Post on 02-Dec-2018
Produção de Lanchas de Escolares na Base Naval de
Natal
Ícaro Luiz de Araújo Gomes Graduando em Psicologia pela UFRN.
joker@aereo.jor.br
Há muito se fala que o caminho próspero de uma nação se faz com a educação (formal
e/ou informal), no entanto, as peculiaridades de dados países ou regiões fazem com que tal
ditado seja mais um sonho distante do que uma verdade. O Brasil apresenta algumas dessas
peculiaridades que fazem que o sonho de uma educação de qualidade, acessível e gratuita
chegue a um reduzido número de cidadãos, mesmo que apenas com um ou dois desses adjetivos.
Para melhorar a educação brasileira várias políticas, planos, projetos e programas
foram/são lançados, entre essas iniciativas se encontra o Programa Caminhos da Escola.
O programa Caminho da Escola iniciou se em 2007, se baseia em diretrizes do Plano de
Desenvolvimento da Educação e financiamento do FNDE, visando prover meios “adequados” ao
transporte escolar de zonas rurais evitando a evasão escolar contribuindo com o processo de
aprendizagem do alunado. A matriz de transporte brasileira está centrada no ramo rodoviário
que atende com um custo-benefício razoável as distancias entre o principal centro
industrializado e consumidor brasileiro, mas que se torna oneroso (e perigoso) quando se leva
em consideração as outras regiões produtoras/consumidoras quer seja pela distância, pelo fluxo
de investimento na malha (construção e manutenção) ou pelo tempo.
A região amazônica pelas características geográficas – entre outros motivos – apresenta
uma vocação a matriz hidroviária/aquaviária. Nessa região quase toda a logística se baseia no
fluxo de bens, serviços e pessoas pela calha dos rios da região, incluindo o número aproximado
de 180 mil estudantes do ensino público. Muitos deles vivem nas regiões ribeirinhas e vão para a
escola em barcos a remo, feitos artesanalmente, sem nenhum tipo de segurança, sujeitos ao
abalroamento por outras embarcações de maior porte. Muitas vezes, tendo que resistir a chuvas,
ventos adversos, chegando cansados à escola. Ou ainda por “barqueiros” pagos pelos municípios
ou estado, sem a menor segurança e conforto em percursos longos e demorados. Pelas
características artesanais, o eixo da embarcação se encontra amostra e pela cultura de se manter
longos cabelos, em especial, na população feminina centenas de casos de escalpelamento de
crianças e mulheres ameaçam os direitos e autoestima das mesmas.
Para atender a demanda especifica desse alunado (população ribeirinha) um projeto foi
desenvolvido para adquirir/desenvolver uma embarcação que permitisse o transporte ágil e
seguro desse alunado. Os estudos decorrentes para desenvolver/adquirir uma embarcação que
atendesse as necessidades peculiares do programa, pesquisa das características de embarcações
que operam na região e uma análise criteriosa do mercado concluíram que a opção com uma das
melhores relações de custo-benefício seria uma embarcação híbrida originária de dois projetos
da “Marinha do Brasil”. Os projetos que serviram de bases para a Lancha de Transporte Escolar
foram as Lancha de Ação Rápida e a Lancha de Apoio Médico.
Em 28 de outubro de 2009 foi assinado termo de cooperação entre o FNDE e DEN(MB),
em seguida foi firmado contrato entre DEN e a Emgepron para a produção de 600 lanchas
escolares. A produção das Lanchas Escolares ficou responsável entre as Bases Navais do
Norte/Nordeste em diferentes proporções; BNVC 300 lanchas, BNN 200 lanchas e BNA 100
lanchas.
A Lancha de Transporte Escolar apresenta as seguintes características:
Características da Lancha Escolar
Comprimento 7,30m/24 pés
Boca 2,1m
Pontal 1m
Calado 0,2m
Lotação 20 pessoas
Capacidade de Carga 1.300Kg
Peso do Casco 580Kg
Motor de Propulsão 90HP
Motor de Emergência 6,5CV
O casco da embarcação apresenta forma inicial de “V” e ao longo da embarcação passa a
forma de “U”, esse arranjo permite ao meio a capacidade de semi-planeio tornando mais
eficiente o deslocamento no ambiente de águas rasas e abrigadas para qual o meio foi projetado.
Outra característica dessa solução é a navegação em laminas d’águas reduzidas permitindo a
navegação da embarcação nos diversos igarapés da região com segurança nos diferentes regimes
de vazante dos cursos d’água. Os rios da região apresentam uma grande quantidade
de obstáculos submersos ou semi-submersos, tais como bancos de areia e troncos, esses
elementos podem ocasionar danos a embarcação, em particular, ao casco. A operação em
laminas com pouco volume e a existência de muitos obstáculos levou a duas soluções/opções
simples, mas significativas pela envergadura do projeto, pintura parcial no casco da embarcação
e a utilização de garrafas PET para prover empuxo/flutuação a embarcação.
A primeira solução é muito comum, no entanto, chamo atenção a mesma pelo
pensamento de senso comum de que toda a embarcação é pintada, não foram pintadas regiões
que não estará visíveis, estarão sujeita a ação da água/oxidação e estarão em constante
atrito/desgaste. A segunda solução não é nenhuma novidade, mas chama atenção a escala,
normalmente se utiliza “isopor” para essa função, mas atendendo o conceito de baixo-custo do
projeto e a ações pró-ambientais o “isopor” foi substituído pelas garrafas PET. Cada embarcação
no interior do casco leva cerca 1000 (mil) garrafas PET, só na BNN serão utilizadas mais de 200
mil garrafas PET, além do compromisso pró-ambiental a utilização de garrafas PET apresenta
uma ligeira vantagem em relação ao “isopor”, enquanto o isopor passado algum tempo imerso
apresenta por sua porosidade uma espécie de “infiltração” diminuindo as características de
flutuação ao passo que uma garrafa PET bem vedada e sem furos não apresenta o mesmo
processo de infiltração, mantendo inalteradas as características de flutuação.
A propulsão fica a cargo de um motor de polpa F90 BET da Yamaha, o mesmo é movido
a gasolina, 4 tempos, injeção eletrônica e 4 cilindros. Além do fornecimento da propulsão, a
referida empresa que ganhou a licitação também é responsável pela capacitação dos condutores,
1ª revisão e da rede de assistência técnica/manutenção. O motor apresenta ainda
isolamento térmico-acústico com selos de baixa emissão de poluentes e consumo considerado
satisfatório/econômico. As lanchas são entregues com os mesmos já instalados, testados e
prontos ao uso. A propulsão de emergência, problemas de toda ordem podem ocorrer, fica a
cargo de um pequeno motor (6,5 HP) – quando em uso instalado a bombordo do F90 – que visa
levar a embarcação a um sitio de segurança enquanto espera por auxilio. O tripulante possui a
disposição para uma navegação segura 2 displays digitais multifuncionais para informações do
motor (pressão, temperatura, etc..) e tacógrafo, rádio VHF maritimo, luzes de navegação,
buzina, defensas verticais e equipamentos de salvatagem (coletes salva-vidas e boias).
A segurança, simplicidade e funcionalidade são conceitos que estão presentes na
maioria das soluções desse projeto. Formas mais eficientes de produção e melhorias do projeto
foram implementadas ao longo do mesmo, um exemplo está nos bancos/assentos. Inicialmente
os mesmos apresentavam o mesmo padrão dos ônibus-escolares, no entanto, uma análise dos
recursos disponíveis a manutenção das LE concluiu que a reposição dos bancos/assentos e
o período no qual a LE se encontrasse indisponível seria mais prejudicial que uma alternativa
mais “ortodoxa” como a adotada bancos/assentos em madeira. Pelo o público-alvo ter um
enfoque na população em idade escolar, normalmente, crianças, adolescentes e adultos jovens a
fechadura/trava da porta de acesso a embarcação deveria ser acessível e de simples manuseio,
optou-se por um ferrolho simples.
O para-brisa da LE é feito em acrílico essa opção, o acrílico pelo vidro, decorre mais
uma vez do foco na segurança dos passageiros, os ferimentos ocasionados pelos estilhaços de
vidro provenientes de um incidente/acidente desencorajaram o uso desse material. Para o
proteção contra as intempéries, como chuvas, sol ou ventos, as embarcações possuem anteparos
laterais em lona na cor do casco. O piso de toda embarcação apresenta características
antiderrapantes seja pelas características de alto-relevo ou pela pintura. Em prol da ergonomia
do condutor/tripulante o piso da LE é pintado. O piso foi pintado em tom de cinza para evitar
que o condutor seja ofuscado pelo reflexo do sol já que em condições “originais” o piso apresenta
a aparência/tonalidade metal-quase-branco.
APOIAR NOSSO ORGULHO!NOSSA BASE, NOSSA ALMA!
A Base Naval de Natal teve sua construção iniciada em 7 de julho de 1941, apesar de que
desde 1922 o decreto nº 15672/22 já considerava sua construção como ponto de apoio
estratégico a defesa marítima. Sob o comando do Almirante Ary Parreiras a BNN prestou apoio,
manutenção e reabasteceu a escoltas “aliadas” dos comboios realizados no Atlântico Sul e, em
conjunto a “Rampa”, aos hidroaviões utilizados nas missões de Patrulha ASW. Depois da SGM
continuou a manutenir, reabastecer e apoiar os meios estacionados ou transito na área. Na
atualidade atua sob as diretrizes da sistemática “Organização Militar Prestadora de Serviços” –
OMPS, instrumento imaginado pela Alta Administração Naval para aplicação com maior
eficiência dos recursos de pessoal e material. A BNN se encontra capacitada a executar
atividades técnicas e industriais relacionadas à construção, reparo e manutenção de
embarcações de pequenos e médios portes, bem como serviços de reparo em plataformas e
estruturas pesadas, para emprego naval, ferroviário e outros, segundo padrão de qualidade,
requisitos e especificações internacionais.
A produção das LE na BNN foi dividida entre uma firma terceirizada e o Departamento
Industrial da BNN, diferentemente das outras bases, onde a produção foi totalmente
terceirizada. Das 200 unidades a serem produzidas pela BNN 150 unidades foram terceirizadas
e as 50 unidades restantes foram produzidas pelo Departamento Industrial. Dessa forma, foram
montadas duas fábricas/linhas de produção das LE na BNN. A fábrica número 1 e a fábrica
número 2, terceirizada e departamento industrial, respectivamente, possuíam as mesmas
facilidades e espaço físico similares, diferindo quanto à pessoa jurídica, pessoal e na produção.
Apesar de a produção ter sido terceirizada em sua maior parte, isso não significava que não
houvesse pessoal da Engenharia Naval da MB responsáveis pela fiscalização e qualidade da
produção, em todos os locais de produção e testes de unidades a MB esteve presente. O processo
de produção na BNN fora iniciado em meados 2010 e se estima que esteja concluído entre
abril/maio de 2012.
Para a construção das LE na BNN foram utilizados 180 toneladas de alumínio naval. O
processo de produção, didaticamente, constitui-se basicamente no processo de soldagem MIG
das chapas de alumínio naval em uma forma-modelo do casco da embarcação, depois as soldas
são inspecionadas visualmente e com liquido penetrante. Ao se concluir o casco básico, o seu
interior é preenchido pelas garrafas PET que irão produzir/auxiliar o vetor empuxo garantindo a
flutuação da embarcação. É afixado o piso e inicia-se a etapa de casaria, a mesma é produzida
seguindo o conceito do casco de soldar as chapas num molde. Terminada a construção,
propriamente dita, a embarcação é levada para a câmera de pintura. De lá, inicia-se o processo
final onde são instalados os bancos, extintores e suportes, antenas, luzes de navegação, buzina,
fechaduras, rádio, farol, motor de polpa, equipamentos de salvatagem, anteparas de lona e
outros equipamentos necessários e já descritos. Concluída a produção todas as LE são testadas e
posteriormente armazenas para envio. O envio das LE ocorre por carretas que levam as mesmas
aos municípios as quais foram destinadas.
A produção das LE não é uma simples montagem de um “kit naval de prateleira”, o
processo de solda MIG necessita que treinamento, equipamento e cuidados específicos. O
processo de solda MIG consiste na fusão em arco elétrico de um filamento metálico sob a
proteção de um gás inerte – como o Hélio ou o Argônio - que flui do bocal da tocha, esse
processo permite uma solda de qualidade com diminuição dos agentes contaminantes da
mesma. O gás inerte tem a função principal de proteger a poça de fusão e o arco elétrico de
agentes externos. Na soldagem MIG torna-se vantajosa aos métodos anteriormente empregados,
pois há uma alta taxa de deposição do metal de solda, não há necessidade de remoção de
escoria, a soldagem pode ser feita em todas as posições e em aberturas largas, baixo custo de
produção e chega a consumir apenas metade do tempo em comparação a outros métodos. As
desvantagens ou cuidados ficam por conta do alto custo de aquisição do equipamento, a
necessidade de anteparas que evitem correntes de ar, produção de respingos e manutenção mais
complexa que o de processos mais usuais.
A fábrica nº1 encerrou suas atividades primeiramente a fábrica nº2. Umas das
principais diferenças entre as fábricas era a produtividade, enquanto a produção da fábrica nº1
era de 10 unidades/mês a produção da fábrica nº2 era de 3 unidades/mês. A maior
produtividade da fábrica nº1 é atribuída, especialmente, a 2 fatores. O pessoal da fábrica nº1
dedicava-se exclusivamente a produção das LE, enquanto o pessoal da fábrica nº2
compartilhava a produção das LE com a manutenção e apoio aos meios da MB. O pessoal da
fábrica nº1 alguns, dos quais, já possuíam experiência na solda MIG, enquanto o da fábrica nº2
teve que se capacitar e aperfeiçoou as habilidades na solda MIG. A capacitação de produzir
embarcações foi o principal ganho da BNN.
A aquisição da capacidade de solda MIG já gerou resultados positivos tanto
no âmbito da MB quanto ao Exército. Recentemente a BNN executou manutenção e reparos
no NVe Cisne Branco, onde o processo de solda MIG foi essencial. A incorporação dos Avisos de
Patrulha Classe Marlim (AviPa Barracuda e Anequim) e futura de Navios Patrulha Classe
Macaé(P-75 Macau) ao Comando do Grupamento de Patrulha Naval do Nordeste
(ComGptPatNavNe), os quais são produzidos em alumínio naval (P-75 a super-estrutura). Já
para o EB foram realizadas revitalizações e manutenção em algumas de suas lanchas, as quais
são feitas em alumínio. A produção das LE não beneficiou a BNN apenas na capacitação em um
novo processo de solda, o parque industrial também fora modernizado com a compra de novos
equipamentos e modernização de alguns outros equipamentos, alguns dos novos equipamentos
adquiridos ultrapassam a bagatela de 500 mil reais.
Os benefícios da produção atingiram também a economia do Rio Grande do Norte, o
pessoal capacitado para trabalhar na fábrica nº1 reingressou no mercado de trabalho a
posteriori com uma capacitação diferenciada, o fluxo de investimentos para produção da
LE atraíram investimentos do exterior dando fôlego a renascente indústria de pesca do estado e
uma das lanchas produzidas foi destinada a uma cidade potiguar, Galinhos-RN.
As LE já entregues aos municípios destinados superam as 100 embarcações. A seguir
um mapa demarcando os municípios já beneficiados.
Os testes da LE ocorreram no Rio Potengi, o qual, como a maioria dos rios do litoral
nordestino, encontra-se degradado, assoreado e poluído pela falta planejamento no crescimento
urbano, ações desmedidas de alguns empresários e descaso da administração pública (fora
os péssimos hábitos da população). O Rio Potengi, na região na qual se realizou o teste, cais da
BNN, é caracterizado por ser apresentar como um braço de mar que adentra o continente pela
calha do referido rio.
A produção das Lanchas-Escolares na e pela BNN (e seu pessoal) é um
marco importantíssimo, pois se trata da quebra de um paradigma organizacional que traz
consigo uma ampla gama de oportunidades para BNN contribuindo para que a Marinha exerça
de modo eficaz a soberania nas Águas Jurisdicionais Brasileiras. Contribuir para a educação da
população brasileira é motivo de orgulho a todos os participantes do projeto. As Lanchas de
Transporte Escolar, como mais um desenvolvimento das Lanchas de Ação Rápida, demonstram
a importância e a qualidade do projeto de origem.