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Processo Civil – Tutela Coletiva
O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula
ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros
doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. (600.03)
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Sumário
1. Observações iniciais .................................................................................................... 2
2. Indicações bibliográficas ............................................................................................. 2
3. Teoria Geral do Processo Coletivo .............................................................................. 3
3.1. Introdução ............................................................................................................ 3
3.1.1. Fundamentos da ação coletiva ................................................................... 3
3.1.2. Conceito de processo coletivo .................................................................... 3
3.2. Fases metodológicas do estudo do direito processual civil ................................. 3
3.2.1. Evolução do processo coletivo no Brasil ....................................................... 6
3.2.2. Modelos de tutela jurisdicional dos direitos coletivos ................................. 7
3.3. Natureza dos direitos metaindividuais e a tutela coletiva .................................. 8
3.4. Classificação do processo coletivo ....................................................................... 9
3.4.1. Quanto ao sujeito .......................................................................................... 9
3.4.2. Quanto ao objeto ........................................................................................ 10
3.5. Principais princípios do direito processual coletivo comum ............................. 10
3.5.1. Princípio da indisponibilidade mitigada da ação coletiva ........................... 10
3.5.2. Princípio da indisponibilidade da execução coletiva................................... 11
3.5.3. Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito ............... 11
3.5.4. Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva .................. 12
3.5.5. Princípio do ativismo judicial ....................................................................... 12
3.5.6. Princípio da máxima amplitude/atipicidade/não-taxatividade .................. 14
3.5.7. Princípio da ampla divulgação da demanda coletiva .................................. 14
3.5.8. Princípio da integratividade do microssistema processual coletivo ........... 15
3.5.9. Princípio da adequada representação ou do controle judicial da
legitimação coletiva ............................................................................................... 18
3.6. Objeto do processo coletivo .............................................................................. 20
3.6.1. Classificação de Barbosa Moreira ............................................................... 20
Processo Civil – Tutela Coletiva
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1. Observações iniciais
Professor: João Paulo Lordelo
Blog do Professor: http://www.joaolordelo.com
Programa de aula:
i. Teoria geral do processo coletivo
ii. Ação civil pública
iii. Ação Popular
iv. Mandado de segurança coletivo
v. Mandado de injunção coletivo
2. Indicações bibliográficas
“Curso de direito processual civil: processo coletivo” – Fredie Didier Jr, Hermes Zaneti
Jr. Observação: o professor Lordelo destaca que o ponto fraco desse livro é não tratar
especificamente as ações próprias do processo coletivo, voltando-se mais para a
teoria geral do processo coletivo, deixando de fora algumas ações, como, por
exemplo, a ação popular.
“Curso de processo civil: procedimentos especiais” – Luiz Guilherme Marinoni, Sergio
Cruz Arenhart. Observação: o professor Lordelo ressalta que é um livro anterior à lei
13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil).
“Livro do Hugo Nigro Mazzilli”. Observação: o professor Lordelo recomenda essa
obra com ressalvas, ao dizer que existem obras mais aprofundadas no mercado.
Série “Leis comentadas” da editora Juspodivm, especialmente a lei de ação civil
pública, a lei ação popular, a lei de improbidade administrativa – todas de autoria do
Hermes Zaneti Jr
“Interesses Difusos e Coletivos esquematizado” da editora Método.1
*Manual prático do professor Lordelo, condensado em um arquivo disponibilizado no
material de apoio, contendo esquema de aulas e conteúdo resumido de todos os
livros que ele estudou.
1 Nota do Monitor: o professor Lordelo alude que a obra é do Daniel Assumpção, mas, em verdade a obra é de coautoria dos seguintes autores: Cleber Masson, Landolfo Andrade e Adriano Andrade.
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3. Teoria Geral do Processo Coletivo
3.1. Introdução
3.1.1. Fundamentos da ação coletiva
De modo geral a doutrina elenca dois fundamentos que justificam a existência das
ações coletivas ou do processo coletivo: o fundamento sociológico – o processo coletivo
promove o acesso à justiça, já que permite o acesso de um número maior de pessoas à
justiça e, consequentemente, aos direitos fundamentais; o fundamento político – economia
processual, visto que, por meio de apenas uma decisão, possibilita-se a resolução conjunta
de vários problemas.
3.1.2. Conceito de processo coletivo
Processo coletivo é aquele, instaurado por ou em face de um legitimado autônomo,
em que se postula um direito coletivo em sentido amplo ou se afirma a existência de uma
situação jurídica coletiva passiva.
A partir desse conceito é possível visualizar tanto a legitimidade ativa – ou seja,
quando a coletividade se encontra no polo ativo da demanda – como também a legitimidade
passiva, isto é, quando coletividade ocupa o polo passivo da demanda.
Não é a presença de várias pessoas no processo coletivo que denuncia sua natureza
coletiva, mas sim a natureza do direito invocado: se difuso, se coletivo, se individual
homogêneo ou se simplesmente individual. De modo ilustrativo, na tutela do meio
ambiente, o Ministério Público pode ajuizar ação em face uma única pessoa e, mesmo assim,
o processo será de cunho coletivo, já que, como o meio ambiente equilibrado é um direito
de todos, notoriamente está-se a cuidar de um direito essencialmente um direito coletivo.
3.2. Fases metodológicas do estudo do direito processual civil
Ao longo da história o direito processual civil passou por algumas fases que foram
reconhecidas pela doutrina.
A primeira fase, sincretismo ou civilismo, iniciada no período romano e seguindo até
o século XIX, foi um momento na história em que os pensadores congregavam a ideia de que
não havia autonomia didático-científica do direito processual em relação ao direito material,
de modo que direito material e direito processual se confundiam. A crítica feita a essa fase é
a de que, em tempos atuais, no entanto, percebe-se que uma demanda que extingue o
processo sem a resolução do mérito não analisa o direito material.
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A segunda fase, autonomismo, iniciada no século XIX, tendo como precursor Oskar
Von Bülow, o qual percebeu que o processo consistia numa relação jurídica autônoma, não
se confundindo com o direito material, e, mais do isso, ele definiu o direito processual como
uma relação jurídica envolvendo as partes e o Estado-Juiz, daí falar em relação triangular do
processo. Por esse raciocínio, direito material e direito processual desuniram-se e este
ultimo ainda recebeu a definição de relação jurídica autônoma. Uma crítica dirigida contra
essa fase é a de ter havido um aumento no rigor acadêmico que culminou na transformação
do processo em uma ciência sobremodo formalista e, com isso, o direito processual passou a
ter sérios problemas, sobretudo, com o acesso à justiça.
A terceira fase, instrumentalismo, consagrada a partir de 1950, traçou uma
reaproximação entre o direito material e o direito processual, de sorte que o processo,
sendo ainda uma relação jurídica, passou a ser visto como um instrumento para a realização
do direito material sem que isso tenha retirado sua autonomia ou tenha lhe dado um caráter
subserviente, já que a relação entre direito material e direito processual é circular ou
complementar, à medida que um depende do outro. Essa fase é também conhecida como
“fase do acesso à justiça” e contou à época com o brilhantismo dos autores: Mauro
Capelletti e Brian Garth na obra “acesso à justiça”. Tais autores pensaram que o processo
precisava se reformar por meio de três ondas renovatórias: i) justiça aos pobres; ii)
coletivização do processo; iii) efetividade do processo.
No Brasil, foi a partir da criação da Defensoria Pública, órgão voltado à defesa das
pessoas necessitadas, que a primeira onda renovatória (justiça aos pobres) começou a ser
efetivada, pois se percebeu que os desvalidos tinham sérias dificuldades de acesso à justiça,
ainda mais porque sequer tinham condições de arcar com os custos que um processo
envolve.
Ainda no Brasil, no que se refere à segunda onda, coletivização do processo, foi a
partir de um fato social: o aumento considerável do acesso da população aos bens de
consumo e, consequentemente, um aumento excessivo no número de demandas, que os
juristas passaram a refletir sobre instrumentos processuais que pudessem resolver tais
questões de forma reunida. Isso Cappelletti já havia vislumbrado e, segundo ele, essa
coletivização se justifica por três motivos:
a) a existência de bens ou direitos de titularidade indeterminada, porque existiu uma
fase, no constitucionalismo mundial, na qual foram materializados, nas constituições e em
tratados internacionais ou em leis, direitos de titularidade indeterminada, a exemplo, direito
ao meio ambiente. E isso, naturalmente, era incompatível com os mecanismos clássicos de
legitimação processual, já que o direito processual civil até então tinha sido construído sobre
bases liberais, onde imperava o interesse individual, fazendo surgir um problema de tutela
dos bens e direitos que titularidade coletiva. Por conta disso Cappelletti sustentou a criação
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de mecanismos de legitimidade coletiva; destaque-se, por exemplo, a escolha de um
legitimado coletivo para representar o interesse do grupo na tutela dos bens e interesses
coletivos.
b) o fato de que diversos direitos individuais surgem no contexto de massa, ou seja,
bens ou direitos individuais cuja tutela individual não seja economicamente aconselhável.
Por exemplo, ausência de duzentos gramas de leite nas latas que indicam ter maior
quantidade. Obviamente, estima-se que as pessoas deixarão de ir ao Judiciário cobrar esse
leite faltante, pois isso seria economicamente inviável. O detalhe é que a empresa de leite
pode faturar milhões de reais com essa retirada ínfima aos olhos do consumidor, porquanto
muitos consumidores serão lesados de modo massificado. A partir dessa inviabilidade é que
se justifica a tutela coletiva.
c) a economia processual, ainda que envolva direitos individuais, pois surge a
necessidade de coletivização da tutela individual a fim de evitar o afogamento do Poder
Judiciário e evitar também a déficit na prestação jurisdicional em virtude de excessivas
demandas individuais.
Cappelletti e Garth perceberam nessa fase do instrumentalismo que o critério de
legitimidade do processo civil clássico não é suficiente, dado não ser compatível com os
conflitos de massa e com a tutela dos direitos de titularidade indeterminada. Perceberam,
ademais, que e as regras da coisa julgada seriam insuficientes, uma vez que a coisa julgada
recai não apenas sobre as partes envolvidas, mas também sobre a coletividade como um
todo ou sobre determinados grupos de indivíduos. A conclusão, na perspectiva deles, é de
que a legitimidade, assim como a coisa julgada, não pode ser vislumbrada apenas
individualmente. Isso não significa dizer, entretanto, que eles pregam a extinção do processo
individual, porque esse modelo continuará existindo.
A quarta fase, neoprocessualismo, consiste basicamente na aplicação das conquistas
do neoconstitucionalismo, período pós-segunda guerra, ao direito processual, a destacar:
teoria da norma, supremacia da constituição, teoria da hermenêutica jurídica. Lordelo
destaca que Fredie Didier Jr. alega que a fase do instrumentalismo foi insuficiente porque
deixou de implantar no processo as conquistas do neoconstitucionalismo, máxime na
proximidade que deve existir entre processo e direitos fundamentais. Mas destaca também
que outros autores sustentam, ao revés, que o instrumentalismo é o elemento do
neoprocessualismo e ambos constituem uma única fase.
A quinta fase, formalismo-valorativo, corrente minoritária do sul brasileiro,
concebida por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, apoia-se, dentro do neoconstitucionalismo,
na ideia de reforço dos aspectos éticos dentro do processo, sobretudo, da boa-fé.
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3.2.1. Evolução do processo coletivo no Brasil
Márcio Flávio Mafra Leal, proeminente jurista brasileiro em termos de processo
coletivo, em estudo sobre a origem da ação popular, revelou que as ações coletivas existem
desde o direito romano. No Brasil, por sua vez, a ação popular existe desde as Ordenações
Manuelinas, onde teve tratamento precário, e, posteriormente, foi consagrada na lei
4.717/65 (atual e vigente lei de ação popular). Não obstante tal referência história, a
doutrina processual brasileira costuma asseverar que o início do processo coletivo no Brasil
se deu a partir da lei 6.931/81, lei instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, que
concedeu legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública, mas
sem descrever sua definição e seu procedimento. Mais tarde, com a edição da lei 7.347/85
(lei de ação civil pública), houve a consolidação do processo coletivo, criando mecanismos de
tutela processual para direitos coletivos de titularidade indeterminada e de objeto
indivisível. Essa lei a priori se preocupou apenas com os direitos difusos e com os direitos
coletivos em sentido estrito, sem fazer qualquer alusão aos direitos individuais homogêneos
– que são direitos acidentalmente coletivos. Em 1990, com instituição do Código de Defesa
Consumidor, o processo coletivo foi potencializado no Brasil.
Diante desse cenário, é importante mencionar que a doutrina reverencia a instituição
do processo coletivo no Brasil quando da lei da Política Nacional do Meio Ambiente, sob o
argumento de que a lei da ação popular era incipiente e não tratou, a título de exemplo, do
elenco de legitimados coletivos.
Frise-se que a lei de ação civil pública juntamente do código de defesa do consumidor
e da lei de ação popular forma o que se denomina de microssistema do processo coletivo.
Ao longo da história houve alguns retrocessos no intuito de diminuir a força do
processo coletivo, sobretudo, por parte do poder público como, por exemplo, o artigo 16 da
Lei de ação civil pública, que limitou a eficácia da decisão nos limites territoriais do órgão
julgador, tema de aprofundamento detalhado mais adiante. Note seu teor:
Artigo 16 da Lei 7.347/85. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente
por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº
9.494, de 10.9.1997)
O futuro do processo coletivo ainda é muito incerto, dado que existem alguns
projetos e anteprojetos de código de processo coletivo desenvolvidos por juristas como:
Antônio Gidi, Aluísio Castro Mendes (projeto da UERJ) e Ada Pellegrini (projeto da USP).
Nenhum desses projetos avançou no Congresso. O que existe no Congresso é uma comissão
de juristas com o intuito de reformar a lei da ação civil pública, mas é algo ainda muito
inicial.
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3.2.2. Modelos de tutela jurisdicional dos direitos coletivos
Frise-se de início que Sérgio Cruz Arenhart é autor de um livro que trata das mais
diversas formas de mecanismos de processo coletivo no mundo. O Marcio Mafra também
possui excelente obra a respeito desse temário.
Lordelo nesse ponto cita apenas os dois modelos mais triviais na doutrina: o modelo
Alemão das ações associativas – Verbandsklage; e o modelo norte-americano das class
actions.
Modelo alemão Verbandsklage (ações associativas)
É um modelo comum alemão, de origem ítalo-francesa-alemã, adotado pela Europa
continental, com exceção da Escandinávia. Compreende-se que é um modelo um pouco
deficitário em virtude de possuir as seguintes características: a primeira delas, é que a
legitimidade é atribuída apenas às associações e; a segunda, é que constitui um modelo
fragmentário, porque não abrange qualquer tipo de direito ou qualquer tipo de pretensão.
A razão de haver um processo coletivo pouco paramentado é o alto nível civilizatório
da sociedade europeia, o que dispensa o paternalismo estatal típico de países com
hipossuficiência organizacional como o Brasil, portanto, tal fragilidade não existe nos países
da Europa.
Modelo estadunidense Class actions
É o modelo de maior inspiração mundial, sendo o que mais influenciou o Brasil, sua
difusão aqui se deu por meio dos Italianos, na medida em que os estudiosos brasileiros
direcionaram seus estudos para o mesmo sentido que estudiosos Italianos, que, por sua vez,
à época, estudavam o modelo norte-americano. Por conta dessa leitura italiana do direito
processual coletivo norte-americano, acabou-se adotando no Brasil um sistema destoante
do genuinamente americano.
Esse modelo americano e possui as seguintes características:
a) É pragmático, porquanto é um processo voltado para efetividade processual;
b) Exige uma adequada representação (Adequacy of Representation), à medida que o
legitimado coletivo precisa demonstrar para o Poder Judiciário que possui condições efetivas
de conduzir o processo; nos Estados Unidos, necessita-se até mesmo da comprovação da
condição econômica;
c) A coisa julgada vincula a todos; nos Estados Unidos, mesmo procedente ou
improcedente, o pedido, toda a coletividade fica vinculada;
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d) Pressupõe a adequada notificação (fair notice), de sorte que, quando uma ação
coletiva é promovida, todos os membros do grupo são notificados para, se quiserem, optar
pela não participação na ação coletiva (opt out), caso em que o indivíduo não fica afetado
pela coisa julgada coletiva;
e) Defining Function, expressão que denota os poderes acentuados do juiz.
Por fim, restar informar que modelo estadunidense é marcado por uma etapa de
certificação prévia (class certification), sendo uma fase prévia em que o legitimado precisa
comprovar a condição de conduzir o processo.
3.3. Natureza dos direitos metaindividuais e a tutela coletiva
Classicamente, os direitos foram divididos em: direito público e direito provado. O
direito público regula as relações jurídicas em que se faz presente o Estado numa
perspectiva vertical, ou seja, atuando por meio da prática dos atos de império. O direito
privado, por sinal, regula as relações privadas entre os indivíduos ou, até mesmo, as relações
envolvendo Estado em patamar de igualdade com indivíduos, quando este atua
manifestamente com a prática dos seus atos de gestão. Sinteticamente, permite-se dizer
que o direito público equivale a uma relação vertical, enquanto o direito privado equivale a
uma relação horizontal.
Entretanto, essa dicotomia tem sido criticada de há muito pela doutrina, pois o
direito privado vem se utilizando, ultimamente, de inúmeras normas de ordem pública, de
natureza cogente, que visam à proteção do interesse público, ainda que, à primeira vista, tal
norma se encontre dentro de uma categoria jurídica considerada de direito privado. Enfim,
quer-se dizer que nada é puramente público ou puramente privado no âmbito do direito.
Do ponto de vista do processo coletivo, essa classificação entre direito público e
direito privado não se sustenta, visto que, na seara coletiva, não se pode atestar que se trata
exclusivamente de direito privado, porque envolve interesse público; ao mesmo tempo,
todavia, não é possível garantir que o processo coletivo seja exclusivamente público, porque
pode envolver pessoas privadas. Assim entende a doutrina majoritária, representada, aqui,
por Hugo Nigro Mazzilli.
Observação nº 1: qual a diferença essencial entre os conflitos individuais e a
tutela coletiva?
Segundo Mazzilli, as características maiores do processo coletivo que o faz diferente
do processo individual são:
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a) O processo coletivo envolve o interesse de grupos ou classes de pessoas, não
sendo os interesses propriamente de natureza individual;
b) A conflituosidade interna, já que no processo coletivo existem várias pessoas que,
mesmo com interesses comuns, podem estar em conflito;
c) A defesa do interesse coletivo é feito por meio de uma legitimação diferenciada,
no sentido de ser coletiva.
Observação nº 2: Litisconsórcio versus processo coletivo:
Como foi versado anteriormente, o processo coletivo encontra sua natureza no
direito coletivo deduzido e não na quantidade de pessoas nos polos da demanda.
3.4. Classificação do processo coletivo
3.4.1. Quanto ao sujeito
No que tange ao sujeito, o processo coletivo pode ser: ativo ou passivo. Processo
coletivo ativo é o processo coletivo por excelência, quando um legitimado coletivo ajuíza
uma ação coletiva em favor de um grupo ou de uma coletividade que é autora. Processo
coletivo passivo, em contrapartida, é aquele em que a coletividade é ré.
Existe processo coletivo passivo?
Reposta – não há nada explícita na lei e, por conta disso, surgem duas correntes
doutrinárias sobre o assunto: uma primeira corrente, defendida por Cândido Rangel
Dinamarco, sustenta que não existe processo coletivo passivo por ausência de previsão legal;
uma segunda corrente, majoritária, defendida por Fredie Didier Jr. e Ada Pellegrini,
reconhece a existência do processo coletivo passivo (coletividade no polo passivo da
demanda coletiva), de modo que é possível extraí-lo do artigo 5º, §2º, da lei 7.347/85 (lei de
ação civil pública) e do artigo 83 da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e, por
fim, da ação rescisória. Observe a seguir a redação de cada um desses dispositivos
referenciados:
Artigo 5º, § 2º, da Lei 7.347/85 Fica facultado ao Poder Público e a outras associações
legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das
partes.
Artigo 83 da Lei 8.078/90. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este
código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e
efetiva tutela.
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Quanto à extração da legitimidade coletiva passiva da ação rescisória, é possível, por
exemplo, supor que: se contra uma sentença transitada em julgado, oriunda de ação coletiva
proposta pelo Ministério Público, for ajuizada uma ação rescisória pela parte ré, o Ministério
Público figurará no polo passivo da demanda, na condição de legitimado coletivo passivo.
Podem se encontrar também nessa posição passiva, mutatis mutandis, os grupos, as
categorias, as associações etc.
3.4.2. Quanto ao objeto
No que se refere ao objeto, o processo coletivo pode ser classificado em: comum ou
especial. Processo coletivo comum é aquele que versa sobre ação popular, ação civil pública,
ação de improbidade, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção coletivo.
Processo coletivo especial é aquele que versa sobre ações do controle abstrato de
constitucionalidade.
Boa parte da doutrina defende que o processo penal é uma espécie de processo
coletivo, porque além de proteger bens jurídicos ele, direito penal, também protege direitos
fundamentais e direitos humanos. Lordelo compartilha desse posicionamento e possui,
inclusive, artigo jurídico sobre o assunto.
3.5. Principais princípios do direito processual coletivo comum
3.5.1. Princípio da indisponibilidade mitigada da ação coletiva
Artigo 5º, § 3°, da Lei da ação civil pública: Em caso de desistência infundada ou
abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado
assumirá a titularidade ativa. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)
Artigo 9º da Lei da ação popular: Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição
da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso
II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério
Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o
prosseguimento da ação.
Esse princípio sedimenta a ideia de que objeto do processo coletivo é irrenunciável
pelo autor coletivo, justamente por isso não pode haver desistência imotivada do processo
coletivo. Se o autor da ação coletiva pretende desistir, isso não implicará extinção do
processo sem resolução do mérito, mas sim uma sucessão processual, na medida em que o
juiz não irá intimar o Ministério Público para assumir a demanda.
No entanto, como se nota, esse princípio é mitigado, pois se a desistência for
razoável e motivada é possível a extinção do processo coletivo.
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3.5.2. Princípio da indisponibilidade da execução coletiva
Artigo 16 da lei de ação popular: Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da
sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a
respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta)
dias seguintes, sob pena de falta grave.
Artigo 15 da lei de ação civil pública: Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da
sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá
fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.
(Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)
A execução coletiva, ao contrário da ação coletiva – que pode ser mitigada –, é,
segundo a doutrina, obrigatória e indisponível. Por isso que se fala que a indisponibilidade
da execução é absoluta, pois se um legitimado coletivo não promover a execução, outro
legitimado deve a promover.
3.5.3. Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito
Significa que no processo coletivo deve haver maior flexibilidade das regras de
admissibilidade a bem da análise do mérito em razão do interesse público. A título de
exemplo, se, no curso da ação popular, o juiz verificar que o cidadão nunca se encontrou em
pleno gozo dos direito políticos, ele não deve extinguir o processo imediatamente, mas deve
promover a sucessão processual, chamando outro cidadão para assumir a legitimidade. Não
comparecendo nenhum cidadão, o MP deve assumir.
Antes da lei 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil), tratava-se de princípio
exclusivo do processo coletivo, porém com o surgimento do novo código, esse panorama
também foi incorporado ao processo individual. Note o teor do dos artigos 4º e 139, inciso
IX, do novo CPC:
Artigo 4º da lei 13.105/2015: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a
solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Artigo 139 da lei 13.105/2015: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste
Código, incumbindo-lhe: (...) IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e
o saneamento de outros vícios processuais;
Em suma, pode-se considerar que esse princípio consiste em superar ao máximo os
vícios formais para que o mérito seja analisado.
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Cabe ressaltar, afinal, que, na ótica processual coletiva, esse princípio ainda se
encontra implícito.
3.5.4. Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva
A coisa julgada coletiva só beneficia os indivíduos, nunca os prejudica. Isso quer dizer
a coisa julgada coletiva jamais atua em desfavor dos indivíduos, sobretudo, em suas
demandas individuais.2
No processo coletivo existe um transporte in utilibus da coisa julgada, isto é, a coisa
julgada só é transportada para indivíduos quando lhes for favorável, nunca para prejudicá-
los.
Artigo 103, § 3°, do Código de Defesa do Consumidor: Os efeitos da coisa julgada de que
cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não
prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas
individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido,
beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à
execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
Artigo 103, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor: Aplica-se o disposto no parágrafo
anterior à sentença penal condenatória.
Artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor: As ações coletivas, previstas nos incisos
I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações
individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os
incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não
for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do
ajuizamento da ação coletiva.
3.5.5. Princípio do ativismo judicial
Advém daquilo que as class actions do modelo norte-americano chamam de defining
function. Quer dizer a função de definidor que o juiz exercita no processo coletivo, haja vista
o aumento dos seus poderes na condução do processo, mormente, dos seus poderes
instrutórios.
Esse princípio também é chamado de máxima efetividade do processo coletivo.
2 Nota do monitor: Apesar da afirmação “nunca” ou “jamais” prejudica o indivíduo, é preciso ter em mente que há casos em que a regra de transporte in utilibus não será aplicada, por exemplo: o indivíduo que é notificado da existência de demanda coletiva e opta por atuar como litisconsorte do legitimado coletivo, caso em que a coisa julgada coletiva o atingirá indubitavelmente.
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É um princípio implícito do processo coletivo.
Esse princípio gera no processo algumas aplicações curiosas no processo coletivo:
a) Poderes instrutórios mais acentuados. Ou seja, o juiz no processo coletivo deve
suprir as lacunas probatórias, determinando sua produção de ofício. Isso também pode ser
feito no processo individual, mas no processo coletivo isso é mais acentuado;
b) Flexibilização procedimental, de sorte que o juiz pode afastar determinadas regras
processuais, flexibilizar prazos, alterar a ordem dos atos, entre outros. Tal flexibilização
também foi consagrada no novo Código de Processo Civil.
A título de exemplo, se o juiz constatar, no momento dos autos conclusos para
sentença, que um litisconsorte necessário deveria ter sido citado, em vez de extinguir o
processo, ele deve, no processo coletivo, converter o processo em diligência, determinando
a citação do litisconsorte necessário e aproveitar os atos processuais até então praticados, a
fim de evitar uma nulidade total do processo desde seu início. Isso, evidentemente, dentro
das possibilidades de cada caso.
c) Possibilidade de alteração dos elementos da demanda fora dos prazos
estabelecidos pelo processo individual. Tais prazos se encontram nos artigos: 264 do Código
de Processo Civil de 1973 e 3293 do Código de Processo Civil de 2015. Veja a redação deles:
Artigo 264 do Código de Processo de 1973. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o
pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes,
salvo as substituições permitidas por lei. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será
permitida após o saneamento do processo. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
Artigo 329 do Código de Processo Civil de 2015. O autor poderá:
I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de
consentimento do réu;
II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com
consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de
manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de
prova suplementar.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à respectiva causa de
pedir.
3 Nota do monitor: o professor em aula aludiu ao artigo 326 do novo Código de Processo Civil, mas em verdade estava se referindo, inclusive lendo, o artigo 329 do novo Código.
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Em resumo, não se aplicam esses prazos de alteração, segundo a doutrina, em
virtude de ausência de previsão normativa. Consequentemente, permite-se a alteração
apara além de tais prazos.
d) Controle de políticas públicas. Frequentemente os juízes são provocados a decidir
sobre políticas públicas como: moradia, saúde, educação, sistema financeiro de habitação, e,
não raras vezes, tal controle é efetuado no bojo de um processo coletivo. Muitos autores
criticam esse controle judicial, sob a alegação de que isso viola o princípio da separação de
poderes, já que cabe ao Poder Executivo a formulação e a execução das políticas públicas
através dos regramentos já criados pelo Poder Legislativo. Todavia, o Supremo Tribunal
Federal consolidou seu posicionamento no sentido de que é possível o controle judicial de
políticas públicas, bem como destacou que, quando o judiciário faz esse tipo de controle, ele
está efetivando os direitos fundamentais, o que faz presumir a existência de um déficit na
prestação do direito.
O poder público vem sustentando, como tese de defesa, a teoria da reserva do
possível – que basicamente significa que não há orçamento nem dinheiro suficiente para a
cobertura integral das contingências sociais. A reserva do possível pode ser fática ou jurídica.
Reserva do possível fática é a ausência de recursos em caixa e reserva do possível jurídica é a
ausência de previsão legislativa orçamentária que possa permitir uma pretensão coletiva ou
individual.
Lembre-se, claro, que o controle de políticas públicas pode ocorrer perfeitamente no
seio de ações individuais.
Segundo Lordelo, no controle de políticas públicas, é preciso ter muita racionalidade
e muita temperança, porque a análise econômica do direito é algo ainda muito fragilizado do
Brasil.
3.5.6. Princípio da máxima amplitude/atipicidade/não-taxatividade
Esse princípio dispõe que o rol das ações coletivas não é taxativo, podendo-se até
mesmo existir ação possessória coletiva, ação monitória coletiva etc. O nome ação civil
pública é extremamente genérico, significando qualquer ação civil coletivizada.
Artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor: Para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela.
3.5.7. Princípio da ampla divulgação da demanda coletiva
Artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor: Proposta a ação, será publicado edital no
órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como
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litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por
parte dos órgãos de defesa do consumidor.
Embora o Código de defesa do consumidor faça referência apenas à figura do
consumidor, ele, juntamente com a lei de ação civil pública, forma um microssistema de
processo coletivo aplicável não apenas aos consumidores, mas a todos.
Dois são os principais objetivos desse princípio:
a) adequada notificação dos membros do grupo (algo indicado expressamente no
supracitado artigo 94 do Código de defesa do consumidor), consistente num instituto bem
semelhante à notificação adequada do modelo estadunidense.
No processo coletivo dos Estados Unidos, a pessoa é notificada para se manifestar no
tocante ao exercício ou não do opt out (optar por sair), porque lá a coisa julgada se
comunica com a coisa julgada individual, não havendo falar em transporte in utilibus. Em
contraste está o sistema brasileiro, porque diferentemente do modelo norte-americano, a
função da notificação é despertar o interesse do indivíduo para que ingresse no processo
como litisconsorte. Contudo isso é péssimo para o indivíduo, na medida em que, uma vez
tornando-se litisconsorte, a ele não se aplica mais o transporte in utilibus, isto é, a coisa
julgada coletiva, conquanto prejudicial, incide sobre ele. Tal notificação, ainda no modelo
brasileiro, objetiva também encorajar o indivíduo, quando já possuir processo individual em
curso, a manifestar seu interesse em suspender sua ação com o propósito de ser alcançado
pela ação coletiva. Caso o indivíduo não manifeste o desejo de suspender seu processo
individual para participar da ação coletiva, a coisa julgada benéfica não militará em seu
favor. Amiúde, equivale dizer que não se lhe aplica o transpor in utilibus da coisa julgada
coletiva;
b) informação aos órgãos competentes, cuja previsão se encontra nos artigos 6º e 7º
da lei da ação civil pública. Observe a redação:
Artigo 6º da Lei de ação civil pública: Qualquer pessoa poderá e o servidor público
deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre
fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
Artigo 7º da lei da ação civil pública: Se, no exercício de suas funções, os juízes e
tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil,
remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
3.5.8. Princípio da integratividade do microssistema processual coletivo
Artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor. Aplicam-se às ações previstas neste título
as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive
no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
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Artigo 21 da lei de ação civil pública: Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que
instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)
São notórias as remissões recíprocas entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei
de ação civil pública, situação que denota a presença de um núcleo do microssistema
processual coletivo por meio do que se chama de teoria do diálogo das fontes normativas ou
diálogo sistemático de coerência. Em suma, são normas de reenvio, porque uma manda
aplicar a outra.
Além dessas duas leis, outras leis fazem, igualmente, parte do microssistema,
destaque-se: o Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei de improbidade administrativa, o
estatuto da cidade, a lei de ação popular, o estatuto do idoso, a lei do mandado de
segurança, o estatuto do deficiente etc.
O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 510.150/MA, propugnou o
seguinte:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA.
1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio
popular e, a fortiori, difuso.
2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso, que
viabiliza mutifária legitimação , dentre outras, a do Ministério Público como o mais
adequado órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão.
3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial,
ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes.
4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é
lícito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação
civil pública máxime porque a conduta do Prefeito interessa à toda a comunidade local
mercê de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes,
poupando-lhes de noveis demandas.
5. As conseqüências da ação civil pública quanto aos provimento jurisdicional não inibe a
eficácia da sentença que pode obedecer à classificação quinária ou trinária das
sentenças 6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório,
declaratório, constitutivo, auto-executável ou mandamental.
7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido
formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da
demanda.
8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da
ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e
do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de
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tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-
se e subsidiam-se.
9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que "A ação civil pública é o
instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do
controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano
causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art.
37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua
conduta irregular.
(...) Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções
previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que
uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de
interesses meta-individuais.
Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada
para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração
pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos
lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art.
12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da
Lei n.º 7.347/85)" (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed. , p. 333-334)
10. Recurso especial desprovido.(REsp 510.150/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 29/03/2004, p. 173)
Em relação ao novo Código de Processo Civil, o seu artigo 15 prevê sua aplicação
subsidiária aos demais ramos do processo. Veja:
Artigo 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou
administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente.
Depreende-se que o Código de Processo Civil não faz parte do microssistema
processual coletivo, mas é permitida sua aplicação subsidiária ao processo coletivo.
Consequências do microssistema processual coletivo:
a) Segundo o Superior Tribunal de Justiça, como Código de Defesa do Consumidor
possibilita a inversão do ônus, é factível inversão do ônus da prova em qualquer ação
coletiva, desde que haja essa necessidade.
b) Aplicação das regras de reexame necessário, previstas na lei de ação popular, para
todas as demais ações coletivas.
c) Na ação popular, quando tiver julgado improcedente o seu pedido ou for extinta
sem resolução do mérito, haverá necessariamente a remessa ao tribunal para que confirme
a decisão. Note-se que a ação popular é em benefício da coletividade, diversamente do que
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prevê o Código de Processo Civil, em que a remessa se opera em benefício da fazenda
pública.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, num precedente ainda sujeito à
confirmação, que essa regra de reexame necessário não se aplica à lei de improbidade
administrativa (lei 8.429/92), porque ela possui regramento próprio.
A doutrina, por sua vez, afirma que não se aplica tal regra de reexame necessário
para a lei do mandado de segurança coletivo.
d) Outra consequência do microssistema é a aplicação, a toda as ações coletivas, do
conceito de direitos difusos, coletivos em sentido estrito e de individuais homogêneos. Tais
conceitos estão descritos no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor e serão
analisados detalhadamente mais adiante.
3.5.9. Princípio da adequada representação ou do controle judicial da legitimação
coletiva
Esse princípio tem sua origem no direito norte-americano, assim como sua
denominação, sendo uma tradução da expressão adequacy of representation. Mas, a priori,
a palavra “representação” aqui no Brasil possui uma conotação diferenciada, significando
alguém em nome alheio na defesa de interesse igualmente alheio. No processo coletivo, em
que pese o nome representação, aproxima-se mais da substituição processual.
No Código de defesa do consumidor, na lei de ação popular e na lei de ação civil
pública, o legislador estabeleceu rol de legitimados para cada ação. Observe a redação artigo
5º da lei de ação civil pública:
Artigo 5º da Lei de ação civil pública: Têm legitimidade para propor a ação principal e a
ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007) (Vide Lei nº 13.105, de
2015)
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº
11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído
pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela
Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social,
ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos
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de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 13.004, de 2014)
A grande dúvida desse dispositivo é a seguinte: tais legitimados podem ajuizar
qualquer ação coletiva ou exige-se também um controle judicial? Indagando de outra forma,
a legitimidade da ação coletiva é ope legis ou ope iudicis?
Segundo Antônio Gidi, essa dicotomia não faz nenhum sentido, porque se o juiz
apreciar a legitimidade o rol não deixa de ser ope legis, dado que o legislador trouxe um rol
de legitimados. Contudo a doutrina majoritária trata da seguinte forma: sendo ope legis o
juiz não pode fazer o controle; sendo ope iudicis, o juiz pode fazer o controle.
Para uma primeira corrente, na qual se inclui Nelson Nery Jr., não é possível que o
juiz realize controle judicial sobre a adequada representação, exceto em relação às
associações, pois, segundo a lei, elas devem obediência à constituição ânua (estarem
constituída a pelo menos um ano) e precisam descrever as suas finalidades institucionais. Na
ótica desse autor, é possível desenhar a seguinte situação: o Estado do Rio Grande do Sul
ajuizando uma ação civil pública para tutelar o meio ambiente na Bahia em virtude de um
derramamento de óleo nesse Estado. Essa corrente não prevalece, porque, se fosse
admitida, geraria uma circunstância um tanto quanto pitoresca: a Defensoria Pública, em
tese, estaria autorizada a tutelar os interesses de pessoas ricas, o que é inviável, já que sua
finalidade constitucional é defender o interesse dos mais necessitados.
A segunda corrente, incorporada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça, bem como pela doutrina de modo geral, advoga a possibilidade
de controle ope judicis e ope legis concomitantemente, ou seja, segundo ela há controle
duplo, no qual o legislador apresenta o rol e o juiz realiza o controle.
Mas, afinal, qual o parâmetro do judiciário para fazer o controle?
Nos Estados Unidos existe o class certification, que possui diversos elementos como:
condições financeiras, condições técnicas, numerosidade etc.
No Brasil, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça possuem firmado
entendimento que esse controle é feito com base na pertinência temática ou pertinência
subjetiva, isto é, o controle recai sobre a finalidade institucional do órgão.
Muitos dizem que o Ministério Público é um legitimado universal; há casos, porém,
em que o juiz poderá controlar sua legitimidade coletiva, por exemplo: ação proposta pelo
Ministério Público a fim de defender direito individual disponível, caso em que o juiz deve
extinguir o processo por falta de legitimidade.
A finalidade do MP está no artigo 127 da Constituição Federal:
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Artigo 127 da Constituição Federal: O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
3.6. Objeto do processo coletivo
Existe diferença entre interesses e direitos?
Na teoria geral do direito, diz-se que interesses são situações jurídicas não
necessariamente tuteladas, sendo o gênero; enquanto que, os direitos, são pretensões
tuteladas pelas normas jurídicas expressas, razão pela qual se afirmar que os direitos são
mais consolidados que os interesses.
A doutrina do processo coletivo, todavia, vê essa distinção com indiferença, sendo
possível falar tanto em direito coletivo quanto em interesse coletivo.
3.6.1. Classificação de Barbosa Moreira
Na perspectiva de Barbosa Moreira, direitos ou interesses coletivos em sentido
amplo/transindividuais/metaindividuais podem ser ramificados em: naturalmente coletivos
e acidentalmente coletivos.
Direitos transindividuais naturalmente coletivos são aqueles indivisíveis, ou seja,
aqueles que não podem ser fruídos por um único indivíduo, a exemplificar: o direito ao meio
ambiente. Tais direitos podem ser subdivididos em: direitos difusos e direitos coletivos. Os
primeiros são os direitos indivisíveis e de titularidade indeterminável; os segundos são os
direitos indivisíveis e de titularidade determinável, sendo também conhecidos como direitos
coletivos em sentido estrito.
Direitos transidividuais acidentalmente coletivos são aqueles naturalmente
individuais, mas que por razões de economia processual recebem tratamento coletivo para
facilitar a tutela, por exemplo: cláusulas abusivas, expurgos inflacionários.