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RODRIGO LÓPEZ ZILIO 4ª edição Revista, ampliada e atualizada CRIMES ELEITORAIS DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL ELEITORAL – UMA ANÁLISE OBJETIVA CRIMES ELEITORAIS EM ESPÉCIE 2020

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RODRIGO LÓPEZ ZILIO

4ª ediçãoRevista, ampliada e atualizada

CRIMES ELEITORAISDIREITO MATERIAL E PROCESSUAL ELEITORAL – UMA ANÁLISE OBJETIVACRIMES ELEITORAIS EM ESPÉCIE

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eleitor, corrupção eleitoral, coação eleitoral) não geram a possibilida-de de responsabilidade penal do partido político.

Para a aplicação da penalidade – seja no caso de concorrência para o cometimento do delito, seja na hipótese de benefício consciente – é indispensável que o partido político seja sujeito passivo da relação processual penal, preservando-se a plenitude do princípio do contra-ditório, da ampla defesa e do devido processo legal, pois a respon-sabilização da agremiação partidária sem a efetiva participação no processo significa uma aberração impensável no Estado Democrático de Direito. Embora a norma não faça expressa referência, é lógico sustentar que a responsabilidade penal – assim como a civil e traba-lhista (art. 15-A da Lei nº 9.096/1995) – incidirá apenas na respecti-va circunscrição do diretório municipal. Marcos Ramayana (2012, p. 864) lembra que essa responsabilidade penal da pessoa jurídica “não se estende à coligação partidária, mas apenas a cada partido integrante da coligação, sob pena de exegese extensiva, vedada em matéria penal”.

A sanção a ser aplicada ao partido político é de suspensão da ativi-dade eleitoral do diretório da respectiva circunscrição, pelo prazo de 6 a 12 meses, podendo ser duplicada a pena no caso de reincidência.

16. PROCEDIMENTO PENAL ELEITORAL.

16.1. Generalidades.

Em síntese, existem dois procedimentos autônomos reconhe-cidos em matéria de direito processual penal eleitoral: no caso das pessoas que não possuam prerrogativa de foro, o procedimento a ser observado é o previsto no art. 356 e seguintes do Código Eleitoral (esse rito é aplicável seja nos casos de crime punido com reclusão, de-tenção ou, mesmo, nas infrações penais eleitorais de menor potencial ofensivo72); no caso de agentes políticos que ostentem a prerrogativa

72. Marcos Ramayana (2012, p. 919) também defende a aplicação do rito previsto no art. 356 e seguintes do Código Eleitoral para as pessoas que respondam por infrações pe-nais de menor potencial ofensivo na esfera especializada e não tenham foro privilegia-do. Contudo, parece certo que esse rito deve ser devidamente adaptado, de modo a se possibilitar (antes do início da persecução penal) a realização de audiência preliminar

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de foro, o procedimento adotado é o da Lei nº 8.038/1990 (por força do disposto na Lei nº 8.658/199373).

É certo, ainda, que a edição do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) também causa impacto no processo penal eleitoral. Neste sentido, a Res.-TSE nº 23.478/2016 estabelece diretrizes ge-rais para aplicação do novo Código de Processo Civil no âmbito da Justiça Eleitoral. A ideia, em síntese, é de aplicação das regras do Có-digo de Processo Civil em caráter supletivo e subsidiário nos feitos eleitorais, desde que haja compatibilidade sistêmica (art. 2º, parágra-fo único, da Res.-TSE nº 23.478/2016). A exata medida do impacto do novo Código de Processo Civil na esfera penal eleitoral é matéria de delicada construção jurisprudencial, fundamentalmente por força de certas particularidades dessa matéria especializada, sem embargo do pronto reconhecimento de que aludido estatuto processual cível imprime densidade a princípios constitucionais que integram um fei-xe de normas fundamentais com extensão geral e irrestrita a todos os ramos do direito processual (v.g., duração razoável do processo; veda-ção à decisão-surpresa; dever de colaboração das partes). De qualquer sorte, o STJ já tem afastado a regra de aplicação de contagem de pra-zo em dias úteis do art. 219 do Código de Processo Civil na matéria penal, sob a justificativa de que o art. 798 do Código de Processo Pe-nal determina a contagem do prazo para interposição de recurso em dias corridos (5ª Turma – Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 1568198/SP – Rel. Min. Ribeiro Dantas – j. 18.02.2020). Contudo, antes de analisar o conteúdo das normas processuais refe-ridas, cabe uma breve análise sobre a investigação penal nos crimes eleitorais, a natureza da ação penal eleitoral e, ainda, o procedimento

para o oferecimento da transação penal – nas hipóteses em que o acusado tenha direi-to a esse benefício. Nesse sentido, aliás, decidiu o TSE apontando que “uma vez verifi-cada a recusa quanto à proposta de transação, cumpre observar o rito previsto no Código Eleitoral, afastando-se o da Lei nº 9.099/1995” (Recurso Especial Eleitoral nº 29.803/RJ – Rel. Min. Marco Aurélio de Mello – j. 28.06.2012).

73. Em síntese, a Lei nº 8.038/1990 instituiu normas procedimentais para os processos apenas perante o STJ e o STF. Então, para evitar o vácuo legislativo, o art. 1º da Lei nº 8.658/1993 estatuiu que “as normas dos arts. 1º a 12, inclusive, da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, aplicam-se às ações penais de competência originária dos Tribunais de Jus-tiça dos Estados e do Distrito Federal, e dos Tribunais Regionais Federais”.

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adotado em casos de arquivamento do inquérito policial eleitoral a pedido do Ministério Público.

16.2. Polícia judiciária eleitoral.

A legislação não prevê uma regulamentação própria da atividade investigatória dos crimes eleitorais. Vale dizer, nenhuma lei eleito-ral estabelece regras específicas para o exercício dessa atividade pré--processual. Diante desse vazio normativo, são aplicáveis as regras da Constituição Federal, do Código de Processo Penal (por força do art. 364 do Código Eleitoral), além das resoluções que o TSE editar sobre a matéria. Nesse contexto, o Código de Processo Penal traz as linhas básicas e gerais da investigação sobre os crimes eleitorais, ao passo que o TSE, por resolução, regulamenta as particularidades específicas do âmbito eleitoral.

No atual desenho normativo, a atividade de investigação na fase pré-processual é atribuída tanto à autoridade policial como ao Mi-nistério Público. Com efeito, o STF74 reconheceu que “os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constitui-ção Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público” (Pleno – Recurso Extraordinário nº 593.727/MG – Rel. Min. Cezar Peluso – Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes – j. 14.05.2015). Ainda que a investigação dos crimes eleitorais seja tarefa prioritária da Polícia Federal, porque é sua atribuição “exercer, com exclusividade, as fun-ções de polícia judiciária da União”, o STF já pontuou que a cláusula do art. 144, §1º, IV, da Constituição Federal não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público e “tem por única finalidade

74. Na oportunidade, em repercussão geral, foi sumulada a seguinte tese: “O Ministério Pú-blico dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sem-pre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da pos-sibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.

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conferir à polícia federal, dentre os diversos organismos policiais que com-põem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia ro-doviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais” (2ª Turma – Habeas Corpus nº 89.837/DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 20.10.2009).

Porque afetam primordialmente o interesse da União, é atribui-ção da Polícia Federal a investigação dos crimes eleitorais (art. 144, § 1°, inciso IV, da CF). No entanto, dada a inexistência de sede da Po-lícia Federal em diversas localidades, a apuração dos crimes eleitorais em todos os municípios existentes seria faticamente impossível, com enorme prejuízo à atividade persecutória estatal. Em face dessa cir-cunstância, admite-se que a investigação seja conduzida pela Polícia Civil dos Estados nos locais onde não houver sede da Polícia Fede-ral. Nesta hipótese, não há que se cogitar em nulidade ou prejuízo ao exercício de defesa porque o inquérito policial tem natureza mera-mente inquisitória e eventual irregularidade não contamina a ação penal subsequente. Atualmente, aliás, a questão já está pacificada no âmbito da Justiça Eleitoral.

A Res.-TSE nº 23.396/2013 dispõe sobre crimes eleitorais, tra-zendo regras relativas à polícia judiciária eleitoral, à notícia crime eleitoral e ao inquérito policial eleitoral. A atuação prioritária da Polícia Federal resta assegurada, sem prejuízo da supletividade da intervenção da Polícia Civil do respectivo Estado. Neste sentido, estabelece o art. 2º da Res.-TSE 23.396/2013 que “a Polícia Federal exercerá, com prioridade sobre as atribuições regulares, a função de polícia judiciária em matéria eleitoral, limitada às instruções e requisições dos Tribunais e Juízes Eleitorais”, sendo que “quando no local da infração não existirem órgãos da Polícia Federal, a Polícia do respectivo Estado terá atuação supletiva” (art. 2º, parágrafo único). Observa-se que a parte final do caput do art. 2º refere que a atividade investigatória da Po-lícia Federal estará “limitada às instruções e requisições dos Tribunais e Juízes Eleitorais”, o que pode induzir a uma interpretação que afaste o poder de requisição investigatória do Ministério Público em relação à autoridade policial. Contudo, essa exegese padece de notória incons-titucionalidade, eis que contrária a norma inscrita no art. 129, inciso

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VIII, da CF75 que assegura “a requisição de diligências investigatórias” como função institucional do Ministério Público. Ademais, a previsão de poder requisitório de investigação aos Tribunais e Juízes Eleitorais é medida que vulnera o próprio sistema acusatório moldado no texto constitucional, dada a indispensável e necessária separação entre as funções de julgar e investigar. Considerando que todos os crimes elei-torais são de ação pública (art. 355 do CE), as formas de instauração do inquérito policial eleitoral são as previstas no art. 5º do Código de Processo Penal: de ofício; mediante requisição da autoridade judici-ária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Contudo, o TSE tem apre-sentado uma visão bastante particular sobre essa matéria ao vedar a instauração de ofício do inquérito policial eleitoral pela autoridade policial. Assim, “quando tiver conhecimento da prática de infração pe-nal eleitoral, a autoridade policial deverá informar imediatamente o Juiz Eleitoral competente, a quem poderá requerer as medidas que entender cabíveis, observadas as regras relativas a foro por prerrogativa de função” (art. 5º, caput, da Res.-TSE nº 23.396/2013). Esse dispositivo, porém, incorre em duas graves inconsistências: veda a instauração de ofício de inquérito policial eleitoral pela autoridade policial; por consequência, condiciona a adoção de medidas acautelatórias pela autoridade po-licial a uma autorização prévia do juízo eleitoral. Entretanto, forço-so reconhecer que a vedação à autoridade policial instaurar de ofício inquérito policial eleitoral é manifestamente ilegal, já que contraria o disposto no art. 5º, inciso I, do Código de Processo Penal – cuja aplicação subsidiária em matéria eleitoral é invocada pelo art. 364 do Código Eleitoral. De outra parte, sequer a regra do art. 356 do Código Eleitoral (que determina ao cidadão que tiver conhecimento de crime eleitoral deve comunicar o fato ao juiz eleitoral) corrobora a tese vertida pelo TSE, porquanto, aqui, há apenas uma regulamenta-ção – indevida (à luz do sistema acusatório) – do encaminhamento de uma notícia crime eleitoral, o que não pode servir de argumento para

75. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] VIII. requisitar diligências in-vestigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; [...].

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obstar a regular atividade de investigação da autoridade policial em relação a um crime de ação penal pública.

De modo mais incisivo, ainda, o TSE tem elencado as hipóteses de instauração do inquérito policial eleitoral. Corriqueiramente, as reso-luções do TSE estabeleciam apenas três hipóteses de instauração do inquérito policial eleitoral: mediante requisição do Ministério Público Eleitoral; por determinação da Justiça Eleitoral; na hipótese de pri-são em flagrante. No entanto, o art. 8º da Res.-TSE nº 23.396/2013, em sua redação original, estatuiu que “o inquérito policial eleitoral so-mente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, sal-vo a hipótese de prisão em flagrante”. Assim, essa Resolução afastou a possibilidade de o Ministério Público requisitar a instauração de inquérito policial eleitoral, sob o fundamento de que poder de polícia é privativo do Juiz Eleitoral. Essa argumentação, contudo (para além de afrontar substancialmente o sistema acusatório), é esquálida, ain-da mais quando pretende suprimir o poder requisitório do Ministério Público – que tem status constitucional e é vinculado à atividade de persecução criminal – pelo poder de polícia do Juiz Eleitoral – com status de lei ordinária e direcionado ao poder regulamentar do pro-cesso eleitoral, com vinculação mais expressiva (embora não exclusi-va) junto à propaganda eleitoral. Essa inconstitucionalidade torna-se ainda mais evidente quando a própria Constituição da República re-puta função institucional do Ministério Público a requisição de in-quérito policial (art. 129, VIII, da CF), causando espécie que um ato meramente regulamentar – in casu, uma resolução do TSE – tenha a pretensão de superar um imperativo constitucional. Ademais, é ele-mentar que o texto da resolução representa mais um forte incentivo para a perpetuação da impunidade e a prevalência dos desmandos e abusos na esfera especializada. Exatamente nesse sentido enten-deu o STF que, por ampla maioria (nove votos a dois), suspendeu cautelarmente a eficácia do art. 8º da Res.-TSE nº 23.396/2013 do TSE, já que referido dispositivo apresenta vício de constitucionalida-de formal – com criação de norma processual sem a observância do princípio da legalidade – e vício de constitucional material – ao impor indevida restrição às funções constitucionais do Ministério Público (ADI-MC nº 5104/DF – Rel. Min. Roberto Barroso – j. 21.05.2014).

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Após essa decisão, o art. 8º da Res.-TSE nº 23.396/2013 recebeu nova redação através da Res.-TSE nº 23.424/201476). O prazo de conclusão do inquérito policial eleitoral, em caso de réu preso, é de 10 dias, a contar da execução da ordem de prisão (art. 9º, caput, da Res.-TSE nº 23.396/2013); se o indiciado estiver solto, o prazo de conclusão do inquérito policial será concluído em 30 dias (art. 9º, § 1º, da Res.-TSE nº 23.396/2013). “Quando o fato for de difícil elucidação e o indiciado estiver solto”, a autoridade policial poderá requerer ao Juiz Eleitoral a devolução dos autos para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo Juiz Eleitoral (art. 9º, § 4º, da Res.-TSE nº 23.396/2013).

O Ministério Público Eleitoral poderá requerer novas diligências, desde que necessárias à elucidação dos fatos (art. 10 da Res.-TSE nº 23.396/2013). Se considerar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou outros elementos de convicção, o Ministério Público Eleitoral deverá requisitá-los diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários que possam fornecê-los, res-salvadas as informações submetidas à reserva constitucional (art. 10, parágrafo único, da Res.-TSE nº 23.396/2013). Nesse sentido, aliás, o TSE decidiu que a tramitação direta de inquérito policial entre o Ministério Público e a autoridade policial “não é incompatível com a exigência de supervisão dos Tribunais Regionais nos inquéritos que envol-vam investigado com foro por prerrogativa de função. Isso porque o inqué-rito é registrado no Tribunal e a tramitação direta ocorre apenas em rela-ção às diligências que não estão sujeitas à reserva de jurisdição” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 26344/SP – Rel. Min. Luís Roberto Barroso – j. 28.06.2018). Quando o inquérito for arqui-vado por falta de base para o oferecimento da denúncia, a autoridade policial poderá proceder a nova investigação se de outras provas tiver notícia, desde que haja nova requisição, nos termos dos arts. 5º e 6º desta resolução (Art. 11 da Res.-TSE nº 23.396/2013). De outra par-te, anota-se que é permitido ao Ministério Público Eleitoral conduzir diretamente as investigações de crimes eleitorais, instaurando o res-pectivo Procedimento Investigatório Criminal. A Portaria PGR-PGE

76. Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requisição do Ministério Público Eleitoral ou determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante. (Redação dada pela Resolução nº 23.424/2014)

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nº 01/2019 regulamenta a instauração e instrução do Procedimento Investigatório Criminal em matéria eleitoral, destacando a sua “natu-reza administrativa, facultativa, e inquisitorial” e sua finalidade de “apu-rar a ocorrência de infrações penais eleitorais, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal” (art. 66). A normativa disciplina ainda a necessidade de por-taria fundamentada para a instauração de expediente dessa natureza (art. 68), a possibilidade de condução da investigação pelo Ministério Público Eleitoral “com o apoio da Polícia Judiciária Eleitoral” (art. 69), estabelecendo um prazo de 60 dias para a sua conclusão “permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, por decisão fundamentada do membro do Ministério Público Eleitoral responsável pela sua condução à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências” (art. 70), além de indicar as regras para a hipótese de arquivamento (art. 72) e para a instrução do procedimento (art. 74-75).

Tendo em vista o caráter inquisitorial do inquérito policial e do procedimento de investigação criminal, o TSE estabeleceu os limi-tes de acesso da defesa ao conteúdo desses procedimentos da fase de investigação pré-processual e definiu que o advogado de pessoa investigada por crime eleitoral não tem direito líquido e certo de acompanhar o depoimento de testemunhas que prestam esclareci-mentos nessa fase inquisitiva (Agravo Regimental em Recurso em Mandado de Segurança nº 060007522/SC – Rel. Min. Luís Rober-to Barroso – j. 30.10.2018). Vale dizer, o defensor tem o direito de acesso aos elementos de prova já documentados nos autos que digam respeito ao exercício do direito de defesa (Súmula Vinculante nº 14 do STF) e, mesmo com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 13.245/2016, não há uma irrestrita participação do advogado em procedimentos investigativos, na medida em que o § 11 do art. 7º do Estatuto dos Advogados autoriza a restrição ao acesso a diligências ainda em andamento e não documentadas. Em linhas resumidas, o contraditório pleno somente é exercitado quando desencadeada a persecução penal e com o processo penal em curso.

16.3. Ação penal eleitoral.

A apuração de todos os crimes eleitorais será procedida através de ação penal pública. O art. 355 do Código Eleitoral prevê que “as

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infrações penais definidas neste Código são de ação pública”. Embora a referência às infrações “definidas neste Código”, certo que todos os crimes eleitorais, independentemente de sua localização, serão de ação pública incondicionada. Logo, mesmo nos crimes contra a hon-ra eleitoral, não existe a possibilidade de ação penal condicionada à representação do ofendido, criando-se, portanto, um sistema diverso do previsto no Código Penal. Por consequência, não existe a possibi-lidade de retratação nos crimes contra a honra eleitoral, já que todos são de ação pública incondicionada.

Todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal deverá co-municá-la ao Juiz Eleitoral da Zona onde a mesma se verificou. Quan-do a comunicação for verbal, a autoridade judicial mandará reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e duas testemunhas, remetendo ao Ministério Público, o qual, se julgar necessário maiores esclarecimen-tos, pode requisitá-los diretamente de quaisquer autoridades ou fun-cionários que possam fornecê-los. Essa é a regra do art. 356 do Código Eleitoral, que estabelece um procedimento para o encaminhamento das notícias-crimes eleitorais. Diante da adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal, é com ressalva que se observa essa regra que coloca o juiz como o destinatário da notícia crime eleitoral.

Entende-se possível a investigação penal eleitoral ainda que a partir de denúncia anônima (sem a identificação do requerente). Com efeito, considerando que a denúncia anônima é apenas o instrumen-to pelo qual se inicia o ato investigatório, certo que inexiste qualquer ilegalidade nesse procedimento, desde que as medidas de apuração posteriores sejam realizadas em observância com os ritos processu-ais e materiais previstos na legislação. Logo, admite-se o início da atividade investigatória a partir da denúncia anônima, sendo que a partir dessa delação devem ser encampadas todas as diligências le-gais para colher os necessários elementos de prova acerca da autoria e materialidade do fato imputado. Nesta quadra, aliás, o próprio STF já tem assentado que “nada impede a deflagração da persecução penal pela chamada ‘denúncia anônima’, desde que esta esteja seguida de diligências para averiguar os fatos nela noticiados” (2ª Turma – Habeas Corpus nº 105.484/MT – Rel. Min. Carmem Lúcia – j. 12.03.2013). Destaca-se que a jurisprudência do TSE segue na mesma linha, assinalando que

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“é possível a instauração de inquérito policial por requisição do Ministério Público com fundamento em delação anônima apresentada ao Parquet, sobretudo quando ela traz narrativa detalhada que lhe confere verossimi-lhança” (Recurso em Habeas Corpus nº 103379/AL – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 02.05.2012). Em caso de inércia do Ministério Público Eleitoral, é admitida a ação penal privada subsidiária (art. 5º, inciso LIX, da CF). Por se tratar de previsão de cunho constitucional, não há como afastar a possibilidade de ação penal subsidiária da pública. Contudo, somente admite-se a ação privada em caso de desinteresse ou desídia do titular da ação penal, o que não se caracteriza quando houver diligências em andamento no expediente investigatório ou, ainda, pedido de arquivamento do feito. Daí que o mero decurso de prazo para o oferecimento da denúncia, por si só, não é causa suficien-te para se admitir a ação penal privada subsidiária da pública. O TSE já assentou a ação penal privada subsidiária constitui cláusula pétrea e é aplicável “nas ações em que se apuram crimes eleitorais”, ressalvan-do que “a queixa-crime em ação penal privada subsidiária somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecido denúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal”, sendo “incabível a ação supletiva na hipótese em que o representante do Ministério Público postulou providência ao juiz, razão pela qual não se pode concluir pela sua inércia” (Recurso Especial Eleitoral nº 21.295/SP – Rel. Min. Fernando Neves – j. 14.08.2003). Certo, porém, que o cabimento da ação penal subsidiária da pública, em determinado crimes eleitorais, encontra dificuldade prática, eis que, adverte Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2012, p. 161), como regra, “o ofendido é a própria sociedade, por se tratarem de crimes vagos, protetores da lisura e legitimidade do pleito”.

16.3.1. O arquivamento do inquérito policial eleitoral.

Em caso de discordância do Juiz Eleitoral sobre o pedido de ar-quivamento do inquérito policial efetuado pelo Ministério Público, a previsão do § 1º do art. 357 do Código Eleitoral é de remessa dos autos ao Procurador Regional Eleitoral, o qual oferecerá denúncia, designará outro Promotor para oferecê-la ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então o Juiz estará obrigado a atender.

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Portanto, vislumbra-se uma previsão legislativa similar ao contido no art. 28 do Código de Processo Penal em sua redação originária, apenas com mudança do órgão ministerial que receberá o inquérito policial para reanálise (enquanto o Código de Processo Penal esta-belece a remessa ao Procurador Geral de Justiça, o Código Eleitoral prevê a remessa ao Procurador Regional Eleitoral). O TSE77 sempre prestigiou o posicionamento colacionado.

Contudo, em face à vigência do art. 62, inciso IV, da Lei Comple-mentar nº 75/199378, houve um entendimento de derrogação do § 1º do art. 357 do Código Eleitoral. Com efeito, conforme o enunciado nº 29 das Câmaras de Coordenação do Ministério Público Federal: “Compete à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal manifestar-se nas hipóteses em que o Juiz Eleitoral considerar improcedentes as razões invocadas pelo Promotor Eleitoral ao requerer o arquivamento de inquérito policial ou de peças de informação, derrogado o art. 357, § 1º do Código Eleitoral pelo art. 62, inciso IV da Lei Comple-mentar nº 75/93”. O TSE79 endossou o entendimento de que a atri-

77. INQUÉRITO POLICIAL: ARQUIVAMENTO E DESARQUIVAMENTO: CPP, ART. 28; CE, ART. 357: SUMULA 524/STF: INTELIGENCIA. 1. QUANDO O PROMOTOR, AO INVÉS DE INCLUÍ-LA NA DENUNCIA OFERECIDA CONTRA OUTROS, ARROLA COMO TESTEMUNHA UMA DAS PERSO-NAGENS CENTRAIS DO EPISODIO INCRIMINADO, TEM-SE, PARA OS FINS DOS ARTS. 28 CPP E 357 CE O CHAMADO PEDIDO IMPLÍCITO DE ARQUIVAMENTO, DISSENTINDO DO QUAL O JUIZ HA DE REMETER O CASO, IMEDIATAMENTE, AO PROCURADOR-GERAL OU AO PRO-CURADOR REGIONAL ELEITORAL, RESPECTIVAMENTE: NÃO LHE INCUMBE DETERMINAR DILIGENCIAS COMPLEMENTARES, NEM ORDENAR QUE, A VISTA DELAS, OUTRO ÓRGÃO DE PRIMEIRO GRAU DO MINISTÉRIO PUBLICO REEXAMINE A SITUAÇÃO DO EXCLUÍDO (...). 3. NA SITUAÇÃO CRIADA, A SOLUÇÃO E DECLARAR NULOS O OFERECIMENTO E O RECEBIMENTO DA SEGUNDA DENUNCIA PARA SUBMETER AO ÓRGÃO COMPETENTE DO MP, NO CASO, O PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL, O PEDIDO IMPLÍCITO DE ARQUIVAMENTO CONTIDO NA PRIMEIRA, COM A QUAL NÃO CONCORDOU O JUIZ: DEFERIMENTO PARCIAL DO HABEAS CORPUS PARA ESSE FIM. (Recurso em Habeas Corpus nº 168/RJ – Rel. designado Min. Se-púlveda Pertence – j. 15.08.1991). No mesmo sentido: TSE – Recurso em Habeas Corpus nº 145/RS – Rel. Min. Luiz Octávio Gallotti – j. 03.08.1989.

78. Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão: [...]IV. manifestar-se sobre o arqui-vamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral.

79. 1. RECURSO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS NO TRE. INQUÉRITO POLICIAL. DECI-SÃO. INSUFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. FASE INQUISITORIAL. (...) 3. PROCURADOR-GERAL ELEITORAL. PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL. RELAÇÃO DE SU-BORDINAÇÃO DESTE ÀQUELE. O Procurador Regional Eleitoral não age por delegação do Procurador-Geral Eleitoral, mas a ele é subordinado. 4. INQUÉRITO POLICIAL. PROCURADOR

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buição para se manifestar sobre o arquivamento de inquérito policial, em caso de discordância do órgão judicial, é da Câmara de Coordena-ção e Revisão do Ministério Público Federal. Em seu voto, o Minis-tro Relator Cezar Peluso faz a seguinte distinção: quando o pedido de arquivamento é feito pelo Procurador Regional Eleitoral e o TRE não concorda, é caso de remessa dos autos para as Câmaras de Co-ordenação e Revisão do Ministério Público Federal; porém, quando o pedido de arquivamento é feito pelo Procurador-Geral Eleitoral ou por Subprocurador-Geral Eleitoral (que atua por delegação do PGE), é obrigatório o acolhimento da manifestação ministerial pelo Poder Judiciário. Em sentido contrário, Eugênio Pacelli (2013, p. 823) pre-coniza que cabe ao Procurador Regional Eleitoral “emitir juízo de valor acerca do pedido de arquivamento de inquérito ou peças de informação, quando da discordância manifestada pelo Juiz Eleitoral” e, no caso das ações penais originárias, “eventual requerimento de arquivamento feito pelo Procurador Regional Eleitoral não se submeterá também à Câmara de Coordenação e Revisão, mas, sim, ao Procurador-Geral Eleitoral, quan-do recusado (o pedido de arquivamento) pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral”, fundamentalmente porque “não há, enfim, previsão de atu-ação das Câmaras de Coordenação e Revisão como órgão do Ministério Público Eleitoral”.

Nada obstante a aludida divergência doutrinária, o fato é que a discussão jurídica que se formou é se o arquivamento do inquérito policial eleitoral – ou peça similar – deve ocorrer perante o Poder Ju-diciário (como previa o CPP em sua redação originária) ou perante o próprio Ministério Público (como prevê a LC nº 75/1993). Essa divergência, aliás, ganhou corpo inclusive na Portaria PGR-PGE nº 01/2019, cujo art. 72, §2º, prevê que “os autos do procedimento investi-gatório criminal arquivados serão remetidos para homologação, no prazo de 05 (cinco) dias: I – ao Juízo Criminal competente ou, alternativamen-te, à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal,

REGIONAL ELEITORAL. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO. REJEIÇÃO PELO TRE. SUBMISSÃO DO CASO ÀS CÂMARAS DE COORDENAÇÃO E REVISÃO. COMPETÊNCIA. LC Nº 75/93, ART. 62, § 4º. HABEAS-CORPUS DENEGADO. Nos termos do § 4º do art. 62 da LC nº 75/93, compete às Câmaras de Coordenação e Revisão manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, objeto de pedido do Procurador Regional Eleitoral e rejeitado pelo TRE. (Recurso Especial Eleitoral nº 25.030 – Rel. Min. Cezar Peluso – j. 10.04.2007).

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nos casos de arquivamento promovido na Procuradoria Regional Eleitoral; II – ao Juízo Criminal competente (Código Eleitoral, art. 357, §1º) ou, alternativamente, à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (LC n. 73/93, art. 62, IV, c/c Enunciado n. 29 da 2ª CCR) nos casos de arquiva-mento promovido por Promotor Eleitoral”. De certo modo, esse debate foi superado com a Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime) que conferiu nova redação ao art. 28 do Código de Processo Penal. Conforme esse dispositivo, no caso de arquivamento, o Ministério Público deverá co-municar a vítima, o investigado e a autoridade policial e, na sequência, encaminhar os autos “para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei” (art. 28, caput, do CPP), ressalvando a possibilidade de submissão da matéria “à revisão da instância compe-tente do órgão ministerial” em caso de discordância da vítima ou seu representante legal acerca do arquivamento (art. 28, §1º, do CPP). Ainda que a referência genérica sobre a “instância de revisão ministe-rial” seja motivo de debate no que pertine aos crimes de competência da justiça estadual – considerando a discussão sobre a indispensabili-dade de (des)vinculação desse órgão interno com o Procurador-Geral de Justiça -, essa nova sistemática de arquivamento não deve cau-sar maior polêmica em relação aos crimes eleitorais tendo em vista a consolidada atribuição das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal na forma prevista pela LC nº 75/1993. De qualquer sorte, anota-se que o art. 28 do CPP, em sua nova redação, teve a sua eficácia suspensa pelo STF, fundamentalmente porque a sua implementação imediata desconsidera “a dimensão superlativa dos impactos sistêmicos e financeiros que a nova regra de arquivamento do inquérito policial ensejará ao funcionamento dos órgãos ministeriais”, seja pelas “dificuldades operacionais relativas aos recursos materiais e humanos que precisarão ser deslocados para a implementação da medida” (ADI-MC nº 6.299/DF – Rel. Min. Luiz Fux – j. 22.01.2020).

16.4. Procedimento para os crimes apurados perante o Juiz Eleitoral.

O procedimento de apuração de crime eleitoral para as pessoas que não tem prerrogativa de função – e, portanto, respondem pe-rante o Juiz Eleitoral – é regulamentado pelo Código Eleitoral (arts.

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355-364). Da forma em que originariamente concebido, o procedi-mento dos crimes eleitorais guardava forte semelhança com o rito ordinário do Código de Processo Penal, apenas com a distinção de não prever o interrogatório do acusado (que surgiu apenas com a Lei nº 10.732/2003). Desse modo, o procedimento dos crimes eleitorais apurados perante o Juiz Eleitoral, observado apenas o que dispõe a legislação eleitoral, é: oferecimento da denúncia; recebimento, com citação do acusado para interrogatório e apresentação de defesa; au-diência de instrução, com oitiva de testemunhas; alegações das par-tes; sentença (recurso).

Contudo, com a edição da Lei nº 11.719/2008, toda a concep-ção do processo penal resultou sensivelmente modificada, circuns-tância que teve uma repercussão bastante significativa também na seara especializada. Nesse contexto, cumpre analisar as modificações trazidas pela Lei nº 11.719/2008 e qual o seu impacto no procedi-mento penal eleitoral. Em suma, a nova lei estabelece expressamente o procedimento comum (ordinário, sumário e sumaríssimo) e o es-pecial (art. 394, caput e § 1º, do CPP). O art. 394, § 2º, do Código de Processo Penal prevê, ainda, a aplicação do procedimento comum a todos os processos, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. De outro lado, o § 4º do art. 394 do Código de Processo Penal estabelece que “as disposições80 dos arts. 395 a 398 deste Código, aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código”. Por fim, o § 5º do art. 394 do Código de Processo Penal estatui a aplicação subsidiária do procedimento ordi-nário aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo.

Parece certo, por força da dicção do § 4º do art. 394 do Código de Processo Penal, que as disposições previstas nos arts. 395 a 398 tam-bém são aplicáveis ao procedimento de apuração dos crimes eleito-rais. Nesse sentido, Eugênio Pacelli (2013, p. 823)reforça que o cum-primento das etapas do art. 395 ao art. 397 do Código de Processo

80. As disposições dos arts. 395 a 398 do CPP, em síntese, estabelecem: a) uma resposta prévia à acusação (cujo conteúdo estende-se tanto à forma como à análise do mérito – arts. 396 e 396-A); b) novas hipóteses de rejeição da inicial acusatória (art. 395); c) possibilidade de absolvição sumária (art. 397).

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Penal “é uma regra que deverá ser observada em todo81 procedimento da primeira instância, seja comum ou especial”. Logo, se não for caso de rejeição da inicial (art. 395 do CPP), ocorre o seu recebimento, com citação do acusado para oferecer resposta à acusação (art. 396 e 396-A do CPP82), e, após, se verifica ser hipótese de absolvição sumária (art. 397 do CPP83). Não sendo caso de absolvição sumária, o impulso processual determina o prosseguimento do feito, com a instrução (oi-tiva de testemunhas e interrogatório do acusado; art. 400 do CPP), seguindo-se as alegações e a sentença.

De modo paulatino, a jurisprudência acolheu o entendimento de que o interrogatório é meio de defesa e, pois, coaduna-se com o prin-cípio da mais ampla defesa permitir que o acusado somente seja in-terrogado após conhecer todas as provas que pesam em seu desfavor. Inicialmente, o STF84 determinou a aplicação do disposto no art. 400 do Código de Processo Penal – deslocando-se o interrogatório para

81. Na verdade, observa o próprio Eugênio Pacelli (2013, p. 681), a aplicação dos arts. 395 a 397 do CPP ocorrerá em todos os processos de primeira instância “ressalvado, é claro, mesmo sem referência expressa na lei, o rito nos Juizados e no Tribunal do Júri, com regra-mento próprio”.

82. Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acu-sado ou do defensor constituído.

Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arro-lar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. § 1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. § 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.

83. Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I. a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II. a existência manifesta de causa excludente da cul-pabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III. que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV. extinta a punibilidade do agente.

84. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I. O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal.

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o final da instrução – no procedimento especial por prerrogativa de foro (Lei nº 8.038/1990). Assim, malgrado o § 4º do art. 394 do Códi-go de Processo Penal não incluir expressamente o art. 400 do mesmo diploma entre as normas aplicáveis aos procedimentos especiais, o entendimento prevalente desloca o interrogatório do acusado como último ato instrutório no procedimento penal brasileiro.

Após uma sinalização do STF sobre a prevalência da ampla defesa e do contraditório e da necessidade de aplicação nos procedimentos eleitorais das regras mais favoráveis ao acusado, anotando a relevân-cia do ato de interrogatório como meio de defesa e esclarecendo que a nova sistemática determina a sua realização como último ato da ins-trução probatória (Medida Cautelar em Habeas Corpus nº 107.795/SP – Rel. Min. Celso de Mello – j. 28.10.2011), o TSE – após certa resistência inicial (Habeas Corpus nº 652/BA – Rel. Min. Arnaldo Versiani – j. 22.10.2009) – passou a acolher essa orientação do STF. Nesse sentido, pois, o art. 13 da Res.-TSE nº 23.396/2013 disciplina que “a ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Códi-go Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008. Após esta fase, aplicar-se-ão os artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral”. Na sequência, o TSE esclareceu que a Lei nº 11.719/2008 “não só conduziu o interrogatório do acusado ao último ato da instrução processual, como também inseriu no ordenamento jurídico do rito comum a figura da resposta preliminar à acusação, a qual pode ensejar uma ab-solvição sumária do acusado, sendo inegável que o procedimento por ela disciplinado é mais benéfico à defesa do que aquele elencado no vetusto Código Eleitoral”, ressaltando a “possibilidade de aplicação de regras pro-cessuais de caráter geral, introduzidas pela Lei nº 11.719/08 ao Código de Processo Penal (arts. 396 e 396-A) em detrimento de regra especial insculpida no Código Eleitoral (art. 359)” (Habeas Corpus nº 84946/PR

II. Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse as-pecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou.

III. Interpretação sistemática e teleológica do direito. IV - Agravo regimental a que se nega provimento. (Pleno – Agravo Regimental na Ação Penal nº 528/DF – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – j. 24.03.2011).

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– Rel. Min. Henrique Neves – Relator designado Min. Dias Toffoli – j. 16.05.2013) e repisou a aplicação do art. 400 do CPP na redação dada pela Lei nº 11.719/2008 aos crimes eleitorais “por ser norma mais be-néfica ao acusado” (Recurso Especial Eleitoral nº 1-30/SP – Rel. Min. João Otávio de Noronha – Rel. designada Min. Maria Thereza de As-sis Moura – j. 08.09.2015).

Neste espeque, em síntese, o procedimento dos crimes eleitorais apurados perante o Juiz Eleitoral, observado o que dispõe o Códi-go Eleitoral com as modificações previstas pela Lei nº 11.719/2008, passa a ser: oferecimento da denúncia; não sendo caso de rejeição, recebimento85 da inicial, com citação do acusado (para resposta à acu-sação); não sendo caso de absolvição sumária, realização de audiência de instrução, com oitiva de testemunhas e, após, o interrogatório do acusado; alegações das partes; sentença (recurso). Portanto, o atual procedimento dos crimes eleitorais – tenha ou não o acusado a prer-rogativa de foro – passa a ter o interrogatório como o último ato a ser realizado na instrução, concluindo-se que a Lei nº 11.719/2008 procedeu a uma profunda modificação no rito processual previsto no Código Eleitoral, que, em suma, passou a ter semelhança praticamen-te integral com o procedimento comum previsto no Código de Pro-cesso Penal (ressalvados apenas os prazos dos atos processuais). E é exatamente observando esse iter procedimental que, a seguir, serão analisados os atos mais importantes do rito de apuração dos crimes eleitorais para as pessoas que não tenham prerrogativa de foro.

16.4.1. Da denúncia.

Conforme estabelece o art. 357, caput, do Código Eleitoral, “veri-ficada a infração penal, o Ministério Público oferecerá denúncia dentro do prazo de 10 dias”. O prazo para denúncia, fixado em lei, é unificado86

85. O recebimento da denúncia ocorre na forma prevista pelo art. 396 do CPP, sendo a redação trazida pelo art. 399 (aliás, inaplicável ao processo penal eleitoral), apenas, re-força que já houve o respectivo recebimento da inicial e nada mais.

86. Grande parcela da doutrina defende a aplicação de prazo unificado para a denúncia do procedimento penal eleitoral perante os juízes eleitorais (independentemente da situação pessoal do réu – preso ou solto). Neste sentido, Marcos Ramayana (2012, p. 908), Joel Cândido (2006, p. 691) e Sebastião Oscar Feltrin (2002, p. 1726). Existe, porém,

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em 10 dias, independentemente da situação do réu (se preso ou sol-to). Trata-se, portanto, de exceção à regra do prazo de oferecimento de denúncia previsto no Código de Processo Penal, que estabelece prazos diversos de desencadeamento da ação penal em relação aos acusados com prisão cautelar em seu desfavor e aos acusados em li-berdade (a regra, como cediço, é o prazo de denúncia de réu preso ser fixado na metade do prazo de denúncia de réu solto). Nesse ponto, mesmo que se reconheça a necessidade de uma celeridade maior em relação ao réu custodiado, não se verifica a existência de lacuna le-gislativa para amparar o recurso à aplicação subsidiária da regra do Código de Processo Penal. De qualquer sorte, o oferecimento de de-núncia fora do prazo fixado em lei – malgrado possa eventualmente justificar a soltura do réu recolhido cautelarmente – não tem qual-quer efeito obstativo ao desenvolvimento da relação jurídica proces-sual. De acordo com o TSE,“o decurso de prazo do art. 357 do Código Eleitoral sem oferecimento de denúncia não extingue a punibilidade, na medida em que se trata de prazo de natureza administrativa” (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 4692/RS – Rel. Min. Fer-nando Neves – j. 22.06.2004).

A denúncia deverá conter os requisitos de forma e conteúdo pre-vistos em lei (art. 357, § 2º, CE; art. 41 do CPP). Desse modo, a inicial acusatória conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando neces-sário, o rol das testemunhas. A correta descrição de todas as circuns-tâncias do fato típico, aliás, é fundamental para o exercício do direito de ampla defesa do acusado, já que somente tendo ciência do teor da acusação que lhe é imputada é que o demandado pode apresen-tar, de modo adequado, suas razões defensivas. Vale dizer, o acusado deve saber os motivos fáticos e jurídicos que levaram o órgão estatal a desencadear uma persecução penal em seu desfavor, na medida em que os fatos descritos na peça acusatória devem possibilitar que o acusado exerça o seu direito de defesa. No entanto, se a denúncia

entendimento em sentido diverso, defendendo que a denúncia pro crime eleitoral, no caso de réu preso, deve ser oferecida em prazo mais curto (José Jairo Gomes: 2015 p. 288).

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descreve o fato delituoso e as suas circunstâncias com a correspon-dente tipificação, viabilizando o contraditório, não há como recusar o prosseguimento da ação penal sob a alegação de falta de justa causa. Com efeito, “a denúncia deve indicar indícios de autoria e materialidade, não sendo necessária a apresentação de prova robusta acerca da prática do delito” (Recurso em Habeas Corpus nº 060005355/BA – Rel. Min. Admar Gonzaga – j. 09.10.2018).

Havendo denúncia em relação a mais de um acusado, se todos concorrem para o mesmo crime, não é necessária a descrição, por-menorizada, da conduta de cada qual, bastando, apenas, a narrativa de fato (certo e determinado) contra os acusados. O TSE, neste sen-tido, denegou ordem de habeas corpus, objetivando trancamento de ação penal, pois “no caso de crime praticado mediante concurso de agen-tes, afigura-se dispensável que a denúncia descreva de forma minuciosa e individualizada a conduta de cada acusado, bastando, para tanto, que a exordial narre o fato principal e as qualificadoras de forma a possibili-tar o exercício da ampla defesa” (Acórdão/STJ nº 24.183/SP).” (Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 671/PI – Rel. Min. Marcelo Ribeiro – j. 18.02.2010). De outra parte, se se tratar de acusação contra vá-rios réus por crimes diversos, é ônus da acusação declinar qual o tipo penal que recai sobre cada um dos acusados, sem o que estará preju-dicado o direito de defesa. Em síntese, como bem observa Eugênio Pacelli (2013, p. 167-169), é a distinção entre acusação geral – que é permitida e resolvida em matéria de fundo (ou seja, no mérito, com uma sentença condenatória ou absolutória) – e acusação genérica – que é vedada e causa de inépcia da inicial.

A legislação eleitoral não prevê o número de testemunhas a serem arroladas pela acusação e defesa em matéria de processo penal elei-toral que corre perante o Juiz Eleitoral. Desta forma, por analogia ao disposto no Código de Processo Penal (art. 364 do CE) – que prevê a aplicação do procedimento ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade, e do procedimento sumário – quando a pena cominada seja inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade (art. 394, §1º, do CPP) -, é possível arrolar, no máximo, 08 testemunhas para os crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a

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quatro anos (art. 401, caput, do CPP) e 05 testemunhas para os cri-mes cuja pena máxima cominada seja inferior a 04 anos (art. 532 do CPP). Esse limite do número de testemunhas é para cada fato que é objeto da denúncia. A matéria sobre o número limite de testemunhas a serem arroladas no processo penal eleitoral, porém, não é unânime na doutrina87. De qualquer sorte, excluem-se desse número limite, as testemunhas referidas e as que não prestam compromisso (art. 401, §1º, do CPP). Embora não previsto expressamente na legisla-ção específica, é admitida a intervenção de assistente de acusação no processo penal eleitoral. Aplicam-se, subsidiariamente (art. 364 do CE), as regras de assistência previstas nos arts. 286 a 273 do Código de Processo Penal, observadas as peculiaridades do processo penal eleitoral. No caso em tela, a questão que é necessária dirimir é o con-creto interesse lesado a justificar a intervenção do assistente, já que a grande maioria dos crimes eleitorais são caracterizados como vagos, cujo ofendido é a coletividade. Tito Costa (2004, p. 200-201) admite o cabimento da assistência no processo penal eleitoral, inclusive por parte dos partidos políticos, sem qualquer limitação. Joel Cândido (2006, p. 603), de outra parte, afasta a possibilidade de partido po-lítico intervir como assistente em ação penal eleitoral e afirma viá-vel a assistência “desde que se demonstre a ofensa também ao interesse particular”, devendo a lesão “ser pessoal, direta e concreta, não bastan-do a ocorrência de eventual prejuízo político-partidário”. Considerando que no processo eleitoral é reconhecida a legitimidade da agremia-ção partidária para postular diversas medidas visando à aplicação de gravosas sanções cíveis eleitorais (v.g., cassação de diploma), parece certo afirmar que o interesse jurídico de intervenção como assistente em processo-crime decorre da própria proteção dos bens jurídicos da normalidade e integridade das eleições e da isonomia entre os con-correntes ao prélio. Admita-se, ainda, que uma condenação criminal eleitoral definitiva enseja a suspensão dos direitos políticos (art. 15, inciso III, da CF), a perda do próprio mandato eletivo (como regra) e, se o édito condenatório for confirmado por órgão judicial colegiado

87. Marcos Ramayana (2012, p. 921) corrobora a tese de que o número de testemunhas va-ria entre 5 e 8. De outra parte, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2012, p. 165) menciona a possibilidade de 8 testemunhas, ao argumento de que a admissão de esse número maior é mais favorável à instrução do processo.

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CRIMES ELEITORAIS – Rodrigo López Zilio

(e não se tratar de crime de menor potencial ofensivo), poderá ainda haver o efeito anexo da inelegibilidade (art. 1º, inciso I, alínea e, da LC nº 64/1990). Nessas circunstâncias, inegável a existência de um interesse da agremiação partidária em intervir como assistente na ação penal eleitoral. O TSE tem precedente reconhecendo a possibi-lidade de intervenção no processo penal eleitoral (Agravo de Instru-mento nº 2.444/MS – Rel. Min. Walter Costa Porto – j. 14.12.2000).

Os §§ 3º, 4º e 5º do art. 357 do Código Eleitoral preveem uma res-ponsabilização funcional do membro do Ministério Público em caso de não oferecimento tempestivo da denúncia, além da possibilidade de ser designado outro Promotor Eleitoral para a instauração da ação penal. Estabelece, ainda, a possibilidade de qualquer eleitor represen-tar contra o Promotor Eleitoral se o Juiz Eleitoral, em 10 dias, não agir de ofício.

O art. 358 do Código Eleitoral88 prevê hipóteses de rejeição da de-núncia. Em face à edição da Lei nº 11.719/2008 – que alterou diver-sos dispositivos do Código de Processo Penal e é aplicável também ao procedimento de apuração dos crimes eleitorais –, o entendimento doutrinário é que a matéria prevista pelo art. 358 do Código Eleito-ral, atualmente, tem seu regramento dado pelo art. 395 do Código de Processo Penal 89 (no caso de rejeição da denúncia) ou, ainda, pelo art. 397 do Código de Processo Penal (no caso de absolvição sumária). Irrefutável, in casu, que a redação atual do art. 395 do Código de Pro-cesso Penal confere um tratamento juridicamente mais adequado do que o artigo 43 do mesmo estatuto processual – cuja redação, aliás, era idêntica ao texto do art. 358 do Código Eleitoral e fazia enorme confusão entre questões processuais e materiais. Com efeito, a hipó-tese de rejeição da denúncia quando o fato narrado evidentemente

88. Art. 358. A denúncia será rejeitada quando: I. o fato narrado evidentemente não constituir crime; II. já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III. for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Parágrafo único. Nos casos do número III, a rejeição da denúncia não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

89. Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - fal-tar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. Parágrafo único. (Revogado).

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