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Direito das Coisas FDUP
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Direito das coisas
Introduo
Captulo I Dos direitos reais em geral
1. O direito patrimonial
Direito Civil No patrimonial ex. Direitos pessoais de famlia;
direitos de personalidade; etc. No se
inserem nas normas que regulam a troca
de bens em termos econmicos, nem nas
normas que definem a atribuio dos
bens e a sua utilizao.
Patrimonial regulador das relaes de contedo
econmico e susceptveis de avaliao
pecuniria.
Tem como funo a definio do regime de bens
econmicos. Estes bens econmicos, sendo bens escassos, geram frequentes
conflitos de interesse. Da que o direito aparea a regular estas situaes de
conflitualidade imanentes procura dos bens econmicos, que reclamam
uma ordem que arbitre o domnio desses bens.
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ento ao Direito Patrimonial (no qual se enquadra o direito das
coisas) que cabe fazer esta regulao da utilizao e da disponibilidade dos
bens e ainda do acesso e circulao desses bens. Distinguem-se deste modo
dois tipos de normas que constituem o direito patrimonial:
1) normas que regulam o acesso aos bens e a sua circulao entre as
pessoas (acesso e circulao dos bens).
2) normas que regulam a disponibilidade dos bens, isto , a sua
apropriao, utilizao e disposio imediata (apropriao,
utilizao e disposio dos bens).
Assim, dentro do Direito Patrimonial encontram-se dois ramos
distintos do Direito:
1) Direito das Obrigaes (regula o acesso e a circulao dos bens).
2) Direitos Reais/Direito das Coisas (regula a disponibilidade e a
disposio efectiva dos bens).
1) Direito das Obrigaes conjunto de normas que regulam o
acesso e a circulao dos bens no sentido da sua aquisio. O seu
tratamento jurdico incide sobre a transmissibilidade e acesso aos bens
numa perspectiva de dinmica patrimonial. Regula a mobilidade da vida
econmica. As normas obrigacionais permitem uma utilizao indirecta do
bem, porque a sua fruio est dependente da interveno do devedor.
2) Direito das coisas conjunto de normas que regulam a disposio
plena dos bens e a sua apropriao. Da que as suas normas se prendam
essencialmente com o domnio e a utilizao dos bens, regulando o
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autntico e autnomo poder das pessoas sobre as coisas. O direito das
coisas tem assim uma disciplina especfica e directa da utilizao do bem, o
poder que determinado sujeito possui sobre um bem, numa perspectiva de
esttica patrimonial, numa perspectiva de domnio. Nessa medida, conferem
maior segurana sobre os bens ao seu titular. neste sentido que se pode
afirmar que o direito das coisas regula as infra-estruturas scio-econmicas
de uma sociedade.
Resumindo, os direitos de crdito esto relacionados com a
mobilidade da vida econmica, com a dinmica patrimonial, com a
circulao dos bens no comrcio jurdico, ao passo que o direito das coisas
trata da esttica patrimonial.
O detentor de um direito real sobre um bem goza, por isso, de uma
maior proteco do que aquela que conferida pelo direito das obrigaes e
da que se possa dizer que os direitos reais, pela maior segurana que
conferem aos seus titulares, so o alicerce de toda a ordem jurdica no que
se refere ao controlo de bens econmicos.
Ao contrrio do direito das obrigaes, os direitos reais permitem a
disponibilizao plena dos bens e conferem vantagens ao seu titular de
natureza no econmica como, por exemplo, posies de poder, prestgio e
autoridade.
Enquanto regulador do poder e domnio dos bens, o direito das coisas
regula as infra-estruturas scio-econmicas de uma sociedade, tendo, por
isso, um papel privilegiado na definio e modo de ser de uma sociedade.
Da o relevo que o direito das coisas assume no direito patrimonial.
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Assim, os direitos reais, enquanto fonte de domnio dos bens,
assumem uma grande importncia normativa no desempenho do papel
privilegiado no plano da disposio de tais bens econmicos, ainda que essa
funo seja auxiliada pelo direito das obrigaes. A gesto conferida pelo
direito das coisas dever ser, nessa medida, o mais abrangente possvel, a
fim de diminuir com eficcia o maior nmero de conflitos possveis,
procurando-se, com tal inteno, a ausncia de lacunas normativas.
2. As grandes formas de ordenao de domnio
A plena regulamentao normativa no tem sido historicamente
suficiente para impossibilitar o aparecimento de lacunas que tm existido ao
nvel da organizao dominial.
De facto, a situao ideal que a cada coisa pertena um titular.
Quando assim, o domnio no tem lacunas e no h conflitos de interesse.
Todavia, nem sempre assim acontece. H situaes em que se abrem
lacunas: pessoa que perde um bem; algum que faz um contrato no sendo
sujeito a forma escrita (contrato nulo); pessoa que utiliza um bem sem ser
seu titular; algum que furta o bem; algum que morre sem herdeiros; etc.
Assim, distinguem-se duas grandes formas de ordenao dominial:
1) Ordenao dominial definitiva composta por instrumentos
jurdicos que, por excelncia, tm por misso regular, em termos
definitivos, incontestveis e no duvidosos o domnio dos bens
(domnio definitivo).
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2) Ordenao dominial provisria baseada no instituto da posse.
Trata-se de um expediente provisrio destinado a preencher as
lacunas de ordenao definitiva. A relao dominial obtida atravs
da posse, no apresenta as mesmas garantias que a ordenao
definitiva, podendo, inclusive, ambas as ordens entrarem em
conflito (domnio provisrio).
3. Direito das coisas e direitos da pessoa
O direito das coisas regula o domnio dos bens em sentido estrito, dos
bens considerados em si mesmo, regula a directa e imediata relao das
pessoas com as coisas, o que significa que entre o titular e a coisa no h
qualquer intermedirio, h sim uma relao linear entre a pessoa e a coisa.
Noo jurdica de coisa art.202 CC: Diz-se coisa tudo aquilo que
pode ser objecto de relaes jurdicas.
Esta noo de coisa muito ampla e at
tecnicamente errada. Enquanto objecto de um direito real, coisa todo o
bem externo e escasso, desprovido de personalidade jurdica, de carcter
esttico, corpreo ou incorpreo, com existncia jurdica autnoma,
susceptvel de apropriao individual e apto a satisfazer interesses ou
necessidades humanas.
No cabem na noo de coisa (no so coisa):
1. Direitos sobre a pessoa;
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2. Prestaes;
3. Situaes econmicas no autnomas (no se podem dominar, nem
possuem existncia prpria. Ex. Clientela de um estabelecimento
comercial o estabelecimento vive da clientela, o valor do
estabelecimento mede-se em funo da clientela. No h nenhum
direito sobre a clientela, porque, sendo ela um bem econmico,
no autnomo, uma vez que sem estabelecimento comercial no h
clientela. A sua tutela s ganha sentido em funo do
estabelecimento comercial).
Neste mbito importa distinguir:
Bem patrimonial bem que tem um equivalente pecunirio.
Do ponto de vista dos interesses h um equivalente.
Bem no patrimonial bem ligado pessoa (qualquer
indemnizao por leso de um bem no patrimonial destina-se a
compensar a leso sofrida). As pessoas no so bens
patrimoniais, mas so fonte de interesses.
Direitos sobre as pessoas atribuio de um poder directo e imediato
sobre a prpria pessoa ou sobre a pessoa de outrem. So diferentes dos
direitos das coisas.
Direitos sobre a prpria pessoa so os chamados direitos de
personalidade, atendveis numa dupla dimenso: por um lado, a
personalidade no seu todo e ento temos uma tutela geral da personalidade;
por outro lado, aspectos da personalidade, isto , direitos que incidem sobre
manifestaes especficas da personalidade. Trata-se como bvio de duas
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perspectivas da mesma realidade. Visam proteger a prpria pessoa humana.
Ela simultaneamente titular e objecto destes direitos de auto-proteco.
Direitos sobre a pessoa de outrem regulam os bens no
patrimoniais ligados a esta e atribuem ao titular um poder directo e imediato
sobre a pessoa de outrem. Aqui o titular e objecto do direito so pessoas,
mas pessoas distintas. Tais direitos visam tutelar a pessoa objecto do direito
em causa enquanto ser em desenvolvimento, nos primeiros anos de vida.
Este tipo de direitos so os chamados poderes-deveres, que possuem um
carcter excepcional, porque satisfazem no o titular do direito, mas a
pessoa objecto desse direito. No h, por isso, uma coisificao da pessoa,
porque a pessoa objecto, mas no titular do direito.
4. Distino entre direitos reais e direitos de crdito
a) Distino no plano dos interesses e no plano tcnico-jurdico: a
teoria realista e a teoria personalista
Plano dos interesses:
O objecto do direito das obrigaes so as prestaes.
O objecto do direito das coisas so as coisas.
Deste ponto de vista, a definio entre os dois ramos no muito
clara, principalmente quando os direitos obrigacionais tm como objecto
uma prestao de dare (prestao de coisa). No caso destas obrigaes, o
que interessa para o credor a entrega da coisa e no o caminho que o
devedor teve de seguir ou os esforos que teve de fazer para prestar a coisa.
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Do mesmo modo, nas obrigaes de facere ou de non facere a
diferena tambm no relevante, porque o interesse do credor no tanto
a prestao, mas antes o resultado dela. O que importa no o modo de
cumprimento, mas o resultado. O que conta o efeito da prestao, a
satisfao que o credor tira da actuao/omisso do devedor para o credor.
Assim, no plano dos interesses, a diferena entre obrigaes e coisas
acaba por ser atenuada ou anulada. Da que, para se distinguir o direito das
coisas e o direito das obrigaes, se torna necessrio recorrer ao critrio
tcnico-jurdico.
Plano tcnico-jurdico:
No plano tcnico-jurdico, a distino faz-se atendendo anatomia do
direito em causa.
(Note-se, todavia, que um critrio que se fundamente no objecto dos
direitos reais ou dos direitos obrigacionais no procede, porque ambos os
direitos pertencem ao direito patrimonial e, portanto, dirigem-se tipicamente
s coisas, quer se situem no domnio, quer no acesso a essas coisas.)
A distino no plano tcnico-jurdico feita pela doutrina atravs da
chamada teoria realista e teoria personalista.
a) Teoria clssica ou realista Aparece no sc. XVII e XVIII, na
Holanda e na Alemanha. O critrio de distino entre o direito
das coisas e o direito das obrigaes assenta na relao homem-
coisa.
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Nos direitos reais h uma relao homem-coisa, que se traduz
numa relao directa e imediata, sem intermedirios entre a
pessoa e a coisa objecto da relao jurdica.
No direito das obrigaes a relao homem-coisa uma relao
indirecta, mediata, porque entre ambos est a pessoa do devedor.
O acesso do bem pela pessoa est condicionado pela aco do
devedor, no sendo um acesso directo como sucede com o direito
das coisas. Pressupe o cumprimento da prestao do devedor. A
relao obrigacional seria sempre uma relao homem-homem,
ou quando fosse uma relao homem-coisa, distinguir-se-ia da
relao real por ser sempre mediada por um terceiro (o devedor).
At ao sc. XIX, esta doutrina colhia unanimidade no panorama
civilista, sendo de resto traduo de um fenmeno emprico
perspectivado no direito real, segundo o qual o titular do direito
real se assenhora da coisa numa relao sem intermedirio.
b) Teoria personalista ou obrigacionalista surge no sc. XIX e
tem como principais seguidores Ferrara, Planiol, Ripert,
Windscheid e, na doutrina portuguesa, Manuel de Andrade.
Defende que toda a relao jurdica inter-subjectiva, isto ,
estabelecida entre pessoas, em sentido tcnico-jurdico. S em
sentido figurado se pode dizer que h uma relao entre a pessoa
e a coisa. Deste modo, tambm a relao real assume esta
natureza inter-subjectiva, mesmo que os sujeitos passivos no
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sejam conhecidos. Admite-se ento que pode haver relaes
jurdicas entre pessoas desconhecidas.
Ora, estaramos perante uma relao obrigacional quando a
relao inter-subjectiva for composta por pessoas
individualizadas. Se, por sua vez, apenas um dos plos da
relao jurdica for conhecido e o outro lado for desconhecido,
estamos perante uma relao real.
Nesta perspectiva, a relao homem-coisa oculta uma relao
inter-subjectiva, caracterizada pelo facto de apenas o titular do
direito ser conhecido e de os sujeitos passivos estarem
indeterminados.
Na relao obrigacional, sendo determinados e conhecidos, quer
o titular do direito, quer o sujeito passivo, h uma relao
homem-homem.
Na relao real tambm h uma relao homem-homem, s que
enquanto que o titular do direito real (sujeito activo) est
determinado e individualizado, o outro lado da relao jurdica
no est. O nexo que liga um plo ao outro a chamada
obrigao passiva universal, ou melhor, os sujeitos passivos
esto vinculados por uma obrigao passiva universal. O seu
contedo uma obrigao de non facere geral. universal
porque abrange todas as pessoas que no so titulares do direito.
passiva porque consiste numa obrigao de no perturbao
do gozo do direito, traduzindo-se num non facere, num dever
de no interferncia.
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Resumindo, a diferena entre obrigaes e coisas que nas
primeiras h uma relao homem-homem, estando ambos os
sujeitos definidos, ao passo que nas segundas h uma relao
homem-homem, no estando uma das partes (o sujeito passivo)
individualizada.
b) Pertinncia de cada uma das doutrinas
Estas duas teorias destacam apenas uma faceta do conjunto complexo
de factores utilizados para distinguir direitos reais e direitos de crdito: a
teoria realista destaca o contedo do direito real, esquecendo o elemento de
proteco desse direito real; a teoria personalista resolve o problema da
proteco do direito, mas desvaloriza o seu contedo.
Vimos at agora as teorias dualistas, que defendem a distino entre
os direitos reais e os obrigacionais.
Porm, h ainda que expor a teoria monista, que nega a diferenciao
entre aqueles dois direitos e tem a sua origem na concepo que neles o
elemento principal o patrimonial. Da que esta teoria concebe o direito
real e o obrigacional numa s noo.
Um dos grandes defensores desta teoria monista foi Ren Demogue,
que concluiu que, verdadeiramente, no existe ou no possvel uma
distino qualitativa entre os dois tipos de relao. que a obrigao
passiva universal, sendo uma obrigao geral de respeito, tambm existe
nos direitos de crdito, no sendo precludida pelo facto de a relao se
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estabelecer entre pessoas determinadas. Ao invs, tambm aqui as demais
pessoas tm a obrigao de respeitar aquela relao.
Para Demogue, a distino entre direitos de crdito e direitos reais
seria feita atravs de um critrio quantitativo, assente no nmero de sujeitos
passivos. Assim, os direitos fortes tm como sujeitos passivos um nmero
indeterminado de pessoas e os direitos fracos, que existem entre pessoas
determinadas, correspondem aos direitos de crdito, embora estes direitos
se alargassem acabando por incluir os chamados direitos fortes. Estamos
aqui perante uma posio monista ou unitria, na medida em que negam a
diferenciao entre direitos reais e direitos obrigacionais. Como se disse,
ambos tm a sua origem na concepo que o seu elemento principal o
patrimonial, pelo que estas teorias monistas concebem os direitos reais e os
direitos de crdito numa s noo, em virtude do facto de ambos poderem
ser abrangidos pelo direito patrimonial (as teorias monistas subdividem-se
em duas: numa prevalece o elemento obrigacional tese defendida por
Demogue; na outra prevalece o elemento real cfr. Da distino entre
direitos reais e obrigacionais a partir do ordenamento jurdico portugus
de Leonardo Gomes de Aquino).
A doutrina personalista pertinente ao assinalar que todo o direito
assenta na inter-subjectividade e ao valorizar a sano traduzida na
obrigao passiva universal, uma vez que os direitos s so relevantes
quando exista a sua garantia. Por outro lado, ela esquece o contedo do
direito ao defender que o poder directo e imediato sobre uma coisa s
relevante quando haja uma sano que proteja o seu exerccio (neste caso, a
obrigao passiva universal, que impende sobre todos os outros sujeitos).
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Ou seja, o direito real s se traduz num poder jurdico, porque lhe est
associada a obrigao passiva universal. O poder sobre a coisa no ser uma
realidade jurdica autnoma, mas uma consequncia do poder reconhecido
pelo direito de impor aos outros o dever de no interferir.
Sero sujeitos passivos todos os sujeitos a quem a ordem jurdica
impe tal dever, pelo que, relativamente a bens mveis, sero sujeitos
passivos todas as pessoas que esto sob a alada da ordem jurdica que
reconhece o direito real, mas tambm todas as pessoas sujeitas a ordens
jurdicas que reconheam aquela ordem.
A doutrina realista pertinente ao afirmar que, no obstante todo o
direito pressupor uma sano, esta sano s tem sentido, s realizvel, se
existir um contedo (um poder directo e imediato que a pessoa tem sobre a
coisa) para o qual seja determinada tal sano. Para esta doutrina, a tnica
que caracteriza o direito real deve estar no poder directo e imediato sobre o
bem, poder este que faz desencadear a garantia. Temos, ento, uma relao
biunvoca (os interesses so a causa da sano e, por outro lado, a
existncia da sano que d relevo jurdico aos interesses), que nos permite
perspectivar um direito real segundo um lado externo (sano) e um lado
interno (contedo do direito real).
c) Doutrina dominante
A doutrina dominante consiste numa teoria ecltica, mas que tem por
base as teorias dualistas (teoria clssica ou realista e a teoria personalista ou
obrigacionalista).
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Para esta teoria ecltica, contedo e sano so determinantes e
indissociveis para uma correcta definio dos direitos reais face aos
direitos de crdito. Todavia, o elemento que desencadeia a proteco do
direito ser sempre o poder absoluto, directo, imediato sobre a coisa/bem,
sendo a sano o instrumento que o ordenamento jurdico utiliza para
assegurar este poder directo e imediato. H ento uma primazia funcional
do contedo sobre a sano.
Para distinguir, portanto, direitos reais dos demais ramos do direito,
em especial o direito das obrigaes, necessrio recorrer ao critrio do
contedo e ao critrio da sano.
Porm, o contedo do direito real, enquanto poder directo e imediato
sobre uma coisa, s perceptvel se tivermos em conta duas caractersticas
que contendem com o seu lado interno e com o seu lado externo. Assim,
temos:
imediao relaciona-se com o lado interno do direito real
e traduz-se no seu contedo, isto , no poder directo e
imediato sobre a coisa que caracteriza o direito real. Ao
invs, no direito das obrigaes a relao mediata, porque
entre a coisa e o bem existe a pessoa do devedor.
estabilizao ligado ao lado externo do direito real e pe
em destaque a eficcia erga omnes, eficcia absoluta, do
direito real, que deste modo fica protegido contra a
generalidade das pessoas. Esta caracterstica est, ento,
ligada sano/proteco conferida pelo ordenamento
jurdico, que se traduz numa segurana face s agresses
exteriores. Por outro lado, o direito das obrigaes tem uma
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tutela relativa, dirigindo-se apenas contra determinadas
pessoas. Na perspectiva dos interesses, o direito real
confere maior segurana do que os direitos de crdito, pois
enquanto que a estes apenas se admite o efeito externo das
obrigaes em casos contados, em relao aos direitos reais,
eles tm como essncia, natureza e razo a eficcia erga
omnes (absoluta).
5. Noo de direito das coisas e o paradigma da plena in re
potestas
Posto isto, podemos tentar ensaiar uma noo de Direito Real: poder
directo e imediato sobre uma coisa, impondo-se generalidade dos
membros da comunidade jurdica e constituindo uma aproximao,
derivao ou expresso da forma plena de domnio sobre os bens, com vista
a organizao slida das infra-estruturas scio-econmicas existentes. Esta
forma plena e absoluta o Direito de Propriedade.
O direito real visa a organizao das infra-
estruturas econmicas de um pas, sendo que se destaca o direito de
propriedade como nico instrumento jurdico que realiza no plano do
aproveitamento o pleno gozo sobre uma coisa. Este o direito principal, do
qual todos os outros dependem ou ao qual se reconduzem. Assim, qualquer
noo de direito real tem obrigatoriamente que partir da noo de direito de
propriedade.
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6. Obrigaes reais e nus reais
H um conjunto de situaes que ocupam um espao normativo entre
os direitos de crdito e os direitos reais:
a) Obrigaes reais encargos que recaem sobre quem titular de
um direito real, pelo que a causa da obrigao determinada pela
titularidade do direito real. Desse modo, o titular da obrigao e o
titular do direito real so a mesma pessoa. H, assim, uma relao
estrutural gentica, funcional e instrumental entre a titularidade da
obrigao e o aproveitamento do direito real.
Ex. Art.1375 CC reparao e reconstruo do muro; na
compropriedade, as despesas feitas na manuteno da coisa
comum; as despesas de condomnio na propriedade horizontal; as
despesas de conservao de uma coisa que incidem sobre o
administrador dessa coisa.
Obrigao real Obrigao em geral:
transmisso a obrigao real transmite-se com a
transferncia do direito real, isto , as obrigaes
acompanham necessariamente a transmisso do direito
real, apesar do adquirente s responder pelas obrigaes
futuras. As obrigaes anteriores transmisso
continuam a ser do titular anterior do direito. Por sua
vez, nas obrigaes em geral, a obrigao s se transmite
se o adquirente assim consentir. Por exemplo, A deve a
B 50 e por essa dvida convencionaram um juro de 5%.
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Se A transmitir a dvida a C, o juro no se transmite
automaticamente, mas s se C aceitar.
exonerao/extino nas obrigaes reais o titular do
direito fica exonerado quando transmite o direito. O
devedor liberta-se do vnculo, desde que renuncie ao
direito real. Na obrigao em geral, o devedor no pode,
unilateralmente, exonerar-se do dbito, j que precisa de
autorizao do adquirente.
b) nus reais de acordo com Henrique Mesquita, no existe no
direito portugus um conceito unvoco de nus real, sendo a noo
empregue pelo legislador em diferentes contextos jurdicos. H
todavia um elemento comum: a existncia de gravames, isto ,
encargos sobre determinadas coisas que constituem objecto dos
nus.
nus real ser ento um encargo imposto a quem titular de um
direito real, em benefcio de outra pessoa a favor da qual o nus
constitudo. Estes encargos tm eficcia erga omnes e recaem
directamente sobre o prprio bem, o que no acontece nas
obrigaes reais.
Ex. Art.2018 CC falecendo um cnjuge, o sobrevivo tem direito
a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo
falecido. Assim, so obrigados prestao de alimentos os
herdeiros ou legatrios a quem tenham sido transmitidos bens.
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Obrigaes reais Vs. nus reais:
Semelhana a determinao do sujeito passivo feita por aferio
titularidade do direito real.
Diferenas no nus real, o encargo ou obrigao real no tem
carcter acessrio relativamente ao direito real, antes constitui uma situao
juridicamente autnoma, que recai directamente sobre a coisa e no como
na obrigao real sobre o titular do direito real;
no caso de transmisso do direito real, a transmisso do
nus implica que o novo titular fique obrigado no s em relao s dvidas
que se venham a gerar aps a transmisso, mas tambm em relao queles
que j esto vencidas, o que um reflexo de que o encargo recai sobre a
coisa em si.
Caractersticas que aproximam os nus reais a direitos reais e outras
que os aproximam das obrigaes em geral:
elementos obrigacionais:
existncia de um direito a uma prestao que
envolve a colaborao do titular do direito real,
ou seja, o titular do direito real est obrigado a
uma prestao face ao credor. O que distingue o
nus real da obrigao a relao com a
titularidade do direito real.
elementos realistas:
h elementos reais presentes na ligao da
prestao com a coisa. a coisa que objecto
da transmisso que responde pelo pagamento
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pelo cumprimento do nus, ou seja, a coisa
serve como garantia.
o nus possui uma eficcia erga omnes ou
absoluta, porque face aos bens sobre os quais
recaem os nus, o adquirente responsvel
tanto pelos nus anteriores como posteriores.
o titular do nus, em caso de transmisso dos
bens, goza do direito de preferncia nessa
transmisso, o que permite que se concentre na
mesma pessoa a titularidade e os encargos, o
que faz com que os encargos desapaream.
7. Noo jurdica de coisa
Toda a relao jurdica tem por objecto um bem, mas bem no
necessariamente uma coisa. De facto, h bens coisificveis e bens no
coisificveis.
No nos interessa, como evidente, a noo vulgar de coisa, quer
ampla tudo o que pode ser pensado, suposto, afirmado ou negado
(Lalande) , quer restrita o objecto material delimitado no espao.
Interessa-nos, pois, o sentido jurdico.
Noo legal de coisa art.202 CC:
n1: Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relaes
jurdicas.
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n2: Consideram-se, porm, fora do comrcio todas as coisas que no
podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no
domnio pblico e as que so, por sua natureza, insusceptveis de
apropriao individual.
Este um conceito, de acordo com o Prof. Dias Marques,
amplssimo e tecnicamente errado de coisa, que deve ter tido como fonte o
art.810 do Cdigo Civil Italiano (Pires de Lima). H entes susceptveis de
serem objecto de relaes jurdicas que no so coisa em sentido jurdico,
como por exemplo, prestaes, direitos e at as prprias pessoas. uma
noo que confunde objecto de relaes jurdicas com coisa.
Coisa em sentido jurdico todo o bem externo e escasso,
desprovido de personalidade jurdica (o CC de 1867 definia coisa no seu
art.369 CC, como tudo aquilo que carece de personalidade), de carcter
esttico (as de carcter dinmico como contratos, prestaes, efeitos
jurdicos no esto abrangidas pela noo de coisa), corpreo ou
incorpreo, com existncia jurdica autnoma, susceptvel de apropriao
individual e apto a satisfazer interesses ou necessidades humanas.
Assim, para que exista uma coisa em sentido jurdico necessrio:
1. carncia de personalidade jurdica;
2. existncia autnoma ou separada;
3. possibilidade de apropriao exclusiva por algum;
4. aptido para satisfazer interesses ou necessidades humanas.
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Inversamente, no necessrio:
1. que se trate de bens de natureza corprea;
2. que se trate de bens com valor de troca, isto , bens permutveis;
3. que se trate de bens efectivamente apropriados (basta que sejam
bens apropriveis).
O art.202 n2 CC especifica, dentro das coisas, as que esto fora do
comrcio, por no poderem ser objecto de direitos privados (s podem ser
objecto de relaes jurdicas pblicas ou internacionais direito pblico),
exemplificando as coisas de domnio pblico e as que so, por natureza,
insusceptveis de apropriao individual.
Situaes econmicas no autnomas: posies com valor
econmico, sem autonomia jurdica.
Dois grandes grupos:
1) Situaes econmicas no autnomas ligadas incindivelmente a
outros bens situaes econmicas que se ligam a outras situaes,
designadamente a estabelecimentos comerciais. So situaes ligadas
titularidade do estabelecimento. volta do estabelecimento comercial
geram-se determinadas situaes que, muito embora meream tutela
jurdica (dado o seu valor econmico), no so coisas, por no se tratarem
de entidades com autonomia jurdica. Exs. Clientela, fama, relaes
fcticas, fornecedores, honra, nome, bom acreditamento na banca.
A clientela enquanto bem jurdico, s existe incindivelmente ligada ao
prprio estabelecimento.
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2) Situaes econmicas no autnomas que se ligam titularidade de
um direito fenmeno a que Orlando de Carvalho chamou de direitos
sobre direitos. So valores, como por exemplo situaes de crdito, que
muito embora assumindo valor econmico, no so susceptveis de
domnio. a vantagem ligada titularidade de um direito, mas que no tem
a ver directamente com o objecto do direito, mas com a envolvncia
econmica da titularidade do direito. a chamada coisificao do direito
real. Associadas a estes direitos sobre direitos esto situaes privilegiadas
de vantagem. A situao econmica no se liga a esse direito, mas antes s
vantagens relacionadas com a titularidade do direito.
So 5 os casos:
Penhor de direitos (art.679 CC)
Hipoteca de superfcie (art.688 n1 c) CC)
Hipoteca dos direitos resultantes dos bens de domnio pblico
(art.688 n1 d) CC)
Hipoteca do usufruto das coisas e direitos (art.688 n1 a) a d)
CC)
Usufruto de direitos (art.688 n1 e) e art.1439 CC)
A vantagem no se tira do crdito que se tem (do contedo do direito),
mas da vantagem de se ser titular de um crdito/direito.
Classificao das coisas
Art.203 CC: As coisas so imveis ou mveis, simples ou
compostas, fungveis ou no fungveis, consumveis ou no consumveis,
divisveis ou indivisveis, principais ou acessrias, presentes ou futuras.
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a) Coisas mveis e imveis (art.204 e art.205 CC)
Coisas mveis (art.205 CC) tudo aquilo que no classificado
pela lei (no art.204 CC) como coisa imvel.
Coisas imveis (art.204 CC) n1:
a) Prdios rsticos e urbanos;
n2 prdio rstico parte delimitada do solo, bem
como as construes nele existentes que no tenham
autonomia econmica terrenos;
Prdio urbano qualquer edifcio incorporado no
solo, bem como os terrenos que lhe sirvam de
logradouro edifcios.
o problema surge a propsito dos prdios mistos (no
definidos no n2). O critrio para classificar um prdio
misto como rstico ou urbano o elemento econmico
predominante. Se o prdio predominantemente
rstico, um prdio rstico; se predominantemente
urbano, um prdio urbano (critrio da autonomia
econmica).
b) As guas;
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apesar de estarem em constante deslocao, so
consideradas como imveis, porque a sua imobilidade
advm da integrao no solo. Da que um rio e as suas
margens e leito devam ser considerados, no seu todo, como
um imvel.
Porm, a gua ganha carcter mvel quando retirada de um
lenol e colocada num conservatrio, parecendo dever ser
qualificada como um fruto, dada a sua renovao constante.
A propriedade das guas encontra-se regulada nos arts.
1385 e seguintes CC.
c) As rvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto
estiverem ligados ao solo;
s so imveis enquanto estiverem ligados ao
terreno, isto , plantados ou, no caso dos frutos,
ligados rvore.
d) Os direitos inerentes aos imveis mencionados nas alneas
anteriores;
imvel o direito real sobre uma coisa imvel. Ex. O
usufruto sobre uma coisa imvel um bem imvel. O
usufruto sobre uma coisa mvel no cabe aqui e, por
isso, uma coisa mvel por fora do art.205 n1 CC.
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e) As partes integrantes dos prdios rsticos e urbanos.
n3 parte integrante toda a coisa mvel ligada
materialmente ao prdio com carcter de permanncia.
apesar de ligadas coisa imvel, mantm a sua
individualidade. No se fundem na estrutura da coisa
imvel. Embora possam aumentar a utilidade da coisa a
que esto ligadas, no so indispensveis sua funo
normal. Ex. Quadro.
este regime tambm se estende s partes componentes.
partes componentes confundem-se com a estrutura
do prdio, sem as quais o prdio no preenche o seu
valor, nem consegue alcanar o fim econmico a que se
destina. Ex. Portas e janelas. Distinguem-se das partes
integrantes pela sua funcionalidade.
partes acessrias no tm uma ligao permanente
coisa principal e, por isso, so coisas sempre mveis.
Para Oliveira Ascenso, a enumerao do art.204 CC meramente
exemplificativa, porque existem vrias coisas integradas em terrenos, como
monumentos, minas, estradas, que apesar de no constarem do artigo so
consideradas coisas imveis.
A lei determina com clareza a necessidade das coisas imveis estarem
ligadas materialmente ao solo. Assim, a terra um imvel, bem como todos
os elementos nela incorporada com carcter de permanncia.
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b) Coisas acessrias e partes integrantes (art.210 CC)
Coisas principais existem de per si
Coisas acessrias subordinadas coisa principal
As coisas acessrias so coisas mveis afectadas de modo duradouro a
outra coisa, mas no se confundindo com as partes integrantes. As coisas
acessrias so sempre mveis, enquanto que as partes integrantes, porque
integram um imvel, so consideradas imveis (art.204 n1 e) CC). Alm
disso, a afectao duradoura de uma coisa acessria no carece de ser
material, podendo ser de cariz econmico no fsico.
Regime das coisas acessrias:
Art.210 n2 CC Os negcios jurdicos que tm por objecto a coisa
principal no abrangem, salvo declarao em contrrio, as coisas
acessrias.
Porm, Castro Mendes distingue duas situaes diferentes:
1) h coisas acessrias com valor autnomo, sem as quais a coisa
principal mantm a sua utilidade normal (ex. alfaias em relao
quinta).
2) h coisas acessrias sem valor autnomo, sem as quais a coisa
principal perde a sua utilidade.
Segundo este autor, s as primeiras estariam abrangidas pelo art.210
n2 CC, sendo as segundas obrigatoriamente abrangidas no negcio.
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Partes integrantes art.204 n3 CC: toda a coisa mvel ligada
materialmente ao prdio com carcter de permanncia. Apesar de estarem
ligadas a um prdio com carcter de permanncia, mantm a sua
individualidade material, no se funde com a estrutura do prdio a que est
ligada, nem a sua falta torna esta imperfeita. Podem aumentar a utilidade da
coisa a que esto ligadas, mas no so indispensveis sua funo normal
(ex. antena de um prdio; quadro de uma sala).
Partes componentes aquelas que se confundem com a estrutura do
prdio e so indispensveis ao bom funcionamento da coisa, como portas,
janelas, tijolos. Possuem um carcter funcional.
c) Coisas corpreas e coisas incorpreas: as obras de engenho e as
invenes industriais, o estabelecimento comercial e os direitos sobre
direitos
A distino no consta do CC, mas ela assenta na possibilidade de
percepo das coisas pelos sentidos.
Assim,
Coisas corpreas aquelas que podem ser apreendidas pelos
sentidos, possuem complexo fsica e so materialmente palpveis (res
quae tangi possunt).
Coisas incorpreas no so perceptveis pelos sentidos, no tm
existncia fsica, so meras construes de esprito (res quae tangi non
possunt).
H 3 espcies de coisas incorpreas:
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a) ideias ou bens ideais (integram a propriedade industrial ou
intelectual)
b) valores de organizao (ligadas ao estabelecimento comercial)
c) direitos sobre direitos (direitos enquanto objecto de outros
direitos)
a) Ideias ou bens ideais ou ideaes
Compreendem as obras de engenho e as invenes inventivas, isto ,
obras enquanto construo de ideias ou de conceitos ou ideias inventivas
como, por exemplo, patentes, desenhos industriais, modelos de actividade,
sinais distintivos do comrcio (marca, nome e insgnia, firma). Estes sinais
distintivos do comrcio so colectores de clientela e so uma forma
descentralizada de tutela do estabelecimento, no tendo autonomia
funcional, mas s autonomia do ponto de vista estrutural.
As ideias inventivas ou obras de engenho so valores em si e podem
ser exploradas economicamente. So expresses de uma personalidade
criadora e, nessa medida, esto directamente ligadas pessoa (ao contrrio
dos sinais distintivos do comrcio que tm uma ligao mais tnue com o
seu criador e mais forte com o estabelecimento comercial ou produto).
No mbito destas ideias inventivas ou obras de engenho h que
distinguir a ideia inventiva em si (que pode assumir o estatuto de coisa
incorprea) e aquilo que suporta a ideia inventiva e permite a sua expresso
material, o corpus mechanicum.
Ora a ideia inventiva s adquire o estatuto de coisa incorprea e, com
isso, autonomia e relevo jurdico na medida em que for corporizada ou
materializada ou, ainda, exteriorizada e, portanto, se torna susceptvel de
Direito das Coisas FDUP
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explorao econmica pelo seu autor. a potencialidade de conferirem
lucro que lhes atribui especificidade para efeitos de direito patrimonial.
Com vista a garantir a sua exclusividade existe o direito de
propriedade, enquanto direito de pleno uso, gozo e fruio da coisa.
Contudo, apesar da ideao se tornar independente, ela mantm-se
intrinsecamente ligada ao seu criador e, uma vez que ela um
prolongamento da personalidade do seu criador, o direito protege de vrias
formas a obra em si. Por exemplo, no se pode comprar um quadro e mudar
o nome do autor, sob pena de violar um direito de personalidade o direito
de criao artstica. Outro exemplo, o autor tem direito a no querer
publicar um livro ou tem o direito a no permitir que a sua obra no seja
transporta para o teatro.
Daqui decorre, segundo Orlando de Carvalho, que relativamente
coisa incorprea surgem dois direitos germinados, que visam a tutela da
coisa incorprea e que so reflexo da autonomia e da ligao ao criador:
Direito patrimonial de autor direito real que permite ao autor
da obra inventiva explor-la economicamente, ou melhor, um
direito de exclusividade econmica.
Direito moral de autor um direito de personalidade, que
garante o respeito pela criao.
Todavia, Oliveira Ascenso discorda desta posio, pois o direito
sobre a obra intelectual no um direito real, na medida em que no
abrange a totalidade de poderes sobre a coisa, por exemplo, no abrange a
possibilidade de gozo esttico da coisa, somente a explorao da coisa. Este
direito no protege a obra, apenas permite que ela seja economicamente
explorada. Aps a criao da obra, esta separar-se-ia dos bens intelectuais e
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do seu autor, transformando-se em entidades que podem ser usufrudas por
outrem, sem qualquer espcie de mediao.
Em suma, a ideia inventiva tem de ser corporizada para adquirir o
estatuto de coisa incorprea, mantendo-se todavia distinta e independente,
embora incindivelmente ligada, quer ao autor quer ao corpus mechanicum
que a corporiza.
A nvel de tutela real, a ideao s releva se for explorada
economicamente, o que constitui uma limitao funcional. Assim, uma
coisa ser o bem susceptvel de explorao econmica, outra coisa ser o
bem na sua dimenso da personalidade do seu autor. A proteco da
ideao atravs do direito real no visa regular o gozo cognitivo ou esttico
do bem, mas s aquela possibilidade de explorao econmica do bem e f-
lo atravs do direito de propriedade, enquanto direito pleno e exclusivo.
b) Valores de organizao
Correspondem ao estabelecimento comercial. uma coisa incorprea
sui generis, porque tem no seu ncleo a ideia de organizao, a
combinao de factores produtivos utilizados naquela empresa (pessoas e
coisas), mas esta ideia organizatria no subsiste sem os factores produtivos
que a concretizam e que corporizam o estabelecimento. Trata-se de uma
ideia organizatria plasmada nos prprios factores de produo organizados
de determinada maneira e que s tm existncia jurdica concretizada no
corpus mechanicum.
O estabelecimento comercial ento uma organizao de factores de
produo, como as pessoas e as coisas, no se reduzindo s coisas
Direito das Coisas FDUP
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corpreas, mas compreendendo tambm bens incorpreos e valores como a
firma, nome do estabelecimento e insgnia (sinais distintivos do
estabelecimento) e, ainda, situaes patrimoniais no autnomas, como a
clientela.
Este conjunto de bens materiais/corpreos, bens incorpreos e
situaes patrimoniais no autnomas conferem ao estabelecimento a sua
capacidade lucrativa (capacidade de gerar lucro), capacidade essa que lhe
confere relevncia no mbito do direito patrimonial. Sendo um bem com
especial capacidade lucrativa est associado ideia de mercado e da que
seja entendido como uma coisa composta funcional.
Orlando de Carvalho definiu estabelecimento comercial como uma
organizao concreta de factores de produo com valor de posio de
mercado.
uma coisa composta, porque integrada por elementos de natureza
variada e uma coisa funcional, porque tem em vista a ideia de capacidade
lucrativa. Da que o valor do estabelecimento comercial no se afira pelos
bens materiais que o incorporam, mas pelo seu valor de posio de
mercado, isto , pela capacidade lucrativa e pela clientela a ele ligada,
valores esses que no dependem, pelo menos directamente, dos factores
produtivos que integra.
Como a capacidade organizativa visa gerar lucro, isso confere ao
estabelecimento um valor diferente da soma do valor das unidades que a
integram, ou seja, o valor do estabelecimento diferente do valor dos
elementos que a compem, porque a organizao tem uma funo de lucro,
que deriva da sua posio de mercado, que lhe d valor acrescido.
Direito das Coisas FDUP
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Sendo o estabelecimento comercial uma coisa incorprea, ou no
objecto do direito de propriedade?
Art.1302 CC S as coisas corpreas, mveis ou imveis, podem
ser objecto do direito de propriedade regulado neste cdigo.
Ora, o art.1302 CC restringe o direito de propriedade s coisas
corpreas. Todavia, em algumas disposies do CC, o legislador trata-o
como sendo alvo de direitos reais. Assim, o direito de propriedade que
incide sobre o estabelecimento comercial recai sobre a sua organizao,
enquanto bem nico e simultaneamente sobre cada um dos elementos que
integra o estabelecimento.
Sendo o estabelecimento comercial uma coisa incorprea, tem-se
entendido que mais adequado classific-lo como um bem mvel, no
sujeito a registo, mas um bem mvel anmalo, porque relativamente a
alguns efeitos -lhe aplicado o regime dos bens imveis (por exemplo, para
efeitos de alienao). Esta posio sustentada pelo facto de para o
trespasse se exigir escritura pblica, tpico dos negcios que envolvam
coisas mveis. J para efeitos de garantia, objecto de penhor e no de
hipoteca, apesar de alguns dos seus elementos poderem ser objecto de
hipoteca.
c) Direitos sobre direitos
Obedecem ao princpio da taxatividade, pelo que s podem existir
direitos sobre direitos nos casos especialmente previstos na lei: penhor
(art.679 CC), hipoteca (art.688 CC) e usufruto (art.1439 CC).
d) Coisas presentes e futuras (art.211 CC)
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Art.211 CC: So coisas futuras as que no esto em poder do
disponente ou a que este no tem direito ao tempo da declarao negocial.
Falam ainda de coisas futuras os arts.399 CC, 408 CC e 880 CC.
A noo dada pela lei de coisa futura no a mais correcta em termos
tcnicos. De facto, uma coisa que no est em poder do disponente uma
coisa alheia e uma coisa que ele no tem ao tempo da declarao ou no
existe ou, se existe, alheia.
Coisa futura uma coisa esperada, uma coisa que se espera vir a
adquirir para integrar o patrimnio do disponente (res speratas), em
contraposio coisa presente que o disponente j possui.
Distinguem-se:
Coisas relativamente futuras j esto na disponibilidade de
algum, mas que no o disponente, que espera, ao momento
da declarao negocial vir a adquiri-las.
Coisas absolutamente futuras ainda no existem ao
momento da declarao, mas esperam-se vir a ter.
e) Universalidade de facto e universalidade de direito
Universalidade de facto complexo de coisas mveis, corpreas,
objecto de uma nica relao jurdica, ou seja, uma unificao sobre a
qual recai um nico direito.
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Orlando de Carvalho conjunto de coisas unificadas por
interesses econmicos, em que existe um valor de agregao. Por exemplo,
rebanho, conjunto de selos, coleco de moedas.
Este conjunto no uma coisa una, porque o seu conjunto no alvo
de um direito real. S cada coisa isoladamente o ser.
A universalidade de facto ento uma coisa que existe apenas
enquanto conjunto de bens ligados por um valor de reunio, bens esses que,
entre si, se encontram numa posio de paridade, tendo o mesmo valor quer
agrupados, quer individualizados.
Por isso, para Orlando de Carvalho, universalidades de facto no se
confundem com as coisas compostas funcionais, porque nas primeiras, o
valor do conjunto igual ao somatrio das coisas individuais, ao passo que
nas segundas, o valor do conjunto superior ao somatrio.
Requisitos das universalidades de facto:
1. Valor econmico e jurdico prprio/individual cada elemento da
universalidade tem um valor independente do valor de agregao.
2. O conjunto dever ter uma funo econmica unitria, um destino
econmico comum e da que exista um valor de agregao.
Reflecte-se no regime legal das universalidades de facto,
nomeadamente no regime dos frutos das universalidades de animais
(art.212 n3 CC).
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A universalidade de facto objecto de uma nica relao jurdica ou
objecto de vrias relaes jurdicas?
Tese unitria A universalidade de facto alvo de uma nica
relao jurdica. Sobre ela h um nico direito que abrange todo o conjunto
de coisas que compem a universalidade.
Vantagem: facilidade de prova da propriedade e, consequentemente,
de reivindicao da propriedade sobre a universalidade de facto. Basta
provar a propriedade sobre o conjunto e no necessrio provar a
propriedade de cada elemento da universalidade.
Esta tese defendida por Henrique Mesquita com base no disposto no
art.206 CC.
Orlando de Carvalho entende que desta norma no se pode
retirar a unificao do objecto, embora haja duas situaes em que a lei trata
a universalidade como uma coisa nica: art.942 CC doao de
universalidades e art.1462 CC usufruto de animais.
Tese atomista o domnio incide sobre cada uma das coisas
individualmente consideradas, coisas essas que constituem a universalidade
de facto e, portanto, h tantos direitos quanto as coisas que constituam a
universalidade.
Desvantagem: por esta tese, teria que se provar o domnio sobre cada
elemento individual da universalidade.
Porm, os defensores desta tese admitem que, numa aco de
reivindicao, possvel invocar apenas o domnio sobre a maioria dos
bens, no sendo necessrio provar o domnio o domnio sobre a totalidade.
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Universalidade de direito conjunto de relaes jurdicas de ndole
patrimonial (por exemplo, uma herana), que para efeitos de transmisso
so tidas como um valor conjunto. Tambm aqui cada coisa tem, no seu
conjunto, o mesmo valor que possui isoladamente e o valor do conjunto
igual soma aritmtica do valor das partes. Porm, por vezes, a lei, por
variadas razes, tem necessidade de regular os bens em conjunto. Ex.
Patrimnio comum dos cnjuges; herana.
f) Frutos e produtos
Art.212 CC: Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz
periodicamente, sem prejuzo da sua substncia.
Carcter peridico
Tem que estar em condies de, per si,
sobreviver
Frutos Civis
Naturais
Frutos naturais dizem-se naturais os que provm directamente da
coisa
Frutos civis as rendas ou interesses que a coisa produz em
consequncia de uma relao jurdica
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Frutos naturais:
Pendentes ainda no se fez a separao (art.215 n2 CC)
Percebidos j se fez a separao (art.213 n1 e 215 n1 CC)
Percipiendos podiam ter sido colhidos, mas no o foram por
culpa do detentor da coisa
Maduros aptos para a colheita (art.214 CC)
Regime jurdico dos frutos:
Art.204 CC Os frutos naturais so imveis enquanto estiverem
ligados ao solo. Logo os negcios jurdicos relativos aos imveis abrangem-
nos, salvaguardando-se as clusulas especficas sobre esses mesmos frutos
que imponham um regime diferente.
O momento da separao o momento decisivo para saber se quem
tinha o gozo ou desfrute da coisa-me adquire ou no a propriedade dos
frutos.
Art.213 n1 CC Se a separao se deu no decurso do seu direito,
os frutos pertencem-lhe.
Art.214 CC Mas a lei prev que a colheita de frutos prematuros
obrigar sua restituio, se o direito se vier a extinguir antes da poca
normal de separao.
Art.215 n1 CC Por vezes, a lei impe a restituio de frutos
percebidos, pelo que quem o fizer ter direito a ser indemnizado de todas as
despesas feitas com eles.
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Art.215 n2 CC Se quando o direito se extinguir, houver frutos
pendentes, no h direito a nenhuma restituio.
Art.408 n2 CC O efeito da compra e venda de uma coisa futura
meramente obrigacional at ao momento da separao, pelo que s com a
colheita ou separao dos frutos se verifica a transferncia nos termos do
art.408 n2 CC. Se entretanto o pomar for vendido, o negcio sobre os
frutos inoponvel ao adquirente.
Frutos Produtos
Utilidades que das coisas derivam com carcter eventual (ao
contrrio dos frutos que tem um carcter peridico). O produto o
rendimento que no tem carcter peridico ou, tendo-o, a sua produo
causa prejuzo ao carcter da coisa.
Por outras palavras, produtos so, tal como os frutos, derivaes das
coisas, mas que esgotam a sua substncia, enquanto os frutos, sendo
colhidos periodicamente, no prejudicam a sua substncia.
Ex. A pedra extrada de uma pedreira no um fruto, mas um produto,
uma vez que a sua extraco implica, como bvio, o esgotamento do
terreno.
g) Benfeitorias
Art.216 CC Despesas feitas para conservar, melhorar ou aumentar
o valor de uma coisa.
Direito das Coisas FDUP
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Podem ser (art.216 n2 e n3 CC):
1. Necessrias tm por fim evitar a perda, destruio ou
deteriorao da coisa;
2. teis no sendo indispensveis para a conservao da
coisa, aumentam-lhe o valor;
3. Volupturias no sendo indispensveis para a conservao
da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para
recreio do benfeitorizante.
Benfeitorias despesas para melhorar ou conservar a coisa; incidem
directamente sobre a coisa.
Encargos despesas peridicas feitas por causa da coisa (ex.
pagamento de rendas, impostos, amortizaes, juros);
despesas que decorrem de relaes jurdicas que o titular
tem com a coisa.
Direito das Coisas FDUP
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Ttulo I Ordenao dominial provisria
Captulo I A posse
1. Distino entre posse e direito
A ordenao dominial tem duas facetas: a ordenao dominial
definitiva, levada a cabo atravs dos direitos reais; e a ordenao dominial
provisria, estabelecida mediante a posse.
De acordo com o art.1251 CC, a posse um poder de facto, que
algum exerce sobre uma coisa de forma correspondente ao exerccio do
direito de propriedade ou de outro direito real e que est na origem de todo
o domnio.
Daqui decorre que a posse admissvel em relao a qualquer outro
direito real que no o direito de propriedade: pode haver uma posse
traduzida na prtica de actos correspondentes ao contedo, no do direito de
Direito das Coisas FDUP
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propriedade, mas de um outro direito real. Ex. Posse de uma servido; posse
de um usufruto; etc.
Porm, mesmo quando nos referimos posse traduzida na prtica de
actos correspondentes ao direito de propriedade (caso mais comum), ainda
aqui posse e propriedade distinguem-se.
As mais das vezes, a posse coincide com a titularidade do direito de
propriedade ou de outro direito real (servido, usufruto, etc.) a que
corresponde. Ex. Um proprietrio que habita o seu prdio
simultaneamente proprietrio e possuidor. Aqui a posse, por fora desta
coincidncia, no tem autonomia em relao ao direito real (no caso, o
direito de propriedade). Nestes casos, assiste-se a uma reunio, na mesma
pessoa, das qualidades de proprietrio e possuidor.
Pode, contudo, no acontecer assim.
Exemplos:
Um agricultor comea a cultivar o terreno vizinho, fazendo-o de forma
reiterada, sem autorizao e afirmando o seu intento de se comportar como
proprietrio, recolhendo os frutos, etc. Nesta hiptese, este agricultor torna-
se possuidor deste terreno. Tem a posse, mas no tem a sua propriedade. O
proprietrio o dono do prdio, que, por sua vez, no tem a posse
correspondente, que pertence ao agricultor.
Um indivduo acha uma coisa perdida ou furta um objecto e o guarda,
passando a fru-lo. Surge aqui tambm uma dissociao entre a qualidade de
possuidor e de proprietrio. O proprietrio o lesado; este continua a ser
proprietrio da coisa, apesar de j no ser seu possuidor.
Direito das Coisas FDUP
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Um indivduo compra um objecto a quem no era o seu proprietrio,
seja porque o alienante no proprietrio vende conscientemente uma coisa
alheia, seja porque o alienante no proprietrio a tinha adquirido por acto
nulo. Nesta situao, o adquirente no se torna proprietrio, dado o
princpio nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet. O
comprador nada adquire, visto o alienante no possuir nenhum direito sobre
a coisa alheia. No obstante, se a coisa lhe foi entregue, o adquirente torna-
se possuidor dela. No o seu proprietrio. Proprietrio aquele cuja coisa
foi vendida por outrem. O adquirente, uma vez que a coisa lhe foi entregue,
apenas o seu possuidor.
Em todos estes casos, a posse no coincide com a titularidade do
direito real correspondente, uma vez que, neles, h um indivduo que detm
a coisa em seu poder e que, embora se comporte como seu proprietrio, no
tem essa qualidade.
Assim, o regime da posse baseia-se numa mera situao de facto
reconhecida pela ordem jurdica e que se traduz na possibilidade de algum
utilizar e fruir de um bem, embora no possa invocar o direito real
correspondente para legitimar o seu uso, como sucede nos casos abrangidos
pela ordenao dominial definitiva, que assentam sempre num direito real.
2. O problema da tutela possessria e a posse como caminho para
a dominialidade
Direito das Coisas FDUP
43
Como acabou de ser dito, normalmente, o direito de propriedade e a
posse surgem juntos. Quem tem a posse o proprietrio. H, ento, uma
coincidncia normal entre a propriedade (poder jurdico) e a posse (poder
de facto).
Pode, todavia, acontecer que quem tenha o domnio factual ou
emprico sobre uma coisa, no tenha o domnio jurdico sobre essa mesma
coisa. Ex. Caso de furto da coisa; caso de perda da coisa; etc.
A posse pode, assim, ser exercida directamente ou indirectamente (no
caso de a coisa se encontrar na disposio de outra pessoa). A posse pode
ser exercida atravs da utilizao directa e imediata do bem ou atravs da
colocao do bem disposio de outra pessoa (mediante, por exemplo, o
comodato emprestando a coisa a algum). Ainda aqui, o possuidor estar
a exercer um poder de facto sobre a coisa, embora de modo indirecto.
Considera-se que conferir o uso de um bem a um terceiro ainda uma
manifestao do exerccio do poder de facto sobre o bem.
Nestes termos, existe posse logo que a coisa entre na disponibilidade
fctica de algum e permita exercer sobre ela um poder emprico, ou seja,
h posse sempre que o bem se mantenha na reserva de disponibilidade
fctica do sujeito.
Da que Heck defina posse como a entrada factual de uma coisa na
rbita de um senhorio ou de interesses.
A posse implica, ento, que haja uma voluntariedade ou uma
intencionalidade no seu exerccio por parte do sujeito (que a exerce). Por
exemplo, ningum pode exercer a posse se estiver a ser sujeito a coaco.
Direito das Coisas FDUP
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Sendo a posse um poder de facto e no um poder jurdico, ela surge
como um mecanismo de preenchimento das lacunas da ordenao dominial
definitiva.
Nessa medida, a posse o objectivo a que aspira toda a dominialidade,
porque o que verdadeiramente se pretende com a ordenao dos bens o
seu exerccio atravs de um poder de facto, directo ou indirecto.
Posto isto, ela desempenha um duplo papel:
1) Integrar as lacunas da ordenao dominial definitiva;
2) Possibilitar a transio para um direito definitivo, restabelecendo a
ordenao dominial definitiva atravs do instituto da usucapio.
Isto consegue-se, porque entre a posse e os direitos reais h uma
identidade funcional e uma identidade estrutural, j que os fins visados por
estas duas figuras so os mesmos: a organizao das infra-estruturas
econmico-sociais e dos meios de produo.
Ora, a posse, no obstante constituir uma ameaa ao direito real, na
medida em que se apoia numa dominialidade emprica com a qual se atinge
o suprimento de lacunas da ordenao dominial definitiva, alvo de uma
tutela/proteco jurdica, por parte do ordenamento jurdico.
O fundamento desta tutela jurdica assenta na promoo da paz social,
que com ela se alcana, na medida em que atravs dela se evitam conflitos
de interesses que decorrem das lacunas da ordenao dominial definitiva
(tanto mais que o direito presume a titularidade do direito do possuidor a
posse indica a aparncia do direito art.1268 n1 CC).
Direito das Coisas FDUP
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Alm disso, a posse um valor de organizao, que permite o
aproveitamento dos bens e a continuidade da sua explorao, uso e fruio.
Deste modo, ela permite uma reintegrao do domnio dos bens, pois
esta continuidade de explorao, uso e fruio forma e consolida os
interesses de facto que tm de ser protegidos, nomeadamente quando o
proprietrio do bem no tenha, durante certo tempo, reagido nem
reivindicado o bem.
A posse , nesta medida, uma via para a dominialidade e -o mediante
o instituto da usucapio, enquanto efeito possessrio.
A posse pretende-se como uma situao provisria, exercida durante
determinado perodo de tempo limitado. Porm, ela pode e deve
transformar-se e passar de poder de facto para um novo poder jurdico que
se substitui ao anterior. Com isto, d-se a transformao do domnio
provisrio em domnio definitivo, mediante o instituto da usucapio, que
funciona como mecanismo de sucesso na dominialidade.
A possibilidade desta transformao justifica-se, desde logo, pela
necessidade de tutela dos valores de organizao e de continuidade que a
posse permite, no obstante o facto da tutela da posse poder vir a proteger
um ladro. Esses casos so, acima de tudo, excepcionais e tm que ser
assumidos pelo sistema.
3. Os sistemas possessrios
Na anlise de uma situao possessria possvel distinguir dois
elementos:
Direito das Coisas FDUP
46
I Elemento material corpus actos materiais praticados sobre a
coisa.
II Elemento psicolgico animus inteno de se comportar
como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
I Elemento material (corpus):
Traduz-se no exerccio de poderes de deteno (Mota Pinto), ou
seja, em guardar ou conservar a coisa em seu poder no caso de um bem
mvel; em ocupar no caso de um bem imvel.
Note-se que no necessrio um permanente contacto fsico com a
coisa. Basta que a coisa esteja dentro do mbito de um poder de facto do
possuidor ou, por outras palavras, na sua reserva de disponibilidade fctica
ou emprica. Assim, por exemplo, no deixa de ser possuidor de um
automvel o indivduo que o deixa estacionado numa rua e se afasta durante
um certo perodo de tempo.
Pode, tambm, o corpus traduzir-se em actos de fruio (Mota
Pinto) ou, at em actos de deteno e fruio conjuntamente.
Assim, pode no haver uma deteno da coisa, mas haver uma fruio
da coisa, mediante a recolha das vantagens econmicas desta. Por exemplo,
um indivduo que recolhe os frutos de um prdio rstico ou que recebe as
rendas de um prdio. O indivduo que frui o prdio est a possu-lo.
O facto de no se tratar de um poder fsico sugere a possibilidade de
exercer a posse por intermdio de outrem. Por exemplo, um indivduo
arrenda um imvel e est a receber as rendas do locatrio, que quem se
encontra em contacto fsico com a coisa. Este locatrio no possuidor por
se encontrar a possuir em nome de outrem, no se comportando, por isso,
Direito das Coisas FDUP
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em relao coisa, como um proprietrio (falta-lhe o animus). Ele um
mero detentor ou possuidor precrio.
II Elemento psicolgico (animus):
Para haver posse, alm do exerccio de um poder de facto sobre a
coisa, necessria a vontade de se comportar como o titular do direito
correspondente aos actos realizados.
No basta, portanto, o praticar, em relao ao bem, actos idnticos aos
do titular do direito real, necessrio tambm que haja inteno de se
comportar como titular do direito em termos do qual se possui.
Fala-se assim num animus possidendi, que no se identifica,
necessariamente, com um animus domini (inteno de se comportar como
proprietrio da coisa), mas abrangendo ainda situaes em que h inteno
de se comportar como, por exemplo no caso de usufruto, usufruturio.
Trata-se, na verdade, do intuito de se comportar como o titular do direito
correspondente aos actos que se praticam.
Assim, por exemplo, uma pessoa que se senta numa cadeira em casa
de outrem, no possuidor dessa cadeira pois falta-lhe o animus, a inteno
de se comportar como proprietrio dela.
Situao idntica se verifica nos casos de locatrio ou comodatrio.
Estes no so possuidores por lhes faltar o animus correspondente
propriedade, embora pratiquem em relao coisa actos equivalentes ao
contedo da propriedade (ou, pelo menos, do usufruto).
Ora, aqui, levanta-se a questo de saber se para existir posse
necessrio que concorram estes dois elementos.
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Surgem, ento, duas concepes de posse: uma objectiva e outra
subjectiva.
Sistema objectivo:
Para a concepo objectiva da posse, qual se associa o nome de
Ihering, para que haja posse necessrio que exista um poder de facto sobre
determinado bem, bastando, portanto, que se verifique o corpus.
Dispensam-se especiais intencionalidades nesse exerccio (o animus).
Sistema subjectivo:
Para a concepo subjectiva, defendida por Savigny, para haver posse
necessrio que se verifiquem os dois elementos: o elemento
externo/fctico (o corpus), enquanto poder de facto sobre o bem; e o
elemento interno/intencional (o animus), enquanto inteno de exercer o
poder de facto como se fosse titular do direito real correspondente.
Mas, tal como a posse se adquire quando se renem os dois elementos,
a posse tambm se perde se se perdem os dois elementos ou, do mesmo
modo, se se perde s um deles (pode acontecer que se perca s o elemento
psicolgico ou s o elemento material). Por exemplo: perde-se o elemento
material, quando a coisa fosse perdida, furtada ou usurpada por terceiro;
por outro lado, perde-se o elemento psicolgico nos casos de constituto
possessrio (o proprietrio de um prdio vende-o, mas convenciona com o
adquirente que continua no prdio como locatrio).
Assim, havendo o corpus, mas no havendo o animus, estamos
perante um direito de crdito, no havendo consequentemente tutela
possessria.
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Havendo corpus e animus, mas sendo um animus detinendi (e no um
animus possidendi), no h tutela possessria, porque estamos perante uma
mera deteno (que corresponde, portanto, ao exerccio de um direito de
crdito).
Da comparao dos dois sistemas resulta que o sistema objectivo
confere uma tutela mais ampla, porque abrange quer os casos em que o
poder de facto se faz ao abrigo de um direito real, quer os casos em que o
poder de facto se faz ao abrigo de um direito de crdito.
Por exemplo, A empresta a B um bem mvel. Para o sistema
subjectivo, A possuidor, mas B um mero detentor. J para o sistema
objectivo, tanto A como B so possuidores: A possuidor mediato e B
possuidor imediato. Ambos gozam, nessa medida, de tutela possessria.
A verdade que estas duas concepes da posse se explicam, porque
cada uma delas parte de diferentes justificaes que atribuem tutela
possessria.
Para Savigny, o fim e a causa da proteco jurdica da posse a defesa
da paz pblica. A posse protegida, porque, se os possuidores no
pudessem recorrer ao tribunal quando fossem perturbados ou esbulhados da
coisa, os possuidores teriam que recorrer auto-tutela dos seus direitos e
justia privada, o que geraria a desordem, alm de que esta auto-tutela
rejeitada pelo ordenamento jurdico (art.1 CPC), salvo os casos contados
de aco directa (art.336 CC), legtima defesa (art.337 CC), estado de
necessidade, etc.
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J para Ihering, a razo pela qual se protege a posse no a defesa da
paz pblica, mas o facto de a posse ser o sinal visvel ou exterior do direito
real correspondente. certo que se protegem alguns no proprietrios
(ladres e usurpadores), mas esta proteco tambm uma proteco
provisria. Depois discutir-se- a propriedade da coisa, mas, imediatamente,
tem proteco como possuidor. Alm disso, estatisticamente, a maioria dos
possuidores so os proprietrios das coisas possudas. Se no se protegesse
a simples posse, as pessoas teriam que provar o seu direito, o que exigiria,
muitas vezes, a prova ininterrupta de uma cadeia de transmisses, o que se
consubstancia numa prova dificilssima ou mesmo impossvel. Facilita-se,
portanto, aos autnticos proprietrios (maioria estatstica dos possuidores) a
defesa da sua posse s com base na prova da posse, sem que tenham que
provar a propriedade com os vrios ttulos.
4. Noo de posse (posio legal do ordenamento jurdico face
dualidade dos sistemas possessrios)
O art.1251 CC apresenta a noo legal de posse.
Esta noo legal aponta para a exigncia dos dois elementos da posse:
corpus e animus.
Da conjugao do art.1251 CC com o art.1253 CC resulta, que entre
ns est acolhida a posio subjectiva. Se faltar o animus possidendi,
estamos perante uma mera deteno ou posse precria.
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Porm, a nossa lei admitiu quatro excepes ao consagrar resultados
que se aproximam da concepo objectiva, uma vez que, por disposies
ad hoc, a nossa lei concedeu tutela possessria, permitindo o recurso aos
meios de defesa da posse, a meros detentores ou possuidores precrios:
1) Art.1037 n2 CC locatrio;
2) Art.1125 n2 CC parceiro pensador;
3) Art.1133 n2 CC comodatrio;
4) Art.1188 n2 CC depositrio.
Embora estes no sejam autnticos possuidores, a lei, por norma
avulsa, vem dizer que eles podem valer-se dos meios de defesa da posse.
Todavia, no esto equiparados aos possuidores para todos os efeitos,
nomeadamente para efeitos de usucapio.
O nosso sistema, de cariz subjectivo, concebe, ento, a posse como
uma relao entre o corpus e o animus.
Corpus poder de facto sobre um bem, que se encontra na zona de
disponibilidade emprica do sujeito. Implica a ideia de estabilidade. No
tem forosamente que implicar um poder fsico.
Animus conscincia e inteno de exercer um domnio factual
sobre um determinado bem.
O facto de a lei exigir o corpus e o animus para efeito de haver posse
implica que o possuidor tenha de provar a existncia dos dois elementos, o
material e o psicolgico para poder, por exemplo, adquirir por usucapio
ou lanar mo das aces possessrias.
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Ora como a prova do animus poder ser muito difcil, para facilitar as
coisas, a lei estabelece uma presuno. Em caso de dvida, presume-se a
posse naquele que exerce o poder de facto.
Daqui decorre que, sendo necessrio o corpus e o animus, o exerccio
daquele faz presumir a existncia deste.
Ao contrrio do que se passava antigamente, nomeadamente no
Direito Romano, admite-se hoje que a posse pode ser exercida em termos
correspondentes a direitos reais menores e no apenas em termos de direito
de propriedade. Assim, encontram-se diferentes animus consoante o direito
real a que a inteno subjacente ao exerccio dos poderes de facto sobre
uma coisa corresponda (animus de propriedade; animus de usufruto; animus
de superfcie; etc.).
Se surgirem dvidas acerca do
direito real em termos do qual o poder de facto exercido, dever entender-
se, atendendo ideia de plena in re potestas que integra a dominialidade,
que estamos na presena de uma posse uti dominus, isto que os poderes
de facto so exercidos como se existisse titularidade de um direito real de
propriedade.
5. Posse formal e posse causal
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Posse formal posse autnoma; posse que no suportada por
nenhum direito real; opera desligada do direito real; no tem atrs de si um
verdadeiro direito real a legitim-la; ela surge de um conflito com esse
direito real.
D-se a posse formal quando algum exerce aparentemente um
direito sobre uma coisa, estando a sua situao dissociada da titularidade
substantiva (Oliveira Ascenso).
Posse causal tem causa no direito real; o possuidor causal exerce o
poder de facto (a posse) no apenas em termos de um direito real, mas na
medida em que efectivamente o titular de um direito real; a posse
suportada por um efectivo direito real (no caso de estar em causa um direito
de propriedade, o possuidor coincide com o proprietrio).
Posse causal aquela que tem a justific-la a titularidade do direito a
que se refere (Oliveira Ascenso).
O possuidor formal apenas pode invocar a posse para se defender; o
possuidor causal pode invocar no s a posse, mas tambm o prprio direito
real, consoante o que lhe for mais conveniente.
6. Posse precria ou deteno
Posse Deteno
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Art.1253 CC corresponde ao exerccio de um poder de facto
(corpus), sem que lhe corresponda um direito real, mas sim um direito de
crdito. H um corpus e um animus detinendi. O simples possuidor ou o
possuidor precrio no tem o animus possidendi.
Art.1253 CC:
a) Engloba os actos facultativos, em que os poderes de facto so
exercidos pelo detentor em consequncia da inrcia do titular
do direito ou da inrcia do possuidor. Nestes casos, quem
exerce o poder de facto no tem inteno de agir como
beneficirio do direito.
b) Refere-se a actos de mera tolerncia. Corresponde aos casos
em que os poderes de facto so concedidos pelo prprio titular
do direito, mas sem qualquer interveno vinculativa, sem
qualquer inteno de atribuir quela pessoa quaisquer poderes
jurdicos. Ex. Emprestar um bem a uma pessoa.
c) Abrangem os detentores por ttulo jurdico, que dizem
respeito a detenes que tm atrs de si a existncia de um
ttulo jurdico, nomeadamente um direito de crdito.
7. Natureza jurdica da posse
Ser a posse uma simples aparncia do direito, um fumus boni iuris
ou ser ela um verdadeiro direito?
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De acordo com as preleces de Mota Pinto, uma anlise do seu
regime revela ser a posse um verdadeiro direito, mas um direito real
provisrio. A posse no , ento, um mero facto. Ela tem mais relevo do
que um simples facto aparente do direito.
um direito, porque a posse uma situao jurdica subjectiva que
confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros e da que seja
um direito real. uma situao negocivel, hereditvel, susceptvel de
registo e que pode ser defendida por meios jurdicos. Est, portanto, dotada
de garantia jurdica.
um direito real provisrio, porque esta proteco s se mantm, ou
melhor, cessa perante a aco de reivindicao (meio de defesa do direito
de propriedade art.1311 CC), salvo se entretanto operar a usucapio.
8. Direitos em termos dos quais se pode possuir
Disse-se que podem existir vrios tipos de animus, consoante as
intenes de exercer os poderes de facto correspondentes aos variados
direitos reais.
Por esse motivo, cumpre delimitar o conjunto de direitos em termos
dos quais se pode possuir, em termos dos quais pode existir um animus
possessrio. Para tal, necessrio ter presente que o corpus exercido no
tem que ser necessariamente um poder fsico. A posse sim um poder de
facto que se encontra na esfera de disponibilidade emprica do seu titular.
Da que h direitos reais que no conferem posse:
Direitos reais de aquisio;
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Hipoteca (alguns direitos reais de garantia);
Servides no aparentes (direito real de gozo art.1280 CC no
pode haver posse nas servides no aparentes, salvo quando a
posse se funde em ttulo provindo do proprietrio do prdio
serviente ou de quem lho transmitiu. Justificao: os actos
correspondentes ao contedo das servides no aparentes so
normalmente actos de tolerncia do proprietrio da coisa).
Contudo, j conferem posse:
Direitos reais de gozo (propriedade; usufruto; uso e habitao;
superfcie; servido exceptuam-se as servides no aparentes;
direito real de habitao peridica);
Alguns direitos reais de garantia:
o Penhor; o Direito de reteno; o Consignao de rendimentos.
9. Objectos passveis de posse
So passveis de posse todos os bens passveis de domnio, ou seja,
genericamente, todas as coisas.
Coisas corpreas no levantam dvidas de que podem ser
objecto de posse.
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Coisas incorpreas:
Estabelecimento comercial pode ser objecto de posse,
porque o estabelecimento no existe sem um lastro material. Ele assenta em
valores ostensivos, com relevo jurdico-econmico fora do prprio
estabelecimento, valores esses, grande parte das vezes, materiais. Alm
disso, o poder de facto da posse no tem que ser um poder fsico, pelo que
basta que o estabelecimento, enquanto organizao de factores produtivos,
se encontre na reserva de disponibilidade emprica do sujeito. A posse
pretende garantir a exclusividade da disponibilidade destes bens ao seu
titular. Logo, parece no haver nada contra o facto de estes bens
incorpreos serem passveis de posse, desde que visem preservar a
explorao econmica do estabelecimento comercial (o que constitui um
verdadeiro requisito para a sua classificao como coisa incorprea).
Ideias inventivas tambm pode haver posse, j que
atravs desta possvel salvaguardar a explorao econmica e a
exclusividade econmica do bem, at porque a posse tem que ser entendida
como um poder emprico e no como um poder fsico, de reserva de
exclusiva disponibilidade do bem.
Grande parte da doutrina levanta
problemas quanto admisso da usucapio destes bens.
Para Orlando de Carvalho pode haver posse sobre estes bens,
defendendo, quanto usucapio, que esta possui natureza diferente, at
porque ela no um efeito necessrio da posse, podendo ser excluda pelo
CC para certas situaes possessrias.
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Assim, para as invenes e obras de engenho, sendo eles bens
protegidos pelo direito patrimonial de autor, no de admitir a usucapio,
pelo menos quando for exercida contra o titular do direito patrimonial de
autor (j se levantam srias dvidas quando ela for exercida contra os
sucessores do titular daquele direito).
Quanto aos sinais distintivos do comrcio, por via da sua ligao
personalidade e, no obstante a necessidade da aquisio do
estabelecimento, tambm parece no ser correcto admitir a usucapio.
Direitos sobre direitos pode haver posse sempre que o direito
sotoposto (direito sobre o direito) confira poderes de facto sobre o direito
sobreposto (direito objecto do direito real; direito coisificado).
10. Capacidade para adquirir a posse
Art.1266 CC: Podem adquirir posse todos os que tm uso da razo e
ainda os que o no tm, relativamente s coisas susceptveis de ocupao.
A lei basta-se com o uso da razo. Com o discernimento que apenas
requer da pessoa a capacidade natural de querer e entender os poderes de
facto inerentes ao exerccio da posse. Basta que o sujeito tenha a capacidade
natural de entender e de querer suficiente para exercer os poderes de facto
sobre a coisa.
A lei no exige a capacidade de exerccio.
Nos termos do art.488 CC, presume-se que haja uso da razo a partir
dos 7 anos.
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Os menores de 7 anos e os inimputveis por anomalia psquica no
tm capacidade para exercer posse, salvo quando a coisa susceptvel de
ocupao. Trata-se de uma presuno ilidvel.
Casos em que os menores de 7 anos e os inimputveis por anomalia
psquica podem possuir:
2) Casos em que a coisa susceptvel de ocupao. Estes casos de
ocupao constituem meras operaes materiais de apreenso
fsica.
3) Quando a posse tenha sido adquirida por intermedirio, desde que
seja em nome e no interesse do sujeito que no tem o uso da razo
e desde que o intermedirio tenha o uso da razo. O
intermedirio, aqui, abrange todas as figuras da representao.
4) Casos do art.1890 n3 CC: o suprimento da falta de aceitao
ocorre por interveno dos pais ou representante legal. Se os pais
nada declararem, a liberdade tem-se, em princpio, por aceite. O
menor adquire a posse dos bens, tendo ou no o uso da razo, o
que se justifica porque a lei constri uma fico de aceitao do
intermedirio.
11. Caracteres da posse
O relevo jurdico da posse depende das suas caractersticas.
Estas caractersticas contendem com:
1) O nexo da posse com o direito em termos do qual se possui.
2) A conscincia da aquisio da posse.
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3) O facto de se adquirir a posse com ou sem violncia.
4) A cognoscibilidade da posse.
Atente-se que a posse se afere no momento da aquisio.
H caractersticas que so permanentes (fixadas em termos
definitivos) e outras que so no permanentes (a sua natureza varia ao longo
do tempo).
H caractersticas que so absolutas (valem face a qualquer
interessado) e relativas (valem s para alguns interessados, em princpio, o
anterior possuidor).
Assim, a posse pode ser:
1) Posse titulada ou posse no titulada
2) Posse de boa-f ou posse de m-f
3) Posse pacfica ou posse violenta
4) Posse pblica ou posse oculta
A 1) e 2) so caractersticas permanentes e absolutas.
A 3) e 4) so caractersticas no permanentes e relativas.
a) Posse titulada e posse no titulada
Art.1259 n1 CC: Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo
legtimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente,
quer da validade substancial do negcio jurdico.
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Esta destrina tem importncia para efeito das presunes legais do
art.1260 CC e para efeitos de usucapio. Na verdade, a usucapio obedece
a prazos diversos, consoante a posse que a fundamenta titulada ou no
titulada.
Ela contende com o nexo de aproximao entre a aquisio da posse e
o direito real em que se funda.
Modo legtimo de adquirir Adquirir o qu? O direito em termos
do qual se exerce o poder de facto, se exerce a posse.
Modo Ttulo, no sentido de justa causa de aquisio do direito
real.
Legtimo Possibilidade abstracta de aquele ttulo constituir
aquele direito. Deve ler-se ttulo existente, pois a causa de aquisio
prescinde de saber se h ou no o direito na esfera do transmitente e da
validade substancial do negcio jurdico, pelo que a aquisio nestes
termos no pode considerar-se legtima.
Quando a lei diz posse fundada em qualquer
modo legtimo significa que a posse tem atrs de si, como causa
legitimante da sua aquisio, um ttulo adquirente que, em abstracto,
idneo a transmitir o direito real.
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Fundada Significa que a posse no deriva de um negcio
translativo do direito real, mas uma posse que tem como causa mediata,
atrs de si, um ttulo que, em abstracto, apto a transmitir um direito real,
apesar de em concreto no se transmitir esse direito real.
Independentemente quer do direito do transmitente, quer da validade
substancial do negcio jurdico Parece que se refere s aos negcios
jurdicos como a nica forma de aquisio da posse, o que no verdade,
porque tambm existem outras formas de aquisio da posse que so
simples operao jurdicas (e no negcios jurdicos), como o so a
ocupao, a acesso e a usurpao.
Todavia, o artigo quer mesmo referir-se somente aos negcios
jurdicos, da que ele s se aplique s formas de aquisio derivada da
posse, i.e., queles que implicam uma verdadeira traditio do bem. J no se
aplicar s formas de aquisio da posse originrias.
Assim, a posse titulada se o ttulo for, em
abstracto, apto/idneo transmisso do direito real em causa,
independentemente de, em concreto, no o ser, ou porque o direito no
existia na esfera jurdica do transmitente (mas existia na esfera jurdica de
outrem o transmitente no tinha legitimidade para transmitir a coisa) ou
porque faltaram os requisitos substanciais do negcio e, desse modo, ele
padecia de um vcio substancial (requisitos de validade substancial do
negcio jurdico).
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Ao invs, a posse no titulada se os vcios do negcio conduzirem
inexistncia jurdica do mesmo ou se ele padecer dalgum vcio formal.
Este regime justifica-se, porque enquanto que a falta de legitimidade
do transmitente e os vcios substanciais do negcio no so visveis, a
inexistncia e os vcios formais so, pela sua natureza, ostensivos e
cognoscveis do declaratrio.
Todavia, importante fazer uma reduo do alcance desta 2 parte