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Daniela Figueiredo Moreira Hoffmann
A construção de um padrão estético ideal em revistas femininas
* Este trabalho, orientado pelo professor Leonel Aguiar, é resultado de um estudo realizado quando Daniela Figueiredo Moreira Hoffmann terminava o curso de Comunição Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atualmente, Daniela é formada em Jornalismo e Ciências sociais, tem curso de pós-graduação em Educação a Distancia e é mestre em Estudos da Infância.
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SUMÁRIO
DEDICATÓRIA......................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 4
CAPÍTULO I - Meios de comunicação como disseminadores de idéias e padrões de comportamento.............................................................................................................
5
CAPÍTULO II - “Ditadura da beleza”: a preocupação com a aparência física........... 8
CAPÍTULO III - Meios de comunicação e a “ditadura da beleza” feminina............ 10
CAPÍTULO IV - A construção de um padrão estético ideal em revistas femininas... 12
4.1 - A padronização da beleza............................................................................... 16
4.2 - O combate...................................................................................................... 18
4.3 - Em busca da árvore da juventude.................................................................. 21
4.4 - Em busca de um modelo: famosas como referência do padrão de beleza..... 24
4.5 - Esforço pessoal e responsabilidade do indivíduo: basta querer!.................... 25
4.6 - Imediatismo: você pode e pode imediatamente............................................. 27
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 28
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 31
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Dedico este estudo à minha família, base e fundamento da minha vida, e
ao meu querido irmão, que permanece vivo em doces lembranças e
pensamentos.
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Introdução
É interessante o modo como, de alguma maneira, a beleza passou a ser em alguns
momentos uma exigência social. E os meios de comunicação parecem importantes
instrumentos no processo de difusão desses ideais e modelos de beleza. A mídia
constantemente nos bombardeia com dicas de beleza e imagens de modelos ideais que
devemos seguir.
Alguns sinais da preocupação com a aparência são passíveis de constatação. Basta, por
exemplo, verificar a existência de um índice elevado de academias de ginástica, de clínicas
de cirurgia plástica e a quantidade de oferta de produtos de beleza à venda no mercado. A
grande quantidade de revistas de beleza que existem, hoje, no mercado editorial também
pode de algum modo ser visto como um sinal do que alguns autores chamam de
“corpolatria” ou da importância da aparência física.
Miriam Goldenberg (2002), ao estudar o contexto brasileiro, afirma que a preocupação com
a aparência e a juventude ganhou uma dimensão social inédita e passou a ser disseminada
por todas as classes econômicas e faixas etárias. Na segunda metade do século XX,
segundo a autora, o culto ao corpo ganhou uma dimensão social muito grande. A obsessão
com a magreza, as cirurgias plásticas, as academias de ginástica são, para a autora,
evidencias da importância que a aparência ganhou nos tempos atuais.
Um dos objetivos deste estudo é analisar de que modo as revistas femininas constroem um
padrão estético de beleza para a mulher. O que se vê nas revistas, anúncios publicitários e
na televisão são mulheres cada vez mais parecidas, com tipos padronizados e muito
similares. O objetivo, portanto, é tentar pensar de que forma as revistas femininas
constroem um padrão de beleza feminina ideal.
Para pensar a relação entre meios de comunicação e a chamada “ditadura da beleza”, o
presente trabalho faz uma análise do discurso de reportagens veiculadas em revistas
dirigidas ao público feminino cujo tema principal ou um dos temas principais é a beleza da
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mulher - Corpo a Corpo, Boa Forma, Nova e Claudia -, publicadas no mês de março de
2007.
I. Meios de comunicação como disseminadores de idéias e padrões de comportamento
Os meios de comunicação assumiram papel significativo na sociedade, já que, no mundo
atual, é geralmente a eles que recorremos quando queremos nos informar, nos entreter ou
nos orientar sobre determinado assunto. Hoje em dia pode-se afirmar que as novas formas
de comunicação, surgidas no século XIX / XX, têm em comum o fato de estabelecerem
contato direto com o público, substituindo, muitas vezes, as instituições tradicionais de
socialização, como a Igreja, a escola, a família e o Estado (Babo e Jablonsky, 2002).
Umberto Eco (1987) apresenta os principais pontos apontados por autores que fazem a
defesa da chamada cultura ou comunicação de massa, aos quais Eco chamou de integrados.
Segundo a visão desses pensadores, os veículos de comunicação são instrumentos de
democratização e disseminação da cultura e da informação, que até então circulavam
apenas entre alguns grupos minoritários. Assim, segundo este ponto de vista, os veículos de
comunicação possibilitam que ocorra socialização da informação e dos bens culturais. Eco
(1987) enumera ainda as principais acusações contra os veículos de comunicação,
apontadas por importantes autores. Um deles é Theodor Adorno, teórico da Escola de
Frankfurt, que junto com Max Horkheimer criou o termo indústria cultural para se referir
aos veículos midiáticos que, para ele, tem como principal atividade a produção e
exploração de bens culturais com fins lucrativos e mercantis. Assim, a visão apocalíptica,
segundo o autor, concebe a indústria cultural como um projeto de dominação e alienação
das massas. Os meios de comunicação seriam, portanto, um instrumento de imposição e
disseminação da ideologia dominante.
Segundo Giovandro Marcus Ferreira (2001), entretanto, a teoria crítica elimina, no processo
de massificação, a possibilidade de uma postura contestadora e crítica dos indivíduos. Ao
contrário, defende que ocorre uma certa adesão das idéias e valores propagados, sem que
haja reação dos indivíduos às proposições emanadas pela indústria cultural. Ferreira (2001)
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apresenta ainda uma outra fragilidade teórica apontada pelo sociólogo John Thompson
acerca da teoria crítica. Para Thompson, não é evidente que os indivíduos ao consumirem
os produtos dos veículos de comunicaçç aderem sem crítica e reação à ordem social. Uma
coisa é dizer que os produtos são padronizados, outro é dizer que aqueles que consomem
tais produtos apenas os reproduzem, de forma acrítica. Para efeito deste estudo, levaremos
em conta o fato de que as pessoas são uma audiência ativa e, portanto, participam do
processo de negociação dos significados do conteúdo midiático.
Os debates em torno dos meios de comunicação são bastante contraditórios e
diversificados. Mas todos parecem demonstrar que os meios de comunicação são
importantes instrumentos de disseminação de valores e idéias e, por isso, assumiram papel
significativo na sociedade atual. Segundo Rüdiger (2001), os pensadores da Escola de
Frankfurt desde já perceberam que instituições tradicionais, tais como a família e a escola,
estavam perdendo sua influência socializadora para os veículos de comunicação.
Atualmente, os meios de comunicação colocam a sociedade frente a um amplo repertório
de idéias, emoções, escolhas, imposições e práticas. E constroem, ao mesmo tempo, um
universo ideológico, composto por representações sociais que são elaboradas, construídas,
repetidas e transformadas pela veiculação dos textos e imagens de anúncios publicitários,
jornais, novelas, revistas, noticiários, filmes, etc. A produção de idéias, padrões e modos de
viver apresentados pela indústria cultural influencia o imaginário da sociedade que a
recebe. Desta forma, os meios de comunicação ganharam na contemporaneidade um papel
central na disseminação de ideais e de estilos de vida (Everardo, 2001).
As representações e imagens que habitam nosso imaginário formam uma espécie de texto
ou roteiro com o qual encenamos a experiência cotidiana. As mensagens veiculadas pela
mídia podem ser pensadas como um discurso que é detentor de grande potencial para
revelar o imaginário cultural e é capaz de disseminar ideologias e impor consensos
(Everardo, 2000). É importante analisar os meios de comunicação para entender a cultura
contemporânea. Ao analisar os discursos dos conteúdos transmitidos pelos meios de
comunicação podemos enteder muitos aspectos culturais e sociais de grande relevância.
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Como afirma Everardo Rocha, “o universo de especulação simbólica que a Comunicação
de Massa projeta é, provavelmente, a mais formidável máquina de criação do imaginário
coletivo de nosso tempo” (Rocha, 1995: 24).
Falar de mídia, entretanto, implicar falar de consumo. Everardo Rocha (2001) em um
estudo sobre a identidade feminina nos anúncios publicitários defende que, na cultura
contemporânea, são os meios de comunicação de massa e o marketing as instâncias que
patrocinam o processo que permite a experiência do consumo. Ele afirma que são os meios
de comunicação que classificam e oferecem sentido aos produtos, que fornecem o código
cultural que transforma cada produto em uma necessidade. “(...) É a decodificação das
mensagens veiculadas pela mídia que formata a experiência das práticas que entendemos
como consumo. Nesse sentido, o sistema simbólico formado pelos meios de comunicação
organiza o comportamento do consumidor (...)” (Everardo, 2001).
A mídia adquiriu um grande poder de influência sobre os indivíduos, expandiu o consumo
de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da identidade tanto para
homens quanto para mulheres. Os meios de comunicação, sem dúvida, possuem um papel
central no que se refere à disseminação desses padrões estéticos que são construídos e
assimilados pelos indivíduos (Goldenberg, 2002).
Santos e Jablonsky (2003) afirmam que uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos
sobre Mídia e Política (UnB) na década de 1990 revela que a maior fonte de suprimento de
informações para crianças entre 6 e 14 anos era a TV (75%), seguida de jornais (52%),
revistas (52%) e Internet (50%). Pais e amigos vêm depois. Deste modo, a transmissão
cultural e a transmissão de valores têm deixado de ser ensinadas pela família e pela escola
para se basear na relação que as crianças e os adolescentes estabelecem com as redes
midiáticas.
A TV, e mesmo outros veículos de comunicação, como revistas, são altamente atraentes e,
por isso, mobilizam e exercem um grande fascínio em adultos e crianças, jovens e idosos.
Estes meios se transformaram de simples aparelhos eletrodomésticos em poderosos agentes
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de transformação das relações familiares. Nas classes média e alta, no Brasil, por exemplo,
não é difícil encontrar dois ou três aparelhos de TV numa mesma casa. Assim, a
convivência e o compartilhamento de momentos entre os membros da família são
substituídos, em certa medida, por produtos televisivos de qualidade e ética bastante
questionáveis (Santos e Jablonsky, 2003).
Tais pesquisas demonstram justamente que os veículos midiáticos estão aumentando
significativamente a sua influência no cotidiano social e revelam a grande participação que
eles têm na vida da sociedade, tanto como disseminadores de ideais, quanto como
construtores de padrões e modelos. Diante de toda essa influência, a qualidade dos
programas exibidos pela televisão tem sido extensamente debatida e estudada, em seus
diferentes gêneros – programas jornalísticos, esportivos, de auditório, humorísticos,
novelas, filmes, musicais, desenhos animados, etc.
O estudo do espaço midiático abre um importante canal para a compreensão da
contemporaneidade e a discussão dos modelos de relações, comportamentos e expressões
ideológicas da nossa sociedade. O mundo retratado pela mídiamuitas vezes parece um
mundo fantasioso e ideal: compõe-se de prazer e desfrute absolutos, onde, por exemplo, a
criança está constantemente sorridente e satisfeita, a mulher, belíssima, desejosa e sedutora,
e o homem, bem-sucedido e viril. (Santos e Jablonsky, 2003). É um mundo mágico e
sedutor.
II. “Ditadura da beleza”: a preocupação com a aparência física
O corpo, como demonstra José Carlos Rodrigues é apropriado pelas mais diversas
sociedades como um sistema de expressão. Em “Tabu do corpo”, Rodrigues chama a
atenção para o fato de que o corpo humano é socialmente concebido. Segundo ele, o corpo
é um sistema simbólico que revela as representações de uma sociedade.
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(...) a Cultura dita normas em relação ao corpo; normas a que o indivíduo tenderá, à custa de castigos e
recompensas, a se conformar, até o ponto de estes padrões de comportamento se lhe apresentarem
como tão naturais quanto o desenvolvimento dos seres vivos (...). (Rodrigues, 1980, p. 45).
Portanto, para o autor, ao corpo se aplicam crenças e sentimentos que estão na base da vida
social. O corpo é um sistema de símbolos que revela inclusive o lugar que ocupamos
socialmente. Segundo Rodrigues, “(...) reconhecemos no nosso corpo e no das pessoas que
conosco se relacionam um dos diversos indicadores da nossa posição social e o
manipulamos cuidadosamente em função desse atributo” (Rodrigues, 1980: p. 45).
A estética corporal assumiu grande importância em muitas formações sociais nos tempos
atuais1. Como afirma Novaes (2001), a imagem, hoje, ganha uma importância decisiva.
Vivemos na era das imagens. Existir é ser visto, e o corpo passou a ser um passaporte para
a felicidade, bem-estar e realização pessoal. O culto ao corpo, como afirma Novaes, é
imposto na atualidade como um valor mercadológico a ser conquistado (Novaes, 2001).
Segundo Novaes (2001), hoje há uma hipervalorização da construção corporal, seja por
meio de cirurgias estéticas, pelas dietas, pela prática da musculação, etc. Apreendidas
inicialmente como uma disciplina, com o passar do tempo essas práticas, vão sendo
incorporadas ao cotidiano dos indivíduos.
Em “Perdidas no espelho? Sobre o culto ao corpo na sociedade de consumo”, a autora
defende que a proliferação das academias de ginástica, a grande quantidade de
anabolizantes que são consumidos, os produtos naturais que prometem saúde perfeita nos
levam a crer que o corpo passou a ocupar um novo lugar em nossa sociedade. A
preocupação com a aparência, no entanto, não é um fenômeno atual. Novaes (2001) nos
lembra que historicamente as pessoas sempre se preocuparam com a aparência. O que
mudou na contemporaneidade foi que as pessoas passaram a ser responsáveis por ela. Se,
no passado, a natureza podia ser culpada pela falta de beleza, hoje a culpa recai sobre o
1 Reconheço as limitações de utilizar expressões como “tempos atuais”, “contemporaneidade”, “atualmente”, “contemporânea”, “sociedade atual”, já que há grande diversidade de formações sociais. No entanto, quando utilizar tais termos, estarei me referindo às formações sociais capitalistas, regidas sob a lógica do consumo, em que os meios de comunicação possuem um papel importante nas dinâmicas culturais e sociais, como é o caso do Brasil.
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próprio indivíduo. A multiplicação das técnicas corporais e a difusão cada vez maior de
modelos de beleza provocaram uma pressão ainda maior. O indivíduo é agora responsável
por moldar o seu próprio corpo. Sua beleza e aparência são vistos como um dever e uma
responsabilidade própria.
O mercado editorial parece nos alertar para o novo espaço ocupado pela aparência física.
São inúmeras as revistas especializadas que ensinam-nos qual corpo que se deve ter e
desejar e como atingir esse ideal. Nas capas das revistas, mulheres que materializam o
modelo ideal de beleza a ser alcançado. Hoje, muitos autores falam em “cultura do corpo”
ou “corpolatria” para definir esse fenômeno (Novaes, 2001). Jurandir Freire Costa, em “O
vestígio e a aura – corpo e consumismo na moral do espetáculo” (2004), diz, citando Guy
Debord, que o dilema moral da contemporaneidade não é mais o da escolha entre “ser” e
“ter”, porém o da escolha entre “ser” e “parecer”. O indivíduo comum esgota seus prazeres
e dias no trabalho obsessivo de tomar posse do corpo perfeito, que nada lhe garante, exceto
a fantasia de pertencer a um mundo do qual está, na realidade, excluído, já que o corpo
ideal dificilmente será alcançado.
III. Meios de comunicação e a “ditadura da beleza” feminina
A mídia é uma das responsáveis por construir códigos culturais que fornecem padrões para
se pensar a própria identidade do indivíduo. “As identidades, tanto do homem quanto da
mulher, se traduzem na mídia pelos seus aspectos relacionais, gramaticais, como códigos
ou padrões onde a sociedade cruza idéias, estilos, práticas e nelas aloja atores sociais”
(Everardo, 2001, p. 19). Segundo Santos e Jablonsky (2003) os meios de comunicação têm
profundo impacto sobre a percepção dos indivíduos sobre si mesmos, o que muitas vezes
cria distorções e limitações sobre o que é considerado normal e aceitável.
Já desde a programação infantil, a televisão mostra imagens padronizadas e diferenciadas para
descrever os interesses e comportamentos de meninos e meninas, influenciando as crianças na
formação da visão sobre os papéis que homens e mulheres ocupam na sociedade. (Santos e Jablonsky,
2003, p. 45).
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Novaes (2001) acredita que a utilização do corpo como objeto por parte dos meios de
comunicação é ainda mais abusiva em relação ao corpo feminino, ainda que a figura
masculina não esteja ausente dos apelos dos meios de comunicação. Embora o número de
homens freqüentadores de academias vem aumentando, a presença feminina nesses espaços
ainda é esmagadora. Nos discursos sobre a mulher, como defende Novaes, é freqüente
encontrar a idéia de que a imagem e a beleza são fundamentais, e está ligada à própria
construção da feminilidade. A mulher deve se cuidar, ser feminina, ser sedutora e ser
atraente. Assim, a beleza passa a ser uma marca da identidade feminina. A mulher deve ser
bonita, trata-se de uma exigência (Novaes, 2001). Segundo Novaes (2001), para a mulher, a
beleza é representada como um dever cultural. A imagem da mulher pública é sempre
associada a sua aparência, apresentação e atração. “A imagem da mulher na cultura
confunde-se com a da beleza. Este é um dos pontos mais enfatizados no discurso sobre a
mulher – a mulher pode ser bonita, deve ser bonita – do contrário não será totalmente
mulher” (Novaes, 2004: 74.)
Para Costa (2004), a cultura do corpo, ou culto ao corpo, fez da aparência física um
referente privilegiado para a construção das identidades pessoais. Referir o sentimento de
identidade ao corpo significa definir o que somos e devemos ser, a partir de nossos
atributos físicos.
Na propaganda e na mídia em geral, os estereótipos de papéis sociais e, principalmente, dos
papéis de gênero, são abertamente reforçados. A existência de um modelo estético ideal
veiculado nos meios de comunicação oprime e gera sentimento de inferioridade em
mulheres e homens que não se enquadram nesse padrão de beleza exposto pela cultura de
massa. São inúmeros os indivíduos correndo atrás de uma imagem corporal idolatrada,
fabricada para ser desmontada em pouco tempo. (Santos e Jablonsky, 2003).
Com respeito à auto-imagem sexual dos jovens, a força da influência da mídia exerce igualmente um
impacto que pode suplantar o das interações familiares. A exposição a imagens de personagens
especialmente atraentes pode também causar impacto no julgamento desses telespectadores quanto à
beleza e atratividade física das pessoas à sua volta (...). (Santos e Jablonsky, 2003).
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A exposição a imagens de personagens atraentes pode causar um significativo impacto no
julgamento dos espectadores quanto à beleza e à atração física das pessoas ao redor.
Kenrick e Gutierres, psicólogos americanos, demonstraram em sua pesquisa que estudantes
universitários do sexo masculino foram muito mais severos em seu julgamento sobre a
aparência de alunas universitárias mostradas em fotografia imediatamente depois de terem
assistido a um programa de televisão que apresentava mulheres muito atraentes (Santos e
Jablonsky, 2003).
IV. A construção de um padrão estético ideal em revistas femininas
A primeira revista de que se tem registro foi publicada em 1663, na Alemanha, e chamava-
se Erbauliche Monaths-Unterredungen (ou Edificantes Discussões Mensais). Dentre as
revistas femininas atuais destaca-se a revista Cosmopolitan, a qual existe até hoje e é
publicada em vinte e cinco diferentes idiomas. No Brasil, ela se chama Nova. A revista
surgiu a partir de um livro escrito pela secretária Helen Gurley Brown e chamado Sex and
the Single Girl (O Sexo e as Solteiras). O sucesso deste livro foi tão grande que, em 1962, a
escritora propôs a um editor o projeto de uma revista com os mesmos temas abordados em
sua obra. Criou-se, então, a revista Cosmopolitan (Scalzo, 2000).
A primeira revista brasileira voltada para mulheres no país foi O Espelho Diamantino,
fundada em 1827. Era um periódico de política, literatura, belas artes, teatro e modas
dedicado às senhoras brasileiras, que trazia textos leves e didáticos sobre política nacional e
internacional, trechos de romances estrangeiros, críticas de literatura, música, belas-artes,
teatro e notícias sobre moda, além de crônicas e anedotas. A partir de então, em Recife, São
Paulo e Rio de Janeiro, as publicações femininas multiplicaram-se (Scalzo, 2000).
No final dos anos 1980, foram lançadas diversas revistas dedicadas ao público feminino,
cujo tema central é o corpo e sua beleza, tais como “Corpo a Corpo”, “Nova beleza” e
depois a revista “Boa Forma”, entre outras. As dietas, os exercícios e as dezenas de
tratamentos de beleza entratam como agendamento da imprensa feminina (Petterle, 2005, p.
30).
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Segundo o Instituto de pesquisa IPSOS-Marplan, que faz estudos de veículos de
comunicação, 40 dos 85 títulos de revistas pesquisados são estritamente voltados para o
público feminino. As revistas deste segmento com maior número de leitoras, em 1999,
eram “Claudia”, “Marie Claire” e “Nova” (Petterle, 2005, p. 30).
O conteúdo das revistas é recheado de dicas para fazer a mulher se tornar mais atraente e
bela. Nas revistas femininas, sobretudo se incluirmos a publicidade como parte do conteúdo
editorial, “talvez se possa dizer que beleza e moda dominem pelo menos uns 70% das
páginas publicadas. Basta darmos uma breve folheada em revistas como ‘Marie Claire’,
‘Claudia’ ou ‘Elle’, sem falar nas já citadas ‘Boa Forma’ e ‘Corpo a Corpo’”. (Petterle,
2005, p. 30).
O mesmo estudo do Instituto de pesquisa IPSOS-Marplan aponta que do universo de
pessoas que consomem algum tipo de mídia, 53% são mulheres. Sendo que seis entre cada
dez mulheres declaram o consumo de revistas. Veja (16%) é o título com maior número de
leitoras, seguido por Claudia (9%). A pesquisa revela também que 73% das mulheres
consomem revistas femininas. Ainda segundo o instituto, o perfil de leitoras das maiores
revistas femininas, que são Claudia, Marie Claire e Nova é de mulheres entre 20 e 39 anos,
de classe A/B. No que se refere à revista Claudia, 85% das leitoras são mulheres, 64% são
da classe A/B e 51% tem entre 20 e 30 anos. Já a respeito das leitoras de Nova, 84% são
mulheres, 68% são da classe A/B e 58% tem de 20 à 30 anos (Petterle, 2005).
A fim de tentar pensar a questão da construção da imagem feminina nos veículos de
comunicação, será feita uma análise de discurso do conteúdo de reportagens veiculadas em
revistas dirigidas ao público feminino cujo tema principal ou um dos temas principais é a
beleza da mulher. Será feita análise ainda de que tipo de padrão de beleza é exposto nas
capas das revistas e ilustram as matérias e reportagens dessas publicações, a fim de
entender qual é o modelo ideal de beleza proposto por essas revistas. Para tal, o objeto de
análise serão as edições publicadas no mês de março das revistas Boa Forma, Nova,
Cláudia e Corpo a Corpo, já que são algumas das mais conhecidas e vendidas revistas do
segmento.
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A Boa Forma é uma revista mensal, publicada pela Editora Abril, fundada em 1985. A
tiragem da publicação é de 297.580 exemplares, sendo que a estimativa do número total de
leitores é de 1.509.000, com base nos estudos Marplan Consolidado 2006, disponíveis no
site da editora. Entre seus leitores, 58% têm idade entre 20 e 39 anos, podemos dizer então
que é um perfil relativamente jovem. Outro dado interessante é que, apesar de ser uma
revista que fala exclusivamente sobre a mulher e que é voltada diretamente para esse
público, a Boa Forma tem 20% dos seus leitores do sexo masculino. Do total de seu
público, 24% pertencem à classe A, 41% à classe B e 28% à classe C. Interessante notar
que, mesmo a revista apresentando tratamentos e produtos de beleza considerados caros e
acessíveis apenas à classe A, esta é a menos participativa no total de leitores.2
A Corpo a Corpo é publicada mensalmente pela Editora Símbolo e foi fundada em 1987. A
descrição da revista feita pelo site da editora é a seguinte:
Corpo a Corpo é a mais completa, bonita, glamourosa e atualizada revista feminina de beleza do país,
feita sob medida para mulher ficar bonita, jovem e saudável por mais tempo. Todo mês, traz as últimas
novidades sobre beleza, maquiagem, cabelo, pele, dieta, nutrição, moda, ginástica e saúde. Uma revista
atual feita para a mulher antenada, que sabe o quanto beleza é fundamental na vida contemporânea3.
A partir desse texto fica impossível negar a exaltação à beleza feita pela publicação. De
acordo com dados do mesmo site, a tiragem é de 124.100 exemplares, e a estimativa de
leitores fica em torno de 220.000. Ainda de acordo com a editora, o público alvo da revista
são as mulheres das classes A e B e que tenham entre 18 e 29 anos. Ou seja, o perfil é ainda
mais jovem na Corpo a Corpo e também mais restrito. É possível presumir, a partir dos
dados, que as meninas estão cada vez mais cedo se interessando pela incansável busca pela
perfeição estética. Segundo a revista, o perfil de suas leitoras é de mulheres “ligadas no
visual e, por isso mesmo, interessadas em tudo a respeito de beleza - pele, cabelo,
maquiagem, fitness, dieta e saúde. Mulheres que querem saber tudo sobre estes mercados,
pois estão sempre ávidas por informações e novidades que possam beneficiar seu corpo
e/ou rosto. Leitoras que vêem, no corpo esteticamente agradável, uma forma de poder,
2 Disponível no site http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=7, acessado em Abril de 2007 3 Disponível no site http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=7, acessado em Abril de 2007
15
sedução, força e auto-estima”. Ainda no site da revista, é possível encontrar dados a
respeito dos hábitos e do consumo das leitoras da Corpo a Corpo. Alguns são
extremamente significativos: em relação ao consumo, 86% dele está ligado à beleza e
apenas 56% à saúde; entre as entrevistadas, 76% afirmaram que pretendem fazer cirurgia
no corpo ou no rosto. 4
A revista Nova, publicada mensalmente, pertence à Editora Abril e foi fundada em 1972.
Ela faz parte da rede Cosmopolitan internacional, que é a revista feminina mais vendida no
mundo atualmente.5 A Nova é uma revista que atende a uma demanda das mulheres do
século XXI por assuntos relacionados principalmente ao sexo. Segunda descrição do site da
Editora Abril, a “Nova incentiva e orienta a mulher na busca pela realização pessoal e
profissional. Estimula a ousadia e a coragem para enfrentar os desafios, a busca pelo prazer
sem culpa e a construção da auto-estima e da autoconfiança.”
O total de leitores da revista é de 1.111.000, e a tiragem é de 328.500 exemplares. Ainda
segundo dados do site, 76% dos leitores têm idade entre 18 e 49 anos. Entre os leitores,
16% são homens e 84% são mulheres. Outro dado diz respeito ao perfil da classe social:
25% pertencem à classe A, 46% à classe B e 21% à classe C.6 Apesar de não ser uma
revista exclusivamente voltada para a estética feminina, como as outras duas, a Nova
também exalta um modelo ideal de beleza, a começar pelas mulheres escolhidas para as
capas. São sempre mulheres famosas, consideradas bonitas, e super produzidas, em trajes
mínimos, que evidenciam as formas “esculturais”.
A Claudia é uma revista mensal publicada pela Editora Abril, e foi lançada em
1961. De acordo com o site da publicação, a tiragem da revista é de 523.200 exemplares,
sendo que a estimativa do número de leitores é de 1.974.000, com base nos estudos da 4 Disponível no site http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5340-1.asp, acessado em Abril de 2007. 5 Disponível no site http://www.jornalismo.ufsc.br/redealcar/anais/gt1_impressa/corpo%20e%20midia%20-%20fragmentos%20hist%F3ricos%20da%20imprensa%20feminina%20n.doc, acessado em Maio de 2007. 5 Disponível no site http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=32, acessado em Maio de 2007
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Morplan Consolidado 2006. De todas as revistas analisadas, Claudia é a que apresenta
maior variedade no conteúdo. A beleza, entretanto, é um assunto bastante recorrente, que
ganha sessões como “Fique mais bonita”, “Balcão de beleza”, “Aula de beleza” e “Consulta
de beleza” e ainda ganha espaço em algumas matérias no interior da publicação. Em
relação ao perfil dos leitores da revista Claudia, 49% têm entre 18 e 39 anos. Sendo que
86% dos leitores são do sexo feminino. Em relação às classes sociais que consumidora,
25% são da classe A, 39% da B e 28% da classe C.
4.1. A padronização da beleza
O que chama a atenção nas revistas dirigidas ao público feminino é que parece existir um
padrão de beleza exaltado, que é apontado como o modelo ideal a ser seguido pelas leitoras.
Não são raros os momentos em que as matérias exaltam as características do corpo e da
aparência perfeitos.
(...) Não basta ser uma profissional de sucesso, uma mãe dedicada, uma esposa comprometida com a
saúde do relacionamento – todos imperativos midiáticos contemporâneos. É preciso também ter seios
na medida certa, nádegas firmes, pele lisa, cabelos sempre brilhantes e sem fios brancos, barriga
modelada. (Petterle, 2005, p. 32).
Um aspecto interessante é que os padrões freqüentemente anunciados como modelos de
beleza ideais reportam-se à modelos fotográficos. Eles são apresentados como
representantes de uma estética da perfeição. É belo o corpo cirúrgico, esculpido, fabricado e
produzido (Novaes, 2001). Miriam Goldenberg e Marcelo Silva (2002), em uma pesquisa
com homens e mulheres das camadas médias do Rio de Janeiro apontam que o corpo
desejado é apontado como o corpo “malhado”, “sarado”, “trabalhado”.
Como afirma Novaes, as imagens veiculadas através dos meios de comunicação
disseminam justamente o modelo de beleza ideal: corpos trabalhados e jovens. “As imagens
refletem corpos super trabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro ou
corpos medicalizados, lutando contra o cansaço contra o envelhecimento ou mesmo contra
a constipação”. (Novaes, 2004, p. 11).
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Na reportagem da própria revista Boa Forma “Dê um up nele”, o assunto é o aumento da
procura pelo implante de prótese de silicone no bumbum. A matéria diz: “(...) ótima notícia
para algumas de nós, que, apesar da nacionalidade, não nasceram com o bumbum bem
recheado e, por causa do tipo físico, os exercícios podem ajudar pouco. É o seu caso?
Então, saiba o que o avanço da medicina estética pode fazer por você” (p. 101). Interessante
perceber que em todas as revistas, assim como na Boa Forma, o tratamento para com a
leitora apresenta-se de forma intimista, por meio da utilização do pronome na segunda
pessoa do singular e da utilização de uma fala bastante usual e coloquial. O que chama a
atenção nesta reportagem é que o “bumbum recheado” aparece como algo a ser buscado por
aquelas leitoras que, naturalmente, não o possuem. Mais uma vez o bumbum bem
desenhado e farto é evidenciado como um modelo a ser atingido.
Já a matéria da revista Corpo a Corpo com a modelo da capa (Ver anexos), Luciana
Gimenez faz uma descrição significativa da beleza da apresentadora, que nos ajuda a pensar
o ideal de beleza construído pelas revistas femininas. Diz a matéria: “(...) mulherão de
pernas bem torneadas, barriga sequinha, seios firmes e curvas bem marcadas (...)” (p. 38).
Assim, o corpo trabalhado aparece como aquele que apresenta um bumbum firme e
empinado, barriga sarada, pernas firmes e bem trabalhadas.
A hegemonia do padrão estético veiculado nos meios de comunicação é representada por
mulheres jovens, brancas e magras. Tão logo aprendem a reconhecer a própria imagem no
espelho, as pessoas passam a perseguir o ideal de beleza física do momento, hoje marcado
pela cintura fina, as pernas esguias e o corpo quase esquálido (Santos e Jablonsky, 2003).
A magreza aparece como uma das exigências para se enquadrar nos padrões estéticos
ideais. Na revista Boa Forma, a matéria intitulada “Barriga chapada com 5 exercícios” (Ver
anexos) apresenta alguns exercícios para manter a barriga “sequinha”. O texto da
reportagem diz:
Dizem os filósofos que a gente não pode fazer só o que gosta. Tudo bem que fitness não é bem a praia
deles, mas quase ninguém ama fazer abdominais. Mas não dá para negar: eles são absolutamente
necessários. Tanto para você conquistar uma barriguinha seca, desenhada, linda, como para ter postura
de bailarina. (p. 32).
18
Importante notar que fazer abdominais é apresentado como algo “absolutamente
necessário”. A descrição da barriga como sendo “seca, desenhada e linda” indica o modelo
de corpo ideal que deve ser buscado pelas leitoras. O famoso “pneuzinho” é sempre visto
como algo indesejado.
Na capa da revista Claudia (Ver anexos) uma das chamadas diz: “Morta de preguiça de
entrar em forma? Um programa para enxugar medidas feito para você”. Repare que o termo
“estar em forma” é utilizado como sinônimo de diminuir medidas, ou seja, estar magra. E
enxugar medidas aparece como algo já dado como um desejo das leitoras.
Mas não é só a magreza que se apresenta como um dos pré-requisitos para se encaixar no
modelo ideal de beleza. Basta percorrer as páginas das revistas e observar as modelos que
posam para as fotos. Geralmente são donas de cabelos longos, brilhosos e lisos, pernas
finas e trabalhadas, nariz pequeno, pele lisa e sem mancha, seios firmes e redondos,
bumbuns empinados e durinhos, cintura fina, barriga chapada e lábios grossos. O modelo
de beleza atinge desde as pernas e os quadris até os fios do cabelo. Nada escapa da
padronização.
A revista Nova, cuja capa traz a atriz Paola Oliveira em uma pose sensual e provocadora,
traz uma reportagem intitulada “Cabelo propaganda” (Ver anexos), em que modelos de
comerciais de xampu revelam seus segredos e dicas para manter seus cabelos sempre
“deslumbrantes”. Na reportagem, as modelos das propagandas aparecem como modelos
ideais daquilo que deve ser alcançado por todas as mulheres. Conforme apontam a
reportagem e as modelos, o cabelo ideal deve ter brilho e balanço e deve ser hidratado. Ao
contrário, não pode ser nem ressecado e nem oleoso, não pode estar danificado e nem ter
pontas duplas.
4.2. O combate
Além do padrão de beleza exaltado, a análise das publicações aponta para um outro modelo
de beleza que é demarcado como algo que deve ser superado. Assim, ao mesmo tempo em
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que é exaltado o modelo estético ideal, é também depreciado qualquer outro tipo físico que
destoe da beleza padrão. De modo que, por exemplo, se a magreza é exaltada, o excesso de
peso é depreciado. Se a barriga “sequinha” é valorizada, o mesmo não ocorre com os
chamados “pneuzinhos”. Uma das chamadas da capa da revista Boa Forma (Ver anexos)
refere-se a uma dieta “contra as gordurinhas”, em que as refeições são feitas de três em três
horas. Na reportagem, uma das recomendações para se seguir a dieta é a seguinte:
Imagine-se linda. Esse exercício ajuda a tornar realidade o que deseja. Se você concentrar na gordura
que não quer, continuará com ela. Então, se enxergue com o corpo mais enxuto, dentro de um vestido
justo. (...) Você está sorrindo, feliz da vida. Faça esse exercício de visualização todos os dias
‘enxergando-se’ sempre numa situação positiva. (p. 79).
Podemos observar, no texto, que as gordurinhas aparecem como algo indesejado. O ideal
perseguido e exaltado é a magreza. Além disso, vemos que a felicidade parece ser
diretamente relacionada à posse de um corpo mais enxuto, quando se diz: “Então, se
enxergue com o corpo mais enxuto (...). Você está sorrindo, feliz da vida”. Como diz o
texto, imaginar-se em uma situação “positiva” é imaginar-se enxuta e esbelta.
Assim, como podemos perceber, a veiculação do padrão de beleza é tão intenso, que
qualquer desvio do padrão é apontado como uma espécie de transgressão. Novaes (2004)
aponta a feiúra como uma das mais penosas formas de exclusão social. Segundo a autora,
problemas como a má aparência são concebidos como uma transgressão moral, traduzindo
um modo inadequado de relacionamento com o corpo. A obesidade é, segundo ela, uma das
mais radicais formas de exclusão. “Carregada de estereótipos depreciativos, a gordura dá
lugar a magreza, que é, então, positivada e exaltada” (Novaes, 2004:106). Ser feio, de
acordo com a autora, é justamente não ter o corpo e a estética aceitos socialmente, ou seja:
ser jovem, ser magro e ser saudável.
O surgimento de inúmeras práticas corporais e técnicas de modelagem física aparece ancorado na
mesma idéia de autonomia e auto-regulação do sujeito com relação ao eu corpo, reforçando, com isso,
um comportamento de aversão aos corpos que desviam do padrão de beleza dominante. (Novaes, 2004,
p. 16).
20
Em todas as revistas analisadas dificilmente há uma imagem de mulher acima do peso. Ao
longo de toda a revista Corpo a Corpo, por exemplo, não há uma única imagem de mulher
acima do peso. Todas as modelos são magras e donas de uma barriga “sequinha”. A única
imagem de uma mulher acima do peso é a de Preta Gil, na sessão “Confissões de estrela – o
que as famosas pensam e fazem em nome da beleza”. A frase destacada de Preta Gil é:
“Não tem problema, eu sou mais gorda do que olho gordo”.
O vocabulário utilizado pelas revistas é ainda bastante elucidativo. A superação do corpo
que foge aos padrões estéticos ideais é tratada como uma espécie de guerra em que o
inimigo deve ser eliminado. É uma luta, um combate contra os adversários do corpo
perfeito e da beleza. As “gordurinhas” a mais são tratadas nas publicações como um
oponente que deve ser combatido e extinguido. Ao contrário, o corpo ideal aparece como
um aliado que deve ser conquistado.
Na sessão “Louca para saber” da revista Nova (Ver anexos), a matéria intitulada “Pílula
antibarriga” (Ver anexos) diz: “(...) o anúncio de um remédio que promete vencer vários
rounds na luta contra esse mal (a obesidade) moderno é mesmo motivo de comemoração”
(p. 42). Ainda no texto da matéria, faz-se referência aos conselhos de um médico dizendo
que “a fórmula mais eficaz para exterminar os pneuzinhos” é queimar as calorias
excedentes com malhação e diminuir o que se come. Expressões como “rounds na luta
contra esse mal moderno” e “exterminar os pneuzinhos” tratam o excesso de gordura na
barriga como uma espécie de inimigo da mulher, que devem ser eliminados. A superação
da gordura, por sua vez, é tratada como uma “luta” que deve ser combatida e vencida.
Assim, a análise do discurso das revistas feminas brasileiras indica que não só ocorre a
padronização do modelo ideal de beleza, ao qual as mulheres devem procurar se adequar,
como também é ocorre a padronização daquilo que deve ser combatido e superado.
21
4.3. Em busca da árvore da juventude
Um aspecto interessante que mostrou-se bastante recorrente nas revistas femininas
analisadas foi a exaltação da juventude em detrimento dos efeitos da idade. A juventude
aparece constantemente como um alvo a ser alcançado pelas leitoras. Voltar no tempo é
impossível, mas prevenir e ocultar as marcas da idade é apresentado como algo necessário.
O envelhecimento é, como vimos, freqüentemente apontado como um defeito que deve ser
superado e adiado. Ao contrário, a juventude e a jovialidade são exaltadas como ideais que
devem ser perseguidos pelas mulheres. Em sua análise sobre a representação da mulher em
anúncios publicitários, Petterle (2005) afirma que “a julgar pelos incontáveis anúncios de
cosméticos capazes de suspender a passagem do tempo, pode-se pensar que, mais do que
nunca, envelhecer é vergonhoso – estar sujeito à ação do tempo é prova de
‘incompetência’” (p. 31).
A capa da revista Corpo a Corpo traz a apresentadora e modelo Luciana Gimenez. Na
legenda encontram-se os seguintes dizeres: “Mais linda do que nunca, ela revela seus
segredos para driblar os efeitos da idade”. Na matéria que a revista traz sobre a modelo da
capa, Luciana revela seus segredos de beleza. E o texto começa dizendo: (...) Aos 36 anos
de idade esbanja juventude e um corpo invejável. Não é à toa. Ela se cuida, e muito!” (p.
37). Assim, podemos perceber que o não aparentar a idade é valorizado pela matéria.
Embora tenha seus 36 anos, a apresentadora não aparenta a idade que tem, e consegue
driblar as marcas da idades. Outro exemplo de como a juventude é valorizada em
detrimento dos efeitos da idade, aprece na revista Boa Forma. A publicação traz na sessão
“Pulo da gata”, a atriz Ana Paula Tabalipa, que revela o que faz para manter seu corpo,
mesmo depois de ser mãe de dois filhos. Diz o texto: “Aos 28 anos, 48 quilos e 1. 60 metro
de altura, ela parece uma menina” (p. 24).
Na sessão “Papo de academia” um outro exemplo. A revista revela o segredo da atriz e
cantora americana Jennifer Lopez para manter seu bumbum bem empinado e firme, mesmo
depois dos 34 anos. O texto diz: “Para manter cada milímetro de suas estonteantes curvas
22
no lugar, Jennifer Lopez malha com fé. Aos 34 anos, ela desafia a lei da gravidade ao
manter seu bumbum – avantajado, para os padrões dos Estados Unidos – firme e empinado.
O segredo é fazer exercícios localizados com carga pesada (...)” (p. 28). O esforço pessoal
aparece como pré-requisito para manter-se com o corpo “em cima” (ver capítulo) mesmo
na idade adulta. E manter-se com uma aparência jovem “desafiando até mesmo a lei da
gravidade” aparece como uma grande qualidade.
No que se refere à prevenção das marcas da idade, a reportagem com a modelo da capa da
revista Boa Forma, Isis Valverde, revela os segredos da atriz para prevenir desde já, aos 20
anos, futuros problemas com a pele. A matéria afirma: “A atriz sabe que é nova, mas, como
tem a pele sensível, optou por cuidar bem dela desde já, para prevenir manchas e rugas
(...)” (p. 68). Podemos observar que as rugas e as manchas da idade aparecem como
“inimigas” da juventude e, por isso, devem ser combatidas. A mulher que se cuida, como
parece defender a revista, deve manter-se com uma aparência jovem.
A reportagem da revista Nova, intitulada “A verdade sobre ter 30 anos”, é bastante
significativa para se pensar o modo como as revistas femininas apresentam a chegada de
alguns anos a mais de vida. A matérias traz a experiência da própria editora da revista
acerca de sua nova idade. Já no início do texto ela diz: “Ok, admito que fazer trintinha
significa 1 temer que o bumbum despenque de repente 2 achar que os pés-de-galinha vão
aparecer na festa sem ser convidados (...)” (p. 152). E ela continua:
(...) venho investigando cada centímetro do meu rosto em busca de uma dobra na pele suspeita, Aliás,
antes mesmo da inspeção, já havia adquirido meu primeiro creme anti-rugas. E mais outro para o
contorno dos olhos. Melhor me antecipar do que correr atrás do prejuízo... E, me diga, quem consegue
comer o bolo do próprio parabéns tranquilamente ao saber que o metabolismo vai ficar mais lento e....
que o jeans poderá não mais fechar? Esses fantasmas do espelho me assustam! (...). (p.152)
Pela leitura do fragmento, podemos perceber que a idade é apontada como um grande
problema, já que traz consigo rugas e uns quilos a mais. Assim, novamente neste exemplo,
vemos que, no que se refere à aparência física, a perda da juventude é apresentada como
uma grande inimiga e um problema a ser combatido. As marcas da idade, como o bumbum
23
caído, os pés-de-galinha, as rugas e o aumento do peso devem ser evitados. Na busca pelo
padrão estético ideal, a juventude aparece como outro pré-requisito que aparece como
indispensável para manter-se bela e com o corpo perfeito. Ao contrário, os efeitos da idade
aparecem como algo que deve ser evitado. Deve-se buscar a juventude ao menos na
aparência, ou seja, faz-se necessário ocultar as marcas da idade.
4.4. Em busca de um modelo: famosas como referência do padrão de beleza
A análise das revistas aponta para um fato interessante. As famosas aparecem em inúmeras
páginas como o modelo de beleza ideal a ser buscado pelas mulheres “comuns”. Nas
páginas das revistas, elas revelam seus segredos e dicas para manterem-se belas e “em
forma”. E justamente por corporificarem o padrão ideal de perfeição que, como assinalam
as revistas, devem ser seguidas e copiadas. São, portanto, espécies de espelho que devem
servir de exemplo para as leitoras. Na revista Corpo a Corpo, a matéria intitulada “Linda,
cheirosa e gostosa”, que traz dicas de produtos de beleza, diz: “Se você acha que incorporar
esses três adjetivos na sua vida é missão impossível, está enganada! Com o arsenal de
beleza certo para o seu cabelo e sua pele, dá sim para conquistar um visual de estrela” (p.
46). Repare que o “visual de estrela” é colocado como o ideal a ser alcançado pelas leitoras.
As “estrelas” aparecem como a corporificação do padrão de perfeição a ser conquistado
pelas demais mulheres.
Ainda na mesma revista, Corpo a Corpo, a matéria intitulada “Elas são as belas da vez”,
destaca as mulheres famosas que foram eleitas em diversas categorias de beleza pelas
próprias leitoras da revista. Logo no início, a matéria, que traz os segredos de beleza dessas
famosas, diz: “(...) inspire-se nesses exemplos” (p.74). Vera Fisher é apresentada como a
“eternamente linda”, Danielle Winits como aquela dotada da “plástica perfeita”, Cláudia
Raia como a dona do “corpão em forma” e Solange Frazão como um “exemplo para a vida
inteira”. Mais uma vez os exemplos que devem inspirar as leitoras e servirem de espelho
são os das mulheres famosas, as quais representam justamente a materialização o modelo
da aparência perfeita. Basta olhar a capa das publicações para observar que as modelos são
geralmente famosas em evidência no momento, que destacam-se também por sua beleza.
24
No interior da revistas, elas revelam o que fazem para manterem-se “em forma” e sempre
com a aparência perfeita. Na revista Corpo a Corpo, por exemplo, a apresentadora Luciana
Gimenez é a modelo da capa. Luciana é conhecida por sua beleza, inclusive faz propaganda
de um produto para emagrecimento e de outros diversos produtos de beleza. A matéria que
a Corpo a Corpo traz com ela no interior da publicação diz: “Confira os segredos, truques e
fraquezas (sim, elas as tem) dessa beldade que por onde passa desvia os olhares para si.
Também pudera...” (p.38). Assim, é como se a revelação das fraquezas, truques e segredos
servissem de espelho para que as leitoras pudessem, assim como a famosa, tornar-se bela e
dona de um corpo perfeito.
Já na revista Claudia, a modelo da capa é a jornalista de televisão Renata Vasconcellos, que
é chamada de “a bela das manhãs” pela revista. Na reportagem no interior da publicação,
Renata revela quais as marcas de cosméticos que prefere e como faz para manter o seu
corpo. Do mesmo modo, a revista Nova traz na capa a atriz Paola Oliveira, na época ela
atuava como protagonista de uma das novelas da Rede Globo. Dentro da revista, a atriz fala
do que faz para se cuidar de seu corpo e revela que fez uma lipo nas coxas que a deixou
bastante satisfeita. Assim, tanto Paola, quanto Renata revelam o que fazem para manter-se
segundo os padrões de beleza, revelam os caminhos que percorreram a fim de alcançar o
padrão ideal de beleza.
A revista Boa Forma traz na capa a atriz Isis Valverde. Na reportagem com Isis (Ver
anexos) são apresentados os segredos da atriz para manter-se “bela” e “em forma”. Ela
revela, por exemplo, seu cardápio, seus segredos de malhação e seu tratamento para a pele.
Isis parece ser apresentada como um modelo ideal a ser perseguido. Seus segredos são
revelados para que sirvam de exemplo para que as leitoras, assim com ela, possam
conquistar o corpo ideal e a beleza perfeita.
As dicas, receitas e truques das famosas estão por toda a revista. Desde o tratamento para o
fio de cabelos até o cardápio, quase todos os segredos são revelados para as leitoras. Os
exemplos são inúmeros. A revista Boa Forma traz na sessão “olho mágico” famosas
revelando seus segredos para aumentar seu pique na hora de malhar. Já na sessão “Fio
Maravilha” da revista Corpo a Corpo é revelado o segredo de atrizes, como Débora Secco e
25
Camila Pitanga, para recuperar a saúde de seus cabelos. Assim, como dito anteriormente, as
artistas são apontadas como as mulheres que por excelência materializam de algum modo
os arquétipos da aparência perfeita e, por isso, devem ser vistas como o alvo a ser atingido:
é com elas que deve-se parecer.
4.5. Esforço pessoal e responsabilidade do indivíduo: basta querer!
Basta folhear as revistas femininas para perceber que a mensagem transmitida encoraja as
leitoras a acreditar que elas podem, assim com as estrelas e modelos, ser belas, atraentes e
alcançar o corpo perfeito; é só querer. As técnicas, dicas e truques de beleza são inúmeros
e, portanto, basta a mulher se esforçar para conquistar a aparência desejada. Só não fica
bonita quem é relaxada, quem não se cuida e quem não quer.
A preocupação com a aparência, como afirma Novaes (2001) não é um fenômeno atual.
Entretanto, se historicamente as pessoas sempre se preocuparam com a aparência, hoje elas
são responsáveis por ela. Se no passado a natureza podia ser culpada, hoje a culpa recai
sobre o próprio indivíduo. A multiplicação das técnicas corporais e a difusão cada vez
maior de modelos de beleza provocaram uma pressão ainda maior. O sujeito é agora
responsável por moldar o seu próprio corpo. Sua beleza e aparência são vistas como um
dever e uma responsabilidade própria.
A matéria da revista Corpo a Corpo com a modelo da capa, Luciana Gimenez, diz: (...)
como toda mulher vaidosa, Luciana se cuida e não mede esforços para exibir-se l-i-n-d-a de
morrer” (p.38). Na mesma reportagem é evidenciado que a atriz mantém sua beleza por
meio de seu esforço próprio: “(...) ela malha, e muito!” (p. 38). E a reportagem frisa ainda:
“(...) A pele de menina, sem um sinal do tempo, olheiras ou manchas é resultado de seu
estilo de vida” (p. 40). Assim, a reportagem parece apontar para o fato de que é por meio de
um trabalho árduo que Luciana consegue manter-se em forma. O que pode significar que,
assim como ela, as leitoras também podem tornar-se belas, basta querer e se esforçar.
A reportagem da revista Boa Forma, intitulada “Cynthia Howleet: Beleza em dobro”
também apresenta um exemplo de como o esforço pessoal na busca pela aparência perfeita
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é ressaltado como algo indispensável. A matéria diz: “Grávida, a apresentadora está mais
bonita do que nunca. E não é para menos: ela pega firme nos exercícios e capricha na
alimentação. Assim é que se chega lá. Anote a receita” (p. 80). Veja que “pegar firme nos
exercícios” é o que garante que ela mantenha o seu corpo “no lugar”.
Além do esforço pessoal ser apontado como um pré-requisito para torna-se bela, é também
afirmado constantemente que é uma questão de vontade e responsabilidade própria manter-
se atraente. A beleza ideal pode ser conquistada, é só seguir rigorosamente as receitas e
dicas da revista. Basta desejar e se esforçar que se alcançará o corpo ideal e a beleza
perfeita. Uma das principais chamadas, em destaque, da capa da revista Nova é intitulada
“Beleza já!”. Logo abaixo tópicos a respeito do tema: “a nova pílula antibarriga”, “injeção
que paralisa as rugas pela metade do preço” e “segredos das modelos dos comerciais de
xampu” Abaixo dos tópicos os seguintes dizeres: “É ler e arrasar corações”. O título
“beleza já” parece evidenciar que basta querer para alcançar a beleza ideal: é só seguir as
dicas da revista, é só “ler para arrasar corações!”.
Além disso, o discurso parece afirmar que toda e qualquer mulher pode tornar-se bela, basta
desejar e se esforçar. Em todas as revistas pesquisadas, por exemplo, há uma sessão em que
mulheres comuns passam por uma transformação na aparência. No caso da revista Corpo a
Corpo, a matéria “Mudei e arrasei!” apresenta a mudança de seis leitoras. Na revista
Claudia há uma sessão intitulada “De visual novo”, em que uma personagem comum passa
por alterações. Na sessão “Banho de nova” da revista Nova, uma pessoa comum é
modificada por profissionais da área da beleza. A mensagem para as leitoras parece ser:
você pode, basta ter em mãos os produtos certos, esforçar-se e querer.
Assim, o discurso tconstruído pelas revistas parece afirmar que basta esforçar-se para
conquistar a beleza ideal. Estar feia é visto como responsabilidade do próprio indivíduo. O
indivíduo é responsável por conquistar o corpo perfeito e a aparência ideal. É ele o culpado
por ser desleixado e descuidoso com sua aparência física. A beleza e a aparência são vistas
como responsabilidade do próprio indivíduo, que só não fica bonito se não quiser.
27
4.6. Imediatismo: você pode e pode imediatamente
Um aspecto que ficou evidenciado por meio da análise das revistas femininas foi a questão
do imediatismo. A idéia é de que é possível atingir o ideal de beleza rapidamente. Já na
capa das revistas, é possível observar que a aparência física ideal é prometida de forma
imediata, basta querer. A chamada de maior evidência da capa da revista Corpo a Corpo
anuncia curvas “poderosas” em apenas dois meses. Outra promessa da capa, que refere-se a
uma matéria intitulada “Dieta das horas”, que apresenta que alimentar-se em certos
intervalos de tempo é o grande segredo para se perder peso, diz: “1 kg a cada 7 dias sem
fazer dieta”. Assim, como anuncia à revista, é possível perder os quilinhos indesejados em
poucos dias e sem grandes sacrifícios.
Outro exemplo do imediatismo está na capa da revista Boa Forma. Logo de início, é
prometida a diminuição de um número do manequim em quinze dias. Dentro da revistas, a
matéria traz exercícios de caminhada que “ajudam a dar adeus a 3 quilos em 15 dias” (p.
109). O subtítulo da matéria anuncia: “Sabe aquele jeans que você ama, mas emperra nos
quadris? Ele vai voltar a cair como uma luva no seu corpinho em 15 dias. A receita está a
seus pés” (p. 109). Como podemos observar, a receita milagrosa está dada. Basta fazer os
exercícios que imediatamente os “quilos a mais” serão eliminados.
Atualmente, como apresenta Novaes (2001), vivemos em alguns contextos sociais
brasileiros em sociedades imediatistas. Há uma promessa e uma exigência de conquista da
satisfação de maneira imediata. E, no que se refere ao uso do corpo, os efeitos de tal
exigência imediatista é que, na busca por uma sensação de prazer e auto-estima, recorre-se
freqüentemente a soluções milagrosas. Assim, o uso de anabolizantes acelera o lento
processo de preparação física em academias, pílulas garantem a modelagem do corpo de
modo mais rápido, eficiente e sem sacrifícios.
Na matéria presente no interior da revista Claudia traz, intitulada “Ginástica para quem
odeia ginástica”, fica evidenciada a promessa de resultados rápidos: “(...) montamos
programas sob medida para você escolher: suar bastante por apenas 15 minutos; exercitar-
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se com diversão em menos de 45 minutos (...)”. A matéria apresenta diversos equipamentos
como sendo o treinamento das estrelas (ver capítulo). Um aparelho é apresentado como o
“preferido da apresentadora Angélica”, o outro, por exemplo, é apontado como o
“queridinho da cantora Madonna”, e promete transformar o corpo rapidamente: apenas
quinze minutos de exercício garantem o mesmo resultado de uma hora de malhação em
aparelhos convencionais.
Outro exemplo significativo pode ser encontrado na sessão “Louca para saber” da revista
Nova. A matéria intitulada “Pílula antibarriga” traz uma nova descoberta a respeito de um
medicamento que é capaz de reduzir a gordura localizada no abdômen. A reportagem diz:
“(...) a novidade promove a perda de até 8 centímetros da gordura abdominal em menos de
um ano. É um número expressivo” (p. 42).
Assim, como aponta Novaes (2004), a cultura contemporânea apresenta a conquista da
satisfação de maneira imediata. Segundo a autora, a mídia-cultura parece estar sempre
afirmando: você pode, e pode imediatamente. Por meio dos exemplos dados, é possível
notar que a promessa da beleza traz consigo a promessa de um resultado imediato e sem
grandes sacrifícios. A mensagem passada pela leitora parece ser: é possível ficar bonita e
rapidamente, basta querer.
Considerações Finais
Os veículos de comunicação afirmam que cuidar do corpo é indispensável. A beleza é
apresentada como um caminho legítimo e seguro para a felicidade individual (Novaes,
2004). Revistas especializadas, por exemplo, de saúde à moda, apresentam, qual o corpo
que se deve ter e desejar, como atingir este ideal e como utilizá-lo da forma mais eficaz. O
corpo passou a ser uma espécie de passaporte para a felicidade, bem-estar e realização
pessoal. A imagem que os meios de comunicação oferecem para o público a respeito de
seus próprios corpos opera na construção da auto-estima e da auto-imagem, como defende
Novaes (2004).
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As práticas corporais atuais, segundo Novaes (2001), podem forjar “um determinado tipo
de subjetividade, onde o sujeito vê-se, freqüentemente, infeliz e incompetente, por estar em
dissonância com os modelos propostos em termos da estética corporal atual” (p. 67). A
autora cita uma pesquisa publicada no jornal “O Globo” (21/05/2000). O resultado do
estudo pode apontar que 98% da população investigada - 1197 estudantes universitários-,
demonstrava-se insatisfeita com o próprio corpo.
A hegemonia do padrão estético veiculado nos meios de comunicação, representado por
mulheres jovens, brancas e magras e homens musculosos pode gerar, segundo Santos e
Jablonsky (2003), sentimento de inferioridade em mulheres e homens que não se
enquadram nesse padrão de beleza exposto pela cultura de massa. Santos e Jablonsky
(2003) enfatizam ainda o surgimento de sentimentos de inadequação e baixa auto-estima
corporal em função de comparações com os padrões de estética repetidamente explicitados
nos meios de comunicação.
Entretanto, para se saber mais sobre os efeitos das revistas femininas em mulheres
brasileiras, é preciso realizar estudos sobre como as mulheres são afetadas por estas
revistas. Talvez seja muito simplista afirmar que os meios de comunicação são os
responsáveis por frustrar as mulheres e criar sentimentos de inadequação e baixa auto-
estima. Os meios de comunicação, é preciso lembrar, constroem, mas também reinforçam e
reproduzem modos de pensar e agir culturais já existentes nos contextos sociais. Além
disso, é preciso ter em mente o fato de que as mulheres, como todas as pessoas, podem
responder de maneira diversa ao mesmo conteúdo midiático, dependendo de suas
experiências pessoais e sua bagagem cultural. É preciso ainda considerar o fato de que as
mulheres são uma audiência ativa e, como tal, são capazes de criticar e negociar os
significados dos conteúdos midiáticos.
A análise das revistas femininas realizadas neste estudo que parece existir um padrão de
beleza ideal exaltado e, do mesmo modo, um outro modelo de beleza que é demarcado
como algo que deve ser superado. A análise das publicações aponta para a existência de um
modelo estético ideal a ser alcançado pelas leitoras.
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Um aspecto interessante que mostrou-se bastante recorrente nas revistas femininas
analisadas foi a exaltação da juventude em detrimento dos efeitos da idade. A juventude
aparece constantemente como um alvo a ser alcançado pelas leitoras. Voltar no tempo é
impossível, mas prevenir e ocultar as marcas da idade é apresentado como algo necessário.
A análise das revistas aponta ainda para um fato bastante revelador. As famosas aparecem
em inúmeras páginas como o modelo de beleza ideal a ser buscado pelas mulheres
“comuns”. Nas páginas das revistas, elas revelam seus segredos e dicas para manterem-se
belas e “em forma”. E justamente por corporificarem o padrão ideal de perfeição que, como
assinalam as revistas, devem ser seguidas e copiadas. São, portanto, espécies de espelho
que devem servir de exemplo para as leitoras.
Outro aspecto interessante revelado pela análise do discurso das revistas é que a mensagem
transmitida encoraja as leitoras a acreditar que elas podem, assim com as estrelas e
modelos, ser belas, atraentes e alcançar o corpo perfeito; é só querer. As técnicas, dicas e
truques de beleza são inúmeros e, portanto, basta a mulher se esforçar para conquistar a
aparência desejada. Só não fica bonita quem é relaxada, quem não se cuida e quem não
quer.
Além do esforço pessoal ser apontado como um pré-requisito para torna-se bela, é também
afirmado constantemente que é uma questão de vontade e responsabilidade própria manter-
se atraente. A beleza ideal pode ser conquistada, é só seguir rigorosamente as receitas e
dicas da revista. Basta desejar e se esforçar que se alcançará o corpo ideal e a beleza
perfeita.
Assim, o discurso transmitido parece afirmar que basta esforçar-se para conquistar a beleza
ideal. Estar feia é visto como responsabilidade do próprio indivíduo. O indivíduo é
responsável por conquistar o corpo perfeito e a aparência ideal. É ele o culpado por ser
desleixado e descuidoso com sua aparência física. A beleza e a aparência são vistas como
responsabilidade do próprio indivíduo, que só não fica bonito se não quiser.
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Um aspecto que ficou evidenciado por meio da análise das revistas femininas foi a questão
do imediatismo. A idéia é de que é possível atingir o ideal de beleza rapidamente. A
promessa de que se pode alcançar a beleza ideal traz consigo a promessa de um resultado
imediato e sem grandes sacrifícios. A mensagem passada pela leitora parece ser: é possível
ficar bonita e rapidamente, basta querer.
Referências
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