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Cornelius a Lapide, sj (1597-1637)+
CIÊNCIATradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz
Necessidade da ciência cristã
A interpretação da lei corresponde ao sacerdote, diz São Jerônimo: Legis
interpretativo, sacerdotis officium est (Epist. ad Nepotian.). Tu, porém, mantém
firme o que aprendeste e te foi confiado1, considerando quem te ensinou tal
doutrina.
A ciência é necessária até para dar regras ao zelo. O zelo, diz São Bernardo,
não é verdadeiramente eficaz senão quando vai unido à ciência: então, será mais
útil; enquanto que, muitas vezes, é danoso o zelo sem ciência. Quando mais ardente
o zelo, mais ativo o espírito e mais persuasiva a caridade, e tanto mais precisa é a
ação da ciência, para saber limitar o zelo, moderar o espírito e dirigir a caridade
(Tract. De Inter, Dom.).
Se estiver pendente ante ti uma causa, diz o Senhor, no Deuteronômio, e
achares ser difícil ou duvidoso o discernimento entre sangue e sangue, entre pleito e
pleito, entre lepra e lepra (isto é, em matérias criminais, civis ou de culto), e vires
1 Tu vero permane in iis quae didicisti, et credita sunt tibi, sciens a quo didiceris (II Tim. III, 14).
que são vários os pareceres dos juízes que há em tua cidade, dirige-te e acode ao
lugar que terá escolhido o Senhor teu Deus, onde recorrerás aos sacerdotes de
linhagem levítica, e àquele que, como Sumo Sacerdote naquele tempo, for Juiz
Supremo do povo; e os consultarás, e te manifestarão como hás de julgar segundo a
verdade. E farás tudo o que te disserem aqueles que presidem o lugar escolhido
pelo Senhor, e o que te ensinarem conforme sua Lei; e seguirás a declaração deles,
sem desviar-te nem à direita nem à esquerda (Deut. XVII, 8-11).
A Escritura chama ao sacerdote Vidente. Davi diz ao sacerdote Sadoc: Ó
Vidente (isto é, ó Profeta, ó Sumo Sacerdote), retorna em paz à cidade: Dixit Rex ad
Sadoc sacerdotem: Ó videns, revertere in civitatem in pace (II Reg. XV, 27).
Outra das finalidades por que o Rei Salomão escreveu as Parábolas foi a de
que os pequeninos adquiram sagacidade ou discrição, e os moços, saber e
entendimento. O sábio, disse ele, que escutar estas palavras far-se-á mais sábio; e ao
que as entender, servir-lhe-ão de timão (isto é, para saber governar-se bem) (Prov. I,
4-5).
Devemos escutar e instruir-nos, diz Sêneca, tanto tempo quanto o
necessitamos, tanto quanto dure a vida: Tamdiu audiendum et dicendum, quamdiu
nescias, quamdiu vivas (Epist. LXXVII).
Por mais idade que tenhamos, jamais devemos dizer que é demasiado tarde
para instruir-nos; pois é mister aprender sempre aquilo que não saibamos. O rei
Carlos IV da França passava um tempo considerável estudando: e dizia que seus
estudos eram seu espetáculo (In ejus vita).
Ainda que eu tenha mais idade que vós, escreve Santo Agostinho a São
Jerônimo, ainda que muito velho, não deixo de consultar. Para aprender o que é
preciso, nenhuma idade é demasiado avançada; porque, ainda que convenha que os
anciãos mais instruam que aprendam, é, sem embargo, de muito mais importância
que aprendam, para que não ignorem o que hão de ensinar aos outros (Epist.
XXVIII).
Instrui-vos antes de falar, diz o Eclesiástico: Antequam loquaris, disce (Eccli.
XVIII, 19). Não faleis jamais acerca daquilo que ignorais; poderia acontecer de
dizerdes coisas falsas, temerárias, condenáveis e condenadas.
Os lábios do justo instruem a muitos, dizem os Provérbios; mais os que não
querem receber a instrução, morrerão em sua ignorância: Qui indocti sunt, in cordis
egestate morientur (Prov. X, 21).
O sábio indagará a sabedoria de todos os antigos, e fará estudo nos profetas.
Recolherá em seu coração as explicações dos varões ilustres e penetrará do mesmo
modo as agudezas das parábolas. Tomará o sentido oculto dos Provérbios, e se
ocupará no estudo das alegorias dos enigmas. Assistirá em meios aos magnatas e se
apresentará diante daquele que governa. Passará a países de nações estranhas para
reconhecer aquilo que há de bom e de mal entre os homens (Eccli. XXXIX, 1-5).
Ficou sem fala o meu povo, diz o Senhor por Oseias, porque se acha carente
de ciência da salvação. Por haveres tu desprezado a ciência, eu te desprezarei a ti,
para que não exerças meu sacerdócio; e, pois, que esquecestes a lei de teu Deus, eu
também me olvidarei de teus filhos: Conticuit populus meus, eo quod non habuerit
scientiam: quia tu scientiam repulisti, repellam te, ne sacerdotio fungaris mihi, et
oblita es legis Dei tui, obliviscar tuorum et ego (Osei. IV, 6).
Nos lábios do sacerdote, diz o Senhor por Malaquias, há de estar o depósito
da ciência, e de sua boa há de se aprender a lei; posto que ele é o anjo do Senhor do
Exércitos: Labia sacerdotis custodient scientiam, et legem requirent ex ore ejus,
quia ângelus Domini exercituum est (Mal. II, 7).
Santo Ambrósio chama a Bíblia, o qual contém a Lei de Deus, o livro
sacerdotal: Librum sacerdotalem (Lib II, Offic.).
O sacerdote, diz São Jerônimo, há de guardar a ciência, de modo que ele seja
uma biblioteca saudável e sábia, onde todos possam acudir para tomar aquilo de que
necessitem (In Epist.).
Santo Ambrósio compara os sacerdotes a abelhas: como celestiais abelhas,
diz, os sacerdotes devem formar, com arte, seu suave mel com as flores das Divinas
Escrituras, e dispor com arte todo o necessário para curar as almas: Sicut apes, de
divinarum scripturarm flosculis suavia mella conficiunt, et quidquid ad medicinam
pertinet animarum, oris sui arte componut (Lib. III, Offic., c. V).
Em que consiste a verdadeira ciência
O verdadeiro conhecimento, a verdadeira ciência, diz São Jerônimo, é saber a
lei, entender os profetas e crer no Evangelho: Agnitio et scientia est nosse legem,
intelligere Prophetas, Evangelio credere (Commen.).
Sabemos, diz o Apóstolo São João, que o Filho de Deus veio e nos deu
inteligência para que conheçamos ao verdadeiro Deus e estejamos em seu Filho
verdadeiro. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna: Scimus quoniam Filius Dei
venit et dedit nobis sensum ut cognoscamus verum Deum et simus in vero Filio eius
hic est verus Deus et vita aeterna (I Johann. V, 20).
E a vida eterna, diz Jesus Cristo por João, consiste em conhecermos a Vós,
único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem Vós enviastes: Haec est autem vita
aeterna ut cognoscant te solum verum Deum et quem misisti Iesum Christum
(Johann. XVII, 3).
Feliz o homem a quem Vós, ó Senhor, instruístes e adestrastes em vossa Lei,
diz o Real Profeta: Beatus quem tu erudieris, Domine, et de lege tua loqueris eum!
(Psalm. XCIII, 12).
A verdadeira ciência consiste, pois, em receber lições do Senhor, e em
conhecer sua Lei. Por isso, o mesmo profeta disse: Quão amável é-me vossa Lei, ó
Senhor! Durante todo o dia, ela é matéria de minha meditação. Com vosso
Mandamento me fizestes superior em prudência a meus inimigos, porque o tenho
perenemente ate os meus olhos. Eu compreendi mais que todos os meus mestres,
porque vossos mandamentos são objeto de minha meditação contínua. Alcancei
mais ciência que os anciãos, porque tenho investigado vossos preceitos: Super
omnes docentes me intellexi, quia testimonia tua meditativo mea est: super senes
intellexi, quia mandata tua quaesivi (Psalm. CXVIII, 99-100).
São vãos, diz a Sabedoria, todos os homens em quem não está a ciência de
Deus: Vani sunt omnes homnides in quibus non subest scientia Dei (Psalm. XIII, 1).
Não há aqui na terra ciência, diz São Bernardo moribundo, não há
verdadeiramente nenhum conhecimento; no céu está a plenitude da ciência: no céu
está o verdadeiro conhecimento da verdade: Nulla hic scientia, nulla vere cognitio;
sursum scientiae plenitudo, sursum vera notitia veritatis (In ejus vita).
São Justino ensina que a verdadeira filosofia consiste no conhecimento de
Deus (Epist.).
São Lourenço Justiniano dizia que a verdadeira ciência do homem consistia
em saber duas coisas: que Deus é tudo, e que ninguém é nada (Lib. de Ligno Vitae).
Se conheceis a Jesus Cristo, diz um autor, já basta, ainda que ignoreis tudo o
mais; porém, se não conheceis a Jesus Cristo, ainda que tivésseis todos os
conhecimentos do mundo, não sabereis nada.
Si Jesum noscis, sat est, si coetera nescis;
Si Jesum nescis, nil est, si coetera noscis.
Vós, disse Jesus Cristo, não vos deveis chamar de mestres, porque Cristo é
vosso único Mestre (Matth. XXIII, 10).
O Senhor dá a sabedoria, dizem os Provérbios, e de sua boca saem a
discrição e a ciência: Dominus dat sapientiam, et ex ore ejus scientia (Sap. II, 6).
Deus é, para a ciência e para os que a buscam, o que a luz é para os que
olham um objeto e para o próprio objeto.
O coração reto busca a ciência, dizem os Provérbios: Cor rectum inquirit
scientiam (Prov. XXVII, 21).
Quando oramos, diz Santo Agostinho, nós mesmos falamos a Deus. Porém,
quando lemos, o mesmo Deus nos fala e nos instrui: Cum oramus, ipsi cum Deo
loquimur, cum vero legimus, Deus nobiscum loquitur (Serm. CXII de Temp.).
Conhecer a Deus, diz São Bernardo, é a plenitude da ciência: Deum
cognoscere, plenitudo est scientiae (Tract. de Inter Dom.).
O que sabiam os Apóstolos? Somente uma coisa: Jesus Cristo, e Jesus
Crucificado. Eu não quero saber outra coisa entre vós senão Jesus Cristo, e Este
crucificado, disse o grande Apóstolo aos Coríntios: Non enim judiavi me scire
aliquid inter vos, nisi Jesum Christum, et hunc crucifixum (I Cor. II, 2). Sem
embargo, Jesus Cristo chama aos seus Apóstolos luz do mundo; e o são de fato: Vos
estis lux mundi (Matth. V, 14). Jamais foi possível dizer tanto dos maiores filósofos.
Vantagens da verdadeira ciência
Nada melhor que o conhecimento de Deus, diz Santo Agostinho, porque não
há nada que faça mais feliz; este conhecimento é a mesma bem-aventurança:
Cognotione Dei nihil melius est, quia nihil beatius est; et ipsa vera beatitudo est
(Serm. CXII, de Temp.).
O conhecimento de um Deus único é a possessão de todas as virtudes, diz
São Jerônimo: Notitia unius Dei, omnium virtutum possessio est (In Epist.). Amai,
prossegue, a ciência das Escrituras, e detestareis os vícios da carne: Ama scientiam
Scripturarum, et vitia carnis non amabis (In Epist.).
Conhecer-vos, Senhor, diz a Sabedoria, é a justiça perfeita; e conhecer vossa
justiça e vosso poder é a raiz da imortalidade: Nosse enim te consummata justitia
est; et scire justitiam et virtutem tuam, radix est immortalitatis (Sap. XV, 3).
Conhecer a Deus não só especulativamente, senão praticamente.
As raízes das ciências são amargas, diz Aristóteles, porém os frutos são
doces: Studiorum radices amarae, fructus autem suaves. O mesmo autor,
questionado sobre a diferença que existe entre um sábio e um ignorante, contestou:
Há tanta diferença como entre um homem vivo e outro morto: Quo viventes a
mortuis. Dizia que a ciência é um adorno na prosperidade, um refúgio na
adversidade; que os pais que instruem a seus filhos são muito superiores aos que
somente lhes dão a vida; porque estes não fazem mais do que lançá-los no mundo;
porém aqueles, não contentes com o haver-lhes dado a existência, objetivam a que
sua vida seja boa, rica e feliz (Ita Laertius, in ejus vita).
Os justos livrar-se-ão com o dom da ciência, dizem os Provérbios: Justi
liberabuntur scientia (Prov. XI, 9).
Por esta ciência é preciso entender o conhecimento de Deus, da Escritura, das
coisas divinas, da graça, das virtudes, do serviço de Deus, de seu amor, da alma, da
saúde e dos Novíssimos.
O varão instruído dirige-se até o alto pela senda da vida, a fim de desviar-se
do abismo do Inferno, dizem os Provérbios: Semita vitae super eruditum (Prov. XV,
24). Aquele que é sábio de coração, será chamado prudente, acrescentam os
Provérbios: Qui sapiens est corde, appellabitur prudens (Prov. XVI, 25). A ciência
é um manancial de vida para aquele que a possui: Fons vitae eruditio possidentis
(Prov. XVI, 22).
O coração do sábio domesticará sua língua, e acrescentará graça a seus
lábios. As palavras eloquentes são um favo de mel, doçura da alma e vigor dos
ossos: Cor sapientes erudit os ejus, et labii ejus addet gratiam. Factus mellis,
compósita verba, dulcedo animae, sanitas ossium (Prov. XVI, 23-24). É coisa
apreciável o ouro, e a abundância de colares; mas a joia preciosa é a boca do sábio:
Vas pretiosum lábia scientiae (Prov. XX, 15).
A ciência do sábio, diz o Eclesiástico, transborda por todas as partes como
uma torrente de água, e seus conselhos são qual fonte perene de vida: Scientia
sapientes tamquam inundatio abundabit, et consilium sicut, fons vitae permanet
(Eccli. XXI, 16).
A ciência de Deus é o manancial de todos os bens. A coisa mais preciosa e
mais perfeita é o conhecimento de Deus, diz São Gregório Nazianzeno:
Perfectissima omnium rerum est cognitio Dei (In Distich.).
Clemente de Alexandria afirma que aquele que conhece verdadeiramente a
Deus não se pode entregar aos deleites, nem às demais agitações de alma (Lib. IV.
Strom.).
O conhecimento e a recordação de Deus excluem todos os crimes, diz São
Jerônimo (In Epist.).
Eu vos darei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com
a ciência e com a doutrina, diz o Senhor a Jeremias: IDabo vobis pastores justa cor
meum, et pascent vos in scientia et doctrina (Jer. III, 15).
Aqueles que tenham ciência, diz Daniel, brilharão como a luz do firmamento,
e aqueles que ensinam a muitos a justiça, serão como estrelas durante toda a
eternidade: Qui docti fierint, fulgebunt quase splendor firmamenti, et qui as
justitiam eridiunt multos, quaso stellae in perpetuas aeternitatis (Dan. XII, 3).
Santo Agostinho, em seu livro acerca da vida feliz, ensina-nos prolixamente
que a vida feliz não é mais que o conhecimento perfeito de Deus.
São Bernardo diz: Conhecer a Deus é a plenitude da ciência; a plenitude
desta ciência é a plenitude da glória, a consumação da graça, a perpetuidade da vida
(Trat. de inter domo).
Não há alimento tão suave para a alma, diz Lactâncio, como o conhecimento
da verdade, e, sobretudo, da Verdade Incriada; Nullus suavitor est animo cibus,
quam cognitio veritatis, paesertim Primae Increate (Lib. I, c. III).
A ignorância dos incrédulos
Os incrédulos, os filósofos ímpios, são aquela raça sem conselho e sem
prudência de que nos fala a Escritura: Oxalá tivessem sabedoria e inteligência e
previssem seus Novíssimos! Gens absque consilio est, ut sine prudentia: utinam
saperent, et intelligerent, ac Novissima providerent (Deut. XXXII, 28-29).
Não há de se obscurecer a luz do ímpio? A luz obscurece-se em sua tenda; a
lâmpada que luzia em sua cabeça apagar-se-á (Job XVIII, 5-6).
Desde o alto do Céu, o Senhor lançou um olhar sobre os filhos dos homens
para ver se havia alguém que tivesse juízo ou que buscasse a Deus, diz o Salmista.
Todos se extraviaram, todos, de uma só vez, fizeram-se inúteis; não há quem faça o
bem, não há nenhum sequer (Psalm. XIII, 2-3).
Não quis o ímpio instruir-se para agir bem, diz em outro lugar o Salmista:
Noluit intelligere ut bene ageret (Psalm. XXXV, 4).
Aquele que não tem fé, não tem verdadeira ciência. A eternidade e a verdade
estão no céu, diz Santo Agostinho; chega-se à verdade por meio da fé: Duo illa
sursum sunt, aeternitas et veritas. per fidem veniendum est ad veritatem (Lib. de
Civit.).
Fora de Deus não há verdadeira ciência. O incrédulo despreza a Deus, a Lei
de Deus, a Religião, sua consciência, sua alma, sua salvação, e sua eternidade;
jamais se ocupa disto. E, contudo, toda a sua ciência não consiste em outra coisa.
O fim dos mandamentos, diz o Apóstolo, é a caridade, que nasce de um
coração puro, de uma boa consciência, e de fé não fingida. Do que, desviando-se
alguns, vieram por desembocar no charlatanismo, querendo fazer-se de doutores da
Lei, sem entender o que falam, nem o que asseguram: Volentes esse legis Doctores,
non inteligentes neque quae loquuntur, neque de quibus affirmant (I Tim. I, 7).
Hás de saber isto, diz o mesmo Apóstolo a Timóteo: que, nos últimos dias,
sobrevirão tempos perigosos: levantando-se homens presunçosos, cobiçosos,
altaneiros, soberbos, blasfemos, desobedientes a seus pais, ingratos, facínoras,
desnaturados, implacáveis, caluniadores, dissolutos, ferozes, inumanos, traidores,
perversos, orgulhosos e mais amantes dos deleites que de Deus. Mostrando, sim,
aparência de piedade, porém renunciando a seu espírito. Aparta-te desses tais,
porque como estes são os que se metem pelas casas e cativam as mulheres néscias
carregadas de pecados, arrastadas por várias paixões, as quais andam sempre
aprendendo, e jamais ascendem ao conhecimento da verdade. Enfim, assim como
Janes e Mambres resistiram a Moisés, do mesmo modo, estes resistem à verdade,
homens de coração corrompido, réprobos na fé, que quiseram perverter aos demais,
mas não lograram seus intentos, porque sua insensatez se fará patente a todos, como
aconteceu antes àqueles Magos. Quer dizer com isto o Apóstolo que os tais
impostores se valem da natural curiosidade e irreflexão de tais mulheres, ansiosas
sempre de falar uma doutrina que se acomode a todos os seus caprichos: Semper
discentes, et nunquam ad scientiam veritatis pervenientes (II Tim. XXX, 1ss).
Perigos e desgraças que ocasionam uma falsa ciência
Por isso, dizia o mesmo Apóstolo aos Coríntios: a ciência por si só incha, a
caridade é a que edifica (I Cor VIII, 1). É coisa da virtude dos humildes, diz Santo
Agostinho, o não gloriar-se da ciência: Humilium virtus est de scientia non gloriari
(De Morib.).
Um alimento indigesto, diz São Bernardo, gera maus humores; não nutre o
corpo, antes o deteriora. O mesmo sucede com a ciência lançada no estômago da
alma, que é a memória: se a caridade de Jesus Cristo não lhe presta calor, e se esta
ciência não faz a vontade agir, é um mal, uma calamidade (Serm. XXXVI, in
Cant.).
Vai em busca de males o coração do iníquo, porém, o bom coração inquire a
ciência, dizem os Provérbios: Cor iniqui inquirit mala, cor autem rectum inquirit
scientiam (Prov. XXVIII, 21).
Meu povo foi levado cativo, disse o Senhor por meio de Isaías, porque não
teve a verdadeira ciência: por isso o Inferno ampliou seu seio2: Captivus ductus est
populus meus, quia non habuit scientiam: propterea dilatavit infernos animam
suam (Isai. V, 13-14).
Ninguém deve se vangloriar de sua ciência, posto que:
1º é transitória;
2º imperfeita;
3º frequentemente danosa; e
4º trabalhosa.
Tempo virá, disse o Apóstolo, em que não poderão suportar a sã doutrina,
senão que tendo comichão extremada de ouvir doutrinas que lisonjeiam suas
2 É deveras intrigante saber que o Inferno dilata-se progressivamente em concavidades ainda inéditas, recheadas de maiores e intensíssimos sofrimentos, correspondentes à intensificação e a maior gravidade dos pecados cometidos pelos homens enquanto viviam neste mundo. É obra da justiça divina. Aquelas concavidades novas de castigos incomensuráveis são necessariamente inauguradas pelos condenados pioneiros nos males de cada época histórica (Nota do tradutor).
paixões, recorrerão a uma horda de doutores próprios para satisfazer seus desejos
desordenados, e fecharão seus ouvidos à verdade, e os aplicarão, enfim, às fábulas.
Não se deve buscar a ciência do homem e do coração humano nos livros
maus, em novelas obscenas, em folhetos irreligiosos. Esta é a ciência das paixões, a
prostituição na ciência, a ciência do Inferno; tal ciência faz demônios, e conduz à
morada destes seres desgraçados.
Evita as questões néscias, disse o Apóstolo a seu discípulo Tito, e as
genealogias, as contendas e as discussões sobre a Lei; posto que são inúteis e vãs:
Stultas quaestiones, et genealogias, et contentiones, et pugnas legis devita; sunt
enim inutiles et vanae (Tit. III, 9).
Como se deve estudar ou meios para instruir-se vantajosamente
O modo de instruir-se, disse São Bernardo, é estudar com ordem, com
assiduidade, e com um fim louvável: Modus est ut scias quo ordine, quo studio, quo
fine (Serm. XXXIV in Cant.).
Qual ordem teremos de seguir nos estudos? Temos de começar por instruir-
nos naquilo pertencente à salvação; aprender o que devemos a Deus e ao próximo, o
que nos devemos a nós mesmos.
É preciso estudar com assiduidade e com zelo; porém, com o zelo do amor de
Deus; não deixar que o coração se seque, enquanto se adorna e alimenta o
entendimento.
Com que finalidade devemos estudar e instruir-nos? Não deve ser nem por
vanglória, nem por curiosidade ou outro motivo semelhante, senão por Deus, por
nossa própria utilidade e para a serventia do próximo. Há alguns que somente
querem saber para se dar a conhecer, acrescenta São Bernardo; e isto não passa de
uma vergonhosa vaidade: Sunt manque quis cite volunt ut sciantur et ipsi, et turpis
vanitas est (Serm. XXXVI, in Cant.).
Muitos buscam os meios de formar seu entendimento com a ciência, e mui
poucos procuram os meios necessários para formar sua consciência. Se pusessem,
acima de tudo empenho em ilustrar sua consciência, empregando o mesmo ardor e o
mesmo zelo que se emprega em ir atrás da ciência profana e vã, teriam prontamente
uma consciência reta, uma guia mais segura do que toda ciência humana.
Havendo alguém perguntado a Santo Tomás de Aquino qual era o meio para
adquirir ciência, respondeu: Prescrever-vos-ei que faleis pouco, que guardeis pureza
de vossa consciência, que vos dediqueis frequentemente à oração, e que sejais
amáveis para com todos; que não vos ocupeis das ações alheias: compreendei o que
façais e ouçais, e consultai, na dúvida.
Filho meu, diz o Senhor nos Provérbios: se recebeis minhas palavras; se
acolheis meus preceitos; se prestais ouvido atento à sabedoria; se inclinais vosso
coração à prudência; se implorais sabedoria, então aprendereis o temor do Senhor e
achareis a ciência de Deus (Prov. II, 1-5).
Se quereis ser sábios, não leiais mais que um só livro, disse Santo Tomás de
Aquino: Si vis evadere doctus, unum dumtaxat lege librum (S. Th. III Pars, q.7, a.
9). O livro por excelência é a Sagrada Escritura.
O sábio, disse o Eclesiástico, indagará a sabedoria de todos os antigos, e fará
estudo nos Profetas. Conservará na memória as explicações dos homens célebres:
Sapientiam omnium antiquorum requiret sapiens, et in Prophetis vacabit.
Narrationem virorum nominatorum conservabit (Eccli. XXXIX, 1-2).
Para adquirir a verdadeira ciência, disse São Bernardo, a compunção vale
mais que as profundas pesquisas; os suspiros instruem muito mais que os
argumentos; as lágrimas, mais que as sentenças; a oração, mais que a leitura; a
contemplação das coisas celestes, mais que exploração das coisas da terra.
A primeira das ciências, disse em outra parte São Bernardo, a verdadeira
ciência, consiste em uma consciência pura e santa ante Deus: Vera scientia
consistit in pura et sancta coram Deo conscientia (Lib. de Conscientia).
Somente os discípulos de Jesus Cristo, acrescenta aquele Doutor, isto é, os
que desprezam o mundo, chegam à verdadeira ciência; porque não é a leitura a que
dá essa ciência certa, senão as obras; não é a letra, senão o espírito; não é a
erudição, senão o exercício nos mandamentos de Deus. Semeai para a justiça, colhei
a esperança da vida futura, e fazei brotar em vós a luz da ciência do Espírito Santo e
da Cruz.
Não se chega à luz da ciência quando o gérmen da justiça não está, antes, na
alma: deste gérmen, forma-se o grão da vida eterna, e não a palha da vanglória (Lib.
de Conscientia).
Empreguemos a ciência, disse Santo Agostinho, como um meio de construir
o edifício da caridade: Sic adhibeatur scientia tamquam machina quaedam, per
quam structura caritatis assurgat (Epist. CXIX, c. XXI).