Post on 18-Apr-2015
A Educação pela A Educação pela PedraPedra
João Cabral de Melo João Cabral de Melo NetoNeto
João Cabral de Melo NetoJoão Cabral de Melo Neto (1920 (1920 - 1999)- 1999)
• Nasceu em Recife (PE);
• Infância nos engenhos de açúcar da família;
• Contato com a literatura de cordel;
• Carreira diplomática;
• Afeição pela Espanha (Sevilha, Barcelona,..);• Membro da Academia Brasileira de Letras;
“Para mim a poesia é uma construção, como uma casa. Isso
aprendi com Le Corbusier. A poesia é uma composição. Quando digo
composição quero dizer uma coisa construída, planejada – de fora para dentro (...) Vou fazer uma poesia de
extensão tal, com tais e tais elementos, coisas que vou
colocando como se fossem tijolos.”
O EstiloO Estilo
O Poeta-engenheiroO Poeta-engenheiro
• Geração de 45• Rigor Formal• Ausência de subjetivismo• Poesia = Construção, Composição• Despojamento linguístico
vocabulário preciso palavra concreta
• Exatidão imagens nítidas, precisas
ObrasObras
• Pedra do Sono (1942)
• O Engenheiro (1945) • Psicologia da
Composição (1947)• O Cão sem Plumas
(1950) • Morte e Vida
Severina (1956) • Paisagem com
figuras (1956)
• Uma Faca só Lâmina (1956)
• Quaderna (1960) • A Educação pela
Pedra (1966) • Museu de Tudo
(1975) • Auto do Frade (1984)
• Agrestes (1985) • Tecendo a manhã
(1999)
A Educação Pela Pedra A Educação Pela Pedra (Estrutura)(Estrutura)
• Publicado em 1966;• Dividida em 4 partes:
Nordeste (a) – 12 poemas, 16 versos Não – Nordeste (b) – 12 poemas, 16 versos
Nordeste (A) – 12 poemas, 24 versos Não – Nordeste (B) – 12 poemas, 24 versos
• Temas: motivos nordestinos
experiências diplomáticas fazer literário plasticidade
reflexão existencial
Nordeste (a)Nordeste (a)• Universo que está na base de compreensão do
mundo cabralino – berço do peta e motivo de sua poesia:
O mar e o canavialO sertanejo falando
Duas das festas da morteNa morte dos rios
Coisas de cabeceira, RecifeA fumaça no sertão
A educação pela pedraElogio da usina e e Sofia de Mello Breyer Andresen
O urubu mobilzadoFazer o seco, fazer o úmidoUma mulher e o Beberibe
A educação pela pedra Uma educação pela pedra: por lições;para aprender da pedra, frequentá-la;captar sua voz inenfática, impessoal(pela de dicção ela começa as aulas).A lição de moral, sua resistência friaao que flui e a fluir, a ser maleada;a de poética, sua carnadura concreta;a de economia, seu adensar-se compacta;lições da pedra (de fora para dentro,cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão(de dentro para fora, e pré-didática).No Sertão a pedra não sabe lecionar,e se lecionasse, não ensinaria nada;lá não se aprende a pedra; lá a pedra,uma pedra de nascença, entranha a alma.
Fora para dentro
Dicção = concisão
Moral = resistência
Carnadura = poética
Economia = adensar-se
Dentro pra fora
Pedra = integrante do sertanejo
Deve ser vivida
O sertanejo falandoA fala a nível do sertanejo engana:as palavras dele vêm, como rebuçadas(palavras confeito, pílula), na glacede uma entonação lisa, de adocicada.Enquanto que sob ela, dura e endureceo caroço de pedra, a amêndoa pétrea, dessa árvore pedrenta (o sertanejo)incapaz de não se expressar em pedra.
Daí porque o sertanejo fala pouco:as palavras de pedra ulceram a bocae no idioma pedra se fala doloroso;o natural desse idioma fala à força.Daí também porque ele fala devagar:tem de pegar as palavras com cuidado,confeitá-la na língua, rebuçá-las;pois toma tempo todo esse trabalho.
Fala adocicada, lenta e mansa = Invólucro para palavra-pedra
Surge da vida seca do sertão
Não – Nordeste (b)Não – Nordeste (b)• Abandona a secura do sertão e entra no universo das
bailarinas espanholas que aparecem como seres exilados, ou de prateleiras com coisas de Sevilha, além dos poemas que tematizam o fazer poético:
De Bernarda a Fernanda de UtretaUma mineira em Brasília
Nas covas de BazaSobre o sentar - / estar-no-mundo
Coisas de cabeceira, SevilhaDois P.S. a um poemaTecendo a manhã
Fábula de um arquitetoUma ouriça
Catar feijãoNas covas de Gadix
Mesma mineira em Brasília
Tecendo a manhãUm galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Poema sinestésicoLuz viria do som de Cada um dos galosQue formam um toldoSem armaçãoO entrelaçar do grito dos galos = imagem da IntertextualidadeTecer o texto
Catar FeijãoCatar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidare as palavras na da folha de papel;e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,água congelada, por chumbo seu verbo:pois para catar esse feijão, soprar nele,e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.Certo não, quando ao catar palavras:a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,açula a atenção, isca-a com o risco.
Metáfora do ato de escrever
Comparação entre Escrever e catar feijãoJogar na água/papelO que boiar vai fora
(musicalidade, leveza)
Pedra não bóiaAquilo que é ruim
para o feijãopode ser bom para
a poesiaPalavra-pedra.
Poesia deve provocar,Machucar, deixar
Marcado.
Nordeste (A)Nordeste (A)• Retorna à temática nordestina, porém os
temas se refinam, intensifica-se a ironia, a paródia e o humor negro;
• O sertão ressurge nos seus rios, caatingas, praias, bananeiras, mandacarus, hospitais e lavouras, mas também nos escarros, nos
gestos grotescos, nos aleijões, no barro, nas agulhas, etc.• O mesmo sertão visto com outros olhos.
Duas bananas & a bananeiraAgulhas
Rios sem discursoThe Country of the Houyhnhnms
Os rios de um diaO hospital da caating
A cana-de-açúcar de agoraBifurcados de “Habitar o tempo”
The Country of the Houyhnhnms (outra composição)Psicanálise do açúcar
Os reinos do amareloO sol em Pernambuco
Duas bananas & a BananeiraEntre a caatinga tolhida e raquítica
Entre uma vegetação ruim, de orfanato:No mais alto, a mandacaru se edificaA torre gigante e de braço levantado;
Quem o depara, nessas chãs atrofiadas,Pensa que ele nasceu ali por acaso;
Mas ele dá nativo , e daí fazer-seAssim alto e com braço para o alto. (...)
Se veja a banana que ele, madacaruDá em nome da caatinga anã e irmã.
(...)Banana gesto de rebeldia e indecente;
Mandacaru se ergueVerde no meio da
Caatinga = ofensa Para outras vegetações
Rijo, com braço praCima, como se “desse
Uma banana”
Humaniza e compara o mandacaru com a
Bananeira.Fruto da bananeira é
Fútil.
Os Reinos do AmareloA terra lauta da Mata produz e exibe
um amarelo rico (se não o dos metais):o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá; amarelo vegetal, alegre de sol livre, beirando o estridente, de tão alegre,
(...).Só que fere a vista um amarelo outro:
se animal, de homem: de corpo humano;de corpo e vida; de tudo o que segrega(sarro ou suor, bile íntima ou ranho), ou sofre (o amarelo de sentir triste,de ser analfabeto, de existir aguado):
(...)Embora comum ali, esse amarelo humanoainda dá na vista (mais pelo prodígio):pelo que tardam a secar, e ao sol dali,tais poças de amarelo, de escarro vivo.
Elenca riquezas de cor amarelada
(vegetação + sol)
Outro amareloAnimal e pobre
podremente
Não – Nordeste (B)Não – Nordeste (B)• Poemas marcados pela metafísica:
A urbanização do regaçoOs vazios do homem
Num monumento à aspirinaComedores jantandoRetrato de escritor
Ilustração para a “carta dos puros” de V.M.Na Baixa Andaluzia
Para mascar com chicletsO regaço humanizado
Habitar o tempoDuas faces do jantar dos comedores
Para a Feira do Livro
Num monumento à aspirina
Claramente: o mais prático dos sóis,o sol de um comprimido de aspirina:de emprego fácil, portátil e barato, compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita delelevanta e vem (sempre num claro dia):acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.
Convergem: a aparência e os efeitosda lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz vivere o cartesiano de tudo nesse clima.De outro lado, porque lente interna,de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olhoa lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,o borroso de ao redor, e o reafina.
Poema descaradamente irônico, mas reverente. Compara a aspirina – sua forma – ao sol: sol que traduz vida que é “imune às leis da meteorologia” por funcionar à noite. Cultua-lhe a forma, quase como um parnasiano.
• Ilustração para a “Carta aos puros” de V.M. Vinícius ironiza “os homens sem sal, em cujos corpos tensos corre sangue incolor” ou os que “se julgam portadores da verdade”. João Cabral utiliza a idéia e contrasta dois tipos de cal – uma que constrói, e outra que destrói; uma bem vestida; outra, com salário de nortista.
• Na baixa Andaluzia arquitetura e paisagem da Andaluzia são comparadas sensualmente a uma mulher.
• Para mascar chiclets goma de mascar = símbolo temporal. Tudo é unido e mastigado, ruminado pelo leitor que caminha pelo livro.
Para a Feira do Livro
Folheada, a folha de um livro retomao lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolhacomo sob o vento a árvore que o doa;folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro.Todavia, a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:a palavra nela urge a voz, que é vento,ou ventania, varrendo o podre a zero.
Silencioso: quer fechado ou aberto,Incluso o que grita dentro, anônimo:só expõe o lombo, posto na estante,que apaga em pardo todos os lombos;modesto: só se abre se alguém o abre,e tanto o oposto do quadro na parede,aberto a vida toda, quanto da música,viva apenas enquanto voam as suas redes.Mas apesar disso e apesar do paciente(deixa-se ler onde queiram), severo:exige que lhe extraiam, o interrogueme jamais exala: fechado, mesmo aberto.
• Habitar o tempo dialoga com Bifucados de Habitar o Tempo. Resgata a expressão “matar o tempo” para chegar idéia de irreversibilidade do tempo. É preciso viver o tempo, habitar nele ultrapassando a postura acomodada dos comedores.
• Para a Feira do Livro livro = objeto que se abre a cada leitor, mas apenas se esse leitor o abrir. Ele é oposto do quadro da parede, sempre aberto a quem passa por ele, mesmo sem atenção. O livro é exigente e severo, mesmo que paciente, como pedra, fechado, mesmo que aberto.