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A Atuação do Poder Público na Construção da Cidade de São Paulo: a
Influência do Rodoviarismo no Urbanismo Paulistano.
Resumo:
A recente polêmica das obras de ampliação da Marginal do Tietê na cidade de São Paulo nos leva
a uma reflexão a respeito do modelo de urbanismo que aí se implantou. Forjado no cerne dos
setores de obras do município e fruto da influência de idéias estrangeiras, esse modelo é
resultado da atuação de técnicos da administração pública na elaboração e implementação de
diversos planos urbanísticos. Contudo, a preocupação legítima com a estruturação viária da
cidade deu lugar, com o tempo, à opção do rodoviarismo pelo rodoviarismo a fim de atender aos
interesses da elite motorizada em detrimento da maioria não motorizada. O presente trabalho
pretende discutir o resultado dessa opção, através da análise da atuação do Poder Público na
construção da cidade de São Paulo vis a vis as demandas reais de transporte de sua população.
Palavras-chave: urbanismo paulistano, políticas públicas urbanas, rodoviarismo.
1
1. O surgimento do urbanismo rodoviarista paulistano: a formação Departamento
de Obras e o Plano de Avenidas.
De acordo com Simões Jr. (1990), o surgimento do urbanismo paulistano está relacionado à
formação do setor de obras públicas municipal ainda no final do Século XIX, cujas competências
incluíam entre outras o mapeamento cadastral da cidade, a abertura de ruas e sua pavimentação.
Até o Período Republicano, os municípios não tinham autonomia política e por isso dependiam do
Governo Provincial para a realização de obras de infraestrutura. Depois da Proclamação da
República, o crescimento populacional decorrente da imigração estrangeira e a formação da elite
cafeeira demandaram na cidade de São Paulo a implantação de obras infra-estrutura,
ocasionando a criação da Intendência de Obras Municipais em 1892.
Em 1900, essa intendência é transformada em Diretoria de Obras. Contudo, nesse primeiro
momento, sua atuação é apenas paliativa, sem nenhuma visão de planejamento, sugerindo
complementações ao sistema viário existente. A partir da primeira década do século XX, a
Diretoria de Obras começa a ter uma postura propositiva, em função da atuação de seus técnicos
engenheiros provenientes da Escola Politécnica: Victor da Silva Freire, João Ulhôa Cintra e
Francisco de Prestes Maia (SIMÕES JR., 1990; LEME, 1990, 1999).
Simões Jr. (op. cit.) destaca a existência de duas correntes de pensamento urbanístico nessa
época: a primeira seria a de negação ao surgimento da cidade industrial, baseada na valorização
da cidade tradicional, e a segunda seria a da adaptação da cidade à sua nova realidade. Na
administração municipal venceu a 2ª corrente, sendo que a questão da circulação viária ganhou
destaque, junto com a questão da higiene; da estética e das edificações; influenciados pelas
ideias de urbanistas estrangeiros, principalmente Eugène Hénard1 e Joseph Stubben2.
As principais obras públicas da época valorizaram a área central, seguindo os conceitos
urbanísticos dos planos de embelezamento adotados nas cidades dos países centrais, através da
reestruturação viária com a criação de novas ruas e alargamento das existentes, construção de
praças e de prédios públicos, como a Praça do Patriarca e o Teatro Municipal. A reestruturação
viária reforçou a ligação entre o Centro Velho e as áreas de expansão da cidade, como o Viaduto
do Chá que ligava à área de expansão de elites.
Do ponto de vista da higiene e da saúde pública, a principal discussão do período foi a respeito
das enchentes nas planícies aluviais do Tietê, Pinheiros e afluentes. Em função da geomorfologia
do sítio de São Paulo, os rios dessa bacia se caracterizavam por serem meândricos, com várzeas
1 Eugène Hénard (1849-1923) – arquiteto e urbanista francês concebeu a Teoria Geral de Circulação na sua obra Études sur les transformations de Paris. A partir do estudo do sistema viário de Berlim, Moscou e Londres, Hénard propõe um “perimètre de rayonement” (perímetro de irradiação) cuja função seria desviar o tráfego do centro de Paris. Posteriormente a mesma idéia será adotada para São Paulo (SIMÕES JR., op. cit.). 2 Joseph Stubben (1845-1936) – urbanista alemão, idealizador do plano de expansão da cidade de Colônia, escreveu a obra Der Stadtebau (a construção de cidades) em 1890 onde afirma que “os sistemas de tráfego e o sentido de seu fluxo formam a base de construção das cidades” (Stubben, 1924, apud. SIMÕES JR., op. cit, p. 13).
2
de grande largura, variando de 1 a 3 quilômetros, sempre sujeitas a grandes e freqüentes
inundações (AB´SABER, 2007).
As diversas enchentes que ocorriam na região levaram a Prefeitura do Município e o Governo do
Estado a desenvolver ou encomendar diversos estudos para solucionar esse problema assim
como o saneamento dos esgotos na época da seca. Destacam-se principalmente os estudos de
Fonseca Rodrigues (RODRIGUES, 1923), cuja visão era de retificar todo o rio; e de Saturnino de
Brito (BRITO, 1926), que propunha a construção de reservatórios naturais compostos de matas de
vertentes e várzeas remanescentes.
Dentre essas propostas se firmaram aquelas que defendiam a retificação dos rios da cidade,
sendo incorporadas nos estudos para elaboração de um plano geral para a cidade, encomendado
pela Prefeitura aos engenheiros municipais Ulhôa Cintra e Prestes Maia3. Todas essas idéias
acabariam se consolidando no Plano de Avenidas proposto por Prestes Maia em 1930 (MAIA,
1930).
Segundo Leme (op. cit.), o plano apresentava maiores influências do urbanismo americano e de
sua preocupação crescente com o uso dos automóveis, o fluxo de seu tráfego, vazão e
velocidade, propondo uma estrutura de circulação baseada num modelo radioconcêntrico (figura
1). A retificação dos rios apresentaria papel fundamental, pois além de dar maior vazão para as
águas, as margens retificadas seriam a localização preferencial de várias das avenidas propostas.
Figura 1: Esquema teórico do Plano de Avenidas. Fonte: MAIA, 1930. Acervo da Biblioteca da FAUUSP.
3 Esses estudos foram apresentados numa série de artigos publicados no Boletim do Instituto de Engenharia entre 1924 e 1926 sob a denominação de Um problema actual: Os grandes Melhoramentos de São Paulo.
3
As vias radiais fariam a ligação do fluxo principal, da periferia para o centro, e vice-versa, ligando
a área central aos bairros externos e às estradas principais; enquanto que as vias perimetrais
fariam a ligação entre bairros e das radiais entre si. O Plano propunha 17 vias radiais, sendo que
algumas dessas resultariam da adaptação e melhoramento do sistema existente; e três anéis
viários: o “perímetro de irradiação”, envolvendo a área central, desviando o tráfego de passagem;
o “boulevard exterior” correndo sobre o leito das ferrovias e o “circuito de parkways” (vias-parque),
que circundava a área urbanizada da época e corria pelas margens do Tietê e Pinheiros
conectando diversos parques, e para tanto teria características semelhantes, tais como
arborização, ajardinamento e pouca densidade construtiva (ibid.).
Na mesma época, a empresa anglo-canadense Light, que além de fornecedora de energia elétrica
detinha o monopólio do transporte coletivo através dos bondes, propôs o Plano de Remodelação
do Sistema de Transportes Públicos, onde constava a proposta de implementação de novas linhas
expressas e a posterior substituição dos bondes pelo metrô (OSELLO, 1986; LAGONEGRO,
2003). Até então o bonde configurava-se como o principal meio de transporte coletivo, pois a
cidade possuía uma rede com 258 quilômetros de extensão e 550 carros (LEÃO, 1945). Contudo,
a concorrência ocasionada pelo início do serviço de ônibus a diesel em 1925 e o congelamento
das tarifas de bonde estabelecido em contrato levaram a Light a propor esse plano.
Ocorreu então um embate entre essa proposta e o Plano de Avenidas, e a Prefeitura acabou
optando pelo segundo, consolidando a visão rodoviarista do Departamento de Obras. A Light
acabou se desinteressando pela gestão do sistema de bondes, passando o serviço para a
municipalidade em 1946, que o finalizou em 1968 (OSELLO, op. cit.). Prestes Maia posteriormente
foi prefeito indicado da cidade de São Paulo no período entre 1938 e 1945, quando implementou
parte das idéias contidas nesse plano, iniciando as obras de retificação do rio Tietê e as
desapropriações necessárias para a execução da avenida marginal e a construção de diversas
avenidas radiais (LEME, 1999).
2. A influência Norte-Americana: Robert Moses e o Programa de Melhoramentos de
São Paulo
A partir das décadas de 1940 e 1950, o urbanismo rodoviarista vai ganhar forte impulso a partir de
dois fatores (LAGONEGRO, op. cit.): em primeiro lugar, a política de aproximação com o governo
dos EUA, iniciada com o advento da II Guerra Mundial e intensificada pela Guerra Fria; em
segundo lugar a instalação da indústria automotiva na Região Metropolitana de São Paulo. É
importante notar que o rodoviarismo, enquanto política pública, foi peça fundamental para
consolidar o capitalismo Norte-Americano do período, visto que a indústria automotiva passou a
4
ter um peso considerável na produção industrial americana4, a partir da aplicação das idéias
praticadas por Henry Ford5.
Através de práticas monopolistas, as empresas do ramo automotivo garantiram a expansão do
mercado, desmantelando mais de 100 sistemas de transporte público baseados no bonde elétrico
e a substituição pelos ônibus em 45 cidades norte-americanas, nas décadas anteriores6. Dessa
década em diante, ocorre a valorização do automóvel como bem de consumo de primeira
necessidade e a consolidação das políticas públicas para esse meio de transporte, através da
construção de inúmeras vias expressas, consolidando a expansão suburbana. Dessa forma o
modelo urbano que se consolidou no período era baseado no trinômio automóvel – via expressa –
subúrbio residencial, garantindo os lucros da indústria automotiva e da especulação imobiliária.
Destaca-se a atuação de Robert Moses7, homem público norte-americano, que foi coordenador do
Departamento de Obras, presidente da Comissão de Remoção de Cortiços e do Conselho de
Parques de Nova Iorque. Moses dominou o cenário político nova iorquino de 1924 a 1968, sendo
responsável pela reestruturação de sua região metropolitana, através de um extenso programa de
construção de vias expressas, parques e equipamentos públicos (670 quilômetros de vias
expressas e 13 pontes segundo GOLDBERGER, 1981). Para implementação dessas obras
instituiu uma política de terras arrasadas, promovendo a remoção e a destruição de diversas
comunidades, ocasionando a indignação e a reação de pessoas como Jane Jacobs (CARO, 1975;
JACOBS, 2000).
Através do IBEC – International Basic Economy Corporation, corporação fundada por Nelson
Rockfeller8 em 1947 com objetivo de fomentar a criação de negócios competitivos em países em
desenvolvimento, Moses foi contratado pela Prefeitura de São Paulo para elaborar o Programa de
Melhoramentos Públicos para a Cidade de São Paulo em 1949.
4 A indústria automotiva faz parte do ramo da indústria pesada com forte rebatimento sobre a economia, associada aos ramos da siderurgia e da petroquímica. 5 Henry Ford (1863-1947) – empresário norte-americano do ramo automotivo, que acreditava que a produção em massa geraria o consumo em massa. A partir da aplicação da ideia da linha de montagem em suas fábricas, aumentou a produtividade, podendo diminuir a jornada de trabalho para 8 horas por 5 dólares, a fim de incorporar a mão-de-obra no mercado consumidor dos produtos que eles mesmos fabricavam (HARVEY, 1989). 6 Essas empresas compravam os sistemas de bonde e pouco a pouco o substituíam por ônibus. Processadas com base na Lei Anti-Truste, foram praticamente absolvidas, pois a condenação era pagar irrisórios 5 mil dólares e seus diretores, 1 dólar cada. O caso ficou conhecido como o Grande Escândalo Americano dos Bondes (The Great American Streetcar Scandal) e pode ser visto no documentário de Jim Klein chamado Taken for a ride: Why does America have the worst public transit in the Industrialized World, and the most freeways? 7 Robert Moses (1888-1981) – cientista político norte-americano que de 1924 a 1968 trabalhou para os governos da cidade e do estado de Nova Iorque, sendo responsável pela construção de inúmeras vias expressas, parques, pontes, túneis, centros cívicos e salas de exibição. Considerado o Barão de Hausmann nova iorquino, Moses ficou conhecido pela suas políticas de arrasa-quarteirão que mudaram por completo a região metropolitana de Nova Iorque (GOLDEBERGER, 1981). 8 Nelson Rockfeller (1908-1979) – economista, empresário e político norte-americano, foi coordenador do OIAA – Office of Inter-American Affairs (1940-1944), indicado pelo Presidente Franklin D. Roosevelt para iniciar política de aproximação com a América Latina e reduzir a influência do Nazismo. A partir de então passou a ter relação intensa com esse continente, resultando em 1947 na criação do IBEC – International Basic Economy Corporation.
5
Nesse programa, Moses (1950) propunha um sistema de vias expressas radiais, ligando o centro
aos subúrbios e um anel viário acompanhando os vales do Tietê e Pinheiros, dando acesso às
auto-estradas recém-construídas: Anchieta, Anhangüera e Dutra (figura 2).
Figura 2: Estrutura viária proposta no Programa de Melhoramentos de São Paulo. Fonte: MOSES, 1950. Acervo da Biblioteca da FAUUSP.
A construção dessas estradas acabou induzindo a expansão urbana ao longo delas, unindo o
município de São Paulo aos municípios vizinhos, consolidando assim o processo de
metropolização (LAGENBUCH, 1971).
O modelo de Moses assemelhava-se muito àquele proposto pelo Plano de Avenidas de Prestes
Maia e dos engenheiros municipais na década de 1930. Os dois baseavam-se no modelo
radioconcêntrico, de avenidas radiais ligando o centro aos subúrbios e de anéis viários desviando
o tráfego intrabairros da região central. Na verdade, o programa de Moses complementava o
Plano de Avenidas e o adequava à nova realidade metropolitana.
Até a idéia de criação das vias-parque também está presente no dois trabalhos (figura 3). A
importância desse conceito no caso de São Paulo pode ser medida na comparação dos
esquemas propostos com a implantação que ocorreu na realidade de vias rápidas de fundo de
vale na região, tais como as avenidas Marginais do Tietê e do Pinheiros, dos Bandeirantes, Roque
Petroni Jr. e Água Espraiada.
6
Figura 3: Corte esquemático das vias-parque. Fonte: MOSES, 1950. Acervo da biblioteca da FAUUSP.
O Programa de Melhoramentos proposto por Moses acabou sendo colocado em execução através
do conceito dos anéis viários metropolitanos que foram integrados ao planejamento metropolitano
dos órgãos públicos responsáveis, que resultou na criação de boa parte do sistema viário
metropolitano.
O segundo fator que levou à consolidação do rodoviarismo foi a implantação do complexo
automobilístico de capital multinacional na região do ABC (Santo André, São Bernardo e São
Caetano), à sudeste da cidade de São Paulo, decorrente da proposta de criação da indústria
automobilística nacional do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1958–1961).
Vale a pena notar que apesar de as subsidiárias das principais empresas do setor já estarem
implantadas no país desde a década de 1920 (Ford em 1929 e General Motors em 1925), a
produção nacional de veículos, até então, limitava-se apenas à montagem de carros e caminhões,
sendo que a maioria das peças e componentes era importada dos países industrializados
(GATTÁS, 1981).
3. O rodoviarismo nos planos da década de 1970
No final de década de 1960 a visão rodoviarista do planejamento se consolidava. O modelo
urbano previsto por Prestes Maia e reforçado por Moses foi incorporado em todos os planos
urbanos do período.
Em 1968 o GEIPOT, Grupo Executivo de Integração de Políticas de Transporte, do Ministério do
Transporte, propôs a criação do pequeno e do grande anel viário na cidade de São Paulo, usando
as Marginais do Tietê e Pinheiros como principais vias expressas de ligação (GEIPOT, 1968).
Esse modelo urbano foi reafirmado novamente no PMDI – Plano Metropolitano de
Desenvolvimento Integrado (SÃO PAULO, 1970), desenvolvido pelo Governo do Estado, que,
além de propor a construção de um sistema de radiais e anéis perimetrais metropolitanos,
propunha a descentralização do emprego terciário, face ao congestionamento do Centro
7
Metropolitano, estimulando a concentração dessas atividades ao longo desses novos corredores
estratégicos, dotados de alta acessibilidade pelo meio de transporte individual (figura 4).
Na verdade, o conceito viário adotado pelo PMDI não mudava em nada as propostas já
consolidadas pelo GEIPOT e no modelo radioconcêntrico existente, já que o próprio plano
reconhecia que o modelo urbano adotado se baseava na “...evolução e transformação naturais da
estrutura existente, apenas interpretada e reforçada em certos elementos” (ibid., pág.159). Nem
mesmo as propostas para o uso do solo divergiam da tendência natural de diminuição das
densidades urbanas e atividades econômicas do centro em direção à periferia.
Figura 4: Estrutura metropolitana adotada pelo PMDI. Fonte: SÃO PAULO, 1970.
O único plano que apresentou conceito dissonante ao modelo radioconcêntrico foi o PUB – Plano
Urbanístico Básico (SÃO PAULO, 1969) contratado pela Prefeitura do Município de São Paulo.
Esse plano propunha o rompimento desse modelo, através da construção de 815 quilômetros de
vias expressas dispostas em grelha retangular (figura 5). Apesar da diferença do modelo adotado,
esse plano também reforçava o papel dos corredores de uso múltiplo como principais geradores
do emprego terciário. Elaborado por um consórcio multinacional, o PUB era a melhor expressão
do rodoviarismo do período, com claras influências do modelo urbano aplicado na metrópole de
Los Angeles na Califórnia, então a segunda região de concentração da indústria automotiva nos
Estados Unidos depois de Detroit.
8
Figura 5: Estrutura metropolitana proposta pelo PUB. Fonte: São Paulo, 1969.
Contudo, problemas de viabilidade econômica na construção de tal estrutura, a pouca
consideração que se fazia à topografia e a estrutura urbana já consolidada fizeram com que esse
plano nunca saísse do papel, apesar de ter sido a base conceitual do estabelecimento do
zoneamento em 1972. Por outro lado, as propostas viárias do GEIPOT e do PMDI resultaram em
ações concretas de órgãos públicos ligados ao sistema viário, levando a construção do Minianel
Viário e do Anel Viário Metropolitano e na consolidação dessa macroestrutura viária nos planos
municipais e metropolitanos seguintes (SÃO PAULO, 1985, 1991, 2003; EMPLASA, 1994).
5. As Grandes Obras Viárias de 1980 até recentemente
O modelo urbano radioconcêntrico e a visão rodoviarista “fizeram escola” dentro do setor de
obras tanto municipal e estadual, a tal ponto que ainda hoje, mais de 70 anos depois, elas podem
ser encontradas em vários documentos técnicos de várias autarquias municipais e estaduais que
tem no seu escopo o planejamento e realização de transportes e obras viárias, como por exemplo:
SIURB9, EMURB10 e DERSA11.
9 A SIURB – Secretaria Municipal de Infra-Estrutura Urbana e Obras é a sucessora direta do setor de obras de Prestes Maia e demais engenheiros da época. Originada da Intendência de Obras Municipal criada em 1892, ela foi transformada na Diretoria de Obras em 1900 e no Departamento de Obras e Serviços Públicos em 1936. A partir dessa época ganha status de secretaria, assumindo diversos nomes: Secretaria de Obras e Serviços (1945), Secretaria de Obras (1965), Secretaria de Vias Públicas (1977), Secretaria de Infra-estrutura Urbana (2001) e finalmente Secretaria Municipal de Infra-Estrutura Urbana e Obras (2006). 10 EMURB – Empresa Municipal de Urbanização, é uma empresa pública de direito privado, criada em 1971, cuja função é executar programas de obras de desenvolvimento urbano e planos de renovação urbana da Prefeitura do Município de São Paulo. Em função possuir maior agilidade administrativa, já que não é autarquia pública direta, vem assumindo papel preponderante na implementação de grandes obras viários e projetos urbanos na cidade de São Paulo.
9
Conforme visto, todos os planos urbanos posteriores, com exceção do PUB, o reafirmaram. Dessa
forma, o modelo urbano proposto se impôs e foi pouco a pouco sendo construído, resultando em
boa parte da estrutura viária da cidade e da metrópole, possibilitando o espraiamento de sua
mancha urbana (figura 6).
Figura 6: Sistema viário estrutural da Grande São Paulo. Base: CESAD/FAUUSP, 2003.
No seu estudo sobre a atuação do setor de obras do Município de São Paulo, Marques (2003)
demonstra que entre 1975 e 2000 foram gastos 20,8 bilhões de reais12 em obras viárias, 53%
desse montante gasto em apenas duas gestões das oito estudadas (Jânio Quadros, 1986/1988, e
Paulo Maluf, 1993/1996). Houve uma priorização para a região central (62% dos investimentos),
em detrimento da periferia externa que concentra os estratos de menor renda (38%). As três
gestões que menos investiram na periferia concentraram 72% dos investimentos nas áreas mais
centrais.
Entre as obras dessas gestões encontram-se os túneis sob o Vale do Anhagabaú, sob o Parque
do Ibirapuera (Túnel Ayrton Senna), sob a Av. São Gabriel (Túnel Tribunal de Justiça), sob o Rio
Pinheiros (Túneis Jânio Quadros e Sebastião Camargo), o Complexo Cebolinha (Complexo Viário
João Jorge Saad), a extensão da Avenida Faria Lima e a abertura da Avenida da Água Espraiada
(atual Jornalista Roberto Marinho).
Entre 1976 a 1985, o Anel Viário Metropolitano foi construído. Contudo, já no início da década de
1990, o congestionamento permanente desse anel, que se utiliza das Marginais do Tietê e
Pinheiros, levaram o Governo do Estado através do DERSA a propor o projeto do Rodoanel, uma
auto-estrada de 177 quilômetros de extensão, que envolve a Região Metropolitana de São Paulo
11 DERSA – Desenvolvimento Rodoviário S.A. é uma empresa pública de direito privado, criada em 1969, sob o controle do Governo do Estado de São Paulo. Criada com o objetivo de projetar, executar as obras de construção e gerenciar a Rodovia dos Imigrantes, a partir da experiência acumulada, passou a gerenciar o sistema de rodovias do Estado. 12 O valor declarado foi de R$ 10,6 bilhões de dezembro de 1999. A atualização para dezembro de 2009 foi feita utilizando o mesmo índice usado pelo autor, o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas.
10
com raio variando de 20 a 35 quilômetros do seu centro, na tentativa de aliviar o intenso tráfego
de passagem. Iniciado em 1998, atualmente o Rodoanel conta com dois de seus quatro trechos
concluídos (Trecho Oeste e Sul), com extensão aproximada de 89 quilômetros, tendo consumido
aproximadamente R$ 6 bilhões para sua execução (SEGALLA; GIANINI, 2010).
Em 2008, foi proposta a Adequação Viária da Marginal Tietê, empreendimento conjunto do
Município de São Paulo através da SIURB, com execução do Governo do Estado de São Paulo,
através do DERSA. consistindo na construção de três novas faixas de rolamento em cada sentido
sobre o antigo canteiro central entre as vias expressa e local, além de quatro novas pontes e três
novos acessos (figura 7). Com objetivo aumentar a capacidade de tráfego das vias que compõem
a Marginal Tietê e aumentar a velocidade média do fluxo, a obra foi iniciada em junho de 2009 e
concluída em março de 2010, tendo consumido aproximadamente R$ 1,9 bilhões (IZIDORO;
CORSALETTE, 2009).
Figura 7: simulação da ampliação viária da Marginal do Tietê. Fonte: DERSA, 2009.
11
6. Conclusões a respeito da opção histórica pelo rodoviarismo
Conforme visto, ao longo do século XX o rodoviarismo se afirmou enquanto política pública urbana
na cidade de São Paulo. Influenciado por ideias estrangeiras, esse modelo encontrou no interior
da administração pública seus mais fortes defensores, que foram implementando políticas
urbanas baseadas nesse princípio, resultando na estrutura viária metropolitana radioconcêntrica
dos dias de hoje. A implantação do complexo industrial automotivo na região também muito
influenciou essas políticas, pois era necessário criar um mercado interno que o justificasse.
A ascensão do rodoviarismo além de marcar a expansão do transporte individual, marca também
o declínio do ferroviarismo e do transporte coletivo do período anterior, representado pelo bonde.
Esse fato demonstra a passagem da hegemonia político-cultural britânica para a norte-americana,
resultado da decadência do Reino Unido e ascensão dos Estados Unidos e de sua política de
aproximação a partir da década de 1940.
Apesar da proposta de criação de um sistema de transporte coletivo de alta capacidade baseado
no metrô constar de vários planos a partir da década de 1930, a sua construção só foi ocorrer em
1968, e de maneira bem lenta, pois atualmente São Paulo conta com aproximadamente 60
quilômetros de metrô, contra 200 da Cidade do México, metrópole similar que começou o seu
metrô na mesma época que o nosso.
Se considerarmos somente o que foi gasto na ampliação do sistema viário paulistano nos últimos
40 anos considerados nesse texto (quase R$ 30 bilhões nos valores de hoje), chega-se a um valor
suficiente para a implantação de uma rede de metrô de aproximadamente 150 quilômetros de
extensão. Por outro lado, o sistema de trens, embora tenha uma quilometragem extensa (261
quilômetros), ainda hoje, está longe do nível de atendimento do metrô, apresentando serviço com
baixos índices de conforto, com trens superlotados e com freqüência irregular.
Do ponto de vista das políticas públicas, a opção pelo rodoviarismo poderia ser justificada caso o
modo de transporte individual fosse majoritário na metrópole. Contudo, historicamente o modo
coletivo e as viagens a pé são majoritários. Dados recentes da Pesquisa Origem e Destino do
Metrô demonstram que essa tendência não mudou (METRÔ, 2008): em 2007, das 38 milhões de
viagens diárias da metrópole, apenas 11 milhões, ou seja, 29%, são realizadas pelo modo
individual de transporte (automóvel, motocicleta e táxi). Do restante, 14 milhões (37%) são através
do modo coletivo (trem, metrô, ônibus, fretado, escolar e lotação) e a impressionante marca de 13
milhões (34%) foi feita pelo modo não motorizado (a pé ou bicicleta, sendo que está última
representa apenas 1%). Apesar da imensa frota de veículos metropolitana, metade das famílias
da metrópole não possuía automóvel, 38% possuía um automóvel e apenas 12% possuía mais do
que um em 2007 (ibid.), refletindo a forte concentração de renda na metrópole.
O grande agravante dessa opção é que ela penaliza justamente os estratos de menor renda. Em
função da estrutura urbana da metrópole altamente segregada e diferenciada, os segmentos de
12
alta renda ocupam as áreas centrais, melhor providas de empregos, acessibilidade, infraestrutura,
serviços e equipamentos urbanos, enquanto os setores de menor renda se concentram em
cidades-dormitório periféricas, desprovidas dessas benesses e dependendo do transporte coletivo
para acessá-las.
Assim sendo, a opção histórica pelo rodoviarismo na cidade de São Paulo ao longo do tempo vem
privilegiando a elite motorizada e os setores das indústrias automotiva e da construção civil, em
detrimento do restante da população que depende dos transportes coletivos e apresenta
condições precárias de mobilidade, sendo atualmente o principal entrave para a resolução do
problema do transporte na metrópole paulistana.
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13
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