deveres impostos por este Código, se a infração não estiver sujeita a outra penalidade:

Pena – pagamento de trinta a noventa dias-multa.”

No sistema político brasileiro, o controle e a organização das eleições (alista-mento eleitoral, campanha, votação, apuração dos votos, proclamação e diplomação dos eleitos) e resolução dos conflitos delas surgidos foram confiados pelo Legislador Constituinte a um ente especializado, integrante da estrutura do Poder Judiciário, que é a Justiça Eleitoral.

O enfocado dispositivo visa tutelar a regularidade e a eficiência das funções e dos serviços eleitorais. Diga-se, aliás, que a eficiência constitui princípio que informa toda a Administração Pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal.

Ocorre, porém, que o art. 345 do CE não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Porque viola os princípios fundamentais de legalidade em sentido estrito, taxa-tividade e proporcionalidade.

O princípio da legalidade é certamente um dos mais importantes instrumentos constitucionais de proteção da liberdade, sendo expresso no brocardo nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. É previsto expressamente no rol de direitos e garantias fundamentais, in verbis: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (CF, art. 5o, XXXIX).

Mas não basta apenas que haja lei penal prévia, sendo ainda essencial que o tipo penal seja determinado quanto a seu conteúdo. De sorte que a conduta incriminada deve ser descrita de maneira certa, taxativa. É nesse sentido a lição de Ferrajoli (2010, 1.2, p. 39):

“Apenas se as definições das hipóteses de desvio vierem dotadas de re-ferências empíricas e fáticas precisas é que estarão na realidade em con-dições de determinar seu campo de aplicação, de forma tendencialmente exclusiva e exaustiva. De agora em diante denominarei a reserva legal

Page 184: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 175

de ‘princípio de mera legalidade’, que, como queira que se formule, é uma norma dirigida aos juízes, aos quais prescreve a aplicação das leis tais como são formuladas, e usarei a expressão ‘princípio de estrita lega-lidade’ para designar a reserva absoluta de lei, que é uma norma dirigi-da ao legislador, a quem prescreve a taxatividade e a precisão empírica das formulações legais. [...] o princípio da estrita legalidade não admite ‘normas constitutivas’, mas somente ‘normas regulamentares’ do desvio punível: portanto, não admite normas que criam ou constituem ipso jure as situações de desvio sem nada prescrever, mas somente regras de com-portamento que estabelecem uma proibição, quer dizer, uma modalidade deôntica, cujo conteúdo não pode ser mais do que uma ação, e a respeito da qual seja aleticamente possível tanto a omissão quanto a comissão, uma exigível e a outra obtida sem coação e, portanto, imputável à culpa ou responsabilidade de seu autor.”

Ensina, ainda, Ferrajoli (2010, 28.2, p. 346) que a função garantista do princípio da legalidade estrita “reside no fato de que os delitos estejam predeterminados pela lei de maneira taxativa, sem reenvio (ainda que seja legal) a parâmetros extralegais, a fim de que sejam determinados pelo juiz mediante asserções refutáveis e não mediante juízos de valor autônomos”.

Nessa mesma linha de pensamento, anotam Delmanto et al. (2010, p. 78):

“É imprescindível que a lei penal contenha, em seus tipos, termos pre-cisos, delimitados, decorrendo, daí, a taxatividade da lei penal, caracte-rística de sua função garantista. As leis que definem crimes devem, as-sim, marcar exatamente a conduta que objetivam punir, remontando à parêmia nullum crimen, nulla poena sine lege certa (não há crime nem pena sem lei certa). Assim, como decorrência da garantia da reserva legal, não podem ser aceitas leis vagas ou imprecisas, que não deixam perfeitamen-te delimitado o comportamento que pretendem incriminar – os chama-dos tipos penais abertos, como lembra Hans-Heinrich Jescheck (Tratado de Derecho Penal – Parte General, 4a ed., Granada, Editorial Comares, 1993, p. 223). O vício da imprecisão legislativa tem o condão de enodoar o dispositivo legal, por afronta à Magna Carta de 1988 (art. 5o, XXXIX), tornando-o inaplicável.”

Depois de lembrar que tipos penais incriminadores dúbios e repletos de termos valorativos vagos podem dar ensejo ao abuso do Estado e invasão da esfera de liber-dade individual, assinala Nucci (2012, p. 53-54) que, “não fossem os tipos taxativos – limitativos, restritivos, precisos – e de nada adiantaria adotar o princípio da legalidade ou da reserva legal. Este é um princípio decorrente, nitidamente, da legalidade, logo, é constitucional implícito”.

Page 185: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

176 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

A só leitura da descrição contida no art. 345 do CE revela, sem maiores esforços, o quão vaga e imprecisa ela é. Consiste a conduta típica em “não cumprir, nos prazos legais, os deveres impostos por este Código”. Incrimina-se, então, o mero não cum-primento de dever dentro do prazo estipulado. Na letra da lei, o cumprimento tardio de um dever já caracterizaria o delito.

Qual dever? Qualquer um que seja previsto no Código Eleitoral, com a condição de que a infração não esteja “sujeita a outra penalidade”.

Ocorre que o Código Eleitoral prevê inúmeros e variados deveres, inclusive com natureza e conteúdo diversos. Alguns são mais relevantes que outros. Para muitos deveres sequer foi fixado prazo de cumprimento. Alguns, se descumpridos, não lesam de modo relevante qualquer bem jurídico. E há, ainda, deveres previstos em leis elei-torais esparsas, fora do Código, como a Lei no 9.504/97 – o descumprimento desses, no prazo legal, ficaria impune?

Por aí se vê que também o princípio da proporcionalidade penal restou fustigado, pois para condutas objetivamente diferentes, com diversidade de peso valorativo, estabe-leceu-se exatamente a mesma sanção pecuniária de pagamento de “trinta a noventa dias-multa”. Decorre da proporcionalidade a exigência de que a pena seja razoável e adequada em relação à conduta em que incide.

Ora, é evidentemente inconstitucional o tipo penal que incrimine o mero descum-primento de deveres. Impõe-se a descrição das condutas que expressem os deveres merecedores de censura penal. Até mesmo porque, no vigente sistema constitucional de garantias e no atual estágio da civilização, a norma penal deve se apresentar como ultima ratio (e não como prima ratio). Deveras, não há lei penal sem que haja necessida-de, princípio esse expresso no brocardo nulla lex poenalis sine necessitate. De sorte que, antes de se buscar a tutela da lei penal, deve-se procurar outros meios de proteção do bem jurídico visado. Isso também evita que se banalize o sistema penal estatal. No caso, poder-se-ia cogitar de outras medidas, tais como responsabilização no âmbito administrativo.

Jurisprudência

“Representação contra membro do Ministério Público Eleitoral. Respon-sabilidade funcional e desobediência (arts. 94, § 2o e 97 da Lei 9504/97, art. 345, CE e art. 343 do CP). Ausência de tipicidade e antijuridicidade. Improcedência.” (TRE/PR – Rep no 335 – DJ 17-4-2002).

“Representação contra juiz eleitoral. Descumprimento do art. 345, CE e art. 94, Lei no 9504/97. Improcedência. O descumprimento do prazo para realização de audiência prevista no art. 22, V da LC no 64/90 não implica em infração de ordem funcional nem em crime de responsabili-dade, quando demonstrado que o atraso verificado, por si só, não com-

Page 186: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 177

prometeu o interesse tutelado na ação bem como se apurou, pela própria data de ajuizamento da ação, o intenso volume de providências, a exigir a atuação daquele Juízo Eleitoral, primordiais à realização do pleito.” (TRE/PR – Rep no 336 – DJ 23-10-2001).

“Representação. Omissão da junta apuradora em recorrer de ofício, para o fim de realização de eleições suplementares (art. 187, CE), incorrendo nos delitos dos arts. 319 do CP (prevaricação) e 345 do CE (não cumpri-mento das normas desse Código). Improcedência.

Não caracterizado o ilícito penal com relação à junta apuradora.” (TRE/PR – Rep no 7.520 – DJ 10-6-1998).

Art. 346 Permitir o uso de serviço e bem público em benefício de partido

“Art. 346. Violar o disposto no art. 377:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Parágrafo único. Incorrerão na pena, além da autoridade responsável, os servidores que prestarem serviços e os candidatos, membros ou direto-res de partido que derem causa à infração.”

O art. 346 do Código Eleitoral tem natureza de norma penal em branco, pois sua compreensão e aplicação dependem de complementação de outra norma. Conquanto ele descreva uma conduta típica, a descrição demanda o complemento contido no art. 377 do mesmo Código. Esse último dispõe:

“Art. 377. O serviço de qualquer repartição, federal, estadual, municipal, autarquia, fundação do Estado, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo poder público, ou que realiza contrato com este, inclusive o respectivo prédio e suas dependências não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou organização de caráter político.

Parágrafo único. O disposto neste artigo será tornado efetivo, a qualquer tempo, pelo órgão competente da Justiça Eleitoral, conforme o âmbito nacional, regional ou municipal do órgão infrator mediante representa-ção fundamentada partidário, ou de qualquer eleitor.”

O poder político expressa o poder estatal, da polis. A Administração Pública deve sempre observar os princípios constitucionais inscritos no art. 37 da Lei Maior, entre os quais se destacam: legalidade, impessoalidade, moralidade, probidade, publicidade, eficiência, licitação e concurso público. Constitui truísmo dizer que a ação adminis-

Page 187: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

178 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

trativo-estatal deve necessariamente pautar-se pelo atendimento do interesse público. Haverá abuso sempre que, por ação ou omissão, o serviço público for desvirtuado ou corrompido de sua finalidade para beneficiar entes político-partidários.

O vertente art. 346 visa reprimir penalmente uma forma de abuso de poder político, consistente no desvio de finalidade do serviço público e dos bens a ele afetados, realizado por determinado órgão, em benefício de “partido ou organização de caráter político”.

O delito é próprio, só podendo ser cometido pela “autoridade responsável” pelo serviço, bem como pelos “servidores que prestarem serviços e os candidatos, mem-bros ou diretores de partido que derem causa à infração”.

Trata-se de crime plurissubjetivo, pois sua configuração requer a presença de mais de um agente. No caso, há concurso necessário (com condutas convergentes) entre: i) a autoridade que permitir o uso do serviço e dos respectivos bens públicos; ii) os servidores que prestarem os serviços; iii) os beneficiários da cessão irregular, a saber: candidatos, membros ou diretores de partido.

Sujeito passivo é a sociedade.

O crime é comissivo, sendo o núcleo do tipo formado pela elementar “violar”.

Refere-se a conduta típica à infração da determinação contida no art. 377, isto é, à permissão de uso do serviço de qualquer repartição pública, em qualquer esfera es-tatal (federal estadual ou municipal), integrante da Administração direta ou indireta, inclusive o uso do respectivo prédio e suas dependências em benefício de partido ou organização de caráter político.

O objeto material do delito é o “serviço de repartição pública” e os bens públicos afetos a essa atividade, sejam eles móveis ou imóveis.

A conduta pode ser realizada em qualquer época, não se restringindo ao período de campanha eleitoral.

O delito em exame é doloso, não sendo prevista a forma culposa. O dolo é de dano, consistindo na vontade livre e consciente de realizar a ação típica. Admite-se o dolo eventual; afinal, não é razoável que a dúvida (especialmente a da autoridade responsável pelo serviço prestado pelo órgão) sobre a ilicitude da permissão de uso de serviços e bens públicos em benefício de partidos políticos e candidatos, venha a beneficiar os agentes. Na dúvida, deve prevalecer o interesse público consistente na vedação do uso.

Embora de forma indireta e negativa, é previsto um elemento subjetivo do tipo assim expresso: “não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou organização de caráter político”. Isso implica a necessidade de se demonstrar a finalidade de propor-cionar benefício a partido ou organização de caráter político. O parágrafo único do art. 346 estende a incriminação a “candidato”, revelando que o desvio de finalidade do serviço público pode igualmente ter o propósito de beneficiar especificamente certa candidatura; nesse caso, pressupõe-se que o processo eleitoral já esteja em curso. Não havendo a assinalada finalidade, atípico será o fato.

Page 188: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 179

Trata-se de crime material cuja consumação se dá com o uso dos serviços e bens públicos a ele afetos. Não se exige que haja prejuízo aos serviços da repartição.

Admite-se a tentativa.

Sanção – a pena é de detenção de 15 dias a seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinção – O art. 11, V, da Lei no 6.091/1974 incrimina o “utilizar em campanha eleitoral, no decurso dos 90 (noventa) dias que antecedem o pleito, veículos e embar-cações pertencentes à União, Estados, Territórios, Municípios e respectivas autarquias e sociedades de economia mista”.

Fora do âmbito penal, o art. 22, XIV, da LC no 64/90 sanciona o abuso de poder político (“de autoridade”) com inelegibilidade por oito anos, cassação de registro ou de diploma. Já o art. 1o, I, d e h, daquela mesma norma complementar, prevê a decla-ração de inelegibilidade, por oito anos, de quem tiver sido condenado por abuso de poder político. Por fim, o art. 73 da Lei no 9.504/97 prevê hipóteses de condutas vedadas a agentes públicos, as quais são sancionadas com multa (§ 4o), cassação do registro ou do diploma (§ 5o). No que concerne ao tema em exame, destacam-se seus incisos I, II e III. Eis o teor dessas regras:

“Art. 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as se-guintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I – ceder ou usar, em benefício de candi-dato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de con-venção partidária; II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Gover-nos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram; III – ceder servidor públi-co ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado”.

Casos de atipicidade – há casos que em a lei permite o uso de bem ou serviço públi-co. Assim, é permitido: 1) o uso “em campanha, de transporte oficial pelo Presidente

Page 189: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

180 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

da República” (LE, art. 73, § 2o, primeira parte);40 2) o uso “em campanha, pelos candidatos a reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público” (LE, art. 73, § 2o, segunda parte); 3) o uso gratuito, por partidos políticos, de prédios públicos, como escolas, ginásios desportivos, casas legislativas, desde que as atividades neles desen-volvidas não fiquem prejudicadas (LE, art. 8o, § 2o; LOPP, art. 51).

As hipóteses 1 e 2 têm como consequência a permissão do emprego de servido-res públicos que, no exercício de suas funções, cuidem da segurança, preparação de viagem ou conservação das residências oficiais das autoridades aludidas; entretanto, é-lhes vedada a participação em atos típicos de campanha e atos políticos, devendo limitar-se ao cumprimento dos deveres de seus cargos.

Em todos esses casos, por óbvio, não se há cogitar do crime previsto no art. 346 do CE. Se a conduta é permitida, ela é lícita, legal, sendo o fato atípico.

Jurisprudência

“Recurso Especial. Crime eleitoral. Agravo de instrumento. Crime. Art. 346, c.c. o art. 377 do Código Eleitoral. Candidato. Churrasco. Pre-sença. Bem público. Dolo específico. Demonstração. Necessidade. Não ocorrência. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. Para a caracterização do tipo do art. 346 do Código Eleitoral exige-se a demonstração de que o candidato tenha dado causa à prática de con-duta vedada do art. 377 do CE e também a prova do dolo específico de beneficiar partido ou organização de caráter político. [...] Para se confi-gurar o crime do art. 346 do Código Eleitoral exige-se, primeiramente, que o candidato tenha dado causa à infração (parágrafo único) – prática das condutas do art. 377 do Código Eleitoral. Em seguida, há que se comprovar o dolo de cometer quaisquer daquelas vedações do art. 346. Esse dolo é específico, ou seja, há que se demonstrar a finalidade de beneficiar partido ou organização de caráter político.” (TSE – Ag no 8.796/SP – DJ 11-9-2008, p. 7).

40 O uso de transporte oficial impõe o ressarcimento das respectivas despesas aos cofres públicos. Nesse sentido, o art. 76 da LE estabelece que o “ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo Presidente da República e sua comitiva em campanha eleitoral será de responsabilidade do partido político ou coligação a que esteja vinculado”. O ressarcimento terá por base o tipo de transporte usado e a respec-tiva tarifa de mercado cobrada no trecho correspondente; no caso do avião presidencial, o ressarcimento “corresponderá ao aluguel de uma aeronave de propulsão a jato do tipo táxi aéreo” (§ 1o). A falta de ressar-cimento rende ensejo a representação a ser aviada pelo Ministério Público perante a Justiça Eleitoral; o rito a ser seguido é o do artigo 96 da Lei no 9.504/97; a teor do § 4o do aludido art. 76, os infratores poderão sofrer “pena de multa correspondente ao dobro das despesas, duplicada a cada reiteração de conduta.”

Page 190: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 181

“Recurso especial. Crime. Arts. 346 c.c. 377, Código Eleitoral. Visita. Candidato. Entidade subvencionada pela municipalidade. Utilização. Prédio. Benefício. Organização partidária. Não-ocorrência. Recebimento de candidatos em geral. Seguimento negado. Agravo regimental despro-vido. – Não caracteriza o crime dos arts. 346 c.c. 377, CE, a simples visita dos candidatos à sede da entidade que recebe subvenção da municipali-dade. – Os dispositivos visam coibir o uso efetivo e abusivo de serviços ou dependências de entes públicos ou de entidades mantidas ou subven-cionadas pelo poder público, ou que com este contrata, em benefício de partidos ou organização de caráter político. Precedentes. – Não se trata de exigir potencialidade do ato, mas o uso efetivo das instalações. – Agra-vo regimental a que se nega provimento.” (TSE – REspe no 25.983/DF – DJ 5-3-2007, p. 169).

“Eleitoral penal. Inquérito policial para a apuração do crime previsto no art. 346 c/c art. 377, ambos do Código Eleitoral. Pena máxima em abstrato de 6 (seis) meses. Crime de menor potencial ofensivo. Transa-ção penal. Cumprimento. Extinção da punibilidade. Arquivamento do inquérito policial. O crime previsto pelo art. 346, do Código Eleitoral, por possuir pena máxima em abstrato de 6 (seis) meses, subsume-se à conceituação de delito de menor potencial ofensivo, pelo que torna per-feitamente possível e admissível a aplicação de medida despenalizadora, especificamente, transação penal, como prevista pela Lei no 9.099/95 e proposta pelo órgão ministerial.” (TRE/ES – Inq no 11-20 – DOE 9-3-2006, p. 49).

“Habeas corpus – Crime do art. 346 do Cód. Eleitoral – Pleito de tranca-mento da ação penal – Afastada alegação de atipicidade da conduta do paciente – A Lei 9.504/97 não revogou o art. 346 do Cód. Eleitoral – A responsabilização administrativa possui fundamento e objetividade jurí-dica diversos da responsabilização penal – Ordem denegada.” (TRE/SP – HC no 55 – DOE 23-8-2005, p. 276).

“Corrupção eleitoral. Uso da máquina administrativa. Utilização de ser-viço de sociedade de economia mista para beneficiar candidato a eleição majoritária. Crime previsto no art. 346 do CE. Redução de pena ao mí-nimo legal. 1. O sistema de comunicação por intermédio de microcom-putadores ligados em rede, constituindo-se numa utilidade fruível pelos respectivos operadores, caracteriza-se como serviço, ainda que o seu uso seja exclusivamente interno. 2. A utilização de tal serviço, existente em sociedade de economia mista, para beneficiar um candidato a eleição ma-joritária, beneficia, automaticamente o partido político a que pertence o referido candidato, configurando assim, o crime previsto no art. 346

Page 191: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

182 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

combinado com o art. 377 ambos do Código Eleitoral. 3. Para a caracteri-zação do crime, basta que o agente tenha a vontade consciente de benefi-ciar partido político ou organização de caráter político, sendo irrelevante que resulte, da utilização de tal serviço, efetivo benefício para as mencio-nadas entidades. 4. A primariedade do réu, seus bons antecedentes e a inexistência de circunstâncias agravantes recomendam a fixação da pena no seu mínimo legal.” (TRE/PR – RE no 1-183 – DJ 17-7-1998).

“Crime eleitoral. Prefeito municipal. Prerrogativa de função. Concurso de agentes. Competência originária da Corte. Imputação da prática de corrupção e utilização da chamada ‘máquina administrativa’. Artigos 299 e 346, parágrafo único do Código Eleitoral. Dádiva de alimentos para pessoas carentes, bem próximo ao pleito. Atividade que associou comi-tê de candidato a departamento assistencial do Município. Transgressão concreta e demonstrada do segundo ilícito apontado, com violação da regra do art. 377 daquela Codex. Procedência parcial da denúncia. Conde-nação dos réus.” (TRE/PR – AI no 4-28 – DJ 18-8-1994).

Art. 347 Desobediência eleitoral

“Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, or-dens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execu-ção:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dia--multa.”

O enfocado art. 347 corresponde ao art. 330 do Código Penal, que assim define o crime de desobediência: “Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.” A desobediência eleitoral é um delito especial, inclusive tem pena privativa de liberdade mais severa, e só se configura se em causa estiver o descumprimento de ato emanado da Justiça Eleitoral.

Consoante salientado anteriormente, no sistema político-constitucional brasilei-ro o controle e a organização das eleições foram confiados à Justiça Eleitoral. São quatro, basicamente, as funções dessa Justiça Especializada, a saber: administrativa, jurisdicional, normativa e consultiva. Os atos que ela produz são legais, legítimos, não podendo ser infringidos sob pena de ruir o poder e a autoridade que Constituição Federal lhe confere, o que tornaria o serviço eleitoral disfuncional e, pois, incapaz de atingir sua finalidade.

O bem tutelado pelo art. 347 do CE é a autoridade da Justiça Eleitoral, bem como a regularidade da administração do processo eleitoral e a eficaz realização de suas fun-ções para que seus objetivos institucionais sejam atingidos. Note-se que a proteção

Page 192: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 183

legal não se restringe aos atos praticados no âmbito da jurisdição eleitoral, estenden-do-se a todas as áreas e funções realizadas por essa Justiça Especializada.

O delito é comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa. Ao contrário do que ocorre com a desobediência prevista no Código Penal, não há controvérsia quan-to à possibilidade de a desobediência eleitoral ser praticada por servidor público no exercício de suas funções.41 Pode ser cometido em concurso, coautoria ou participação de terceiros.

Sujeito passivo é a sociedade.

O crime pode ser comissivo ou omissivo.

O núcleo do tipo é formado pelas elementares “recusar cumprimento”, “recusar obediência” e “opor embaraços”.

Três são as condutas típicas, a saber: i) recusar alguém cumprimento a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral; ii) recusar alguém obediência a esses atos; iii) opor embaraços à sua execução.

Recusar cumprimento, no presente contexto, tem o sentido de negar, rejeitar, não aceitar.

41 Discute-se se o delito do art. 330 do CP pode ser cometido por funcionário público. Funda-se a dissen-são no fato de esse delito estar previsto no capítulo do Código Penal atinente aos “crimes praticados por particular contra a Administração em geral”. Afirma Hungria (1958b, p. 417) que o sujeito ativo, “de acordo com a rubrica geral do capítulo [...] tem de ser um extraneus; mas a este se equipara o funcionário que não age nessa qualidade, isto é, em cujos deveres funcionais não se compreende o de cumprir a ordem de que se trata (pois, caso contrário, o que poderá ocorrer será o crime de prevaricação [...]).” Para o Superior Tribu-nal de Justiça, tal crime não tem por sujeito ativo só o particular, mas também servidor público. Mas dentro desse entendimento há várias correntes. Uma corrente afirma inexistir norma legal isentando o servidor do delito em exame – confira-se: “Para a configuração do delito de desobediência, imprescindível se faz a cumulação de três requisitos, quais sejam, desatendimento de uma ordem, que essa ordem seja legal e que emane de funcionário público. Não há norma jurídica que determine que a conduta mencionada no art. 330 do CP somente possa ser praticada por particular. Recurso provido.” (STJ – REsp no 491212/RS – 5a T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJ 10-11-2003. p. 205). Para outra corrente o servidor pode ser sujeito ativo se não for subordinado hierarquicamente ao emissor da ordem – a ver: “Penal. Recurso ordi-nário em habeas corpus. Desobediência. Funcionário público. Liminar em mandado de segurança. Atipia. Atipicidade relativa [...] II – O destinatário específico e de atuação necessária, fora da escala hierárquica-ad-ministrativa, que deixa de cumprir ordem judicial pode ser sujeito ativo do delito de desobediência (art. 330 do CP). O descumprimento ofende, de forma penalmente reprovável, o princípio da autoridade (objeto da tutela jurídica). III – A recusa da autoridade coatora em cumprir a ordem judicial pode, por força de atipia relativa (se restar entendido, como dedução evidente, a de satisfação de interesse ou sentimento pessoal), configurar, também, o delito de prevaricação (art. 319 do CP). Só a atipia absoluta, de plano detectável, é que ensejaria o reconhecimento da falta de justa causa. Recurso desprovido.” (STJ – RHC no 13964/SP – 6a T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJ 31-5-2004, p. 326). E mais: “Criminal e administrativo. Recurso especial. Desobediência. Funcionário público. Presidente de autarquia atipicidade relativa. A autoridade coatora, mormente quando destinatária específica e de atuação necessária, que deixa de cumprir ordem judicial proveniente de mandado de segurança, pode ser sujeito ativo do delito de desobediência (art. 330 do CP). A determinação, aí, não guarda relação com a vinculação – interna – de cunho funcional-administrativo e o seu descumprimento ofende, de forma penalmente reprovável, o princípio da autoridade (objeto da tutela jurídica). Recurso desprovido.” (STJ – REsp no 422073/RS – 5a T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJ 17-5-2004. p. 267). Por fim, uma terceira corrente afirma que o servidor público só pode ser sujeito ativo “em relação a atos e fatos não relacionados ao exercício do cargo e função público.” (STJ – HC no 4443/MT – CE – Rel. Min. Assis Toledo – DJ 5-8-1996, p. 26294). Em igual sentido: STJ – RHC no 7990/MG – 6a T. – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJ 30-11-1998, p. 209.

Page 193: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

184 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Recusar obediência possui sentido semelhante, significando desobedecer, não se su-jeitar, não acolher, não atender.

Já opor embaraços compreende o estorvo, a colocação de dificuldades, a criação de obstáculos ou complicações para a realização da ordem ou diligência.

A recusa de cumprimento, a desobediência ou a criação de embaraços deve ocor-rer em relação a “diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral”. Diligências são atos, tarefas ou serviços realizados externamente, por determinação de autoridade pú-blica. Ordens são comandos, mandamentos, determinações, decisões. Por fim, instru-ções são resoluções, deliberações ou regras acerca de determinado tema ou atividade.

Para a configuração do crime em exame, é essencial que, cumulativamente, a dili-gência, ordem ou instrução da Justiça Eleitoral:

1) emane de agente público competente para emiti-la, investido em suas funções;

2) que o executor esteja regularmente investido de suas funções. Em regra, o executor funciona como longa manus da autoridade que expede a ordem;

3) seja legal, em sentido formal e material. Anota Hungria (1958b, 416-417) que a legalidade da ordem “deve ser apreciada tanto sob o ponto de vista da competência de quem a expede ou executa, como de sua forma e substância”. Tal exigência decorre do princípio fundamental de legali-dade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5o, II). Ademais, confor-me afirma Mirabete (2003b, p. 368): “Ninguém está obrigado a supor-tar desmandos; assim, se o funcionário age arbitrariamente, não poderá exigir obediência.” De maneira que, sendo ilegal, ilícito ou arbitrário o ato – sob os aspectos objetivo e subjetivo, formal e material –, sua contra-riedade é fato atípico. A esse respeito, vide: STJ – HC no 130981/RS – 5ª T. – DJe 14-2-2011;

4) seja concreta. Não configura o delito em exame a desobediência a norma abstrata, genérica. Por isso mesmo, não é típica a conduta que infrinja lei, resolução, regulamento, instrução ou edital emanados de tribunais elei-torais, inclusive do TSE. Nesse sentido: “I – O crime de desobediência (Código Eleitoral, art. 347) exige, para a sua caracterização, descumpri-mento a ordem judicial direta e individualizada. Tratando-se de norma genérica, abstrata, não há falar em crime de desobediência. II – Preceden-tes: acórdãos nos 8.446, 13.460 e 13.429. III – Recurso especial conheci-do e provido.” (TSE – REspe no 11.650/SP – DJ 21-10-1994, p. 28.446);

5) seja individualizada. Isso decorre da elementar “alguém” inscrita no tipo. O “alguém” que recusa deve ser especificado, particularizado;

6) seja inequívoca. Porque a ordem ou a diligência dúbias podem gerar

Page 194: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 185

equívoco, má compreensão por parte do destinatário, o que afasta o dolo de sua conduta;

7) seja dirigida diretamente a quem tem o dever de obedecê-la. Não se acei-ta, portanto, que a ordem se dê por interposta pessoa;

8) seja efetiva e expressa. Mera solicitação, pedido ou exortação endereça-dos ao destinatário não caracterizam o delito em apreço;

9) seja encaminhada pelos meio e forma legais (STJ – HC no 86429/SP – 5a T. – DJ 1-10-2007, p. 353), e não por vias oblíquas;

10) seja destinada a quem tem o dever de obedecê-la, pois não realiza a con-duta típica quem não tiver o dever legal de cumprir a ordem.

Firmou-se o entendimento segundo o qual o delito de desobediência não se perfaz se a mesma conduta for punida por norma não penal, de conteúdo administrativo, civil ou processual. Essa interpretação tem origem na doutrina de Hungria (1958b, p. 417), que sustenta que, se, “pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330”. Registra Mirabete (2003, p. 369) que doutrina e jurisprudência estão de acordo com essa interpretação, porém, não há que se falar “em bis in idem na aplicação cumulativa de sanções administrativas e penal quando a própria lei extrapenal prevê, expressamente, a possibilidade de reprimenda em ambas as esferas”.

O tipo legal não contém elemento normativo atinente à causa da desobediência, ou seja, se ela se funda em motivo justo. Assim, ainda que injusto o ato emanado de autoridade eleitoral, se for legítimo e legal, exigível é sua observância pelo destinatário.

O delito é doloso, não sendo prevista forma culposa. O dolo consiste na vontade livre e consciente de negar cumprimento a ordem ou diligência ou embaraçar sua exe-cução – em síntese, é a vontade de não obedecer. Pode o dolo ser eventual, despontan-do da dúvida que se apresenta à consciência do agente. De qualquer forma, abrange o dolo o conhecimento de que o ato emana da Justiça Eleitoral.

O tipo não contém elemento subjetivo, sendo, pois, irrelevante o motivo ou a finalidade do agente.

Trata-se de crime formal e instantâneo, cuja consumação se dá com a realização da ação ou da omissão indevidas. Se for estabelecido prazo para o cumprimento da ordem, a consumação se opera tão só com o seu escoamento.

Destarte, o prolongamento no tempo da não realização do ato exigido não altera a natureza do presente delito, transformando-o de instantâneo para permanente. É que o delito permanente requer a persistente atuação do autor, que continuamente reitera sua vontade, o que não ocorre no delito em apreço.

A jurisprudência tem entendido que o ato de recusa de cumprimento ou de obe-diência deve ser efetiva, patente. De sorte que: “A simples demora, que em nada se

Page 195: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

186 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

identifica com a oposição à ordem legal, não caracteriza o crime tipificado no artigo 330 do Código Penal. 2. Ordem concedida.” (STJ – HC no 27064/PE – 6a T. – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJe 4-8-2008).

Para a consumação, irrelevante é a ocorrência de dano ao serviço público, como ocorria, por exemplo, com a frustração da diligência que se pretende executar.

É possível a tentativa na forma comissiva.

Sanção – a pena é cumulativa de detenção de três meses a um ano e pagamento de dez a 20 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibi-lidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinção – se a desobediência ocorrer por meio de violência ou grave ameaça, poder-se-á cogitar do delito de resistência, previsto no art. 329 do CP nos seguintes termos: “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena – detenção, de dois meses a dois anos.” Note-se que a violência ou a grave ameaça devem ser exer-cidas contra pessoa – contra o funcionário que executa o ato ou seus auxiliares. Se elas se dirigirem contra coisas, não há falar em resistência, podendo, porém, perfazer-se a desobediência.

Jurisprudência

“Recurso ordinário em habeas corpus. Trancamento de ação penal. Denún-cia. Arts. 347 do CE e 4o, h, da Lei 4.898/1965. Crime. Desobediência eleitoral. Dolo. Ausência. Crime. Abuso de autoridade. Inexistência. Pro-cesso administrativo disciplinar. Estrito cumprimento do dever legal. Ex-cludente de ilicitude. 1. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é possível quando se puder constatar, de plano, que há imputação de fato atípico, inexistência de indício da autoria do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade. Precedentes. 2. Na espécie, os recorrentes, reitor e vice-reitor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, foram denunciados pela suposta prática do crime de deso-bediência eleitoral (art. 347 do Código Eleitoral), por terem denegado pedido de requisição de servidora feito pela Justiça Eleitoral. Entretanto, a denegação do pedido baseou-se em pareceres emitidos pelos órgãos de assessoramento da reitoria e por órgãos de cúpula da Administração Pública Federal, circunstância que afasta a ocorrência de dolo, elemento subjetivo do tipo do art. 347 do Código Eleitoral. 3. Os recorrentes foram

Page 196: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 187

denunciados, também, por crime de abuso de autoridade, previsto no art. 4o, h, da Lei 4.898/1965, tendo em vista a demissão da referida servidora por abandono de serviço. Contudo, descabe cogitar de abuso de autori-dade e lesão à honra e ao patrimônio da servidora, pois a demissão foi aplicada após regular tramitação de processo administrativo disciplinar (PAD) e decorreu de estrito cumprimento do dever legal, causa exclu-dente da ilicitude (art. 23, III, do Código Penal). 4. Recurso provido para trancar a ação penal. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, proveu o re-curso, nos termos do voto do Relator.” (TSE – RHC no 15665/MG – DJe, t. 98, 28-5-2014, p. 76-77).

“Crime eleitoral: Desobediência à ordem de remoção de propaganda elei-toral: Fluxo do prazo prescricional desde a omissão do cumprimento do mandado judicial. O crime de desobediência à ordem judicial de remo-ção de propaganda eleitoral julgada irregular não tem por objetividade jurídica as regras que a disciplinam, mas, sim, a autoridade das decisões judiciais. Não se trata, pois, de crime permanente, mas de delito cuja consumação se exaure com a ação proibida ou com a omissão do ato determinado pelo mandado judicial, não a elidindo a sua observância ex-temporânea. Corre, em consequência, o prazo prescricional do momento de sua consumação instantânea.” (TSE – Ag no 3384/DF – DJ, v. 1, 6-9-2002, p. 206).

“Crime eleitoral. Desobediência. Necessário, para sua configuração, que tenha havido ordem judicial, direta e individualizada, expedida ao agen-te. Caso em que tal não ocorreu. Reforma do acórdão, para fim de defe-rimento de ‘habeas corpus’ que tranca a ação penal.” (TSE – RHC no 236 – DJ 16-6-1995, p. 18.340).

“Eleitoral. Propaganda irregular. Justiça eleitoral. Poder de polícia. Códi-go eleitoral, art. 347. Recurso: prequestionamento. I- O descumprimento de ordem da Justiça Eleitoral, no exercício do poder de polícia, sujeita os infratores às penas do art. 347 do Código Eleitoral. II- Ausência de dissí-dio jurisprudencial ou normativo. III- Recurso especial não conhecido.” (TSE – REspe no 10.984/RS – DJ 26-11-1993, p. 25.589).

“2. Para a configuração do crime de desobediência, exige-se que a ordem, revestida de legalidade formal e material, seja dirigida expressamente a quem tem o dever de obedecê-la, e que o agente voluntária e consciente-mente a ela se oponha. 3. No caso dos autos, percebe-se a patente atipici-dade da conduta atribuída ao paciente, uma vez que pairam dúvidas sobre a legalidade da ordem emanada, inexistindo, ainda, o elemento subjetivo necessário à configuração do delito de desobediência, qual seja, o dolo.

Page 197: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

188 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

[...] 6. Ademais, no que se refere ao elemento subjetivo necessário à con-figuração do delito previsto no artigo 330 do Código Penal, na hipótese vertente não se pode considerar que o paciente tenha deliberadamente se recusado a cumprir a determinação do Parquet, tampouco que tenha agido com inequívoca vontade de desobedecer, porquanto explicitou as razões jurídicas pelas quais entendia impossível cumprir a solicitação formulada. 7. Ordem concedida para trancar o Termo Circunstanciado n. 001/2.07.007.2857-1, em trâmite perante o 2o Juizado Especial Criminal do Foro Central de Porto Alegre/RS.” (STJ – HC no 130981/RS – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 14-2-2011).

“2. O crime de desobediência (art. 330 do CPB) sempre pressupõe a presença de ordem inequívoca emitida por Funcionário Público, comuni-cada ao seu destinatário de forma legal, e, uma vez caracterizado o delito, não se elide pelo ulterior cumprimento da determinação judicial (art. 219 do CPP). 3. Ofícios expedidos pelo Juiz, solicitando o agendamento de dia e hora para a prestação de depoimento em juízo, encaminhados a quem detém essa prerrogativa processual, não podem ser tidos como ordens judiciais, para o fim do art. 330 do CPB, caso o destinatário não atenda àquelas solicitações. 4. HC concedido, para trancar a Ação Penal 2007.61.81.002324-2-2/SP, em trâmite perante a 9a Vara Federal Crimi-nal da Seção Judiciária de São Paulo, por falta de justa causa, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário.” (STJ – HC no 86429/SP – 5a T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJ 1-10-2007, p. 353).

Art. 348 Falsidade material de documento público

“Art. 348. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro, para fins eleitorais:

Pena – reclusão de dois a seis anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa.

§ 1o Se o agente é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é agravada.

§ 2o Para os efeitos penais, equipara-se a documento público o emanado de entidade paraestatal inclusive Fundação do Estado.”

O presente art. 348 corresponde ao art. 297 do Código Penal, que assim define o crime de falsificação de documento público: “Falsificar, no todo ou em parte, do-cumento público, ou alterar documento público verdadeiro.” Vê-se que a esse tipo penal o legislador eleitoral apenas incluiu o elemento subjetivo “para fins eleitorais”, deixando assentado que o falso eleitoral é um delito especial e só se apresenta em con-texto eleitoral.

Page 198: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 189

De modo geral, documento é qualquer objeto revelador de fatos; é toda coisa em que o pensamento é plasmado ou impresso. A partir dos símbolos e sinais nele contidos, extraem-se a ocorrência de certos acontecimentos. Trata-se, pois, de veículo que perpetua eventos merecedores de registro. Nesse amplo sentido, pode-se falar em documento histórico, cultural, religioso, político.

Nos domínios jurídicos, a acepção desse vocábulo é mais restrita. Na expressão de Amaral Santos (1989, p. 386), “é a coisa representativa de um fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo”. No Direito, o documento deve representar fatos ou pensamentos de modo duradouro, para o futuro, sendo útil para a comprovação de fatos e situações jurídicas, bem como para a prevenção ou solução de litígios entre pes-soas. Nesse sentido, consideram-se documentos: desenhos, modelos, plantas, cartas, anotações, escritos diversos, mídias de áudio e vídeo (fita, disco, CD, DVD, Blu-ray Disc – BD), fotografias, peças, utensílios, armas, instrumentos, objetos artísticos, como quadros e esculturas, entre outras coisas.

Todavia, no âmbito da lei penal, o sentido de documento é ainda mais limitado, restringindo-se a coisas em que são gravados sinais ou informações.

O art. 351 do CE equipara a documento, “para os efeitos penais, a fotografia, o filme cinematográfico, o disco fonográfico ou fita de ditafone42 a que se incorpore de-claração ou imagem destinada à prova de fato juridicamente relevante”.

Releva distinguir no documento dois aspectos: autenticidade e veracidade. A autenti-cidade refere-se à materialidade, à integridade formal do documento, à sua dimensão estrutural e exterior. Já a veracidade remete ao conteúdo, ou seja, à verdade de seu teor, sua correspondência com a realidade histórica. Pode um documento ser autêntico, mas não ser veraz, verdadeiro, caso em que ocorrerá falsidade ideológica. Por outro lado, pode ser verdadeiro sem ser autêntico, caso em que padecerá de falsidade mate-rial por alteração de seu conteúdo.

Tecnicamente, documento distingue-se de instrumento. Aquele é gênero, do qual este constitui espécie. Instrumento é o documento feito com o propósito deliberado de comprovar o ato ou negócio nele estampado; trata-se de prova pré-constituída. A diferença é clara, pois o documento – em sentido estrito – não constitui prova adrede preparada, isto é, intencionalmente ordenada à demonstração do fato. Isto, porém, não significa que o documento não possa comprová-lo.

A falsidade material afeta a autenticidade, a estrutura, os aspectos exteriores do documento, o que implica a inveracidade de seu teor.

A objetividade jurídica do enfocado art. 348 é a fé pública eleitoral no que concer-ne à autenticidade do documento. Quer-se resguardar a confiança e a autoridade de do-cumentos emanados do poder público, e aqueles que lhe são equiparados, relevantes para a administração eleitoral.

42 Ditafone é um aparelho destinado a gravar áudio para posterior reprodução. Antes da atual era digital, ele era popularmente conhecido como “gravador”. A gravação era feita em fita.

Page 199: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

190 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O delito é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, sozinha ou em concurso com outrem.

Sujeito passivo é a sociedade. Havendo prejuízo a terceiro, este figurará como sujeito passivo secundário.

O crime é comissivo, sendo o núcleo do tipo formado pelas elementares “falsifi-car” e “alterar”.

Três são as condutas descritas no tipo legal, a saber: i) falsificar, no todo, do-cumento público; ii) falsificar, em parte, documento público; iii) alterar documento público verdadeiro.

Falsificar significa fabricar, contrafazer, criar, forjar, manufaturar. A falsificação pode ser total ou parcial.

Na contrafação total, o agente cria ou produz totalmente um documento fictício, que imita o correspondente verdadeiro. Esse não existia antes, resultando do trabalho do sujeito ativo. Já na parcial a criação afeta apenas uma seção do documento, pressu-pondo-se que o documento seja formado por partes separáveis. Conforme ensina Mi-rabete (2003, p. 237), a falsificação total ocorre “quando o documento é inteiramente criado”, e parcial quando “recair necessariamente em documento de duas ou mais partes perfeitamente individualizáveis”. Como exemplo de contrafação parcial, pense-se em carteira de trabalho ou passaporte nos quais sejam inseridas partes falsificadas.

Na alteração, não é forjado documento novo, trabalhando o agente com um do-cumento verdadeiro, regularmente emitido, e, portanto, preexistente à ação ilícita. É verdadeiro o suporte, a estrutura, do documento, ao qual, porém, são acrescidos, suprimidos ou modificados dados ou informações relevantes. A alteração tem o fito de conferir ao documento sentido diverso daquele que originalmente possui.

Para a configuração do delito, é necessário haver possibilidade de dano ou prejuízo ao bem juridicamente tutelado, isto é, à fé pública eleitoral. Nesse sentido: “o crime de falsidade deve ter potencialidade para gerar erro ou prejuízo à fé pública ou a ter-ceiro. Precedentes. Recurso conhecido e provido” (TSE – RHC no 52/MG – DJ, v. 1, 25-10-2002, p. 166). Não é exigida a ocorrência de dano real, efetivo, à fé pública, mas apenas potencial. De sorte que, se o falso for inócuo, inofensivo, inapto ou incapaz de provocar dano, não se perfaz a tipicidade material.

Ademais, é preciso que haja imitatio veri (imitação da verdade). Consoante afirma Mirabete (2003, p. 240), é indispensável

“que a falsificação seja idônea para iludir um número indeterminado de pessoas. O documento falsificado deve apresentar-se com aparência de verdadeiro, seja pela idoneidade dos meios empregados pelo agente, seja pelo aspecto de potencialidade do dano. Não há falsificação se o docu-mento não pode enganar, se não imita o verdadeiro, se não capacidade de, por si mesmo, iludir o homo medius. [...] A falsificação grosseira, re-

Page 200: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 191

conhecida facilmente, perceptível icti oculi, que faz sentir desde logo que o agente não teve o cuidado de imitar a verdade, não configura o crime de falso, embora possa servir como meio para a prática de outro delito (estelionato, peculato etc.)”.

Objeto material do delito em exame é o documento público. Qualquer documento público, e não apenas os originários da Justiça Eleitoral, como o título de eleitor.

Público é o documento formado por agente público ou estatal, no exercício de suas funções legais e regulamentares. São públicos os documentos emanados da ad-ministração direta do Estado, i.e., dos agentes e serviços integrantes da própria es-trutura do ente de direito público interno – a exemplo de ministérios, secretarias, repartições, gabinetes, tribunais, juizados etc.

A elementar “documento público” compreende o instrumento público, assim enten-dido o formado por agente público para estampar fato ou negócio. À guisa de exem-plo, citem-se os atos lavrados por notários ou tabeliães e registradores públicos como escritura de compra e venda de imóvel, a inscrição dessa mesma escritura no Serviço de Registro de Imóveis, as atas notariais, o reconhecimento de firma, as certidões expedidas por estas serventias extrajudiciais.

O § 2o do art. 348 equipara ao público o documento “emanado de entidade paraes-tatal inclusive Fundação do Estado”. Segundo lição de Meirelles (1990, p. 312-313), paraestatal é a entidade disposta paralelamente ao Estado, ao lado do Estado, “para executar cometimentos de interesse do Estado, mas não privativos do Estado”; tais entidades executam atividades

“impróprias do Poder Público, mas de utilidade pública, de interesse da coletividade, e, por isso, fomentadas pelo Estado, que autoriza a criação de pessoas jurídicas privadas para realizá-las por outorga ou delegação e com o seu apoio oficial na formação do patrimônio e na manutenção da entidade, que pode revestir variadas formas: empresa pública, sociedade de economia mista etc.”

De maneira que, por equiparação, também são públicos os documentos ema-nados de entes descentralizados, integrantes da administração indireta do Estado, como: a) autarquia; b) empresa pública; c) sociedade de economia mista; d) fun-dação instituída pelo Poder Público; e) consórcio público; f) agência reguladora. Observe-se que, embora indiretamente, as entidades descentralizadas integram o complexo político-administrativo estatal; são criadas e mantidas com recursos pú-blicos para prestar serviços de interesse público ou coletivo.

Nas modalidades de contrafação parcial e alteração, é preciso que as modificações sejam procedidas no próprio original do documento, em cópia conferida em Secretaria ou Cartório Judicial ou em cópia autenticada por Serviço Notarial (Tabelionato). Quan-to às duas últimas, dispõe o art. 365, III, do CPC que fazem a mesma prova que os

Page 201: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

192 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

originais, “as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por ofi-cial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais”. E é nesse mes-mo sentido a interpretação jurisprudencial, a ver: “documento público autenticado em Cartório tem a mesma fé do seu original (art. 223, do CC/2002 e art. 365, III, do CPC)”. (STJ – AgRg no REsp no 1363665/RN – 5a T. – DJe 11-12-2013).

Logo, não é típica a conduta de alterar fotocópia não conferida ou não autenticada de documento. A esse respeito, entende o Tribunal Superior Eleitoral que o “uso de fotocópia não autenticada de documento é conduta atípica porque ausente o potencial para causar dano à fé pública” (TSE – REspe no 28129/SE – DJe, t. 207, 3-11-2009, p. 29). Entretanto, vale registrar que esse mesmo sodalício assentou que o delito se configura se a fotocópia for apta a iludir, macula a fé pública. Confira-se:

“1. Segundo a jurisprudência do e. TSE a cópia reprográfica inautêntica, apta a iludir, macula a fé pública, bem jurídico protegido contra a falsifi-cação documental. Logo, a sua utilização traduz fato relevante do ponto de vista penal, sendo típica a conduta. 2. Em que pese ao uso de fotocó-pia não autenticada possa afastar a potencialidade de dano à fé pública desqualificando a conduta típica (TSE: REspe no 28.129/SE, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 3.11.2009) é preciso verificar, para tanto, se a falsificação é apta a iludir.” (TSE – REspe no 34511/MG – DJe, t. 30, 11-2-2011, p. 72).

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, não sendo prevista forma culposa. Consiste o dolo na vontade de falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro.

O tipo contém um elemento subjetivo, pois a falsidade deve ser “para fins eleito-rais”. Sendo diversa a intenção do agente ou dirigindo-se ela a outra finalidade que não a indicada, a conduta não se subsumirá ao tipo do art. 348 do CE, que é especial. Por fins eleitorais deve compreender qualquer um, não sendo preciso que eles se res-trinjam às eleições, votação e respectivos resultados.

O crime é formal. Sua consumação se perfaz com a só falsificação ou com a só alte-ração de documento público. Para a consumação, irrelevante é que o documento seja usado posteriormente ou saia da posse do agente. Ademais, é dispensável que ocorra lesão à administração eleitoral.

Registre-se, porém, o entendimento segundo o qual a consumação requer que o documento contrafeito ou alterado seja efetivamente usado ou saia do domínio do agente.

Admite-se a tentativa, pois o iter criminis pode ser fracionado.

Por se tratar de crime que deixa vestígio, impõe-se a realização de perícia grafotéc-nica no documento, pois a ausência dessa providência “impossibilita a aferição de sua

Page 202: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 193

falsidade” (TSE – REspe no 28129/SE – DJe, t. 207, 3-11-2009, p. 29).43

Sanção – a pena é de reclusão de dois a seis anos e 15 a 30 dias-multa.

Considerando os limites mínimo e máximo da pena abstratamente cominado, a infração é de maior potencial ofensivo, não tendo cabimento transação penal, tampou-co suspensão condicional do processo.

Consequentemente, a condenação gera a inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Se o agente for “funcionário público” e cometer o crime prevalecendo-se do cargo, incide a causa de aumento prevista no § 1o do dispositivo legal em exame. Note-se que para incidir a majorante basta que o agente seja funcionário público em geral, e não “funcionário da Justiça Eleitoral”.

Por outro lado, como esse § 1o não especifica o quantum, o aumento deverá ser fi-xado “entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime” (CE, art. 285).

Distinção – o crime de falsidade material distingue-se da ideológica. Naquela, a falsidade afeta a estrutura, integridade e exterioridade do documento, o que torna mendaz o seu teor. Já a ideológica diz respeito tão somente à verdade do conteúdo do documento; aqui o documento é autêntico, e, pois, foi realmente produzido por quem nele figurar como autor.

Jurisprudência

“Recurso ordinário em habeas corpus. Falsidade documental. Hipótese em que, ao serem reproduzidas em panfletos informações contidas em cer-tidão expedida pela Comarca de Boa Esperança, foram feitas alterações que não tiveram o condão de modificar o conteúdo do texto original. Ati-picidade da conduta, uma vez que não houve modificação no original do documento, circunstância necessária para caracterizar o delito tipificado no art. 348 do Código Eleitoral. O crime de falsidade deve ter potencia-lidade para gerar erro ou prejuízo à fé pública ou a terceiro. Precedentes. Recurso conhecido e provido.” (TSE – RHC no 52/MG – DJ, v. 1, 25-10-2002, p. 166).

“Recursos Criminais. Art. 348 do Código Eleitoral. Eleições 2002. Con-denação. 1o Recurso. Alteração de certidão de quitação eleitoral. Inclusão de informações acerca de filiação partidária para instruir pedido de regis-tro de candidatura. Tipo que não admite a modalidade culposa. O recor-rente não se desincumbiu do ônus de provar a alegação de que teria sido

43 Dispõe o art. 158 do CPP: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”

Page 203: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

194 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

orientado pela funcionária do Cartório Eleitoral. Comprovação da existên-cia do crime eleitoral e sua autoria. Fraude potencialmente lesiva e subs-tancialmente apta a enganar a Justiça Eleitoral. Utilização do documento público, com dados falsos lançados pelo recorrente, para instruir pedido de registro de candidatura. Conjunto acusatório robusto. Típica falsidade documental.” (TRE-MG – RC no 2402006 – DJMG 21-6-2008, p. 102).

Art. 349 Falsidade material de documento particular

“Art. 349. Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alte-rar documento particular verdadeiro, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa.”

O art. 349 do CE corresponde ao art. 298 do Código Penal, que assim define o crime de falsificação de documento particular: “Falsificar, no todo ou em parte, docu-mento particular ou alterar documento particular verdadeiro”. Vê-se que a esse tipo penal o legislador eleitoral apenas incluiu o elemento subjetivo “para fins eleitorais”, deixando assentado que o falso eleitoral é um delito especial e só se apresenta em con-texto eleitoral.

Essa figura distingue-se da anterior apenas quanto ao objeto material. Portanto, vale aqui quase tudo que se disse acerca da falsificação material de documento público.

No presente caso, o objeto material é o documento particular, assim compreen-dido o formado pelas pessoas em geral, e, pois, no âmbito da autonomia privada que lhes é assegurada pela Constituição Federal, a exemplo de cartas e desenhos.

A elementar “documento particular” compreende o instrumento particular, assim en-tendido o elaborado por pessoas privadas, tais como: contratos, declarações e recibos.

A sanção consiste na pena de reclusão de um a cinco anos e três a dez dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não tem cabimento transação penal.

Mas, tendo em vista que a pena mínima cominada é igual a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Não sendo o crime de menor potencial ofensivo, a condenação gera a inelegibi-lidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Vale destacar a grande desproporção entre a pena de multa e a privativa de liber-dade.

Note-se, ainda, que a pena é mais branda que a prevista para a falsificação de documento público. Isso se explica pelo fato de o ataque à fé pública ser mais grave quando se falsifica documento público, pois este emana do Estado, e, pois, inspira maior confiabilidade ou credibilidade.

Page 204: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 195

Jurisprudência

“Para configurar-se o crime previsto no art. 349 do Código Eleitoral, a conduta deve possuir ao menos potencialidade de dano, sem a qual o tipo não se realiza.” (TRE-SC – RCRIME no 539 – DJESC 17-8-2006, p. 1).

“Recurso Criminal. Art. 349, do Código Eleitoral, c/c o art. 71 do Código Penal. Falsificação de assinaturas de candidatos a Vereador nas presta-ções de contas apresentadas à Justiça Eleitoral. Condenação. Recurso. Ausência de interrogatório. Sentença anulada. Condenação. Não-confi-guração do instituto da prescrição. Exame grafotécnico. Comprovação da autoria e da materialidade do delito. Intuito de ludibriar a Justiça Eleito-ral. Existência de lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja a fé pública, em especial a autenticidade dos documentos na esfera eleitoral. Crime continuado – configuração. Direitos políticos suspensos. Art. 15, inciso III, da Constituição Federal. Recurso a que se nega provimento.” (TRE-MG – RC no 5482003 – DJMG 26-3-2004, p. 108).

“Denúncia. Crime eleitoral. Art. 349 do Código Eleitoral. Alegação de falsa declaração para instruir requerimento de alistamento eleitoral. Re-jeitada preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Não sendo a declaração documento indispensável à inscrição eleitoral, não pode o signatário ser penalizado por eventual declaração falsa. Re-curso provido. Absolvição. Decisão unânime.” (TRE-PE – RCRI no 47 – DOEPJF, t. 68, 12-4-2002, p. 18).

“Ação penal. Falsificação de documento particular. Contrafação. Uti-lização do documento, com finalidade eleitoral. A falsificação, crime eleitoral previsto no artigo 349, da Lei no 4.737/65 (Código Eleito-ral), compreende a contrafação que consiste na fabricação, no todo ou parte, de um documento falso. É a denominada falsidade formal, que evidencia a criação total ou parcial de seu conteúdo, isto é, do seu teor (manifestação ou declaração de vontade) e de sua individualização ou identificação do respectivo autor. E se completa com o uso, isto é, como verdadeiro e por qualquer modo, do papel falso, em cuja falsificação não tenha tomado parte o agente. O dolo está na vontade consciente de fazer falsificação para tornar possível o engano acerca do autor ou conteúdo do documento. Consuma-se, após a contrafação, com o pri-meiro ato de seu uso ou utilização, com a finalidade eleitoral. Recurso improvido.” (TRE-PR – RE no 131 – DJ 7-5-1996).

Page 205: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

196 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Art. 350 Falsidade ideológica eleitoral

“Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário pú-blico e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.”

O art. 350 corresponde ao art. 299 do Código Penal, que assim define o crime de falsidade ideológica ou intelectual: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.” Vê-se que a esse tipo penal o legislador eleitoral apenas alterou o elemento subjetivo, substituindo-o por “para fins eleitorais”. Com isso, ficou assente que o falso ideológico eleitoral é um delito especial e só se apresenta em contexto eleitoral.

Na falsidade intelectual, a estrutura ou o suporte do documento (aspectos ex-ternos) é impecável – o documento é autêntico, porém o seu teor não corresponde à verdade, é falso, mentiroso. Consoante assinala Hungria (1958, p. 271, item 117):

“Fala-se em falsidade ideológica (ou intelectual), que é modalidade do fal-sum documental, quando à genuidade formal do documento não corres-ponde a sua veracidade intrínseca. O documento é genuíno ou material-mente verdadeiro (isto é, emana realmente da pessoa que nele figura como seu autor ou signatário), mas o seu conteúdo intelectual não expri-me a verdade. Enquanto a falsidade material afeta à autenticidade ou inal-terabilidade do documento na sua forma extrínseca e conteúdo intrínseco, a falsidade ideológica afeta-o tão-somente na sua ideação, no pensamento que as suas letras encerram. A genuidade não é garantia de veracidade [...] Na falsidade material, o que se falsifica é a materialidade gráfica, visível do documento (e, portanto, simultânea e necessariamente, o seu teor intelectual); na falsidade ideológica, é a penas o seu teor ideativo.”

A objetividade jurídica é também a fé pública eleitoral, mas na dimensão da ve-racidade ou verdade do conteúdo intelectual ou do sentido do documento. Quer-se resguardar a confiança ou o crédito inerentes aos documentos públicos e particulares, sem o que impossível seria o tráfico social.

Page 206: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 197

O delito em exame é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, sozinha ou em concurso com outrem.

Sujeito passivo é a sociedade. Havendo prejuízo a terceiro, este figurará como sujeito passivo secundário.

O crime pode ser omissivo ou comissivo, conforme a conduta.

O núcleo do tipo é formado pelas elementares “omitir”, “inserir” e “fazer inserir”.

No tipo legal são descritas três condutas, a saber: 1) omitir, em documento públi-co ou particular, declaração que dele devia constar; 2) inserir, em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita; 3) fazer inserir, em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita. Em todos os casos há mister que se apresente a finalidade eleitoral.

Na primeira conduta, o agente omite, silencia, esconde, se cala sobre fato ou qual-quer circunstância que tem o dever de declarar ou revelar para que seja registrado no documento. O documento assim formado fica imperfeito, e, devido à sua incompletu-de, evidencia erroneamente fato ou relação. Trata-se de crime omissivo puro.

Na segunda, o agente insere, introduz, inclui, põe, coloca em um documento: a) declaração falsa ou, b) declaração diversa da que devia ser escrita. Esses dois elemen-tos normativos indicam a necessidade de o intérprete realizar juízo de valor relativa-mente ao teor do documento. Enquanto na hipótese (a) a declaração é mendaz, men-tirosa, sem correspondência com a verdade, na (b) ela pode até ser verdadeira, mas é imprópria para a situação que o documento visa retratar. Aqui, é o próprio agente que, moto proprio, faz a inserção. Nessa modalidade, cuida-se de crime comissivo.

A terceira conduta é semelhante à segunda, dela se distinguindo apenas quanto ao fato de o agente “fazer inserir” no documento declaração falsa ou diversa. A inserção é feita de forma indireta ou mediata, por outra pessoa – o agente apenas a propicia. Cuida-se igualmente de crime comissivo.

Para a configuração do delito, é necessário que a declaração falsa ou indevida ostente relevância jurídica. Deve haver possibilidade de dano ou prejuízo ao bem juri-dicamente tutelado, isto é, à fé pública eleitoral. Não é exigida a ocorrência de dano real, efetivo, mas apenas potencial – basta que se apresente o risco. De sorte que, se o falso for grosseiro (inidôneo para enganar), inócuo, inofensivo, irrelevante, inapto ou incapaz de lesar o bem jurídico, não se perfaz a tipicidade material.

Outrossim, não há tipicidade material se o documento, por si só, não puder com-provar o fato ou a declaração nele estampado – se não tiver força probante. Isso ocorre, e.g., quando a declaração estiver sujeita à confirmação ou verificação pelo destinatário. Em tal caso, eventual desconformidade ou incorreção deve ser averiguada pelo desti-natário do documento. É nesse sentido a interpretação do Pretório Excelso, segundo o qual o “escrito submetido a verificação não constitui o falsum intelectual” (STF – RHC no 43396/RS – 1a T. – Rel. Min. Evandro Lins – DJ 15-2-1967). De modo igual entende a Corte Superior Eleitoral, a ver: “A jurisprudência desta Corte é no sentido de não

Page 207: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

198 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

se configurar a falsidade ideológica quando couber à autoridade pública averiguar a fidelidade da declaração que lhe é prestada. (precedente: acórdão n. 6.460/78).” (TSE – REspe no 10.972/SE – DJ 12-11-1993, p. 24.103).44

Tem-se asseverado, ainda, que “para a configuração do delito do art. 350 do Có-digo Eleitoral, é necessário que a declaração falsa prestada para fins eleitorais seja firmada pelo próprio eleitor interessado” (TSE – AgR-AI no 11535/MG – DJe, t. 197, 16-10-2009, p. 22/23). Em igual sentido:

“Habeas Corpus. Trancamento. Ação Penal. Art. 350 do Código Eleitoral. Declaração. Terceiro. Comprovação. Domicílio eleitoral. Eleitor. 1. Con-forme firme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, para a configu-ração do delito do art. 350 do Código Eleitoral é necessário que a decla-ração falsa, prestada para fins eleitorais, seja firmada pelo próprio eleitor interessado. 2. Assim, não há configuração do referido crime em face de declaração subscrita por terceiro de modo a corroborar a comprovação de domicílio por eleitor, porquanto suficiente tão-somente a própria decla-ração por este firmada, nos termos da Lei no 6.996/82. Recurso provido a fim de conceder a ordem.” (TSE – RHC 116/RJ – DJ 10-9-2008, p. 30).

Objeto material do delito em exame são os documentos público e particular. Nos arts. 348 e 349 do CE já se discorreu acerca da noção de tais documentos. Enquanto o documento público é formado por agente público ou estatal, no exercício de suas funções legais e regulamentares, o particular é aquele criado pelas pessoas em geral, no âmbito da autonomia privada que lhes é assegurada pela Constituição Federal. Nos dois casos, o termo documento abrange instrumento, que igualmente pode ser público e particular.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, não sendo prevista forma culposa. Consiste o dolo na vontade de realizar uma das condutas típicas assinaladas. Abrange o conhecimento de que a declaração é falsa ou diversa da que devia ser escrita. Con-forme afirmou a Corte Superior Eleitoral, “não se pode presumir a consciência da falsidade e sem esta consciência não há falsidade ideológica” (TSE – REspe no 25918/SP – DJe 1-2-2010, p. 438).

O tipo contém um elemento subjetivo, pois a falsidade deve ser “para fins eleito-rais”. Sendo diversa a intenção do agente ou dirigindo-se ela a outra finalidade que

44 Como exemplo do entendimento aludido, cite-se a declaração de bens feita pelo candidato quando do pedido de registro de candidatura: “2. Se o documento não tem força para provar, por si só, a afirmação nele constante – como ocorre na hipótese da declaração de bens oferecida por ocasião do pedido de registro de candidatura – não há lesão à fé pública, não havendo, assim, lesão ao bem jurídico tutelado, que impele ao reconhecimento de atipicidade da conduta descrita na inicial acusatória.” (TSE – AgR-REspe no 36417/SP – DJe 14-4-2010, p. 54/55). A propósito, merece censura essa interpretação da Corte Superior, pois a declaração de bens dos candidatos cumpre várias finalidades, inclusive as de esclarecer os eleitores sobre o perfil do candidato e permitir o acompanhamento de sua evolução patrimonial no exercício do cargo políti-co eletivo pleiteado. Não se trata, portanto, de uma declaração qualquer, sem relevância jurídica.

Page 208: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 199

não a indicada, a conduta não se subsumirá ao tipo do art. 350 do CE, que é especial. Por fins eleitorais deve compreender qualquer um, não sendo preciso que eles se res-trinjam às eleições, votação e respectivos resultados.

Observe-se que a exigência é de que a conduta tenha finalidade eleitoral, não sen-do necessário que o crime se dê na ou perante algum órgão da Justiça Eleitoral.

O crime de falsidade ideológica é formal. Sua consumação se perfaz: i) com a omissão, a qual só se patenteia com a conclusão do documento; até esse momento é possível que o agente se arrependa e preste a declaração devida45; ii) nas demais con-dutas, a consumação se dá com a inserção de declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita.

Para a consumação, é irrelevante que ocorra lesão concreta à administração elei-toral.

No que concerne à tentativa, há consenso quanto à impossibilidade de sua ocor-rência na conduta omissiva. Nas demais formas, comissivas, há controvérsia. De um lado, há os que afirmam possível o conatus nas condutas de inserir e fazer inserir – nesse sentido: Delmanto et al. (2010, p. 861), Nucci (2011b, p. 989). De outro, há os que entendem que a tentativa só é possível na modalidade de fazer inserir – nesse sentido: Mirabete (2003, p. 255), que, com razão, argumenta que na conduta “de inserir o agente pode declarar a verdade até o encerramento do documento”.

Ao contrário do que ocorre na falsidade material, não é mister a realização de pe-rícia grafotécnica no falso ideológico.

Sanção – se o documento ideologicamente falsificado for público, é cominada a pena de reclusão de um a cinco anos e multa de cinco a 15 dias-multa.

Sendo particular o documento, a pena será de reclusão de um a três anos e multa de três a dez dias-multa.

A punição mais severa ao falso intelectual de documento público é justificada pelo fato de o ataque à fé pública ser mais grave, pois é maior a confiança colocada em documentos dessa natureza.

Considerando que nas duas situações apontadas o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não tem cabimento a transação penal.

Tendo em vista que a pena mínima cominada em ambos os casos é igual a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Por tratarem, os dois casos, de infração de maior potencial ofensivo, há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

45 Poder-se-ia cogitar da hipótese de arrependimento eficaz, conforme previsto no art. 15 do CP (“O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só respon-de pelos atos já praticados”). É o que o agente pratica atos tendentes à realização da conduta típica, mas muda de ideia, se arrepende, e por vontade própria impede que o resultado se produza.

Page 209: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

200 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O parágrafo único do art. 350 do CE prevê duas causas de aumento para o delito em apreço, a saber:

i) Se o agente da falsidade for “funcionário público” e cometer o crime pre-valecendo-se do cargo. Para incidir a majorante basta que o agente seja funcionário público em geral, e não “funcionário da Justiça Eleitoral”. Incide, aqui, a definição de funcionário público constante do § 1o, art. 283, do CE.

ii) Se o objeto material da falsificação ou alteração for “assentamentos de registro civil”. O objeto dessa majorante é “assentamento” de registro ci-vil, e não “certidão” de registro civil. Etimologicamente, assento designa a base ou o lugar em que algo está posto ou lançado, onde se encon-tra assente, ancorado, firme. Assentamento traz a ideia de conjunto. No presente contexto, assentamento denomina a base em que se fazem re-gistros, averbações, anotações e inscrições públicos. Trata-se, pois, dos livros, fichas ou arquivos (físicos ou digitais) inerentes ao Registro Pú-blico de atos ou fatos que aí devem ser gravados e perpetuados, tais como o nascimento, o casamento, a compra e venda de bem imóvel. Diferen-temente, certidão designa o documento expedido pelo Oficial de Regis-tro, revestido de fé pública, pelo qual se atesta ou se declara ato ou fato constante dos assentamentos confiados aos cuidados e à gestão daquele profissional. Assim, a causa de aumento em tela só incidirá se a falsidade for no próprio assentamento.

Como não houve especificação do quantum, o aumento deverá ser fixado “entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime”, nos termos do art. 285 do CE.

Jurisprudência

“Falsidade ideológica. [...] Declaração passível de averiguação ulterior não constitui documento para fins penais. HC deferido para trancar a ação penal.” (STF – HC no 85976/MT – 2a T. – Rel. Min. Ellen Gracie – DJ 24-2-2006, p. 51).

“Falsidade ideológica. [...] O escrito submetido a verificação não cons-titui o falsum intelectual. Falta de justa causa para a ação penal. Recurso de habeas corpus provido.” (STF – RHC no 43396/RS – 1a T. – Rel. Min. Evandro Lins – DJ 15-2-1967).

“4. O tipo previsto no art. 350 do CE “falsidade ideológica” é crime for-mal. É irrelevante para sua consumação aferir a existência de resultado naturalístico, basta que o documento falso tenha potencialidade lesiva, o

Page 210: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 201

que afasta a alegação de inépcia da denúncia ante a ausência de descrição da vantagem ou benefício auferido na prática do suposto ilícito penal e de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. 5. Ordem denegada.” (TSE – HC no 154094/BA – DJe, t. 32, 14-2-2012, p. 49).

“1. A forma incriminadora “fazer inserir”, prevista no artigo 350 do Có-digo Eleitoral, admite a realização por terceira pessoa que comprovada-mente pretenda se beneficiar ou prejudicar outrem na esfera eleitoral, sendo o bem jurídico protegido pela norma a fé pública eleitoral referen-te à autenticidade dos documentos.” (TSE – REspe no 35486/SP – DJe 18-8-2011, p. 28).

“2. O art. 350 do Código Eleitoral tipifica como crime a conduta inserir ou fazer inserir, em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais, razão pela qual se o denunciado não firmou eventual declaração, não lhe pode ser imputado o referido delito.” (TSE – AgR-REspe no 18923/RO – DJe 3-8-2010, p. 261).

“1. O ato omissivo consubstanciado na ausência de declaração, na pres-tação de contas, de dados que dela deveriam constar não configura, ne-cessariamente, o crime capitulado no art. 350 do Código Eleitoral, uma vez que as contas de campanha são apresentadas após as eleições. Prece-dente: REspe no 26.010/SP, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJ de 2.6.2008.” (TSE – AgR-REspe no 35518/SP – DJe 15-9-2009, p. 88).

“Recurso especial. Crime eleitoral. Art. 350 do Código Eleitoral. Falsida-de ideológica eleitoral. Omissão de bens. Candidatura. Dolo necessário. Finalidade eleitoral. Potencialidade danosa relevante. Demonstração ne-cessária. Precedente. Dissídio jurisprudencial. Não caracterizado. Recur-so a que se nega provimento. Para caracterização do crime do art. 350 do Código Eleitoral, eventual resultado naturalístico é indiferente para sua consumação – crime formal –, mas imperiosa é a demonstração da po-tencialidade lesiva da conduta omissiva, com finalidade eleitoral.” (TSE – REspe no 28.422/SP – DJ 12-9-2008, p. 13).

“Recurso especial. Crime eleitoral. Arts. 350 e 353 do Código Eleitoral. Falsificação. Documento Público. Uso. Documento falso. Instrução. Re-presentação eleitoral. Candidato eleito. Prefeito. Comprovação. Finalidade eleitoral. Dolo, materialidade e autoria comprovados. Irrelevância. Tér-mino. Eleições. Denúncia. Ministério Público. Decurso de prazo. Inexis-tência. Ofensa. Art. 357 do CE. Ausência. Prequestionamento. Art. 299 do CE. Dissídio jurisprudencial. Inocorrência. Desprovido. – Fazer inserir declaração falsa em documento público, no caso escritura pública, com o objetivo de instruir representação eleitoral em desfavor de candidato,

Page 211: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

202 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

caracteriza o crime descrito no art. 350 do CE. – A finalidade eleitoral – elemento subjetivo do tipo – ficou comprovada, pois a declaração falsa foi capaz de criar uma situação jurídica em detrimento da verdade sobre fato juridicamente relevante, tendo a fé pública sido abalada. – Ademais, tal declaração teve potencialidade lesiva, recaindo sobre fato juridicamente relevante para o direito eleitoral, ou seja, com capacidade de enganar. Dis-sídio jurisprudencial não caracterizado. – Recurso especial a que se nega provimento.” (TSE – REspe no 28.520/SP – DJ 24-6-2008, p. 9).

“Crime eleitoral. Falsidade ideológica. Omissão. Declaração. Despesa. Prestação de contas. Campanha eleitoral. Dolo específico. Ausência. – A rejeição da prestação de contas, decorrente de omissão em relação a despesa que dela deveria constar, não implica, necessariamente, na ca-racterização do crime capitulado no art. 350 do CE. – Não há como reco-nhecer, na espécie, a finalidade eleitoral da conduta omissiva, elemento subjetivo do tipo penal em apreço, porquanto as contas são apresentadas à Justiça Eleitoral após a realização do pleito. – Recurso especial conhe-cido e desprovido.” (TSE – REspe no 26010/SP – DJ 29-5-2008, p. 10).

“Recursos Criminais. Art. 350 do Código Eleitoral. Inserção de decla-ração falsa em documento particular destinada a comprovar desfiliação partidária. Condenação. 2o Recurso. A simples inserção de dado falso em documento particular não é suficiente para caracterizar a tipicidade da conduta. Necessidade de potencialidade de lesão. A dúvida sobre au-tenticidade de documento requer seja instaurado incidente de falsidade. A presunção de falsidade importaria subverter as disposições relativas à distribuição do ônus da prova. A contradição de datas do pedido de des-filiação ao partido político não indica lesão à fé pública. Demonstração suficiente de que o pedido foi apresentado no prazo legal. Recurso a que se dá provimento. Extensão dos efeitos da decisão absolutória ao co-réu, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. 1o Recurso. Inter-posto pelo Ministério Público Eleitoral. Recurso a que se julga prejudica-do.” (TRE-MG – RC no 4752006 – DJMG 8-4-2008, p. 84).

“1. O tipo do art. 350 do Código Eleitoral pressupõe que o agente, ao emi-tir documento, omita declaração que devesse dele constar ou insira decla-ração falsa. 2. Presentes indícios de materialidade e autoria, não se dá justa causa para trancamento da ação penal. 3. Em se tratando de declaração de domicílio, embora o inciso III do art. 8o da Lei no 6.996/82 exija apenas a indicação em requerimento, nos termos do inciso I, a declaração do elei-tor se faz para os fins e efeitos legais e, principalmente, sob as penas da lei (art. 350 do Código Eleitoral). Recurso em habeas corpus a que se nega provimento.” (TSE – RHC no 95/PA – DJ 12-5-2006, p. 142).

Page 212: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 203

“Recurso Especial – Crime eleitoral – Art. 350 do Código Eleitoral – De-claração incompleta de bens por ocasião do registro de candidatura não tipifica delito de falsidade ideológica – Dissídio jurisprudencial não con-figurado – Recurso não conhecido.” (TSE – REspe no 12.799/DF – DJ 19-9-1997, p. 45.647).

“Crime eleitoral. Caracterização: ausência. Domicílio eleitoral. Vínculo patrimonial. Código Eleitoral, art. 350. I – A jurisprudência desta Corte é no sentido de não se configurar a falsidade ideológica quando cou-ber à autoridade pública averiguar a fidelidade da declaração que lhe é prestada. (precedente: acórdão n. 6.460/78). II – Admite-se o domicílio eleitoral em localidade onde o eleitor mantenha vínculo patrimonial. III – Recurso Especial não conhecido.” (TSE – REspe no 10.972/SE – DJ 12/11/1993, p. 24.103).

“O crime de falso ideológico requer o dolo específico para sua configu-ração, hipótese em que não se enquadra a situação dos autos.” (TRE-SC – RCRIME no 463 – DJESC – 8-6-2005, p. 161).

“Recurso criminal. Crime capitulado no art. 353 do Código Eleitoral. Conduta atípica em face do art. 348 e art. 350 do mesmo diploma. Recur-so conhecido e provido. Reformada sentença nos termos do art. 386, III do Código de Processo Penal. Após transitado em julgado, remessa dos autos ao juízo eleitoral de origem. 1. Simples requerimento subscrito por particular não pode ser elevado ao ‘status’ de documento, para fins do crime de falsidade ideológica, não possuindo força probante, já que está sujeito à verificação quanto a sua veracidade. 2. Documento emitido por autarquia possui fé pública e é considerado ideologicamente verdadeiro quando, após verificação, declara dados verdadeiros sobre o recorrente, assim como quando está em consonância com o que fora postulado. 3. Atipicidade reconhecida. Tanto o requerimento quanto a declaração for-necida não caracterizam crime de falsidade ideológica a ser reconhecida.” (TRE-ES – RCRIM no 15 – DOE 12-2-2003, p. 29).

Art. 352 Falso reconhecimento de firma ou letra

“Art. 352. Reconhecer, como verdadeira, no exercício da função pública, firma ou letra que o não seja, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.”

Page 213: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

204 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O art. 352 corresponde ao art. 300 do Código Penal, que assim define o crime de falso reconhecimento de firma ou letra: “Reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que o não seja.” Vê-se que a esse tipo penal o legis-lador eleitoral apenas acrescentou o elemento subjetivo “para fins eleitorais”. Ficou assente, pois, que o falso reconhecimento de firma ou letra eleitoral é um delito especial e só se apresenta em contexto eleitoral.

O art. 7o, IV, da Lei no 8.935/1994 (Lei dos Notários e Registradores) estabelece que aos tabeliães de notas compete com exclusividade “reconhecer firmas”. O reconhe-cimento é feito no Serviço de Notas ou Tabelionato, cujo responsável é denominado notário ou tabelião. Os atos praticados por esse profissional gozam de fé pública, ostentando presunção de legitimidade e veracidade. Por isso, contribuem sobremodo para a eficácia do Direito, pois previnem conflitos jurídicos e trazem certeza e segu-rança para as relações jurídico-sociais. Não bastasse isso, ainda constituem importan-tes meios de prova judicial.

Já o art. 18 da LINDB (D-L no 4.657/1942) atribui expressamente competência às autoridades consulares brasileiras para praticar atos de tabelionato na sede do Consulado.

A objetividade jurídica do delito em exame é também a fé pública eleitoral.

Cuida-se de crime próprio, porque só pode ser cometido por tabelião, escrevente autorizado ou agente público que detenha atribuição legal de reconhecimento de letra ou firma de outrem, como ocorre com cônsules e agentes diplomáticos.

No Serviço de Notas, o reconhecimento é feito em duas etapas. Primeiro, é con-ferida a assinatura do documento com a constante na respectiva ficha arquivada no Tabelionato. Em seguida, é aposta a assinatura do tabelião ou de seu substituto ates-tando a veracidade daquela assinatura. A responsabilidade penal pelo reconhecimento recai em quem faz a conferência da assinatura, e não em quem subscreve a certidão, exceto se houver má-fé desse último. Isso é assim, observa Mirabete (2003, p. 257), porque “não há participação culposa em crime doloso, sendo impunível a negligência do subscritor do reconhecimento”.

Sujeito passivo é a sociedade. Havendo prejuízo a terceiro, este figurará como sujeito passivo secundário.

O crime é comissivo.

O núcleo do tipo é formado pela elementar “reconhecer”.

A conduta típica consiste em reconhecer, como verdadeira, no exercício da função pública, firma ou letra que o não seja, para fins eleitorais.

Firma é o nome da pessoa. O nome confere identidade à pessoa, tornando-a única em seu universo de relações jurídico-sociais. É pelo nome que a pessoa se individua-liza no meio em que vive e realiza seus negócios. Tecnicamente, o nome compreende duas partes: prenome e sobrenome. É comum, porém, empregar-se o vocábulo nome para designar só o prenome.

Page 214: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 205

Letra é um sinal gráfico num sistema alfabético; é a representação gráfica de um fonema, ou seja, dos sons da voz humana. Cada pessoa escreve esse sinal de uma maneira própria, peculiar, imprimindo um ritmo particular aos movimentos gráficos que realiza.

Um documento pode ser escrito inteiramente por uma pessoa ou tão só subscrito por ela; é isso, aliás, o mais comum atualmente.

Reconhecer uma firma ou letra é certificar sua procedência, ou seja, que ela emana do punho de certa pessoa.

Normalmente o reconhecimento é de firma, sendo a letra reconhecida em perícia grafotécnica realizada por experts.

Reconhecer firma significa atestar a veracidade da assinatura aposta em um do-cumento. Isso pode ser feito de duas formas: i) mediante o cotejo da assinatura no documento com outra preexistente e gravada em uma ficha que fica arquivada no Ser-viço de Notas – denominada padrão; ii) presenciando o notário o momento em que o autor apõe sua assinatura no documento. Assim, é atestado que a assinatura proveio do punho de quem é indicado como subscritor do documento. O trabalho de reconhe-cimento pode envolver a análise de outros dados, como o número de documentos de identificação. O reconhecimento é feito no corpo do próprio documento e deve conter o nome da pessoa a que se refere.

Ressaltam Loureiro Filho e Loureiro (2004, 199) ser proibido

“o reconhecimento de firma em documento sem data, ou que contenha, no contexto, espaços em branco. Se o instrumento contiver todos os ele-mentos do ato, pode o tabelião ou escrevente autorizado reconhecer a firma de apenas uma das partes, não obstante faltar a assinatura da ou-tra, ou das outras”.

Do elemento normativo “no exercício da função pública” resulta que o agente deve encontrar-se investido legalmente na função que o habilita a reconhecer firma ou letra.

No que concerne ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, que pode ser direto ou eventual. Compreende o conhecimento da falsidade da firma reconhecida como ver-dadeira. Se o agente tiver dúvida quanto à autenticidade da assinatura e, apesar disso, reconhecê-la, cometerá o crime.

Tal como os demais delitos de falsidade, o tipo contém um elemento subjetivo, pois o falso reconhecimento deve ser “para fins eleitorais”.

O crime em exame é formal. Sua consumação se perfaz com o falso reconhecimen-to, sendo irrelevante que ocorra lesão concreta à administração eleitoral.

É possível a tentativa.

Sanção – as penas são idênticas às cominadas para a falsidade ideológica. Assim, se o documento for público: pena de reclusão de um a cinco anos e multa de cinco

Page 215: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

206 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

a 15 dias-multa; se for particular: reclusão de um a três anos e multa de três a dez dias-multa.

Considerando que nas duas situações apontadas o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, não tem cabimento a transação penal.

Tendo em vista que a pena mínima cominada em ambos os casos é igual a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Por tratarem, os dois casos, de infração de maior potencial ofensivo há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Art. 353 Uso de documento falso

“Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou altera-dos, a que se referem os artigos. 348 a 352:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.”

O art. 353 corresponde ao art. 304 do Código Penal, que assim define o crime de uso de documento falso: “Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 297 a 302.” Vê-se que nesse tipo penal o legislador apenas ajustou a remissão ao Código Eleitoral, a saber, aos art. 348 a 352 desse Código. Claro está que o uso de documento falso previsto no art. 353 do CE é um delito especial e só se apresenta em contexto eleitoral.

A tutela penal é ainda a fé pública eleitoral. Na verdade, o falso e o uso apresen-tam o mesmo fim e lesam intensamente o bem jurídico em apreço.

Cuida-se de crime comum. Qualquer pessoa pode cometê-lo, inclusive o próprio autor da falsificação, sozinha ou em concurso com outras.

Sujeito passivo é a sociedade. Havendo prejuízo a terceiro, este figurará como sujeito passivo secundário.

O crime é comissivo.

O núcleo do tipo é formado pela elementar “fazer uso”.

A conduta típica consiste em fazer uso dos documentos falsificados ou alterados a que se referem os arts. 348 a 352 do CE.

Fazer uso é o mesmo que empregar, aproveitar, valer-se. O agente utiliza o do-cumento falso como se fosse autêntico ou verdadeiro, ou pretendendo fazê-lo passar por autêntico ou verdadeiro. O uso deve ser efetivo, real, e não consequência de mero gracejo, ostentação ou exibicionismo. Pode o uso ser judicial (ex.: anexar falso docu-mento em petição para instruir a demanda judicial ou pleito de medida cautelar) ou extrajudicial (ex.: exibir falso documento a autoridade administrativa, utilizá-lo para instruir procedimento administrativo, colocá-lo em circulação).

Page 216: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 207

Ressalta Mirabete (2003, p. 268) que o falso documento deve ser empregado “em sua específica destinação probatória”, e não para fins diversos daquele para o qual foi concebido.

O crime em exame tem por objeto material os documentos aludidos nos arts. 348, 349, 350 e 352 do Código Eleitoral. Trata-se de crime remetido, cuja figura típica refere ou envia a outros dispositivos, que passam a integrá-la. Assim, o delito de uso pressupõe a ocorrência de crime anterior de falso, pois este o integra. Por isso, afirma Mirabete (2003, p. 269) que a “existência do falso penalmente reconhecido é pressu-posto básico para a consequente responsabilidade pelo uso”.

Para a configuração do delito, não é exigida a ocorrência de dano real, efetivo, à fé pública, mas apenas potencial. É necessário que pelo menos se apresente a possibili-dade de dano ou prejuízo ao bem juridicamente tutelado, isto é, à fé pública eleitoral. De sorte que, se o anterior crime de falso for inócuo, inofensivo, inapto ou incapaz de provocar dano, não se perfaz a tipicidade material do delito de uso.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, que pode ser direto ou eventual. Com-preende o conhecimento da falsidade do documento. Se o agente tiver dúvida quanto à sua autenticidade ou veracidade e, apesar disso, usar o documento, cometerá o cri-me. Não é prevista forma culposa.

O tipo legal não descreve um elemento subjetivo do tipo como o fazem os delitos de falso a que ele se refere. Assim, não consta que o uso deva ser “para fins eleitorais”. Mas tal requisito encontra-se implícito. Ora, se a configuração do falso eleitoral re-quer a presença dessa específica finalidade, é óbvio que o uso também deve ostentá-la. Não fosse assim, o crime seria comum e não eleitoral.

O crime em exame é formal. Sua consumação se perfaz com o uso efetivo do docu-mento falso. É irrelevante que ocorra lesão concreta à administração eleitoral.

Não é possível a tentativa. Como diz Hungria (1958, p. 298), “qualquer começo de uso já é uso”, de maneira que o crime se consuma com o primeiro ato de utilização do falso documento.

Sanção – as penas são iguais às cominadas para a anterior falsificação material ou ideológica do documento usado.

Conforme salientado, os arts. 348, § 1o, e 350, parágrafo único, do CE preveem causas de aumento das respectivas penas. Em tal caso, tais majorantes também incidirão no uso.

Não cabe transação penal no delito de uso, pois o máximo das penas abstratamen-te cominadas nos arts. 348, 349, 350 e 352 do CE é superior a dois anos.

Sendo, pois, o crime de uso de maior potencial ofensivo, há geração da inelegibili-dade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o) em caso de condenação.

Admite-se o sursis processual nas hipóteses de uso em que o falso anterior for en-quadrado nos arts. 349, 350, caput, e 352 do CE porquanto a pena mínima cominada a esses delitos é de um ano.

Page 217: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

208 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Falsificação e uso de documento – se o próprio autor da falsificação usar o documento haverá concurso entre o anterior crime de falso e o posterior de uso. No caso, o confli-to de normas é aparente, devendo ser resolvido pelo princípio da consunção. Ocorre, porém, que há divergência quanto ao subprincípio aplicável na solução dessa questão. Para uma corrente, a resolução do conflito se resolve pela aplicação do subprincípio do post factum não punível – de modo que o fato posterior (o uso) constitui mero exauri-mento do falso. Assim, o crime de uso fica absorvido pelo de falso.

Já para outra corrente, tecnicamente melhor, tal conflito deve ser solucionado pela aplicação do subprincípio do ante factum não punível, porque a finalidade do agente não é outra senão o uso; sendo este o crime-fim, deve absorver o anterior, i.e., o de falsificação, que constitui etapa de realização daquele.

Entretanto, é certo que se o autor da falsificação não for a mesma pessoa que usar o documento, cada qual responderá por seu próprio delito.

Jurisprudência

“Agravo regimental no recurso especial. Crimes contra a fé pública. Uso de documento falso. Art. 304, do código penal. Documento falso. Auten-ticação em cartório. Envio fac-símile. Utilização. Prestação de Serviços como contadora. Configuração do crime. Peculiaridade. Desnecessidade de apresentação física do documento. Agravo Regimental não provido. 1. Enquadra-se na hipótese do art. 304, do Código Penal quem se vale da internet para forjar carteira do Conselho Regional de Contabilidade do Es-tado do Rio Grande do Norte e a autentica, enviando-a por fax à Secreta-ria Estadual de Tributação para obter trabalho de Contadora, ludibriando o órgão oficial e diversas empresas. 2. Documento público autenticado em Cartório tem a mesma fé do seu original (art. 223, do CC/2002 e art. 365, III, do CPC). 3. Caso peculiar em que houve autenticação do documento forjado em Cartório, entendendo esta Corte Superior ser des-necessária a apresentação física do documento falso para a caracterização do delito em tela. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg no REsp no 1363665/RN – 5a T. – DJe 11-12-2013).

“Recurso criminal. Condenação na pena de reclusão de 15 (quinze) anos por fatos tipificados nos arts. 348, 353 e 354, todos do Código Eleito-ral, c/c art. 69 do Código Penal. Rejeição da preliminar de nulidade da sentença. Provimento parcial do recurso relativamente à tipificação final das infrações e fixação da pena. Aplicação do princípio da absorção e da súmula 17 do STJ. Condenação pelas duas infrações de uso de documen-to falso (art. 353 do Código Eleitoral). Reconhecimento da continuida-de delitiva. Fixação da pena final em 4 (quatro) anos de reclusão. 1. A alegação de nulidade da sentença por ausência de realização de perícia

Page 218: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 209

deve ser rejeitada uma vez que: os documentos juntados aos autos são suficientes para demonstrar a falsificação, tornou-se impossível a perícia direta devido à destruição dos documentos e por ter efeito de prova peri-cial, o documento constante dos autos e subscrito por duas peritas papi-loscopistas da Superintendência de Polícia Técnico-Científica. 2. Conde-nação pela prática dos tipos previstos nos arts. 348, 353 e 354 do Código Eleitoral c/c art. 69 do Código Penal parcialmente reformada para que, aplicando-se a tese de que o crime de uso de documento falso – art. 353 – absorve o crime de falsidade – art. 348 – (Princípio da Absorção ou Consunção) e a Súmula 17 do STJ, bem como de que não seria possível a responsabilização pela obtenção de documento falso (art. 354), manter a condenação apenas pelas duas infrações de uso de documento falso. 3. Pena final privativa de liberdade pelas infrações de uso de documento falso (art. 353 do Código Eleitoral) fixada em 4 (quatro) anos de reclusão tendo em vista o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal). 4. Recurso Criminal conhecido e parcialmente provido.” (TRE-GO – RC no 3 – DJ, t. 1, 4-3-2009, p. 1).

“Recurso eleitoral. Sentença que julgou procedente a pretensão punitiva estatal condenando os recorrentes nas sanções do art. 353 c/c o art. 349 da lei 4.737/65. Sentença mantida. Recurso desprovido. Para a configu-ração do delito previsto no art. 353 c/c o art. 349 da lei 4.737/65 há de ser demonstrada a materialidade do crime retratada na comprovação da falsidade do documento particular; bem como de sua autoria. As provas trazidas aos autos são conclusivas na demonstração da falsidade do do-cumento distribuído, bem como da autoria da conduta prevista no art. 353 c/c 349 do Código Eleitoral. A comprovação da distribuição da carta pelos recorrentes caracteriza o dolo previsto no elemento subjetivo do tipo, posto que os acusados tinham plena consciência da gravidade das informações trazidas no referido documento particular e mesmo assim assumiram o risco de o distribuírem. Caracterizada também a vantagem eleitoral decorrente da distribuição do documento falso, posto que sua divulgação ocorreu às vésperas da eleição municipal. Por sua vez, a pena aplicada pelo Juízo de Primeiro Grau observou todas as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Eleitoral, averbando devidamente a repri-menda de acordo com os reflexos sociais e eleitorais consequentes das condutas dos agentes. Recurso conhecido e desprovido, mantendo-se in-cólume a sentença recorrida.” (TRE-ES – RCRIM no 37 – DOE 29-1-2009, p. 2).

“Recurso Criminal. Ação Penal. Crime previsto no art. 353 combinado com o art. 348, ambos do Código Eleitoral. Procedência. Eleições 2004. Utilização de documento ideologicamente falso quando do requerimento

Page 219: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

210 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

de registro de candidatura. Documentação expedida por diretora de esco-la, sem checar a autenticidade do conteúdo declarado. Não-comprovação do elemento subjetivo do tipo. Absolvição. Recurso a que dá provimen-to.” (TRE-MG – RC no 17 – DJEMG 6-11-2008).

“Recurso Criminal. Vereador. Eleições 2004. Art. 353 c/c os arts. 348 e 350, do Código Eleitoral. Condenação. Utilização de documento público falso, consistente em certificado de conclusão do ensino fundamental, para instruir pedido de registro de candidatura. Aplicação do princípio da consunção. A inserção de dados inverídicos no Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) foi apenas o meio para o uso do documento falso. Análise somente do crime tipificado no art. 353 c/c o 348, do Código Eleitoral. Comprovação de alfabetização pelo recorrente. O documento inquinado não era indispensável ao registro da candidatura, podendo o grau de escolaridade ser atestado por outras maneiras. Para a imputação da conduta ilícita e consequente condenação, não basta o uso de docu-mento falso. É essencial que a utilização tenha potencialmente o poder de gerar algum benefício ao agente, traduzindo-se em alguma vantagem eleitoral. Ausência de potencialidade da conduta para causar qualquer embaraço ao processo eleitoral. Não-caracterização do delito. Absolvição do recorrente, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Recurso a que se dá provimento.” (TRE-MG – RC no 2532008 – DJMG 28-6-2008, p. 102).

“Recurso Criminal. Arts. 290, 350 e 353 do Código Eleitoral. 1o denun-ciado: Condenação nas sanções do art. 353 do Código Eleitoral. Ausência de tipicidade, uma vez que o meio empregado não era suficiente para en-ganar, visto ser pública e notória a falsidade do documento. 2o denuncia-do: Condenação nas sanções do art. 290 c/c art. 350 do Código Eleitoral. Não-comprovação de que houve induzimento à inscrição fraudulenta. Crime de falsidade ideológica. Ausência do elemento subjetivo do injus-to, uma vez que não ficou demonstrado que o documento foi confeccio-nado para fins eleitorais. Recurso provido para absolver os recorrentes da condenação que lhes foi imposta.” (TRE-MG – RC no 372002 – DJMG 21-8-2002, p. 72).

“Apelação Criminal. Declaração de escolaridade. Falsidade material e ideológica. Registro de candidato. Configura ilícito eleitoral a utilização de declaração de escolaridade eivada de falsidade material e ideológica, para fins de registro de candidatura.” (TRE-RO – RCR no 26 – DJ 9-5-2001, p. 47).

Page 220: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 211

Art. 354 Obter falso documento

“Art. 354. Obter, para uso próprio ou de outrem, documento público ou particular, material ou ideologicamente falso para fins eleitorais:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.”

Diferentemente dos demais crimes de falsidade, a presente figura não encontra correspondente no Código Penal.

Visa-se tutelar a fé pública eleitoral, pois a só obtenção de documento falso já põe em risco o bem jurídico em apreço.

Cuida-se de crime comum. Qualquer pessoa pode cometê-lo, sozinha ou em con-curso com outras.

Sujeito passivo é a sociedade.

O crime é comissivo.

O núcleo do tipo é formado pela elementar “obter”.

A conduta típica consiste em obter, para uso próprio ou de outrem, documento público ou particular, material ou ideologicamente falso para fins eleitorais.

Obter é sinônimo de conseguir, alcançar, arranjar, adquirir. O agente se apodera do documento falso, tem a sua posse ou detenção. É irrelevante o meio ou a forma pela qual ele o obteve, se por compra, doação, empréstimo ou mero apossamento, se a título oneroso ou gratuito.

O delito se perfaz com a só posse do documento.

Objeto material são os documentos aludidos nos arts. 348, 349, 350 e 352 do Có-digo Eleitoral. Tal qual o tipo anterior, de uso, aqui também se cuida de crime remeti-do, cuja figura típica refere ou envia a outros crimes, que passam a integrá-lo. Assim, o delito de obtenção de documento falso pressupõe a ocorrência de crime anterior de falsidade, o qual o integra. Por isso, a existência de falso penalmente reconhecido é pressuposto básico para a consequente responsabilidade pela obtenção.

Para a configuração do delito, não é exigida a ocorrência de qualquer dano real, efetivo, à fé pública, mas apenas potencial. É necessário que pelo menos se apresente a possibilidade de dano ou prejuízo ao bem juridicamente tutelado, isto é, à fé pública eleitoral. De sorte que, se o anterior crime de falso for inócuo, inofensivo, inapto ou incapaz de provocar dano, não se perfaz a tipicidade material do delito de obtenção.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, que pode ser direto ou eventual. Compreende o conhecimento da falsidade do documento. Se o agente tiver dúvida quanto à sua autenticidade ou veracidade e, apesar disso, obter o documento, co-meterá o crime.

O tipo legal contém um elemento subjetivo do tipo consistente em a obtenção ser “para fins eleitorais”. Sem essa específica finalidade, atípica será a conduta.

Page 221: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

212 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O crime em exame é formal. Sua consumação se perfaz com a só obtenção do documento falso.

A tentativa se afigura possível.

Sanções – as penas são iguais às cominadas para a anterior falsificação material ou ideológica do documento. Também incidem as respectivas causas de aumento de pena.

Não cabe transação penal no delito de obtenção, pois o máximo das penas abstra-tamente cominadas nos arts. 348, 348, 350 e 352 do CE é superior a dois anos.

Cuidando-se, pois, de crime de maior potencial ofensivo, há geração da inelegibili-dade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o) em caso de condenação.

Admite-se o sursis processual nas hipóteses de obtenção em que o falso anterior for enquadrado nos arts. 349, 350, caput, e 352 do CE porquanto a pena mínima co-minada a esses delitos é de um ano.

Concurso de crimes – se a pessoa que estiver na posse do falso documento também usá-lo, somente responderá pelo delito de uso, que absorverá aquele.

Se o possuidor do falso documento for o próprio falsificador, só responderá pelo falso, pois em relação a este a posse do documento é post factum impunível.

Portanto, o delito em apreço tem em vista coibir a ação de intermediação entre o falsificador e o usuário. É comum que o intermediário adquira o documento para repassá-lo a outrem, que efetivamente o usará.

Jurisprudência

“Recursos criminais visando a reforma da r. sentença monocrática que condenou os recorrentes às penas do delito tipificado no art. 354 do CE. Comprovação da materialidade e autoria do delito, face à prisão em fla-grante e apreensão de documentos. Crime consumado com a simples ob-tenção de documento falso. Improvimento dos recursos.” (TRE-PR – RE no 166 – DJ 6-7-1998).

“Recurso – Crimes eleitorais – Artigos 290 e 354 do Código Eleitoral – Autoria e materialidade comprovadas – Conjunto probatório harmô-nico – Improvimento do recurso. A conduta de induzir eleitor a reali-zar transferência mediante comprovante de residência falso caracteriza o tipo penal previsto no artigo 290 do Código Eleitoral. A obtenção de comprovante de residência falsificado, para uso de outrem, com a fina-lidade de viabilizar transferência eleitoral irregular, caracteriza o crime descrito no artigo 354 do Código Eleitoral. Demonstrados os delitos a partir de um conjunto probatório harmônico, impõe-se a manutenção da sentença. Improvimento do recurso.” (TRE-RN – RE no 7.831 – DJE 10-11-2009, p. 2-3).

Page 222: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 213

2.3 Crimes previstos na Lei das Eleições – Lei no 9.504/1997

Art. 33, § 4o Divulgar pesquisa eleitoral fraudulenta

“Art. 33, § 4o A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, puní-vel com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.”

Pesquisa eleitoral é o procedimento de levantamento e interpretação de dados re-lativos à opinião ou preferência dos eleitores. Tem por finalidade verificar a aceitação, rejeição ou o desempenho de candidatos nas eleições.

Há dois tipos de pesquisas: interna e externa. Enquanto aquela se circunscreve às instâncias do partido, não podendo ser difundida para além de suas fronteiras, esta é adrede elaborada para divulgação pública. É, pois, com a pesquisa externa que o Direito Eleitoral se ocupa.

A pesquisa revelou-se um poderoso instrumento de avaliação dos partidos acerca do desempenho de seus candidatos. Entre outras coisas, ela é útil para a definição de estratégias eleitorais e tomada de decisões pelo partido.

Críticas frequentemente lhe são dirigidas, destacando-se as relativas à manipula-ção dolosa de dados, os erros de previsão que acontecem de vez em quando, a divul-gação incorreta e maliciosa de dados.

No entanto, é preciso reconhecer que se a pesquisa nem sempre acerta, quando realizada com rigor e por instituição séria e honesta aponta a tendência do eleitorado e muitas vezes prevê o resultado das eleições.

É certo que os dados de uma pesquisa – sempre divulgados com alarde pelos in-teressados e ecoados pela mídia – podem influir de modo relevante nas eleições. Por serem psicologicamente influenciáveis, muitos indivíduos tendem a perfilhar a opi-nião da maioria, que supostamente é apurada na pesquisa. Daí votarem em candidatos apontados como “líderes” na pesquisa. Por isso, transformou-se a pesquisa eleitoral em relevante instrumento de marketing político.

Em tal quadro, é razoável que a pesquisa seja submetida a controle estatal, de maneira a não se transformar em veículo indutor de grave desvirtuamento na vontade popular, comprometendo a sinceridade e a legitimidade das eleições.

Toda pesquisa eleitoral elaborada para conhecimento público deve ser registrada na Justiça Eleitoral no prazo de até cinco dias anteriores à divulgação. Para tanto, os interessados devem formular requerimento junto aos órgãos judiciais competentes para o registro de candidaturas. De sorte que, nas eleições municipais, a pesquisa é registrada perante o juiz eleitoral; nas gerais, perante o TRE; e na presidencial, junto ao TSE.

Page 223: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

214 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

A finalidade do registro é permitir o controle social, mormente das pessoas e en-tidades envolvidas no pleito, que poderão coligir a metodologia empregada e os dados levantados.

A objetividade jurídica do delito do art. 33, § 4o, da LE liga-se à tutela da lisura da pesquisa eleitoral. Também se protege a veracidade da propaganda e o direito políti-co fundamental dos eleitores de serem informados correta e honestamente sobre os candidatos, de maneira que possam formular juízos apropriados a respeito deles. Por fim, também se resguarda a sinceridade do pleito, que poderia ser afetada pelo abuso comunicacional.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa sozinha ou em concurso com terceiros.

Pelo art. 35 da LE, também podem ser sujeitos ativos: i) os “representantes legais da empresa ou entidade de pesquisa” – isto é, os detentores do domínio da realização da pesquisa; ii) os representantes legais “do órgão veiculador” – isto é, os represen-tantes do veículo de mídia usado para a divulgação. Nesse último caso, não desponta-rá a responsabilidade penal do responsável pelo veículo de mídia se houver boa-fé de sua parte, o que somente se poderia admitir se a falsa pesquisa tiver sido devidamente registrada junto à Justiça Eleitoral.

Sujeito passivo é a sociedade. Os partidos e candidatos prejudicados figurarão como sujeitos passivos secundários.

Objeto material é a “pesquisa fraudulenta”. Logo, o delito em exame não se perfaz na hipótese de haver divulgação de enquete ou sondagem fraudulentas. Essas, por natu-reza, são formas de levantamento de opinião pública menos rigorosas – e, portanto, menos confiáveis e menos influentes. Diferem da pesquisa principalmente pelos seus âmbitos de abrangência e metodologia empregada.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “divulgar”.

A conduta típica consiste na divulgação de pesquisa fraudulenta.

O substantivo feminino divulgação expressa o ato ou a ação de divulgar, difundir, propalar, espalhar.

Já a elementar “pesquisa fraudulenta” denota pesquisa aparentemente realizada com observância dos critérios técnico-científicos apropriados, com feição de verdadei-ra, mas que, na realidade, é falsa, inventada, fictícia. Com ela se pretende confundir ou ludibriar o cidadão, mormente com vistas a influenciar o sentido de seu voto.

A pesquisa fraudulenta pode ser total ou parcialmente falsa. No primeiro caso, é ela inteiramente inventada – trata-se de uma peça fictícia. No segundo, alguns de seus dados são verdadeiros.

Frise-se que a incriminação legal incide na divulgação de pesquisa fraudulenta. Portanto, não é crime a “criação” de uma tal peça, mas sim sua divulgação, seu uso público, pois isso implica o exercício de indevida influência no processo eleitoral.

Page 224: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 215

Já se entendeu na jurisprudência que o “ato de divulgar deve ser entendido em seu aspecto mais amplo, consistente na realização de atos de alcance geral, aptos a influen-ciarem a vontade do eleitorado.” (TRE/MG – RC no 12102005 – DJ 5-7-2007, p. 102). Assim, a exibição de pesquisa a poucos eleitores não seria suficiente para caracterizar a tipicidade material da conduta, embora reste configurada sua tipicidade formal.

Não importa que os dados divulgados sejam total ou parcialmente falsos, pois em qualquer caso a pesquisa será fraudulenta e sua divulgação realiza a figura típica em exame.

Ademais, é irrelevante que a pesquisa fraudulenta tenha sido registrada na Justiça Eleitoral. Conforme bem assentou a jurisprudência, “a fraude não é suplantada pelo registro das informações da pesquisa eleitoral, nem mesmo na hipótese de eventual ausência de impugnação ao seu conteúdo.” (TRE/SC – RCRIME no 604 – DJESC 11-12-2006, p. 1).

A ausência de especificação legal demonstra que a divulgação pode ocorrer em qual-quer espaço e veículo de comunicação. Abarca, pois, os ambientes reservados às propa-gandas eleitoral, partidária, extemporânea ou antecipada, bem como a mídia em geral, incluindo a Internet. O que importa, realmente, é a difusão dos dados mendazes.

O fato de a pesquisa ser fraudulenta não implica que seu conteúdo seja negativo, contrário a alguém ou a um candidato. Deveras, os dados podem ser positivos, de maneira a enaltecer o beneficiário.

Trata-se de crime formal, não sendo exigida a ocorrência de qualquer resultado ex-terior à conduta do agente. Não é mister, e.g., que haja efetiva influência no eleitorado.

É possível a tentativa. A esse respeito, imagine-se a situação em que a divulgação da pesquisa não se perfaz por razões alheias à vontade do agente. Por exemplo: os jor-nais ou as revistas em que ela seria veiculada sofrem apreensão antes da distribuição; problemas técnico-operacionais impedem ou interrompem a transmissão das mídias já gravadas e entregues às estações de rádio ou televisão.

O tipo subjetivo consiste no dolo, que pode ser direto, eventual e genérico. Direto, porque implica o conhecimento de que a pesquisa é fraudulenta. Eventual, porque o agente pode assumir o risco de divulgar a pesquisa inquinada estando em dúvida so-bre sua licitude. Genérico, porque requer apenas a consciência e a vontade de realizar a conduta típica.

Vale ressaltar que não há previsão no tipo de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor.

A consumação se dá com a efetiva divulgação dos dados da pesquisa. Para isso, não é necessário demonstrar que a divulgação influenciou efetivamente os eleitores. Na verdade, tal influência tem caráter potencial, devendo ser inferida a partir das cir-cunstâncias concretas do evento.

Sanção – a pena é de detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinquen-ta mil a cem mil UFIR.

Page 225: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

216 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinções – o delito em exame requer que a pesquisa em si seja “fraudulenta” e, pois, ilegítima. Se a pesquisa for lícita mas houver distorção nos dados divulgados (que não coincidem com os resultados verificados e devidamente registrados), o cri-me será o do § 3o do art. 34.

Por outro lado, não constitui crime a divulgação de pesquisa realizada adequada-mente, conforme a técnica apropriada, mas sem prévio registro na Justiça Eleitoral. No caso, há apenas ilícito administrativo, previsto no art. 33, § 3o, da LE, que reza: “A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.”

Jurisprudência

“Recurso criminal. Denúncia pela divulgação de pesquisa eleitoral frau-dulenta em programa de rádio comunitária. Violação ao disposto no art. 33, § 4o, da lei n. 9.504/97. Ausência de comprovação de efetiva reali-zação de pesquisa eleitoral. Falta de comprovação de fraude. Elementos do tipo. Não preenchimento. Tipicidade ausente. Recurso conhecido e desprovido.

O art. 33, § 4o, da Lei n. 9.504/97 consiste na divulgação de pesquisa elei-toral fraudulenta, exigindo, para sua configuração a existência de fraude em relação à pesquisa realizada. Impossível seu reconhecimento quando não há prova nos autos de que tenha ocorrido fraude em pesquisa eleito-ral.” (TRE/PR – RE no 149 – DJ 13-3-2009).

“Recurso eleitoral. Divulgação de pesquisa eleitoral vetada. Impossibili-dade de penalizar criminalmente em sede de representação. Provimen-to. Sentença reformada. O crime de divulgação de pesquisa fraudulenta, previsto no art. 33, § 4o, da Lei no 9.504/97, depende de propositura de ação penal pública, cuja titularidade pertence exclusivamente ao Minis-tério Público Eleitoral, quando enseja a penalidade de detenção e multa. Assim, patente a improcedência da representação em cujo bojo o autor pretendia a cominação de sanções de natureza penal, dá-se provimento ao recurso para, reformando a decisão objurgada, tornar insubsistente a multa aplicada que, no caso, possui caráter sancionatório penal.” (TRE/MS – RE no 1.167 – DJ, t. 1.850, 10-11-2008, p. 308).

Page 226: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 217

“Recurso Criminal. Art. 323 do Código Eleitoral. Condenação em 1o grau. Pena substituída nos moldes do art. 44 do Código Penal. Eleições 2004. Divulgação de fatos inverídicos na propaganda eleitoral. Divulga-ção de pesquisa fraudulenta. Impossibilidade de imputação bivalente. Conflito aparente de normas. O tipo descrito no art. 33, § 4o, da Lei 9.504/97 é especial em relação ao tipo descrito no art. 323 do Código Eleitoral. Princípio da especialidade. Presença do elemento especializan-te consistente na pesquisa eleitoral fraudulenta. Prevalência do tipo do art. 33, § 4o, da Lei 9.504/97. Crime comum, considerada a não-exigên-cia de qualificação especial do agente para a prática da infração eleitoral. Inteligência do art. 35 da Lei 9.504/97. Emendatio libeli. Art. 383 do CPP. Aplicabilidade nesta instância, desde que observado o princípio da não reformatio in pejus. Apreciação da conduta à luz do art. 33, §4o, da Lei n. 9.504/97. Não-comprovação da efetiva divulgação da pesquisa fraudu-lenta. Exibição de pesquisa a dois ou três eleitores não é suficiente para caracterizar a tipicidade da conduta. O ato de divulgar deve ser enten-dido em seu aspecto mais amplo, consistente na realização de atos de alcance geral, aptos a influenciarem a vontade do eleitorado. Princípio da insignificância. Ainda que se reconheça presente a tipicidade formal da conduta dos recorrentes, todavia, materialmente, o fato não é típico, dada a inexpressividade da conduta praticada pelos agentes. Tipicidade penal não caracterizada, sob sua dupla perspectiva, formal e conglobante. Reforma da sentença condenatória. Absolvição. Art. 386, III, do Código de Processo Penal. Recurso a que se dá provimento.” (TRE/MG – RC no 12102005 – DJ 5-7-2007, p. 102).

“Recurso – Processo-crime – Divulgação de pesquisa fraudulenta – Art. 33, § 4o, da lei n. 9.504/197 – Comprovação da materialidade e da autoria do delito – Desprovimento. A realização de pesquisa eleitoral fraudulen-ta e sua posterior divulgação são suficientes para configuração do com-portamento delituoso reprimido pelo art. 33, § 4o, da Lei n. 9.504/1997, cuja tipicidade não é afastada em face do tempestivo registro do levanta-mento estatístico ilícito. É dizer, a fraude não é suplantada pelo registro das informações da pesquisa eleitoral, nem mesmo na hipótese de even-tual ausência de impugnação ao seu conteúdo.” (TRE/SC – RCRIME no 604 – DJESC 11-12-2006, p. 1).

“Inquérito policial – Adulteração de pesquisa eleitoral – Arts. 34, § 4o e 35 [rectius: 34], § 3o, da Lei n. 9.504/1997 – Não-responsabilização do beneficiário da conduta – Ausência de provas da autoria – Privilégio de foro – Inexistência – Remessa à origem.” (TRE/SC – PCRIME no 445 – DJ 21-6-2004, p. 175).

Page 227: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

218 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“Recurso eleitoral. Pesquisa eleitoral fraudulenta. Art. 33, §4o da Lei no 9.504/97. Preliminar. Nulidade de sentença. Representação ajuizada por Coligação. Ilegitimidade. Matéria referente a crime eleitoral. Os crimes eleitorais são de ação penal pública e é função institucional privativa do Ministério Público promovê-la através do instrumento próprio que é a denúncia. Arts. 129, inciso I da Constituição Federal e art. 24 do Código de Processo Penal. Ofensa ao princípio do devido processo legal. Carac-terização de vício de nulidade absoluta. Art. 564, inciso III, alínea ‘a’ do Código de Processo Penal. Recurso a que se dá provimento. Decisão unâ-nime.” (TRE/MG – RE no 37572000 – DJMG 28-11-2001, p. 62).

“Representação eleitoral. Pesquisa eleitoral registrada com indicação de reduzido valor de custos. Não comprovação de irregularidade. 1. A lei eleitoral prevê a punição dos responsáveis pela divulgação de pesquisa sem o prévio registro de informações, sujeitando-os a multa (artigo 33, § 3o, da Lei n. 9.504/97), e como crime a divulgação de pesquisa fraudu-lenta (artigo 33, § 4o, do mesmo diploma legal). 2. A divulgação de pes-quisa com o prévio registro de todas as informações exigidas pela lei não induz à aplicação imediata de multa administrativa, ainda que se levante suspeita de fraude. A informação de dados considerados incorretos não descaracteriza a validade do registro das informações, mas pode configu-rar crime, se comprovadas as incorreções. 3. Envio de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para os fins do artigo 40 do Código de Pro-cesso Penal.” (TRE/AC – REP no 058 – DOE, t. 7.744, 23-3-2000, p. 9).

“Recurso eleitoral – Divulgação de pesquisa com nome de candidato que não constava do questionário registrado no TRE – Ausência do ‘animus’ de fraudar. Não havendo indícios de fraude não se pode condenar institu-to de pesquisa que fez publicar sondagem de opinião pública constando nome de candidato que não figurava no questionário depositado na se-cretaria do TRE.” (TRE/AC – RE no 56 – DOE, v. 7.416, 2-12-1998, p. 5).

Art. 34, § 2o Dificultar ou impedir o acesso aos dados de pesquisa eleitoral

“Art. 34. (vetado)

§ 1o Mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas

Page 228: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 219

ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes.

§ 2o O não-cumprimento do disposto neste artigo ou qualquer ato que vise a retardar, impedir ou dificultar a ação fiscalizadora dos partidos constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.”

O delito previsto no art. 34, § 2o, da LE também se situa no contexto de pesquisa eleitoral.

Reza o art. 33 da Lei no 9.504/97:

“Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento públi-co, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleito-ral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I – quem contratou a pesquisa;

II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III – metodologia e período de realização da pesquisa;

IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de ins-trução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; (redação da Lei no 12.891/2013)

V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII – o nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da res-pectiva nota fiscal (redação da Lei no 12.891/2013).”

A esse rol, outras exigências têm sido feitas nas resoluções do TSE que disciplinam essa matéria, tais como indicação da identidade do estatístico responsável pela pesquisa e indicação dos locais por ela abrangidos (vide art. 1o das Res. TSE no 22.143/2006, no 22.623/2007, no 23.190/2009, no 23.364/2011; art. 2o Res. TSE no 23.400/2013).

O órgão da Justiça Eleitoral incumbido do registro é o vinculado ao registro de candidaturas. Assim, nas eleições municipais, a pesquisa é registrada perante o juiz eleitoral; nas gerais, perante o TRE; e na presidencial, junto ao TSE.

O registro deve ser realizado pela Internet, no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (SRPE), cujo programa é disponibilizado nos sítios dos tribunais eleitorais. Concluído o registro, as informações e os dados respectivos ficam à disposição de todos pelo prazo de 30 dias (LE, art. 33, § 2o), sendo, pois, livre o acesso.

Page 229: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

220 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Extrai-se do citado § 1o, art. 34, da LE que aos partidos e coligações é facultado requerer à Justiça Eleitoral

“acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da cole-ta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes”.

Consequentemente, deferido o requerimento, a entidade realizadora da pesquisa não pode deixar de fornecer os dados que lhe forem solicitados.

A objetividade jurídica do delito do art. 34, § 2o, da LE liga-se à tutela da fiscalização exercida pelos partidos políticos a fim de averiguarem a lisura da pesquisa eleitoral.

Quanto ao sujeito ativo, trata-se de crime próprio, porque exige que o agente ostente uma especial qualidade, qual seja: a de representante legal da empresa ou entidade de pesquisa; é mister que o agente tenha o domínio ou o controle de todos os dados, processos e documentos relacionados à pesquisa.

Sujeito passivo é a sociedade. Também poderá figurar como vítima secundária o partido que tiver negado ou retardado o acesso aos documentos e dados da pesquisa conforme requerido.

Objeto material são os dados concernentes à pesquisa, tais como: sistema interno de controle, dados coletados (incluídos os referentes à identificação dos entrevistado-res), planilhas individuais, mapas ou equivalentes.

O tipo legal é misto alternativo, sendo formado pelos núcleos: “não cumprir”, “retardar”, “impedir” e “dificultar”. O emprego da partícula ou indica que há fungi-bilidade entre as condutas, sendo que a realização de mais de uma delas implica o cometimento de um só delito.

As condutas típicas consistem em: 1) não cumprir o disposto no § 1o do art. 34, isto é, negar ao partido interessado o acesso às informações e documentos relativos à pesquisa registrada; 2) retardar (atrasar, delongar) a ação fiscalizadora dos partidos; 3) impedir (obstar, bloquear) essa ação; 4) dificultar (embaraçar, estorvar) essa ação.

Podem as condutas ser omissiva (notadamente na hipótese 1) e comissivas.

Consoante expressa previsão típica, a conduta só é relevante quanto a condutas realizadas em relação a partido político. Nesse caso se deve compreender a coligação que, para fins eleitorais, é considerada partido.

Portanto, atípicas são as condutas realizadas em face de requerimento formulado por candidato ou membro do Ministério Público Eleitoral.

Pressupõe-se que a pesquisa tenha sido devidamente registrada na Justiça Elei-toral. E também que o partido tenha requerido acesso aos dados e documentos da pesquisa, tendo esse requerimento sido deferido.

Page 230: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 221

Trata-se de crime formal, nas modalidades comissivas. E de mera conduta na for-ma omissiva. Nos dois casos, não é exigida a ocorrência de qualquer resultado exterior à conduta do agente. Assim, não é mister que haja lesão ao partido ou a campanha de seus candidatos.

Na modalidade omissiva, não é possível a tentativa. Mas essa é viável nas formas comissivas.

O tipo subjetivo é o dolo, não sendo prevista uma espécie culposa. O dolo é gené-rico, consistindo na realização das condutas típicas com consciência e vontade.

A consumação se dá com a efetivação da negação, retardamento, impedimento ou embaraço de acesso ao partido interessado às informações e documentos relativos à pesquisa registrada.

Sanção – a pena é alternativa de detenção de seis meses a um ano ou prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo; sendo cumulada com multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Irregular – Não configuração – Inexistência de atos que retardassem ou dificultassem a ação fiscalizadora dos partidos políticos nos dados ense-jadores da pesquisa – Registro no TRE – Atendimento das especificações técnicas – Conhecimento e improvimento do recurso. [...] Inexistência de atos que visassem retardar ou impedir a ação fiscalizadora dos parti-dos políticos no sistema e na coleta de dados das entidades que divul-garem pesquisa de opinião relativa às eleições. Ademais, caso estivesse configurada tal irregularidade, tratar-se-ia de crime punível com deten-ção, em que aplicação das penalidades previstas no artigo 34, § 2o da Lei no 9.504/97 e no artigo 7o, § 2o, da Resolução TSE no 20.950/01, não seria possível no presente feito, por não se estar diante de ação penal ajuizada pelo órgão legitimado. Realizado o registro da pesquisa no Tribunal, não há que se falar na aplicação da multa prevista no artigo 33, § 2o da Lei no 9.504/97 e no artigo 8o da mencionada Resolução. Atendimento das especificações técnicas, de modo a considerar regulares os documentos trazidos aos autos relativos à pesquisa eleitoral.” (TRE/RN – RO no 981 – PSS 10-10-2002).

Page 231: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

222 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“Requer a autorização para o acompanhamento de fiscais dos partidos políticos, em especial os do requerente, na fase de coleta de dados duran-te a realização de pesquisas e testes pré-eleitorais. – O ora Requerente re-quer acesso prévio à fase de coleta de dados, o que esbarra frontalmente com o comando do § 1o do art. 34 da Lei no 9504/97. – O referido acesso deve ser posterior e não anterior à coleta. – Indeferido o pedido. Decisão por maioria.” (TRE/RJ – REQ no 127 – DOE, v. III, t. II, 11-7-2002, p. 1/2).

“As entidades e empresas que realizam pesquisas de opinião pública, relativas às eleições e/ou candidatos, devem proceder ao respectivo re-gistro junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes de sua divulgação. A competência dos Órgãos da Justiça Eleitoral, para o registro das pesqui-sas de opinião quanto aos cargos em disputa, define-se pela competência para o registro das respectivas candidaturas. As pesquisas de opinião relativas à eleição para o cargo de Presidente da República, independen-temente da circunscrição ou âmbito territorial pesquisado, devem ser registradas perante o Tribunal Superior Eleitoral. Agravo não provido.” (TRE/MG – FD no 852002 – PSS 25-4-2002).

Art. 34, § 3o Divulgação de irregularidade de dados de pesquisa eleitoral

“Art. 34. (Vetado)

§ 3o A comprovação de irregularidade nos dados publicados sujeita os responsáveis às penas mencionadas no parágrafo anterior, sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos no mesmo espa-ço, local, horário, página, caracteres e outros elementos de destaque, de acordo com o veículo usado.”

O presente delito também se situa no contexto de pesquisa eleitoral.

Tem por objeto proteger a correção da divulgação dos dados da pesquisa. Também tutela a veracidade da comunicação e o direito político fundamental dos eleitores de serem informados correta e honestamente sobre os candidatos, de maneira que possam formular juízos apropriados a respeito deles. Por fim, igualmente resguarda a sinceridade do pleito, que poderia ser afetada pelo abuso comunicacional.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa sozinha ou em concurso com terceiros.

Pelo art. 35 da LE, também podem ser sujeitos ativos os representantes legais “do órgão veiculador” – isto é, os representantes do veículo de mídia em que se fez a divulgação.

Page 232: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 223

Sujeito passivo é a sociedade. Os partidos e candidatos prejudicados figurarão como sujeitos passivos secundários.

Objeto material são os dados irregularmente publicados. Logo, o delito em exame não se perfaz na hipótese de haver divulgação irregular de enquete ou sondagem.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “publica-dos” (publicar).

A conduta típica consiste na publicação de dados irregulares de pesquisa eleitoral.

Publicar, nesse contexto, significa divulgar dados da pesquisa realizada e devida-mente registrada na Justiça Eleitoral.

Pelo elemento normativo “irregularidade dos dados”, tem-se que os dados di-vulgados não correspondem aos que foram efetivamente apurados e registrados na Justiça Eleitoral.

A divulgação pode ocorrer em qualquer espaço e veículo de comunicação. Abarca, pois, os ambientes reservados às propagandas eleitoral, partidária, extemporânea ou antecipada, bem como a mídia em geral, incluindo a Internet. O que importa é a difu-são irregular dos dados da pesquisa.

Trata-se de crime formal, não sendo exigida a ocorrência de qualquer resultado exterior à conduta do agente. Assim, não é preciso que haja influência no eleitorado.

É possível a tentativa. A esse respeito, imagine-se a situação em que a divulgação irregular da pesquisa não se perfaz por razões alheias à vontade do agente. Por exem-plo: os jornais ou as revistas em que ela seria veiculada sofrem apreensão antes da distribuição; problemas técnico-operacionais impedem ou interrompem a transmis-são das mídias já gravadas e entregues às estações de rádio ou televisão.

O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista modalidade culposa. O dolo pode ser direto, eventual e genérico. Direto, porque implica o conhecimento de que os dados divulgados são irregulares. Eventual, porque o crime estará configurado se o agente assumir o risco de divulgá-los tendo dúvida quanto à regularidade deles. Genérico, porque requer apenas a consciência e a vontade de realizar a conduta típica. Não há previsão no tipo de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir pelo autor.

A consumação se dá com a efetiva divulgação dos dados irregulares.

Sanção – a pena é alternativa de detenção de seis meses a um ano ou prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo; sendo cumulada com multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

Ademais, prevê-se a “obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros elementos de destaque, de acordo com o veículo usado”.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se

Page 233: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

224 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Recursos. Condenação por divulgação irregular de pesquisa eleitoral. Imposição da penalidade de multa prevista no art. 34, § 3o, da Lei das Eleições. A publicação de folheto reproduzindo dados discrepantes de pesquisa eleitoral, mediante a exclusão de parcela dos votos coletados – indecisos, brancos e nulos – e redistribuição dos restantes, de modo a beneficiar o candidato recorrente, é artifício malicioso, capaz de induzir o eleitor em erro. Irregularidade corretamente enquadrada pelo juízo a quo. Provimento negado a ambos os recursos.” (TRE/RS – RP no 606 – DEJERS, t. 94, 15-6-2009, p. 1/2).

“Recurso eleitoral em matéria criminal. Pesquisa eleitoral. Divulgação ir-regular. Impedimento de acesso dos partidos políticos aos dados coletados por instituto de pesquisa. I – Havendo o Instituto de Pesquisa de Opinião Pública – IBOPE registrado regularmente a pesquisa eleitoral, não pode ser este responsabilizado pelo mau uso dos dados colhidos, por parte dos candidatos e partidos políticos. II – Não pratica fato típico o administrador de emissora de rádio que, durante a transmissão da propaganda eleitoral gratuita, divulga dados irregulares de pesquisa eleitoral. Responsabilidade, em abstrato, dos candidatos e partidos políticos que produziram o conte-údo da propaganda. III – O candidato, partido político ou coligação que propala, em propaganda, dados discrepantes com aqueles apurados em regular pesquisa eleitoral comete, em tese, o delito previsto no art. 323 do Código Eleitoral. IV – Não demonstrada de forma cabal a conduta imputa-da ao acusado, de modo a autorizar um juízo de certeza, há de ser aquele absolvido por insuficiência de provas. Inteligência do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. V – Recurso conhecido, mas improvido.” (TRE/CE – RC no 11.042 – DJ 7-2-2002, p. 86/87).

Art. 39, § 5o Propaganda eleitoral no dia da eleição

“Art. 39, § 5o Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com deten-ção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

Page 234: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 225

I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de co-mício ou carreata;

II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; (Reda-ção dada pela Lei no 11.300, de 2006)

III – a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políti-cos ou de seus candidatos. (Redação dada pela Lei no 12.034, de 2009)”

Propaganda eleitoral é a realizada por partidos políticos e candidatos com a fina-lidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público-eletivo. Ca-racteriza-se por promover a candidatura, sobretudo com a divulgação de imagens e argumentos que induzam o eleitor à conclusão de que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. Portanto, a propaganda eleitoral tem o sentido de influir na vontade do eleitor, sendo sua mensagem orientada à conquista de votos nas urnas.

A realização de propaganda eleitoral só é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição. No dia em que o pleito é realizado ela sofre severas restrições. Entende-se que os três meses anteriores são suficientes para os candidatos divulgarem suas men-sagens e se apresentarem ao eleitorado.

A objetividade jurídica das figuras previstas no dispositivo em exame consiste em preservar o eleitor no dia em que exerce o sufrágio, resguardá-lo de pressões ou constrangimentos. Há mister que o voto seja exercido em ambiente ameno, respeito-so, civilizado. Afinal, candidatos e partidos já tiveram tempo, espaço e oportunidades suficientes para divulgar suas ideias, projetos e imagens. Assim, protege-se o direito político fundamental dos eleitores de exercerem a cidadania ativa em ambiente tran-quilo, sem incômodos, inconvenientes ou perturbação de qualquer ordem. O dia do pleito é consagrado ao eleitor, para que exerça o sufrágio em ambiente propício. Por fim, também se resguarda a normalidade do pleito, que poderia ser perturbado pelo embate entre candidatos e apoiadores de colorações diversas.

O crime em tela é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa (não ape-nas candidatos), por si mesma ou em concurso com outras.

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal é de ação múltipla, contendo vários núcleos. As ações típicas são de-duzidas em seus incisos.

O inciso I incrimina “o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata”.

Alto-falante ou amplificador é um aparelho que expande o som original, ensejando sua transmissão a várias pessoas. Para tanto, ele amplia o sinal elétrico gerado pela voz (ou disco) transformando-o em ondas sonoras. Essa elementar abrange o carro de som, minitrio e trio elétrico, pois todos eles usam amplificadores.46

46 A Lei no 12.891/2013 inseriu o § 12 ao art. 39 da LE, que reza: “Para efeitos desta Lei, considera-se:

Page 235: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

226 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Comício é o evento aberto em que são reunidos candidatos e cidadãos em geral com vistas à divulgação de candidatura, bem como exposição e discussão de propostas e projetos do candidato. Pode haver o uso de amplificador de voz e telão para retrans-missão de imagens do próprio comício, i. e., do próprio ato político.

Por fim, carreata é a denominação dada ao deslocamento, em linha, de diversos veículos automotores com propósitos políticos, no caso a demonstração de apoio ou repúdio a determinada candidatura.

O inciso II incrimina “a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna”.

Arregimentar significa reunir, ajuntar. No presente contexto, expressa a aproxima-ção que se faz ao eleitor com vistas a conquistar-lhe o voto. Trata-se, portanto, de uma tentativa de obtenção de apoio eleitoral pouco antes de o cidadão ingressar na seção eleitoral para votar.

Por sua vez, a expressão boca de urna remete às imediações da seção eleitoral em que ocorre a votação. Portanto, a propaganda de boca de urna é a realizada nas pro-ximidades desse local. Não é estabelecida uma distância exata, numérica; mas o em-prego de expressão vaga ou indeterminada tem a vantagem de permitir que a regra legal seja ajustada à realidade das circunstâncias do lugar em que a seção eleitoral é instalada.

Na boca de urna, a propaganda ocorre de forma pessoal, direta, por exemplo: mediante ostentação de bandeiras e estandartes, distribuição de santinhos e panfletos aos eleitores que se apresentam para votar.

Nesse delito não há necessariamente coação do eleitor. Daí ser equivocado o en-tendimento segundo o qual a “‘boca de urna’ é caracterizada pela coação, que inibe a livre escolha do eleitor (Lei no 9.504/97, art. 39, § 5)”. (TSE – Cta no 552/DF – DJ 26-5-2000, p. 93).

Na verdade, se houver coação do eleitor, poderá o agente responder pelo crime tipificado no art. 300 ou 301 do Código Eleitoral, conforme visto anteriormente.

O inciso III incrimina “a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos”.

Assim, no dia do pleito é proibida a divulgação de qualquer tipo de propaganda, seja partidária, seja eleitoral. Devido à sua amplitude, esse dispositivo torna irrelevan-tes o inciso I e a parte final do inciso II (boca de urna), já que a previsão neles contidas são formas de propaganda, portanto meras especificação do gênero.

I – carro de som: veículo automotor que usa equipamento de som com potência nominal de amplificação de, no máximo, 10.000 (dez mil) watts; II – minitrio: veículo automotor que usa equipamento de som com potência nominal de amplificação maior que 10.000 (dez mil) watts e até 20.000 (vinte mil) watts; III – trio elétrico: veículo automotor que usa equipamento de som com potência nominal de amplificação maior que 20.000 (vinte mil) watts.”

Page 236: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 227

Vale observar que o art. 39-A, § 1o, da LE veda

“no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput [bandeiras, broches, dísticos e adesivos] de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.”

Assim, por constituírem formas de propaganda eleitoral, são criminosas, entre outras, as seguintes condutas: i) aglomeração de pessoas portando vestuário padro-nizado – ex.: grupo de pessoas usando camisetas da mesma cor (ou com os mesmos símbolos ou imagens) do partido, do candidato ou da administração encabeçada pelo candidato (na hipótese de reeleição) ou por quem o apoia; ii) carreata; iii) passeata; iv) difusão de jingles por qualquer meio.

É certo que o art. 5o, XVI, da Constituição Federal contempla o direito funda-mental de reunião, o qual também é previsto no art. XX.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização. Por óbvio, estão asseguradas as reuniões e manifestações públicas de caráter político-eleitoral. Porém, no dia da eleição, tal direito é atenuado em prol da preservação da normalidade do pleito.

Mas a genérica vedação contida no enfocado inciso III deve ser bem ponderada, sob pena de se afrontar direitos fundamentais sacramentados na Constituição. A Lei Maior assegura a liberdade de expressão, traduzida em direito subjetivo público de manifestação do pensamento. O que se veda é a realização de propaganda eleitoral, não o exercício do direito de opinião. Este não poderia jamais ser complemente supri-mido, sob pena de sucumbir a essência do regime democrático. Isso porque está-se diante de cláusula pétrea, que não pode ceder a lei ordinária. De maneira que a só ma-nifestação individual e silenciosa do eleitor não chega a realizar a figura típica em tela. Tanto assim que o art. 39-A, caput, da LE dispõe: “É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dís-ticos e adesivos.”

Nessa última regra legal, o advérbio exclusivamente enseja o entendimento de que a manifestação individual e silenciosa do eleitor só pode se dar pelo uso de “bandei-ras, broches, dísticos e adesivos”, com exclusão de outros meios de expressão. O rol seria numerus clausus, não admitindo acréscimos. Nessa ótica, vedado estaria o uso de camisa, camiseta, calça, bermuda, boné ou chapéu contendo pintura ou inscrição com o nome ou número de candidato. Essa interpretação, porém, é claramente inconstitu-cional, porque fere a liberdade fundamental de expressão e o direito de manifestação livre do pensamento. Ademais, trata-se de interpretação irracional, porque as vesti-mentas aludidas poderiam conter adesivos com as mesmas inscrições.

Page 237: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

228 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

De outro lado, o art. 7o da Lei no 12.034/2009 excepcionou a “propaganda eleito-ral veiculada gratuitamente na Internet, no sítio eleitoral, blog, sítio interativo ou so-cial, ou outros meios eletrônicos de comunicação do candidato, ou no sítio do partido ou coligação, nas formas previstas no art. 57-B da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997”. De tal maneira, no dia do pleito, poderá ser mantida a propaganda realizada gratuitamente na Internet pelo candidato (em seu sítio eleitoral, blog, sítio interativo ou social, ou outros meios eletrônicos de comunicação), bem como a realizada no sítio de seu partido ou coligação. Observe-se, porém, que, ante o teor do art. 240, parágrafo único, do Código Eleitoral, a propaganda veiculada em outros sites deve ser retirada até a antevéspera do pleito, isto é, 48 horas antes de seu início. Nessa proi-bição inclui-se a publicidade realizada na imprensa escrita e reproduzida na Internet, conforme prescreve o art. 43 da LE.

Por fim, vale salientar que o que a figura típica em exame veda é a divulgação de propaganda no dia do pleito, não, porém, a continuação das que foram feitas anterior-mente. Assim, não é ilícita a permanência de bandeiras e cartazes afixados em muros, santinhos atirados nas ruas etc. Nesse sentido, tem razão Gonçalves (2012, p. 130) ao afirmar que inexiste crime “na permanência, mesmo no primeiro ou último domingo de outubro, de cartazes ou pinturas realizados anteriormente a essas datas. Não há o crime de ‘deixar a propaganda’ ou ‘omitir-se no dever de retirá-las’”.

Os delitos descritos nos incisos I, II e III da regra legal em exame são formais, por-que não exigem a ocorrência de um resultado exterior à conduta do agente expresso pela influência nos eleitores.

É possível ocorrer a tentativa.

O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista forma culposa. O dolo é genérico, implicando a consciência e a vontade de realizar as condutas típicas.

Saliente-se inexistir previsão nos tipos de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir.

A consumação se perfaz com a concretização das condutas especificadas. É desne-cessário comprovar a real e efetiva influência do fato sobre os eleitores. Na verdade, tal influência tem caráter potencial, devendo ser inferida a partir das circunstâncias concretas.

Sanção – em todos os casos, a pena é alternativa: detenção de seis meses a um ano ou prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo; em qualquer caso, é cumu-lada com multa no valor de cinco mil a 15 mil UFIR:

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Page 238: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 229

Jurisprudência

“Condenação criminal. Propaganda eleitoral vedada. Boca de urna. – Para rever a conclusão do Tribunal a quo de que ficou configurada boca de urna consistente na utilização de camisas com a inscrição de número corres-pondente a candidato no dia das eleições e que tal prática não represen-tou manifestação individual e silenciosa da preferência de eleitores, seria necessário o reexame de fatos e provas, o que encontra óbice na Súmula no 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental não provido.” (TSE-AgR-AI no 144479/RJ – DJe, t. 162, 23-8-2012, p. 38).

“Habeas corpus. Prática de boca de urna. Denúncia formal e materialmente viável. Observância ao art. 41 do Código de Processo Penal (art. 357, § 2o, do Código Eleitoral). Ausência dos requisitos para trancamento da ação penal. Crime de mera conduta. Precedentes do Tribunal Superior Eleito-ral. Ordem denegada. O trancamento da ação penal só se dá quando, de plano, se evidencia a falta de justa causa para a persecução penal, seja pela atipicidade do fato, seja pela absoluta falta de indício quanto à au-toria do crime imputado ou pela extinção da punibilidade. Não é inepta a denúncia que atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal (art. 357, § 2o, do Código Eleitoral), ainda que sucinta. O crime de boca de urna independe da obtenção do resultado, que, na espécie em foco, seria o aludido convencimento ou coação do eleitor. Precedentes.” (TSE – HC no 669/RJ – DJe 19-5-2010, p. 27).

“Habeas Corpus – Trancamento da ação penal – Crime – Art. 39, § 5o, II, da Lei no 9.504/97 – Distribuição de propaganda política no dia da eleição – Boca-de-urna – Inexistência – Atipicidade. 1. A entrega de material de campanha a cabos eleitorais, no interior de residência, não se enquadra no crime capitulado no art. 39, § 5o, II, da Lei no 9.504/97, delito que pune a distribuição de propaganda a eleitor, no dia da votação, com o intuito de influir na formação de sua vontade. 2. Na Res.-TSE no 21.235, este Tribunal Superior esclareceu que a proibição constante do art. 6o da Res.-TSE no 21.224 não se aplica à entrega ou à distribuição, a quem o solicite, de material de propaganda eleitoral no interior das sedes dos partidos políticos e dos comitês eleitorais. Concessão da ordem.” (TSE – HC no 474/SP – DJ, v. 1, 5-12-2003, p. 163).

“Recurso ordinário em habeas-corpus – Ordem denegada pela instância a quo – Crime de ‘boca de urna’ – Conduta prevista no art. 39, § 5o, II, da lei no 9.504/97. 1. O crime de distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, é de mera conduta, con-sumando-se com a simples distribuição da propaganda. 2. Inadequada é

Page 239: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

230 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

a via sumária e documental do habeas-corpus para o trancamento da ação penal (Precedentes/TSE: Ag 1.974, de 23.11.99, rel. Min. Jobim; RHC no 20, de 5.11.98, rel. Min. Néri da Silveira e HC no 312, 1o.4.97, rel. Min. Costa Leite). Recurso a que se nega provimento.” (TSE – RHC no 45/MG – DJ, v. 1, 6-6-2003, p. 136).

Art. 40 Usar sinais ou imagens semelhantes aos da Administração Pública

“Art. 40. O uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, em-presa pública ou sociedade de economia mista constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.”

O delito previsto nesse art. 40 também se situa no âmbito da propaganda elei-toral.

Tem por objetivo prevenir abusos decorrentes da associação de certa candidatura a determinado órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como às ações e programas por eles desenvolvidos. Tal prática fere o equilíbrio e a isonomia que deve haver entre os diversos candidatos, pois haverá inegável bene-fício àquele cuja imagem estiver associada ou “colada” a órgãos e ações estatais, que, efetivamente proporcionam benefícios à população em geral. Por outro lado, transmi-te ao cidadão a falsa impressão de que somente aquele candidato tem aptidão para dar continuidade à gestão estatal, levando-o, assim, a definir o seu voto.

Vale lembrar que o governo (seus órgãos e entidades) denota a face dinâmica, ativa, do Estado. Trata-se do conjunto de pessoas, instituições e órgãos que impul-sionam a vida pública, realizando a vontade política do grupo investido no poder. O governo, em suma, exerce o poder político enfeixado no Estado. É ele que gere re-cursos públicos, define políticas públicas, implementa projetos sociais e econômicos, entre outras coisas. Não devem, pois, as ações governamentais serem confundidas com candidaturas.

O crime em tela é comum. Não há mister que o agente seja candidato ou esteja ligado a partido político. Mesmo porque, a qualquer eleitor é dado realizar gasto e propaganda em prol do candidato que apoia.47 Pode o delito ser realizado mediante concurso de pessoas.

47 Nos termos do art. 27 da Lei no 9.504/97: “Qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candi-dato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados.”

Page 240: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 231

Sujeito passivo é a sociedade.

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “uso” (usar).

A conduta típica consiste em usar (empregar, utilizar), na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista.

Observe-se que os “símbolos” ou as “imagens” de entes da Administração direta e indireta não se confundem com os símbolos nacionais, de Estado federado ou municí-pio, como bandeiras e hinos. Apesar de não se tolerar propaganda que desrespeite ou avilte símbolos nacionais, não existe vedação legal para a exibição ou utilização deles na propaganda eleitoral.

Frise-se inexistir irregularidade em o candidato expor ou apresentar “as realiza-ções de seu governo”, pois isso é inerente à natureza do debate envolvido na disputa eleitoral e desenvolvido na propaganda (TSE – RCED no 698/TO – DJe 12-8-2009, p. 28-30). É natural que o candidato divulgue suas realizações e experiências passadas, ensejando ao eleitor informações para sopesar sua escolha.

O delito em apreço é formal, não exigindo a ocorrência de resultado exterior à conduta do agente, notadamente não requer que o eleitorado seja efetivamente in-fluenciado.

É possível ocorrer a tentativa.

O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista forma culposa. O dolo é gené-rico, inexistindo previsão de elemento subjetivo respeitante a um especial fim de agir.

A consumação se perfaz com o só uso na propaganda dos aludidos símbolos, fra-ses ou imagens.

Para a consumação, não é necessário demonstrar a real e efetiva influência da pro-paganda nos eleitores. Na verdade, tal influência tem caráter potencial.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de seis meses a um ano ou prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período; em qualquer caso, é cumulada com mul-ta no valor de dez mil a 20 mil UFIR.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Page 241: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

232 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Jurisprudência

“Recurso especial. Propaganda eleitoral. Uso. Candidato. Campanha eleitoral. Igualdade. Cor. Administração municipal. Art. 40 da Lei no 9.504/97. Rejeição. Denúncia. Atipicidade da conduta. Dissídio jurispru-dencial. Ausência. Desprovido. [...] – A utilização de determinada cor durante a campanha eleitoral não se insere no conceito de símbolo, nos termos do art. 40 da Lei 9.504/97. – A referida norma é expressa ao dispor que há crime caso a propaganda utilize símbolo, imagem ou frase associadas ou semelhantes às utilizadas pela Administração Pública. – Na espécie, inviável dar a extensão que requer o autor à utilização de cor como símbolo, para fins do art. 40 da Lei das Eleições. – A lei penal deve ser interpretada estritamente – garantia do princípio da legalidade. – Dis-sídio jurisprudencial não comprovado. – Recurso especial desprovido.” (TSE – REspe no 26.380/GO – DJ 5-6-2008, p. 30).

“Recurso especial – Ação penal – Símbolos, frases ou imagens associa-das à administração direta – Uso em propaganda eleitoral – Art. 40 da Lei no 9.504/97 – Programa de prestação de contas à comunidade – Uso do brasão da prefeitura. 1. Para configurar o tipo penal do art. 40 da Lei no 9.504/97, é imprescindível que o ato praticado seja tipicamente de propaganda eleitoral. 2. A utilização de atos de governo, nos quais seria lícito o uso de símbolos da Prefeitura, com finalidade eleitoral, pode, em tese, configurar abuso do poder político, a ser apurado em processo específico. 3. Recurso conhecido e provido. [...] O crime do art. 40 da Lei no 9.504/97 configura-se tanto na propaganda eleitoral, realizada no período que a lei destina para tal fim, ou seja, a partir de 5 de julho do ano do pleito, quanto nos atos de propaganda eleitoral antecipada. O que importa é que se trate de típico ato de propaganda eleitoral. Entretanto, o caso dos autos não mostra conduta típica do delito do referido art. 40. Na verdade, o que se verifica é que o candidato teria se aproveitado dos atos de governo, nos quais seria lícito o uso de símbolos da Prefeitura, com finalidade eleitoral, isto é, teria desvirtuado o ato da administração.” (TSE – REspe no 21.290/SP – DJ, v. 1, 19-9-2003, p. 114 – excerto do voto do relator).

“Representação. Agravo. Direito de resposta. Horário gratuito. Propa-ganda eleitoral. Utilização. Imagem. Carteiro. Empresa Brasileira de Cor-reios e Telégrafos – ECT. Lei no 9.504/97 (art. 40). Inaplicabilidade. A imagem do carteiro não está incluída entre os ‘...símbolos (de) órgãos do governo, empresa pública ou sociedade de economia mista’, de que co-gita o art. 40 da Lei no 9.504/97. Agravo improvido.” (TSE – RP no 464/DF – PSS 19-9-2002).

Page 242: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 233

“Agravo de Instrumento. Recurso Eleitoral. Representação. Eleições 2008. Liminar indeferida. Uso de imagem de bandeira de município, em forma de coração, em programa eleitoral de televisão. Bandeira munici-pal é símbolo do próprio município, e não de órgão de governo, empre-sa pública ou sociedade de economia mista. Não há vedação à exibição de símbolos municipais em propagandas eleitorais. Art. 40, da Lei n. 9504/97. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.” (TRE/MG – RE no 3.438 – PSS 12-9-2008).

“Feitos Diversos. Procedimento administrativo eleitoral. Eleições 2006. Prefeito. Suposta prática de crime previsto no art. 40 da Lei n. 9.504/97. Veiculação de fita de audiovisual, em emissora de TV, com matéria jorna-lística. Exibição de imagens da fixação de propaganda eleitoral em prol da reeleição de candidato à Presidência da República em carros particulares, supostamente realizada sob ordens do Prefeito. Atipicidade da conduta no aspecto criminal. Utilização de adesivos que não fazem referência à administração municipal. Mera expressão de apoio do Prefeito a um dos candidatos ao pleito presidencial. [...] Arquivamento dos autos.” (TRE/MG – FD no 3132007 – DJMG 12-7-2007, p. 103).

“Feitos Diversos. Notícia de suposta prática de crime eleitoral. Art. 40 da Lei no 9.504/97. Pintura de diversos imóveis públicos do município nas cores amarelo e azul igualmente utilizadas em sua campanha eleitoral. Conduta despida de lesividade relevante. O instituto da reeleição inse-rido em nosso ordenamento jurídico, por meio da EC no 16/97, mitigou o comando incriminador descrito no art. 40 da Lei no 9.504/97. Arqui-vamento do feito.” (TRE/MG – FD no 7362005 – DJMG 11-11-2005, p. 119).

“Recurso Eleitoral. Representação. Propaganda eleitoral irregular. Pro-cedência. Veiculação dos dizeres ‘PROCON em ação’ no material de propaganda eleitoral. Mero destaque da área de atuação, que é a área de defesa do consumidor. Com o advento da Emenda Constitucional no 16, de 1997, que criou o instituto da reeleição, tornou-se possível aos candidatos, em suas propagandas eleitorais, informar em qual área teve atuação sem que isto quebre o laço de isonomia entre os candidatos. Inexistência de ofensa à legislação eleitoral. Incabível a multa aplicada. Recurso a que se dá provimento.” (TRE/MG – RE no 35382004 – DJMG 17-8-2005, p. 57).

“Recurso Eleitoral. Propaganda eleitoral. Representação. Improcedência. Eleições 2004. Inclusão do símbolo do ‘coração’ e de frase ‘vote com o coração’ no material publicitário de coligação. Não-infringência ao art.

Page 243: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

234 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

40 da Lei no 9504, de 1997. O símbolo do coração é do domínio comum e do uso de todos. Recurso a que se nega provimento.” (TRE/MG – RE 32622004 – PSS 29-9-2004).

“Recurso criminal. Art. 40 da Lei n.o 9.504, de 1997. Condenação. Pre-liminar de cerceamento de defesa – afastada. 1. A nulidade não será de-clarada sem comprovação de prejuízo. Mérito. A conduta não encontra reprovação na esfera penal por não ter causado dano social. Princípios da fragmentariedade e da lesividade. 2. O caráter fragmentário do Direito Penal significa que este não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas somente as condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes. 3. A exigência da lesividade ao bem jurídico penalmente tutelado, consubstanciada na efetiva lesão ou no perigo concreto ou idôneo de dano ao interesse jurídico, é própria de um Direito Penal decorrente do Estado Democrático de Direito, visando restringir ao máximo o poder punitivo estatal, reconduzindo o Direito Penal à sua verdadeira função, a de exclusiva proteção dos bens jurídicos mais importantes da vida em coletividade. Art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Atipicidade. Recurso provido. Absolvição.” (TRE/MG – RC no 34052002 – DJMG 26-6-2003, p. 76).

Art. 57-H, §§ 1o e 2o Contratar pessoas para produzir mensagens ofensivas na Internet

Art. 57-H. [...]

§ 1o Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na in-ternet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (incluído pela Lei no 12.891/2013)

§ 2o Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comu-nidade pelo mesmo período, e multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do § 1o (incluído pela Lei no 12.891/2013)

É intenso o debate acerca do uso da Internet e de redes sociais (como Twitter, Facebook, Google Plus, YouTube, WhatsApp) para fins político-eleitorais. Se, por um lado, muitos defendem a plena liberdade nesse meio, outros propugnam a imposição de restrições. Em prol desse último entendimento, a experiência tem revelado que,

Page 244: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 235

para que não reine o caos e a impunidade no ambiente virtual, há mister que o Estado imponha restrições.

Face ao incontestável poder da Internet e das redes sociais, é necessário que par-tidos e candidatos estabeleçam eficientes estratégias virtuais tanto para o desenvolvi-mento de ações promotoras de suas ideias, projetos, imagens e interesses (com vistas a atrair simpatizantes e fortalecer sua rede de seguidores), quanto para proteção e reações a ataques. As ações na Internet podem ser decisivas para a efetiva promoção ou derrota de candidaturas. Ainda que haja pessoas sem acesso à rede, não se pode ol-vidar que os formadores de opinião a acessam e dela se valem para construir discursos e articular as forças políticas nas comunidades.

A primeira regra legal dispondo sobre a Internet nas eleições foi o revogado § 3o do artigo 45 da LE, que estendia à Internet as mesmas vedações impostas às emis-soras de rádio e televisão. Dada sua evidente insuficiência, uma normatização mais ampla adveio com a Lei no 12.034/2009, que introduziu na Lei no 9.504/97 os artigos 57-A até 57-I. Mas essas normas não continham tipos penais.

Deveras, os §§ 1o e 2o do enfocado art. 57-H da LE (aí incluídos pela Lei no 12.891/2013) são os primeiros dispositivos a preverem crimes eleitorais especifica-mente cometidos pela Internet e redes sociais.

A propaganda eleitoral na Internet só pode ser realizada a partir do dia 6 de julho do ano das eleições (LE, arts. 57-A e 36, caput). Entre os princípios que a informam figuram a liberdade de manifestação do pensamento e a vedação do anonimato (LE, art. 57-D).

Antes do referido dia 6 de julho, o art. 36-A, incisos I e V, da LE (com a redação da Lei no 12.891/2013) permite: i) a realização de comunicação de matiz político-elei-toral na Internet, definindo como lícita a “participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates [...] inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos”; ii) “a manifestação e o posicio-namento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais”.48

No início, o TSE teve posição comedida. Evitando firmar uma orientação geral acerca de manifestações político-eleitorais na Internet, preferiu apreciar cada caso que lhe era submetido a partir de suas peculiaridades. Chegaram a ser censuradas algumas

48 Eis o teor do art. 36-A da LE “ Não serão consideradas propaganda antecipada e poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, in-clusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televi-são o dever de conferir tratamento isonômico; II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação intrapartidária e pelas redes sociais; IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; V – a ma-nifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais. Parágrafo único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias.

Page 245: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

236 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

comunicações em redes sociais no período vedado para a propaganda eleitoral, i.e., antes do dia 6 de julho do ano das eleições.49

No entanto, posteriormente esse entendimento foi revisto pelo mesmo Tribunal Superior. Confira-se:

“1. O Twitter consiste em uma conversa entre pessoas e, geralmente, essa comunicação está restrita aos seus vínculos de amizade e a pessoas autorizadas pelo usuário. 2. Impedir a divulgação de um pensamento ou opinião, mesmo que de conteúdo eleitoral, no período vedado pela legislação eleitoral, em uma rede social restrita como o Twitter, é impe-dir que alguém converse com outrem. Essa proibição implica violação às liberdades de pensamento e de expressão. 3. Não há falar em propagan-da eleitoral realizada por meio do Twitter, uma vez que essa rede social não leva ao conhecimento geral as manifestações nela divulgadas. 4. A divulgação no Twitter de manifestação de cunho eleitoral no âmbito de evento partidário não tem o condão de caracterizar propaganda eleitoral extemporânea. 5. Recurso especial provido. (TSE – REspe no 7464/RN – DJe, t. 198, 15-10-2013, p. 30).

Hoje, os há pouco citados incisos I e V, art. 36-A, da LE não deixam dúvida quanto à liberdade de manifestação nas redes sociais sobre questões político-eleitorais. É livre a difusão de opiniões contrárias ou favoráveis a candidato filiado, ou agremiação política, bem como a veiculação de sátiras, charges ou programas humorísticos tra-tando de temas político-eleitorais; por igual, não se vedam distorções de imagens pelo emprego de trucagem, montagem ou outro recurso. Face ao direito fundamental de comunicação, programas de humor e charges devem ser compreendidos como formas lídimas de expressão e circulação de ideias protegidas pela Constituição.50

Vale ressaltar que há muito tempo a Internet é usada nas eleições. E isso tanto antes quanto durante o período reservado à propaganda eleitoral. Nas eleições muni-

49 No sentido do texto, veja-se o seguinte julgado: “O Twitter é meio apto à divulgação de propaganda eleitoral extemporânea, eis que amplamente utilizado para a divulgação de ideias e informações ao co-nhecimento geral, além de permitir interação com outros serviços e redes sociais da internet. 2. Constitui propaganda eleitoral extemporânea a manifestação veiculada no período vedado por lei que leve ao conheci-mento geral, ainda que de forma dissimulada, futura candidatura, ação política que se pretende desenvolver ou razões que levem a inferir que o beneficiário seja o mais apto para a função pública. 3. Na espécie, as mensagens veiculadas no Twitter do recorrente em 4 de julho de 2010 demonstraram, de forma explícita e inequívoca, a pretensão de promover sua candidatura e a de [...] aos cargos de vice-presidente e presiden-te da República nas Eleições 2010. 4. Caso, ademais, em que ‘o representado não optou por restringir as mensagens contidas em sua página, permitindo que qualquer pessoa, ainda que não cadastrada no twitter, tivesse acesso ao conteúdo divulgado’ [...]. 5. Recurso desprovido.” (TSE – R-Rp no 182524/DF – DJe, t. 94, 21-5-2012, p. 101/102).

50 No sentido do texto, vide: STF – ADI no 4451 MC-REF/DF – Pleno – Rel. Min. Ayres Britto – DJe 1o-7-2011. Embora essa decisão se refira a programas de televisão, seus fundamentos também se aplicam à Internet.

Page 246: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 237

cipais de 2008, por exemplo, ficaram famosos os vídeos que circularam no YouTube, protagonizados pelo humorista Tom Cavalcanti, em prol do então candidato Márcio Lacerda, vitorioso no pleito majoritário da capital mineira; tais vídeos exibiam explí-cita propaganda negativa em desfavor do outro candidato majoritário que disputava o segundo turno. Ademais, informa Graeff (2009, p. 35-40) que no ano de 2002

“a campanha presidencial de José Serra criou o Pelotão 45, grupo de vo-luntários cadastrados pela Internet e que chegou a ter 25 mil pessoas [...]. Fora dos sites de campanha, mas já mostrando o poder de mobili-zação das mídias sociais, durante a campanha de Sarney à reeleição ao Senado, em 2006, mais de 80 blogs criaram a campanha ‘Xô Sarney’ [...]”. E prossegue: “A campanha para reeleição de Gilberto Kassab à prefeitura de São Paulo criou uma rede social própria, batizada de ‘K25’, para se comunicar com os eleitores e simpatizantes do candidato [...]”.

Quando se trata de política, a Internet e as redes sociais tornaram-se verdadeiros campos de batalha virtual. As estratégias envolvidas nem sempre dizem respeito à veiculação de comunicações positivas acerca de pessoas, candidatos e partidos, com vistas a atrair eleitores. Em muitos casos, o discurso é agressivo, virulento, de baixo nível. Há muita informação falsa, enganosa, e ataques pessoais disfarçados de notícia séria e objetiva. Não raro, falsos perfis (fakes) são criados em outros países, com o evidente propósito de se fugir do alcance das autoridades e, pois, de qualquer responsabilização jurídica. Ademais, são desenvolvidos programas de computador (malwares) que se infiltram em páginas virtuais, distorcendo a comunicação, os dis-cursos ou o debate que lá se trava, de maneira a provocar confusão nos seguidores acerca do conceito do candidato ou do partido visados. Também jogos são desen-volvidos com vistas a suscitar nos eleitores os sentimentos de medo ou aversão ao candidato oponente.51

No submundo virtual é possível comprarem-se falsos seguidores e inflar artificial-mente o número de fãs das páginas de candidatos e partidos. Com isso, o beneficiário aparece mais popular do que realmente é, o que lhe confere poder de influência política que na realidade não possui. Conforme informa Nick Bilton (http://bits.blogs.nyti-mes.com/2014/04/20/friends-and-influence-for-sale-online/?_php=true&_type=b-logs&_php=true&_type=blogs&_php=true&_type=blogs&_r=2– Acesso em 26-05-2014, às 11:06hs.), uma pessoa pode ganhar 4 mil seguidores pagando apenas 5 dólares; por 3.700 dólares garante-se 1 milhão de seguidores.

51 Como exemplo, citem-se as eleições de 2012 para a cidade de São Paulo/SP, quando o PSDB criou uma versão do famoso game de iPhone e iPad “Angry Birds”. No jogo, apareciam imagens esquisitas do candidato do PT Fernando Haddad e de outros políticos como Paulo Maluf (do PP, aliado do PT naquela eleição) e de José Dirceu (então réu no processo que ficou conhecido como mensalão do PT – ação penal no 470, que tramitou no STF). As imagens dos três eram munição para tiros contra posto de saúde, escola e estação de Metrô. Havia a mensagem de que Haddad poderia destruir a cidade, caso fosse eleito.

Page 247: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

238 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Como tática, a “propaganda negativa” e a distorção da comunicação no meio vir-tual podem provocar sérios danos à imagem de suas vítimas, contra elas atraindo a antipatia, a indignação, a repulsa ou o desprezo dos eleitores. Sobretudo quando fundada em fatos mendazes, se for inteligente e de fácil compreensão, pode ser devas-tadora para uma candidatura eleitoral.52

Mas vale ressaltar que, embora haja liberdade de comunicação e manifestação do pensamento na web, não é esse um ambiente completamente livre, em que tudo pode ser dito e feito impunemente. A conduta ilícita pode provocar a responsabilização do agente nas searas eleitoral, penal, administrativa e civil.

No âmbito penal eleitoral, pode-se cogitar a incidência de crimes como os previs-tos nos arts. 323 a 326 do Código Eleitoral. Ademais, os aqui enfocados §§ 1o e 2o do art. 57-H da LE punem a contratação de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação.

A objetividade jurídica dos §§ 1o e 2o do art. 57-H da LE consiste em proteger a imagem e a honra de candidato, partido e coligação, bem como a veracidade e a qua-lidade da informação disponibilizada ao eleitor.

O delito é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, sozinha ou em concurso com outrem.

Sujeito passivo é a sociedade. Como sujeitos passivos secundários podem figurar candidato, partido ou coligação atingidos pela comunicação.

O crime é comissivo, sendo o núcleo do tipo formado pela elementar “contra-tação”.

A conduta típica refere-se ao entabulamento – direto ou indireto – de contrato que tenha por objeto a emissão de mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação.

Note-se que tanto é típica a conduta do contratante como a do contratado.

A ofensa à honra, aqui, pode se dar sob os aspectos objetivo e subjetivo.

Não é necessário que o contrato seja escrito, podendo ser tácito. Também não é mister que a cláusula relevante para o presente delito seja expressa.

52 Independentemente da mídia ou da forma como é feita, a propaganda negativa tem sempre por fulcro o menoscabo ou a desqualificação de candidatos oponentes, sugerindo que não detém os adornos ético-mo-rais, a qualificação ou a aptidão necessária à investidura em cargo eletivo. Os fatos que a embasam podem ser total ou parcialmente verdadeiros, e até mesmo falsos. Clift e Spieler (2012, p. 73) bem a resumem: “Esses anúncios publicitários, não surpreendentemente, são destinados a tornar o adversário aparecer in-competente, corrupto, distante [out-of-touch], desagradável, e, geralmente, em favor de todos os tipos de coisas terríveis [dreadful things]. Tais anúncios podem exibir uma foto comprometedora ou mesmo adultera-da de um político oponente, ou usar imagens granuladas em preto-e-branco [grainy black-and-white footage] para fazer suas ações parecerem ameaçadoras. Tais anúncios podem ser moderados (‘O senador Thomas votou cinquenta e sete vezes para aumentar os seus impostos...’) ou fortes (‘O senador Thomas votou para colocar assassinos, estupradores e molestadores de crianças em liberdade’...).”

Page 248: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 239

Se as mensagens ou comentários desairosos forem feitos espontaneamente, sem que exista ajuste negocial, atípica será a conduta do internauta à luz dos preceitos em exame.

As mensagens ou os comentários na Internet devem referir-se a “candidato, par-tido ou coligação”. Por candidato deve-se compreender o filiado a partido político que teve seu pedido de registro de candidatura formalizado perante a Justiça Eleitoral. Não é necessário, pois, aguardar-se a decisão da Justiça Eleitoral acerca desse pedido. Tampouco é relevante que o pedido de registro seja deferido.

Consequentemente, é atípica a conduta realizada em relação a filiado a partido, ainda que se trate de potencial candidato no período anterior à fase de registro de candidatura.

Já quanto ao partido, não é esclarecido se ele deve ou não estar disputando as elei-ções. Mas é preciso que esteja devidamente constituído, com registro no TSE. Do con-trário, a conduta poderá não apresentar relevo, sendo indiferente ao processo eleitoral.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo de dano, não sendo prevista forma culposa. Consiste o dolo na vontade de estabelecer o contrato em apreço, estando cientes as partes de seu objeto.

O tipo contém um elemento subjetivo, expresso pela elementar “com a finalidade específica de”, de modo que a contratação deve ter o fim especial de “emitir mensa-gens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candi-dato, partido ou coligação”. Portanto, a contratação tem propósitos eleitorais. Sendo diversa a intenção do agente ou dirigindo-se ela a outra finalidade que não a indicada, a conduta não se subsumirá aos tipos penais em exame.

O crime é formal. Sua consumação se perfaz com o só entabulamento do contrato. É irrelevante que a obrigação seja ou não cumprida, com a real emissão de mensagens ou comentários na Internet. Se isso ocorrer, haverá exaurimento do da conduta deliti-va. Ademais, é dispensável que ocorra efetiva lesão ao candidato, partido ou coligação.

É admissível a tentativa, a qual ocorreria se a contratação não se concretizasse por circunstâncias alheias à vontade das partes.

E se as partes chegarem a realizar tratativas, sem, porém, concluírem a contrata-ção? Haveria nisso tentativa? É razoável entender-se não haver tentativa, mas mera cogitationis impunível, se a não conclusão do negócio decorrer da vontade de ambas as partes; isso porque a tentativa pressupõe a não consumação do delito “por circunstân-cias alheias à vontade do agente” (CP, art. 14.II). Se a consumação não se operou em razão da vontade dos agentes envolvidos, não se pode falar em tentativa.

Diante disso, ao menos em tese, pode-se cogitar a tentativa se a proposta de con-trato for recusada pelo oblato.

Sanção do contratante – a conduta do contratante é apenada com “detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).”

Page 249: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

240 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Não cabe transação penal, pois o máximo da pena abstratamente cominada é su-perior a dois anos. Por conseguinte, em caso de condenação, há geração da inelegibi-lidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tampouco se admite sursis processual nessa hipótese, porquanto a pena mínima cominada é superior a um ano.

Sanção do contratado – já para o contratado é prevista pena alternativa: “detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano” ou “prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período”. Em um ou outro caso, a pena é cumulada com “multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais)”.

O tratamento penal mais brando do contratado revela que o legislador considerou menos reprovável sua conduta. É que sem a proposta ou a iniciativa do contratante provavelmente sequer se poderia cogitar da existência de um contrato.

Nessa hipótese, considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o). Admite-se, ainda, a suspensão condicional do processo, porque a pena mínima cominada é inferior a um ano.

Concurso – se houver efetiva emissão de mensagens ou comentários na Internet ofensivos à honra ou à imagem de candidato, partido ou coligação, poderá haver con-curso com outros crimes, como os previstos nos arts. 323 a 326 do Código Eleitoral.

Art. 58, § 7o Não observar prazo para julgar direito de resposta

“Art. 58. [...] § 7o A inobservância do prazo previsto no parágrafo anterior sujeita a autoridade judiciária às penas previstas no art. 345 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.”

O delito previsto nesse § 7o tem em vista tutelar a utilidade e a eficácia do direito de resposta, o qual é previsto no mesmo art. 58 nos seguintes termos:

“Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, di-famatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

§ 1o O ofendido, ou seu representante legal, poderá pedir o exercício do direito de resposta à Justiça Eleitoral nos seguintes prazos, contados a partir da veiculação da ofensa: [...].

§ 2o Recebido o pedido, a Justiça Eleitoral notificará imediatamente o ofensor para que se defenda em vinte e quatro horas, devendo a decisão

Page 250: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 241

ser prolatada no prazo máximo de setenta e duas horas da data da for-mulação do pedido.”

O vertente § 7o remete ao § 6o do mesmo artigo, que reza: “A Justiça Eleitoral deve proferir suas decisões no prazo máximo de vinte e quatro horas, observando-se o disposto nas alíneas d e e do inciso III do § 3o para a restituição do tempo em caso de provimento de recurso.”

Deveras, os prazos na representação em que se busca direito de resposta situam-se entre os mais rigorosos da legislação eleitoral. O fato de o respectivo procedimento dever ser encerrado em até 72 horas após o seu início o torna extremamente célere, reclamando do juiz eleitoral especial atenção em sua condução.

A intenção da norma legal é que a resposta não venha a destempo, pois isso con-tribuiria para perpetuar o agravo cometido pelo agente em detrimento da lisura e do equilíbrio da disputa.

Assim, o tipo penal em apreço consiste em o juiz não observar o prazo legal de 24 horas para decidir pedido de direito de resposta, prazo esse que inicia seu curso após a conclusão dos autos.

Trata-se, portanto, de crime próprio, pois só pode ser praticado por “autoridade judiciária”. E omissivo puro.

Expressamente, o § 7o faz remissão ao art. 345 do CE, determinando seja aplicada a mesma pena prevista naquele dispositivo. Ocorre que o art. 345 do CE não foi recep-cionado pela Constituição de 1988, conforme salientado quando do comentário a esse dispositivo do Código. Assim, ele não remanesce no sistema jurídico-eleitoral. Mas a pena que previa era de multa, in verbis: “pagamento de trinta a noventa dias-multa”.

De qualquer sorte, não há como sustentar a constitucionalidade do vertente § 7o. O mero descumprimento de um prazo processual não ostenta lesividade bastante para ser erigido à categoria de crime. Conforme salientado anteriormente, no vigente sistema constitucional de garantias e no atual estágio da civilização, a norma penal deve se apresentar como ultima ratio (e não como prima ratio). Deveras, não há lei penal sem que haja necessidade, princípio esse expresso no brocardo nulla lex poenalis sine necessitate. De sorte que, antes de se buscar a tutela da lei penal, deve-se procurar outros meios de proteção do bem jurídico visado. Isso também evita que se banalize o sistema penal estatal.

Em igual sentido é a lição de Kaufmann (2004, p. 323):

“As normas jurídicas, especialmente as normas penais, só devem inter-vir quando está em causa a manutenção ou restabelecimento da ordem social, ou seja, apenas quando são atingidos bens jurídicos, devendo a per-turbação da ordem resultante dos pecados do homem individual perma-necer fora da esfera jurídica [...] Aquilo que, em nome do direito, pode e deve ser exigido a todos são apenas certos comportamentos morais

Page 251: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

242 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

elementares exigidos pela manutenção das condições mais essenciais à vida humana.”

Na verdade, na hipótese legal em apreço, pode-se cogitar de outras medidas jurí-dicas tão eficazes quanto a resposta penal, tais como a responsabilização no âmbito administrativo.

Esse argumento é reforçado pelo § 9o acrescentado ao art. 58 da LE pela Lei no 12.891/2013, segundo o qual: “Caso a decisão de que trata o § 2o não seja prolatada em 72 (setenta e duas) horas da data da formulação do pedido, a Justiça Eleitoral, de ofício, providenciará a alocação de Juiz auxiliar.”

A conduta em apreço não é, pois, crime, mas falta funcional. De modo que se juiz eleitoral descumprir o prazo de 24 horas para decidir pedido de direito de resposta, sua falta ensejará representação ao respectivo órgão corregedor ou à Corregedoria Nacional (CNJ), os quais, à luz das circunstâncias concretas, se houver má-fé, poderão decidir pela aplicação (ou não aplicação) de sanção funcional. Isso, é claro, sem prejuí-zo de o tribunal eleitoral designar um “juiz auxiliar” para dar andamento ao processo.

Art. 68, § 2o Não entregar cópia de boletim de urna aos partidos

“Art. 68 O boletim de urna, segundo modelo aprovado pelo Tribunal Su-perior Eleitoral, conterá os nomes e os números dos candidatos nela vo-tados.

§ 1o O Presidente da Mesa Receptora é obrigado a entregar cópia do bole-tim de urna aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos repre-sentantes o requeiram até uma hora após a expedição.

§ 2o O descumprimento do disposto no parágrafo anterior constitui cri-me, punível com detenção, de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de um mil a cinco mil UFIR.”

O objetivo específico do delito do § 2o é tutelar a adequada fiscalização das elei-ções pelos partidos políticos e coligações.

Conforme já foi salientado, o boletim de urna (BU) é um documento de relevante interesse público, indisponível, pois faz prova dos resultados apurados na respectiva seção eleitoral. Trata-se de relatório impresso por equipamento acoplado à urna ele-trônica, contendo dados como: data da eleição; identificação do Município, da zona e seção eleitorais; data e horário de encerramento da votação; código de identificação da urna; número de eleitores aptos; número de votantes por seção; a votação individual de cada candidato; os votos para cada legenda partidária; os votos nulos; os votos em branco; a soma geral dos votos (CE, art. 179, II; Res. TSE no 23.372/2011, art. 108; no 23.399/2013, art. 153). Deve ser assinado pelo presidente da mesa e, se presentes,

Page 252: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 243

por fiscais dos partidos políticos e membro do Ministério Público Eleitoral.

O delito em exame é próprio, já que exige que o agente ostente a especial quali-dade de presidente de mesa receptora de votos. Isso porque compete a ele, mediante senha própria, inserir na urna eletrônica um comando particular para que a votação seja encerrada. Com isso, automaticamente a urna conclui a apuração dos votos e emite o respectivo BU.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro.

A conduta típica consiste em o agente não “entregar” cópia do boletim de urna aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após a expedição. A omissão obsta a conferência dos dados da seção e, consequentemente, a efetiva fiscalização que deve ser exercida pelos principais atores das eleições: os partidos e os candidatos.

Pressupõe-se, portanto, que o BU tenha sido expedido.

Se o presidente da mesa receptora não emitir o BU, cometerá outro delito, qual seja: o do art. 313 do CE.

Por se tratar de delito omissivo próprio, é inadmissível a forma tentada.

Trata-se de crime de mera conduta.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de deixar o agente de entregar o BU aos entes indicados.

Sanção – a pena é alternativa: detenção de um a três meses ou prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período; em qualquer caso, é cumulada com multa no va-lor de um mil a cinco mil UFIR.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Distinção – o delito previsto no enfocado § 2o do art. 68 da LE é semelhante ao art. 313 do CE. Com ele, porém, não deve ser confundido. Enquanto esse último dispo-sitivo incrimina a não emissão de BU, o § 2o reprova a não entrega desse documento aos representantes de partidos e coligações concorrentes ao pleito que o tenham re-querido até uma hora após a sua expedição.

Jurisprudência

“Requerimento de boletins de urna por partido político. Deferimento. É direito do Partido obter cópias dos espelhos de boletins de urna das eleições de seu interesse. Pedido deferido. Inteligência do art. 68, § 1o, da Lei 9.504/97.” (TRE/DF – REQ no 464 – DJ, v. 3, 27-4-2004, p. 48).

Page 253: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

244 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Art. 72 Acessar ou desenvolver sistema de dados ou lesar equipamento eleitorais

“Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos:

I – obter acesso a sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos;

II – desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de com-putador capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer outro resultado di-verso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usa-dos pelo serviço eleitoral;

III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na vo-tação ou na totalização de votos ou a suas partes.”

O presente dispositivo tem por objetivo tutelar a segurança, confiabilidade e cor-reção dos dados e equipamentos eleitorais, notadamente os afetos às eleições e seus resultados.

São previstas três figuras típicas, cada qual com núcleos próprios.

Em todas elas, o crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa – por si mesma ou em concurso com outras.

Sujeito passivo é sempre a sociedade.

O inciso I incrimina a ação de “obter acesso a sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos”.

Esse delito tem por objeto material os dados da Justiça Eleitoral concernentes aos resultados da eleição.

O núcleo do tipo é formado pelo verbo obter.

A conduta típica diz respeito ao acesso ou ingresso em sistema de tratamento de dados oficial, de uso exclusivo da Justiça Eleitoral, com vistas a alterar dados, núme-ros ou informações concernentes aos resultados das eleições, ou seja, à apuração ou contagem dos votos.

Pressupõe-se, portanto, que as eleições já tenham sido encerradas e os votos de-vidamente apurados. Considerando o processo eleitoral, a conduta ocorre entre a fase de apuração dos votos e proclamação dos resultados.

Observe-se que a obtenção de acesso não tem de ser necessariamente por pessoa não autorizada a operar o sistema. Em outros termos, o acesso pode se dar por quem tenha permissão para tanto, tal como ocorre com servidores da Justiça Eleitoral.

O acesso pode ocorrer diretamente pelos equipamentos da própria Justiça Eleito-ral, ou remotamente, isto é, a partir de equipamentos situados alhures. Como exem-plo dessa última situação, pense-se na invasão do sistema informatizado por hackers.

Page 254: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 245

O crime é formal. Sua consumação se perfaz com o efetivo ingresso no sistema de dados. Para a consumação, não é necessário que haja alteração de dados, números ou informações; mas se isso ocorrer, é irrelevante que haja qualquer dano ou prejuízo a alguém.

A tentativa é possível. Nesse caso, o agente procura entrar no aludido sistema, mas não logra êxito por razões alheias à sua vontade.

Trata-se de crime doloso, não sendo prevista modalidade culposa.

A parte final do tipo prevê um elemento subjetivo, pelo qual o acesso ao sistema de dados deve se dar com a finalidade “de alterar a apuração ou a contagem de votos”. Sendo outro o fim do agente, atípica será a conduta à luz do dispositivo em exame.

Caso o agente altere efetivamente dados atinentes à apuração ou a contagem de votos, poderá também ser responsabilizado pelo crime de mapismo eleitoral (CE, art. 315; Lei no 6.996/1982, art. 15), conforme visto anteriormente.

O inciso II incrimina as condutas de

“desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de com-putador capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer outro resultado di-verso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usa-dos pelo serviço eleitoral”.

Objetos materiais desse delito são dados, instruções, programas e sistema de tra-tamento automático de dados usados pela Justiça Eleitoral.

A figura típica tem por núcleos os verbos desenvolver e introduzir. Desenvolver, no presente contexto, significa conceber, criar, inventar, aperfeiçoar. Já introduzir expres-sa a ação de usar, inserir, colocar, implantar.

Consiste a conduta típica em o agente desenvolver ou usar programa malicioso, vírus ou malware (malicious software), destinado a infiltrar-se ilicitamente em sistema computacional da Justiça Eleitoral, sendo capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa (software) ou provocar qualquer outro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviço eleitoral.

O tipo tem natureza mista alternativa. O emprego da partícula “ou” indica que há fungibilidade entre as condutas, sendo que a realização de ambas pela mesma pessoa implica o cometimento de um só delito. Assim, se a pessoa que desenvolve o malware é também a que o usa ou introduz em sistema informatizado eleitoral, responderá por um só crime – e não por dois em concurso material. Entretanto, se uma pessoa o de-senvolver e outra o usar, cada qual delas deverá ser responsabilizada autonomamente.

O crime é formal. Sua consumação se perfaz tão só com as ações de desenvolver ou introduzir os softwares aludidos. Para a consumação, é irrelevante que eles sejam

Page 255: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

246 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

efetivamente usados ou, ainda, que haja qualquer dano ou prejuízo ao sistema de da-dos ou a alguém em particular.

Note-se, porém, ser necessário que o software tenha aptidão ou potencialidade para provocar lesão, ou melhor, que seja “capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer outro resul-tado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviço eleitoral”.

Caso seja incapaz ou inapto para realizar alguma dessas finalidades, atípica será a conduta do agente.

A tentativa é possível, notadamente na conduta de “introduzir” (na conduta de “desenvolver”, pode não ser possível aferir a aptidão lesiva do malware, o que infirmaria a tipicidade). Nesse sentido, cite-se a situação em que o agente intenta inserir o coman-do, instrução, ou programa de computador, mas não logra êxito por razões alheias à sua vontade – por exemplo, o malware é repelido pela ação eficaz de sistema antivírus.

Quanto ao tipo subjetivo, trata-se de crime doloso, não sendo prevista a modalida-de culposa. O dolo compreende a consciência de que o software seja capaz de provocar os efeitos referidos no tipo.

Saliente-se não ser previsto elemento subjetivo do tipo, traduzido em um especial fim de agir pelo agente.

Assim, a conduta criminosa pode ser realizada em qualquer época, não se limitan-do às fases do processo eleitoral atinentes à apuração e totalização de votos.

O inciso III incrimina o “causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização de votos ou a suas partes”.

Objeto material desse delito é o equipamento usado na votação (urna eletrônica) ou na totalização de votos ou partes dele.

A figura típica tem por núcleo o verbo causar.

A conduta típica refere-se à provocação de dano ao aludido equipamento.

O crime é material, pois requer a ocorrência de resultado exterior à conduta, qual seja, o dano ao equipamento. Sua consumação só se perfaz com a ocorrência desse resultado lesivo.

Para a consumação, é irrelevante que o dano enseje prejuízo aos trabalhos eleito-rais, à votação ou à totalização dos votos.

A tentativa é possível. Imagine-se, por exemplo, a situação em que o agente atua no sentido de lesar o equipamento e é impedido por outrem.

Quanto ao tipo subjetivo, trata-se de crime doloso. O próprio tipo deixa claro que a causação de dano deve ocorrer “propositadamente”. É excluída, portanto, a forma culposa. O dolo é de dano e genérico.

Não é previsto elemento subjetivo do tipo, traduzido em um especial fim de agir pelo agente.

Page 256: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 247

Vale ressaltar que o presente delito, por ser especial, absorve o crime de dano qualificado previsto art. 163, parágrafo único, III, do CP.53

Ressalte-se, ainda, que a figura típica prevista no vertente inciso III não se confun-de com o crime do art. 317 do CE, pois neste a intenção do agente é ofender a urna ou seus invólucros a fim de desvelar seu sigilo. Há, pois, diversidade de bens jurídicos tutelados.

O delito em apreço revoga em parte o art. 339 do CE, notadamente se for pro-vocado dano físico a urna que estiver sendo usada para votação. Todavia, se houver supressão ou ocultação – sem provocação de dano – de urna eletrônica contendo votos, incidirá o referido art. 339.

Caso haja subtração ou guarda (sem provocação de dano físico) de urna eletrônica (que não contenha votos), o crime será o do art. 340 do CE.

Sanção – para todas as hipóteses dos incisos I, II e III, a pena é de reclusão de cinco a dez anos.

Considerando os limites mínimo e máximo da pena privativa de liberdade, não são cabíveis nem transação penal, nem suspensão condicional do processo.

Nos termos do art. 1o, I, e, da LC no 64/90, a decisão condenatória, transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, determina a inelegibilidade do agen-te desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena.

Jurisprudência

“Recurso Criminal. Denúncia. Eleições 2002. Art. 72, III, da Lei n. 9.504/97. Art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal. Declinação da competência para a Justiça Comum Estadual. Preliminar de intempesti-vidade. Rejeitada. Defesa não intimada da decisão. Ocorrência de error in procedendo. Mérito. Dano físico causado a urna eletrônica. Reconhecimen-to de inadequada capitulação inicial pelo Juiz sentenciante. Atribuição de nova classificação jurídica aos fatos descritos na denúncia. Emenda-tio libelli. Art. 383 do Código de Processo Penal. Conduta narrada que não se amolda à hipótese do crime eleitoral previsto no art. 72, III, da Lei n. 9.504/97, mas ao crime de dano qualificado previsto no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal. Atribuição expressa da competên-cia para processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, à Justiça Federal. Art. 109, IV,

53 Dispõe o art. 163 do CP: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Dano qualificado – Parágrafo único – Se o crime é cometido: I – com violência à pessoa ou grave ameaça; II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima: Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”

Page 257: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

248 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

da Constituição da República. Competência absoluta. Matéria de ordem pública. Remessa dos autos à Subseção Judiciária da Justiça Federal. Re-curso a que se nega provimento.” (TRE/MG – RC no 12292005 – DJMG 14-12-2007, p. 94).

“Recurso Criminal. Denúncia. Art. 72, III, da Lei no 9.504/1997. Con-denação. Dano a urna eletrônica. Materialidade e autoria comprovadas. Não-comprovação do animus do agente. Provas testemunhais contradi-tórias. Recurso a que se dá provimento.” (TRE/MG – RC no 6982005 – DJMG 21-3-2006, p. 86).

“Eleitoral. Dano à urna eletrônica. 1. O crime do inciso III do art. 72 da Lei 9.504, de 30.09.97, é de dano, exigindo, como elemento subjetivo, o dolo. 2. Inexistência, no caso, de prova inequívoca da intenção de cau-sar dano à urna eletrônica. 3. Recurso provido.” (TRE/DF – RCRIM no 1.223/DF – DJ, v. 3, 13-9-2000, p. 20).

Art. 87, § 4o Impedir a fiscalização da apuração por fiscais de partido

“Art. 87. Na apuração, será garantido aos fiscais e delegados dos partidos e coligações o direito de observar diretamente, a distância não superior a um metro da mesa, a abertura da urna, a abertura e a contagem das cédulas e o preenchimento do boletim.

§ 1o O não-atendimento ao disposto no caput enseja a impugnação do re-sultado da urna, desde que apresentada antes da divulgação do boletim.

§ 2o Ao final da transcrição dos resultados apurados no boletim, o Presi-dente da Junta Eleitoral é obrigado a entregar cópia deste aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após sua expedição.

§ 3o Para os fins do disposto no parágrafo anterior, cada partido ou coli-gação poderá credenciar até três fiscais perante a Junta Eleitoral, funcio-nando um de cada vez.

§ 4o O descumprimento de qualquer das disposições deste artigo cons-titui crime, punível com detenção de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período e multa, no valor de um mil a cinco mil UFIR.”

Atualmente, a votação e a totalização dos votos são feitas eletronicamente. No en-tanto, nos termos do art. 59 da LE, a votação por cédula (modelo tradicional) poderá ser realizada em caráter excepcional se a urna eletrônica e a de contingência apresen-

Page 258: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 249

tarem defeitos insanáveis ou de difícil reparação. Consequentemente, a apuração dos votos será feita manualmente.

Mas mesmo nessa excepcional hipótese o procedimento de apuração não é total-mente manual, tal como ocorria antigamente. Na verdade, em sua quase inteireza ele é eletrônico. Inicialmente, são recuperados os dados contendo os votos colhidos pelo sistema eletrônico até o momento da interrupção do funcionamento da urna, sendo – relativamente ao período em que a urna funcionou normalmente – expedido boletim parcial de urna. Os dados parciais são inseridos no equipamento de informática (urna eletrônica) que será usado para a apuração. Aberta a urna de lona atinente à votação por cédula, dela são retiradas e conferidas todas as cédulas. Em seguida, o voto con-tido em cada cédula é lido (daí a expressão voto cantado) e seu conteúdo (número do candidato e/ou da legenda) digitado no teclado do aludido equipamento, sendo, pois, lançado no sistema de apuração. Concluído o cômputo dos votos, encerra-se o proce-dimento de apuração mediante comando inserido no equipamento. Isso propicia que o próprio equipamento, de forma automática, conclua a apuração e emita o respectivo boletim de urna.

É esse o contexto da regra contida no § 4o, art. 87, da LE, que afirma constituir crime o “descumprimento de qualquer das disposições deste artigo”.

A remissão refere-se a duas hipóteses, a saber: o caput do art. 87 e o § 2o desse mesmo artigo. Portanto, duas são as figuras típicas a serem examinadas.

A primeira figura típica encontra-se no caput do art. 87. Segundo esse artigo, na apuração, é garantido “aos fiscais e delegados dos partidos e coligações o direito de observar diretamente, a distância não superior a um metro da mesa, a abertura da urna, a abertura e a contagem das cédulas e o preenchimento do boletim”.

Assim, a objetividade jurídica do delito em tela é a tutela da fiscalização exercida pelos partidos políticos, através de seus fiscais e delegados, a fim de verificarem a li-sura e correção dos trabalhos de apuração de votos e expedição do respectivo boletim de urna.

Tal fiscalização é fundamental para a prevenção de distorções na apuração e no lançamento dos dados nos equipamentos. Sem ele, há o risco do mapismo eleitoral, ou seja, do doloso lançamento de dados fictícios, não correspondentes à verdade das urnas. O mapismo é crime (CE, art. 315 do CE; Lei no 6.996/1982, art. 15), conforme exposto anteriormente.

O delito em exame é próprio, já que exige que o agente ostente a especial qua-lidade de presidente da junta eleitoral, que é quem, no caso, preside a apuração da votação por cédulas. Pela dicção do art. 36 do CE, a junta eleitoral é presidida pelo juiz eleitoral.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro.

A conduta típica consiste em o agente não assegurar o exercício do direito de fiscalização dos “fiscais e delegados dos partidos e coligações”. A obstrução da fisca-

Page 259: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

250 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

lização por si só rende ensejo a suspeitas e dúvidas acerca da sinceridade e boa-fé do resultado oficialmente publicado.

Por se tratar de delito omissivo próprio, é inadmissível a forma tentada.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico. Abrange a vontade livre e consciente de impedir a fiscalização exercida pelos entes assinalados.

A segunda figura típica encontra-se no § 2o do art. 87, que afirma ser obrigação do presidente da junta eleitoral entregar cópia do boletim de urna “aos partidos e coliga-ções concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após sua expedição”.

A omissão no cumprimento desse dever impede a conferência dos dados da seção e, consequentemente, a efetiva fiscalização que deve ser exercida pelos principais ato-res das eleições: os partidos e os candidatos.

O enfocado § 2o, art. 87, é muito semelhante ao delito previsto no art. 68, § 2o, da Lei no 9.504/97. Deste difere, porém, porque disciplina a obrigação de entrega de BU no contexto da apuração manual de votos. A pena, inclusive, é igual. Assim, vale aqui tudo o que ficou dito nos comentários àquele dispositivo.

Sanção – para as duas hipóteses, a pena é alternativa: detenção de um a três me-ses ou prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período; em qualquer caso, é cumulada com multa no valor de um mil a cinco mil UFIR.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Art. 91, parágrafo único – Reter título ou comprovante de alistamento eleitoral

“Art. 91. [...]

Parágrafo único. A retenção de título eleitoral ou do comprovante de alistamento eleitoral constitui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade por igual período, e multa no valor de cinco mil a dez mil UFIR.”

Esse dispositivo revogou o art. 295 do CE, cuja redação era a seguinte: “Reter título eleitoral contra a vontade do eleitor: Pena – Detenção até dois meses ou paga-mento de 30 a 60 dias-multa”. Ocorre que o parágrafo único do art. 91 da LE regulou inteiramente a matéria tratada no aludido art. 295, tendo havido a revogação desse último nos termos do art. 2o, § 1o (última figura), da Lei de Introdução às Normas do

Page 260: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 251

Direito Brasileiro.54

Tecnicamente, chama-se cidadão a pessoa detentora de direitos políticos, qualida-de essa que a habilita a participar do processo governamental, elegendo ou sendo elei-ta para cargos públicos, votando em plebiscitos e referendos. Nesse sentido estrito, a cidadania constitui atributo jurídico que se perfaz com o alistamento eleitoral. Ou seja, a cidadania em suas modalidades ativa e passiva é atributo do eleitor. Portanto, seu exercício pressupõe o alistamento eleitoral e a detenção de título de eleitor.

Desde a promulgação da Lei no 7.444/85, o alistamento eleitoral é realizado me-diante processamento eletrônico de dados. Para inscrever-se, o alistando deve dirigir-se ao Cartório Eleitoral de seu domicílio eleitoral e preencher requerimento próprio (denominado Requerimento de Alistamento Eleitoral – RAE), cujo modelo é previa-mente aprovado e disponibilizado pela Justiça Eleitoral. Após comprovar a identidade e a exatidão dos dados, o título é imediatamente entregue ao eleitor, o que ocorre antes mesmo de o pedido ser submetido ao exame do juiz eleitoral. Acaso o pedido seja indeferido, a inscrição é simplesmente invalidada no sistema. O documento em questão deve ser entregue, no cartório ou no posto de alistamento, pessoalmente ao eleitor, vedada a interferência de pessoas estranhas à Justiça Eleitoral.

O presente delito visa tutelar o regular exercício dos direitos políticos e, pois, da cidadania – exercício esse que requer a inscrição eleitoral, a qual é demonstrada pelo título. Visa impedir que, com a retenção de seu título, o eleitor seja pressionado a votar ou deixar de votar em determinado candidato.

Atualmente, porém, o fato de o cidadão não ter consigo o seu título eleitoral não o impede de exercer a cidadania nem em sua forma ativa (jus suffragii) nem passiva (jus honorum). É que, para votar, basta que apresente um documento oficial contendo sua imagem.55 E para registrar sua candidatura e ser votado, é dispensada a exibição do título.56

54 Eis o teor do aludido dispositivo: “Art. 2o [...] § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressa-mente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

55 Ao comparecer à seção para votar, não se exigia que o cidadão exibisse seu título eleitoral, pois se ad-mitia a apresentação de outro documento oficial – com foto – que comprovasse sua identidade. Assim, ao exercer o sufrágio, bastava que se ostentasse um documento oficial com fotografia. No entanto, o art. 91-A da LE (introduzido pela Lei no 12.034/2009) estabelece que, “no momento da votação, além da exibição do respectivo título, o eleitor deverá apresentar documento de identificação com fotografia”. Logo, esse dis-positivo tornou obrigatória a exibição do título e de documento de identificação com foto. Frise-se, porém, que ao interpretar essa regra o Supremo Tribunal Federal assentou que somente a não apresentação de um documento oficial com foto constitui obstáculo ao voto (STF – decisão cautelar na ADI no 4.467/DF – Rel. Min. Ellen Gracie – sessões plenárias de 29 e 30-10-2010). De sorte que, para votar, bastará que o eleitor exiba documento oficial contendo sua imagem, sendo irrelevante que não porte o título eleitoral. Permane-ce, portanto, o entendimento anterior à entrada em vigor do aludido art. 91-A da LE.

56 Nesse sentido dispõe a Lei no 9.504/97: “Art. 11. [...] § 1o O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos: [...] V – cópia do título eleitoral ou certidão, fornecida pelo cartório eleitoral, de que o candidato é eleitor na circunscrição ou requereu sua inscrição ou transferência de domicílio no prazo previsto no art. 9o; [...]. § 13. Fica dispensada a apresentação pelo partido, coligação ou candidato de

Page 261: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

252 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O delito em exame é comum, já que não exige que o agente tenha uma especial qualidade.

Objeto material são o “título eleitoral” e o “comprovante de alistamento eleito-ral”.

No entanto, conforme há pouco frisado, com o processamento eletrônico do alis-tamento eleitoral o próprio título já é entregue ao eleitor quando de seu requeri-mento. Não mais subsiste, pois, o “comprovante de alistamento eleitoral”. Por isso, quanto a esse último documento, o delito em apreço deixou de existir.

O tipo legal é omissivo, pois implica a não entrega ou a não devolução do título a quem de direito.

O núcleo típico é formado pelo verbo “reter”, forma infinitiva de “retenção”.

A conduta típica consiste em o agente não entregar ou não devolver a posse do título eleitoral ao seu legítimo proprietário.

A não entrega pode ocorrer quando o título é expedido, seja na hipótese de inscri-ção eleitoral originária, seja na inscrição derivada (transferência de domicílio eleito-ral). Nesse caso, servidor da Justiça Eleitoral mantém o documento indevidamente sob sua posse ou guarda.

Já a não devolução pressupõe que o agente entrou na posse do documento e indevi-damente o manteve consigo.

A consumação se perfaz com a recusa de entrega ou devolução.

Por se tratar de delito omissivo, é inadmissível a forma tentada.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de reter título eleitoral.

A retenção deve ter finalidade eleitoral, estando essa abrangida pelo dolo. Sendo diversa a finalidade do agente, outro poderá ser o crime,57 como o de apropriação indébita.58

Sanção – a pena é alternativa: detenção de um a três meses ou prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período; em qualquer caso, é cumulada com multa no va-lor de cinco mil a dez mil UFIR.

documentos produzidos a partir de informações detidas pela Justiça Eleitoral, entre eles os indicados nos incisos III, V e VI do § 1o deste artigo.” (Incluído pela Lei no 12.891, de 2013).

57 Não parece cabível a incidência da contravenção penal prevista no art. 3o da Lei no 5.553/1968. Por esse dispositivo, constitui contravenção penal “a retenção de qualquer documento a que se refere esta Lei”. Ocorre que aquela norma apenas se refere a “qualquer documento de identificação pessoal” (art. 1o). E o título eleitoral não é documento de identificação pessoal – tanto que nem fotografia ele contém.

58 A apropriação indébita é prevista no art. 168 do CP, que reza: “Art. 168 – Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1o – A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: I – em depósito necessário; II – na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III – em razão de ofício, emprego ou profissão.”

Page 262: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 253

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“O recolhimento de títulos eleitorais, às vésperas de eleição, sob pretexto de distribuição de vantagens objetiva beneficiar determinados candidatos e indiscutivelmente caracteriza infração ao art. 299 do Código Eleitoral e não no art. 295 do mesmo dispositivo legal. Preliminar de impossibili-dade jurídica do pedido rejeitada, prejudicada a alegação de prescrição da pretensão punitiva. Com base nas declarações testemunhais, presentes se encontram os pressupostos configuradores da materialidade do delito e os indícios de sua autoria, caracterizadores da justa causa para o pros-seguimento da ação penal. Preliminar de ausência de justa causa rejei-tada.” (TRE/MS – INQTO no 30 – DJ, v. 1.576, 10-9-2007, p. 194/95).

“Penal eleitoral. Crime de retenção de título eleitoral (código eleitoral, art. 295). Condenação em multa e ao pagamento de custas processuais. Recurso. Provimento parcial. I – Confirma-se a sentença no aspecto da condenação por crime de retenção de título eleitoral, uma vez demons-tradas a autoria e a materialidade. II – Confirma-se a sentença no aspecto da condenação à pena de multa em valor compatível com a situação eco-nômico-financeira da Ré (Código Eleitoral, art. 286). III – Reforma-se a sentença no aspecto da condenação ao pagamento das custas processu-ais, porque inexistentes na Justiça Eleitoral (Código Eleitoral, art. 373; Regimento Interno do TRE-PB, art. 129).” (TRE/PB – RCDJE no 2.422 – DJ 3-4-2003, p. 9).

“Recurso Criminal. – Art. 295 do Código Especializado – Ausência de finalidade eleitoral – Incompetência da Justiça Eleitoral para apreciar a matéria – Nulidade ab initio do processo – Remessa dos autos à Justiça Comum – Recurso prejudicado. Ausente o objetivo eleitoral, a retenção de título não caracteriza o crime do art. 295 do Código Eleitoral, poden-do tipificar a contravenção penal prevista na Lei n. 5.553/68, falecendo competência à Justiça Eleitoral para apreciar a questão. Tratando-se de incompetência ratione materiae, absoluta portanto, inaplicáveis são as dis-posições do art. 567 do CPP, devendo o processo ser anulado ab initio e remetido à Justiça competente para apreciá-lo.” (TRE/SC – RCRIME no 328 – DJESC, v. 10.098, 27-11-1998, p. 457).

Page 263: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

254 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

2.4 Crimes eleitorais na Lei no 6.091/1974 – transporte e alimentação de eleitores em dia de eleição

A Lei no 6.091/1974 dispõe sobre serviços de transporte e fornecimento de ali-mentação em dia de eleição, caso seja necessário, a eleitores.

A finalidade dessa norma é prevenir o abuso de poder e a ilícita cooptação dos votos de eleitores que dependerem de tais recursos para exercerem o sacrossanto direito de voto.

Preside-a o princípio cooperativo, haja vista que se impõe a outros órgãos a dispo-nibilização de meios para assegurar o regular exercício do sufrágio.

Em zonas urbanas, o art. 10 da citada norma veda “aos candidatos ou órgãos parti-dários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento de transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana”. É que, de modo geral, as áreas urbanas já contam com esquemas regulares de fornecimento de transporte e alimentação às pessoas em geral. O trans-porte urbano é realizado por empresas concessionárias de transporte público, sendo esse serviço oferecido a todos indistintamente, enquanto a alimentação é ofertada por restaurantes, bares e vendedores ambulantes.

Em zonas rurais, apenas se houver necessidade, o transporte gratuito de eleitores somente pode ser efetuado em esquemas gerenciados pela Justiça Eleitoral. Para tan-to, é facultada a requisição a órgãos públicos (União, Estado ou Município) de veícu-los e embarcações – que devem ser entregues devidamente abastecidos. Excetuam-se do poder de requisição, porém, as conduções de uso militar (aí incluídas não só as das Forças Armadas, como também as da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar) e as indispensáveis ao funcionamento de serviço público insuscetível de interrupção, isto é, os denominados “serviços essenciais”, tais como serviços médico-hospitalar, Delegacia de Polícia etc.

Somente na hipótese de serem insuficientes os disponibilizados por órgãos públi-cos, poderá a Justiça Eleitoral requisitar veículos e embarcações pertencentes a parti-culares, preferencialmente aqueles destinados a locação. Por óbvio, o particular deve ser indenizado pelo uso e, com maior razão, se o veículo for danificado.

Os percursos do transporte organizado pela Justiça Eleitoral serão previamente definidos de maneira a atender as localidades situadas a mais de dois quilômetros das seções eleitorais e, pois, das mesas receptoras de votos. Devem ser divulgados pelo menos 15 dias antes do dia da eleição.

O provimento de alimentação no dia das eleições ocorre de maneira semelhante. Sendo imprescindível em certas zonas rurais, notadamente em face de notória carência de recursos, somente à Justiça Eleitoral é dado organizar a distribuição de refeições.

A Lei no 6.091/1974 prevê vários crimes, enfeixando-os todos em seu art. 11. Esse artigo contém cinco incisos e cada um deles prevê uma figura típica. Elas serão analisadas separadamente na sequência.

Page 264: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 255

Art. 11, I Não disponibilizar à Justiça Eleitoral veículos e embarcações

“Art. 11 – Constitui crime eleitoral: I – descumprir, o responsável por órgão, repartição ou unidade do serviço público, o dever imposto no art. 3o, ou prestar informação inexata que vise a elidir, total ou parcialmente, a contribuição de que ele trata:

Pena – detenção de quinze dias a seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa;”

O tipo legal remete ao art. 3o da mesma norma, que, por sua vez, se reporta ao art. 1o. Eis o teor desses dispositivos:

“Art. 1o Os veículos e embarcações, devidamente abastecidos e tripula-dos, pertencentes à União, Estados, Territórios e Municípios e suas res-pectivas autarquias e sociedades de economia mista, excluídos os de uso militar, ficarão à disposição da Justiça Eleitoral para o transporte gratuito de eleitores em zonas rurais, em dias de eleição.

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo os veículos e embarcações em número justificadamente indispensável ao funcionamento de serviço público insusceptível de interrupção.

§ 2o Até quinze dias antes das eleições, a Justiça Eleitoral requisitará dos órgãos da administração direta ou indireta da União, dos Estados, Terri-tórios, Distrito Federal e Municípios os funcionários e as instalações de que necessitar para possibilitar a execução dos serviços de transporte e alimentação de eleitores previstos nesta Lei.”

“Art. 3o Até cinquenta dias antes da data do pleito, os responsáveis por todas as repartições, órgãos e unidades do serviço público federal, es-tadual e municipal oficiarão à Justiça Eleitoral, informando o número, a espécie e lotação dos veículos e embarcações de sua propriedade, e justificando, se for o caso, a ocorrência da exceção prevista no parágrafo 1o do art. 1o desta Lei.

§ 1o Os veículos e embarcações à disposição da Justiça Eleitoral deverão, mediante comunicação expressa de seus proprietários, estar em condi-ções de ser utilizados, pelo menos, vinte e quatro horas antes das elei-ções e circularão exibindo de modo bem visível, dístico em letras garra-fais, com a frase: ‘A serviço da Justiça Eleitoral.’

§ 2o A Justiça Eleitoral, à vista das informações recebidas, planejará a exe-cução do serviço de transporte de eleitores e requisitará aos responsáveis pelas repartições, órgãos ou unidades, até trinta dias antes do pleito, os veículos e embarcações necessários.”

Page 265: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

256 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O inciso I, art. 11, da Lei no 6.091/1974 tem por objetivo salvaguardar a organi-zação, por parte da Justiça Eleitoral, do esquema de transporte de eleitores da zona rural no dia da eleição.

O delito é próprio, pois exige que o agente ostente a especial qualidade de “res-ponsável por órgão, repartição ou unidade do serviço público”, sejam elas federal, estadual e municipal. Por “responsável”, aqui, deve-se compreender o chefe do órgão ou da repartição na localidade – zona eleitoral ou comarca. É ele, afinal, que a gere e tem o controle dos recursos humanos e materiais que lhe são disponibilizados.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro, pois se refere ao não cumprimento do dever legal de informar expresso no art. 3o. O agente se omite, portanto.

Três são as condutas típicas, a saber: 1) não informar, o agente, até cinquenta dias antes da data do pleito, o número, a espécie e lotação dos veículos e embarcações existentes na repartição pela qual é o responsável; 2) não justificar, o agente, se for o caso, a indispensabilidade dos veículos existentes em sua repartição para o regular funcionamento do serviço público que lá é desenvolvido; 3) prestar, o agente, infor-mação inexata, visando a elidir, total ou parcialmente, a disponibilização dos veículos existentes em sua repartição à Justiça Eleitoral com vistas ao transporte de eleitores no dia do pleito.

Em quaisquer dessas três modalidades, trata-se de crime de mera conduta.

A consumação se dá com o simples escoar do lapso de 50 dias, anteriores ao plei-to, sem que o agente cumpra o dever legal de informar a Justiça Eleitoral.

É irrelevante para a consumação que haja prejuízo à organização do serviço de transporte.

A tentativa é inadmissível.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de deixar o agente de prestar à Justiça Eleitoral as informações a que por lei está obrigado.

Na terceira hipótese acima delineada, há a previsão de um elemento subjetivo do tipo. Deveras, ao prestar informação inexata à autoridade eleitoral, há mister que o agente vise elidir, total ou parcialmente, a disponibilização dos veículos existentes em sua repartição à Justiça Eleitoral. Sendo outra a finalidade do agente, não se perfaz a figura típica em exame.

Sanção – a pena é detenção de detenção de 15 dias a seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Page 266: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 257

Distinção – se houver requisição de veículo ou embarcação, o desatendimento da requisição judicial implica o cometimento do crime de desobediência eleitoral, previs-to no art. 347 do CE.

Art. 11, II Descumprir, o particular, requisição de veículo ou embarcação

“Art. 11 – Constitui crime eleitoral: [...] II – desatender à requisição de que trata o art. 2o:

Pena – pagamento de 200 a 300 dias-multa, além da apreensão do veículo para o fim previsto;”

O inciso II, art. 11, da Lei no 6.091/1974 remete ao art. 2o dessa mesma norma. Esse, por sua vez, estabelece:

“Art. 2o Se a utilização de veículos pertencentes às entidades previstas no art. 1o não for suficiente para atender ao disposto nesta Lei, a Justiça Eleitoral requisitará veículos e embarcações a particulares, de preferência os de aluguel.

Parágrafo único. Os serviços requisitados serão pagos, até trinta dias de-pois do pleito, a preços que correspondam aos critérios da localidade. A despesa correrá por conta do Fundo Partidário.”

O particular – pessoas físicas e jurídicas – não têm o dever legal de informar a Justiça Eleitoral acerca dos veículos e embarcações que possuem. Mas ficam eles su-jeitos à requisição da Justiça Eleitoral, em caso de necessidade. Todos têm o dever de cooperar no sentido de que o princípio de sufrágio universal seja concretizado.

O inciso II, art. 11, da Lei no 6.091/1974 tem por objetivo assegurar o transporte de eleitores residentes em zonas rurais até as seções eleitorais em que haja votação. Com isso, assegura-se-lhes o livre exercício do sufrágio, reduzindo-se as oportunida-des de perniciosa influência de detentores de poder econômico.

O delito é comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa que seja proprietá-ria de veículos ou embarcações. Acaso os meios de transporte pertençam a pessoa jurí-dica, responderão pelo crime os seus representantes legais incumbidos de sua gestão.

O tipo legal é omissivo próprio ou puro.

A conduta típica refere-se ao não cumprimento de requisição de autoridade elei-toral no sentido de que os veículos sejam postos à disposição no local e momento assinalados.

Note-se que a requisição deve incidir preferencialmente em veículos de aluguel. A requisição de veículos de uso exclusivamente particular (ou seja, de passeio ou de uso empresarial) somente se justificaria ante a inexistência no local de veículos disponi-

Page 267: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

258 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

bilizados para locação. Assim, a existência de veículos para aluguel justifica a recusa do particular de ceder o seu próprio bem à Justiça Eleitoral. Divisa-se aí a excludente de ilicitude atinente ao exercício regular de direito (CP, art. 23, III, segunda figura). No caso, o direito de propriedade não poderia ser menoscabo por ato arbitrário de autoridade eleitoral – e diz-se arbitrário porque o interesse eleitoral poderia ser ple-namente satisfeito de outra forma, por outra via, sem sacrifício dos poderes inerentes ao fundamental direito de propriedade.

Trata-se de crime de mera conduta.

A consumação se dá com a só recusa do agente ou com a não disponibilização do veículo ou da embarcação no dia e local indicados na requisição.

É irrelevante, para a consumação, que haja ou não prejuízo ao serviço de transpor-te organizado pela Justiça Eleitoral.

A tentativa é inadmissível.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de realizar a omissão típica.

Não há a previsão de um elemento subjetivo do tipo, respeitante a um especial fim de agir por parte do agente.

Sanção – a pena é tão somente pecuniária, consistente no pagamento de 200 a 300 dias-multa.

Há também a previsão de “apreensão do veículo”. Mas essa sanção não tem na-tureza criminal, senão civil-administrativa. Visa apenas a disponibilização do veículo ou da embarcação para o atendimento do interesse eleitoral atinente ao transporte de eleitores. Após as eleições, devem eles ser restituídos ao proprietário, inclusive com o montante da indenização cabível.

Considerando a natureza da pena, trata-se de infração de menor potencial ofensi-vo. Admite, pois, transação penal e não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Distinção – a recusa de particular em atender requisição de autoridade eleitoral no presente caso não configura o crime de desobediência eleitoral previsto no art. 347 do CE. O eventual conflito normativo que possa haver resolve-se pelo princípio da espe-cialidade, já que o inciso II, art. 11, da Lei no 6.091/1974 é regra específica.

Art. 11, III Fornecer transporte ou alimentação a eleitor no dia do pleito

“Art. 11 – Constitui crime eleitoral: [...] III – descumprir a proibição dos artigos 5o, 8o e 10:

Pena – reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (Art. 302 do Código Eleitoral);”

Page 268: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 259

O inciso III, art. 11, da Lei no 6.091/1974 remete aos arts. 5o, 8o e 10 dessa mesma norma. Eis o teor desses dispositivos:

“Art. 5o Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de elei-tores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo: I – a serviço da Justiça Eleitoral; II – coletivos de linhas regulares e não fretados; III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família; IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2o.”

“Art. 8o Somente a Justiça Eleitoral poderá, quando imprescindível, em face da absoluta carência de recursos de eleitores da zona rural, fornecer-lhes refeições, correndo, nesta hipótese, as despesas por conta do Fundo Partidário.”

“Art. 10. É vedado aos candidatos ou órgãos partidários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento de transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana.”

Por esses dispositivos, é proibido o fornecimento de alimentação e transporte a eleitores na ocasião das eleições, ressalvadas as situações que estabelece.

A objetividade jurídica do delito do enfocado inciso III consiste em tutelar o livre exercício do sufrágio dos eleitores. Por óbvio, se até mesmo para se alimentar ou se deslocar à seção eleitoral tivesse o eleitor que depender de favores alheios, ficaria exposto à nociva influência de detentores de poder econômico, o que certamente aba-laria a sinceridade de seu voto.

O delito é comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa, e não apenas por candidatos. Se alimentação ou transporte forem proporcionados por partido político, a responsabilização penal recairá em seus dirigentes ou representantes implicados nesse evento.

Trata-se de crime omissivo impróprio. O tipo legal fala em “descumprir” (não atender, omitir em observar) a proibição legalmente estabelecida, entretanto sua rea-lização se dá mediante um agir, consistente no fornecimento de alimento ou transpor-te. O agente tinha o dever legal de não agir, mas assim o fez.

Duas, basicamente, são as condutas típicas.

A primeira refere-se ao descumprimento da proibição de fornecer (prover, minis-trar) alimentos a eleitores no dia do pleito. Nessa data, somente a Justiça Eleitoral poderá fazê-lo; e o fará por si mesma (ou seja, por seus próprios agentes) ou por terceiros que autorizar. Isso só ocorrerá se for imprescindível, em face da presença de absoluta carência de recursos de eleitores da zona rural.

Já a segunda conduta típica consubstancia-se no descumprimento da proibição de transportar eleitores. A proibição se estende do dia anterior até o posterior ao da eleição; essa extensão se justifica em razão de haver eleitores que moram em locais

Page 269: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

260 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

distantes da seção eleitoral. À guisa de exemplo, pense-se no transporte de eleitores que moram e trabalham em cidade de um Estado mas encontram-se inscritos em se-ções eleitorais situadas em distante cidade de outro Estado da federação.

A incriminação do transporte não se restringe à zona rural.

Conforme reza o citado art. 5o, o transporte por veículos só é permitido:

“I – a serviço da Justiça Eleitoral; II – coletivos de linhas regulares e não fretados; III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família; IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2o.”

Situação problemática ocorre no caso de carona. É que esse inciso III só ressalva o uso do proprietário do veículo de passeio “para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família”. Portanto, sob o aspecto estritamente formal, dar carona a um amigo ou vizinho no dia do pleito implicaria a realização da figura típica em exame.

Entretanto, estando assegurado na Lei Maior a liberdade individual (CF, art. 5o, caput) e o direito de propriedade (art. 5o, XXII), no qual se insere o uso do bem, não poderia o legislador infraconstitucional proibir as pessoas de usarem seus veículos no dia das eleições, inclusive para dar carona a amigos – independentemente de eles se dirigirem a seção eleitoral para votar. O que se proíbe – e com razão – é o uso de meios de transporte com vistas ao aliciamento do eleitor.

É pacífico o entendimento segundo o qual a perfeição do delito de transporte de eleitores exige a demonstração de dolo específico na conduta do agente. Esse ele-mento subjetivo encontra-se implícito no tipo; é consubstanciado no fim explícito de aliciamento de eleitores, na captação de voto, na finalidade de impedir ou embaraçar o exercício do direito de sufrágio, ou, enfim, no auferimento de qualquer proveito ou vantagem eleitoral em razão da carona. A ver:

“Agravo Regimental. Recurso Especial. Transporte de Eleitores. Dolo Es-pecífico. Não Comprovação. Lei no 6.091/74, arts. 5o e 11. Código Eleito-ral, Art. 302. Para a configuração do crime previsto no art. 11, III, da Lei no 6.091/74, há a necessidade de o transporte ser praticado com o fim explícito de aliciar eleitores. Precedentes. Agravo a que se nega provi-mento.” (TSE – REspe no 21.641/PI – DJ 5-8-2005, p. 252).

A consumação do crime em exame se dá com o efetivo descumprimento da proi-bição legal, quando, então, o agente fornece refeição a eleitor ou o transporta nos percursos de ida ou de volta da seção eleitoral.

Na hipótese de transporte, não é preciso que se percorra grande distância, tam-pouco que o eleitor transportado chegue aos locais de votação ou de sua residência, pois esses eventos constituem já exaurimento da ação típica.

Page 270: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 261

Por se tratar de crime omissivo impróprio, é possível a tentativa. O conatus ocor-reria, e.g., na situação em que o agente é flagrado com eleitores se preparando para embarcar ou já acomodados no interior do veículo; outro exemplo é a situação em que as refeições estão prontas para serem fornecidas, mas ainda não foram entregues a um eleitor.

Quanto ao tipo subjetivo, o delito é doloso, não tendo sido prevista a forma culposa.

Observe-se que na hipótese de carona, é mister que se apresente um elemento subjetivo do tipo, consistente na finalidade de aliciamento de eleitor. E tal finalidade deve ser explícita. Na ausência de tal elemento, atípica é a conduta.

Sanção – a pena é de reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias multa.

Considerando os limites mínimo e máximo da pena abstratamente cominado, a infração é de maior potencial ofensivo, não tendo cabimento transação penal, tampou-co suspensão condicional do processo.

Consequentemente, a condenação gera a inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Jurisprudência

“Recurso especial. Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Imputação do crime de transporte ilegal de eleitores. Artigo 11, III, c.c. o art. 5o da Lei no 6.091/74. Circunstância necessária não descrita. Dolo. Ausência de indicação na peça acusatória. Ordem concedida. – O delito tipificado no art. 11, III, da Lei no 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua con-figuração, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento. – Circunstância necessária não descrita, ausente na peça acusatória indicação da possibilidade de existência do elemento subjetivo. – Agravo regimental a que se nega provimento.” (TSE – REspe no 28.517/MA – DJ 5-9-2008, p. 17).

“Recurso especial eleitoral. Crime eleitoral. Transporte de eleitores. Ate-nuante. Redução da pena abaixo do mínimo legal. Impossibilidade. Sú-mula no 231/STJ. 1. Deve obedecer ao mínimo legal a imposição de pena ao ora recorrido, [...], incurso na sanção prevista no art. 11, inciso III, da Lei no 6.091/74 (fornecimento, no dia das eleições, de transporte ou re-feições aos eleitores de zona urbana). 2. O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não tem o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal. Precedente: HC 70.883/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24.6.94. 3. O repúdio à aplicação de penalidade em quantitativo infe-

Page 271: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

262 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

rior ao mínimo legal encontra-se respaldado pela melhor interpretação da legislação federal e do próprio texto constitucional. Leia-se o teor da Súmula no 231/STJ: ‘a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal’. 4. Recurso provido para restabelecer a pena fixada no mínimo legal por sentença.” (TSE – REspe no 28.374/PR – DJ 20-2-2008, p. 16).

“Recurso especial. Crime eleitoral. Art. 11, inciso III, da Lei no 6.091/74, c.c. o art. 302 do Código Eleitoral – Dia do pleito – Eleitores – Transporte ilegal – Fornecimento gratuito de alimentos – Finalidade de fraudar o exercício do voto. Denúncia procedente. Recurso não conhecido. 1. Para a caracterização do tipo penal previsto no art. 302 do Código Eleitoral, não é necessário que os eleitores cheguem ao local de votação em meio de transporte fornecido pelo réu.” (TSE – REspe no 21.237/MG – DJ 3-10-2003, p. 106).

“Habeas Corpus – Transporte de eleitores em dia de eleição, para fim de aliciamento de voto (arts. 5o e 11 da L. 6.091/74 – art. 8o, § único da Resolução 9.641/74). Pedido de trancamento da ação penal denegado pelo acórdão regional. Alegação de atipicidade do fato e ausência de dolo específico: improcedência. 1. O tipo do art. 11, III, da L. 6.091/74 é misto alternativo: basta a violação de qualquer uma das proibições legais a que remete. 2. Não elide a criminalidade, em tese, do fato imputado cuidar-se de transporte gratuito de eleitores residentes em uma cidade, a fim de votarem em outra. 3. Denúncia que afirma o dolo específico e a efetivi-dade do aliciamento 4. Não se presta a via do procedimento sumário e documental do habeas corpus para a verificação de questões não demons-tradas de pronto e extreme de dúvidas 5. Ordem denegada.” (TSE – HC no 402/SP – DJ, v. 1, 19-4-2002, p. 193).

“1. Para aplicação das penas previstas na Lei n. 6.091/74, art. 11, impõe-se a constatação da existência do dolo específico, consistente no aliciamento de eleitores em prol de partido ou candidato. 2. Precedentes. 3. Recurso não conhecido.” (TSE – REspe no 15.499/PE – DJ 17-12-1999, p. 171).

“Recurso Criminal. Denúncia oferecida nos termos do art. 302 do Códi-go Eleitoral c/c o art. 11, III, da Lei n. 6.091/74. Procedência. O forneci-mento gratuito de alimentos a eleitores, no dia da eleição, e com o fim de fraudar o exercício do voto, enquadra-se ao tipo penal previsto no art. 11, III, da Lei n. 6.091/74, que revogou em parte o art. 302 do Código Eleito-ral. A finalidade eleitoral da distribuição de alimentos, realizada pelo re-corrente, foi devidamente comprovada. O estabelecimento comercial uti-lizado para distribuição de lanches armazenava, sobre o balcão, dezenas de panfletos contendo propaganda eleitoral. Testemunha confirmou que

Page 272: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 263

o recorrente afirmara, em sua presença e na de policiais, que distribuíra lanches e impressos contendo nomes e números de candidatos. Sentença reformada na fixação da pena. Inexistência de prova de que o recorrente tenha sofrido condenação com trânsito em julgado. Recurso a que se dá provimento parcial.” (TRE/MG – RC no 13082007 – DJEMG 28-1-2009).

“Recurso Criminal. Condenação parcial. Arts. 302 do CE e 29 do CP. Elei-ções 2004. Não-ocorrência de prescrição da pretensão punitiva do Esta-do. Considerada a pena in abstrato aquela concretizada na sentença penal condenatória. Art. 109, III e IV, do CP. Bens jurídicos tutelados. Liberdade de voto dos eleitores transportados gratuitamente no dia das eleições e de-mocracia. Conduta da recorrente que se amolda ao disposto no art. 302 do CE, parcialmente revogado pelos arts. 5o e 11, III, da Lei n. 6.019/74. Inter-rogatório e depoimentos que permitem concluir não só pela concentração de eleitores por meio do efetivo transporte de eleitores no dia da eleição, mas também pelo dolo consistente na intenção de obter vantagem eleito-ral. Presentes os elementos objetivos e subjetivos do tipo. Caracterização do delito insculpido no art. 302 do CE. Inaplicabilidade do art. 49, § 1o, do CP para fixar a pena de multa. Crime previsto em lei especial. Aplicação dos parâmetros previstos na lei especial, em detrimento da lei geral. Arts. 12 do CP e 5o, II, da CRFB. Recurso a que se nega provimento.” (TRE/MG – RC no 4432007 – DJMG 27-6-2008, p. 118).

“Recurso criminal. Transporte ilegal de eleitores. Vedação contida no art. 5o da Lei no 6.091/74, aplicável tanto a eleitores da zona urbana quanto da rural. Circunstâncias do caso: transporte eventual de apenas uma elei-tora. Desclassificação para a hipótese do artigo 299 do Código Eleitoral. Provimento parcial.” (TRE/RS – RC no 182007 – DJ 18-10-2007, p. 96).

“Recurso Criminal. Denúncia. Art. 10 c/c art. 11, inciso III, da Lei no 6.091/74. Eleições 2004. Procedência. Fornecimento de refeições a elei-tores da zona urbana no dia do pleito. Não-comprovação da intenção de aliciamento. Ausência do elemento subjetivo que integra o tipo penal. Atipicidade da conduta. Absolvição, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Recurso a que se dá provimento.” (TRE/MG – RC no 23002006 – DJMG 28-10-2006, p. 95).

“Recurso Criminal. Denúncia. Art. 11, inciso III, c/c o art. 5o, ambos da Lei no 6.091/04. Procedência parcial. Transporte de eleitores no dia do pleito. A simples demonstração de que houve transporte de eleitores no dia do pleito é insuficiente para a configuração do delito. Não-compro-vação de prática maculadora da vontade dos eleitores. Inexistência de dolo específico, consistente no aliciamento e captação ilícita de sufrágio. Absolvição de ambos os recorrentes. Art. 386, III, do Código de Processo

Page 273: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

264 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Penal. Recurso a que se dá provimento.” (TRE-MG – RC-1153/2005 – DJMG 21-3-2006, p. 86).

“Recurso. Decisão que condenou o réu pela prática de transporte irre-gular de eleitores. Intempestividade da manifestação recursal. Inexistên-cia de prazo diferenciado ao defensor dativo. Prerrogativa exclusiva, no teor da Lei no 1.060/50, aos defensores públicos. Feito não conhecido.” (TRE/RS – RC no 462005 – DJE 8-5-2006, p. 84).

“Recurso criminal. Condenação. Ausência de interrogatório. Sentença anulada. Nova sentença condenatória. Inciso III do art. 11, c/c os incisos I a IV do art. 5o, todos da Lei n.o 6.091/74. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, além de pena pecuniária e custas processuais. Preliminar de intempestividade do recurso – afasta-da. Existência de certidão que faz prova efetiva da intimação pessoal do recorrente. Mérito. Não-comprovação do aliciamento de eleitores diri-gido a fraudar o exercício do voto. Embora o réu dissesse que houve o transporte de oito eleitores na data da eleição, a pedido de vereador, estes já haviam votado, não existindo vontade por parte do réu de obter van-tagem eleitoral. Conjunto probatório frágil e insuficiente para embasar um decreto condenatório. O réu estava autorizado pela Justiça Eleitoral a promover o transporte de eleitores. Absolvição. Art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. Recurso provido.” (TRE/MG – RC no 5422001 – DJMG 10-2-2004, p. 126).

Art. 11, IV Obstar o serviço de fornecimento de refeições ou transporte a eleitores

“Art. 11 – Constitui crime eleitoral: [...] IV – obstar, por qualquer forma, a prestação dos serviços previstos nos arts. 4o e 8o desta Lei, atribuídos à Justiça Eleitoral:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos;”

O inciso IV, art. 11, da Lei no 6.091/1974 remete aos arts. 4o e 8o dessa mesma norma. Rezam esses dispositivos:

“Art. 4o Quinze dias antes do pleito, a Justiça Eleitoral divulgará, pelo ór-gão competente, o quadro geral de percursos e horários programados para o transporte de eleitores, dele fornecendo cópias aos partidos políticos.

§ 1o O transporte de eleitores somente será feito dentro dos limites terri-toriais do respectivo município e quando das zonas rurais para as mesas receptoras distar pelo menos dois quilômetros.

Page 274: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 265

§ 2o Os partidos políticos, os candidatos, ou eleitores em número de vin-te, pelo menos, poderão oferecer reclamações em três dias contados da divulgação do quadro.

§ 3o As reclamações serão apreciadas nos três dias subsequentes, delas cabendo recurso sem efeito suspensivo.

§ 4o Decididas as reclamações, a Justiça Eleitoral divulgará, pelos meios disponíveis, o quadro definitivo.”

“Art. 8o Somente a Justiça Eleitoral poderá, quando imprescindível, em face da absoluta carência de recursos de eleitores da zona rural, fornecer-lhes refeições, correndo, nesta hipótese, as despesas por conta do Fundo Partidário.”

Esses dois dispositivos regulam as atividades a serem desenvolvidas pela Justiça Eleitoral no que concerne à organização de serviço de transporte de eleitores desde a véspera até o dia seguinte ao das eleições, bem como ao fornecimento de refeições.

A objetividade jurídica do delito previsto no enfocado inciso IV liga-se à proteção da regular e eficaz prestação desses serviços. Visa-se, assim, salvaguardar os meios postos à disposição dos eleitores residentes em zonas para exercerem o sufrágio.

O delito é comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa.

Trata-se de crime comissivo.

O núcleo do tipo é formado pelo verbo obstar.

Consiste a conduta típica em o agente obstar (impedir, bloquear, estorvar, dificul-tar), por qualquer forma, a prestação dos serviços atribuídos à Justiça Eleitoral relativa-mente ao fornecimento de refeições e transporte de eleitores residentes em zona rural.

À luz do dispositivo em exame, não há tipicidade (e, pois, não há crime) se o óbice for imposto ao fornecimento de refeições ou transporte realizado por linhas regulares ou a serviço normalmente prestado por veículos de locação.

A consumação se dá com a imposição de óbice aos serviços assinalados. Não é preciso que haja prejuízo aos serviços ou aos eleitores.

Possível é a tentativa.

Quanto ao tipo subjetivo, o delito é doloso, não tendo sido prevista modalidade culposa. O dolo é de dano e genérico. Abrange o conhecimento de que o serviço é organizado pela Justiça Eleitoral para transportar eleitores para as seções eleitorais ou para fornecer-lhes refeições.

Não há previsão de um elemento subjetivo do tipo descrevendo uma específica finalidade por parte do agente.

Sanção – a pena é de reclusão de dois a quatro anos;

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado é superior a dois anos, cuida-se de infração de maior potencial ofensivo. Logo, não é cabível transação

Page 275: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

266 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

penal. Consequentemente, a condenação gera a inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Por outro lado, tendo em vista que a pena mínima cominada é superior a um ano, não se admite suspensão condicional do processo.

Art. 11, V Usar em campanha eleitoral veículo ou embarcação da Administração Pública

“Art. 11 – Constitui crime eleitoral: [...] V – utilizar em campanha elei-toral, no decurso dos 90 (noventa) dias que antecedem o pleito, veículos e embarcações pertencentes à União, Estados, Territórios, Municípios e respectivas autarquias e sociedades de economia mista:

Pena – cancelamento do registro do candidato ou de seu diploma, se já houver sido proclamado eleito.

Parágrafo único. O responsável, pela guarda do veículo ou da embarca-ção, será punido com a pena de detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e pagamento de 60 (sessenta) a 100 (cem) dias-multa.”

Visa o presente dispositivo reprimir penalmente uma forma de abuso de poder polí-tico ou de autoridade, consistente no uso em campanha eleitoral de veículos e embar-cações pertencentes à Administração Pública direta e indireta da União, Estados, Ter-ritórios, Municípios e respectivas autarquias e sociedades de economia mista. Ocorre, portanto, desvio de finalidade dos aludidos bens.

O delito é próprio, só podendo ser cometido por candidatos e pelos agentes públi-cos responsáveis pela “guarda do veículo ou da embarcação”.

Trata-se de crime plurissubjetivo, pois sua perfeição requer a presença de mais de um agente. Há, no caso, concurso necessário (com condutas convergentes) entre: i) o agente público que permitir o uso do veículo ou da embarcação; ii) o candidato (ou pessoa a ele ligada) cuja campanha se beneficia da cessão irregular do bem.

Sujeito passivo é a sociedade.

O crime é comissivo, sendo o núcleo do tipo formado pela elementar “utilizar”.

Consubstancia-se a conduta típica na utilização em campanha eleitoral, nos no-venta dias que antecedem o pleito, de veículos e embarcações pertencentes à Admi-nistração Pública.

Veículo e embarcação constituem o objeto material do delito em exame. É genéri-co o sentido desses termos, podendo se referir a qualquer meio de condução, indepen-dentemente do tipo de tração que o movimenta – elétrica, mecânica, de vento. Assim, compreendem carro, camioneta, ônibus, van, aeronaves, barcos, navios etc.

Utilizar, na descrição típica, significa empregar ou aproveitar os veículos e em-barcações em campanha. Campanha eleitoral, frise-se – e não outro tipo de campa-

Page 276: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 267

nha, como, por exemplo, a realizada por pré-candidato em atenção às prévias de seu partido.

Não é mister que o deslocamento seja do candidato, ele mesmo, podendo ser de pessoas que se encontrem ligadas ou a serviço de sua campanha, tais como membros de partidos e cabos eleitorais. Por outro lado, os meios de transporte podem ser uti-lizados no transporte de coisas e materiais. Importante é que o uso seja feito em prol de “campanha eleitoral”.

O veículo e embarcação devem pertencer à “União, Estados, Territórios e Municí-pios”, ou seja, à Administração Direta. O tipo também se refere às “autarquias e so-ciedades de economia mista” ligadas àqueles entes, ou seja, à Administração Indireta.

Entretanto, essa enumeração é reflexo do tempo em que o tipo legal foi concebido. Embora o Direito Penal repila a interpretação extensiva, é óbvio que tal enumeração tem caráter meramente exemplificativo ou numerus clausus. No que tange à Adminis-tração Direta, deve-se excluir o “Território” (que com a Constituição de 1988 deixou de existir na organização política brasileira), e incluir o Distrito Federal (que, diferen-temente do que ocorre sob a Constituição de 1988, não gozava do status constitucio-nal de ente federativo – CF, art. 18).

Quanto aos entes da Administração Indireta arrolados no tipo, é evidente que se o veículo ou a embarcação não deve pertencer a “sociedades de economia mista” (na qual apenas parte do capital e das ações pertencem ao Estado), com maior razão também não poderiam pertencer a outros entes descentralizados cujo capital e ações pertençam integralmente ao Estado. Em verdade, deve-se compreender que nenhum veículo ou embarcação pertencente a ente da Administração Indireta pode ser cedido para campanha eleitoral. A Administração Indireta compreende as seguintes catego-rias de entidades, todas dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquia (exs.: Instituto Nacional de Previdência Social – INSS e Universidades Públicas); b) Empre-sa Pública (exs.: Caixa Econômica Federal – CEF e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT); c) Sociedade de Economia Mista (exs.: Petrobras e Banco do Brasil S/A); d) Fundação instituída pelo Poder Público (exs.: Fundação Padre Anchie-ta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativa/SP, Fundação João Pinheiro/MG); e) Consórcio Público; f) Agência (exs.: ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica e ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações). Observe-se que, embora indire-tamente, as entidades descentralizadas integram o complexo político-administrativo estatal; são criadas e mantidas com recursos públicos para prestar serviços públicos, não devendo seus bens serem desviados em proveito de campanhas eleitorais.

O tipo em apreço contém um elemento temporal, pelo qual só é penalmente re-levante a conduta realizada durante o período reservado às campanhas eleitorais, ou seja, nos noventa dias anteriores à data assinalada para o pleito. Onde houver segundo turno, o marco a ser considerado é o primeiro.

O delito em exame é doloso, não sendo prevista forma culposa. O dolo é de dano, consistindo na vontade livre e consciente de utilizar veículo ou embarcação perten-

Page 277: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

268 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

cente à Administração Pública, direta ou indireta, em campanha eleitoral. O dolo abrange esse conhecimento.

Admite-se o dolo eventual. Afinal, não é razoável que a existência de dúvida (es-pecialmente a do agente público responsável pela guarda e destinação do bem) sobre a licitude da permissão de uso de bem público em benefício de campanha eleitoral venha a beneficiar os criminosos. Na dúvida, deve prevalecer o interesse público con-sistente na vedação do uso privado de bem público, sendo esse o princípio que sempre e sempre deveria ser observado por todos.

Não é previsto um elemento subjetivo do tipo, que expresse um especial fim de agir por parte dos agentes.

Trata-se de crime material cuja consumação se dá com o uso efetivo dos bens assinalados em campanha eleitoral. Não se exige que haja prejuízo aos serviços do órgão ou da repartição a que os bens estejam afetados. De outro lado, o bene-fício à campanha eleitoral do beneficiário é presumido, sendo desnecessária sua demonstração.

Admite-se a tentativa.

Sanção – para o candidato cuja campanha é beneficiada, que atua com dolo, a pena é exclusivamente de privação de direito, consistente no cancelamento do registro de sua candidatura ou na cassação de seu diploma, caso tenha sido pro-clamado eleito.

Considerando a natureza dessa pena, não é possível haver transação penal, tam-pouco sursis processual. Ademais, há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Já para o agente público responsável pela guarda do veículo ou da embarca-ção, é cominada pena detenção de 15 dias a seis meses, e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

Nesse caso, considerando que o máximo da pena privativa de liberdade abstra-tamente cominada é inferior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o). Além disso, sendo a pena mínima cominada inferior a um ano, admite-se a suspensão con-dicional do processo.

Distinção – fora do âmbito penal, o art. 22, XIV, da LC no 64/90 sanciona o abuso de poder político (“de autoridade”) com inelegibilidade por oito anos, cassação de re-gistro ou de diploma. Já o art. 1o, I, d e h, daquela mesma norma complementar, prevê a declaração de inelegibilidade, por oito anos, de quem tiver sido condenado por abuso de poder político. Por fim, o art. 73 da Lei no 9.504/97 prevê hipóteses de condutas vedadas a agentes públicos, as quais são sancionadas com multa (§ 4o) e cassação do registro ou do diploma (§ 5o). No que importa ao tema em exame, destacam-se os incisos I e II dessa norma legal. Eis o teor das aludidas regras:

Page 278: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 269

“Art. 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as se-guintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I – ceder ou usar, em benefício de candi-dato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de con-venção partidária; II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Gover-nos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;”

Outrossim, o art. 346 do CE incrimina o desvio de finalidade do serviço público e dos bens a ele afetados, realizado por determinado órgão, em benefício de “partido ou organização de caráter político”.

Casos de atipicidade – há casos que em a lei permite o uso de veículo pertencente ao Poder Público em campanha eleitoral. Assim, é admitido o uso “em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República” (LE, art. 73, § 2o, primeira parte).

Em tal caso, impõe-se o ressarcimento das respectivas despesas aos cofres pú-blicos. Deveras, o art. 76 da LE estabelece que o “ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo Presidente da República e sua comitiva em campanha eleitoral será de responsabilidade do partido político ou coligação a que esteja vincu-lado”. O ressarcimento terá por base o tipo de transporte usado e a respectiva tarifa de mercado cobrada no trecho correspondente; no caso do avião presidencial, o ressar-cimento “corresponderá ao aluguel de uma aeronave de propulsão a jato do tipo táxi aéreo” (§ 1o). A falta de ressarcimento rende ensejo à representação a ser aviada pelo Ministério Público perante a Justiça Eleitoral, na qual, a teor do § 4o do aludido art. 76, poderão os infratores sofrer “pena de multa correspondente ao dobro das despesas, duplicada a cada reiteração de conduta”.

Por óbvio, se a conduta é permitida, ela é lícita, legal, não sendo o caso de se cogi-tar do crime previsto no vertente art. 11, V, da Lei no 6.091/1974.

2.5 Crimes eleitorais na Lei no 6.996/1982

Art. 15 Mapismo eleitoral no processamento eletrônico de cédulas

“Art. 15 – Incorrerá nas penas do art. 315 do Código Eleitoral quem, no processamento eletrônico das cédulas, alterar resultados, qualquer que seja o método utilizado.”

A Lei no 6.996/1982 dispõe sobre a utilização de processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais.

Page 279: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

270 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

O seu art. 15 procurou atualizar o crime de mapismo eleitoral, previsto no art. 315 do Código Eleitoral, trazendo-o para o cenário do processamento eletrônico “das cédulas”.

Todavia, atualmente, somente se poderia falar em “cédula” na excepcional situa-ção de, durante a votação, as urnas eletrônica e de contingência apresentarem defeitos insanáveis ou de difícil reparação, quando, então, a colheita de votos passa a ser por cédula e a apuração se dá em parte manualmente.

Em certa medida, o enfocado art. 15 derroga o disposto no art. 315 do Código.

Reitera-se aqui o que foi dito no art. 315 do Código Eleitoral.

2.6 Crimes eleitorais na Lei de Inelegibilidades – LC no 64/1990

Art. 25 Arguir inelegibilidade ou impugnar registro de candidatura com má-fé ou de forma temerária

“Art. 25. Constitui crime eleitoral a arguição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé:

Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua.”

A presente figura típica tem por objetivo tutelar o regular, não abusivo, exercício de ações eleitorais fundadas em “interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade”.

Dada a natureza e o contexto em que ocorrem, os fatos deduzíveis em tais deman-das têm aptidão para lesar a imagem do candidato-réu perante o eleitorado, e, portanto, comprometer seriamente sua campanha. A só pendência de uma lide pode gerar gran-de repercussão na comunidade, sobretudo se políticos conhecidos estiverem envolvi-dos. Ocorre, porém, que, inúmeras vezes, ao final do processo, o pedido formulado na petição inicial é julgado improcedente pela Justiça, com a consequente absolvição do candidato. A bem ver, não se pode desprezar a existência de interesses políticos pessoais e partidários que induzem a desmoralização de adversários perante os eleitores.

Por isso, há mister que as demandas eleitorais tenham fundamento, e que esses sejam sérios, verdadeiros. Ao deduzi-las em juízo, é preciso que o autor esteja imbuí-do de boa-fé, o que não ocorreria se o seu único e exclusivo intento fosse, a qualquer custo, prejudicar a imagem do candidato-réu, desmoralizá-lo e contra ele atrair a aver-são dos cidadãos.

Page 280: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 271

Duas são as ações eleitorais possíveis de serem consideradas: i) a ação de impug-nação de registro de candidatura – AIRC fundada nos arts. 1o, I, d e h, e 3o, todos da LC no 64/90; ii) a ação de investigação judicial eleitoral – AIJE prevista no art. 19 c.c. art. 22, XIV, da LC 64/90. É que somente nessas ações se pode arguir inelegibilidade e impugnar registro com fundamento em “interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade”.

O delito em exame é comum, já que não exige que o agente tenha uma especial qualidade. Embora o polo ativo dessas ações só possa ser ocupado por partido políti-co, coligação, candidato e Ministério Público (LC no 64/90, arts. 3o, caput, e 22, caput), o direito de ação é abstrato e tem natureza constitucional (CF, art. 5o, XXXV), sendo a todos indistintamente conferido. Ainda que o autor careça de legitimidade ad causam ativa, poderá deduzir a arguição apenas para, algum tempo depois, vê-la repelida e extinto o processo sem julgamento de mérito (CPC, arts. 267, I, e 295, II). Mas nesse caso ainda caberão recursos para as instâncias ad quem, o que certamente sustentará por algum tempo (talvez o bastante para os inconfessáveis propósitos do autor) a pendência da maliciosa lide.

Caso o polo ativo da ação eleitoral seja ocupado por partido ou coligação, a res-ponsabilidade pelo crime em exame será do representante daquelas entidades que ou-torgar procuração a advogado autorizando-o a ajuizá-la. Por óbvio, o representante do ente partidário terá de narrar os fatos – e disponibilizar as provas – ao causídico para que ele possa deduzi-los em juízo. É possível haver concurso entre o representante do partido e o advogado subscritor da petição inicial, desde que o causídico também aja dolosamente.

Já se a ação eleitoral for deduzida por representante do Ministério Público Elei-toral (Promotor Eleitoral, Procurador Regional Eleitoral, Procurador-Geral Eleitoral e Vice-Procurador Geral Eleitoral), figurará ele, pessoalmente, no polo passivo da denúncia criminal, observado, conforme o caso, o foro especial que lhe seja próprio.

O tipo legal é comissivo, pois implica a atuação do agente.

O núcleo típico é formado pelos verbo arguir e impugnar, formas infinitivas de ar-guição e impugnação.

A conduta típica consiste em o agente ingressar, “de forma temerária ou de ma-nifesta má-fé”, com as ações assinaladas: AIRC e AIJE, tendo elas por fundamento a “interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade”.

Caso a AIRC tenha outro fundamento (por exemplo, a rejeição de contas prevista na alínea g, I, art. 1o, LC 64/90), atípica será conduta do agente.

A arguição deve ser feita “de forma temerária” ou “de manifesta má fé”.

Temerária é a ação precipitada, inconsiderada, imprudente. Aqui, embora o autor não reúna todos os elementos (informações, provas) necessários para deduzir a de-manda na Justiça Eleitoral, o faz mesmo assim.

Page 281: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

272 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Já a má-fé diz respeito ao agir malicioso, doloso, fraudulento, visando prejudicar terceiros, notadamente a outra parte. Há mister que a má-fé seja “manifesta”, isto é, patente, evidente, notória; do contrário, atípica será a conduta – a dúvida, nesse caso, impõe a absolvição do réu por força do princípio in dubio pro reo.

O crime é formal. Sua consumação se perfaz com a só arguição ou impugnação, ou seja, com a só entrega e registro da petição no cartório ou na secretaria judiciais. Pois isso já é suficiente para gerar dano à imagem pública da vítima, dado o des-taque que esse evento pode adquirir na mídia, inclusive na Internet. Assim, para a consumação, não é necessário que a petição inicial seja despachada e o réu efetiva-mente citado. É irrelevante, ainda, que haja qualquer dano ou prejuízo concreto à candidatura do réu.

Quanto ao tipo subjetivo, é o dolo, genérico, consistente na vontade livre e cons-ciente de realizar as ações típicas.

Sanção – a pena é de detenção de seis meses a dois anos, e multa de 20 a 50 vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua.

Considerando que o máximo da pena abstratamente cominado não é superior a dois anos, cuida-se de infração de menor potencial ofensivo. Assim: i) admite-se transação penal; ii) não há geração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, e, da Lei de Inelegibilidades (LC no 64/90, art. 1o, § 4o).

Tendo em vista que a pena mínima cominada é inferior a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo.

Jurisprudência

“Recurso em habeas corpus. Trancamento de investigação. Ausência de justa causa. Não-ocorrência. Existência de fortes indícios da prática de crime eleitoral. Recurso não provido. 1. Os juízos de primeiro e segundo graus reconheceram a má-fé dos autores de investigação judicial elei-toral, que teriam narrado fato distinto do efetivamente ocorrido com a finalidade de burlar o julgador e prejudicar seus adversários no pleito eleitoral. 2. A existência de fortes indícios da prática do crime capitulado no art. 25 da Lei Complementar no 64/90 desautoriza o prematuro tran-camento das investigações destinadas a apurar a efetiva ocorrência do delito. 3. Recurso não provido.” (TSE – RHC no 97/SP – DJ 22-8-2006, p. 117).

“Representação contra registro de candidatura. Rejeição. Alegada con-figuração do crime do artigo 25 da Lei n. 64/90. Inadmissão do recurso especial em que se postula a remessa de peças do processo ao Ministério Público, para instauração de ação penal. Caso de representação calcada

Page 282: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Crimes Eleitorais em Espécie 273

em notícias veiculadas pela imprensa, não se podendo falar, por isso, em lide temerária ou em denúncia maliciosa, pelo menos sem um completo reexame da prova reunida nos autos, providência insusceptível de ser posta em prática em recurso da espécie. Agravo improvido.” (TSE – AG no 12.536/MG – DJ 26-6-1995, p. 15.203).

“Habeas corpus. Pedido de trancamento da ação penal. Eleições 2004. Ato do MM. Juiz Eleitoral que recebeu a denúncia de suposta prática do crime previsto no art. 25 da LC n. 64/90. Liminar concedida. Imputação ao paciente da prática de atos de litigância de má-fé, nos autos de Re-curso Eleitoral. Existência de anterior manifestação desta Corte reco-nhecendo a inexistência de elementos suficientes para a imputação do delito tipificado no art. 25 da LC n. 64/90 ao paciente. Plausibilidade jurídica dos argumentos trazidos pelo impetrante. – Previsão legal do conceito de litigância de má-fé. Arts. 17, V, e 18, do Código de Processo Civil. Inexistência de conceitos distintos de litigância de má-fé ou de lide temerária, aplicados reservadamente nas esferas civil e criminal. Necessidade de valoração jurídica dos elementos objetivos normativos do tipo penal, em consonância com os preceitos estatuídos no art. 17 do Código de Processo Civil. – Reconhecimento pela Corte da inexistência de atos de litigância de má-fé em ação de investigação judicial eleitoral. Inequívoco juízo de valoração sobre os elementos normativos do tipo penal. Constatação inafastável da atipicidade da conduta do paciente. – Possibilidade de a coisa julgada material produzida no cível estender-se à esfera penal, sem ofensa à autonomia das instâncias. Elemento de prova da ação penal já apreciado por este Tribunal. A independência das responsabilidades não implica desconsiderar a decisão tomada na esfera civil que incidiu diretamente sobre um dos elementos normati-vos do tipo penal. Impossibilidade de desconsideração de manifesta-ção judicial com trânsito em julgado, na qual se nega expressamente a existência de provas da prática de litigância de má-fé pelo paciente. – Limites objetivos da coisa julgada. Absolvição do recorrente da con-denação à pena de multa pela prática de atos de deslealdade processual. Afastamento da própria litigância de má-fé. Imposição de multa como consequência inafastável do reconhecimento da prática de alguns atos do art. 17 do CPC. Indissociabilidade do fato típico e sanção cominada. Impossibilidade de rediscussão da matéria. Litigância de má-fé aprecia-da e discutida em capítulo novo e autônomo na sentença, independen-temente do sucesso da demanda. Matéria que não se apresentou como questão prejudicial. – Notória atipicidade da conduta. Ausência de justa causa para o prosseguimento da persecução penal. Ordem concedida.” (TRE/MG – HC no 3552007 – DJMG 11-8-2007, p. 79).

Page 283: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

274 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“Recurso criminal. Rejeição da denúncia. Arquivamento. Art. 358, I, do Código Eleitoral. Preliminar de impropriedade do recurso – rejeitada. 1 – Não havendo no inquérito nenhum elemento probatório da existência da temeridade ou manifesta má-fé, quando da propositura da representa-ção, não há que se falar em crime, por atipicidade. 2 – Para a configuração do delito do art. 25, da Lei Complementar n. 64, de 1990, o elemento subjetivo do injusto, integrante do tipo penal tem que estar devidamente comprovado, não podendo ser presumido. Recurso desprovido. Unâni-me.” (TRE/MG – RC no 287/98 – DJMG 30-3-1999, p. 61).

“Habeas corpus – Crime eleitoral previsto no art. 25 da LC 64/90 – Arguição de inelegibilidade temerária ou de manifesta má-fé – A simples ocorrência de intempestividade na impugnação do registro da candidatura não carac-teriza a conduta criminosa do paciente. Concessão da ordem – Trancamen-to da ação penal.” (TRE/MG – HC no 4/97 – DJMG 16-9-1997, p. 40).

Page 284: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

TÍTULO II

Direito Eleitoral Processual Penal

Page 285: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos
Page 286: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

3

PROCESSO ELEITORAL PENAL

3.1 Introdução

O Direito Processual tem por objeto o exercício da função jurisdicional. Jurisdi-ção, do latim juris + dictio, significa literalmente dizer o Direito. Trata-se da função do Estado em que este, partindo da norma jurídica, aprecia e delibera sobre os conflitos que lhe são submetidos. O Estado detém o monopólio da jurisdição, por isso ela é una e inafastável (CF, art. 5o, XXXV). A atividade jurisdicional é regulada por normas pro-cessuais, sendo o processo seu instrumento de manifestação, de sorte que a jurisdição se manifesta no e pelo processo.

Vale ressaltar que no Direito Eleitoral o termo processo assume basicamente dois sentidos. Em sentido amplo, traduz a situação ou o fenômeno social em que se dá a concretização do direito de sufrágio e escolha, legítima, dos ocupantes dos cargos público-eletivos em disputa. Em sentido restrito, processo liga-se ao exercício da juris-dição, significando processo jurisdicional. É nesse sentido que o termo processo é empre-gado neste texto.

O processo jurisdicional eleitoral ostenta duas vertentes, as quais se distinguem pela matéria ou conteúdo, a saber: processo jurisdicional eleitoral (ex.: AIJE, AIME, RCED) e processo jurisdicional penal eleitoral.

O presente texto tem por objetivo discutir alguns dos principais aspectos do pro-cesso jurisdicional penal eleitoral.

3.2 Aplicação subsidiária do Código de Processo Penal

O Direito Eleitoral não conta com um arcabouço teórico-dogmático-processual próprio que tenha por objeto o conhecimento e julgamento de crimes eleitorais. As poucas regras que possui têm finalidades específicas, considerando a sensibilidade, o relevo e a indisponibilidade dos bens jurídicos envolvidos. Daí se aplicarem subsi-diariamente o Código e os institutos processuais penais comuns. É nesse sentido o disposto no art. 364 do CE, que reza:

“No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam

Page 287: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

278 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Pro-cesso Penal.”

É importante que tal aplicação seja feita de forma judiciosa, respeitando-se as particularidades e os bens jurídicos próprios do Direito Eleitoral.

3.3 Inquérito policial eleitoral

O Código Eleitoral não regulamenta o inquérito policial eleitoral. Daí deverem ser observadas, no que for cabível, as regras do CPP, notadamente as constantes de seus arts. 4o a 23.

Por se tratar de matéria de interesse federal, à Polícia Federal incumbe a realização das funções de polícia judiciária eleitoral, exceto nos locais em que não houver atua-ção dessa, onde, então, são os inquéritos conduzidos pela Polícia Civil.1

Antigo entendimento da jurisprudência eleitoral estabelece que o inquérito po-licial não pode ser instaurado ex officio pela autoridade policial, a qual deve sempre aguardar requisição do juiz eleitoral. Tal entendimento foi expresso, por exemplo, na Res. TSE no 11218/1982, assim ementada:

“Processo de consulta. Prática de infrações penais definidas no Código Eleitoral (L. 4.737/65). Inquérito policial de ofício. Descabimento. – O processo das infrações penais definidas no Código Eleitoral (L. 4.737/65) obedece ao disposto nos seus arts. 355 e seguintes, mas não refoge às normas do processo comum, pela aplicação subsidiária e complementar do Código de Processo Penal. Assim ocorre, por exemplo, com os arts. 4, 5 e 6, quando houver necessidade de inquérito policial, excetuada, porém, a sua instauração de ofício (art. 5, inciso I). Nos casos em que couber, à Polícia Federal (Res. TSE n. 8.906, art. 3, e DL. 1064/79, art. 2) poderá prender em flagrante o infrator, comunicando o fato a autoridade judicial em 24 horas e prosseguindo-se, a partir daí, de acordo com o processo previsto no Código Eleitoral.”

Assim, à luz desse entendimento, sempre que tiver conhecimento da prática de crime eleitoral, a autoridade policial deve informar o órgão judicial eleitoral com-petente, somente lhe sendo dado adotar de ofício as medidas cabíveis consoante o art. 6o do CPP.2 Nesse sentido, vide art. 6o das Resoluções TSE no 22.376/2006, no

1 Reza art. 2o do Decreto-Lei no 1.064/1969: “O Departamento de Polícia Federal ficará à disposição da Justiça Eleitoral, sempre que houver de se realizar eleições, gerais ou parciais, em qualquer parte do Terri-tório Nacional.”

2 Dispõe o art. 6o do CPP: “Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados

Page 288: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 279

23.222/2010, no 23.363/2011; art. 5o da Res. 23.396/2013.

Embora tal interpretação não seja inteiramente defensável à luz do vigente sis-tema de garantias penais e processuais penais, pode ela ser atribuída à subordinação da organização policial ao chefe do Poder Executivo, que é sempre interessado nas eleições. Teme-se que o aparato policial do Estado seja desviado em proveito de uma candidatura.

Nos termos literais do art. 356 do CE, até mesmo notitia criminis deve ser apresen-tada ao juízo eleitoral:

“Art. 356. Todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal deste Código deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se verificou.

§ 1o Quando a comunicação for verbal, mandará a autoridade judicial reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas, e a remeterá ao órgão do Ministério Público local, que procederá na forma deste Código.

§ 2o Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou outros elementos de convicção, deverá requisitá-los diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários que possam fornecê-los.”

Entretanto, no sistema processual penal em vigor, ao juiz nenhum papel é de-ferido na fase pré-processual, isto é, de investigação criminal (quer seja no bojo de inquérito policial, quer seja fora dele, em procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público), salvo, é claro, o fundamental papel de garante da eficácia dos direitos fundamentais. Somente em caso de violação desses direitos o concurso do órgão judicial será reclamado, o que deve ocorrer em instrumento processual apro-priado, a exemplo do habeas corpus.

Assim, não só notícias de crime devem ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público, como também a essa instituição cabe requisitar inquérito policial sempre que tal providência se apresentar necessária.

Por óbvio, se receber notícia de crime eleitoral deve o juiz eleitoral remetê-la ao órgão ministerial para que este avalie a medida a ser adotada, a saber: apresentar des-

pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas cir-cunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - de-terminar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.”

Page 289: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

280 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

de logo denúncia, instaurar procedimento administrativo investigatório, requisitar a instauração de inquérito policial3 ou propor o arquivamento da notícia. E isso não só porque a Constituição Federal lhe assegura “independência funcional” (CF, art. 127, § 1o, in fine) e as mesmas garantias da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio – CF, art. 128, § 5o, I), mas também porque, no sistema vigente, o parquet eleitoral detém poder de iniciativa na esfera penal. E esse poder de-corre do sistema acusatório implantado pela Constituição de 1988.

Vige no Brasil um sistema acusatório e garantista, o qual ancora-se na ideia de devido processo legal inscrita no art. 5o, LIV, da Constituição Federal. Entre as caracte-rísticas desse sistema, encontra-se a separação com cores fortes das funções estatais de investigar, acusar e julgar fatos criminosos (independentemente de sua natureza) – funções essas que são atribuídas a órgãos distintos.

Note-se que a atividade desenvolvida na fase investigativa tem caráter meramente administrativo, destinando-se apenas e tão somente a embasar a denúncia criminal, de maneira que a respectiva ação penal não seja temerária ou sem causa. Em outras palavras, a atividade investigativa não se dirige propriamente ao juiz, mas sim ao Mi-nistério Público, titular da ação penal pública, a quem o art. 129, I, da Constituição Federal reservou a função acusatória. O juiz só terá contato com o material probatório nas fases de instrução e julgamento do processo. Tudo isso tem o sentido de se preser-var o magistrado para se lograr alcançar uma das características mais importantes da jurisdição, qual seja: a imparcialidade.

Deveras, o julgamento justo pressupõe a imparcialidade (e não a neutralidade, frise-se, visto ser essa humanamente impossível) do juiz ou sua adequação lógica e psicológica para conhecer e julgar a lide penal. É provável que a isenção do juiz fique comprometida se ele tiver de fazer encaminhamentos na fase inquisitorial que impliquem a formação de juízo de valor acerca do fato examinado, pois o processo de valoração fatalmente o levará a se comprometer psicologicamente com a conclusão inicialmente vislumbrada. Não só a Constituição Federal quis evitar tal situação ao instituir o princípio do juiz natural (CF, art. 5o, LIII) e, pois, imparcial, como também o quis a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proclama em seu

3 Em sentido contrário ao texto, dispunha o art. 8o da Res. TSE no 23.396/2013, in verbis: “Art. 8o O in-quérito policial eleitoral somente poderá ser instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo hipótese de prisão em flagrante.” Entretanto, essa regra ignorava princípios processuais penais postos na Constituição Federal, ferindo agudamente o sistema acusatório por ela implantado e, pois, o devido proces-so legal. Por isso mesmo, foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar, na sessão de 21-5-2014, o pedido cautelar formulado na ADI no 5104/DF (DJe 6-6-2014). Essa ação foi proposta pelo procurador-geral da república, que pleiteou a suspensão dos efeitos dos artigos 3o a 13 da citada Res. TSE no 23.396/2013. Pela maioria de 9 a 2, referido art. 8o foi julgado inconstitucional pelo pleno do Pretório Excelso, ao argumento de que o sistema acusatório no Brasil impõe a preservação da neutralidade do Esta-do-juiz, evitando risco de pré-compreensões sobre a matéria que virá a ser julgada; impõe, ainda, a chamada paridade de armas, ou o equilíbrio de forças entre acusação e defesa, que devem ficar equidistantes do Es-tado-juiz. Ademais, tal regra apresenta ainda dois vícios: i) material, porque subtrai do Ministério Público sua função constitucional; ii) formal, porque houve a criação de norma processual sem a observância do princípio da legalidade.

Page 290: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 281

art. X: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial [...]”.

No sistema vigente, se notícia-crime é remetida ao Ministério Público e este en-tender que as provas que a acompanham são suficientes para o ajuizamento da ação penal, poderá intentá-la diretamente, sem a necessidade de realização de inquérito policial. Caso, porém, conclua que os documentos e as informações respectivas são deficientes, o transcrito § 2o do art. 356 do Código Eleitoral o autoriza a requisitar os elementos faltantes “diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários que possam fornecê-los”. Portanto, lhe é dado requisitar a realização de diligências pela autoridade policial, o que, em princípio, poderá se cumprir pelo inquérito policial.

Observe-se que, embora em 1965 o sistema processual brasileiro fosse tipica-mente inquisitório (pois previa a atuação do juiz também na fase de investigação criminal), o citado § 2o, do art. 356, do Código Eleitoral, já pendia para o sistema acusatório (o qual só será concretizado na Constituição de 1988), pois afasta o juiz da fase investigativa.

Sob outro prisma, por definição do art. 355 do Código Eleitoral, os crimes elei-torais são sempre de ação penal pública incondicionada. De sorte que a iniciativa do órgão do Ministério Público não é restringida pela necessidade de representação da vítima ou requisição de autoridade pública, estando ele, por força do princípio da obrigatoriedade, jungido a promovê-la se constatada a ocorrência de conduta deli-tuosa e satisfeitas as condições da ação penal. Ora, se o Ministério Público é, com exclusividade, o titular da ação penal por crime eleitoral, por que razão não poderia receber noticia criminis ou requisitar diretamente inquérito policial tendente a apu-rá-la? Afinal, quem pode o mais (ajuizar a ação penal), pode o menos (requisitar investigação pré-processual).

Ressalte-se que a requisição de “diligências investigatórias e a instauração de in-quérito policial” constitui função institucional do Ministério Público, nos termos do inciso VIII, art. 129 da Lei Maior. A regra constitucional não faz qualquer ressalva ao crime eleitoral ou à Justiça Eleitoral, donde se conclui que também se aplica nessa seara. Regulamentando esse dispositivo, dispõe a Lei Complementar no 75/1993 em seus arts. 7o, II, e 8o, V:

“Art. 7o Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: [...]

II – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito po-licial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas.

Art. 8o Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: [...]

V – realizar inspeções e diligências investigatórias;”.

Page 291: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

282 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Está claro que tais dispositivos legais autorizam expressamente o Ministério Pú-blico Eleitoral (que é federal e se rege por aquela norma), a requisitar a instauração de inquérito policial, bem como realizar inspeções e diligências investigatórias nos procedimentos de sua competência.

Ainda porque, há muito tempo a tramitação de inquérito policial deixou de ser intermediada pelo juiz, ocorrendo diretamente entre o membro do Ministério Público e a autoridade policial. O inquérito só passa pela Secretaria Judiciária para fins de registro, inexistindo qualquer ingerência por parte do órgão judicial. Essa evolução da tramitação do inquérito em nosso sistema processual penal se deu por força da necessidade de se eliminar a burocracia, sobretudo porque as varas criminais haviam se tornado meros órgãos de passagem de inquéritos, com grande dispêndio de tempo e recursos humanos.

Prazo para encerramento do inquérito policial eleitoral – se o investigado estiver preso cautelarmente, a autoridade policial deverá concluir o inquérito em dez (10) dias, contados do dia em que se efetuar a prisão. Caso o investigado esteja solto, o prazo para conclusão é de trinta (30) dias, podendo, porém, ser prorrogado caso seja neces-sário realizarem-se outras diligências.

Previstos no art. 10 do CPP,4 esses prazos são também aplicados no inquérito policial eleitoral. Nesse sentido, vide: art. 9o das Resoluções TSE no 23.396/2013, no 23.363/2011, no 23.322/2010.

Não se aplica, portanto, o prazo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15, previsto no art. 66 da Lei no 5.010/66 para os inquéritos policiais federais.

Requisição de novas diligências – ao receber e analisar os autos do inquérito policial, poderá o órgão do MP entender imprescindíveis novos esclarecimentos para a for-mação de seu juízo (opinio delicti). Diante disso, em vez de oferecer denúncia, poderá decidir pelo retorno dos autos do inquérito à autoridade policial com a requisição de novas diligências.5

Arquivamento do inquérito – por outro lado, se não se convencer da ocorrência de cri-me, é dado ao órgão ministerial pleitear ao juiz o arquivamento do inquérito (CE, art. 357, § 1o; CPP, art. 28). Nesse caso, se o juiz discordar das razões invocadas, fará re-messa do inquérito ou peças de informação ao órgão superior do MP Eleitoral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

A esse respeito, é de se indagar: Qual é o “órgão superior do MP Eleitoral” a que o juiz deve se reportar? No caso de denúncia oferecida por Promotor Eleitoral, o art.

4 Reza o art. 10 do CPP: “O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.”

5 É o que dispõe o art. 16 do CPP: “O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.”

Page 292: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 283

357 do CE diz expressamente que esse órgão é o “Procurador Regional Eleitoral”. Se a denúncia for subscrita por Procurador Regional Eleitoral perante o TRE, o órgão superior seria, então, o Procurador-Geral Eleitoral. Entretanto, fundando-se no art. 62, IV, da LC 75/93, a 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal afirma ser sua essa atribuição; é isso que reza o Enunciado no 29 daquele órgão, in verbis:

“Compete à 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal manifestar-se nas hipóteses em que o Juiz Eleitoral considerar improcedentes as razões invocadas pelo Promotor Eleitoral ao requerer o arquivamento de inquérito policial ou de peças de informação, derrogado o art. 357, § 1o do Código Eleitoral pelo art. 62, inciso IV da Lei Comple-mentar no 75/93.”

Esse tem sido igualmente o entendimento da jurisprudência, conforme demonstra o seguinte julgado do TSE:

“4. Inquérito policial. Procurador Regional Eleitoral. Pedido de arquiva-mento. Rejeição pelo TRE. Submissão do caso às Câmaras de Coordena-ção e Revisão. Competência. LC no 75/93, art. 62, § 4o. Habeas-corpus denegado. Nos termos do § 4o do art. 62 da LC no 75/93, compete às Câmaras de Coordenação e Revisão manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, objeto de pedido do Procurador Regional Eleitoral e rejeitado pelo TRE.” (TSE – REspe no 25030/MG – DJ 15-5-2007, p. 158).

Portanto, o “órgão superior do MP Eleitoral” a que tanto o juiz de primeiro grau, quanto o TRE devem se reportar é a 2a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Vale ressaltar que se o arquivamento do inquérito se fundar em questão de mé-rito (ex.: atipicidade da conduta), a respectiva decisão terá eficácia preclusiva, não podendo ser revista ulteriormente, ainda que surjam novos elementos probatórios. Isso porque é vedada a revisão pro societate. Segundo firme entendimento do Supre-mo Tribunal Federal, não “se revela cabível a reabertura das investigações penais, quando o arquivamento do respectivo inquérito policial tenha sido determinado por magistrado competente, a pedido do Ministério Público, em virtude da atipicidade penal do fato sob apuração, hipótese em que a decisão judicial – porque definitiva – revestir-se-á de eficácia preclusiva e obstativa de ulterior instauração da persecutio criminis, mesmo que a peça acusatória busque apoiar-se em novos elementos pro-batórios.” (STF – HC no 100161AgR/RJ – 1a T. – Rel. Min. Dias Toffoli – DJe 16-9-2011). A impossibilidade de revisão ocorre “ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente incompetente” (STF – HC no 83346/SP – 1a T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 19-8-2005, p. 46).

Page 293: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

284 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

3.4 Medidas cautelares

A legislação eleitoral não traz disciplina específica acerca de medidas cautelares no âmbito processual penal. Deveras, nada se prevê acerca de medidas provisionais, sejam constritivas da liberdade individual de ir e vir, sejam restritivas de direito.

Assim, nessa matéria, incidem as regras da legislação processual comum (CPP e respectivas leis extravagantes), valendo aludir às hipóteses de prisão processual (prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva), bem como às medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.

Aplicam-se inteiramente as normas atinentes à liberdade provisória com ou sem fiança (CPP, art. 321 ss.).

É, ainda, de observar-se o poder geral de cautela atribuído ao juízo, conforme prevê o art. 798 do CPC.

3.5 Ação penal eleitoral

3.5.1 Natureza

A ação é hoje compreendida como direito fundamental e, pois, abstrato. Se o Es-tado reserva para si o monopólio da jurisdição, não se pode excluir “da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF, art. 5o, XXXV). Portanto, as pessoas gozam do direito fundamental de ajuizar demanda e obter um pronunciamento do Estado-juiz sobre a lide, ainda que tal pronunciamento seja para denegar a situação jurídica ou o direito invocados.

A ação penal eleitoral é sempre pública incondicionada (CE, art. 355). Assim é até mesmo para os crimes eleitorais acidentais, cujo tipo penal comum equivalente seja de ação penal privada ou pública condicionada à representação. Exemplo disso são os crimes comuns contra a honra – calúnia, injúria e difamação –, que são previstos tanto no Código Penal (arts. 138, 139 e 140) quanto no Código Eleitoral (arts. 324, 325 e 326). Embora o art. 145 do Código Penal estabeleça que tais crimes são de ação penal privada ou, em determinadas hipóteses, pública condicionada a requisição do Minis-tro da Justiça ou a representação do ofendido, nos domínios eleitorais são sempre de ação pública incondicionada.

Não obstante, por força de regra constitucional expressa, admite-se ação penal pri-vada subsidiária da pública (CF, art. 5o, LIX; CPP, art. 29), caso a ação pública não seja intentada no prazo legal.

A ação penal privada subsidiária da pública é regida pelas regras pertinentes à pública incondicionada.

Distingue-se a ação penal eleitoral pública e a privada subsidiária principalmente pela parte que integra o polo ativo da relação processual. Enquanto na primeira o

Page 294: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 285

autor é sempre o órgão do Ministério Público Eleitoral, que apresenta uma denúncia ao Estado-juiz, na segunda o autor é um cidadão que desfecha a marcha do processo mediante uma queixa.

Há autores, como Ponte (2008, p. 126), que limitam o leque de cidadãos e, con-sequentemente, de ações penais que ensejam o oferecimento de queixa subsidiária, restringindo essa possibilidade apenas aos direta e juridicamente interessados, i.e., aos ofendidos. Entretanto, o bem jurídico tutelado e os interesses deduzidos em juízo pelo autor da demanda subsidiária continuam a ser eminentemente públicos. De sorte que à queixa e ao cidadão que a oferece se aplica exatamente a mesma disciplina legal dada à denúncia e ao Ministério Público enquanto parte,6 excluídas apenas as prerrogativas institucionais do órgão ministerial, a exemplo da intimação pessoal, do direito de ter vista dos autos fora do Cartório ou da Secretaria e a possi-bilidade de se manifestar livremente como fiscal da lei, ainda que sua manifestação colida com os fundamentos da demanda e, pois, beneficie o réu.

3.5.2 Princípios

Cumpre destacar os princípios regentes da ação penal pública incondicionada e, consequentemente, da ação penal eleitoral:

a) oficialidade – é atribuição do Estado que deve ser exercida oficialmente, isto é, formalmente conforme os preceitos legais e pelos órgãos incumbi-dos da repressão à criminalidade e da persecução penal, no caso, a Polícia Judiciária e o Ministério Público Eleitoral;

b) obrigatoriedade – dado seu caráter público e incondicionado, a propositura de ação penal eleitoral é obrigatória, não podendo o órgão acusatório oficial abster-se de fazê-lo sempre que convencido da ocorrência de fato que entenda delituoso, e presentes indícios suficientes de materialidade e autoria (CPP, art. 24, caput; CE, arts. 342 e 357). O princípio em tela é flexibilizado por medidas despenalizadoras como a transação penal;

c) indesistibilidade – a impossibilidade de desistir da ação intentada comple-menta a obrigatoriedade, pois ao órgão acusatório não é dado deixar de levar a cabo a ação penal já proposta. Sobre isso cuidam os arts. 42 e 576 do CPP;

d) indisponibilidade – conforme acentua Tornaghi (1977, p. 327): “Obriga-toriedade e indesistibilidade são formas de uma só realidade jurídica: a indisponibilidade. Dispor da ação penal acarretaria a consequência de dispor da punição, o que não é dado a esse órgão do Estado [Ministério Público] e sim a outros: Presidente da República, em caso de indulto,

6 Cf. Cândido (2006, p. 603).

Page 295: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

286 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Congresso nacional, no de anistia, os dois juntos na hipótese de novatio legis”;

e) intranscendência – a imperatividade do oferecimento de denúncia, po-rém, tem limites. Os princípios da culpabilidade (CF, art. 5o, LVII) e da pessoalidade (CF, art. 5o, XLV) restringem a acusação aos fatos de cuja materialidade se detém indícios suficientes e à individualidade das pessoas a que se pode atribuí-los por indícios bastantes.

3.5.3 Condições da ação

Visto que a ação penal eleitoral é sempre pública incondicionada, ela somente possui as condições de ação genéricas. Mesmo quando privada subsidiária da pública, não exige condições específicas de ação, também denominadas condições de procedi-bilidade, consubstanciadas em representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça.

As condições da ação penal são as seguintes: possibilidade jurídica do pedido, interesse, legitimidade, justa causa.

a) possibilidade jurídica do pedido – se no Processo Civil pode-se pedir tudo o que não for vedado pelo Direito, no Penal impera o princípio da reserva legal ou da legalidade estrita (CF, art. 5o, XXXIX), de maneira que só é possível pedir o que o ordenamento jurídico expressamente permite. Este só admite o pedido de aplicação das penas cominadas por fatos tí-picos, previamente definidos em lei, interpretados estritamente e sem analogia. A conduta descrita na denúncia, em tese, deve subsumir figura típica de crime eleitoral. Caso esses limites não sejam respeitados, fal-taria a condição da ação em apreço, devendo ser rejeitada ab initio a peça acusatória;

b) interesse processual – uma vez consumado o crime, surge para o Estado o jus puniendi, o direito de punir, ao qual se opõe o status libertatis do agen-te. O interesse consubstancia-se na existência de pretensão estatal de aplicar pena ao provável autor de um fato aparentemente criminoso. O conflito de “interesses” que aqui se verifica é necessário e indisponível, pois os órgãos estatais a que se atribui a persecução penal em juízo não podem dispor do jus puniendi e ao acusado, por sua vez, não é dado abrir mão de seus direitos e garantias fundamentais. Há autores que relacio-nam o interesse processual com a existência de justa causa para a ação;

c) legitimidade para agir – a legitimatio ad causam pode ser ativa e passiva;

A legitimatio ad causam passiva é ligada à imputabilidade penal (a inimputabilida-de afasta a culpabilidade). Ostenta-a qualquer pessoa maior de 18 anos (CP, art. 27)

Page 296: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 287

que tenha, de alguma forma, participado da prática de conduta delituosa eleitoral (crime eleitoral puro, acidental ou crime comum conexo), seja como autor, coautor ou partícipe.

Já a legitimatio ad causam ativa é, em regra, atribuída ao Ministério Público Eleito-ral, titular da ação penal por expressa disposição contida no art. 129, I, da Lei Maior.

Para figurar no polo ativo da relação processual, é condição sine qua non que o ór-gão ministerial esteja regularmente investido nas funções eleitorais.

No sistema brasileiro, as funções eleitorais foram atribuídas ao Ministério Público Federal, o qual as exerce com a cooperação dos Ministérios Públicos estaduais e do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). É esse o sentido dos arts. 72, 77 e 79 da LC no 75/1993 e do art. 32 da Lei no 8.625/1993. Tem-se, assim: o Promotor de Justiça Estadual ou do MPDFT exerce a função de Promotor Eleitoral, atuando na 1a instância da Justiça Eleitoral, ou seja, perante o Juiz Eleitoral e a Junta Eleitoral.7 Na 2a instância, atua o Procurador Regional Eleitoral, que é membro do Ministério Público Federal. Já perante o TSE, oficia o Procurador-Geral da República na qualidade de Procurador-Ge-ral Eleitoral, sendo ele o dirigente máximo do Ministério Público Eleitoral.

Note-se que a ação privada subsidiária da pública não constitui exceção à titula-ridade da ação penal eleitoral, pois esta é sempre afeta ao Ministério Público Eleito-ral. Ocorre que, diante da inação do Parquet, este é excepcionalmente substituído por outrem. Isso em virtude da prevalência do interesse público e da ideia de justiça, que mandam sejam perseguidas e punidas as infrações penais. De qualquer sorte, nos termos do art. 29 do CPP,8 é dado ao Ministério Público encampar a ação, passando o cidadão a figurar como assistente de acusação.

Também na ação pública incondicionada se admite o ingresso de cidadão como assistente do órgão ministerial, nos termos do processo penal comum (CPP, arts. 268 a 273).

d) justa causa – atualmente doutrina e jurisprudência admitem a justa causa como peculiar condição da ação penal. Consoante assinala Pacelli de Oli-veira (2012, p. 111-112), o que antes era apenas uma construção doutri-nária, tornou-se matéria de lei. Refere-se o processualista penal à Lei no 11.719/2008 que, “incluiu expressamente a justa causa como uma ques-tão preliminar, consoante se vê no disposto no art. 395, III, CPP [...]”. Lembra o autor que o eminente jurista Afrânio Silva Jardim há muito sustentava que o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria su-ficiente para “atingir o estado de dignidade do acusado, de modo a pro-

7 Esclareça-se que Junta Eleitoral não detém competência penal (CE, arts. 40 e 41).

8 Eis o teor do art. 29 do CPP: “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.”

Page 297: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

288 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

vocar graves repercussões na órbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade em que desenvolve as suas atividades. Por isso, a peça acusatória deveria vir acompanhada de suporte mínimo de prova, sem os quais a acusação careceria de admissibilidade”.

Eis, portanto, o significado dessa condição de ação penal: a necessidade de que a denúncia e a queixa se apoiem em acervo mínimo de provas idôneas a sustentar a imputação feita. Em outros termos, há mister que a denúncia não seja temerária.

No Estado Democrático de Direito, que tem como lastro os direitos fundamentais e, pois, a dignidade da pessoa humana, é impensável e ilegítimo que um cidadão tenha de sofrer até o final o demasiado lento, burocrático e degradante desenrolar do pro-cesso para só então o Estado-juiz afirmar a inutilidade ou a absoluta inadequação da persecução penal. Inutilidade e inadequação essas patentes desde o princípio. Admitir isso é relegar ao desprezo a pessoa e a personalidade que a reveste em nome de mora-lismos e interesses mesquinhos e inconfessáveis, infirmando os valores que presidem a Constituição Federal.

3.6 Denúncia

É necessário que a denúncia observe os requisitos postos no art. 41 do CPP, de-vendo conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a clas-sificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Quanto ao prazo, o art. 357, caput, do CE fixa o lapso de dez dias para que o órgão do MP Eleitoral a apresente. Mas não é esclarecido se esse prazo é para a hipótese de o investigado encontrar-se solto ou preso cautelarmente. Tendo em vista que o art. 46 do CPP determina que a denúncia deve ser oferecida em cinco dias se o investigado estiver preso,9 esse mesmo lapso de cinco dias deve ser observado na seara eleitoral. Logo, no procedimento comum, a denúncia deve ser oferecida em cinco ou dez dias conforme o investigado esteja preso ou solto respectivamente.

Diferentemente, no procedimento especial, deve a denúncia ser apresentada em cinco dias se o réu estiver preso, e 15 dias se solto (Lei no 8.038/1990, art. 1o, caput, e § 2o, a).

Se o investigado estiver preso, haverá constrangimento ilegal à sua liberdade se a denúncia não for apresentada nos prazos aludidos, o que rende ensejo à revogação da prisão cautelar.

Tais prazos têm natureza processual. Em sua contagem, deve-se excluir o dia do início e computar-se o do término; ademais, são “contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado” (CPP, art. 798, § 1o).

9 O citado art. 46 do CPP também fixa o prazo de 15 dias para oferecimento de denúncia se o investigado estiver solto.

Page 298: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 289

Começam a correr da data em que o órgão do Ministério Público recebe os autos de inquérito policial relatados pela autoridade policial; caso não haja inquérito, a con-tagem se inicia com o recebimento das peças de informação.

Recebimento da denúncia – no processo penal é irrecorrível o ato que recebe denún-cia. Nos termos do art. 581, I, do CPP somente é recorrível o ato que rejeita a peça acusatória, caso em que é cabível o recurso em sentido estrito (embora o recurso cor-reto seja a apelação, pois a decisão que rejeita a denúncia encerra o processo). Nesse sentido, assinala Nucci (2011a, p. 865): “Por outro lado, contra a decisão que recebe a denúncia ou a queixa não há, como regra, recurso algum.” E também Pacelli de Olivei-ra (2012, p. 899): “Quando a decisão é de recebimento da denúncia, não há a previsão de recurso.” Em igual sentido decidiu o TRF2 no ACR no 2060 99.02.21338-3 – 6a Turma – DJ 26-6-2002. Entretanto, não raro se interpõe recurso especial eleitoral para impugnar o acórdão do TRE que recebeu a denúncia. É preciso frisar que o REspe é totalmente descabido na espécie. Nem se argumente com o caput do art. 276 do CE, segundo o qual “as decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior”: Primeiro, porque a decisão que recebe denúncia não possui caráter terminativo, mas sim interlocutório. Segundo, porque o ato processual de recebimento de denúncia é regido pela sistemática proces-sual penal, que o tem como irrecorrível. Note-se, porém, que o fato de a decisão em exame ser irrecorrível não implica que o réu não possa impetrar habeas corpus, caso entenda não existir justa causa para a subsistência da ação penal. Em verdade, o writ é a única alternativa viável nessa situação.

3.7 Processo jurisdicional penal eleitoral

A natureza jurídica do processo é objeto de intenso debate doutrinário. Várias teo-rias foram elaboradas para explicitar esse fenômeno. Entre elas, destaca-se a formula-da no âmbito do processo civil pelo jurista Oskar von Bülow em um livro publicado no ano de 1868. Aí o processo é concebido como relação jurídica. Esta goza de autonomia em face da relação de direito material e tem caráter público. Nela estão envolvidos o Estado (na figura do juiz) e as partes litigantes, bem como são estabelecidas as facul-dades e os deveres pertinentes ao juiz e às partes. Tão disseminado foi esse entendi-mento que Tornaghi (1987, p. 10) chegou a comparar: “Negar a importância da teoria da relação processual é afirmar que as plantas de um edifício não têm valor prático.”

Mas essa concepção jamais foi livre de críticas. Entre outras, vale destacar a que releva seu caráter acentuadamente abstrato e neutro, desvinculado dos valores e das necessidades da vida. Nesse sentido, assevera Marinoni (2007, p. 406-411) que a teo-ria da relação jurídica processual, se é capaz de evidenciar o que acontece quando o li-tigante aciona o órgão jurisdicional em face de quem resiste à sua pretensão, “encobre as intenções do Estado ou de quem exerce o poder, além de ignorar as necessidades das partes, assim como as situações de direito material e as diferentes realidades dos casos concretos”. O processo – diz o autor – é importante não apenas por envolver,

Page 299: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

290 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

em uma relação, o juiz e as partes, mas por consubstanciar-se no instrumento pelo qual o Estado se desincumbe do seu dever de prestar tutela aos direitos. Deve, pois, o processo, ser encarado como algo muito relevante para a afirmação da democracia, e, por isso mesmo, deve ser legítimo: “O processo deve legitimar – pela participação –, deve ser legítimo – adequado à tutela dos direitos e aos direitos fundamentais – e ainda produzir uma decisão legítima.” O processo, nessa ótica, deve servir ao Estado Democrático de Direito e à afirmação dos direitos humanos e fundamentais.

Relevante, também, o entendimento segundo o qual o processo constitui uma si-tuação jurídica, elaborado por James Goldschmidt ainda na década de 1920, bem como o que sustenta tratar-se de um fato, no caso um fato jurídico.

Certamente não é o caso, no presente texto, de se ingressar na polêmica acerca da natureza do processo. Pretende-se apenas enfatizar que a ideia de processo jurisdicio-nal é una e vale para todas as disciplinas jurídicas, e, pois, também para o Direito Elei-toral Penal. Tal é a concepção que o identifica com um fenômeno dinâmico, racional-mente ordenado, formado por atos que se sucedem no tempo com certa regularidade.

A propósito, indaga Tourinho Filho (1990, p. 9-10): “Mas de que maneira o Es-tado procede à composição da lide? De que maneira o Estado consegue dirimir os conflitos de interesse?” Por meio do processo, responde o autor, que nada mais é senão forma de composição de litígios. E prossegue:

“Em sua etimologia, a palavra processo traz a ideia de ir para frente, de avançar. Ensina Fenech: o processo é, e outra coisa não pode ser, senão um fato com desenvolvimento temporal, um fato que apresenta mais de um momento, um fato que não se esgota no instante mesmo da sua produ-ção. Fato que se desenvolve no tempo equivale à série encadeada de fatos parciais, menores, que constituem ou integram o fato total (cf. Derecho processual penal, v. 1, p. 54). E acrescenta o mestre: esta dimensão tem-poral, este desenrolar-se ou desenvolver-se no tempo é a nota essencial do processo, de todo processo e de qualquer processo. Não pode haver processo se não há um desenvolvimento no tempo, e, por outro lado, não pode haver nenhum fato que se desenvolva no tempo ao qual não se possa corretamente aplicar a palavra processo (cf. Derecho, cit., p. 54).”

Tem-se, pois, por processo penal eleitoral o regulado por um conjunto de normas em unidade sistemática que disciplinam o conhecimento e julgamento dos crimes eleitorais e das demais infrações penais que a eles se reúnam. Nele é assegurado o due process of law, com seus consectários: contraditório, ampla defesa, juízo natural, tempo razoável de duração, inadmissibilidade de provas obtidas ilicitamente, estado de inocência, não autoincriminação. Trata-se de instrumento constitucional, ético e político que propicia a busca da verdade real dos fatos deduzidos em juízo e pelo qual se realizam direitos fundamentais bem como os valores ligados à ideia de justiça e ao Estado Democrático de Direito.

Page 300: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 291

Destaque-se nesse conceito a expressão unidade sistemática, a significar que as nor-mas processuais penais eleitorais são extraídas de diferentes diplomas legais, mas devem ser interpretadas sistematicamente. A interpretação sistemática se impõe pela própria natureza de microssistema jurídico do Direito Eleitoral.

3.8 Pressupostos processuais

3.8.1 Existência e validade do processo

Pressupostos processuais são exigências para a constituição e o desenvolvimento regulares da relação processual. Dividem-se em pressupostos de existência e de va-lidade. Aqueles referem-se à formação da relação processual, enquanto estes dizem respeito às fases posteriores ao nascimento da relação.

Segundo Tornaghi (1977, p. 405-406), para que um processo exista é preciso que haja: (i) demanda, expressa em uma denúncia ou queixa; (ii) órgão jurisdicio-nal; (iii) partes.

Já os pressupostos de validade são aqueles cuja falta vicia a relação processual, não entravando, porém, o seu nascimento. O processo pode existir e não ser válido. Classificam-se em: (i) subjetivos, referindo-se às partes (legitimatio ad processum, isto é, capacidade processual; e capacidade postulatória) e ao juiz (competência e imparciali-dade – esta se subdivide em impedimento e suspeição); (ii) objetivos, que podem ser: extrínsecos (i.e., inexistência de fatos impeditivos como litispendência e coisa julgada), e intrínsecos (regularidade do procedimento, ex.: citação).

Quanto à capacidade postulatória, em certos casos há mister que a Defensoria Pública atue na Justiça Eleitoral para garantir o contraditório e a ampla defesa nos processos judiciais (CF, art. 5o, LV), bem como o acesso à Justiça das pessoas com-provadamente necessitadas (CF, art. 5o, LXXIV).10 Sua atuação goza inclusive de pre-visão em regimentos internos de tribunais eleitorais como os TREs de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei Complementar no 80/1994, a Defensoria Pública da União atua perante o TSE. Dada a natureza federal do serviço eleitoral, cumpre à DPU exercer a função eleitoral; todavia, supletivamen-te, admite-se o exercício dessa função pelas Defensorias Públicas estaduais e do Dis-trito Federal, que têm maior capilaridade no território nacional.

No tocante à imparcialidade do órgão jurisdicional, é essa uma das mais relevan-tes características da jurisdição. O julgamento justo pressupõe a imparcialidade do

10 Como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a Defensoria encontra fundamento no art. 134 da Constituição Federal, que lhe dá a relevantíssima missão de “orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV”. Extrai-se, pois, que à Defensoria não é dado agir em todo e qualquer caso, mas tão só naqueles relacionados ao fundamento em atenção ao qual fora concebi-da como instituição pela Lei Maior. E esse fundamento consiste justamente em prestar atendimento e servi-ços jurídicos a pessoas hipossuficientes, que não tenham condição financeira de custear o processo. Com a atuação da Defensoria, logra-se a inclusão e integração dessas pessoas no sistema e na vida jurídica do país.

Page 301: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

292 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

juiz ou sua adequação psicológica para conhecer e julgar a lide. A isenção do juiz pode ficar comprometida em razão de dois fatores, a saber: impedimento e suspeição.

O impedimento tem caráter objetivo, ligando-se a circunstâncias em que há pre-sunção legal absoluta de parcialidade. Ao juiz impedido é vedada a prática de atos no processo, sob pena de invalidade. Por isso, o impedimento pode ser conhecido e afirmado ex officio, e, se não o for, cabe às partes alegá-lo em qualquer tempo e grau de jurisdição. Os arts. 252 e 253 do CPP arrolam de forma taxativa as hipóteses de impe-dimento.11 Nos domínios eleitorais, a tais hipóteses acresce-se a relativa ao parentes-co do juiz com candidato: é impedido o juiz eleitoral ou juiz nos Tribunais Eleitorais que for cônjuge, parente consanguíneo ou afim, até o segundo grau, de candidato a cargo eletivo registrado na circunscrição, desde a homologação da respectiva conven-ção partidária, até a apuração final da eleição (CE, art. 14, § 3o).

Já a suspeição tem caráter subjetivo e relativo, pois enseja apenas dúvida quanto à isenção ou parcialidade do juiz. O art. 254 do CPP traz as causas de suspeição do órgão jurisdicional.12 O rol é taxativo, não podendo ser ampliado. No campo eleito-ral, porém, outras hipóteses devem ser acrescentadas por força de lei, a saber: (i) ao juiz eleitoral que seja parte em ações judiciais que envolvam determinado candidato é defeso exercer suas funções em processo eleitoral no qual o mesmo candidato seja interessado (Lei no 9.504/1997, art. 95 – trata-se de regra mista, aplicando-se também ao processo penal eleitoral e não só aos feitos extrapenais); (ii) parcialidade partidária notória, prevista no art. 20 do CE.

Observe-se que os motivos de impedimento e suspeição afetam a pessoa do juiz (não o órgão da estrutura judiciária, i.e., o juízo) independentemente do grau de jurisdição.

No processo penal, em geral, a falta de qualquer condição de ação ou pressuposto processual pode ser arguida já na contestação, como questão preliminar. No entanto, devem ser arguidas em petição de exceção, que será autuada em separado e julgada em apenso aos autos principais: (i) os pressupostos de suspeição, incompetência, li-

11 Reza o art. 252 do CPP: “O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.” Já o art. 253 estabelece: “Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive.”

12 Dispõe o art. 254. “O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja contro-vérsia; III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV – se tiver aconse-lhado qualquer das partes; V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.”

Page 302: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 293

tispendência e coisa julgada; (ii) a condição da ação atinente à ilegitimidade de parte. Aplicam-se as mesmas regras para as exceções no processo penal comum, arts. 95 a 111 do CPP. Durante a tramitação da exceção, o processo principal não é suspenso, salvo se a parte contrária reconhecer a procedência da arguição e requerer sua suspen-são até que o incidente seja julgado.

Saliente-se que a ausência de condição da ação ou pressuposto processual caracte-riza ilegalidade e ofensa ao devido processo legal, sendo impugnável por habeas corpus (CPP, art. 648, I e VI).

3.8.2 Competência

A competência é compreendida como medida e limite da jurisdição. Trata-se da distribuição do exercício da função jurisdicional entre os vários órgãos do Poder Judiciário, havendo delimitação do âmbito de atuação de cada um. A repartição de competência deve seguir os princípios fundamentais do juiz natural (CF, art. 5o, LIII) e de vedação de tribunal de exceção (CF, art. 5o, XXXVII), de forma que o ór-gão competente deve ser prévia e publicamente fixado por normas constitucionais e infraconstitucionais.

A despeito de seu caráter permanente, a Justiça Eleitoral não possui quadro pró-prio de magistrados. Vale-se de juízes provenientes de diversos órgãos encarregados da judicatura. Em todos os níveis, o juiz eleitoral é investido no cargo por dois anos, podendo ser reconduzido uma única vez por igual período.13

A competência dos órgãos jurisdicionais eleitorais deve ser definida por lei com-plementar, nos termos do art. 121 da Lei Maior. Embora o Código Eleitoral tenha status de lei ordinária, quanto ao tema em apreço foi recepcionado pela Constituição de 1988 como lei complementar.

A escassa abordagem do Código Eleitoral acerca da matéria criminal ensejou o surgimento de correntes divergentes sobre a competência penal eleitoral fundadas, por sua vez, em diferentes entendimentos a respeito da natureza do crime eleitoral.

A primeira corrente parte da concepção de que os crimes eleitorais devem ser jul-gados pela Justiça Comum, pois são “crimes comuns”. Esse entendimento interpreta literalmente e leva ao extremo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal segun-do o qual os crimes eleitorais são crimes comuns e não crimes de responsabilidade (STF – HC no 80511/MG – 2a Turma – Rel. Min. Celso Mello – DJ 14-9-2001, p. 49; STF – Rcl. no 511/PB – Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 15-9-1995, p. 29506), concluindo que eles devem ser julgados pela Justiça Comum. No entanto, essa exege-se é claramente refutada pelo disposto nos arts. 35, II, 22, d, e 29, d, todos do Código Eleitoral, bem como pela doutrina, consoante expõe Furtado Coelho (2010, p. 459).

13 Na primeira instância da Justiça Eleitoral, exceto em comarcas com uma única vara e com um só órgão judicial, de dois em dois anos é feito rodízio entre os juízes de direito, de maneira que todos possam exercer as funções eleitorais.

Page 303: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

294 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

A segunda corrente entende que os crimes eleitorais só podem ser julgados por órgãos da Justiça Eleitoral, porquanto são crimes de natureza especial. Para esse en-tendimento, a distribuição constitucional de jurisdição, notadamente no que se refere às Justiças Especializadas, fixa a competência material dos crimes eleitorais nos órgãos jurisdicionais eleitorais; isso sobrepõe a especialidade da matéria à definição da compe-tência em razão da pessoa, ou melhor, a regra do foro privilegiado. O foro privilegiado somente deve ser atendido na medida em que se estabelece a competência para julgar dada autoridade na corte eleitoral de instância correspondente à corte comum prevista como foro privilegiado. Em tal quadro, os detentores de foro por prerrogativa de função seriam julgados apenas nos tribunais eleitorais, a saber: Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais Regionais Eleitorais. Nesse sentido: Cândido (2006, p. 577-579).

A terceira corrente afirma que, em geral, os crimes eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, admitindo o julgamento por cortes da Justiça Comum apenas nas hipóteses de foro por prerrogativa de função. Esse entendimento parte da concep-ção de que os crimes eleitorais são crimes comuns para definição de competência em razão da pessoa e em face dos crimes de responsabilidade. Nesse sentido, os crimes eleitorais são “comuns” lato sensu e não “de responsabilidade” para a distribuição constitucional de competência em razão da pessoa; esta (a competência em razão da pessoa) se sobrepõe à distribuição também constitucional em razão da especialidade da matéria. Assim, os crimes eleitorais são julgados pelos órgãos jurisdicionais elei-torais, mas constituem exceções a essa regra as normas fixadoras de foro privilegiado para crimes comuns. Importa notar que por hierarquia observa-se, então, a distri-buição de competência em razão da pessoa prevista na Constituição e não no Código Eleitoral. É essa a posição adotada na Jurisprudência (STF – Rcl. no 511/PB – Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 15-9-1995, p. 29506).

Frise-se que a derradeira corrente é pacificamente observada atualmente.

No entanto, a despeito de sua evidente razoabilidade e conformidade com a Lei Maior, essa última corrente não ficou livre de críticas. A primeira delas afirma não ser justificável que algumas autoridades sejam julgadas por órgãos não eleitorais se o crime em tese cometido tem natureza eleitoral. Ademais, afirma-se não se vislumbrar motivo para que autoridades de um mesmo escalão, mas pertencentes a distintos órgãos ou poderes, sejam julgadas por diferentes órgãos jurisdicionais colegiados (Cf. CÂNDIDO, 2006, p. 577-578). Em resposta a essas objeções, tem-se a supremacia da Constituição e a necessidade de se realizar interpretação conforme a Lei Maior. Afi-nal, é a Constituição – fundamento do sistema jurídico – que distribui a jurisdição e define o foro privilegiado. Outrossim, a competência em razão da pessoa se sobrepõe à competência em razão da matéria. Extrai-se essa prevalência da regra de conexão que afirma que a instância superior sempre atrai, ainda que entre Justiças diversas (Súmula STF 704). Mesmo com o advento da Lei Complementar prevista no art. 121 da Constituição, não se poderia afastar o foro privilegiado previsto na Lei Maior em virtude da supremacia da Constituição.

Page 304: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 295

Somente os crimes previstos em leis eleitorais são crimes eleitorais, sujeitando o agente a ser processado e julgado pela Justiça Eleitoral. Note-se, ainda, que: (i) crimes contra o patrimônio da Justiça Eleitoral são crimes eleitorais e são julgados por ela mes-ma, afastando a competência da Justiça Federal, nos termos da exceção prevista no art. 109, IV, da CF;14 (ii) crimes contra juiz ou membro do MP investidos de função eleitoral somente serão eleitorais, sendo julgados pela Justiça Eleitoral e não pela Justiça Co-mum, se o ofendido estiver no exercício de funções eleitorais e o delito tiver repercussões eleitorais, sendo tipificado como tal na legislação eleitoral – ex.: crime contra a honra de juiz eleitoral cometido em ato de propaganda eleitoral, como o comício.

Ato infracional eleitoral e competência – o art. 2o do Estatuto da Criança e do Adoles-cente – ECA (Lei no 8.069/1990) define criança como “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Criança e ado-lescente são penalmente inimputáveis (CF, art. 228; CP, art. 27; ECA, art. 104); não cometem crime, mas ato infracional. Este é concebido como “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (ECA, art. 103). Pelo cometimento de ato infracional, o menor infrator fica sujeito às medidas previstas no art. 101 do Estatuto.

Pode ocorrer de o conteúdo do ato infracional consistir em crime eleitoral. Nesse caso, a competência para conhecer e julgar o fato não é da Justiça Eleitoral, mas da Vara ou Juizado da Infância e da Juventude.

Essa competência é definida não só em razão da especialidade da matéria, mas também por ser mais conveniente para o menor, já que os Juizados são dotados de estrutura apropriada e pessoal especializado, sendo vocacionado para o atendimento de crianças e adolescentes envolvidos em atos infracionais.

3.8.2.1 Regras de distribuição de competência

A omissão do Código Eleitoral quanto a regras de determinação de competência impõe a observância do Código de Processo Penal, de forma a acompanhar os seguin-tes critérios:

a) Definição da Justiça (órgão jurisdicional) competente – no caso, cumpre de-finir se o crime é eleitoral, militar, comum de competência federal ou estadual. É que a natureza do crime prima facie identificado com a con-duta praticada já indica o ramo do Poder Judiciário em princípio com jurisdição e absolutamente competente para conhecer e julgar a deman-da que o tem por objeto.

14 No sentido do texto: “Processo penal. Furto de material de propriedade do TRE. Competência da Justiça Eleitoral. Ressalva do art. 109, IV, da CF. – Furto de material de propriedade do TRE, embora haja ofensa a bens da União, não atrai a competência da Justiça Federal, haja vista a ressalva do art. 109, IV, da CF, – que atribui a competência da justiça federal para processar e julgar infrações penais em detrimento de bens, servi-ços ou interesse da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. – Conflito conhecido. Competência da Justiça Eleitoral” (STJ – CC no 33886/PR – 3a Seção – Rel. Min. Vicente Leal – DJ 30-9-2002, p. 153).

Page 305: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

296 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

b) Foro privilegiado por prerrogativa de função – consoante ressaltado, aplicam-se as regras da Constituição Federal, que não recepcionou o estipulado no Código Eleitoral tampouco o previsto no CPP (arts. 86 e 87) em ra-zão da hierarquia. Para efeito de determinação da competência funcio-nal, compreende-se que os crimes eleitorais integram o significado de “crimes comuns” lato sensu a que se refere o texto constitucional ao fixar tais competências em contraposição à dos “crimes de responsabilidade”. Excepcionam-se apenas as autoridades que detém foro definido pela Constituição nos Tribunais de Justiça, as quais serão julgadas no TRE (ex.: Prefeito) (TSE – HC no 179 – DJU 27-8-1992; TSE – HC no 360 – DJU 11-6-1999). Destarte:

b.i) competência do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, b e c): Presidente da República, Vice-Presidente, membros do Congresso Nacional, Ministros do STF, PGR, AGU, Ministros de Estado, Co-mandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, membros dos Tribunais Superiores, do TCU e os chefes de missão diplomáti-ca de caráter permanente;

b.ii) competência do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a): Go-vernador, Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membro de Tribunal de Contas dos Estados e do Distrito Federal, juízes dos TRFs, dos TREs e TRTs, membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. Em-bora haja quem discorde e atribua o julgamento dessas autoridades ao TSE, é certo que o STF pacificou o entendimento no sentido de reconhecer a competência do Superior Tribunal de Justiça;

b.iii) competência do Tribunal Regional Eleitoral: equiparadamente, julga originalmente as denúncias eleitorais contra autoridade que goze de foro privilegiado nos Tribunais Regionais Federais e Tribu-nais de Justiça, isto é, Prefeito, titular ou vice em exercício (CF, art. 29, X), Deputado Estadual, Juiz de Direito, Juiz Federal, Juiz do Trabalho, Juiz Militar, Juiz Eleitoral, membro do Ministério Público estadual ou do Distrito Federal, membro do Ministério Público da União que não atue perante tribunal (note-se que os arts. 96, III e 108, I, a, da CF expressamente ressalvam “a competência da Justiça Eleitoral”), Vice-Governador e ainda Secretário de Estado e Advo-gado-Geral ou Procurador-Geral do Estado;15

15 Quanto a Secretário de Estado e Advogado ou Procurador-Geral do Estado, vide o seguinte precedente: “Crime eleitoral. Infrações penais descritas na Lei Eleitoral, e atribuídas, em coautoria, ao Secretário de Es-tado e ao Procurador-Geral do Estado. Competência. Ressalva do art. 96, inciso III, da Constituição Federal.

Page 306: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 297

b.iv) competência do Juiz Eleitoral: é residual. Toca-lhe o julgamento de todos que não possuírem foro privilegiado.

Vale observar que a Lei Maior confere imunidade formal ao Presidente da Re-pública, exigindo-se aprovação de 2/3 da Câmara dos Deputados para ser admitida denúncia formulada contra ele. Por igual, pelo princípio da simetria, a Constituição Estadual ou a Lei Orgânica do Distrito Federal poderão conferir imunidade formal ao Governador.16

No tocante a vereadores, mesmo que gozem de foro privilegiado pela Lei Orgâ-nica Municipal ou Constituição Estadual, serão julgados por Juiz Eleitoral, visto que a Constituição Federal não lhes confere imunidade processual (TSE – HC no 326/PE – DJ 4-9-1998, p. 57).

Por outro lado, não possuem competência criminal eleitoral:

i) Junta Eleitoral (CE, arts. 40 e 41) – não lhe foi atribuída competência penal que, na primeira instância, só é conferida a juiz eleitoral;

ii) Tribunal Superior Eleitoral – atualmente o TSE não possui competência criminal originária, pois a competência funcional que historicamente lhe era reconhecida (CE, art. 22, I, d; RITSE, art. 8o, n) foi atribuída pela vi-gente Constituição ao STF (CF, art. 102, I, c) e ao STJ (CF, art. 105, I, a). Nesse sentido: STF – HC no 86.015/PB – 1a Turma – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 2-9-2005, p. 25; TSE – Pet. no 1.429/DF – DJ 25-11-2005, p. 91; TSE – REspe no 15.584/AM – DJ 30-6-2000, p. 159. Todavia, per-

É da competência originária dos Tribunais Regionais Eleitorais processar e julgar, por crime definido no Código Eleitoral, as autoridades estaduais que, pela prática de crime comum, têm foro junto aos Tribunais de Justiça por prerrogativa de função. Habeas corpus denegado, para confirmar a competência do Tribunal Regional Eleitoral.” (TSE – HC no 179/PR – DJ 27-8-1992, p. 13325).

16 No sentido do texto, vide o seguinte julgado do Pretório Excelso: “Governador de Estado: processo por crime comum: competência originária do Superior Tribunal de Justiça que não implica a inconstitucionalidade da exigência pela Constituição Estadual da autorização prévia da Assembleia Legislativa. 1. A transferência para o STJ da competência originária para o processo por crime comum contra os Governadores, ao invés de elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigência da autorização da Assembleia Legislativa para a sua instauração: se, no modelo federal, a exigência da autorização da Câmara dos Deputados para o processo contra o Presidente da República finca raízes no princípio da independência dos poderes centrais, à mesma inspiração se soma o dogma da autonomia do Estado-membro perante a União, quando se cuida de confiar a própria subsistência do mandato do Governador do primeiro a um órgão judiciário federal. 2. A necessidade da autorização prévia da Assembleia Legislativa não traz o risco, quando negadas, de propiciar a impunidade dos delitos dos Governadores: a denegação traduz simples obstáculo temporário ao curso de ação penal, que implica, enquanto durar, a suspensão do fluxo do prazo prescricional. 3. Precedentes do Supremo Tribunal (RE 159.230, Pl, 28.3.94, Pertence, RTJ 158/280; HHCC 80.511, 2a T., 21.8.01, Celso, RTJ 180/235; 84.585, Jobim, desp., DJ 4.8.04). 4. A autorização da Assembleia Legislativa há de preceder à decisão sobre o recebi-mento ou não da denúncia ou da queixa. 5. Com relação aos Governadores de Estado, a orientação do Tribunal não é afetada pela superveniência da EC 35/01, que aboliu a exigência da licença prévia antes exigida para o processo contra membros do Congresso Nacional, alteração que, por força do art. 27, § 1o, da Constituição alcança, nas unidades federadas, os Deputados Estaduais ou Distritais, mas não os Governadores.” (STF – HC no 86015/PB – 1a Turma – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 2-9-2005, p. 25).

Page 307: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

298 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

manece a competência do TSE para originariamente conhecer e julgar ha-beas corpus e mandado de segurança (CF, art. 121, § 3o), bem como julgar recurso especial (CF, art. 121, § 4o, I e II) e ordinário (CF, art. 121, § 4o, V) interpostos contra acórdãos de Tribunal Regional.

Em razão de se tratar de competência absoluta, a ofensa à prerrogativa de função gera nulidade.

Por conexão, os supostos partícipes e coautores de crimes eleitorais imputados às autoridades referidas devem ser processados e julgados juntamente com elas, em um só processo, ainda que por si não gozem de foro privilegiado.

Com o cancelamento da Súmula STF 394 e a positivação da Súmula STF 451,17 a competência funcional somente perdura enquanto o acusado detiver a titularidade do cargo. Cessada esta, os autos do processo devem ser remetidos ao juiz eleitoral competente.

O foro privilegiado previsto ao tribunal de instância superior atrai o julgamento de denúncias conexas de competência originária de tribunal de instância inferior (CPP, art. 78, III, e prerrogativas de foro previstas na Constituição).

A competência ratione personae precede à competência ratione loci. Assim, mesmo que o crime eleitoral tenha sido praticado em outra circunscrição, a autoridade será julgada pelo TRE de sua circunscrição, pois se refere ao cargo e não ao fato ou à pessoa física do infrator.

As hipóteses de reunião de feitos e prorrogação da competência funcional não ofendem as garantias do juiz natural, da ampla defesa ou do devido processo legal. Nesse sentido, reza a Súmula 704 do STF: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do pro-cesso do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.”

c) Competência territorial – por esse critério, será competente o juízo do lugar do crime eleitoral (CPP, art. 69) ou, sucessivamente, do domicílio do réu (CPP, art. 72).

Considera-se lugar do crime o local em que se consuma o fato (CPP, art. 70, caput). Aqui é adotada a teoria do resultado em razão das vantagens que propicia à instrução processual penal.

Se não se souber o local de consumação do crime, competente será o juízo do do-micílio do réu. No caso do processo penal eleitoral, será o domicílio eleitoral do réu (CE, art. 42), isto é, a Zona Eleitoral em que ele estiver inscrito como eleitor.

17 Eis o teor da Súmula 451 do STF: “A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional.”

Page 308: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 299

Havendo dúvida sobre o local de consumação do delito18 ou se não se souber o domicílio do agente, será competente o primeiro juízo decidir sobre o fato, que ficará prevento, prorrogando-se sua competência. Essa assertiva funda-se na interpretação extensiva do art. 91 do CPP. Portanto, aqui, a competência define-se pela prevenção.

Juízo do local é o juízo eleitoral com competência na Zona Eleitoral em que o lugar considerado se insere. A competência do juízo eleitoral não é definida por co-marcas (que é conceito ligado à divisão judiciária estadual), mas por zona eleitoral. Esta pode abranger espaço geográfico que reúna várias cidades ou apenas uma porção do território de uma vasta cidade (CE, art. 32).

d) Competência por distribuição (CPP, art. 75) – esse conceito não é comumen-te aplicado na primeira instância da Justiça Eleitoral, porque nesta, em geral, somente um juiz exerce a função eleitoral em cada Zona Eleitoral. Aplica-se, porém, aos tribunais eleitorais, onde os processos devem ser repartidos entre os integrantes do Colegiado.

3.8.2.2 Alteração de competência

A omissão do Código Eleitoral quanto às hipóteses de alteração de competência impõe a observância do Código de Processo Penal sobre essa matéria.

A prevenção atrai a competência para o juízo que primeiro exarar decisão válida sobre os fatos em causa (CPP, art. 83). Aplica-se entre crimes eleitorais conexos para definir a competência territorial, assim, a Justiça e a instância competentes já devem estar definidas.

Aplica-se, ainda: (i) quando não se saiba onde o crime se consumou; (ii) quando não exista ou não se saiba onde é o domicílio do réu; (iii) quando houver dúvida sobre onde o crime se consumou entre opções delimitadas, o que é diferente da hipótese de não se saber onde se consumou o delito, quando será competente o juízo do domicílio do réu. Tais assertivas fundam-se em interpretação extensiva do art. 91 do CPP.

Dispõe a Súmula 706 do STF que a inobservância da competência por prevenção gera nulidade relativa.

A conexão e continência são as outras formas de alteração da competência. Con-forme síntese formulada por Cordeiro e Silva (2006, p. 70), conexão é o instituto que determina a reunião do julgamento de dois ou mais crimes por aspectos objetivos comuns (probatória) ou ligados por causalidade entre os fatos típicos (teleológica). Classifica-se a conexão em probatória, teleológica e intersubjetiva. Por sua vez, a con-

18 Suponha-se que no dia da eleição alguém realize propaganda eleitoral dentro de ônibus em circulação. Este, em seu itinerário, passa por diversas zonas eleitorais ou mesmo atravessa vários municípios. Como a propaganda é feita durante o trajeto, não se sabe ao certo o local exato da consumação do delito previsto no art. 39, § 5o, III, da Lei no 9.504/1997. Nesse exemplo, é plausível a dúvida sobre o local de consumação do delito, definindo-se a competência pela prevenção.

Page 309: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

300 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

tinência é o instituto que impõe a reunião de dois ou mais crimes por aspectos subje-tivos comuns entre os agentes dos diferentes fatos.

Os dois institutos são definidos nos arts. 76 e 77 do CPP. Têm o efeito de modifi-car a competência para julgamento conforme os critérios do arts. 78 a 82 do mesmo código.

Nos domínios eleitorais, existem duas correntes teóricas sobre a modificação da competência em razão de conexão e continência. Pela primeira, qualquer crime co-nexo com o crime eleitoral deve igualmente ser julgado pela Justiça Eleitoral, pois somente esta pode julgar crimes eleitorais. A atração exercida por essa Justiça especia-lizada é plena. Para tal entendimento, os crimes eleitorais atraem até mesmo a compe-tência para julgamento de crimes dolosos contra a vida, reservados pela Constituição Federal ao Tribunal do Júri. Nesse ponto, conforme expõem Cordeiro e Silva (2006, p. 71-73), tal corrente se biparte entre: (i) aqueles que defendem o julgamento pela Justiça Eleitoral sem realização do procedimento próprio do júri; (ii) os que defendem a realização do rito do júri no âmbito da Justiça Eleitoral, inclusive abrangendo suas duas fases, a saber: judicium accusationis (ou sumário e culpa) e judicium causae; argui-se, aqui, que o júri constitui mero procedimento, e não órgão jurisdicional dotado de esfera de competência própria – o importante é que tal procedimento seja observado, pois é apenas isso que impõe a Lei Maior.

Pela segunda corrente, a Justiça Eleitoral exerce uma atração relativa. Argumen-ta-se que a conexão e a continência são regidas por várias regras e somente algumas delas atraem o julgamento para a Justiça Eleitoral. Vide nesse sentido Cândido (2006, p. 583). Tais regras são a seguir explicitadas:

i) crime eleitoral atrai para a competência da Justiça Eleitoral crime comum conexo (CPP, art. 78, IV). Nesse sentido: STJ – CC no 16.316/SP – 3a Se-ção – Rel. Min. Felix Fischer – DJ 26-5-1997, p. 22469.19 Entretanto, há quem excepcione os crimes comuns de competência da Justiça Federal ao argumento de que esta, tal qual a Eleitoral, é igualmente especializada. Nesse sentido: Luchi Demo (2005, p. 138), Lima (2010, p. 222-223). Não prospera, porém, tal argumento, pois, na verdade, a Justiça Federal não é especial, mas comum. A Justiça Comum é federal e estadual. E mesmo que se entenda que a Justiça Federal é especial, não é ela espe-cializada em matéria eleitoral, o que inviabiliza a afirmação de sua com-petência nessa seara;

ii) crime eleitoral e crime comum doloso contra a vida conexo devem ser julgados separadamente. Deve haver separação dos processos (não se

19 Eis a ementa desse julgado: “Processual penal. Conflito de competência. Justiça Eleitoral e Justiça Co-mum. Havendo conexão entre um crime eleitoral e outro comum, a Justiça Eleitoral, em prejuízo, julgará os dois delitos. Conflito conhecido, declarando-se competente a Justiça Eleitoral. Acórdão: por unanimidade, conhecer do conflito e determinar a remessa dos autos à Justiça Eleitoral.”

Page 310: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 301

aplica o inciso I do art. 78 do CPP), pois em ambas as hipóteses há dis-tribuição de competência em razão da matéria pela própria Constituição. Outrossim, a competência do Júri para julgar crimes dolosos contra a vida constitui garantia constitucional de julgamento pelos pares e, por-tanto, não pode ser preterida;

iii) crime eleitoral e crime militar conexo devem ser julgados separadamen-te. Há separação de processos, porquanto ambas são distribuições de competência em razão da matéria prevista na Constituição. Nesse senti-do: Cândido (2006, p. 583), Lima (2010, p. 222-223);

iv) crime eleitoral de menor potencial ofensivo é julgado separadamente em relação a crime comum ou crime de rito especial. Isso porque a reunião prejudicaria a celeridade, razão de ser do rito sumaríssimo; e se hou-ver transação ou suspensão condicional do processo seria contrassenso a ação permanecer na esfera da Justiça Eleitoral apenas para julgar o crime comum. Nessa linha: Ponte (2008, p. 120-121);

v) crimes eleitorais conexos sitos em diferentes Zonas Eleitorais. Em tal caso, nos termos do art. 78, II, a, b e c, do CPP, sendo as jurisdições de mesma categoria, preponderará sucessivamente: (i) a do lugar do delito a que for cominada a pena mais grave; (ii) a do lugar em que ocorreu o maior número de crimes; (iii) a que firmar-se pela prevenção;

vi) os crimes eleitorais de competência originária em instâncias diferentes são julgados pela instância superior (vide Súmula 704 do STF). A ins-tância superior atrai até mesmo crime que se refira a Tribunal de outra Justiça. A esse respeito dispõe o art. 78, III, do CPP: “no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação”.

Ressalte-se que a inobservância da unidade de processos quando houver conexão ou continência gera nulidade absoluta, por existir em razão da matéria ou pessoa, exceto: (i) quando a conexão unir crimes eleitorais conexos sitos em Zonas Eleitorais diversas, pois trata-se de competência territorial, relativa e passível de prorrogação, quando então será relativa a nulidade; (ii) nas hipóteses do art. 80 do CPP, pois a não reunião ou a separação dos processos é facultada ao juiz e, portanto, não há nulidade; tais hipóteses são as seguintes: (1) quando as infrações tiverem sido praticadas em tempo e lugar diferentes; (2) havendo vários acusados, para não prolongar o tempo de prisão cautelar; (3) por conveniência do juízo por outro motivo relevante.

Uma vez definida a competência por conexão ou continência, ela se manterá até o julgamento final de todos os crimes, ainda que seja extinta a punibilidade pelo crime de competência atrativa antes do julgamento dos demais, segundo o art. 82 do CPP. Assim, há perpetuatio jurisdictionis, exceto nos casos de surgimento ou extinção super-veniente de foro privilegiado, e surgimento ou extinção superveniente de competên-cia do Tribunal do Júri.

Page 311: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

302 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

3.8.2.3 Conflito de competência

O conflito de competência, negativo ou positivo, em matéria eleitoral é regulado tanto pelo Código Eleitoral (arts. 22, I, b, e 29, I, b) quanto, supletivamente, pelo CPP (arts. 113 a 117), ambos submetidos às normas constitucionais, notadamente as que se fazem aplicar pela hierarquia (CF, arts. 102, I, o, 105, I, d, e 108, I, e).

O procedimento é o previsto no art. 116 do CPP. Inicia-se com representação de qualquer dos juízos em conflito ou por requerimento de qualquer das partes – este é apresentado sob a forma de exceção. Nos dois casos, o conflito deve ser levado direta-mente ao tribunal competente para dirimi-lo.

A representação ou o requerimento devem ser previamente instruídos com todos os documentos pertinentes.

Diferentemente do conflito negativo (que pode ser suscitado nos próprios autos), o positivo é feito em autos apartados. Neste caso, deve-se dar seguimento ao proces-so, a menos que o relator determine sua suspensão (CPP, art. 116, §§ 1o e 2o).

Uma vez distribuído o feito e determinada ou não a suspensão do processo princi-pal, o relator requisitará informações, com cópia da peça inicial e no prazo que demar-car, ao juízo suscitado, quando o suscitante for o outro julgador, ou a ambos os juízos em conflito, se a exceção for oposta pela parte (CPP, art. 116, §§ 3o e 4o).

Sobre o incidente deve ser colhida a manifestação do Ministério Público, que atua como custos legis.

O conflito deve ser decidido na primeira sessão, salvo se a instrução do feito depender da realização de diligência. Cópia da decisão deve ser remetida aos juízos respectivos para sua execução (CPP, art. 116, §§ 5o e 6o).

Ressalte-se que o Processo Penal Eleitoral tem distribuição própria de competên-cia para o julgamento de seus conflitos. O quadro a seguir resume esse tema.20

Conflitos de competência em matéria processual penal eleitoral

Órgãos em conflitoCompetência para conhecer e julgar

Fundamento le-gal

Juiz Eleitoral × Juiz Eleitoral

(no mesmo Estado)

TRE CE, art. 29, I, b

Juiz Eleitoral × Juiz Eleitoral

(de Estados diversos)

TSE CE, art. 22, I, b

20 Inspirado em Cândido (2006, p. 617), o quadro aqui apresentado foi modificado e complementado.

Page 312: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 303

Juiz Eleitoral × Juiz de Direito ou Juiz Federal (ou entre qualquer órgão ju-risdicional de Justiças diversas, exceto os superiores)

STJ CF, art. 105, I, d (in fine)

Qualquer órgão da Justiça Eleitoral × qualquer Tribunal Superior

STF CF, art. 102, I, o

Juiz Eleitoral × TRE

(Estados diversos)

TSE CE, art. 22, I, b

Juiz Eleitoral × TRE

(mesmo Estado)

Não há conflito. O próprio TRE deci-de se avoca ou não o processo.

nihil

TRE × Juiz de Direito ou Juiz Federal

(ou entre qualquer órgão jurisdicional de Justiças diversas, exceto os supe-riores)

STJ CF, art. 105, I, d

TRE × TRE TSE CE, art. 22, I, b18

TRE × TJ ou TRF STJ CF, art. 105, I, d

TSE × qualquer outro juiz ou tribunal STF CF, art. 102, I, o

3.9 Rito processual

Processo é o instrumento pelo qual a jurisdição se realiza, no qual se afirmam os direitos humanos e fundamentais e os princípios atinentes ao Estado Democrático de Direito. Distingue-se do procedimento. Este se consubstancia na técnica que organiza e disciplina a atividade desenvolvida em seu interior; é o iter ou caminho seguido na expansão do processo rumo à sua finalidade, que é a prestação jurisdicional. Por isso se diz que o procedimento constitui o aspecto exterior do processo, sua dimensão per-ceptível. Daí a existência de diversas formas procedimentais, cada qual com peculiar concatenação de atos e fórmulas legais.

Na sequência, serão destacados os procedimentos eleitorais na primeira e na se-gunda instâncias.

Page 313: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

304 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

3.9.1 Procedimento na primeira instância

Pelo art. 394 do CPP (com a redação dada pela Lei no 11.719/2008), o procedi-mento penal é comum ou especial. O comum divide-se em ordinário, sumário e su-maríssimo. Ordinário é o que tem por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade. Sumário é aquele cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos. Já o sumaríssimo é o procedimen-to empregado nas infrações penais de menor potencial ofensivo.21 A menos que haja disposição legal em contrário, o procedimento comum aplica-se a todos os processos.

Especial é o procedimento que conta com específico regramento legal. É esse o caso, entre outros, do procedimento atinente ao processo jurisdicional penal eleitoral, no qual incidem as regras previstas nos arts. 355 a 364 do Código Eleitoral.

Determina o art. 364 do CE que o Código de Processo Penal seja aplicado subsi-diariamente no especial procedimento penal eleitoral. Essa regra é complementada pelos §§ 2o (“aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial”) e 5o (“aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimen-to ordinário”) do art. 394 do CPP. A interpretação conjunta desses dois parágrafos revela, em síntese, que o procedimento ordinário aplica-se subsidiariamente a todos os demais procedimentos: sumário, sumaríssimo e especial – e, portanto, também ao rito especial eleitoral.

Ocorre que o § 4o do art. 394 do CPP estabelece que “as disposições dos arts. 395 a 39722 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código”.

Por força desse § 4o surgiram duas correntes de pensamento.

A primeira corrente afirma que, na 1a instância, os procedimentos criminais espe-ciais devem ser adaptados às novas medidas introduzidas pela Lei no 11.719/2008. De sorte que os arts. 395 a 397 do CPP incidem no procedimento especial previsto nos arts. 359 a 364 do CE. Tem sido nesse sentido a interpretação do Pretório Excelso:

“Crime eleitoral. Procedimento penal definido pelo próprio Código Elei-toral (“lex specialis”). Pretendida observância do novo “iter” procedimen-tal estabelecido pela reforma processual penal de 2008, que introduziu alterações no Código de Processo Penal (“lex generalis”). Antinomia me-ramente aparente, porque superável mediante aplicação do critério da especialidade (“lex specialis derogat legi generali”). Concepção ortodoxa

21 As infrações penais de menor potencial ofensivo são definidas no art. 61 da Lei no 9.099/1995. Como tais são consideradas “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

22 A redação do § 4o do art. 394 do CPP foi dada pela Lei no 11.719/2008, e esta mesma lei revogou o art. 398. Deve-se, portanto, desconsiderar a remessa que esse § 4o faz ao art. 398, estendendo-a até o art. 397.

Page 314: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 305

que prevalece, ordinariamente, na solução dos conflitos antinômicos que opõem leis de caráter geral àquelas de conteúdo especial. Pretendida utilização de fator diverso de superação dessa específica antinomia de primeiro grau, mediante opção hermenêutica que se mostra mais com-patível com os postulados que informam o estatuto constitucional do direito de defesa. Valioso precedente do Supremo Tribunal Federal (Ap 528-Agr/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski). Nova ordem ritual que, por revelar-se mais favorável ao acusado (CPP, arts. 396 e 396-A, na reda-ção dada pela Lei no 11.719/2008), deveria reger o procedimento penal, não obstante disciplinado em legislação especial, nos casos de crime elei-toral. Plausibilidade jurídica dessa postulação. Ocorrência de “periculum in mora”. Medida cautelar deferida.” (STF – HC no 107795 MC/SP – Rel. Min. Celso de Mello – DJe 211, 7-11-2011).

Na doutrina, é essa a posição de Pacelli de Oliveira (2012, p. 813), que expõe: “De volta ao processo penal eleitoral, há que se atentar para as novidades trazidas pela Lei no 11.719/2008, que, por força de previsão expressa na nova redação do art. 394, § 4o, CPP, terá aplicação inclusive aos procedimentos criminais especiais. Assim, e essa é uma regra que deverá ser observada em todo procedimento da primeira instância, seja comum ou especial, por exigência da norma contida no art. 394, § 4o, CPP, deverá ser cumpridas as etapas do art. 395 ao art. 397 do CPP [...].”

Recentemente, esse entendimento foi esposado pelo TSE na Resolução no 23.396/2013, cujo art. 13 dispõe:

“A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei no 11.971, de 2008 [sic – em verdade, trata-se da Lei no 11.719/2008]. Após esta fase, aplicar-se-ão os artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral.”

Em tal quadro, o procedimento especial eleitoral pode ser assim esquematizado:

i) a denúncia é oferecida pelo órgão do Ministério Público Eleitoral.

ii) o juiz eleitoral confere se não é caso de rejeição liminar dessa peça, nos termos do art. 395 do CPP;

iii) não sendo a denúncia rejeitada liminarmente, o juiz a receberá, determi-nando “a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias” (CPP, art. 396). Na resposta, poderá o acusado “arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando ne-cessário” (CPP, art. 396-A);

Page 315: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

306 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

iv) apresentada a resposta (defesa), ao juiz cumprirá examinar se tem ca-bimento a absolvição sumária do acusado, nos termos do art. 397 do CPP. Note-se que a decisão que absolver sumariamente o réu faz coisa julgada, o que impede a rediscussão dos mesmos fatos em ulterior processo;

v) tendo sido a denúncia recebida e não sendo o acusado absolvido sumaria-mente, o juiz designará audiência de instrução. Note-se que a audiência é tão só de “instrução” e não de “instrução e julgamento” (audiência una), pois essa última é prevista no art. 400 do CPP, o qual, por se encontrar fora da previsão do § 4o do art. 394 desse código, não incide nos procedi-mentos especiais.23 Na audiência, serão produzidas as provas indicadas pelas partes, tais como inquirição de testemunhas e oitiva de peritos. O interrogatório do réu deve ser realizado no final da instrução – é o último ato da fase instrutória.

(A sequência é exposta à frente)

Sob essa ótica, impor-se-ia afirmar a derrogação tácita do art. 358 do Código Eleito-ral pelo aludido § 4o do art. 394 do CPP, por ter este regulado inteiramente a matéria prevista em seus incisos.24 Pelo art. 358, a denúncia deve ser rejeitada quando: “I – o fato narrado evidentemente não constituir crime; II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III – for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal”. Ocorre que essas hipóteses encartam-se entre as causas de absolvição sumária do acusado (caso dos incisos I e II) ou de rejeição liminar da denúncia (caso do inciso III). Permaneceria em vigor, porém, o parágrafo único do art. 358, segundo o qual: “Nos casos do número III, a rejeição da denúncia não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.”

Diferentemente, a segunda corrente considera a antinomia normativa que se apre-senta na questão e, fundando-se no princípio da especialidade (segundo a qual norma especial afasta a incidência da geral), rejeita a incidência dos aludidos arts. 395 a 397 ao procedimento especial previsto nos arts. 359 a 364 do CE.

Até antes da positivação do citado art. 13 pela Res. TSE no 23.396/2013, essa era a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, confira-se:

“2. No processamento das infrações eleitorais devem ser observadas as disposições específicas dos arts. 359 e seguintes do Código Eleitoral, de-

23 No entanto, o há pouco citado art. 13 da Res. TSE no 23.396/2013 determina “a aplicação obrigatória” também do 400 do CPP. É evidente, porém, que resolução não tem força revogatória de lei, e isso é espe-cialmente relevante na seara penal.

24 Consoante salientei alhures (vide Gomes, 2012b, p. 48), a derrogação consiste na supressão de parte da norma. Será tácita “quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a anterior ou em razão da mesma matéria ter sido contemplada no diploma mais recente”.

Page 316: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 307

vendo ser aplicado o Código de Processo Penal apenas subsidiariamen-te.” (TSE – HC no 282559/SP – DJe 8-2-2011, t. 7, p. 59).

“Recurso ordinário. Habeas corpus. Ação penal. Inovações. CPP. Apli-cação. Processo penal. Impossibilidade. 1. As inovações do CPP intro-duzidas pela Lei 11.719/2008 não incidem no procedimento dos crimes eleitorais, pois o Código Eleitoral disciplina especificamente a matéria e consiste em lei especial, não podendo ser afastada por lei posterior de caráter geral. Precedente. 2. Recurso desprovido. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o recurso, nos termos do voto da Relatora.” (TSE – RHC no 42994/PR – DJe, t. 75, 23-4-2013, p. 34).

Tal interpretação joga com o conflito existente entre os §§ 2o e 4o do art. 394 do CPP.25 Enquanto o § 4o determina que as disposições dos arts. 395 a 398 do CPP se apliquem a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não re-gulados nesse Código, o § 2o ressalva as disposições em contrário previstas em lei especial. Portanto, pelo § 2o, o procedimento comum (no qual se inserem os arts. 395 a 398) só tem incidência se não houver disposição própria nos procedimentos especiais.

Nessa perspectiva, o procedimento especial eleitoral pode ser assim delineado:

i) a denúncia deve ser oferecida pelo órgão do Ministério Público Eleitoral.

ii) o juiz eleitoral confere se não é caso de rejeição liminar, nos termos do art. 358 do CE;

iii) não sendo a denúncia rejeitada liminarmente, o juiz a receberá e “de-signará dia e hora para o depoimento pessoal 26 do acusado, ordenando a citação deste e a notificação do Ministério Público”. Portanto deve ser designada audiência específica para o interrogatório do réu;27

25 Eis o texto desses parágrafos: “Art. 394. O procedimento será comum ou especial. [...] § 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. [...] § 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.” Esses dispositivos tiveram a redação dada pela Lei no 11.719/2008.

26 Provavelmente influenciado pela linguagem do Código de Processo Civil (vide arts. 342, 343 e 344), o art. 359 do CE usa o termo depoimento pessoal. Trata-se, porém, de interrogatório. São institutos diferentes, embora tenham natureza probatória. Enquanto o depoimento pessoal tem em vista a obtenção da confissão da parte, o interrogatório é uma oportunidade para o réu prestar esclarecimentos ao juízo e defender-se (ou autodefender-se) da imputação que lhe é feita; por isso, no interrogatório, poderá o réu apresentar sua própria versão dos fatos ou nada dizer, permanecendo em silêncio, sem que isso possa ser interpretado em seu prejuízo.

27 Quanto ao momento, infere-se do vigente art. 400 do CPP que o interrogatório deve ser realizado no final da audiência de “instrução e julgamento”. Entretanto, pelo procedimento especial previsto no CE deve o réu ser interrogado em audiência isolada, antes da “instrução”. Mas isso não significa que o juiz eleitoral não possa reinterrogar o réu a qualquer momento do iter processual.

Page 317: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

308 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

iv) após a audiência de interrogatório, “o réu ou seu defensor terá o prazo de 10 (dez) dias para oferecer alegações escritas [defesa prévia] e arrolar testemunhas” (CE, art. 359, parágrafo único);

v) em seguida, o juiz designará audiência de instrução, na qual: (v.1) as teste-munhas de acusação e defesa serão inquiridas, nessa ordem, bem como produzidas outras provas, como esclarecimentos de peritos (CE, art. 360, parte inicial); (v.2) serão realizadas as diligências requeridas pelas partes ou ordenadas ex officio pelo juiz, tais como acareações, reconheci-mento de pessoas e coisas, oitiva de testemunhas referidas etc. (CE, art. 360, meio). A prática desses e outros atos processuais seguem as forma-lidades do CPP; assim, e.g., na oitiva de testemunhas deve-se observar as regras previstas nos arts. 202 a 225 desse código.

O confronto das duas posições expostas revela ser relevante a diferença entre elas, porque há considerável repercussão no desenvolvimento do procedimento especial para conhecimento e julgamento de crimes eleitorais na 1a instância.

No entanto, deve prevalecer a primeira tese, porque é mais condizente com a racionalidade jurídica e atende melhor à situação da defesa no processo penal. No conflito entre os já citados §§ 2o e 4o do art. 394 do CPP, deve preponderar o últi-mo, porque melhor se harmoniza com o direito fundamental de ampla defesa (CF, art. 5o, LV). Os aludidos precedentes do TSE lesam direito fundamental em nome da manutenção de uma mera burocracia processual. Se se quiser ficar no campo da interpretação lógico-literal, é de se ver que o § 4o deve prevalecer sobre o 2o por ser posterior. Por fim, tem-se que ambos os parágrafos foram introduzidos no art. 394 do CPP pela Lei no 11.719/2008, a qual pretendeu melhorar o procedimento, torná--lo mais afinados com a técnica processual e com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa.

Finalmente, nas duas correntes examinadas, a partir do item “v” de cada qual delas passa-se ao procedimento previsto nos arts. 360 a 363 do Código Eleitoral. Eis a sequência final do procedimento:

vi) encerrada a instrução, é aberto o prazo sucessivo de cinco dias para que a acusação e, depois dela, a defesa apresentem alegações finais (CE, art. 360, parte final);

vii) findo esse lapso, em 48 horas os autos devem ser conclusos ao juiz, que terá dez dias para proferir a sentença (CE, art. 361)”.

Ressalte-se que, em qualquer caso, incidem no rito penal eleitoral os institutos despenalizadores como transação penal, no caso de infração penal de menor potencial ofensivo (Lei no 9.099/1995, arts. 60, 61, 72 e 76), e suspensão condicional do pro-cesso, nos termos do art. 89 da Lei no 9.099/1995.

Page 318: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 309

Para impugnar a sentença, condenatória ou absolutória, cabe recurso eleitoral criminal ao Tribunal Regional Eleitoral. Com algumas peculiaridades, tal recurso é semelhante à apelação, devolvendo ao tribunal eleitoral não só o conhecimento das questões jurídicas levantadas, mas também de toda a matéria fático-probatória. O prazo para interposição é de dez dias (CE, art. 362).

E se o recurso eleitoral criminal não for admitido pelo juízo eleitoral? Nesse caso, a decisão interlocutória de inadmissão poderá ser impugnada mediante recurso em sentido estrito, previsto no art. 581, XV, do CPP.28 O prazo de interposição é de cinco dias, conforme estabelece o art. 586 do código processual.

Pode, porém, ocorrer de o recurso eleitoral criminal ser admitido, mas, por uma razão qualquer, não ter seguimento ou não ser encaminhado para o juízo ad quem. Nessa hipótese, a parte recorrente poderá valer-se da carta testemunhável, conforme prevê o art. 639, II, do CPP, segundo o qual é ela cabível contra decisão “que, admi-tindo embora o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem”.29

Por sua vez, o acórdão do TRE é impugnável mediante embargos de declaração endereçado ao próprio tribunal regional (CE, art. 275) e recurso especial eleitoral dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral (CF, art. 121, § 4o, I e II; CE, art. 276, I, a e b). Esses dois recursos devem ser interpostos no prazo de três dias contado da intimação do decisum.

Além disso, o art. 609, parágrafo único do Código de Processo Penal prevê o cabi-mento de embargos infringentes e de nulidade quando a decisão não unânime do tribunal de segunda instância for desfavorável ao réu. Reza esse dispositivo:

“Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão res-tritos à matéria objeto de divergência.”

Trata-se, portanto, de recurso exclusivo da defesa, pois somente pode ser aviado se o acórdão prejudicar o réu.

Ante o silêncio da norma eleitoral e a não incompatibilidade dos embargos in-fringentes e de nulidade com o sistema processual penal eleitoral, são eles admitidos nessa seara. Assim tem-se pronunciado a jurisprudência:

28 Reza esse dispositivo: “Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: [...] XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta;”

29 Observe-se que a carta testemunhável é recurso de caráter subsidiário, de maneira que só é cabível se não existir recurso específico para impugnar a decisão. Assim, embora o inciso I do art. 639 do CPP a preveja para combater a “decisão que denegar o recurso”, não é ela cabível na hipótese de denegação de recurso eleitoral criminal face à expressa previsão de recurso em sentido estrito contida no art. 581, XV, do mesmo Código.

Page 319: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

310 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

“Embargos infringentes e de nulidade – Matéria Penal – Cabimento – Re-curso especial – Provimento.” (TSE – REspe no 1-12.2010/MG e REspe no 2-94.2010/MG – decisões monocráticas – Rel. Min. Marco Aurélio – DJe 3-9-2013).

“Embargos infringentes e de nulidade. Justiça Eleitoral. Admissibilidade. Art. 609, parágrafo único, Código de Processo Penal. Aplicação subsidi-ária. Art. 364 do Código Eleitoral. Recurso. Exclusividade. Defesa. 1. Os embargos infringentes e de nulidade constituem recurso criminal dirigi-do ao próprio Tribunal que proferiu a decisão, têm nítido caráter ofensivo e de retratação e buscam a reforma do julgado embargado pelo voto ven-cido favorável ao acusado. 2. Ainda que as cortes regionais eleitorais se-jam órgãos que não se fracionam em turmas, câmaras ou seções, não há exceção prevista no art. 609 do CPP, no sentido de não serem cabíveis os embargos infringentes e de nulidade contra decisão do Pleno do próprio Tribunal. 3. Conquanto no Código Eleitoral haja a previsão de um siste-ma processual especial para apuração dos crimes eleitorais, que prestigia a celeridade no processo e julgamento desses delitos, essa mesma celeri-dade não pode ser invocada para negar ao réu o direito de interpor um re-curso exclusivo, que a lei lhe assegura, previsto apenas para situações em que haja divergência na Corte Regional. Agravo de instrumento provido. Recurso especial conhecido e provido a fim de determinar que o Tribunal a quo examine, como entender de direito, os embargos infringentes e de nulidade interpostos pelos recorrentes.” (TSE – AI no 4590/SP – DJ 13-8-2004, p. 401).

E se o recurso especial eleitoral criminal for denegado? Nesse caso, nos termos do art. 279 do Código Eleitoral, poderá a parte recorrente interpor agravo de instrumento à instância superior, isto é, ao TSE. Entretanto, não mais é cabível agravo de instrumento para combater decisão interlocutória denegatória de recurso especial, sendo, no lugar dele, interponível o agravo nos próprios autos. Previsto na Lei no 12.322/2010, o agravo nos próprios autos também se aplica à matéria criminal e, pois, à eleitoral-criminal. Nesse sentido, dispôs a Resolução STF no 451/2010:

“A alteração promovida pela Lei no 12.322, de 9 de setembro de 2010, também se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e pro-cessual penal.”30

Note-se que, no caso específico, esse novo agravo é um recurso mais célere, pois prescinde da formação de instrumento, permite a subida dos autos à instância ad quem e, se procedente o pedido nele formulado, enseja desde logo o julgamento do mérito do recurso especial inadmitido na instância a quo.

30 Vide também: Lei no 8.038/1990, art. 28; CPC, art. 544.

Page 320: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 311

O prazo de interposição do agravo nos próprios autos é de três dias – e não de cinco ou dez, como nos processos penal e civil comum respectivamente.

No TSE o respectivo acórdão pode ser combatido mediante embargos declara-tórios (CE, art. 280 c.c. art. 275) e recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 121, § 3o, primeira parte; CE, art. 281). Caso o RE seja denegado pela presidência do TSE, cabível é o há pouco referido agravo nos próprios autos. O prazo de interposição desses recursos é de três dias, nos termos da Súmula 728 do STF.

Finalmente, vale frisar ser irrecorrível a matéria de ordem infraconstitucional. Porque quanto a ela o julgamento da Corte Superior tem caráter definitivo.

3.9.2 Procedimento nos crimes eleitorais de competência originária

3.9.2.1 O procedimento especial como previsto na Lei no 8.038/1990

Por ocuparem certos cargos e funções públicos, determinadas pessoas gozam da prerrogativa funcional de serem julgadas direta e originariamente em tribunais e não na primeira instância do Poder Judiciário. Não se trata de privilégio pessoal do agente público, pois isso afrontaria as ideias republicanas em voga, mas de prerrogativa fun-cional cujo sentido é assegurar a imparcialidade e independência do órgão julgador. Trata-se, pois, de garantia do órgão que julga e da pessoa que é julgada.

O privilégio ou a prerrogativa de foro é previsto na Constituição Federal, que distribui a competência dos tribunais em conformidade com o nível e a natureza dos cargos e funções ocupados.

Assim, a competência originária diz respeito ao processo e julgamento de crimes cujos acusados sejam detentores de foro por prerrogativa de função.

O procedimento nas ações penais de competência originária do Supremo Tribu-nal Federal e do Superior Tribunal de Justiça segue a normativa traçada na Lei no 8.038/1990, notadamente seus arts. 1o a 12. Por força da Lei no 8.658/1993, esse mesmo rito deve ser observado pelos tribunais de segunda instância, a saber: Tribunal Regional Federal, Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Eleitoral.

Tal procedimento só não se aplica ao Tribunal Superior Eleitoral porque esse sodalício não detém competência originária para conhecer e julgar crimes eleito-rais, mas tão só as ações constitucionais de habeas corpus e mandado de segurança, e também recursos especial e ordinário. Na verdade, a competência originária que antes era atribuída ao TSE pelo art. 22, I, d, do Código Eleitoral foi deslocada para o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, c) e Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a).

Conforme assinala Pacelli de Oliveira (2012, p. 777), os tribunais detêm com-petência “para regulamentar determinadas matérias relativas ao julgamento de ação

Page 321: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

312 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

penal de sua competência originária”. Como exemplo, cita o caso de prefeito que pode ser julgado por órgão colegiado definido no Regimento Interno do próprio tribunal.31

Toda a fase pré-processual, investigatória, é desenvolvida sob o controle e a su-pervisão do tribunal competente,32 que também é incumbido de conhecer e decidir pedido de arquivamento do inquérito policial ou do procedimento administrativo in-vestigatório, medida cautelar, busca e apreensão, prisão preventiva etc.

Concluído o inquérito policial e sendo ele recebido na Procuradoria Regional Elei-toral, esta tem o prazo de cinco dias para oferecer denúncia se o réu estiver preso, e quinze dias se solto (Lei no 8.038/1990, art. 1o, caput, e § 2o, a). Mas em vez de apre-sentar denúncia, poderá a PRE determinar a realização de novas diligências que julgar imprescindíveis para a formação de sua opinio delicti ou mesmo requerer o arquiva-mento do inquérito.

Cuidando-se de delito de menor potencial ofensivo (cuja pena privativa de li-berdade máxima, cominada in abstrato, não é superior a dois anos, cumulada ou não com multa), deverá o Ministério Público Eleitoral propor transação penal (Lei no 9.099/1995, arts. 60, 61, 72 e 76). O não oferecimento de transação quando a situa-ção concreta indicar essa possibilidade enseja a concessão de habeas corpus, “para que o titular da ação penal se posicione a respeito” (TSE – HC no 106660/SP – DJe 17-8-2010, p. 115).

A Procuradoria Eleitoral também deverá propor a suspensão condicional do pro-cesso nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, atendidas as demais condições postas no art. 89 da Lei no 9.099/1995. O não ofe-recimento de sursis processual, quando devido, gera “nulidade do processo a partir da denúncia, inclusive para que a acusação ofereça a proposta ou fundamente as razões de não fazê-lo [...]” (TSE – HC no 599/SP – DJe 1o-10-2008, p. 12-13).

Oferecida a denúncia, estabelece-se o contraditório antes mesmo da deliberação judicial acerca da peça acusatória. De maneira que o acusado deverá ser notificado para apresentar resposta à acusação em 15 dias. Com a notificação, “serão entregues ao acusado cópia da denúncia ou da queixa, do despacho do relator e dos documentos

31 Observe-se, porém, que no Eleitoral o julgamento é sempre afeto ao plenário. Isso porque nos tribunais eleitorais não há divisão em Turmas, Câmaras ou Seções, funcionando sempre em sua composição plena.

32 Vale registrar os entendimentos expressos nos seguintes julgados: (i) “[...] o fato de a denúncia referir-se a elementos coligidos no âmbito da Polícia Federal, presente inquérito não supervisionado por Tribunal, não a torna insubsistente. Vinga o aproveitamento dos atos instrutórios, tal como ocorre quando envolvi-dos Juízos”. (TSE – HC no 394455/PA – DJe, t. 193, 7-10-2011); (ii) “1. No exercício de competência penal originária, a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento da denúncia. 2. Na hipótese dos autos, nem sequer houve a abertura de um inquérito policial, porquanto foi elaborado um Termo Circunstanciado de Ocorrência/TCO, no dia 1o.10.2006, em virtude de flagrante delito, conforme disposto no art. 7o, parágrafo único, da Res.-TSE no 22.376/2006. 3. O termo circunstanciado, tal como o inquérito policial, tem caráter meramente informativo. Eventuais vícios ocorridos nesta fase não contaminam a ação penal. [...]. 4. Recurso especial provido para, afastada a nulidade do TCO, determinar o envio dos autos ao TRE/RN, a fim de que prossiga na apreciação da denúncia como entender de direito.” (TSE – REspe no 28981/RN – DJe 6-11-2009, p. 24).

Page 322: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 313

por este indicados” (Lei no 8.038/1990, art. 4o, caput, e § 1o). A disponibilização de cópia desses documentos juntamente com a notificação – contrafé – funda-se no prin-cípio da ampla defesa, pois enseja que o acusado desde logo se inteire da imputação contra si formulada e passe a articular sua defesa.

A resposta deve ser oferecida por advogado, podendo ser acompanhada de todos os documentos de que dispuser o réu. Tem o sentido de afastar a instauração do processo, podendo, por isso, limitar-se a impugnar a higidez das condições da ação e dos pressupostos processuais, bem como arguir situações que prima facie inviabilizam o próprio mérito, tal como a ocorrência de extinção de punibilidade, atipicidade da conduta, excludentes de ilicitude e de culpabilidade.

Sendo apresentados novos documentos, deverá o relator abrir vista dos autos ao órgão do Ministério Público Eleitoral, para que este, em cinco dias, possa se manifes-tar (Lei no 8.038/1990, arts. 4o e 5o).

Conclusos os autos, a questão será submetida ao plenário do tribunal, para que este delibere “sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improce-dência da acusação, se a decisão não depender de outras provas” (Lei no 8.038/1990, art. 6o).

Nesse julgamento preliminar, faculta-se às partes a realização de sustentação oral pelo prazo de 15 minutos.

Em seguida, delibera o Colegiado, podendo optar por uma das seguintes alter-nativas: (i) receber a denúncia; (ii) rejeitar a denúncia; (iii) julgar improcedente a acusação.

Quanto à primeira opção, rejeição da denúncia, a Lei no 8.038/1990 não prevê critérios específicos para fundamentar esse ato. Mas certamente se trata de juízo de caráter formal, atinente à viabilidade da ação e do processo, tal como sucede no reco-nhecimento de ausência de condição da ação ou falta de pressuposto processual. Tal hipótese assemelha-se à figura prevista no art. 395 do CPP, cuja redação foi conferida pela Lei no 11.719/2008.

No que concerne à decisão de improcedência da acusação, tem ela caráter material, referindo-se ao mérito da demanda penal. Pode fundar-se em atipicidade do fato,33 extinção da punibilidade, excludente da ilicitude e da culpabilidade. Mas tal decisão “só tem cabimento quando seu pronunciamento não dependa de quaisquer outras provas” (STF – HC no 84860/MS – 2a Turma – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJe 31, 26-10-2007), pois se houver necessidade de produzir provas a denúncia deverá ser recebida para que tenha curso a instrução processual.

33 Nesse sentido: “I. STF: ação penal originária: declaração liminar de improcedência da denúncia, quando verificada desde logo, sem necessidade de instrução (L. 8038/90, art. 6o, in fine). [...]. III. Atipicidade penal do fato que também se verifica à luz de outras normas incriminadoras aventadas, mas a ele inaplicáveis (v. g., CP, arts. 168 e 315; L. 7314/83 e L. 7492/86, art. 20)” (STF – Inq. no 933/MG – Pleno – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 28-6-2002, p. 88).

Page 323: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

314 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

A improcedência da acusação implica a absolvição do acusado, conforme assenta-do na jurisprudência:

“1. A determinação de notificação do querelado para o ofertamento da resposta de que trata o artigo 4o da Lei 8.038/1990, como é da jurispru-dência dos nossos tribunais, não caracteriza, à luz da sua própria na-tureza, constrangimento ilegal qualquer, na exata medida em que não substancia nenhum juízo de valor sobre os fatos imputados, cabendo, como cabe, ao colegiado o recebimento ou rejeição da queixa e, em sendo o caso, a absolvição sumária do querelado (Precedentes da Corte). 2. Writ não conhecido.” (STJ – HC no 22818/SP – 6a Turma – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJ 10-5-2004, p. 348).

Ademais, a decisão judicial de improcedência da acusação faz coisa julgada ma-terial, o que impede a rediscussão do mesmo fato em ulterior processo, ainda que surjam novas provas. A esse respeito, depois de lembrar que no sistema processual penal é vedada a revisão pro societate, assinala Pacelli de Oliveira (2012, p. 67) que, em qualquer etapa procedimental, “incluindo a fase investigatória, e independentemente de sua designação legal, a decisão judicial que resolver a questão de mérito do caso penal produzirá efeitos de coisa julgada material, ainda que proferida por juiz absolu-tamente incompetente”.

Sendo recebida a denúncia, será designada data para o interrogatório do réu, o qual deverá ser citado (Lei no 8.038/1990, art. 7o). O ato de realização do interrogató-rio poderá ser delegado pelo relator a juiz eleitoral de primeira instância por carta de ordem (Lei no 8.038/1990, art. 9o, § 1o).34

Após o interrogatório, abre-se o prazo de cinco dias para a apresentação de defesa (Lei no 8.038/1990, art. 8o). A defesa, aqui, é mais ampla que a oferecida previamente, devendo, agora, abranger não só questões de natureza processual, como também o próprio mérito da causa.

Em seguida, passa-se à fase instrutória. No que couber, será observado o proce-dimento ordinário previsto no CPP (Lei no 8.038/1990, art. 9o). A realização de atos instrutórios poderá ser delegada a juiz eleitoral por carta de ordem.

Encerrada a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, ingressa-se na fase de diligências. Têm as partes o prazo de cinco dias para requerer diligências. Também o relator ex officio poderá determinar a realização das que entender neces-sárias (Lei no 8.038/1990, arts. 9o, 10). Note-se que essa atribuição é do relator e não do juiz de primeiro grau que porventura receber delegação para a prática de atos instrutórios.

34 Conforme se exporá na sequência, o interrogatório deverá ser realizado no final da instrução processual por força da incidência do art. 400 do CPP.

Page 324: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 315

Ultrapassada a fase de diligências, têm as partes o prazo de 15 dias para a apresen-tação, por escrito, de alegações finais. O prazo é sucessivo, iniciando-se pela acusação. Ante os princípios do contraditório e da ampla defesa, haverá nulidade absoluta do processo se as alegações finais não forem apresentadas. Caso o advogado constituído não as apresente, o réu deverá ser intimado para constituir outro; não o fazendo, o juiz deverá nomear defensor dativo ou, sendo o caso, enviar os autos à Defensoria Pública da União para que esta assuma a defesa do réu. Afinal, é essa a oportunidade para as partes apreciarem e exporem seus argumentos e conclusões acerca das provas produzidas, procurando influir no conteúdo do provimento jurisdicional.

Excepcionalmente, após as alegações finais, o § 3o do art. 11 da Lei no 8.038/1990 prevê a possibilidade de o relator “determinar de ofício a realização de provas reputa-das imprescindíveis para o julgamento da causa”.

Finda a instrução, o tribunal julgará o mérito da causa, devendo proceder em con-formidade com o regimento interno. De qualquer sorte, às partes – acusação e defesa, sucessivamente – é concedido o prazo de uma hora cada para sustentação oral (Lei no 8.038/1990, art. 12).

O acórdão do TRE é impugnável mediante embargos de declaração (CE, art. 275) e recurso especial eleitoral dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral (CF, art. 121, § 4o, I e II; CE, art. 276, I, a e b). Esses dois recursos devem ser interpostos no prazo de três dias contado da intimação do decisum.

No Tribunal Superior Eleitoral, o respectivo acórdão pode ser combatido mediante embargos declaratórios (CE, art. 280 c.c. art. 275) e recurso extraordinário para o Su-premo Tribunal Federal (CF, art. 121, § 3o, primeira parte; CE, art. 281). Reitere-se ser irrecorrível a matéria de ordem infraconstitucional, em relação à qual o julgamento da Corte Superior tem caráter definitivo. Quanto ao prazo de interposição, é de três dias, nos termos da Súmula 728 do STF.

Já no Supremo Tribunal Federal, são cabíveis:

i) embargos declaratórios, no prazo de cinco dias, o qual é contado em dobro se houver litisconsórcio passivo e os réus estiverem representados por diferentes procuradores. É essa a orientação do Pretório Excelso, a ver:

“1. É de cinco dias o prazo para a oposição de embargos de declaração contra acórdão proferido pelo STF em ação penal originária. Aplica-se à hipótese o art. 337, § 1o, do Regimento Interno, e não o art. 619 do Có-digo de Processo Penal. 2. Todavia, conta-se em dobro o prazo recursal quando há litisconsórcio passivo e os réus estejam representados por di-ferentes procuradores. Aplica-se a essa hipótese, por analogia, o art. 191 do CPC. 3. Agravo regimental parcialmente provido.” (STF – AP no 470 AgR-vigésimo segundo/MG – Redator do acórdão: Min. Teori Zavascki – Pleno – DJe 187, 24-9-2013).

Page 325: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

316 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

ii) embargos infringentes, previstos no art. 333 do RISTF, in verbis:

“Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal [originária];” Reza o pará-grafo único desse dispositivo: “O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos diver-gentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.” No julgamento dos 25o, 26o e 27o AgR-AP no 470, ocorrido na sessão de 18-9-2013, o órgão pleno do STF, por maioria de votos, entendeu cabíveis os embargos infringentes em ação penal de sua competência originária, sendo que o fundamento jurídico desse recurso encontra-se no citado art. 333 do RISTF, que permanece em vigor no ordenamento jurídico. Veja-se nesse sentido: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProces-soAndamento.asp?incidente=11541 – Acesso em 5-10-2013.

3.9.2.2 Alterações da Lei no 11.719/2008 no CPP e no rito nos crimes de competência originária

Cumpre indagar se as alterações introduzidas no CPP pela Lei no 11.719/2008 incidem no procedimento especial regulado pela Lei no 8.038/1990, relativamente às ações penais de competência originária.

Num primeiro momento, o Pretório Excelso respondeu negativamente a essa questão, conforme se vê no seguinte precedente:

“Questão de ordem. Ação penal originária. Lei 11.719/2008. Pedido de novo interrogatório. Especialidade da Lei 8.038/1990, cujos dispositivos não foram alterados. A Lei 8.038/1990 é especial em relação ao Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008. Por conseguinte, as disposições do CPP aplicam-se aos feitos sujeitos ao procedimento pre-visto na Lei 8.038/1990 apenas subsidiariamente, somente ‘no que for aplicável’ ou ‘no que couber’. Daí por que a modificação legislativa refe-rida pelos acusados em nada altera o procedimento até então observado, uma vez que a fase processual em que deve ocorrer o interrogatório con-tinua expressamente prescrita no art. 7o, Lei 8.038/1990, o qual prevê tal ato processual como a próxima etapa depois do recebimento da denúncia (ou queixa). Questão de ordem resolvida no sentido do indeferimento da petição de fls. 40.151-40.161. Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, resolveu a questão de ordem no sentido de indeferir o pedido de renovação de interrogatório [...]” (STF – AP no 470 QO8/MG – Pleno, unânime – Rel. Min. Joaquim Barbosa; Rev. Min. Ricardo Lewandowski – DJe 80, 2-5-2011).

Page 326: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 317

O TSE, por sua vez, já havia encampado igual entendimento:

“1. O procedimento previsto para as ações penais originárias – disciplina-do na Lei no 8.038/90 – não sofreu alteração em face da edição da Lei no 11.719/2008, que alterou disposições do Código de Processo Penal. 2. A Lei no 8.038/90 dispõe sobre o rito a ser observado desde o oferecimento da denúncia, seguindo a apresentação de resposta preliminar pelo acu-sado, deliberação sobre o recebimento da peça acusatória, com o conse-quente interrogatório do réu e defesa prévia – caso recebida a denúncia –, conforme previsão dos arts. 4o ao 8o da citada lei. 3. As inovações do CPP somente incidiriam em relação ao rito estabelecido em lei especial, caso não houvesse disposições específicas, o que não se averigua na hipótese em questão. Ordem denegada.” (TSE – HC no 652/BA – DJe 19-11-2009, p. 13).

Mas aparentemente não é essa a melhor resposta. E isso à luz da própria Lei no 8.038/1990. Com efeito, o art. 9o dessa norma estabelece que “a instrução obedecerá, no que couber, ao procedimento comum do Código de Processo Penal”. Ocorre que o procedimento comum do CPP sofreu relevantes alterações pela Lei no 11.719/2008, bastando lembrar que, nos termos do art. 400 desse Código, a audiência instrutória passou a ser una,35 sendo o interrogatório do réu realizado ao final.

No que concerne ao interrogatório, constitui indiscutível meio de defesa a ser concretizado durante a instrução processual. Não por acaso ele foi colocado como último ato da instrução processual, momento em que o réu poderá se autodefender com maior propriedade, ponderando o acervo de provas carreadas aos autos e a partir daí decidir conscientemente se exercerá ou não seu direito constitucional ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII). Resulta claro que a alteração do rito ordinário no CPP apresenta reflexos no procedimento especial estampado na Lei no 8.038/1990.

Por outro lado, a Lei no 11.719/2008 foi promulgada com o cristalino propósito de aperfeiçoar o procedimento penal, otimizar a defesa e tornar o procedimento mais célere e dinâmico e, portanto, mais sintonizado com a exigência de duração razoável do processo inscrita no art. 5o, LXXVIII, da Lei Maior.36

35 Denomina-se una a audiência que concentra todos os atos de instrução processual. A esse respeito, dispõe o art. 400 do CPP: “Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. § 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as con-sideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.” Conforme assinala Lopes Júnior (2011, p. 220), essa “aglutinação de atos funciona em muitos processos ‘simples’, com um ou poucos réus e um número reduzido de testemunhas para serem ouvidas, mas é inviável em processos complexos, onde haverá uma pluralidade de audiências”.

36 Também se poderia argumentar o seguinte. Nos termos do § 4o do art. 394 do CPP: “As disposições dos

Page 327: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

318 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Em recentes julgados, a aplicação da Lei no 11.719/2008 ao procedimento especial regulado pela Lei no 8.038/1990 foi acolhida na jurisprudência do Pretório Excelso, a ver: STF – AP no 630 AgR/MG – Pleno, unâmine – Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Rev. Min. Cármen Lúcia – DJe 59, 22-3-2012; STF – AP no 478/SP – decisão monocrá-tica do Rel. Min. Marco Aurélio – DJe 37, 26-2-2009. E mais:

“Processual penal. Interrogatório nas ações penais originárias do STF. Ato que deve passar a ser realizado ao final do processo. Nova redação do art. 400 do CPP. Agravo regimental a que se nega provimento. I – O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. II – Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais ori-ginárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7o da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou. III – Interpretação sistemática e teleológica do direito. IV – Agravo regimental a que se nega provimen-to.” (STF – AP 528 AgR/DF – Pleno, unânime – Rel. Min. Ricardo Lewa-ndowski; Rev. Min. Cármen Lúcia – DJe 109, 8-6-2011).

Em igual sentido, a doutrina tem se pronunciado. Segundo Pacelli de Oliveira (2012, p. 779), nada impede que os tribunais, por analogia, adotem alguns dos novos institutos (absolvição sumária, interrogatório etc.), já que perfeitamente ade-quados “ao modelo procedimental aplicado em segunda instância”. E prossegue o eminente processualista: “Note-se que se trataria de uma espécie inteiramente sui generis de analogia, já que não existiria lacuna na Lei no 8.038/1990 sobre a maté-ria. Talvez, o mais adequado, tecnicamente, seja tratar-se de ab-rogação (revogação parcial).”

Deveras, juridicamente não faz sentido que nas instâncias superiores as possibili-dades da defesa sejam amesquinhadas em relação às que lhe são deferidas na primeira

arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.” Note-se que o texto legal refere-se a grau e não a instância. Grau é conceito ligado ao exercício da jurisdição, enquanto instância remete aos órgãos jurisdicionais, sua hierarquia e respectivas posições no organismo judiciário. Assevera Ramos Tavares (2012, p. 751): “Deve-se entender ‘grau’ no sentido de fase, de etapa.” De sorte que o primeiro grau de jurisdição constitui a primeira fase ou etapa do processo, é onde todos os fatos e provas são por primeiro apresentados ao órgão judicial e amplamente de-batidos juntamente com o direito aplicável; em geral, o primeiro grau coincide com a primeira instância. O segundo grau tem em vista a revisão do julgamento anterior, revisão essa que tem sua extensão delimitada pelo efeito devolutivo do recurso cabível; de modo geral, o segundo grau coincide com a segunda instância. Na Justiça Comum estadual, ao julgar uma demanda, o juiz a julga em primeiro grau, enquanto o tribunal a julga em segundo grau ao conhecer da apelação aviada contra a sentença. Mas quando um tribunal exerce a competência originária que a Lei Maior lhe atribuiu e julga uma lide, o faz em primeiro grau (etapa) de jurisdição, embora não se situe na primeira instância. Por isso comumente se diz ser inexistente o duplo grau de jurisdição no julgamento originário realizado pelo Supremo Tribunal Federal, pois aí o julgamento se faz em grau único, em uma só instância. Sob a ótica aqui exposta, ao empregar o termo “grau” e não “instância”, quis o citado § 4o do art. 394 do CPP que as novas disposições dos arts. 395 a 398 do mesmo có-digo incidissem igualmente nos procedimentos de competência originária regidos pela Lei no 8.038/1990.

Page 328: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Processo Eleitoral Penal 319

instância. Impõe-se, portanto, a adaptação do rito. Mas isso só deve ser feito quanto ao que for pertinente e compatível com o procedimento especial.

Considerando que a própria Lei no 8.038/1990 determina em seu art. 9o que a instrução obedeça “no que couber, ao procedimento comum do Código de Processo Penal”, a adaptação do rito se circunscreve aos institutos veiculados nos arts. 395 a 397 do CPP, já que se situam na etapa inicial do procedimento, sendo anteriores à fase instrutória.

O art. 395 do CPP prevê a rejeição liminar da denúncia ou queixa quando: “I – for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.” Ocorre que essa possibilidade já se encontra albergada no art. 6o da Lei no 8.038/1990, quando aí se prevê a hipótese de rejeição da denúncia. Se alguma novidade há, consiste no aclara-mento promovido pelo art. 395 acerca das situações em que a rejeição da denúncia se dará. Está claro, agora, que a rejeição deve se fundamentar em argumentos de ordem formal, atinentes à viabilidade da ação e da relação processual.

Não sendo caso de rejeição liminar da peça acusatória, o réu será citado para se de-fender, podendo “arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário” (CPP, art. 396-A).

Apresentada a defesa, determina o art. 397 do CPP que

“o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a exis-tência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente”.

Eis aí delineadas as hipóteses de absolvição sumária. Tais hipóteses concernem ao próprio mérito da causa. Note-se, porém, que o art. 6o da lei no 8.038/1990 também contempla a possibilidade do tribunal, apreciando a defesa prévia, julgar “improce-dente a acusação”.

No rito do CPP, a absolvição sumária se dá após o recebimento da denúncia e a citação do réu, em momento em que a relação jurídica processual já está integralizada. O juízo de absolvição sumária faz coisa julgada material, ficando preclusa a possibili-dade de posterior rediscussão dos mesmos fatos.

Já no rito especial em exame, o juízo de “improcedência da acusação” ocorre na fase pré-processual, antes do recebimento da denúncia e da realização da citação e, pois, em momento anterior à formação da relação processual. Observe-se, porém, que a improcedência da acusação é firmada em decisão judicial. E, conforme salientado anteriormente, tal decisão igualmente faz coisa julgada material. Por ser proibida a revisão pro societate, até mesmo a decisão judicial que determina o arquivamento de

Page 329: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

320 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

inquérito policial transita em julgado; isso ocorre sempre que o decisum fundar-se em matéria de mérito, tais como atipicidade do fato, extinção da punibilidade, excludente da ilicitude e da culpabilidade.37

Vê-se, pois, serem pequenas as diferenças entre os institutos da “absolvição su-mária” e da “improcedência da acusação”.

Nesse quadro, pode-se concluir que a mudança assaz relevante no procedimento especial dos crimes em que há prerrogativa de foro refere-se à mudança do momento de realização do interrogatório, que passou para o final da instrução probatória. As demais hipóteses – rejeição liminar da denúncia e absolvição sumária – já eram con-templadas no art. 6o da Lei no 8.038/1990.

37 Sobre a formação de coisa julgada material na fase pré-processual, notadamente em decisão de arqui-vamento de inquérito policial, assevera Nucci (2011a, p. 185): “Entretanto, se o arquivamento ocorrer com fundamento na atipicidade da conduta é possível gerar a coisa julgada material. A conclusão extraída pelo Ministério Público (órgão que requer o arquivamento), encampada pelo Judiciário (órgão que determina o arquivamento), de se tratar de fato atípico (irrelevante penal) deve ser considerada definitiva. Não há sentido em sustentar que, posteriormente, alguém possa conseguir novas provas a respeito de fato já de-clarado penalmente irrisório. [...]. Em nosso ponto de vista, o mesmo deveria ocorrer se o arquivamento se der por exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, afirmando o Ministério Público ao juiz que deixa de denunciar o indiciado ou investigado, tendo em vista inexistir crime. Da mesma forma que a solução acerca da atipicidade, cremos estar formada a coisa julgada material, em caso de arquivamento, sem possibilidade de continuidade das investigações.”

Page 330: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Apêndice

A reformA dos crimes e do processo penAl eleitorAis

Neste apêndice é apresentado o texto do Projeto de Lei do Senado (PLS) no 236/2012 na parte em que reformula os crimes eleitorais.

O art. 544 desse Projeto revoga expressamente: i) no Código Eleitoral: os arts. 283 a 355; ii) na Lei no 6.091/1974, o art. 11; iii) na Lei no 6.996/1982, o art. 15; iv) na Lei no 9.504/97: art. 33, § 4o, art. 34, §§ 2o e 3o, art. 39, § 5o, art. 40, art. 68, § 2o, art. 72, art. 87, § 4o, art. 90 e art. 91, parágrafo único. Quanto a essa última norma, não houve alusão aos seus arts. 35 e 58, § 8o, mas por remeterem a dispositivos que são revogados (o art. 35 remete aos arts. 33, § 4o, e 34, §§ 2o e 3o; já o art. 58, § 8o, remete ao art. 347 do CE), restam eles esvaziados.

De todos os crimes expostos no presente trabalho, só não foram revogados os previstos nos art. 25 da LC no 64/1990 e no art. 57-H, §§ 1o e 2o, da LE. Isso pode ser atribuído ao fato de que a revogação do primeiro dispositivo somente poderia ser feita por norma complementar. Já o art. 57-H, §§ 1o e 2o, foi incluído na LE pela Lei no 12.891/2013, sendo, portanto, posterior à apresentação do Projeto.

A eventual aprovação do Projeto enfocado também implicará, para o processo de todos os crimes eleitorais, a observância do procedimento comum, previsto no Códi-go de Processo Penal. Com isso, no campo processual, os crimes eleitorais deixam de ter tratamento diferenciado.

Os crimes eleitorais são previstos no título XI, compreendendo os arts. 325 a 338. Conquanto aí se contem apenas quatorze dispositivos, o art. 325 transforma em elei-torais “os crimes contra a honra, a fé pública, a Administração Pública e a administra-ção da Justiça, quando praticados em detrimento da Justiça Eleitoral, de candidatos ou do processo eleitoral”. Portanto, com essa extensão, o rol de crimes eleitorais é bem superior ao explicitado nesse capítulo.

Há hipóteses que não prestam a devida atenção ao estado da arte. É o caso do art. 330, que desconsidera a implantação da biometria para a identificação do eleitor por ocasião do exercício do sufrágio.

Se vingar, o texto do novo Código Penal acarretará mudanças significativas na seara eleitoral-criminal. Os crimes eleitorais serão retirados de seu ambiente natural, que é o microssistema eleitoral, e passarão para o diploma penal comum.

Page 331: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

322 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

Cumpre, porém, observar que essa metodologia é ultrapassada. Pertence ao sécu-lo XIX, época em que reinou o positivismo jurídico e em que despontaram as grandes codificações, as quais pretendiam regular em um só diploma normativo todas as re-lações jurídico-sociais – como se isso fosse possível. Atualmente, com a evolução da ciência jurídica, propugna-se como melhor solução a criação de microssistemas, que tenham por objeto o trato de partes específicas do Direito. Embora dotado de racio-nalidade e metodologia próprios, o microssistema é aberto e, pois, dialoga com os elementos que lhe são exteriores. É isso, afinal, o que se passa com o Direito Eleitoral e suas específicas normas penais. O fato de o Direito Eleitoral ter por objeto relações e práticas político-sociais específicas, por vezes complexas, aconselha que a matéria penal a ele pertinente permaneça no âmbito do microssistema eleitoral, onde, aliás, sempre esteve.

De qualquer sorte, o Projeto tem o mérito de propor a atualização dos tipos cri-minais eleitorais. Uma das novidades que se observa é a atribuição de nomen juris aos tipos penais.

Eis o texto PLS no 236/2012:

tÍtUlo Xi crimes eleitorAis

crimes eleitorais

Art. 325. São considerados crimes eleitorais específicos os que seguem, bem como os crimes contra a honra, a fé pública, a Administração Pública e a administração da Justiça, quando praticados em detrimento da Justiça Eleitoral, de candidatos ou do processo eleitoral.

inscrição fraudulenta de eleitor

Art. 326. Inscrever-se eleitor ou alterar o domicílio eleitoral prestando informa-ções falsas, utilizando documento falso ou empregando outra fraude:

Pena - prisão, de dois a cinco anos.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem induz ou colabora para a con-duta do eleitor.

retenção indevida de título eleitoral

Art. 327. Reter título eleitoral contra a vontade do eleitor:

Pena - prisão, de um a três anos.

Page 332: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Apêndice – A reforma dos crimes e do processo penal eleitorais 323

divulgação de fatos inverídicos

Art. 328. Divulgar, na propaganda eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado:

Pena – prisão, de dois a quatro anos.

Parágrafo único. A pena é agravada de um terço até a metade se o crime é cometi-do pela imprensa, rádio ou televisão.

inutilização de propaganda legal

Art. 329. Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente empre-gado:

Pena – prisão, de um a dois anos.

falsa identidade eleitoral

Art. 330. Votar no lugar de outrem ou utilizando documentos falsos:

Pena – prisão, de dois a cinco anos, sem prejuízo das penas referentes à falsificação.

Violação do sigilo do voto ou da urna

Art. 331. Violar o sigilo do voto ou da urna eleitoral:

Pena - prisão, de três a cinco anos.

destruição de urna eleitoral

Art. 332. Destruir, danificar, inutilizar, suprimir ou ocultar urna contendo votos:

Pena – prisão, de três a seis anos.

interferência na urna eletrônica ou sistema de dados

Art. 333. Acessar indevidamente urna eletrônica ou sistema de dados da Justiça Eleitoral, ou neles introduzir comando, instrução, programa ou dispositivo capaz de interferir, devassar, destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir in-formações, inclusive relativas a votos, instruções ou configurações:

Pena - prisão, de quatro a oito anos.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem utiliza, de qualquer maneira, os dados assim introduzidos.

falsificação de resultado

Art. 334. Falsificar o resultado da votação em urna manual ou eletrônica, bem como mapas de apuração parcial ou total, introduzindo, alterando ou suprimindo dados ou se valendo de qualquer outro expediente fraudulento:

Pena - prisão, de quatro a dez anos.

Page 333: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

324 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

corrupção eleitoral ativa

Art. 335. Dar, oferecer ou prometer dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter o voto ou para conseguir abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – prisão, de dois a cinco anos.

corrupção eleitoral passiva

Art. 336. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qual-quer outra vantagem, para dar o voto ou abster-se de votar:

Pena – prisão, de um a quatro anos.

perdão Judicial

Parágrafo único. O juiz deixará de aplicar a pena ao eleitor se ficar demonstrado que este aceitou a vantagem em razão de extrema miserabilidade.

coação eleitoral

Art. 337. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não vo-tar, em determinado candidato ou partido, ou abster-se, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena – prisão, de três a seis anos.

Uso eleitoral de recursos administrativos

Art. 338. Utilizar indevidamente local, verbas, aparelhos, instrumentos, máqui-nas, materiais, serviços ou pessoal da Administração Pública Direta ou Indireta, inclusive concessionários e permissionários de serviços públicos, com o objetivo de beneficiar partido, coligação ou candidato:

Pena – prisão, de dois a cinco anos.

Parágrafo único. A pena será aumentada de um terço até metade se o agente for detentor de mandato eletivo, exercer função de chefia ou direção em órgão público ou cargo de direção partidária.

Page 334: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

RefeRências

AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. 12. ed. at. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2.

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. rev., ampl. e at. São Paulo: Malheiros, 2002.

BARREIROS NETO, Jaime. Direito eleitoral. Salvador: Juspodivm, 2011.

BILTON, Nick. Friends, and influence, for sale. Blog do jornal The New York Times. Disponível em: <http://bits.blogs.nytimes.com/2014/04/20/friends-and-influen-ce-for-sale-online/?_php=true&_type=blogs&_php=true&_type=blogs&_php=-true&_type=blogs&_r=2>. Acesso em: 26 maio 2014.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 20. ed. rev. ampl. e at. São Paulo: Saraiva, 2014.

BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitu-cional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral – introdução, norma penal, fato punível. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. t. 1.

__________. Direito penal. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1972. t. 4, v. I.

CAMARGO GOMES, Suzana de. Crimes eleitorais. 2. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 10. ed. rev., at. e ampl. Bauru: Edipro, 2002.

__________. Direito penal eleitoral e processo penal eleitoral. São Paulo: Edipro, 2006.

CLIFT, Eleanor; SPIELER, Matthew. Selecting a president. New York: Thomas Dunne Books, 2012.

Page 335: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

326 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

CORDEIRO, Vinícius; SILVA, Anderson Claudino da. Crimes eleitorais e seu processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

DECOMAIN, Pedro Roberto; PRADE, Péricles. Comentários ao código eleitoral. São Pau-lo: Dialética, 2004.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; ALMEI-DA DELMANTO, Fábio M. de. Código penal comentado. 8. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. 3. ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 2014.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. rev. Tradução de Luiz Flávio Gomes et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1.

FURTADO COELHO, Marcus Vinicius. Direito eleitoral e processo eleitoral: direito penal eleitoral e direito político. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 9. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013.

__________. Direito eleitoral. 8. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012a.

__________. Lei de introdução às normas do direito brasileiro: LINDB. São Paulo: Atlas, 2012b.

__________. Teoria geral do direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Atlas, 2012.

GRECO, Luís. Imputação objetiva: uma introdução. In: Funcionalismo e imputação ob-jetiva no direito penal. Tradução e introdução de Luís Greco. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002. p. 1-180.

______. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 3. ed. rev. e at. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. VI.

__________. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958b. v. IX.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. 16. ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 1.

Page 336: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

Referências 327

__________. Código penal anotado. 19. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de Antônio Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

LIMA, Renato Brasileiro. Competência criminal. Salvador: Juspodivm, 2010.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. v. I.

LOUREIRO FILHO, Lair da Silva; LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Notas e registros públicos. São Paulo: Saraiva, 2004.

LUCHI DEMO, Roberto Luiz. Competência penal originária: uma perspectiva jurispru-dencial. São Paulo: Malheiros, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 2. ed. rev. e at. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. (Curso de processo civil; v. 1).

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 15. ed. at. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. 4. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 19. ed. rev. at. São Pau-lo: Atlas, 2003c. v. 1.

__________. Manual de direito penal: parte especial. 20. ed. rev. at. São Paulo: Atlas, 2003. v. 2.

__________. Manual de direito penal: parte especial. 17. ed. rev. at. São Paulo: Atlas, 2003b. v. 3.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 8. ed. rev. at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011a.

______. Manual de direito penal: parte geral, parte especial. 7. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011b.

______. Código penal comentado. 12. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2012.

PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal. 16. ed. at. São Paulo: Atlas, 2012.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. III (Contratos).

PONTE, Antônio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008.

Page 337: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

328 Crimes e Processo Penal Eleitorais • Gomes

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado: uma aproximação crítica a seus fundamentos. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2002.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 2. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 2012.

TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 1987.

__________. Instituições de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. v. II.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 12. ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 1990.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal bra-sileiro: parte geral. 9. ed. rev. e at. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Page 338: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

José Jairo Gomes doutorou-se em Di-reito na Faculdade de Direito da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foi professor adjunto. É professor no programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasilien-se de Direito Público – IDP. É Procurador Regional da República, com atuação pe-rante o TRF da 1a Região (Brasília/DF). Foi Procurador Adjunto na Procuradoria-Ge-ral Eleitoral – PGE (atuando perante o Tri-bunal Superior Eleitoral – TSE) em 2012 e 2013, e Procurador Regional Eleitoral em Minas Gerais de 2002 a 2010. Foi também Promotor de Justiça e Promo-tor Eleitoral de 1993 a 1997. Após apro-vação em concursos de provas e títulos, foi nomeado: Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3 a Região (SP) e Juiz Federal Substituto no Tribu-nal Regional Federal da 1a Região (DF/MG), respectivamente nos anos de 1996 e 1997. A convite do Ministério das Rela-ções Exteriores do Brasil, foi observador das eleições presidenciais do Congo Bel-ga (África), no ano de 2006.

Outros livros do autor publicados pela Atlas

• Direito eleitoral

• Recursos eleitorais e outros temas

• Lei de introdução às normas do direitobrasileiro – LINDB

O autor também publicou os seguintes livros: Teoria geral do direito civil; Propa-ganda político-eleitoral (esgotado); Curso de direito civil: introdução e parte geral (es-gotado); Responsabilidade civil e eticidade (esgotado); Lei de Introdução ao Código Civil em perspectiva (esgotado), além do capítulo “Apontamentos sobre a improbi-dade administrativa” (In: LEITE SAMPAIO, José Adércio et al. (Org.). Improbidade ad-ministrativa: 10 anos da Lei no 8.429/92), todos pela Editora Del Rey.

Page 339: CRIMES E PROCESSO PENAL ELEITORAIS - … · destacam-se a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos

CRIMESE PROCESSO PENAL

ELEITORAISHá muitas leis eleitorais que preveem fi guras típicas penais. Entre elas po-dem-se citar: Lei no 4.737/1965 (Código Eleitoral), Lei no 6.091/1974 (Trans-porte de Eleitores), Lei no 6.996/1982 (Processamento Eletrônico de Dados nos Serviços Eleitorais), Lei no 7.021/1982 (Escrutínio), Lei Complementar no 64/1990 (Inelegibilidades), Lei no 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Conquanto o Direito Eleitoral tenha vários tipos criminais, não conta com uma teoria própria de crime, tampouco detém regras gerais e princípios que permitam dar concretude a tais tipos. Por isso, o próprio Código Eleitoral prescreve em seu art. 287: “Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal.”

Esta obra é dedicada ao estudo dos crimes eleitorais e do processo penal eleitoral. Sua elaboração baseou-se em extensa pesquisa em textos doutri-nários e jurisprudenciais, muitos dos quais foram devidamente citados.

O texto procura dialogar com o pensamento e os valores contemporâneos, disso resultando uma visão atual dos crimes e do processo penal eleitorais. Daí sua importância não só para os que atuam na seara eleitoral, como tam-bém para os que se dedicam ao estudo dessa matéria; e, ainda, para os que se empenham por uma compreensão global do fenômeno jurídico-penal.

APLICAÇÃO

Livro-texto para as disciplinas Direito Penal Eleitoral, Direito Processual Penal Eleitoral e Direito Eleitoral. Leitura de relevante interesse para profi ssionais do Direito, professores, juízes, advogados, procuradores e advogados do Estado, membros do Ministério Público, defensores públicos, analistas e assessores jurídicos. A obra é também indicada para cursos preparatórios para ingresso em carreiras jurídicas e para candidatos de concursos públicos.