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  • Agosto 2006 N 126

    A ENERGIA QUE VEM DO HIDROGNIO OSBLOGS PAUTAM A IMPRENSA

    ~1;1~ A CINCIA DO PAS FICOU VISVEL

    FAPESP

    IMAGENS do crebro

    ftJNCIONAl

  • Bush emperra avano O presidente norte-americano, George W. Bush, vetou o projeto de lei que ampliava o financiamento federal a pesquisas com uso de clulas-tronco embrionrias humanas, menos de 24 horas aps sua aprovao pelo Senado por 63 votos a favor e 37 contra. Bush reiterou sua opinio de que a medida "cruzava uma fronteira moral". O texto vetado previa que embries descartados por clnicas de fertilizao pudessem ser usados como fonte de clulas-tronco para pesquisas. O presidente anunciou a deciso rodeado por casais que aceitaram gerar embries de proveta que seriam descartados pelas cln icas. Cientistas como o fsico britnico Stephen Hawking classificaram Bush como "liderana reacionria" e exortaram os pases europeus a investir nas pesquisas com clulas-tronco embrionrias.

    PESQUISA fAPESP 126 AGOSTO DE 2006 3

  • POLTICA CIENTFICA E TECNOLGICA

    24 DIFUSO Com a marca indita de 6 milhes de acessos mensais, biblioteca SciELO vai estudar o perfil de seus usurios

    28 INDICADORES Produo cientfica cresce e Brasil j responsvel por 1,8% dos artigos publicados no mundo

    29 POLTICAS PBLICAS Controle da emisso de poluentes poupa vidas em So Paulo

    30 INTERCMBIO O Brasil entra no mapa das universidades Harvard e Yale, que recrutam estudantes no pas

    32 DIVULGAO CIENTFICA Jos Hamilton Ribeiro ganha prmio de jornalismo da Universidade de Colmbia

    CINCIA

    46 MEDICINA Chance de receber um fgado transplantado diminui a cada ano

    48 NUTRIO Rede de laboratrios analisa a composio de 500 alimentos que integram o cardpio nacional

    52 GENTICA Manipulao de genes que controlam acares pode aprimorar o caf brasileiro

    4 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

    56 ASTROFSICA Luz e ondas de choque aquecem nuvens que concentram a maior parte da matria formada por prtons e nutrons

    TECNOLOGIA

    66 ENERGIA Vrios setores esto mobilizados para suprir de hidrognio os futuros veculos e geradores

    74 ENGENHARIA AERONUTICA Como prever limite de resistncia da fuselagem dos avies a choques com objetos estranhos

    77 TELEVISO Depois da escolha do modelo japons, agora a vez das inovaes na TV digital brasileira

    78 ENGENHARIA DE MATERIAIS Novo material substitui com vantagens granito, mrmore e ao inox

    HUMANIDADES

    86 LITERATURA Os 125 anos de nascimento de Stefan Zweig relembram os 65 anos de Brasil, pas do futuro

    90 ARTES VISUAIS Eventos e livros mostram preocupao crescente no entendimento da concepo visual das artes grficas no Brasil

    SEES

    IMAGEM DO MS . .. ...... .. . . 3 CARTAS ..... . .......... .. .. . 6 CARTA DA EDITORA .. . ........ 7 MEMRIA .... . ...... . . . . . . .. 8 ESTRATGIAS ..... .. ... . .. . 18 LABORATRIO ...... . ... ... . 34 SCIELO NOTCIAS ..... .. . ... 60 LINHA DE PRODUO ..... . . . 62 RESENHA ....... ....... . . .. 94 LIVROS .. . .... . . . . . .... . . 95 FICO .. . ... . ........ .. . . 96 CLASSIFICADOS . . . . . ........ 98

    Capa: Hlio de Almeida-Mayumi Okuyama sobre reproduo do livro Leonardo da Vinci - on the Human Body

  • 80 COMUNICAO 8/ogs desmitificam jornalismo e pautam noticirios

    A cirurgi Angelita Habr-Gama, pioneira em muitas frentes, fala sobre o desenvolvimento e os avanos da coloproctologia no Brasil

    38 ) CAPA

    Pesquisa com ressonncia magntica funcional faz avanar conhecimento sobre o crebro no pas

    ww w.revi s ta pesquisa. fa p es p. b r

  • Peiijisa FAPESP

    As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construo do conhecimento que ser fundamental para o desenvolvimento do pas. Acompanhe essa evoluo.

    Nmeros atrasados Preo atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438

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    6 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

    Leite Lopes e Lattes

    Tenho recebido Pesquisa FAPESP h bastante tempo. Ultimamente a revista melhorou muito e cada vez tem os mais diversos assuntos dis-postos de maneira excelente. Na edi-o 125, de julho, tive a grata satisfa-o de encontrar uma foto antiga do Csar Lattes acompanhado de Jos Leite Lopes. No

    cotao modesta: 0,5. J Lev Landau apareceu no topo, com 2,5': O autor comete, nestas palavras, uma grave in-justia com Landau. Segundo E.M. Lifshitz, amigo e colaborador de lon-ga data de Lev Landau, a escala de Landau funciona em ordem inversa (parecida, nesse sentido, com a classi-ficao de pesquisadores do CNPq): quanto menor o valor numrico da

    classificao, melhor esqueo do fato de ter ajudado o Csar numa experincia em que ele queria

    EMPRESA QUE APIA A PESQUISA BRASILEIRA

    o classificado! (Essa informao consta no prefcio que o prprio Lifshitz es-

    porque queria veri-ficar a existncia de alguma partcula, por fotografia! Foi

    NOVARTIS creveu para a edio alem do livro Fsica terica vol. I: mec-nica, de autoria de Landau e Lifshitz). interessante, certa-

    mente no deve ter ajudado em nada, ou no. No tem importncia. Foi o gosto de estar com ele. Parabns.

    Cesrea

    THOMAS FARKAS

    So Paulo, SP

    Li a reportagem sobre os riscos das cesarianas em Pesquisa FAPESP. (edio 124) e gostaria de cumpri-ment-los pela oportunidade do tema e pela qualidade do texto. Parabns!

    MAGDA CARNEIRO-SAMPAIO

    Departamento de Pediatria da FMUSP So Paulo, SP

    Lev Landau

    Gostaria de corrigir um erro na reportagem "Publicar no tudo" (edio 124). O autor encerra o texto com as frases: "Parece brincadeira, mas j houve pesquisadores que su-geriram critrios de avaliao talha-dos para fazer reluzir os prprios cur-rculos. O famoso fsico russo Lev Landau (1908-1968) certa vez props um logaritmo para ranquear os pes-quisadores de seu campo de conheci-mento. Albert Einstein recebeu uma

    Trcp Net.org

    Landau colocou, en-to, Einstein no to-

    po, e no a si mesmo. Mais especifica-mente, a diferena de 2,5 - 0,5 = 2,0 em uma escala logartmica significa que Landau se colocou 102 = 10 x 10 = 100 nveis abaixo de Einstein. Assim, ele fez exatamente o contrrio de suge-rir um critrio talhado para fazer re-luzir o prprio currculo: Landau, que foi um dos grandes fsicos do sculo 20, merecendo uma classificao mui-to melhor que os 2,5 que modesta-mente atribuiu a si mesmo, fez reluzir o currculo de Einstein, no o prprio!

    KLAUS CAPELLE

    Instituto de Fsica de So Carlos/USP So Carlos, SP

    Correo

    O autor do artigo "Einstein e a ci-dade: criaes mtuas" (edio 124), Luiz Roberto Alves, tambm pro-fessor da Universidade Metodista de So Paulo, alm da Universidade de So Paulo.

    Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax on 38384181 ou para a rua Pio XI, 1.500, So Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas podero ser resumidas por motivo de espao e clareza.

  • Pesqu1sa fAPESP

    CARLOS VOGT PRESIDENTE

    MARCOS MACARI V ICE-PRESIDENTE

    CONSELHO SUPERIOR CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER,

    HORCIO LAFER PIVA, JOS AR ANA VARELA. MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR. SEDI HIRANO,

    SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

    CONSELHO TCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE

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    DIRETORA DE REDAO MARILUCE MOURA

    EDITOR CHEfE NELDSON MARCOLIN

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    GOVERNO DO ESTADO OE SO PAULO

    A arte de ver o que era invisvel

    A reportagem de capa desta edio de Pesquisa FAPESP, que teve o concurso de muita gente, comeou a nascer, por inslito que isso parea, na recente visita do dalai-lama ao Brasil, em 28 de abril. A Universidade Federal de So Paulo (Uni-fesp) e a Associao Palas Athenas haviam organizado para a manh e a tarde desse dia um denso debate sobre cincia e espiri-tualidade, com o ttulo geral "Compaixo e sabedoria na construo da sade indivi-dual e coletiva". Ele seria aberto pela pales-tra do dalai-lama e comentado por quase uma dezena de respeitados pesquisadores da universidade, a maior parte dos quais li-gada s reas de psiquiatria e neurologia. Examinadas, de variados ngulos, as oposi-es, proximidades e articulaes possveis entre cincia e espiritualidade, o que logo ps em alerta meu impressionvel esprito jornalstico foi a fala de Jos Roberto Leite, professor adjunto do Departamento de Psicobiologia, sobre as pesquisas que vi-nha conduzindo havia cerca de oito anos no campo da meditao.

    Conversei logo depois da visita com o pr-reitor de graduao da Unifesp, o neu-rocientista Luiz Eugnio Mello, que membro do conselho editorial de Pesquisa. FAPESP. Ante meu interesse relativamente meditao e a outras pesquisas com ima-gens do crebro, ele me deu dicas preciosas sobre quem tinha bons trabalhos nessa rea no Brasil. Algum tempo depois entre-vistei o professor Jos Roberto, que me fa-lou de resultados muito interessantes de seus estudos. Mas eu queria, da mesma forma como j se produzira nos Estados Unidos, claras imagens do crebro que mostrassem o que se passa de diferente quando algum est meditando. E resolvi esperar por essas imagens, que em breve podem chegar s mos do pesquisador. Nesse meio tempo, uma conversa com o diretor do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (IIEP) do Hospital Albert Eins-tein, Carlos Alberto Moreira, ofereceu-me uma boa viso panormica sobre os mlti-plos projetos de pesquisa que naquela ins-tituio tm o crebro como objeto e que se estruturam sobre as vrias tecnologias

    MARILUCE MOURA- DIRETORA DE REDAO

    de obteno de imagens cerebrais. Muitas conversas com os pesquisadores do IIEP depois, e norteada tambm pelas propostas do programa CinAPCe (veja a edio 124 de nossa revista), que certamente vai incre-mentar muito e em mltiplas direes a pesquisa do crebro com base nas tecnolo-gias da imagem, consegui me concentrar em projetos de pesquisa que se valem das imagens obtidas por ressonncia magnti-ca funcional para analisar funes que de algum modo se fazem visveis no crtex. O resultado est na reportagem que comea na pgina 38.

    Nesta edio tratamos de um outro tipo de rede que, bem examinadas as coi-sas, parece guardar alguma analogia com as redes neurais. Estamos falando do fen-meno dos blogs, que se multiplicam na in-ternet a uma velocidade atordoante e, a essa altura, j constituem uma nova ins-tncia da comunicao- que os especialis-tas vm chamando de blogosfera. Menos em oposio e mais em articulao com a midiasfera, os blogs, como mostra o texto primorosamente construdo do editor de humanidades, Carlos Haag, a partir da p-gina 80, desmitificam um tanto o jornalis-mo e pautam cada vez mais os noticirios de diferentes meios de comunicao.

    Vale um destaque especial aqui tambm para a bem fundamentada anteviso do editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, a respeito de uma grande mudana energti-ca que deve ter incio na prxima dcada. A partir da pgina 66, ele relata como e por que o hidrognio dever ento se tor-nar um importante combustvel para gerar energia eltrica e movimentar veculos, substituindo, aos poucos, o diesel e a gaso-lina, entre outros produtos. imperdvel.

    E, por fim, vale a pena ver na reporta-gem do editor especial Fabrcio Marques, a partir da pgina 24, de que maneira a biblioteca SciELO, com a marca de nada menos que 6 milhes de acessos mensais, vai tornando a produo cientfica brasilei-ra cada vez mais visvel e conhecida. De uma certa maneira, esta edio fala deva-riados processos de visibilizao propos-tos no mbito da cincia. Boa leitura!

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 7

  • Filantrop e cincia Lar dos Velhinhos de Piracicaba completa cem anos cuidando de idosos com ajuda da universidade

    NELDSON MARCOLIN

    envelhecimento da populao brasileira e a Previdncia Social sempre em crise projetam dificuldades para o pas

    manter seus idosos nas prximas dcadas. As pessoas com 60 anos ou mais, que eram 16,7 milhes em 2005, sero 27 milhes em 2020, de acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Parte dessa populao passar a fase final da vida em casas de apoio projetadas para ela. Um desses lugares, o Lar dos Velhinhos de Piracicaba, no interior de So Paulo,

    tornou-se conhecido pelo modelo de abrigo de idosos e por sua tradio - neste ms a casa completa cem anos.

    A cincia deu sua parcela de contribuio para o sucesso da instituio, que hoje tem cerca de 400 abrigados. "Sem preparo tcnico-cientfico para cuidar do velho nada vai para frente", diz Jairo Ribeiro de Mattos, presidente do Lar dos Velhinhos. "Abrigos comuns oferecem cama,

    comida e nada mais." Mattos tem 75 anos, professor aposentado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de So Paulo (USP), e preside a organizao pela quarta vez. Na primeira gesto, em 1971, ele props mudanas no Lar que o levaram a ficar conhecido como a Primeira Cidade Geritrica do Brasil. At aquele ano, a instituio era como tantas outras,

    destinada a receber pessoas a partir de 60 anos, em regime de internato, que tinha o apoio filantrpico de algumas pessoas da cidade e da Congregao das Irms Franciscanas do Corao de Maria. "Chamei gente da Esalq para me ajudar a criar um modelo que permitisse ao Lar se auto-sustentar", conta Mattos.

    O Lar dos Velhinhos foi fundado pelo empresrio Pedro Alexandrino de

    8 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • emona

    Almeida em 26 de agosto de 1906. Com 156 mil metros quadrados de rea, at 1971 tinha quatro pavilhes com quartos para at seis pessoas. Mattos comeou a construir casas que pudessem ser utilizadas por idosos capazes de se manter sem ajuda - foram feitas 130 delas. O sistema funciona assim: o idoso contribui pelo imvel entre R$ 35 mil e R$ 60 mil, dependendo do tamanho da casa, que pode ter at 80 metros quadrados. Tambm contribui com pequena taxa, que garante sua manuteno no local e sustento em caso de perda de bens. Se ficar invlido, ele transferido para um dos pavilhes a fim de ser tratado. Depois da morte,

    o bem no herdado pelos filhos, mas repassado outra vez ou cedido para outros idosos. "Essa uma fonte de receita que nos deixa um pouco menos dependentes da ajuda externa", diz Mattos. Uma nova estratgia que ajudar o Lar a se tornar auto-sustentvel a construo de 46 flats que sero usados para moradia ou por famlias que precisarem deixar idosos durante algumas semanas ou, ainda, em esquema de creche, para passar o dia.

    Os idosos com pouco ou nenhum recurso moram gratuitamente em quartos distribudos nos pavilhes e so atendidos por equipes de enfermagem e pelas religiosas franciscanas.

    Acima, o primeiro pavilho do Lar, anterior a 1906. Ao lado, uma das casas construdas a partir de 1971

    Se desejarem, todos podem realizar trabalhos dentro do Lar. A universidade entrou para melhorar a qualidade de vida da populao da instituio. A Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) tem um convnio com o Lar desde 1979. "Fazemos um trabalho de fisioterapia com fitoterapia para aliviar problemas reumticos e de escaras, por exemplo", diz Jorge Daister, professor da Unimep.

    A Esalq tem uma pesquisa sobre o efeito da utilizao de um complemento alimentar em idosos, de 1999. "Sugerimos mudar a alimentao, tirar as carnes gordurosas e introduzir um suplemento de cereais, leguminosas e oleaginosas", conta Jocelem Mastrodi Salgado, professora e pesquisadora da Esalq. Aceitas as recomendaes, houve reduo significativa do gasto com medicamentos.

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 9

  • Vitria em campo minado NELDSON MARCOLIN

    A mdica Angelita Habr-Gama tem trs traos de personali- dade comuns em profissio- nais de sucesso: perseverana,

    grande capacidade de traba- lho e um otimismo contagian- te. Juntar a essas qualidades um enorme talento na sua es-

    pecialidade, a cirurgia do aparelho digesti- vo, o suficiente para descolar Angelita do rol de pessoas bem-sucedidas e coloc-la num patamar superior, entre as que criam e fazem escola. Para chegar a tanto foi pre- ciso alguma ousadia: ela foi a primeira mulher residente em cirurgia geral do Hospital das Clnicas da Faculdade de Me- dicina da Universidade de So Paulo (FMUSP), em 1958, numa poca em que esse era um reduto exclusivo dos homens. Esse pioneirismo foi s o primeiro de mui- tos. Ela tambm foi a primeira mulher a estagiar nessa especialidade mdica no conservador e tradicional Saint Mark's Hospital, da Inglaterra, em 1961, a primei- ra professora titular em cirurgia do Depar- tamento de Gastroenterologia (FMUSP) e a responsvel por tornar a coloproctolo- gia uma disciplina prpria, em 1995, em vez de deix-la como uma subespecializa- o das cirurgias do aparelho digestivo.

    Angelita aprimorou tcnicas cirrgi- cas e foi importante na estruturao, de-

    senvolvimento e avano da coloproctolo- gia no Brasil. Foi ela, por exemplo, quem organizou o primeiro curso prtico e te- rico de colonoscopia, o exame do interior do clon. No descuida da clnica que tem com o marido, o cirurgio Joaquim Jos Gama Rodrigues, professor titular em ci- rurgia da FMUSP, com quem est casada desde 1964. Tambm mantm um p na pesquisa. participante de primeira hora dos projetos Genoma - seu laboratrio trabalhou no seqenciamento da bact- ria Xylella fastidiosa e ela continua atuan- do no do Genoma Humano do Cncer. Nos ltimos anos tem dado nfase espe- cial preveno do cncer de intestino. Criou at uma organizao para isso, a As- sociao Brasileira de Preveno do Cn- cer de Intestino, que promove eventos no Brasil inteiro.

    Filha de imigrantes libaneses, nascida na Ilha de Maraj, no Par, a cirurgia re- cebeu em abril deste ano sua mais recente honraria em Zurique, na Sua. Foi a pri- meira especialista latino-americana e a pri- meira mulher a ganhar o ttulo de mem- bro honorrio da Associao Europia de Cirurgia pela carreira mdica, prmio s dado at hoje a 17 mdicos no mundo. Angelita atribui boa parte da repercusso de seu trabalho condio feminina. "Ain- da hoje causa estranheza uma mulher ser

  • PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 11

  • tao bem-sucedida em uma especialida- de dominada por homens", diz ela.

    O que a levou a escolher a cirurgia nu- ma poca em que to poucas mulheres fa- ziam o curso de medicina e praticamente nenhuma optava por essa especialidade? Rodei por vrios setores da cincia mdica e minha idia inicial era chegar clnica. Comecei a fazer o rodzio do internato da Faculdade de Medicina, onde os alunos passam por vrias es- pecialidades. importante ver tipos diferentes de doenas, de doentes, de mdicos e de professores. O aluno vai sentindo qual sua verdadeira vocao dentro da medicina. Tudo o influencia porque at o quinto ano ele no sabe exatamente o que quer fazer, se pedia- tria, dermatologia, ortopedia. Quando tinha aula de tcnica cirrgica eu no me interessava muito. Achava que nun- ca iria fazer cirurgia porque naquela poca isso no era especialidade para mulher. Era clnica ou ginecologia, no mximo. Naquele tempo era permitido aos alunos estagiar na Casa Maternal de So Paulo. Fui para l como acadmica e comecei na obstetrcia. Mas entrei na sala de operao e me deram agulha para fechar uma parede abdominal. Na- quele momento senti que o ato de ope- rar era natural para mim.

    Simples assim? Foi. Senti imediatamente que eu po- deria me desenvolver naquilo porque tenho um esprito prtico, combativo. Os resultados dos tratamentos daquela poca eram meio precrios. Na cardio- logia os medicamentos que existiam na poca eram poucos, principalmente a digitoxina. Os doentes cardiopatas evo- luam mal, viviam com falta de ar. Na gastroclnica as doenas eram de longa durao, no se resolviam facilmente. Tenho temperamento de cirurgio, que gosta de tratar e ver o resultado. Voc v um doente mal, opera e ele, em geral, fi- ca timo. fantstico.

    A senhora nasceu na Ilha de Maraj, no Par, e veio para So Paulo aos 7 anos. Foi difcil conseguir chegar FMUSP? Eu tinha estudado alguma coisa l, mas no sabia quase nada. Em So Pau- lo cursei apenas escolas pblicas, que eram excepcionais naquele tempo. Quando fazia o cientfico [ um dos cursos

    do perodo, em paralelo ao clssico, atual ensino mdio], eu estava sem rumo. Sa- bia que tinha facilidade para estudar e que minha vocao seria na rea biol- gica. Terminei influenciada pelo meu grupo de voleibol. Coincidentemente, aquelas pessoas queriam fazer medicina porque tinham mdico na famlia. Eu no conhecia mdicos, meus pais eram imigrantes libaneses com posses limita- das. Eu era um p-rapado na vida. Mas isso no foi problema porque sou oti- mista. Cirurgio precisa ser otimista. Nunca digo para um doente que ele vai mal, que est mal. Acho que vai dar tudo certo. Fao todo o possvel para dar certo e sempre acredito que vai dar.

    s vezes, no d. Realmente, s vezes no d. A gente convive com uma realidade, muitas ve- zes penosa, em que o mdico precisa ser otimista.

    Imagino que esse seu esprito tenha con- tribudo para a senhora enfrentar algu- mas adversidades dentro da universidade. Muito. Quando entrei na faculdade tinha apenas mais uma colega que se especializou em cirurgia plstica, mas foi para o interior e no tive mais not- cias dela. Na faculdade e depois, j como cirurgia, eu tinha um empuxo dana- do, trabalhava violentamente. Para de- monstrar que tinha capacidade de ven- cer como cirurgia sempre trabalhei mais do que a mdia dos que trabalha- vam bem. Eu me mantenho entre os melhores do meu setor porque conti- nuo trabalhando muito. No foi fcil aqui no Brasil e foi ainda mais difcil no exterior. Na Inglaterra, o Saint Mark's Hospital levou dois anos para me acei- tar, em 1961. Eles diziam para mim que aquilo era um hospital de homens. Mas consegui convenc-los e fui a primeira mulher a estagiar l. Eles no estavam acostumados, eu iria quebrar toda a ro- tina do Saint Mark's. Lembro muito bem, na hora do almoo, sentavam to- dos os assistentes e o mais velho era quem servia a mesa. Eles me chama- vam de "big mofher", ou seja, faz de conta que a me e nos sirva. O hospi- tal era muito famoso e muito conven- cional. De repente eu, mulher, cirurgia, chegava l e no tinha nem vestirio para trocar a roupa. Alis, isso tambm ocorria no Brasil.

    E como fazia? Usava o vestirio das enfermeiras. Elas passaram logo a me aceitar, vira- ram minhas amigas e clientes. Aos poucos, consegui reverter a situao. Os doentes me viam e perguntavam "cad o mdico?". Anos depois, quando ia s reunies do Colgio Americano de Ci- rurgies, ou na Europa, era a nica mu- lher. Hoje no, est cheio.

    A senhora ocupa postos de liderana h muitos anos. Sempre houve mdicas epes- quisadoras de excelente nvel que tm di- ficuldades em alcanar cargos de direo. H perspectiva de mudana? Aos poucos essa situao vem mu- dando. Na Faculdade de Medicina h vrias titulares. A de molstias infeccio- sas, de reumatologia, de endocrinolo- gia. algo recente, talvez de cinco ou dez anos para c. Aquele era um mundo masculino, na Congregao da Faculda- de no tinha mulher. Fui a primeira chefe de Departamento na Gastroente- rologia, antes de ser titular, e a primeira titular em carreira cirrgica. preciso dizer que a faculdade sempre teve tam- bm um outro problema: existe uma concorrncia enorme para ser titular, quando deveria ter nmero maior de va- gas para titulares. No meu discurso de posse na Congregao pleiteei que o ttu- lo de professor titular deveria ser aberto. O professor associado que est produ- zindo, fazendo escola, ensinando, deve- ria ter direito de concorrer vaga de ti- tular e no esperar algum se aposentar ou morrer. Chegar ao final da carreira fato ainda excepcional, no importa a boa qualidade dos docentes. Fiz o doutora- do em 1966, a livre-docncia em 1972 e virei titular em 1998. Voc v o gap*. E j tinha prestgio, todo mundo sabia que eu tinha condies de ser professora ti- tular. Mas no abria vaga. Deveria ser possvel chegar ao final por mritos e no esperar eternamente por vagas.

    H possibilidade de isso vir a acontecer? Acho que sim, porque j h alguns departamentos com um maior nmero de vagas para titulares. uma tendncia da universidade, em pases como o nos- so, para facilitar a progresso da carrei- ra. No confunda com vulgarizar a car- reira. Deve-se permitir que os que tm valor alcancem o final da carreira. O meu sucesso, na vida profissional, bem

    12 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • como nas sociedades as quais perteno, no porque eu sou titular, mas por- que trabalhei a vida inteira. Ensinei mui- tos residentes, alunos de ps-graduao, estagirios da Amrica Latina inteira. Muitos dos mdicos que ajudaram a mudar a coloproctologia na Amrica Latina estagiaram comigo. Tambm pesquiso e escrevo trabalhos cientficos. Nos ltimos anos, talvez eu tenha ad- quirido um prestgio maior custa de um trabalho pioneiro que comecei em 1991, sobre cncer de reto.

    Do que se trata? Dediquei muito da minha vida pro- fissional ao cncer de reto. Minha tese de 1972, de livre-docente, j foi sobre uma tcnica de conservao do nus para cncer de reto. Naquela poca era raro fazer esse tipo de operao. Eu achava que muitos doentes que tinham esse tipo de cncer no precisavam fazer a colostomia definitiva, aps a retirada de todo o reto, nus e esfincteres. Evito ao mximo a colostomia.

    Por que o trabalho com esse tipo de cn- cer foi pioneiro? Um cirurgio americano, Norman D. Nigro, introduziu em 1974 o concei- to de que cncer de nus pode ser trata- do, de incio, com um programa combi- nado de rdio e quimioterapia. Em uma boa parte dos casos o tumor desaparece e no preciso operar. Pensei: se pos- svel curar o cncer de nus, por que no o de reto baixo? Comeamos a tratar o doente com radioquimioterapia antes da cirurgia. E diferentemente do que fa- zem outros cirurgies, passei a no ope- rar de imediato quando o tumor desapa- recia. Outros mdicos, europeus, sul e norte-americanos indicam sempre a ci- rurgia aps o tratamento, mesmo quan- do h regresso total do tumor. Eu no. Tenho casustica [registros minuciosos de casos clnicos] que inclui 360 doentes com cncer de reto baixo. O reto tem 15 centmetros. Quando o cncer no reto alto, no preciso, em geral, fazer ra- dioquimioterapia. Operamos de imedia- to. Agora, quando o cncer bem perto do esfncter, para curar o doente, se no fizer radioquimioterapia, tem de ampu- tar o reto e os esfincteres e fazer a colos- tomia definitiva. Quando se faz radio- quimioterapia, em cerca de 25% a 30% das vezes o tumor desaparece.

    Sem operar? Sem operar. No caso de cncer de nus, 70% desaparece; de reto baixo, 30%. Operei alguns desses doentes com regresso completa e na pea cirrgica no tinha tumor. A decidi: no vou mais operar doente se no tiver tumor. Como saber se o tumor desapareceu? Exami- namos com toque e endoscopia na ava- liao feita oito semanas depois do tra- tamento e fazemos uma tomografia. Como o doente tambm no quer am- putar o reto, criamos uma parceria: o pa- ciente e eu. Sigo esses doentes muito de perto. Eles voltam sempre para consulta porque sabem que s opero quando per- manece leso residual aps o tratamen- to. Deixo claro que o tumor pode voltar e at piorar. Aviso: "Se voltar, teremos que operar". De um grupo de 360 doen- tes, estou com 99 doentes que no ope- rei e estou seguindo. Claro que j tive vrias recidivas, os doentes foram ope- rados e alguns fizeram colostomia. Nos 260 doentes em que o tumor no desa- pareceu, mas diminuiu muito depois da radioquimioterapia, muitas vezes em vez de amputar o reto, fazemos uma ci- rurgia de conservao esfincteriana pro- tegendo a sutura com uma estomia [abertura feita cirurgicamente no abdo- me] temporria. Quando comecei a apresentar nossos trabalhos, a partir de 1991, tive dificuldades na sua aceitao.

    Por qu? Havia muita resistncia por parte dos mdicos, que achavam que no operar de imediato no era tico porque o tu- mor poderia voltar. Eu argumentava o seguinte: o que tico para o doente? Se- ria operar quem clinicamente no tinha mais tumor, fazer uma colostomia defi- nitiva e na pea cirrgica que foi remo-

    vida no encontrar tumor? Nossa equipe conversa claramente com o doente e diz: "Amigo, hoje o tumor desapareceu, mas a qualquer momento pode voltar. Se isso no acontecer, ficamos satisfeitos e voc tambm. Mas, se voltar, teremos de operar". J operamos vrios por causa de recidiva, mas na grande maioria o tumor no voltou. Agora, nossos traba- lhos sobre esta estratgia de tratamento tm sido publicados em boas revistas. Em pases como os Estados Unidos di- ferente, os cirurgies no tm o mesmo tipo de relacionamento com os doentes como aqui. Alm disso, os processos mdicos so muito freqentes.

    Essa foi uma contribuio importante para sua rea? Foi, a meu ver, uma boa contribuio demonstrar que alguns doentes com cncer de reto baixo com indicao ini- cial para fazer colostomia podem ser poupados de uma operao quando submetidos radioquimioterapia. No todos, uma minoria. Mas no importa. O doente que no foi operado ganhou muito com isso. Continuamos com as pesquisas nessa rea. Mais recentemen- te temos aumentado a dose da radio- quimioterapia e obtido maior nmero de resposta completa, isto , a regresso do tumor.

    Onde esse trabalho efeito? No Hospital das Clnicas. Hoje a ra- dioquimioterapia para cncer do reto baixo consenso. Nossa conduta, de no operar, que no aceita em con- senso nem mesmo no Brasil. reserva- da para centros de pesquisa. Porque, claro, se no houver disponibilidade de servio especializado de radioquimio- terapia e se o mdico responsvel pelo

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 13

  • O POLTICA CIENTFICA E TECNOLGICA

    rticuiaao muulmana Prisioneiro de

    conscincia Jornais ligados ao governo do Ir anunciaram que o pro- fessor de filosofia Ramin Ja- hanbegloo, preso desde maio em Teer, teria confessado participao num plano para derrubar o governo do pas com ajuda dos Estados Uni- dos e do Canad. A notcia foi recebida com ceticismo pela Anistia Internacional, Unio Europia e pelo governo ca- nadense, que pressionavam o Ir a libertar o acadmico. Antes da confisso, a priso era justificada oficialmente pelo contato de Jahanbegloo com estrangeiros, o que no crime no Ir. "Como preci- savam dar respaldo priso, produziram essa confisso", disse Karim Sadjadpour, ana- lista do grupo de defesa dos direitos humanos Internatio- nal Crisis Group. Segundo a revista Science, o professor est confinado numa cadeia notria pela prtica de tortu- ra. Especula-se que o verda- deiro motivo da priso seja uma entrevista que Ramin Jahanbegloo concedeu a um jornal espanhol criticando as declaraes do presidente ira- niano Mahmoud Ahmadi-

    Um centro de pesquisas com sede em Islamabad, no Paquisto, vai ajudar os pases muulmanos a criar polticas cientficas efetivas e sistemas nacionais de ino- vao. Inaugurado no dia 12 de julho graas a um investimento de US$ 8 milhes, o centro coorde- nado pelo comit de coo- perao cientfica da Or- ganizao da Conferncia Islmica (OIC), que con-

    nejad que colocavam em dvida a existncia do Holo- causto. Jahanbegloo, de 45 anos, doutorou-se em filoso- fia na Universidade Sorbon- ne, fez ps-doutoramento na Universidade Harvard e foi professor da Universidade de Toronto.

    Atta-ur-Rahman, ministro paquistans para a educa- o superior e coordenador geral do comit, diz que a iniciativa busca preencher uma velha lacuna. Segun- do ele, entre os membros da OIC, apenas alguns pou- cos pases, como Egito, Ir, Malsia e Turquia, tm academias de cincia capa- zes de dar aconselhamento aos governos. " hora de o

    A Lua tem que esperar

    O fracasso do lanamento do maior satlite de comunica- es desenvolvido pela ndia deve adiar os planos do pas de enviar no ano que vem uma misso no tripulada

    ndo muulmano; dar para a importncia da cincia e da tecnologia na promoo do desenvolvi- mento socioeconmico", disse o ministro ao jornal indiano Urdu Times. O centro vai abrigar econo- mistas especializados em poltica cientfica, que pro- movero cursos de treina- mento para estudantes, au- toridades e formuladores de polticas pblicas.

    Lua. O foguete GSLV-F02, que carregava o satlite In- sat-4C, explodiu logo aps o lanamento, no dia 10 de ju- lho, produzindo uma chuva de destroos na baa de Ben- gala. Como a segurana da tecnologia do foguete vital para o sucesso da misso Chandrayaan-I Lua, j se fala num adiamento da via- gem, prevista para o ano que vem. O principal objetivo da misso pesquisar a distri- buio local dos minerais e dos elementos qumicos, alm de produzir mapas tridimen- sionais da superfcie lunar. O astronauta indiano Rakesh Sharma admitiu agncia EFE que "o programa espa- cial sofrer um atraso". Mas

    18 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • se disse convencido de que a experincia trar aprendizado e que seu pas ter sucesso.

    Para recuperar o atraso

    A Universidade Nacional Au- tnoma de Mxico (Unam) a maior universidade da Amrica Latina, com cerca de 200 mil alunos, e est en- tre as 100 melhores do mun- do, frente das brasileiras. Mas seu reitor, Juan Ramn de Ia Fuente, no est satis- feito. Em uma conferncia realizada no dia 17 julho no Instituto das Amricas, em La Jolla, Califrnia, Fuente queixava-se de que ainda muito restrito o acesso ao ensino superior, relata Car- los Fioravanti, editor de ci- ncia de Pesquisa FAPESP. Mesmo que o Mxico esteja um pouco acima da mdia na Amrica Latina (20%), apenas 22% dos jovens de 18 a 24 anos chegam uni- versidade. No Brasil, o ndi- ce de 14%. "Na melhor das hipteses, os pases latinos oferecem metade do reco- mendado para se manter competitivo na educao su- perior", comentou. Segundo ele, duplicar o acesso uni- versidade seria uma forma de satisfazer apenas um dos elementos necessrios ino- vao - a formao de mo- de-obra qualificada. "Sem uma poltica mais vigorosa de acesso ao ensino superior,

    no teremos como recupe- rar esse atraso e avanar", disse Fuentes.

    Incentivo ao jornalismo

    O Ministrio da Educao, Cincia e Tecnologia da Argen- tina lanou um programa na- cional de capacitao em jor- nalismo cientfico e criou um prmio para as melhores pro- dues na rea. " preciso mui- ta tenacidade para ter espao permanente na imprensa ar- gentina", disse, em entrevista coletiva, o ministro Daniel Fil- mus. Segundo o portal Uni- versia Argentina, o programa de capacitao ter cursos que viajaro por diversas provn- cias. O prmio de jornalismo ter cinco categorias (jornal, televiso, rdio, web e traba- lhos inditos em qualquer ve- culo). Os vencedores ganha- ro uma viagem a um centro internacional de pesquisas da Europa ou dos Estados Uni- dos sua escolha.

    Sinal de alerta no Uruguai

    O contingente de pesquisa- dores e tcnicos envolvidos com atividades de inovao na indstria uruguaia dimi- nuiu 43% em 2003, em com- parao com o final dos anos 1990. Os dados fazem parte da II Pesquisa de Atividades de Inovao na Indstria (2000-2003), elaborada pelo

    governo uruguaio. Foram contabilizados apenas 434 profissionais dedicados Pesquisa e Desenvolvimento, o equivalente a 0,5% do total de empregados. J no trinio anterior, a indstria uruguaia

    abrigava 766 cientistas e tc- nicos envolvidos nessas tare- fas. "A baixa quantidade de pesquisadores na indstria um tema-chave para o pas", disse agncia de notcias SciDev.net Amilcar Davyt, ti- tular da Direo de Inova- o, Cincia e Tecnologia (Dicyt), do governo uru- guaio. A pesquisa mostra que apenas 36% das indstrias realizaram alguma atividade de inovao, mas a grande maioria delas foi a compra de mquinas e a capacitao do pessoal, no projetos de pes- quisa e desenvolvimento.

    Redo gara

    A Academia Nacional de Cincias da Hungria acusada de discriminar pesquisadores da rea mdica que trabalham fora do pas. Para conce- der o grau de doutor em cincia, necessrio para pesquisadores atuarem em universidades e insti- tutos de pesquisa hnga- ros, a diviso mdica da academia adota um crit- rio polmico ao avaliar os currculos dos candida- tos: artigos divulgados em revistas cientficas hngaras tm um peso duas vezes maior do que os publicados no exterior. "As regras excluem es-

    trangeiros da competio com cientistas mdicos da Hungria", disse re- vista Nature Gbor Vajta, embriologista hngaro radicado em Tjele, Dina- marca. Vajta no tem in- teno de voltar a seu pas natal. "Mas, se quisesse, teria de recomear a car- reira do zero", diz. O go- verno hngaro, que bus- ca fortalecer a cincia no pas mas no tem poder direto sobre a academia, tambm est preocupado. "A academia dominada por pesquisadores dos tempos do totalitarismo", diz Jnos Kka, ministro da Cincia da Hungria.

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 19

  • Estratgias Brasil

    Em busca da liderana

    O governo federal produziu o esboo de um plano estra- tgico no campo da biotecno- logia que, caso seja implemen- tado, poder movimentar at R$ 7 bilhes em investimen- tos nos prximos dez anos. O objetivo levar o pas li- derana mundial em reas especficas de sade huma- na, industrial e agropecuria at o ano de 2020. Batizado de Estratgia Nacional de Bio- tecnologia, o documento cita reas-chave como a produ- o de etanol e biodiesel, produo de plsticos biode- gradveis, transformao de biomassa em energia eltri- ca, vacinas, hemoderivados, prteses e kit diagnsticos, alm de tecnologias que am- pliem produtividade do agro-

    negcio, entre outras. Os re- cursos devem vir dos fundos setoriais, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Banco Nacional de Desenvol- vimento Econmico e Social (BNDES) e da prpria inds- tria. O plano, assinado pelos ministros da Sade, da Cin- cia e Tecnologia, do Desenvol- vimento e Comrcio Exterior e da Agricultura, foi encami- nhado Presidncia da Rep- blica no incio de julho.

    Escritrio em Gana

    O presidente Luiz Incio Lula da Silva anunciou no dia 10 de julho a instalao do primeiro escritrio no continente africano da Em- presa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa). O escritrio ser instalado em

    Acre, capital de Gana. Sua misso compartilhar co- nhecimentos cientficos e tecnolgicos com o todo con- tinente africano, de modo a combater a fome na regio e contribuir para o seu desen- volvimento sustentvel. Um memorando de entendi-

    mento entre a Embrapa e o Conselho para Pesquisa Cien- tfica e Industrial (CSIR) de Gana estabelece reas para cooperao: uso sustentvel de recursos naturais, siste- mas produtivos e proteo sanitria de plantas e ani- mais, fruticultura e horti-

    den, de Jon McCormack

    Arte ciberntica Segue at o dia 24 de se- tembro em So Paulo a terceira edio da Bienal Internacional de Arte e Tecnologia, promovida pelo Ita Cultural. A ex- posio, que neste ano

    Art.fial 3,0 - Interface Ciberntica, traz 13 obras criadas por 18 artistas de pases como Alemanha, Blgica, Canad, Estados Unidos, Frana e Norue- ga. Como muitas so in- terativas, at crianas po-

    dem estabelecer contato com elas, vendo letrinhas danando na mquina de escrever ou bolhas cres- cendo conforme o tom de voz do visitante. Au- tmatos interagem entre si e o ambiente na obra den, de Jon McCor-

    Universidade de Mo- nash, em Melbourne. O Ita Cultural fica na ave- nida Paulista, 149. A en- trada gratuita.

    22 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • Bi

    cultura tropical, zoneamen- to agrcola, biotecnologia e troca de material gentico, entre outros.

    Sade humana e animal

    Duas selees pblicas fo- ram lanadas pela FAPESP vinculadas ao desenvolvi- mento de projetos nas reas de sade humana e animal. Em acordo firmado com o Instituto Nacional de Sade e da Pesquisa Mdica (In- serm), da Frana, ser apoia- da a cooperao entre gru- pos de pesquisa do estado de So Paulo com os da insti- tuio francesa. O apoio po- de ser concedido na forma de viagens e estgios para o de- senvolvimento de projetos de pesquisa conjunta por um pe- rodo de dois anos. Os est- gios tero a durao de at trs meses. A apresentao de propostas dever ser rea- lizada at o dia 30 de setem- bro. O formulrio eletrni- co est disponvel no link www.ourofino.com/web/br. A segunda chamada, resul- tado da cooperao entre o Programa Parceria para Ino- vao Tecnolgica (Pite) e o Grupo Ouro Fino, est aber- ta a projetos que englobem pesquisa e desenvolvimen- to com aplicao na rea farmacutica veterinria. A ntegra da chamada pode ser obtida no link www.fa- pesp.br/ourofino.

    Fiocruz recruta pesquisadores

    A Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai selecionar 106 pesquisadores visitantes para suas unidades e laboratrios em Belo Horizonte, Curiti- ba, Recife, Rio de Janeiro e

    i\^> Salvador. So oferecidas dez vagas para pesquisadores que concluram doutorado h mais de cinco anos (bolsa de R$ 4 mil) e 96 vagas para pesquisadores juniores, que se doutoraram h menos de cinco anos (bolsa de R$ 3,3 mil). H oportunidades pa- ra doutores em reas como bioestatstica, biologia mole-

    cular, bioqumica, cincia da informao, cincias, cincias ambientais, cincias da sa- de, cincias sociais, comuni- cao, economia, engenharia ambiental, engenharias bio- mdica, qumica ou sanit- ria, entomologia, epidemio- logia, estatstica, entre outras. As inscries estaro abertas at 18 de agosto.

    Como evolui a inovao

    A terceira edio da Pesquisa Industrial de Inovao Tec- nolgica (Pintec) j come- ou a ser preparada. Realiza- da pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), com apoio da Finan- ciadora de Estudos e Proje- tos (Finep), a pesquisa res- ponsvel por fornecer dados que apontam o nmero de empresas implementando inovaes e caractersticas das atividades inovativas. A edio de 2003 registrou uma queda no nmero de empre- sas brasileiras que fazem pes- quisa e desenvolvimento de forma contnua - eram 2.432 em 2003 ante 3.178 na pes- quisa de 2000. Segundo a Fi- nep, a Pintec ser ampliada e ir contemplar, alm das empresas industriais, tam- bm as da rea de servios com alta intensidade tecno- lgica. O levantamento, que antes compreendia um pero- do de trs anos, a partir de agora ser bianual.

    para apoiar a pesquisa At 28 de agosto, a FA- PESP recebe propostas para um programa de pes- quisa em museus e cen- tros de cincias. Podem apresentar projetos pes- quisadores associados a museus ou centros de cincias em instituies paulistas. O programa se viabilizou graas a uma parceria entre a FAPESP e a Fundao Vitae, que est encerrando suas ati- vidades. "Esta uma bela oportunidade que foi tra- zida FAPESP pela Fun- dao Vitae, que teve um programa de resultados muito bons para o apoio de centros de cincias", diz o diretor cientfico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. "Com o encerramento da ativida- des da Vitae no Brasil, surgiu a oportunidade de uma parceria para apoiar pesquisa sobre centros de cincias. Temos a expec- tativa de estimular a pes- quisa e, com isso, o aper- feioamento da operao de centros de cincia em So Paulo", afirmou Brito Cruz. Mais informaes no endereo www.fa- pesp.br/vitae.

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 23

  • DIFUSO

    O conhecimento

    socializado Com a marca indita de 6 milhes de acessos mensais, biblioteca SciELO vai estudar o perfil de seus usurios

    FABRCIO MARQUES

    biblioteca eletrnica SciELO Brasil alcanou um patamar indito de visibilidade: a cada ms, so realizados por meio da internet 6 milhes de consultas a artigos de revistas cien- tficas brasileiras abrigadas em sua base de da- dos. A multiplicao dos acessos se d num ritmo veloz - h trs anos, contavam-se no mais do que 200 mil downloads de artigos por ms. Para compreender o fenmeno, o Cen- tro Latino-Americano e do Caribe de Infor- mao em Cincias da Sade (Bireme), res-

    ^^^^^^^ ponsvel pela operao da biblioteca, vai esquadrinhar cada um dos acessos nos prximos meses. "Calcu- lamos que entre 400 e 600 mil acessos mensais provm de ou- tras bases acadmicas", diz Abel Packer, diretor da Bireme e co- ordenador operacional da SciELO, cuja sigla em ingls significa Biblioteca Cientfica Eletrnica On-line. "Ainda temos pouca informao sobre a origem da maioria dos acessos", afirma.

    A expanso da popularidade da biblioteca virtual, criada em 1997 e que hoje rene 158 publicaes cientficas brasilei- ras com contedo totalmente aberto e gratuito, est relaciona- da ao sucesso de sites de busca na internet como o Google, que remetem facilmente os internautas aos artigos. Hoje a coleo SciELO tornou-se uma das dez fontes de informao mais aces- sadas por usurios do Google Scholar, ferramenta do Google es- pecializada em pesquisa acadmica. Mas se sabe que uma par- te dos acessos vindos dos buscadores da internet, alm do Google Scholar, no tem origem nobre. Algumas palavras- chave de interesse de quem busca pornografia na rede, como "clitris", por exemplo, geram um nmero significativo de pes- quisas. Outros termos, como "futebol", tambm geram uma

    24 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP126

  • profuso de consultas. possvel que parte desses acessos seja acidental e no se traduza na leitura dos artigos.

    O levantamento que ir mapear a origem dos acessos deve ficar pronto at o final do ano. Mas, desde j, possvel observar que a biblioteca, criada com o objetivo de tornar visvel a pesquisa aca- dmica feita e publicada no pas, est conquistando um perfil e uma impor- tncia maiores do que os concebidos por seus criadores: surgiu graas a uma par- ceria celebrada em 1997 entre a Bireme, que vinculada Organizao Pan-Ame- ricana da Sade (Opas) e Organizao Mundial da Sade (OMS), e a FAPESP. E conta tambm com a parceria e apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desen- volvimento Cientfico e Tecnolgico) desde 2002. De um lado, h que se des- tacar o desempenho impressionante para uma base de dados que rene majoritari- amente artigos em lngua portuguesa. "Aquela preocupao que temos desde os primrdios da internet, de que havia pouca informao em lngua portuguesa na rede, comea a ser resolvida de forma sistemtica", diz Abel Packer. "O melhor da produo cientfica em portugus est ali." Dados de 2005 da organizao Unio Latina mostram que quase 2%

    do contedo da internet est em portu- gus, ante 45% em ingls. Em segundo lugar, deve-se ponderar que, embora muitos acessos no tenham finalidade acadmica, os internautas esto consul- tando informao de qualidade - para ingressar na SciELO, uma revista cient- fica deve cumprir uma srie de requisi- tos alcanveis s pelas publicaes de primeira linha, em relao qualidade de contedo, originalidade das pes- quisas, regularidade da publicao, entre outras.

    "Instrumento de educao" - "Embo- ra no seja sua funo original, a SciELO est se tornando uma grande universi- dade pblica virtual, um instrumento de educao que fornece informao para todo mundo que precisa", diz o as- trnomo Joo Steiner, diretor do Insti- tuto de Estudos Avanados (IEA) da Universidade de So Paulo (USP) e edi- tor da revista Estudos Avanados, uma das mais visitadas da base SciELO. A tra- jetria dessa revista reveladora da evo- luo da biblioteca. A publicao ingres- sou na base em maro de 2004. Desde ento, o IEA mobilizou-se para digitali- zar todos os nmeros anteriores, desde a criao da revista em dezembro de

    1987, e coloc-los integralmente na SciELO. Apesar do ingresso recente, est em 18 lugar entre os ttulos mais consul- tados da histria da SciELO. Quando se analisam os dados mensais, a publica- o mostra um desempenho crescente. Foi a terceira revista mais acessada em maio, com 233.533 consultas, e alcan- ou o segundo lugar em junho, com 230.899 consultas.

    Os temas "realidade brasileira", "Bra- sil" e "Amaznia" so os mais acessados nas buscas dos internautas. O perfil dos trs textos mais lidos d uma medida do que popular na internet. O primei- ro o artigo "Clonagem e clulas-tronco", publicado em meados de 2004, de auto- ria da professora de gentica da USP Mayana Zatz. O segundo o ensaio "Glo- balizao: novo paradigma das cincias sociais", assinado pelo socilogo Octvio Ianni (1926-2004) e publicado em mea- dos de 1994.0 terceiro, "A trajetria do negro na literatura brasileira", foi escri- to pelo professor da Universidade Fede- ral Fluminense Domcio Proena Jr. e publicado no incio de 2004.

    "Todos so grandes artigos, sinal de que os usurios buscam contedo de qualidade", diz Steiner. "Mas preciso ser cuidadoso na interpretao dos da-

    PESOUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 25

  • dos, pois o nmero de consultas no um indicador adequado de impacto ou de qualidade", afirma. O desempenho da publicao mais acessada de toda a bi- blioteca, os Cadernos de Sade Pblica, da Fundao Oswaldo Cruz, mostra que fatores extra-acadmicos influenciam a popularidade dos artigos. O primeiro e o terceiro artigos mais consultados so de uma mesma autora, Maria Ceclia Mynaio: "Violncia social sob a perspec- tiva da sade pblica" (1994) e "Quanti- tativo-qualitativo: oposio ou comple- mentaridade?" (1993). So ensaios tidos como fundamentais para quem traba- lha com sade pblica. Mas os editores da revista acham plausvel afirmar que o segundo artigo mais acessado, "Muscu- lao, uso de esterides anabolizantes e percepo de risco entre jovens fisicul- turistas de um bairro popular de Salva- dor, Bahia", de Jorge Iriart e Tarcsio de Andrade, seja muito procurado porque o tema popular na internet. "Pessoas interessadas em musculao podem estar reforando a procura pelo artigo", diz Reinaldo Souza dos Santos, editor-asso- ciado dos Cadernos de Sade Pblica.

    H categorias de revistas mais aces- sadas que outras, como as do campo da sade pblica. Os nmeros acumula-

    dos de nove anos de SciELO mostram que, depois dos Cadernos de Sade P- blica da Fiocruz, com 3,3 milhes de consultas, vem a Revista de Sade P- blica, da Faculdade de Sade Pblica da USP, com 3,2 milhes de downloads. Pu- blicaes da rea de educao, como Educao e Sociedade, da Faculdade de Educao da USP, a 7a do ranking, tam- bm so muito procuradas. "Quem mo- vimenta esses nmeros so comunida- des de pesquisadores e profissionais carentes de informao", diz Packer.

    Cincia perdida - Essa produo acad- mica encaixa-se, de certa forma, na tese de W. Wayt Gibbs, que em 1995, num artigo na revista Scientific American, pontificou sobre a existncia de uma "cincia perdida do Terceiro Mundo", no indexada em bases de dados inter- nacionais, mas de grande interesse re- gional. Referia-se produo em reas como sade pblica, agronomia e edu- cao. Com o advento da SciELO, que oferece o contedo das melhores revis- tas brasileiras com acesso aberto, a cin- cia perdida deixou de ser invisvel.

    O modelo vem sendo seguido por outros pases. Logo aps o lanamen- to da SciELO Brasil em 1997, o Chile

    (atualmente com 56 ttulos) adotou a metodologia e deu incio expanso da Rede SciELO nos pases ibero-america- nos, que conta com colees nacionais certificadas na Espanha (26 ttulos), Cu- ba (19 ttulos) e Venezuela (16 ttulos). Outros pases, como Argentina, Colm- bia, Costa Rica, Mxico, Peru, Portugal e Uruguai, esto em processo avanado de desenvolvimento das suas colees. A SciELO tambm opera colees temti- cas internacionais como nas reas de sade pblica e cincias sociais.

    A revista Qumica Nova, publicao da Sociedade Brasileira de Qumica, um exemplo peculiar. Em 3o lugar no ranking geral da SciELO, com mais de 2 milhes de acessos, a revista tem sua po- pularidade associada a um conjunto de fatores. O mais importante deles, segun- do a editora Susana Torresi, professora do Instituto de Qumica da USP, o prestgio da publicao - classificada como Internacional A pela Coordena- o de Aperfeioamento do Pessoal de Nvel Superior (Capes). "Mas desde que a revista entrou na base SciELO aumen- tou a procura de pesquisadores de reas afins, como geoqumica, alimentos e en- genharia agrcola, para publicar artigos na Qumica Nova", afirma.

    26 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • Os editores tambm observaram que um nmero maior de pessoas, entre es- tudantes e pesquisadores de outras reas, passou a consultar a revista. No por acaso, os artigos de reviso, que atuali- zam a literatura internacional sobre cer- tos assuntos, so os mais populares. A Qumica Nova tem uma particularidade que tambm explica a procura: a ni- ca grande revista nacional de qumica

    cujos artigos so escritos em portugus. "Mas se trata de uma revista acadmica, que dificilmente vai inspirar interesse de pblico leigo", diz Susana.

    Nmeros temticos costumam ser mais consultados do que uma edio co- mum, pois tm repercusso mais dura- doura. A revista So Paulo em Perspecti- va, da Fundao Seade, ocupa o 19 lugar no ranking das mais acessadas,

    0 cu o limite Nmero de acessos por ms a artigos da Biblioteca SciELO Brasil

    7.000.000

    Mar/98 Mai/99 Mai/00 Mai/01 Mai/02 Mai/03 Nov/03 Mai/04 Mai/05 Set/05 Mai/06

    Fonte: SciELO Brasil Indexao no Google "Indexao no Google Scholar

    com mais de 930 mil consultas desde 1997. Mas exibe um desempenho mais impressionante em outro ranking, o dos fascculos de cada publicao mais procurados. A revista uma publicao temtica. Cada nmero rene artigos de profundidade de um determinado as- sunto. "As edies no perdem a atuali- dade. S publicamos artigos estruturan- tes, sem anlises conjunturais", diz Aurlio Srgio Caiado, editor da publica- o. O fascculo mais visitado da base SciELO, com quase 150 mil acessos, a edio de junho de 2000 da revista da Fundao Seade. Trata-se da coletnea Educao: cultura e sociedade.

    No estudo que a Bireme far sobre os acessos SciELO, ser avaliado se o crescimento recente do nmero de aces- sos por meio da internet fez as revistas serem mais citadas em outras publica- es cientficas. Ainda no h indcios de que isso esteja acontecendo de forma sustentvel. "Mas h relatos de casos de publicaes que melhoraram seu fator de impacto depois de disponibilizarem seu contedo gratuitamente na inter- net", afirma Rogrio Meneghini, profes- sor aposentado do Instituto de Qumica da Universidade de So Paulo e coorde- nador cientfico da SciELO.

    PESQUISA FAPESP126 AGOSTO DE 2006 27

  • O POLTICA CIENTFICA E TECNOLGICA

    INDICADORES

    Mais um degrau Produo cientfica cresce e Brasil j responsvel por 1,8% dos artigos publicados no mundo

    produo cientfica brasileira alcanou um patamar indito em 2005: foi responsvel por 1,8% de todos os artigos publicados em peridicos cientficos indexados na base de

    dados do ISI (Instituto de Informao Cientfica), ndice que mede a atividade de pesquisa no mundo. Em dados abso- lutos, a quantidade de artigos publica- dos em 2005 chegou a 15.777, diante de 13.313 em 2004, quando atingiu 1,7% da produo mundial. Apesar do cresci- mento, o Brasil manteve a 17a posio do ano anterior. Acontece que outros pases frente do Brasil tambm cresce- ram, como China (29%) e ndia (21%).

    "O Brasil avanou 49% nos ltimos cinco anos, o que significa que em trs anos poder pular para a 15a posio, ultrapassando dois grandes pases nossa frente, a Sua e a Sucia", disse Jorge de Almeida Guimares, presiden- te da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes). Um destaque nos dados de 2005 a contribuio dos pesquisadores da rea mdica. Em 2005 alcanaram 19,7% da produo nacional e tiraram pela pri- meira vez o primeiro lugar dos pesqui- sadores da rea de fsica, com 15% do total. A produo brasileira avana de maneira consistente desde os anos 1980. Recentemente, o Brasil deixou para trs

    Os lderes de 2005 Artigos cientficos publicados Participao da em 2005 em publicaes produo cientfica cientficas da base ISI mundial (em %)

    1o Estados Unidos 288.714 2o Japo 75.328 8,5

    8,4 7,4 16,7

    5,9

    3,0 1,8

    3o Alemanha 73.734 4o Reino Unido 64.913 5o China 59.361 6o Frana 52.236 7o Canad 41.957 8o Itlia 39.112 9o Espanha 10 Austrlia

    29.038 26.170

    17 Brasil 15.777

    naes como Blgica e ustria, mas o crescimento no tem acompanhado a evoluo de pases como China e ndia. Os chineses publicaram 59.361 artigos, 29% mais que em 2004. No topo do ranking esto os Estados Unidos, com 32,7% da produo cientfica mundial.

    Calcanhar-de-aquiles - O desempe- nho em alta atribudo a uma mudan- a de cultura: os pesquisadores brasilei- ros esto cada vez mais conscientes da importncia de divulgar sua produo cientfica. Mas persiste um calcanhar- de-aquiles na aplicao tecnolgica do conhecimento. O Brasil segue estagnado na 27a posio entre os pases que mais registram patentes.

    Para o diretor cientfico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, o cresci- mento da produo cientfica demons- tra o acerto de uma poltica do Estado nacional, que nos ltimos 50 anos tem apoiado a ps-graduao e a pesquisa acadmica. Ele ressalta que a comple- mentaridade entre os apoios federal e es- tadual tem sido fundamental. "O estado de So Paulo responde por mais da me- tade dessa produo, graas ao apoio continuado do contribuinte paulista a trs excelentes universidades estaduais, a USP, a Unicamp e a Unesp, a 20 institutos de pesquisa estaduais e FAPESP, ao lado de expressivo apoio por agncias federais e de atividades de instituies de pesqui- sa federais no estado", diz.

    28 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • O POLTICA CIENTFICA E TECNOLGICA

    POLTICAS PUBLICAS

    A metrpole comea a respirar Controle da emisso de poluentes poupa vidas em So Paulo

    pesar do aumento de 60% na frota de vecu- los em 20 anos, os n- veis de poluio por monxido de carbono, hidrocarbonetos e oxi- do de nitrognio na Regio Metropolitana

    de So Paulo reduziram-se significati- vamente. A melhora da qualidade do ar decorre da migrao das indstrias e da expanso do setor de servios. Mas tambm resultado do Programa de Controle da Poluio do Ar por Vecu- los Automotores (Proconve) que, desde 1986, estabelece limites mximos para emisso de gases poluentes.

    As novas tecnologias incorporadas pelas montadoras reduziram as emis- ses de poluentes em mais de 90% nos automveis e em 80% nos caminhes. Isso foi possvel por meio da troca dos carburadores por injetores que contro- lam eletronicamente a alimentao de combustvel, melhorando a combusto e o consumo, bem como a implantao de sistemas de controle de emisses, como o conversor cataltico.

    Esses investimentos, alm de impul- sionar o desenvolvimento tecnolgico da indstria automotiva, retiraram da atmosfera partculas que propiciam o desenvolvimento de doenas como in- farto do miocrdio, derrame, bronquite, asma e enfisema pulmonar. Os efeitos da reduo da poluio sobre a sade da

    Melhor qualidade do ar, apesar do aumento de 60% na frota de veculos

    populao so impressionantes. O La- boratrio de Poluio Atmosfrica Ex- perimental (LPAE), da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (USP), avaliou o impacto dessas medi- das na Regio Metropolitana de So Paulo nos ltimos dez anos e concluiu que foram poupadas 15 mil vidas, con- forme afirma Paulo Saldiva, pesquisa- dor do LPAE. O custo social dessas mortes teria sido de US$ 1,5 bilho.

    O ganho em sade deveria ser o prin- cipal argumento para justificar os inves- timentos em novas tecnologias. "Para construir uma usina hidreltrica, so exigidos estudos de impacto ambiental. O mesmo no ocorre quando as aes resultam em poluio do ar", afirma Sal- diva. So Paulo, ele exemplifica, licencia 20 mil novos veculos por ms. "A cada trs meses, esses veculos produzem um volume de emisses equivalente ao de uma termeltrica a gs, que altamen- te poluidora."

    Novas metas - O Proconve completou 20 anos com sucesso, mas agora tem que estabelecer novas metas para aten- der os novos padres preconizados pela Organizao Mundial da Sade (OMS). A OMS, ele exemplifica, est propondo um limite mximo de 20 micrmetros (milionsima parte do metro) para as partculas inalveis finas, provenientes das emisses de diesel. "So Paulo tem partculas com 40 micrmetros", ele afirma. Esta diferena, de acordo com a pesquisa da USP, resulta em nove mor- tes por dia e num custo social de US$ 300 milhes por ano. No caso das part- culas emitidas pelo diesel, os maiores vi- les da histria so os velhos nibus e caminhes - a frota tem uma idade m- dia de 15 anos - que ainda circulam sem utilizar filtros e catalisadores adequados.

    A soluo est na inspeo obrigat- ria de veculos, medida adotada apenas no estado do Rio de Janeiro. "J existe tec- nologia para isso", sublinha Saldiva.

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 29

  • O POLTICA CIENTFICA E TECNOLGICA

    DIVULGAO CIENTIFICA

    No f ront da notcia

    Jos Hamilton Ribeiro ganha prestigiado prmio de jornalismo da Universidade de Colmbia

    uma carreira em V que o acmulo de

    experincia cos- Ml tuma afastar os ! profissionais das I V ruas e empurr-

    los para cargos burocrticos, o

    jornalista Jos Hamilton, de 71 anos de idade e mais de 50 de profisso, segue no front da reportagem. H 25 anos, de mi- crofone em punho, produz matrias es- peciais para o programa Globo Rural, que vai ao ar s 8h da manh de domingo na Rede Globo, voltado para os interes- ses do homem do campo. Jos Hamilton, que acaba de conquistar o prestigioso prmio internacional de jornalismo Ma- ria Moors Cabot, concedido pela Uni- versidade de Colmbia, iniciou a carrei- ra em 1954, como reprter de jornal - permaneceu por seis anos na Folha de S. Paulo. Depois ajudou a criar revistas como Quatro Rodas e a extinta Realida- de. Foi em Realidade, na segunda metade da dcada de 1960, que uma experincia dramtica marcou a vida de Jos Hamil- ton e ganhou espao na histria do jor- nalismo brasileiro. Correspondente na Guerra do Vietn, ele perdeu uma perna na exploso de uma mina em 1968 - seu relato em forma de dirio sobre a guerra virou livro, O gosto da guerra, relanado recentemente pela Editora Objetiva.

    Um lado menos notrio de sua tra- jetria o de divulgador da cincia. Dos

    sete prmios Esso de Jornalismo que recebeu, quatro foram conferidos a reportagens de informao cientfi- ca, sobre temas como transplantes de rgos, ecologia e as mazelas que matam os brasileiros. "Meu interesse pela cincia comeou ainda na escola, quando fiz um ensaio para participar de um concurso sobre o solo. Fui conversar com um professor para poder escrever sobre o assunto e ele me deu uma aula sobre nutrio das plantas", lembra Jos Hamilton. "Fiquei encantado com aque- la conversa e o mundo que ela revelava. Repito essa sensao at hoje, sempre que vou entrevistar pesquisadores", afir- ma. Em 1999, Jos Hamilton foi agracia- do com o Prmio Jos Reis de Divulga- o Cientfica, modalidade Jornalismo Cientfico, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfi- co e Tecnolgico (CNPq).

    O recm-conquistado prmio da Universidade de Colmbia concedido h 68 anos a profissionais de imprensa que demonstram compromisso com a liberdade de imprensa e compreenso das relaes interamericanas na abor- dagem de assuntos da Amrica Latina. Alm dele, levaram o prmio o escritor peruano Mario Vargas Llosa, Ginger Thompson, chefe da sucursal da Cidade do Mxico do jornal The New York Ti- mes, e Matt Moffett, correspondente da Amrica do Sul do The Wall Street Jour- nal. Cada um receber uma medalha e

    US$ 5 mil, numa cerimnia no ms de outubro. Curiosamente, Jos Hamilton

    sequer teve o trabalho de se inscrever. Seu genro, o jornalista Srgio Dvila, correspondente da Folha de S. Paulo nos Estados Unidos, tomou a iniciativa de apresentar a candidatura do veterano jornalista, ao constatar que sua biografia encaixava-se no escopo do prmio.

    Cupinzeiro - Numa homenagem pres- tada a Jos Hamilton Ribeiro num re- cente congresso de jornalismo, o om- budsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, arriscou uma definio do vete- rano jornalista: "Suas reportagens des- pertam para o prazer do texto, de acom- panhar uma histria bem contada e provam que um jornalismo bem-feito no tem que ser chato, pedante ou her- mtico". Contador de histrias incans- vel, o prprio Jos Hamilton Ribeiro quem garimpa os assuntos que se trans- formaro nas suas reportagens do Globo Rural. "Uma pauta alimenta a outra. A gente sai para fazer uma reportagem e acaba esbarrando em outros temas inte- ressantes", diz ele, que passa pelo menos 15 dias por ms viajando pelo Brasil. Pesquisadores so personagens freqen- tes de suas matrias. Uma das reporta- gens de que ele mais gostou de fazer, exibida h cerca de trs anos, mostrava

    32 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • O reprter em ao: com Juscelino Kubitschek em Braslia, no campo e no Pantanal

    o estranho fenmeno dos cupinzeiros que brilhavam noite no interior do Mato Grosso do Sul. "Foi difcil conse- guir registrar as imagens noite, por- que a luz era fraca e as cmeras no ti- nham sensibilidade para capt-las", diz Jos Hamilton. "A matria foi ao ar, mas estou pensando em repeti-la porque soube que a tecnologia das cmeras vem melhorando. Isso, se no desmaia- rem tudo e destrurem os cupinzeiros at l." O professor Etelvino Bechara, da Universidade de So Paulo, ajudou o reprter a explicar o evento: larvas de vaga-lumes instalavam-se nos cu- pinzeiros e produziam o efeito lumino- so quando capturavam para comer cu- pins em revoada.

    Em outra reportagem memorvel, mergulhou num rio do Pantanal Mato- grossense para mostrar como a pesca seletiva de espcies como o dourado (Salminus brasiliensis), o piraputanga (Brycon hilarii) e o curimbat (Prochilo- dus lineatus) estavam afetando os ciclos

    vitais dessas espcies, um resultado da pesca abusiva. O fenmeno foi revelado por pesquisas como a da jovem biloga Izabel Corra Boock Garcia, do Progra- ma de Ps-Graduao em Ecologia e Conservao da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

    "Alma humana" - Comparando dados das dcadas de 1970 a 1990 e os anos de 2000 a 2005, Izabel constatou que o dourado se reproduz atualmente com tamanho 40% menor. J o curimbat teve perda de 18,5%. O efeito seria uma tentativa dessas espcies de repor mais rapidamente os cardumes desfalcados pela pesca. "O Globo Rural no um pro- grama agrotcnico. Ele cobre o mundo de quem vive na roa, mas sua dimenso a da alma humana", diz Jos Hamilton.

    Anos atrs, Jos Hamilton Ribeiro foi convidado para candidatar-se pre- sidncia da Associao Brasileira de Jornalismo Cientfico, que passava por um momento de dificuldade, com pou-

    cos scios e risco de extino. Sua passa- gem de dois anos pelo comando da en- tidade foi marcado pela organizao do 6o Congresso Brasileiro de Jornalismo Cientfico, realizado em Florianpolis em 2000. "Acho que cumpri minha mis- so. Quando terminou meu mandato, surgiram dois postulantes para o cargo, num sinal de vitalidade da associao", diz. O jornalista transportou sua vivn- cia no mundo rural para livros de fico, como Pantanal, Amor bagu e Vingan- a do ndio cavaleiro (1997), e escreveu outros calcados em sua experincia de reprter, como Gota de sol (1992), sobre a trajetria da laranja na agricultura, e Senhor-Jequitib (1979), no qual estabe- lece um dilogo com o jequitib-rosa que ornava o Pao Municipal de Cam- pinas. Em breve lanar dois ttulos: uma coletnea de reportagens e um li- vro sobre as 260 maiores modas de m- sica caipira dos ltimos tempos.

    FABRICIO MARQUES

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 33

  • Laboratrio Mundo

    Aranhas que voam Pesquisadores ingleses descobriram como as aranhas, mesmo sem asas, voam - ou melhor, viajam pelo ar. Elas ape- nas se aproveitam do que melhor sabem fazer: te- cer fios de seda. Com uns poucos miligramas, ara- nhas como a Erigone atra escalam uma folha de grama, posicionam a parte posterior do corpo para o alto e lanam um fio de seda. A brisa a transporta por alguns metros e, s vezes, cen- tenas de quilmetros, explicando como coloni- zam ilhas ocenicas. T se

    Menos nicotina, maior adeso

    H muita fumaa em torno do adjetivo light que quali- fica os cigarros com teor de alcatro e nicotina inferior ao dos cigarros comuns. Es- tudos recentes derrubaram o mito de que os cigarros light fariam menos mal sade que os cigarros nor- mais. Agora uma pesquisa com 12 mil fumantes norte- americanos mostra que os consumidores de cigarros light so menos propensos a abandonar o hbito das tra- gadas dirias: a probabilida- de de largar o cigarro 50% menor entre os fumantes de cigarros light que entre os consumidores de cigarros comuns. Em geral quem acende um cigarro light atrs do outro ainda cr que o fu-

    conhecia essa aplicao do fio de seda. Mas no se conseguia explicar como ocorria. A equipe de Dave Bohan, do Ro- thamsted Research, na Inglaterra, viu que o pro- blema era o modelo ma- temtico, que tratava o fio de seda como sendo rgido. Revendo as equa- es, Bohan criou um modelo que considera o fio malevel, capaz de se adequar s correntes de ar {Biology Letters). Bohan pretende testar seu modelo levando al- gumas aranhas para um tnel de vento.

    mo com menos alcatro e nicotina no to nocivo sade. "Ainda h muita con- fuso a respeito da palavra lighte a indstria se aprovei- ta disso", afirma Hilary Tin- dle, da Universidade de Pitts- burgh, autora do estudo, publicado no American Jour- nal of Public Health.

    y

    Pronta para decolar: aranha Erigone lana fio de seda ao ar

    Olho vivo nas estradas

    Na prxima vez em que for viajar, antes de entrar no car- ro pergunte ao motorista se no ltimo ano ele dirigiu al- guma vez enquanto se sentia sonolento. Dependendo da resposta, mude a data da via-

    'IjpH

    Imprudncia: motoristas sequem viagem apesar do sono

    gem ou assuma o volante. Estudo conduzido pela equi- pe de Emmanuel Lagarde e Mireille Chiron, do Instituto Nacional da Sade e da Pes- quisa Mdica da Frana, com 13.299 motoristas franceses indica que o condutor do ve- culo reconhece com bastante preciso se j dirigiu com sono. O trabalho, publicado no British Medicai Journal, tambm mostra que, apesar da sonolncia, em geral os motoristas no agem como deveriam: em vez de encos- tar o carro para uma breve caminhada ou um cochilo de alguns minutos, eles optam por seguir viagem. A razo da insistncia que subesti- mam o efeito do sono sobre a capacidade de continuar di- rigindo ou superestimam sua prpria habilidade de resis- tir ao sono. A conseqncia

    34 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • no podia ser outra. Os en- trevistados que afirmaram ter dirigido com sono algu- ma vez no ano anterior cor- riam risco maior de sofrer um acidente grave na estra- da. A probabilidade de aci- dente aumentou de acordo com a freqncia que os mo- toristas disseram ter dirigido com sono - esse ndice va- riou de raramente a uma vez por ms ou mais do que isso. De acordo com os pesquisa- dores, cerca de 20% da po- pulao estudada dirige com sono. Um estudo de 2005 in- dica que nos Estados Unidos essa proporo de seis em cada dez motoristas.

    O odor que os insetos odeiam

    Na praia ou na fazenda os pernilongos sempre esco- lhem algum para fornecer seu suprimento dirio de sangue, enquanto as outras pessoas escapam inclumes de suas picadas. Os pesqui- sadores acreditavam que as vtimas preferidas dos per- nilongos exalavam em seu

    odor natural algum com- posto qumico que atraa os insetos. Em um seminrio no incio de julho na Royal Society, em Londres, uma equipe da Universidade de Aberdeen, na Esccia, e da Rothamsted Research que havia identificado molculas do odor humano que atraem insetos agora isolou compo- nentes que os repelem - o grupo j entrou com pedido de patente dessas molculas, pois planeja desenvolver re- pelentes. "As pessoas que no so picadas por pernilongos produzem em seu odor subs- tncias qumicas que no so atraentes para os insetos e mascaram o cheiro daque- las que os atraem", explicou John Pickett, coordenador da pesquisa. Pickett identificou as molculas do odor hu- mano atraentes para os in- setos usando duas tcnicas - a cromatografia, que permite separar os componentes de um gs, e a eletroantenogra- fia, que registra sinais eltri- cos na antena dos insetos. Os pesquisadores s revelaro os nomes dos componentes aps a publicao em peri- dico cientfico.

    Vida mais longa na Europa

    A expectativa de vida ao nas- cer aumentou nos 14 pases da Unio Europia entre 1995 e 2003. Segundo relatrio recente da Unidade de Mo- nitoramento de Sade da Europa (EHEMU), nesse pe- rodo os homens ganharam aproximadamente trs me- ses a mais de vida a cada ano e as mulheres, dois meses. Itlia e Frana so hoje os pases em que as mulheres vivem mais - em geral pouco mais de 83 anos. J a expec- tativa de vida masculina

    maior na Sucia - ali os ho- mens nascidos no ltimo ano devero, em mdia, completar 78 anos de idade. O pas da Europa com me- nor longevidade Portugal, onde as mulheres cos- tumam chegar aos 80 anos, enquanto os portugueses

    morrem mais cedo, com cerca de 74. "Atualmente a questo crucial conhecer se as pessoas vivem esses anos a mais com boa sade", afirma Carol Jagger, da Uni- versidade de Leicester, na Inglaterra, uma das coorde- nadoras da EHEMU.

    Pontos prximos: acordes agradveis

    A geometria da msica Uma nova forma de vi- sualizar a progresso dos acordes pode ajudar a compreender por que uma fuga de Bach pode soar to bem quanto acordes de rock. Dmitri Tymoczko, da Universi- dade Princeton, Esta- dos Unidos, criou ma- pas musicais em que cada acorde corresponde a um ponto e cada nota do acorde a uma dimen- so do espao (Science). Segundo Tymoczko, o mapa deve ajudar na compreenso de como evoluiu a msica oci- dental, que se tornou mais complexa. As obras do barroco, por exem-

    plo, tinham harmonias mais simples e acordes com menos notas que as composies modernas. O mapa feito de modo que pontos representan- do as notas d e sol de um acorde fiquem pr- ximos dos que indicam notas meio tom mais al- tas. Quanto menor a dis- tncia entre os pontos dos acordes, mais agra- dvel a transio. A dis- tncia entre os pontos dos acordes pequena em intervalos musicais comuns no Ocidente e tambm pode ser curta em intervalos menos convencionais da m- sica moderna.

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 35

  • Ti] 1;

    7]

    Maria-leque, maria-lecre ou pavozinho

    Anta, tapir ou batuvira

    Baiacu ou sapo-do-mar

    Remdios mais baratos

    Quando chegaram ao merca- do h seis anos os medica- mentos genricos criaram a expectativa de diminuir o pre- o dos remdios. Na tentativa de verificar se essa promessa se concretizou, as pesquisa- doras Paola Zuchi e Fabola Vieira, do Centro Paulista de Economia da Sade da Uni- versidade Federal de So Pau- lo (Unifesp), acompanharam o preo de 135 medicamentos genricos e seus respectivos medicamentos de referncia - os remdios de marca que os originaram - entre janeiro de 2000 e junho de 2004. Elas viram que, em geral, os gen- ricos chegam s farmcias custando 40% menos que os de marca, diferena que au- mentou com o tempo: alguns genricos custavam 47% me- nos que o medicamento de referncia quatro anos depois de seu lanamento. Apesar do barateamento dos genricos, a concorrncia que estimula- ram ainda no foi suficiente para forar a queda de preo dos medicamentos de marca, escreveram as autoras em um

    artigo publicado na Revista de Sade Pblica de julho. Dois fatos explicam o resulta- do: os genricos ainda ocu- pam frao pequena do mer- cado (5%) e os fabricantes de medicamentos de referncia tambm passaram a produzir verses genricas de seus pr- prios remdios.

    Rastreando a Cannabis

    Istopos estveis de dois ele- mentos qumicos - carbono e nitrognio - encontrados nas plantas podem indicar a ori- gem geogrfica de vrios pro- dutos agrcolas. Um deles a maconha (Cannabis sativa),

    cuja regio de cultivo pode ser atestada com bom grau de confiabilidade por essa tcni- ca. Com esse mtodo, pesqui- sadores do Centro de Ener- gia Nuclear na Agricultura da USP e de outros trs insti- tutos determinaram a pro- venincia de 76 amostras de maconha apreendidas na ei-

    A medicina remota do Piau Os seres humanos que viveram h 8 mil anos no Nordeste do pas j conhe- ciam as propriedades me- dicinais de algumas plan- tas, que usavam para tratar problemas de sade causa- dos por parasitas intesti- nais. A anlise de cinco amostras de fezes humanas fossilizadas achadas na Toca do Boqueiro da Pe- dra Furada - um dos 900 stios arqueolgicos do Par- que Nacional Serra da Ca- pivara, no Piau - indica que os antigos habitantes da regio usavam plantas de pelo menos trs gneros - Anacardium, Borreria e

    Terminalia - para contor- nar diarrias e outros dis- trbios do trato digestivo. Com idade estimada entre 7 mil e 8.500 anos, os co- prlitos, nome tcnico dos excrementos petrificados, continham plen de plan- tas desses gneros, entre elas o caju, e so uma pos- svel evidncia das prticas medicinais dos primeiros ocupantes do Nordeste. Como h vestgios arqueo- lgicos de que essa po- pulao de Pedra Fu

    Caju: combate a disenteria h 8 mil anos

    rada estava infestada de vermes intestinais, a tese so- bre o uso terauputico dos vegetais contra disenterias ganha mais fora, segundo os autores do estudo, Sr- gio Chaves, da Fiocruz, do Rio, e Karl Reinhard, da Universidade de Nebraska- Lincoln, Estados Unidos.

    36 AGOSTO DE 2006 PESQUISA FAPESP 126

  • Todos os nomes dos bichos

    ter

    Acure, antaxur, batuvira, pororoca. Diferentes fen- menos da natureza? Nada disso. So nomes populares que um mesmo animal, a anta (Tapirus terrestris), re- cebe nas diferentes regies do Brasil. No um caso ex- clusivo. Investigando cerca

    Preguia, ague ou cabeluda

    de 6 mil documentos, co- mo livros e artigos cientfi- cos datados desde o scu- lo 16, os zologos Nelson Papavero e Dante Teixeira identificaram aproximada- mente 38 mil nomes popu- lares pelos quais so conhe- cidos entre 6 mil e 10 mil espcies de animais. Com essa coleo, Papavero, do Museu de Zoologia da USP, e Teixeira, do Museu Nacio- nal da UFRJ, esto produ-

    zindo um novo dicionrio de nomes comuns dos ani- mais que deve ser compos- to por dois volumes, com quase 2 mil pginas cada um. Essa compilao atua- lizar a principal referncia nessa rea: o Dicionrio de Animais do Brasil, de Ro- dolpho von Ihering, publi- cado em 1940, com 6 mil verbetes. O primeiro dos dois volumes deve ser pu- blicado no prximo ano.

    dade de So Paulo. De acordo com as anlises, a maior par- te da droga foi cultivada em rea mida, provavelmente o Mato Grosso do Sul. A quan- tidade de Cannabis oriunda do polgono da maconha, no Nordeste, foi pequena, segun- do artigo da Forensic Science International

    Quando a tradio funciona

    No serto nordestino, onde chove pouco e o sol castiga as plantaes o ano todo, co- mum os pequenos sitiantes soltarem seus animais - ca- bras, ovelhas e umas poucas vacas - para pastarem em terrenos coletivos ao lado de suas propriedades. H quem ache atrasado e economica- mente invivel esse modelo de produo conhecido como fundo de pasto, comum em Pernambuco, Bahia, Cear e Paraba. O agrnomo Fabia- no Toni, da Universidade de Braslia, analisou esse sistema e constatou que o fundo de pasto tem l suas vantagens. Em um estudo com Evandro Holanda Jnior, da Embrapa, e Evanildo Lima, da Comis-

    so Pastoral da Terra de Se- nhor do Bonfim, na Bahia, ele entrevistou 549 pequenos proprietrios de doze muni- cpios do semi-rido baiano: 441 criavam animais no siste- ma de fundo de pasto e 108 em propriedades privadas. Quem usava propriedade pri- vada tinha rea de pastagem maior - em mdia 10 hecta- res, ante 4 - e um boi a mais que os outros criadores, que

    possuam cinco. Mas isso no lhes garantia renda maior nem mais comida. Os que usavam fundo de pasto con- sumiam mais carne por ano: 53 quilos por pessoa, ante 43 quilos. que eles em geral tm mais cabritos, animal resistente seca. "Nas condi- es locais, em que j existe a cultura de uso coletivo da ter- ra, o fundo de pasto foi mais eficiente", diz Toni, que apre- sentou os resultados este ano em Nova Dlhi, ndia.

    Ansiedade na periferia

    Pais e professores deveriam prestar mais ateno ao com- portamento das crianas e dos adolescentes, em especial nas regies de baixa renda. O garoto que vive brigando ou a adolescente retrada demais podem ter mais do que um problema de indisciplina ou timidez. Podem precisar de atendimento psiquitrico ou psicolgico. Cristiane Silves- tre de Paula e Isabel Bordin, da Unifesp, avaliaram 479 meninos e meninas com ida- de entre 6 e 17 anos morado- res do Embu, na Grande So

    Paulo, uma das cidades mais violentas do pas. Resultado: 25% das crianas e dos ado- lescentes apresentavam sinto- mas de ansiedade, depresso ou outros problemas de sa- de mental - proporo eleva- da, mas semelhante de ou- tras regies de baixa renda da Amrica Latina. Em 7,3% dos casos os sinais eram in- tensos o suficiente para afe- tar a vida na escola, a relao com os familiares ou outras atividades. Projetada para a populao de todo o Embu, essa proporo corresponde a 3.830 garotos e meninas que necessitariam de trata- mento psicolgico ou psi- quitrico. Como previsto, os problemas de sade mental foram mais freqentes entre as meninas, com predomnio de sinais de ansiedade e de- presso. Inesperadamente, o nvel de agressividade entre elas foi to alto quanto entre os meninos. No Embu a rede pblica de sade com atendi- mento em sade mental le- varia sete anos para atender esses casos. "Essa situao pro- vavelmente semelhante da periferia dos grandes centros brasileiros", diz Cristiane.

    PESQUISA FAPESP 126 AGOSTO DE 2006 37

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    VISES NTIMAS DO CREBRO

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    Cientistas esquadrinham o crtex em busca dos sinais de emoo, sentimentos e julgamento moral

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    Aristteles, um campo quase autno- mo da filosofia. Foi mais ou menos isso que um jovem neurocientista brasileiro ouviu dos revisores de uma respeitada publicao cientfica internacional quando tentou emplacar seu primeiro artigo com resultados sugestivos, cons- tatados por ressonncia magntica fun- cional, de que os crtex frontopolar e temporal anterior do crebro eram ati- vados enquanto voluntrios saudveis desenvolviam determinada tarefa que envolvia julgamento moral. Recomen- daram-lhe que melhor seria deixar a neurocincia fora desses complicados meandros da tica para os quais s os fi- lsofos demonstraram sempre a mais inequvoca aptido.

    quela altura beirando os 30 anos e confiante no que fazia, o jovem pesqui- sador no seguiu, claro, a sugesto. Em vez disso, reencaminhou o artigo cuja autoria dividia com um colega brasilei- ro e um norte-americano para o respei- tado peridico Arquivos de Neuropsi- quiatria, editado no Brasil, mas com circulao internacional garantida atra- vs da SciELO, a Scientific Electronic Li- brary Online. E foi assim que as con- cluses do estudo conduzido por Jorge Moll - este o nome de nosso persona- gem -, apresentadas pioneiramente em 2000 na Sociedade Americana de Neu- rocincia, apareceram nos Arquivos em um artigo assinado por ele, mais Paul J. Eslinger e Ricardo de Oliveira-Souza, sob o ttulo "Frontopolar and anterior temporal cortex activation in a moral judgmente task", em julho de 2001. Coincidentemente, a publicao ocor- ria no mesmo ms em que saa pela re- vista internacional que ele originalmen- te procurara o artigo de um grupo da Princeton University liderado pelo fil- sofo Joshua Greene, sobre o envolvi- mento direto das emoes nas decises que implicam grandes dilemas morais.

    A estratgia de Moll de no poster- gar a publicao do artigo ligado a um tema que sabia que tinha muito appeal, e encaminh-lo logo para um peridico teoricamente de menor alcance, mos- trou-se acertada para inseri-lo formal- mente e sem mais delongas na cena in- ternacional de seu campo de pesquisa: em 2000 ele via publicado na Neurology o primeiro trabalho no qual, entre 1997 e 1999, utilizara mais a fundo imagens do crebro obtidas por meio da resso- nncia magntica funcional, tcnica que, em termos simples e sintticos, fla- gra imagens do crebro em atividade. Vrios outros se seguiram em diferen- tes publicaes, como a Neurolmage e The Journal of Neuroscience, at o im- portante artigo de reviso dos funda- mentos neurolgicos do julgamento moral," The neural basis ofhuman moral cognition\ assinado por ele e mais Ro- land Zahn, Ricardo de Oliveira-Souza, Frank Krueger e Jordan Grafman, na Nature Reviews Neuroscience em outu- bro do ano passado.

    Crebro moral - Nesses poucos anos de afirmao consistente de seu traba- lho de pesquisador sempre a partir das neuroimagens funcionais, Moll chegou a vrias concluses com grande poten- cial para produzir polmicas. Por exem- plo, a de que o lobo frontal do crebro, sede por excelncia das funes executi- vas segundo as mais respeitadas teorias vigentes, e que o manteriam firmemen- te engajado na soluo de problemas di- fceis e complexos por meio do racioc- nio lgico, est tambm envolvido nas tarefas mais simples e rotineiras. "E aquilo que nesse lobo pode ser identifi- cado como nosso crebro moral na verdade um sensor ativo o tempo intei- ro, incansvel, envolvido com as esco- lhas mais comezinhas, como, por exem- plo, decidir se vou dormir mais um pouquinho ou no, e no somente com o julgamento de grandes questes, como o lanamento de uma bomba at- mica sobre Hiroshima", diz. Alis, a ca- pacidade de armazenar um grande re- pertrio de situaes e perceb-las em suas mltiplas interconexes permiti- ria a esse crebro moral, entre outras coisas, antecipar que caminhos tomar muito antes d