Post on 11-Dec-2015
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL - UNIJUÍ
MAURÍCIO DA SILVEIRA SOARES
A COGNIÇÃO SOCIAL E SUAS FUNCIONALIDADES
NEUROLÓGICAS NAS CONDUTAS ANTISSOCIAIS
IJUÍ
2014
MAURÍCIO DA SILVEIRA SOARES
A COGNIÇÃO SOCIAL E SUAS FUNCIONALIDADES
NEUROLÓGICAS NAS CONDUTAS ANTISSOCIAIS
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Psicologia como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo junto ao Departamento Humanidades e Educação - DHE da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI.
Orientação: Professora Ms. Sonia Aparecida da Costa Fengler
IJUÍ
2014
2
AGRADECIMENTOS
À minha família;
Ao amigo Jussiano Regis Pacheco por me mostrar que não era o único ser terrestre
vivendo o absurdo da vida e da sociedade contemporânea, e ao incentivo acadêmico e social;
À amiga Claudia Scaramussa da Rosa que nunca desistiu de mim e que esteve durante
os melhores e piores momentos do meu percurso acadêmico e social, responsável por me
manter na realidade;
À Cassia Teixeira, amiga e companheira acadêmica, nos melhores e piores momentos
destes últimos quatro anos;
À Mariane Moser Bach, a mulher a qual devo respeito; que aceitou a minha loucura,
meu corpo e coração; foi muita sorte ter abraçado a minha cabeça! Aquela que chora ao me
abraçar, com a mesma força e intensidade que me faz desejar;
Aos amigos (as) Anderson Guerim de Moura, Bruna Dobler, Cristel Neuhaus, Davi
Alberto Berger, Elói Schwantes, Felipe Almeida, Gonzalo Rohleder, Jairo Oliveira, Janine
Furtado, Luiz Mentges, Luiza Espindola, Mariana Weber, Matheus Seffrin, Pamela Prates,
Raquel Bigolin, Rosa Manjabosco;
Aos amigos mortos e imaginários que me acompanham desde criança; dedico-lhes boa
parte desta trajetória;
Às professoras Ana Dias, Anahy Azambuja, Elisiane Schonardie, Lala Nodari, Julieta
Dallepiane, Sonia Fengler; aos professores, Daniel Ruwer, Maciel Vieira, Nilson Heidemann
e Thiago Mucenecki;
À solidão — infinita solitude — e, principalmente, a toda tristeza, do existir, do ser, da
passividade, da pouca honra que restou; ao que fiz do que me fizeram. A tudo e a todos
aqueles que me conduziram ao estudo como alternativa de suportar a vida, que não existe; ao
luto pela vida;
Agradeço a Maurício ou Luciano ou quem quer que seja, agradeço ao filho morto.
Dedico esta pesquisa à cor rubra em minhas veias que verte dos meus braços, meu
drinque de homem na flor da idade e, portanto, dedico ao meu sangue. Dedico aos gnomos,
anões, sílfides e ninfas que habitam o mundo; aos seres inanimados que me acompanham.
Dedico ao tempo em que era sóbrio e contemplava a minha pobreza de espírito, onde tudo era
mais verde e vivo. Agradeço a Beethoven, Bach, Chopin, Gioacchino e, por que não, Led
Zeppelin, por me fazerem sonhar. A García Márquez que me estremece os ossos em
Macondo. A Goethe que me rasgou a alma com Werther. A Bilbo Bolseiro e Gandalf.
Esse isso, que sou eu sois vós, já que não aguento ser apenas mim, necessito dos
outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado, o que há de se fazer? Cair no
vazio pleno que só se atinge na solidão... Meditando sobre o nada, em palavras...
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RESUMO
O conceito de cognição social é recente, mas pela necessidade de investigar sobre o modo como os indivíduos se portam diante dos outros membros da sociedade, bem como alguns tendem a transgredir o contrato social, a normatividade, inclusa na consolidação da civilização que esta pesquisa desenvolveu-se. No entanto, há um processo psiconeurobiológico envolvido nos comportamentos peculiarmente emitidos por nós seres humanos. A cognição social faz parte das interpretações dos signos sociais, logo, a conduta do indivíduo está relacionada a ela. O objetivo desta pesquisa é conceituar a cognição social e sua relação com as condutas antissociais, assim como justificar a influência das funcionalidades das estruturas neurológicas responsáveis por esse processo. Sendo assim, ainda pretendemos distinguir os fatores determinantes no desenvolvimento dos transtornos de condutas ou comportamentos antissocias e esclarecer que nem todo o comportamento antissocial é, de regra, patológico, possuindo uma série de características para o diagnóstico.
Palavras-chave: Comportamento, Emoções, Neurociência, Psicologia, Psiconeurobiológico.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 6
CAPÍTULO I: A COGNIÇÃO SOCIAL ...................................................................... 9
1.1 Aspectos históricos .......................................................................................... 9
1.2 Conceito de cognição social ............................................................................ 11
1.3 Componentes da cognição social ................................................................... 15
1.4 A cognição social e a disfunção social ........................................................... 16
CAPÍTULO II: ABORDAGEM NEUROPSICOLÓGICA DAS CONDUTAS OU COMPORTAMENTOS ANTISSOCIAIS .................................................................... 18
2.1 Relação entre a cognição social e o córtex Cerebral ..................................... 19
2.1.1 A funcionalidade das estruturas neurológicas envolvidas na relação entre cognição social e os comportamentos antissociais. ........................................... 19
2.1.1.1 Córtex Pré-frontal Ventromedial ................................................................ 20
2.1.1.2 Amígdala ...................................................................................................... 20
2.1.1.3 Córtex Somatosensorial Direito ................................................................. 22
2.1.1.4 Ínsula ............................................................................................................ 23
2.2 Conceito clínico das condutas antissociais ................................................... 24
2.3 Características essenciais de comportamento entre indivíduos normais e anormais .................................................................................................................. 25
2.4 Fatores eliciadores do transtorno de condutas antissociais ........................ 26
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 33
6
INTRODUÇÃO
Com o decorrer dos anos o homem esteve implicado em descobertas sobre si
mesmo e suas interações em grupos ou contra grupos. Podemos analisar que,
mesmo antes dos filósofos da Grécia Antiga, havia uma reflexão, embora arcaica,
que permitia a análise de si próprio em relação ao contexto social, o grupo e seus
membros, os modos de interação interpessoal e suas correlações com as normas,
mesmo que informais ou minimamente organizadas.
Neste processo, um bom exemplo é o nosso ancestral Homo sapiens. Sua
fêmea, a partir da curiosidade da observação descobre a agricultura, fundando a
civilização. Este fato dá início a uma série de transformações sociais, pois que:
O Homo sapiens, frágil, pequeno e pelado, estava perdendo a concorrência para o Neanderthal, másculo, poderoso e cabeludo. Porém, e eis o porém decisivo, com a agricultura e a domesticação dos animais, o Sapiens poderia se fixar na terra, poderia planejar defesas mais eficientes, poderia agrupar-se em bandos maiores e poderia se reproduzir em quantidades impensáveis para o seu adversário nômade. Dessa forma, por deficiências estruturais e logísticas, o Neanderthal foi eliminado. Sumiu da face do planeta (COIMBRA, 2007, p.11).
Desse modo, funda-se a civilização foi um marco histórico da humanidade. Ao
inventar a agricultura, a ―fêmea sapiens‖ canaliza a energia do macho da espécie,
fazendo com que seus instintos sejam barrados. Assim, as normas fizeram do Homo
sapiens um estrategista de guerra e, ao mesmo tempo, analista de comportamentos,
principalmente em relação ao seu inimigo fatal, o Homo neanderthalensis.
Podemos recorrer a este fato primitivo, ocorrido há cerca de cento e vinte
séculos, para remontar elementos arcaicos da sociedade presentes no contexto
contemporâneo, incluindo os modos de organização grupal e as percepções
abstraídas das nossas interações com os demais membros de um mesmo grupo
social. Nessa direção, sugere Mead:
7
O ponto de apoio que eu gostaria de sugerir é o de lidar com a experiência do ponto de vista da sociedade, ou pelo menos do ponto de vista da comunicação, como sendo essencial para a ordem social. A psicologia social, nessa visão, pressupõe uma abordagem à experiência do ponto de vista do indivíduo, mas tenta determinar em particular aquilo que pertence à sua experiência, porque o indivíduo, ele próprio, pertence a uma estrutura social, a uma ordem social (1970, p. 1).
O ser humano, neste sentido, antes de ser a favor ou contrário às normas
sociais, é um ser social; depende e necessita das interações interpessoais. Mas,
para que as abstrações dessa interação sejam possíveis, é necessária, antes de
tudo, uma organização, um conjunto de regras norteadoras, baseadas em critérios
morais que garantam o convívio em sociedade.
Freud (1913) ressalta a ambivalência presente nos tabus, da qual podemos
fazer uma analogia com a sociedade moderna. Algo que é desejado (desejo
inconsciente nos membros da tribo, como nos neuróticos) é proibido. Por esse
motivo, sua violação precisa ser vingada — os outros ficariam tentados a agir da
mesma forma que o transgressor, pois que:
As mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus são as duas leis básicas do totenismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com os membros do clã totêmico do sexo oposto. Estes devem ser, então, os mais antigos e poderosos desejos humanos (FREUD, 1996, p. 49).
O autor define tabu como um termo que possui dois sentidos contraditórios:
sagrado e proibido — perigoso. Podemos apontar como uma característica dos
tabus, o temor de ter contato com ele, uma regra explícita ou implícita que a
regulamenta.
Sendo assim, o processo pelo qual os seres humanos comportam-se em
sociedade, realizam seus julgamentos morais, interpretam os semelhantes,
expressam-se em grupo, compreendem as normas e de como agem com base
nelas, entre outras características, fez com que, inicialmente, muitos filósofos e
pesquisadores de outros campos tomassem o ser humano, antes de tudo, como um
―pensador social‖.
8
Com base na psicologia cognitiva, os psicólogos sociais começaram a utilizar
alguns modelos cognitivos como tentativa de entender os processos básicos
subjacentes às interações sociais. Surge, então, a cognição social.
A Neurociência, por sua vez, e a forma pela qual ocorre seu desenvolvimento
na contemporaneidade, permite analisar a cognição social não apenas em seus
aspectos interpessoais, mas, também, em suas localizações e funcionalidades
cerebrais, salientando as características de cada estrutura neurológica e sua
influência no comportamento humano, seja ele social ou antissocial.
Deste modo, surge esta pesquisa, buscando considerações fundamentais
sobre a cognição social desde seus aspectos históricos, conceitos e perspectivas
atuais, bem como a descrição das características e possibilidades explicativas via
conceito de ―córtex cerebral‖ (estruturas neurológicas em relação a esses elementos
e as suas funções específicas). A partir deste levantamento percorreremos o
caminho da cognição social, neuropsicologia e das condutas antissociais.
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CAPÍTULO I: A COGNIÇÃO SOCIAL
“Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus
fins e mentais em seus meios.”
Jean Piaget
1.1 Aspectos históricos
Durante o desenvolvimento do conceito de cognição social, foram utilizados
vários modelos de ―pensador social‖, tornando imprescindível para esta pesquisa
transpassar por tais modelos até sua evolução atual.
Após a Segunda Guerra Mundial, em meados das décadas de 50 e 60, as
mudanças de atitude foram alvo de pesquisas constantes, o que fez com que
diversas teorias fossem criadas e se ocupassem das mesmas, entre elas estão a
―Dissonância Cognitiva1‖ de Festinger2 (1957) e a ―Balance Theory3‖ de Heider4
(1958). A visão dominante deste período, partindo dessas teorias, era de que as
pessoas desejavam consistência entre suas cognições, e eram motivadas pelas
inconsistências entre elas.
1 Teoria criada por Festinger em 1956, que visa à observação do comportamento, mais precisamente
um descasamento entre as crenças, ideias ou opiniões incompatíveis de um indivíduo e suas atitudes
ou sobre a realidade ao seu redor.
2 Leon Festinger (1919-1989), psicólogo norte-americano. Professor de psicologia nas universidades
de Minnesota (1951), Stanford (1955) e New School for Social Research (1968). Juntamente com
Daniel Kartz foi autor do livro ―Métodos de Pesquisa em Ciências Comportamentais‖ de 1953.
3 Teoria do Equilíbrio é uma teoria motivacional de mudança de atitude, proposto por Fritz Heider.
Conceitua a consistência cognitiva como um impulso para o equilíbrio psicológico. A consistência
cognitiva é o desejo de manter seus valores e crenças ao longo do tempo. Heider propôs que os
sentimentos ou gostar de um semelhante ou de determinada situação social são equilibradas, se a
valência do afeto ir de encontro a um resultado positivo.
4 Fritz Heider (1896-1988), psicólogo austríaco. Seu trabalho era voltado para a Escola Gestalt; foi
professor das universidades de Hamburgo (1927) e Kansas (1948). É praticamente um dos
fundadores do estudo da Cognição Social, eliciada pela Psicologia das Relações Interpessoais, onde
Heider é a noção de como as pessoas veem as causas do comportamento, e as explicações que
fazem para ele; chamou tais explicações de "atribuições" (Teoria da Atribuição).
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Em outras palavras, o funcionamento básico das pessoas era a busca por
consistência: ―O indivíduo usa tabaco sabendo que trará malefícios ao seu
organismo‖. A inconsistência entre suas cognições está, neste caso, em ―fumar
prejudica a saúde‖ e ―sou uma pessoa que zela pela própria saúde‖. A partir disto,
haverá uma tentativa de anular ou de diminuir com a inconsistência. Ocorre a
inclusão de uma nova cognição, por exemplo, ―tabaco me deixa feliz, logo, trará
benefícios à minha saúde‖.
Podemos perceber que a teoria é válida e que ainda hoje notamos no
discurso das pessoas casos semelhantes, mesmo que em contextos diferentes. No
entanto, é difícil apontar se essas inconsistências são percebidas pelo indivíduo
como tais, o que foi desconsiderado por essa linha de pensamento; será que este
sujeito realmente chegou a este raciocínio, tendo plena consciência de que
substituiu a inconsistência por uma nova cognição?
O ―cientista leigo‖ surge na década seguinte, fora assim que o ser humano
passou a ser visto. Recebe esta denominação tendo em vista as suas buscas pelo
controle e predição sobre o seu contexto histórico-social, de forma analítica, crítica e
racional. Porém, as limitações do ser humano em relação ao comportamento,
racionalidade e julgamento, tornaram essa visão do ―pensador social‖ insuficiente. É
em meio a essas limitações teóricas que, no final dos anos 60 e no início dos anos
70, os primeiros estudos sobre a cognição social são, de fato, iniciados.
Segundo Vasconcelos et al. (2009), é no final dos anos 60 e no início dos
anos 70 que os primeiros estudos sobre a cognição social são iniciados juntamente
com o surgimento da Psicologia Cognitiva. A expressão refere-se aos processos que
orientam o comportamento diante de outros indivíduos.
Na década de 80, as pessoas começam um processo facilmente perceptível
nos dias atuais, ou seja, a resolução de problemas rapidamente; soluções prontas,
rápidas ou fáceis de obter com o mínimo de esforço. Os estudiosos da época
pensaram no ―avaro cognitivo‖, no qual o ser humano passa a ser considerado ainda
mais limitado, utilizando-se de atalhos mentais para obter as soluções dos seus
problemas.
Nos anos 90, o ―pensador social‖ foi postulado, predominantemente, como um
―tático motivado‖; um ser engajado no seu pensamento, gozando de múltiplas
estratégias cognitivas, baseadas em suas metas ou necessidades (conscientes)
e/ou motivações (inconscientes).
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Lamb e Sherrod (1981) postularam a cognição social como uma forma pela
qual o indivíduo percebe e compreende as pessoas à sua volta. Em seguida, uma
série de teóricos acrescentam suas considerações e pesquisas sobre o conceito. Fu,
Goodwin, Sporakowki e Hinkle (1987) complementam que a noção de que a
cognição social faz referência à capacidade de integração de perspectivas. Para
Bugental (2000), é pelo intermédio da execução de um algoritmo da vida social que
essa capacidade torna-se viável para que seja incorporado ao conceito. Sendo
assim:
Eles consideram que a cognição social abrange mais do que a percepção e as inferências sobre outras pessoas, envolvendo a compreensão das relações entre os próprios sentimentos, pensamentos e ações, tanto quanto as relações entre esses fatores pessoais e os fatores correspondentes nas outras pessoas. Isso implica que, da perspectiva da cognição social, nossa compreensão da interação social depende da nossa organização dos conceitos sociais e da habilidade de integrar e coordenar perspectivas (RAMIRES, 2003, p. 404).
No entanto, é com Fiske e Taylor (1991) que a cognição sobre si é inserida
nessa perspectiva. Passa a ser considerado a partir do modo como os indivíduos
pensam sobre as outras pessoas, tal qual a maneira como imaginam e organizam o
próprio pensamento diante dos outros. Schneider (1991) afiança, ainda, sobre a
importância de distinguir os estímulos considerados sociais de outros 0que não se
enquadram neste critério.
1.2 Conceito de cognição social
A Neuropsicologia é dividida e organizada em duas áreas: Neurocognição ou
Cognição Básica, e Cognição Social.
A Neurocognição, apresentada nesta pesquisa de modo sucinto, estuda cada
uma das funções cognitivas básicas (atenção, memória, funções executivas)
individualmente, pois utilizam sistemas de processamento semi-independentes. No
entanto, a Cognição Social está diretamente ligada à adequação do comportamento
ao meio, modulando o comportamento.
Monteiro e Neto (2010) fazem algumas distinções, entre neurocognição e
cognição social, referentes às características de estímulos, percepção de estímulos
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e a avaliação do desempenho, extraídas de suas pesquisas, comparando o tipo de
resposta esperada do indivíduo e a forma de avaliação deste.
Contudo, para esclarecer a distinção entre as áreas da Neuropsicologia, é de
suma importância compreender, a partir da avaliação de aspectos (memória,
resposta executiva ou atenção, por exemplo), que o que se espera é uma resposta
precisa e mensurável, o que podemos, nesta situação, referir como sendo da área
da neurocognição. Na cognição social, tomando como referência a avaliação de
aspectos, é possível apenas verificar as peculiaridades entre as pessoas, apreender
aspectos de sua personalidade.
Ou seja, em uma avaliação de desempenho da cognição social, estamos
tratando de um comportamento social multideterminado. É possível trabalhar com a
resposta particular do sujeito num determinado tempo e contexto, não há resposta
certa ou errada.
A cognição social corresponde, então, às habilidades de identificação,
manipulação e adequação do comportamento, tendo como parâmetros a seleção de
informações socialmente relevantes, desde que detectadas e processadas a partir
do ambiente, conforme o contexto em que o indivíduo se encontra. Desse modo:
A cognição social consiste em uma operação mental, que está na base do funcionamento social, envolvendo a capacidade humana de perceber a intenção e a disposição do outro em um determinado contexto. Isso inclui as habilidades nas áreas da percepção social, atribuição e empatia e reflete a influência do contexto social (Penn et al.; Couture et al. apud MONTEIRO; NETO, 2010, p.165).
A cognição social pode ser observada em animais e seres humanos, sendo
que é ―a cognição social é o processo que orienta condutas frente a outros
indivíduos da mesma espécie‖ (BUTMAN; ALLEGRI, 2001, p. 275), permitindo,
segundo estes mesmos autores, que ―tanto humanos como animais possam5
interpretar adequadamente os signos sociais e, consequentemente, responder de
maneira apropriada‖. Porém, é com o sistema de signos próprios da linguagem que
nos diferenciamos dos animais, bem como a presença de telencéfalo6 altamente
5 Inserção do autor.
6 Segundo Jackowski (2014), o telencéfalo compreende os hemisférios cerebrais e a lâmina terminal.
Essas áreas funcionais do córtex dividem-se em áreas de projeção e associação. Estão relacionadas
à sensibilidade e motricidade. Já as áreas de associação compreendem as funções psíquicas.
13
desenvolvido, tornando, assim, o processamento da informação social mais
complexa e particular no homem.
Podemos, portanto, descrever a cognição social como o processo
psiconeurobiológico que norteia as condutas frente/em relação a outros indivíduos
da mesma espécie. A partir deste processo, o indivíduo consegue interpretar os
signos oriundos do social e, dentro do esperado, responder de modo adequado ou
não aos estímulos do meio. Assim é possível compreender que:
Na cognição social, tanto o sujeito percebe o estímulo como o estímulo percebido também percebe o sujeito, o que, consequentemente, afeta ambos, sujeitos e estímulo, influenciando o comportamento. A relação entre sujeito e estímulo na cognição social tende a ser interativa (MONTEIRO; NETO, 2010, p.164).
Esta forma de cognição, ainda, pode ser definida como o processamento da
informação social, pensamento e conhecimento acerca de qualquer objeto humano
— indivíduo, si próprio, grupos, papéis ou instituições. Seu âmbito está nas
estruturas e processos através dos quais os indivíduos selecionam, interpretam e
usam a informação social para fazer julgamentos e tomar suas decisões.
Segundo Adolphs (1999), a cognição social é referida ao processo cognitivo
— mais especificamente aos processos cognitivos superiores — que elabora a
conduta adequada em resposta a outros indivíduos da mesma espécie.
Os processos cognitivos superiores, por sua vez, são aqueles que sustentam
as mais variadas condutas sociais, bem como sua flexibilidade, tendo em vista a
complexidade das interpretações abstraídas dos signos sociais.
Para Haase et al. (2009) e Lieberman (2007), na medida em que vivemos em
um mundo de constante interação social, é inegável a importância da compreensão
dos processos fundamentais que guiam tal interação. ―As interações recíprocas,
portanto, é que possibilitam o processo de diferenciação do self‖ (RAMIRES, 2003,
p. 405).
Já para Fiske e Taylor (2008), a cognição social é um campo da psicologia
social que investiga a forma como as pessoas compreendem as outras pessoas e
elas mesmas no ambiente social.
O desenvolvimento cognitivo tem papel fundamental na compreensão dos
signos sociais, particularmente em como interpretamos os comportamentos e nossas
atuações nos grupos nos quais estamos integrados, assim sendo:
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O desenvolvimento cognitivo, portanto, permite que a criança assuma um papel diferente nas suas interações sociais e relacionamentos: uma troca para um papel de participante mais ativo e intencionalmente dirigido. Os próprios relacionamentos se tornam mais maduros em virtude da nova habilidade do bebê de constituir laços discriminados e duradouros (RAMIRES, 2003, p. 407).
Posto que o desenvolvimento cognitivo, nas suas diversas modalidades, está
relacionado à capacidade de interação social do indivíduo, podemos afirmar que a
cognição social é um conjunto de processos cognitivos que tornam possível o
desenvolvimento social do homem. Nessa perspectiva específica da cognição não
estariam inclusos os processos dirigidos na consolidação do pensamento lógico-
matemático. Desse modo:
A cognição social toma os humanos e seus afazeres como sujeitos; ela significa a cognição sobre pessoas e suas ações. As máquinas, a matemática e os julgamentos morais são objetos e produtos da cognição humana, por exemplo, mas somente os últimos seriam considerados um tópico dentro da cognição social humana. A cognição social lida com o mundo estritamente social, não com os mundos físicos e lógico-matemático, embora todos os três tenham as marcas do engenho humano (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999, p. 145).
Os estudos da cognição social são como um conjunto de abordagens
direcionadas não apenas para o modo de investigar, mas também em conceber o
desenvolvimento psicológico do ser humano, o que nos leva a pensá-la como um
processo que não é estritamente neurobiológico, mas também psíquico, assim como
podemos ler:
Lamb e Sherrod (1981) já salientaram que a cognição social situa-se na intersecção de várias áreas – perceptiva, cognitiva, social, emocional, e desenvolvimento da personalidade. Conseqüentemente, mais do que qualquer outro tópico, esta área demanda que os teóricos e pesquisadores reconheçam as influências mútuas e interrelações entre desenvolvimentos em áreas muito diversas. Além disso, como a cognição social procura integrar diversas áreas da psicologia do desenvolvimento, seu estudo facilita abordagens mais abrangentes, as quais facilmente ficam comprometidas quando o foco é muito estreito (RAMIRES, 2003, p. 403).
Ramires (2003) descreve que a cognição social reconhece a criança, por
exemplo, como ativa e interativa, postulando um papel construtivo no processo de
desenvolvimento cognitivo. A autora menciona, ainda, que a cognição social, nesse
campo, aborda o desenvolvimento da capacidade de identificar, recordar e
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reconhecer objetos sociais, fazendo distinção com os objetos inanimados do
ambiente. Então, a interação com o meio, bem como as abstrações derivadas desse
contato, permitem à criança construir, refletir, identificar, reconhecer e atuar no
grupo social, o que na cognição social é imprescindível, uma vez que influenciará no
modo como crianças e adultos irão conduzir sua conduta social e o modo como
julgarão as condutas gerais perante as regras da sociedade.
Dentro da percepção social, o indivíduo possui a liberdade de analisar
qualquer conjuntura, do modo que achar melhor. Entretanto, nossa mente constrói
(pré)conceitos sobre tudo o que percebe, a partir dos preceitos morais impostos pela
sociedade. Deste modo, a forma com que cada pessoa lida com determinadas
situações sociais é variável.
1.3 Componentes da cognição social
Os componentes desse processo são, então, variados: ―uma vez que a vida
social comporta diferentes tipos de situações de interação, uma série de
mecanismos distintos são constituintes da cognição social humana‖
(VASCONCELOS; JAEGER; PARENTE, 2009, p. 435). Por outro lado, Couture et al.
(2006) descreve os componentes da cognição social como sendo Percepção
Emocional, Percepção Social, Teoria da Mente e Estilo de Atribuição:
A Percepção Emocional é a capacidade de deduzir informação emocional a
partir das expressões emocionais, das inflexões vocais e/ou da prosódia7;
Já a Percepção Social trata-se da capacidade de extrair certos detalhes do
comportamento manifesto de um contexto social específico. As capacidades de
compreensão das regras e das convenções sociais podem ser inclusas neste
aspecto;
A Teoria da Mente diz respeito à capacidade de compreender que outras
pessoas possuem estados mentais diferentes do que do próprio sujeito, assim como
7 Trata-se da emissão de palavras quanto à posição da sílaba tônica, segundo as normas da língua
culta. Entonação das palavras. No caso da cognição social pode ser agregada a uma série de
significados de representações e emoções a partida da entonação da voz (medo, tristeza, alegria,
sarcasmo, deboche).
16
de fazer deduções/interpretações sobre os conteúdos identificados destes estados
mentais;
O Estilo de Atribuição pode ser descrito como a tendência peculiar de explicar
as causas dos acontecimentos remetendo à própria vida; capacidade de significar os
fenômenos vivenciados.
1.4 A cognição social e a disfunção social
Dispostas as normas de conduta ao sujeito e a sua interpretação dos signos
sociais, é possível que alguns indivíduos tenham dificuldades em compreendê-las e,
consequentemente, transgredir as regras da comunidade, como no caso das
condutas ou comportamentos antissociais.
Existem alguns casos clínicos caracterizados por níveis elevados de
disfunção social. Ocorre, então, um déficit na cognição social, que pode ser
observado, por exemplo, em casos de psicopatia ou sociopatia. Em contrapartida,
também são descritos comportamentos antissociais, isolados ou não, em pessoas
diagnosticadas com autismo, esquizofrenia, transtorno bipolar, entre outros, o que
nos remete a fazer uma distinção entre níveis de variação de comportamento que
serão descritos nos itens ―2.2‖ e ―2.3‖.
Destaca-se também que psicopatia e psicose são enquadramentos diferentes,
tornando-se imprescindível, na prática clínica, compreender os mecanismos
envolvidos na falha do funcionamento e interpretação social; é a partir da
compreensão desses déficits cognitivos que podemos criar hipóteses e estratégias
terapêuticas que consigam propiciar a reinserção dos pacientes no convívio social.
Em contrapartida, um comportamento adequado pode ser parte de uma
conduta antissocial, como uma representação social ou método de chegar a um
comportamento socialmente aceitável, disfarçando os comportamentos aversivos.
Uma predisposição emocional particularmente importante é aquela na qual o indivíduo favorece uma determinada pessoa, grupo ou estado de coisas. É difícil definir as consequências particulares do comportamento ―favorável‖, mas um efeito razoavelmente específico muitas vezes pode ser descoberto. O político pode promover comícios políticos, beijar crianças, publicar pormenores autobiográficos favoráveis, e assim por diante, apenas para reforçar uma resposta bem específica da parte do eleitorado: colocar um sinal no quadrinho da cédula ao lado do seu nome. (SKINNER, 2003, p. 187).
17
A cognição social está, assim, diretamente ligada aos modos como nos
portamos em sociedade. O social nos impõe regras para que possamos conviver
civilizadamente. Entretanto, alguns indivíduos tendem a violar os direitos e deveres
das outras pessoas, do Estado e, em muitos casos, a depredação do patrimônio
público e privado. Esses indivíduos apresentam desvio de conduta, ou melhor,
comportamentos inapropriados aos ambientes sociais — déficit na cognição social.
Podemos classificar esses indivíduos como portadores do Transtorno de Conduta
Antissocial.
O próximo capítulo fará uma abordagem neuropsicológica das condutas
antissociais, apontando o conceito, as características essenciais, as distinções
etiológicas e as questões anatômicas e funcionais envolvidas nos comportamentos
antissociais.
18
CAPÍTULO II: ABORDAGEM NEUROPSICOLÓGICA DAS
CONDUTAS OU COMPORTAMENTOS ANTISSOCIAIS
“Quase todos os absurdos de conduta surgem da imitação daqueles a quem
não podem se assemelhar.”
Samuel Johnson
A Neuropsicologia é uma área do conhecimento que nos últimos anos está
constantemente sendo evocada para esclarecer as dúvidas provenientes da
interação entre o psíquico e o orgânico. Por este motivo:
A colaboração do psicólogo para o esclarecimento de problemas neurológicos vem sendo cada vez mais necessária, pois o limite entre a psicologia e a Neurologia torna-se difícil de estabelecer. Se o objetivo é estudar a organização cerebral nos processos mentais como dizia Luria, todas as formas superiores da atividade cerebral nos processos mentais também estão implícitas nessa análise como demonstra Piaget (LEFÈVRE, 1989, p.5).
Considerando essas ideias, podemos compreender que há um elo entre a
psicologia e a neurologia, o sistema límbico8. O sistema límbico é a unidade
responsável pelas emoções (por controlá-las), funções de aprendizado e da
memória, e comportamentos sociais. Assim:
Estes achados estão de acordo com a hipótese do marcador somático, um mecanismo específico por meio do qual adquirimos, representamos ou memorizamos os valores de nossas ações. Estas estruturas cerebrais atuam como mediadores entre as representações perceptuais dos estímulos sensoriais e a recuperação do conhecimento que o estímulo pode ativar. O sistema límbico é a zona limítrofe; nela, a psicologia se encontra com a neurologia. A correta sincronização destas zonas e estruturas, no adulto, é a chave para uma situação livre de patologia (BUTMAN; ALLEGRI, 2001, p. 275).
8 Localizado na parte medial do cérebro dos mamíferos, possui formato de anel cortical, sendo um
conjunto de estruturas cerebrais responsáveis essencialmente por controlar as emoções. O sistema
límbico, ainda, participa secundariamente das funções de aprendizado e memória; pode participar,
também, do sistema endócrino. Dentre as principais estruturas que são essenciais no controle relativo
às emoções estão: o Hipotálamo, os Corpos Mamilares, o Giro Cingulado, o Tálamo, o Hipocampo e
a Amígdala.
19
A Neuropsicologia é, portanto, um campo que abarca o domínio das relações
e inter-relações das funções cerebrais e do comportamento. Por este motivo, tendo
em vista nossa passagem teórica pela cognição social, torna-se necessária uma
abordagem neuropsicológica que justifique sua interação com as estruturas
orgânicas ou neurológicas.
2.1 Relação entre a cognição social e o córtex cerebral
O córtex cerebral, conhecido como massa cinzenta, reveste todo o cérebro do
ser humano.
Este, no caso da espécie humana, é giroencefálico, pois tem sua superfície marcada por sulcos e giros, de tal forma que a maior parte do córtex permanece oculta a uma inspeção externa. Anatomicamente, o córtex cerebral costuma ser fracionado em regiões, denominados lobos: frontal, parietal, temporal, occipital e lodo da ínsula, este último visível quando se examina a profundidade do sulco lateral do cérebro (COSENZA, 2014, p. 29).
Cada região, giro e/ou sulco, em determinado lobo, é responsável pela
coordenação de funções específicas9 que irão eliciar alguma reação fisiológica ou
comportamental no organismo.
Segundo Butman e Allegri (2001), várias estruturas cerebrais têm um papel
fundamental no controle das condutas sociais: o Córtex Pré-frontal Ventromedial, a
Amígdala, o Córtex Somatosensorial Direito e a Ínsula.
2.1.1 A funcionalidade das estruturas neurológicas envolvidas na relação entre
cognição social e os comportamentos antissociais.
De acordo com a estrutura neurológica, algumas reações serão executadas
pelo organismo, o que irá influenciar no funcionamento da cognição social e no
desencadeamento dos comportamentos antissociais.
9 Tendo em vista o objetivo deste item, seria recomendado consultar obras sobre anatomia geral que
possam detalhar todas as estruturas neurológicas, bem como sua determinada função, pois nesta
pesquisa serão trabalhadas estruturas específicas envolvidas na cognição social e nas condutas
antissociais.
20
2.1.1.1 Córtex Pré-frontal Ventromedial
O córtex pré-frontal ventromedial é responsável pelas decisões frente ao
social. Segundo Young et al. (2010), pessoas que sofrem danos no córtex pré-frontal
ventromedial do cérebro são incapazes de evocar resposta emocionais normais para
situações hipotéticas em que outro tenta, mas não consegue, matar alguém. Tais
sujeitos avaliam determinada situação somente pelo resultado. Não há
responsabilidade alguma pela sua conduta.
No entendimento desses indivíduos, os danos não foram provocados por eles;
as consequências são atribuídas a um terceiro ou simplesmente omitem a própria
responsabilidade ou o responsável pela ação. Isso ocorre porque:
A região pré-frontal, de forma estratégica, coordena a ligação entre as áreas de associação sensoriais e as áreas límbicas e, portanto, entre as informações do mundo externo e nos processos emocionais e motivacionais, importantes para a sobrevivência do organismo e para a regulação do comportamento (COSENZA, 2014, p. 37).
Segundo Adolphs (1999), os pacientes com lesão pré-frontal ventromedial
tem dificuldades na tomada de decisões em situações sociais. Mas se o córtex pré-
frontal dorsolateral está ileso, rendem bem quando têm que decidir acerca de uma
situação abstrata, mostrando assim uma dissociação.
Para Young et al. (2010), a ideia de fazer julgamentos morais exige pelo
menos dois processos: uma avaliação lógica da intenção; e uma reação emocional a
ela. Este estudo sustenta a teoria de que o componente emocional está assentado
no córtex pré-frontal ventromedial.
Sendo este também identificado como a região das avaliações morais,
relacionando-as diretamente ao ambiente, avaliando, por exemplo, os valores da
sociedade.
2.1.1.2 Amígdala
A amígdala é fundamental para a auto-preservação de qualquer espécie,
tendo em vista ser a estrutura que permite identificação do perigo, eliciando medo
21
e/ou ansiedade, deixando o indivíduo em estado de alerta em situação que haja
algum perigo (luta ou fuga). Desse modo:
A amígdala tem sido implicada na coordenação das respostas emocionais (principalmente as aversivas, como o medo) e na regulação do comportamento agressivo e estaria envolvida nos mecanismos de recompensa e suas implicações na motivação. Ela participa também de processos cognitivos, como a atenção, a percepção e a memória e seria importante na atribuição do significado emocional dos estímulos internos. (COSENZA, 2014, p. 41).
As projeções perceptivas do indivíduo que chegam ao hipocampo, através da
amígdala, reforçam a memória de eventos de caráter emocional. Esta estrutura
processa a informação sensorial, mais precisamente, as emoções. É o
processamento de informações que permite uma resposta cognitivo-comportamental
frente às interpretações dos signos sociais, no caso da conduta, comportamentos
antissociais ou socialmente padronizados, de acordo com lembranças emocionais já
vividas.
Em síntese, a amígdala participa de circuitos em que ocorre uma interação entre as informações vindas do meio externo, configurando a realidade ambiental, e as informações vindas do meio interno, configurando as necessidades do organismo em determinado momento. O processamento dessas informações permite o desencadear de respostas autonômicas e comportamentais, bem como a interferência nos próprios processos ideacionais (COSENZA, 2014, p. 41).
Sendo assim, a amígdala, não apenas no sentido comportamental, produz
respostas involuntárias, como por exemplo, ansiedade e taquicardia.
Além do que, também mediante esta via, modula a direção da atenção para o estímulo perigoso. A produção, na amígdala, do efeito de potenciação em longo prazo pode explicar sua participação nos processos de ansiedade e estresse pós-traumático, nos quais as associações entre sinais perigosos e a resposta de estresse são aprendidos e reforçados, ocasionando os sintomas somáticos de ansiedade (BUTMAN; ALLEGRI, 2001, P. 277).
Voeller (1998) afirma que a participação da amígdala vai de encontro com a
teoria da mente, descrita no capítulo anterior, pois permite ao indivíduo associar e
atribuir uma mentalidade a outra pessoa. Verificamos, então, uma capacidade
essencial na cognição social. A partir das perspectivas de luta e da fuga, é possível
projetar o papel de outros indivíduos no grupo, assim como de compreender pontos
22
de vista diversificados ou atribuindo uma intenção ao outro indivíduo, e se preparar
para a sua reação.
Segundo Jackowski (2004), a amígdala e a estria terminal10 são responsáveis
relevantes, em conjunto, pelo comportamento emocional, sendo que a amígdala,
ainda, possui outro aspecto importante e determinante tanto na cognição social
quanto nos comportamentos antissociais. Ela ―pertence ao sistema límbico e é um
regulador do comportamento sexual e da agressividade‖ (JACKOWSKI, 2004, p. 64).
No caso da psicopatia, por exemplo, os indivíduos que apresentam comportamentos
antissociais frequentes possuem a amígdala reduzida.
2.1.1.3 Córtex Somatosensorial Direito
Muitas de nossas interações sociais ou comportamentos frente a outros
indivíduos se dão pela empatia entre os membros de um mesmo ambiente social.
Segundo Butman e Allegri (2001) o córtex somatosensorial direito é o que nos
permite ter a capacidade de empatia ou a habilidade de detectar/supor o que outra
pessoa está sentindo. Essa capacidade só torna-se possível à medida em que
consigamos reproduzir o que o outro sente em nosso próprio organismo, assim
como expressarmos um estado emocional similar, ou seja, que já passou por nossa
percepção e na qual já está significada a partir da interpretação dos signos sociais
anteriores. Desse modo:
Se quisermos investigar a capacidade de um indivíduo em interpretar a expressão emocional de uma face, uma das maneiras possíveis é reproduzir a expressão da face no próprio organismo (através do córtex somatosensorial direito e ínsula) e detectar o sentimento que desencadeia (ADOLPHS, 1999; apud BUTMAN E ALLEGRI, 2001, p. 275).
Ao tratar desta questão, nos confirma Caselli (1997), que, para haver a
empatia e a detecção de sentimentos em outros indivíduos, devem estar
preservados os mecanismos de interpretação de signos emocionais, bem como o
córtex somatosensorial direito e a ínsula, da qual trataremos no próximo item.
10
Estrutura inominada conectada à amígdala por uma coluna de células.
23
O córtex somatosensorial direito, portanto, tem a função de, também,
possibilitar a percepção de sensações, por exemplo, como a dor e o calor. Pode
representar diversas áreas do corpo humano, pois é uma área responsável por
receber os estímulos externos.
Podemos verificar que nas condutas e comportamentos antissociais o
funcionamento ineficaz do córtex somatosensorial direito faz com que o indivíduo
venha não reconhecer as expressões e manifestações de emoções sociais. Por este
motivo, aquilo que seria uma expressão social natural de tristeza, por exemplo, pode
ser interpretada como de alegria.
2.1.1.4 Ínsula
A ínsula possui conexões com outras estruturas límbicas. Estas conexões são
recíprocas e, conforme Nieuwenhuys (2012), incluem as áreas medial e orbital do
córtex pré-frontal, o giro cíngulo, o corpo estriado ventral e também a amígdala.
Ela recebe e processa as informações visceroceptivas que se tornam conscientes, as quais incluem as sensações intestinais, respiratórias e cardiovasculares. São percebidos na ínsula o toque sensual e a estimulação sexual, as cócegas e as sensações térmicas. Ela participa também da percepção da dor e seus componentes emocionais (COSENZA, 2014, p. 39).
Podemos, neste caso, usar como exemplo a psicopatia, quando apresenta
características sexuais em seus atos, tais como em estupros, pedofilia, mostrar os
genitais em via pública, masturbação ou sexo com pessoas em situação de
vulnerabilidade física; comportamentos antissociais normais, colecionar fotos de
sexo bizarro11; sentir prazer moderado em constatar o sofrimento de outro sujeito.
Estes casos caracterizam um déficit da cognição social, presentes nos transtornos
de conduta.
11
Vamos adotar essa expressão como relação sexual com objetos, necrofilia e com seres de outras
espécies, entre outros. No caso dos seres humanos, ter relação sexual com animais, por exemplo,
salientando que não é nosso intuito julgar os objetos sexuais aos quais as pessoas utilizam em suas
fantasias, mas sim em fazer um esclarecimento para tornar o exemplo compreensível.
24
A ínsula associa informações viscerais e do sistema nervoso autônomo12 com
as funções emocionais e motivacionais. São exemplos, em casos de
comportamentos antissociais recorrentes, apresentar excessiva ansiedade, ou
excitação, ou manter-se extremamente calmo, diferentemente de um indivíduo, em
determinada situação, executando comportamentos normais.
2.2 Conceito clínico das condutas antissociais
As condutas, os comportamentos ou atos antissociais fazem parte de um
conjunto de comportamentos cuja característica essencial é de violar o direito das
outras pessoas.
A característica essencial do Transtorno de Conduta consiste num padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos individuais dos outros ou normas ou regras sociais importantes próprios da idade (Critério A). Esses comportamentos caem em quatro agrupamentos principais. Esses comportamentos caem em quatro agrupamentos principais: conduta agressiva causadora ou com perigo de lesões corporais a outras pessoas ou a animais (Critérios A1-A7), conduta não agressiva que causa perdas ou danos ao patrimônio (Critérios A8-9), defraudação ou furto (Critérios A10-A12) e sérias violações de regras (Critérios A13-A15). Três (ou mais) comportamentos característicos devem ter estado presentes durante os últimos 12 meses, com presença de pelo menos um deles durante os últimos 6 meses. A perturbação do comportamento causa comprometimento clinicamente importante no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional (Critério B). O Transtorno de Conduta pode ser diagnosticado em indivíduos maiores de 18 anos, mas apenas se os critérios para o Transtorno de Personalidade Antissocial não forem satisfeitos (Critério C). O padrão de comportamento em geral está presente em uma variedade de contextos, tais como em casa, na escola ou na comunidade. Uma vez que os indivíduos com Transtorno de Conduta tendem a minimizar seus problemas de conduta, com frequência é preciso recorrer a informantes adicionais. Entretanto, o conhecimento do informante acerca dos problemas de conduta da criança pode ser limitado por supervisão inadequada ou pelo fato de a criança não tê-los revelado (American Psychiatric Association — DSM-IV-TR, 2002, p.120).
Segundo Conquest (1991), os comportamentos antissociais constituem uma
variedade de condutas em níveis diferentes, os quais vão de estacionar em vaga de
deficiente ao extermínio de civis inocentes.
Para Souza et al (2014), o valor diagnóstico das condutas antissociais implica
em duas situações: que o indivíduo consiga enunciar, de modo informal e
12
O Sistema autônomo é responsável pelo controle de comportamentos involuntários, como o
controle dos batimentos cardiorrespiratórios e a digestão.
25
pragmático, a distinção entre o certo e o errado, em termos morais e legais; e que os
comportamentos não sejam provenientes de delírios ou alucinações ou ambos.
É preciso, antes de tudo, distinguir e, ao mesmo tempo, ratificar, que os
comportamentos antissociais verificados em pessoas normais13 são diferentes dos
indivíduos que apresentaram aspectos que conduzem a um diagnóstico formal.
2.3 Características essenciais de comportamento entre indivíduos normais e
anormais
Para que seja possível a distinção entre comportamentos antissociais ditos
normais e aqueles que nos conduzem a um diagnóstico, por exemplo, de psicopatia
ou sociopatia, separaremos as características em três grupos. Nossa referência é a
tabela confeccionada por Souza et al. (2014), onde ―os comportamentos antissociais
praticados pelas pessoas normais diferem em aspectos essenciais daqueles
perpetrados por indivíduos com diagnósticos formais‖ (SOUZA; MATTOS; MIELE;
MALLOY-DINIZ, 2014, p. 287). Então, há que estabelecer uma distinção entre os
comportamentos antissociais quanto à frequência, ao impacto sobre terceiros e à
natureza das ações antissociais.
Nos indivíduos normais os comportamentos antissociais são ocasionais,
esporádicos. Os danos sobre terceiros são praticamente ausentes ou
negligenciáveis. Suas ações são conhecidas e praticadas por muitas pessoas, tais
como trapacear em um jogo de recreação, fofocas de trabalho, atravessar a rua fora
da faixa de segurança, roubar laranjas do vizinho, estacionar em local proibido.
Já nos indivíduos anormais, os comportamentos antissociais se impõem,
sendo recorrentes e persistentes, condicionando o indivíduo a cometê-los
frequentemente ou, até mesmo, a todo instante. As consequências das condutas
anormais são graves, causando sérios danos psicológicos, físicos e
materiais/financeiros aos indivíduos afetados. Quanto à natureza dessas ações,
podemos dizer que os indivíduos anormais são sistemáticos: assalto, tráfico, golpes,
13
Vamos considerar como ―normais‖, de um ponto de vista operacional, todos aqueles indivíduos
autônomos nas diversas perspectivas da vida produtiva (neste caso, em especial — ocupacional,
familiar e social). Nesse contexto, podemos entender que, neste trabalho, os comportamentos
antissociais serão tomados como anormais.
26
homicídios (em série ou não), falsificações, tortura, em suma, causando sérios riscos
à integridade física e psicológica às suas ―vítimas‖.
O transtorno da personalidade antissocial tem como característica primeira a
aversão às regras que garantem à civilização o contrato social e/ou o convívio
civilizado de seus indivíduos em sociedade. Em casos patológicos, não ocorre, neste
caso, um discernimento do dano causado pelo não cumprimento das normas, mas
há certa tolerância e permanência da conduta socialmente aceita conforme o
contexto apresentado (se há risco ou não de ser flagrado; construir um semblante de
bom cidadão, por exemplo).
O indivíduo com transtorno da personalidade antissocial apresenta marcante desprezo por regras sociais, direitos e sentimentos de outras pessoas; diminuição da capacidade empática; e falta de arrependimento em
relação aos próprios comportamentos e decisões (SOUZA; MATTOS; MIELE; MALLOY-DINIZ, 2014, p.288).
Cabe apontar, no entanto, que o comportamento antissocial é requisito e
encontra-se em outros transtornos da personalidade. Estes comportamentos são
classificados no grupo B do DSM-IV-TR (2002) em transtornos externalizantes —
adultos — e nas síndromes maníacas — crianças — sendo estas últimas tanto na
bipolaridade quanto nas síndromes maníacas. Não é o nosso intuito descrever os
transtornos de personalidade, mas há de se ter cuidado com um diagnóstico
equivocado.
Torna-se cogente ressalvar que até se tornar adulto, a criança pode transitar
entre os comportamentos normais e anormais, por estar em constante
desenvolvimento, não caracterizando um transtorno de personalidade diagnosticado;
as possibilidades de seu desenvolvimento deixam abertas as possíveis condutas na
vida adulta.
2.4 Fatores eliciadores do transtorno de condutas antissociais
Todo transtorno mental tem fatores biológicos, psíquicos e sociais. Desde
cedo, por exemplo, podemos verificar a manifestação de comportamentos
inadequados em uma determinada criança. Em evolução, durante a adolescência,
pode apresentar sinais iniciais de transtorno de conduta. Não havendo um
acompanhamento especializado, podemos supor que possa evoluir e se caracterizar
27
uma psicopatia. Sendo assim, as mudanças de conduta e manifestações de
comportamento antissocial estão ligadas a diversos fatores.
Os transtornos de condutas antissociais estão relacionados a importantes
disfunções cerebrais. Mas, se tomássemos um único fator para caracterizar ou
diagnosticar os comportamentos antissociais, não seria totalmente esclarecedor ou
satisfatório.
Além de um histórico traumático, o transtorno — principalmente nos casos
mais graves, tais como sádicos e serial killers14 — aponta-nos a uma adjeção de três
fatores principais: disfunções cerebrais/biológicas ou traumas neurológicos,
predisposição genética e traumas sócio psicológicos na infância como, por exemplo,
abuso emocional, sexual ou físico, negligência, violência, conflitos existenciais,
separação dos pais, entre outros.
Para prosseguirmos com esta pesquisa, torna-se indispensável o
enquadramento desses fatores em três grupos: Transtorno de Condutas Antissociais
Adquirido, Desenvolvido e Hereditário.
O Transtorno de Conduta Antissocial Adquirido é proveniente de alguma
lesão cerebral, cirurgia neurológica, traumatismo crânio encefálico, tumor ou outra
patologia, que possam eliciar os comportamentos anormais;
O Transtorno de Conduta Antissocial Desenvolvido ocorre no decorrer do
desenvolvimento do indivíduo em interação com o meio social. Durante este
processo, as experiências e abstrações sociais do sujeito, podem ou não influenciar
no desenvolvimento do transtorno de conduta antissocial;
O Transtorno de Conduta Antissocial Hereditário pressupõe fatores
hereditários; quando há fatores genéticos que contribuam no desenvolvimento de
transtornos de condutas antissociais. Neste caso, o meio onde o individuo está
inserido pode ou não, ser um determinante no desenvolvimento dos
comportamentos antissociais.
Todo indivíduo antissocial possui, no mínimo, um desses componentes no
histórico de sua vida. Entretanto, nem toda pessoa que sofreu algum tipo de abuso
ou perda na infância tornar-se-á um psicopata ou sociopata sem ter certa influência
genética ou distúrbio cerebral; assim como é inadmissível afirmar que todo indivíduo
com pré-disposição genética se tornará psicopata apenas por essa característica —
14
Assassinos em série.
28
neste caso o meio poderia ser o facilitador para o desenvolvimento das condutas
antissociais.
29
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formulação do conceito de pensador social fora um passo importante para
que se pensasse o homem como um sujeito dotado de processos cognitivos
peculiares, o que possibilitou pensar em como o ser humano interpreta os signos
sociais. Perceber o homem como um ser pensante que autorizou diversos teóricos
pesquisassem sobre os derivados entre a racionalidade e o pensamento sobre o
social.
Com isso, os primeiros atributos da cognição social e, posteriormente, seu
conceito, pode ser desenvolvido. A cognição social permite ao homem o papel de se
portar em sociedade e garante nossa distinção dos animais a partir da linguagem
propriamente humana, fator que nos afiança o caráter discursivo e interpretativo
acerca das normas e comportamentos sociais, que fazem do homem antes de tudo,
um ser social.
A cognição social permite ao indivíduo a percepção social, pela qual o mesmo
pode analisar livremente qualquer conjuntura, conforme sua preferência. Em
contrapartida, a mente humana constrói (pré)conceitos sobre tudo o que percebe a
partir dos preceitos morais impostos pela sociedade. Assim sendo, o modo como
cada pessoa entra em contato com determinadas situações sociais é variável, tendo
em vista o desenvolvimento psíquico de cada indivíduo ser particular e os contextos
sócio-históricos diversificados.
Pesquisar sobre a cognição social é como um conjunto de abordagens
direcionadas não apenas para o modo de investigar, mas também em conceber o
desenvolvimento psíquico do ser humano. É possível pensar, então, que a cognição
social é um processo também psíquico, não sendo apenas um processo
neurobiológico.
A cognição social enquanto processo psiconeurobiológico norteador das
condutas humanas, também pressupõe que as estruturas cognitivas estejam prontas
para receber os estímulos oriundos do meio e para que seja possível realizar as
abstrações a partir dos signos sociais.
30
O desenvolvimento cognitivo é de suma importância na compreensão dos
signos sociais — o modo como interpretamos os comportamentos e as atuações nas
quais estamos integrados.
É através da cognição social que o indivíduo consegue interpretar os signos
oriundos do social e, com isso, responder de modo adequado ou não às regras da
sociedade.
Sendo assim, a cognição social, enquanto processo psiconeurobiológico
norteador das condutas humanas frente/em relação a outros indivíduos, está
inevitavelmente relacionada com as condutas antissociais, caracterizando-se como
transtorno.
A característica primeira do transtorno de conduta antissocial é a aversão às
regras que garantem a civilização e o convívio dos indivíduos em sociedade.
Ao haver falha na interpretação dos signos sociais e a condução a um
comportamento anormal, é caracterizado o déficit na cognição social. Por algum
motivo o sujeito tende a burlar as normatividades impostas pelo grupo ou causar
dano às outras pessoas e instituições.
Esta aversão às regras tem sua origem em três grupos distintos de acordo
com os fatores determinantes para o desencadeamento das condutas ou
comportamentos antissociais: O Transtorno de Condutas Antissociais Adquirido,
Desenvolvido e Hereditário. Ou seja, o indivíduo pode sofrer uma lesão cerebral ou
desenvolver durante sua vida em interação com o meio ou ser geneticamente pré-
disposto a desenvolver os transtornos de condutas antissociais.
Neste sentido, podemos destacar outro ponto importantíssimo, caso haja a
pré-disposição genética, não é regra que o indivíduo desenvolva o transtorno de
conduta antissocial. Portanto, o meio tem papel fundamental neste processo.
Todo sujeito antissocial apresenta, no mínimo, um desses componentes no
histórico de sua vida. Entretanto, devemos ressalvar que nem toda pessoa que
passou por questões traumáticas na infância apresentará comportamentos
antissociais sem ter certa influência genética ou distúrbio cerebral; ao mesmo tempo,
torna-se inaceitável afirmar que todo indivíduo com pré-disposição genética se
tornará um ser antissocial patológico, o que dependerá do meio para o
desencadeamento, ou de ser o facilitador, para o desenvolvimento das condutas
antissociais. Apresenta-se aqui, mais uma vez, o caráter psiconeurobiológico da
cognição social.
31
Caso o sujeito apresente sintomas referentes aos comportamentos
antissociais, é essencial levar em consideração quanto à frequência, ao impacto
sobre terceiros e à natureza das ações antissociais, para que o transtorno possa ser
diagnosticado como patológico ou como comportamento normal.
Os comportamentos anormais apresentados por indivíduos antissociais
possuem relação direta com o Sistema Límbico, o qual podemos apontar como
sendo a zona limítrofe entre neurologia e psicologia. O Sistema Límbico é
responsável pelas emoções e, como tal, é fundamental na regulação ou déficit da
cognição social.
Tendo em vista este elo entre a neurologia e a psicologia, a Neurociência nos
permitiu, nesta pesquisa, analisar a cognição social não apenas em seus aspectos
interpessoais, mas, também, em suas localizações e funcionalidades cerebrais, o
que nos proporcionou identificar as influências neuropsicológicas no comportamento
humano.
As estruturas neurológicas apresentadas nesta pesquisa têm relação direta
com a cognição social e na determinação das condutas sociais do ser humano.
Qualquer falha nessas áreas localizadas pode desencadear comportamentos
aversivos às normas sociais. Desse modo, se ressalta que:
O córtex pré-frontal ventromedial está comprometido com o raciocínio social e com a tomada de decisões; a amígdala com o julgamento social de faces; o córtex somatosensorial direito, com a empatia e com a simulação; enquanto que a insula, com a resposta autonômica. Estes achados estão de acordo com a hipótese do marcador somático, um mecanismo específico por meio do qual adquirimos, representamos ou memorizamos os valores de nossas ações (BUTMAN; ALLEGRI, 2001, p. 275).
As estruturas cerebrais, descritas nesta pesquisa, são imprescindíveis para o
conceito da cognição social, bem como no controle ou déficit das condutas sociais.
Verificamos que o Córtex Pré-frontal Ventromedial, a Amígdala, o Córtex
Somatosensorial Direito e a Ínsula, são responsáveis no funcionamento da cognição
social e quando ocorre algum dano nessas regiões suas funcionalidades são
afetadas, logo, as condutas antissociais podem ser desencadeadas.
32
O córtex pré-frontal ventromedial é responsável com o raciocínio social e com
a tomada de decisões; a amígdala está comprometida com o julgamento social de
faces, bem como permanecer ou fugir de uma determinada situação social.
Já o córtex somatosensorial direito, está relacionado à empatia e com a
simulação ou comportamento adequado; enquanto que a insula, com a resposta
autonômica frente à interpretação dos signos sociais.
Estas estruturas neurológicas também influenciam nos comportamentos
autonômicos do ser humano, como nas reações endócrinas desencadeadoras de
reações involuntárias, como, por exemplo, a sudorese e o aumento da respiração.
Ou seja, o indivíduo ao se deparar com uma situação de extremo estresse pode
apresentar comportamentos que independem do seu controle e que perante as
normas sociais não está adequado com o instituído.
Estes achados estão de acordo com a cognição social, pois tratam de um
mecanismo específico pelo qual adquirimos, representamos ou memorizamos os
valores de nossas ações, condutas e representações de todos os estímulos
provenientes do social.
Podemos relacionar estes achados das funcionalidades neurológicas, assim
como sua influência na cognição social e nas condutas antissociais, anteriormente
citados, com o que nos afirma Butman e Allegri (2001, p. 275), reiterando que ―estas
estruturas cerebrais atuam como mediadores entre as representações perceptuais
dos estímulos sensoriais e a recuperação do conhecimento que o estímulo pode
ativar.‖
Ademais, cabe ainda explicitar que nenhuma estrutura funciona
separadamente. O cérebro funciona em constante interação, logo, além as
estruturas anatômicas nesta pesquisa descritas, as demais estruturas neurológicas
têm papel fundamental para que as áreas trabalhadas consigam funcionar
plenamente.
Em suma, não podemos dizer que há uma única localização funcional ou um
único fator responsável pelo déficit na cognição social, pois o cérebro inteiro
participa na elaboração das condutas adaptadas ou não. No caso da cognição social
— responsável nas condutas antissociais — não é diferente. Podemos afirmar que
se trata do ser humano funcionando em suas bases psiconeurobiológicas no
convívio social, validando a diversidade de fatores e a integração do ser humano,
ser social.
33
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