Post on 25-Nov-2015
Terceira e ltima edio ... 5
1. Apresentao ............ 12 2. Obama quer que os
Estados Unidos sejam
conquistados pela Rssia
ou pela China ................ 17
3. A ecologia foi inventada
numa espcie de projeto Manhattan .................... 22
4. Democratizar o ensino
quase to nefasto quanto
distribuir pedras de crack
na merenda .................. 26
5. Pecado coisa de pobre ................................... 32
6. Chega de liberdade de
expresso! .................... 40
7. A imprensa uma
ameaa civilizao e espcie humana ............ 44
8. As crianas so
programadas pela
psicologia e sero
programas pela engenharia
gentica ....................... 48 9. Os fins justificam os
meios ........................... 53
10. Desconstruindo Olavo
de Carvalho I ................ 63
11. Desconstruindo Olavo
de Carvalho II ............... 70 12. Sobre a fsica
aristotlica .................... 82
13. Sobre a fsica clssica
................................... 99
14. Sobre o atesmo de
Newton ...................... 111 15. Sobre o darwinismo 118
16. Sobre Kant ............ 136
17. Herrar umano ..... 157
18. Um pouco de filosofia
................................. 158
19. O tempo na primeira antinomia de Kant ....... 160
20. A origem do universo
na fsica contempornea
................................. 165
21. O tempo na fsica
contempornea ........... 174 22. Sobre mim ............ 201
23. Papai Noel existe
mesmo! ...................... 206
5
Terceira e ltima
edio
Este livrinho (formatado
para celulares) mais do
que suficiente para mostrar
que o pensamento de Olavo de Carvalho no pode ser
levado a srio.
Se o texto fosse maior ou
mais detalhado, isto no
mudaria a f dos que se
proclamam olavettes. No por falta de
argumento que Olavo
duvida da inrcia.
6
No por falta de aviso
que Olavo insiste no conceito de juzo
autoevidente provando que
Papai Noel existe.
A democracia permite que
Olavo de Carvalho escreva
e Tiririca deputeie. Isto bom porque s
assim um autor
desconhecido tem a
oportunidade de liderar a
lista dos livros mais
baixados da Amazon, nem que seja por alguns dias,
para dizer o que pensa sem
7
pedir a permisso de
ningum. Pena que so poucos os
que realmente defendem a
democracia. Felipe Moura
Brasil, da Veja, escreveu o
seguinte:
A canalhada no sossega enquanto no
calar de vez as vozes
discordantes. Est
difcil de aturar o
sucesso do filsofo
Olavo de Carvalho, depois que o nosso
best seller O mnimo que voc precisa saber
8
para no ser um
idiota bateu a marca dos 60 mil exemplares
vendidos. Na
incapacidade de
argumentar e debater,
os invejosos de
planto querem derrubar a pgina em
que ele escreve para
impedir que sua
imensa legio de alunos, leitores e fs
tenham acesso s suas palavras. Assim como
j aconteceu com
outras pginas de teor
9
conservador, como
Meu professor de Histria mentiu pra
mim, seu perfil do Facebook saiu do ar
nesta manh e segue
indisponvel.
Reinaldo Azevedo no deixou por menos.
A questo agora
saber se o Facebook
vai se tornar refm
dessas milcias.
E o que aconteceu com minha conta do Facebook?
Foi tirada do ar!
10
Ainda bem que a rede
social tem meios de validar um usurio. J estou de
volta.
Com a palavra: Olavo de
Carvalho, Felipe Moura
Brasil e Reinaldo Azevedo.
11
12
1. Apresentao
Olavo de Carvalho est para Newton, Darwin e
Kant assim como MC
Britney est para Bach,
Mozart e Beethoven.
Hoje na casa do seu Z
vai rolar uma putaria / Tava cheia de novinha
doida pra fazer orgia /
Uma fodia no cho
outra em cima da na
pia / Na casa do seu
Z vai rolar uma putaria
13
Nos primeiros captulos
deste livro, apresento alguns dos absurdos mais
evidentes do best seller O
mnimo que voc precisa
saber para no ser um
idiota. Nos captulos finais,
uso um pouco da filosofia que se aprende na USP
para desmontar o
filosofismo que Reinaldo
Azevedo, Rodrigo
Constantino e outros
confundem com erudio.
No a razo que
conquista os louros,
mas a eloquncia; e
14
ningum precisa ter
receio de no encontrar seguidores
para suas hipteses,
por mais
extravagantes que elas
sejam, se for hbil o
bastante para pint-las em cores atraentes.
(HUME. Tratado da
natureza humana. So
Paulo: Unesp, 2009, p.
20)
Reinaldo Azevedo, alis, disse que O mnimo...
provocou um enorme
silncio e que no debater
15
uma das formas do
moderno exerccio da violncia. Espero que ele
leia o meu texto da mesma
forma que costumo ler os
dele: concordando ou
discordando, sem imaginar
um inimigo do outro lado. Na segunda edio,
acrescentei o captulo 23
comentando uma discusso
que tive com Olavo de
Carvalho no Facebook, no
dia 8 de maro de 2014. Na discusso, duas coisas
ficaram bvias. Primeira:
que a filosofia de Olavo de
16
Carvalho prova que Papai
Noel existe. Segunda: que Olavo de Carvalho no tem
o equilbrio emocional
mnimo para se aventurar
pela filosofia.
17
2. Obama quer que
os Estados Unidos
sejam conquistados
pela Rssia ou pela
China
Segundo Olavo de
Carvalho, Barack Hussein
Obama quer acabar com a
liberdade de expresso nas transmisses radiofnicas
porque, com as televises
absolutamente dominadas,
com o conservadorismo
insuficiente da Fox News, o
rdio se tornou o ltimo
18
refgio da cristandade, a
esperana derradeira da civilizao ocidental no pas
mais poderoso do mundo.
Poderoso por enquanto,
porque Barack Hussein
Obama quer desarmar a
populao e os militares a populao para implantar
uma ditadura; os militares
para que os Estados Unidos
sejam conquistados pela
Rssia ou pela China.
O plano macabro tem o patrocnio de bilionrios
como George Soros, que,
entre outras maldades,
19
aposta na legalizao da
maconha.
Nenhum jornal ou
canal de TV brasileiro
jamais informou que
Obama um apstolo
da Media Reform,
calculada para eliminar a liberdade de opinio
no rdio, um defensor
ardente da proibio
total de armas de fogo
pela populao civil
(na mesma linha que Hitler adotou na
Alemanha), um
partidrio fervoroso do
20
imediato
desmantelamento das defesas americanas
antimssil (portanto, da
rendio incondicional
ante qualquer poder
nuclear estrangeiro).
Ningum jamais informou que ele votou
contra a proibio de
matar bebs que
sobrevivam ao aborto,
e que um discpulo
da teologia da libertao na sua verso mais radical e
extremada. Ningum
21
informou que os
grupos que o apoiam so crculos bilionrios
globalistas aos quais
ele serve como agente
para a destruio da
soberania americana e
a imediata implantao de um governo
mundial pelos meios
mais antidemocrticos
que se pode imaginar.
22
3. A ecologia foi
inventada numa
espcie de projeto
Manhattan
O projeto Manhattan
reuniu os maiores cientistas
do Ocidente para produzir a bomba atmica, uma arma
to absurda que ningum
ousaria enfrentar.
Segundo Olavo de
Carvalho, um esforo
parecido, com dezenas de intelectuais, produziu a
causa das causas, e assim
nasceu a ecologia.
23
Nos anos 1950, grupos
globalistas bilionrios os metacapitalistas, como os chamo,
aqueles sujeitos que
ganharam tanto
dinheiro com o
capitalismo que agora j no querem mais se
submeter s oscilaes
do mercado e por isso
se tornam aliados
naturais do estatismo
esquerdista tomaram a iniciativa
de contratar algumas
dezenas de intelectuais
24
de primeira ordem
para que escolhessem a vtima das vtimas,
algum em cuja
defesa, em caso de
ameaa, a sociedade
inteira correria com
uma solicitude de me, lanando
automaticamente
sobre todas as
objees possveis a
suspeita de traio
espcie humana. Depois de conjeturar
vrias hipteses, os
estudiosos chegaram
25
concluso de que
ningum se recusaria a lutar em favor da
Terra, da me
natureza.
26
4. Democratizar o
ensino quase to
nefasto quanto
distribuir pedras de
crack na merenda
Segundo Olavo de
Carvalho, democratizar o
ensino ruim.
A democratizao do ensino, abolindo as
barreiras econmicas,
deveria ter institudo
barreiras intelectuais
em compensao, para
impedir que a descida
27
do padro social
trouxesse, de contrabando, uma
queda do nvel de
conscincia. A nova
elite de ps-rapados
talvez fosse menos
numerosa, mas teria superado em mrito e
qualidade suas
antecessoras. Na
verdade, o que se fez
foi o contrrio: j que
o ensino para todos, por que haveria de ser
um ensino de elite?
Para qualquer um,
28
basta qualquer coisa. A
massa dos neoletrados, lisonjeada
at as nuvens, corre s
escolas, s livrarias,
mdia, aos teatros e
aos cinemas para
receber sua rao diria de lixo, que ela
imagina superior
educao de um nobre
do Renascimento ou de
um clrigo do sculo
XIII.
Segundo Olavo de
Carvalho, dizer que os
alunos merecem escolas
29
decentes, professores
dedicados e mtodos de ensino cativantes quase
to nefasto quanto
distribuir pedras de crack
na merenda.
Quando a criana de seis
anos de idade no percebe a importncia da educao
formal, o problema dela.
O Estado no tem nada a
ver com isso.
A ideia de que a
educao seja um direito uma das mais
esquisitas que j
passaram pela mente
30
humana. s a
repetio obsessiva que lhe d alguma
credibilidade. (...)
Educao uma
conquista pessoal, e s
se obtm quando o
impulso para ela sincero, vem do fundo
da alma e no de uma
obrigao imposta de
fora. (...) Nessas
condies, campanhas
publicitrias que enfatizem a educao
como um direito a ser
cobrado, e no como
31
uma obrigao a ser
cumprida pelo prprio destinatrio da
campanha, tm um
efeito corruptor quase
to grave quanto o do
trfico de drogas.
32
5. Pecado coisa de
pobre
Olavo de Carvalho
conservador quando assume a persona de
cristo fundamentalista
diante da cincia, mas se
faz de corteso quando se
prostra submisso nobreza
e aristocracia.
Num tempo em que a
Frana era o pas mais
cristo da Europa, Lus
XIV tinha nada menos
de 28 amantes, mas
sua rotina de trabalho
33
era mais pesada que a
de qualquer executivo de multinacional. (...)
J na Idade Mdia, os
encargos da defesa
territorial incumbiam
inteiramente classe
aristocrtica: ningum podia obrigar um
campons ou
comerciante a ir para a
guerra, mas o nobre
que fugisse aos seus
deveres blicos seria instantaneamente
executado pelos seus
pares. (...) A classe
34
aristocrtica era
liberada de parte dos rigores morais cristos
na mesma medida em
que pagava pela sua
liberdade com a
permanente oferta da
prpria vida em sacrifcio pelo bem de
todos. A
democratizao da
permissividade espalha
os direitos da
aristocracia por uma multido de recm-
chegados que de
repente se veem
35
liberados da presso
religiosa sem ter de assumir por isso
nenhum encargo extra,
por mnimo que seja,
capaz de restaurar o
equilbrio entre direitos
e deveres. (...) A liberao de massas
imensas de populao
para o desfrute de
prazeres e requintes
gratuitos uma das
situaes psicolgicas mais ameaadoras j
vividas pela
36
humanidade desde o
tempo das cavernas.
Segundo Olavo de
Carvalho, os empresrios
so sempre bons, inclusive
os que roubam os
consumidores, os
trabalhadores e o governo. Pelo que ele diz, quem cria
um site para vender
produtos fictcios e some
com o dinheiro movimenta
a economia e gera riqueza;
quem usa trabalho escravo para desmatar ilegalmente,
no fim das contas, beneficia
o pas.
37
O empresrio pode dar
golpes em seus fornecedores, vender
produtos fraudados,
sonegar o pagamento
devido aos operrios,
ou ento pode pagar
tudo direitinho e vender produtos bons.
(...) Da atividade do
empresrio, mesmo o
mais desonesto,
resultam sempre uma
ativao da economia, uma elevao da
produtividade, a
expanso dos
38
empregos. Esses
resultados podem vir em quantidade grande
ou pequena, mas tm
de vir
necessariamente, pela
simples razo de que
empresa consiste em produzi-los e em nada
mais. (...) Um
empresrio, honesto
ou desonesto, est no
auge do sucesso
quando pode, sem prejuzo de seus
investimentos,
comprar manses,
39
iates, carros de luxo,
jatinhos, jates etc. Ele alcana isso
quando se torna um
mega-empresrio.
Para chegar a esse
ponto, ele tem de
deixar em seu rastro fbricas, bancos,
plantaes, jornais,
canais de TV e mil e
um outros negcios
dos quais vivem e
prosperam milhares de pessoas.
40
6. Chega de
liberdade de
expresso!
Olavo de Carvalho odeia a
esquerda, mas no pelo que ela tem de ruim.
Quando Richard Dawkins
combate o criacionismo,
por exemplo, um gulag
bem que faz falta.
Sem o campo de concentrao sovitico, o
que resta usar os
instrumentos democrticos
para solapar a democracia.
Se inmeras igrejas
41
processassem Richard
Dawkins ao mesmo tempo, a litigncia de m f
poderia inviabilizar
economicamente o
lanamento de seus livros.
O sr. Dawkins j
ultrapassou aquele limite da truculncia
mental e do desprezo
verdade, para alm
do qual toda a
discusso de ideias se
torna intil. No se trata de provar nada
para o sr. Dawkins.
Trata-se de provar seu
42
crime perante os
tribunais. O dele e o de inumerveis
organizaes
militantes, subsidiadas
por fundaes
bilionrias, dedicadas a
fomentar por todos os meios o dio s
religies. Todas as
organizaes religiosas
que no se
mobilizarem para a
defesa comum no s no campo miditico,
mas no judicial, devem
ser consideradas
43
traidoras,
colaboracionistas e vendidas ao inimigo.
44
7. A imprensa uma
ameaa civilizao
e espcie humana
Thomas Jefferson no
sculo XVII:
Se eu tivesse de
decidir entre ter um
governo sem jornais e
ter jornais sem um
governo, eu no
hesitaria nem por um momento antes de
escolher a segunda
opo. (VEJA, 27 de
janeiro de 2010)
45
Lnin no sculo XX:
Dar burguesia a arma da liberdade de
imprensa facilitar e
ajudar a causa do
inimigo. Ns no
desejamos um fim
suicida, ento no a daremos. (VEJA, 27 de
janeiro de 2010)
Olavo de Carvalho no
sculo XXI:
Poucos fatos na
histria foram jamais to bem averiguados,
testados e provados
46
quanto a falsidade
documental do presidente americano
e o esquema de
dominao continental
do Foro de So Paulo.
(...) Ambos esses fatos
foram sistematicamente
suprimidos do
noticirio por tempo
suficiente para que os
beneficirios da cortina
de silncio alcanassem, sob a
proteo dela, seus
objetivos mais
47
ambiciosos. (...) Por
isso, Daniel Greenfield foi at eufemstico
quando, escrevendo no
Front Page Magazine
de David Horowitz,
afirmou que a grande
mdia hoje a maior ameaa integridade
do processo poltico. Ela tornou-se, isto sim,
uma ameaa
inteligncia,
civilizao, a toda a espcie humana.
48
8. As crianas so
programadas pela
psicologia e sero
programas pela
engenharia gentica
Se Olavo de Carvalho
fosse reconhecido como
autor de trash books, tudo
bem. Para alguns, seria divertido.
H quatro dcadas a
tropa de choque
acantonada nas
escolas programa
esses meninos para ler
49
e raciocinar como ces
que salivam ou rosnam ante meros signos,
pela repercusso
imediata dos sons na
memria afetiva, sem
a menor capacidade ou
interesse de saber se correspondem a
alguma coisa no
mundo. Um deles
ouve, por exemplo, a
palavra virtude. Pouco importa o contexto.
Instantaneamente
produz-se em sua rede
50
neuronal a cadeia
associativa: virtude moral catolicismo conservadorismo represso ditadura racismo - genocdio. E
o bicho j sai gritando:
a direita! Mata! Esfola! Al paredn! De
maneira oposta e
complementar, se
ouve a palavra
social, comea a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo
mgico das imagens:
social socialismo
51
justia igualdade liberdade sexo e cocana de graa oba! No estou
exagerando em nada.
Talvez fosse divertido se
Olavo de Carvalho
escrevesse fico, mas parece que ele est mais
para Lafayette Ronald
Hubbard do que para
Stanley Martin Lieber o primeiro criou a religio
hollywoodiana chamada cientologia; o segundo,
mais conhecido como Stan
Lee, criou o Homem-
52
Aranha, o Incrvel Hulk e o
Homem de Ferro.
Hoje os governantes j
estudam como
programar
geneticamente a
conduta das geraes
futuras. No se contentam com o
poder destrutivo dos
demnios: querem o
poder criador dos
deuses.
53
9. Os fins justificam
os meios
Olavo de Carvalho no
contra as revolues. Diz que porque s considera
revolucionrio o movimento
que nega o mundo perfeito
onde democratizar o ensino sempre ruim;
onde roubar os consumidores, os
trabalhadores e o governo
sempre bom.
O movimento
revolucionrio o
flagelo maior que j se
54
abateu sobre a espcie
humana desde o seu advento sobre a Terra.
(...) O socialismo e o
nazismo so
revolucionrios no
porque propem
respectivamente o predomnio de uma
classe ou de uma raa,
mas porque fazem
dessas bandeiras os
princpios de uma
remodelagem radical no s da ordem
poltica, mas de toda a
vida humana. (...)
55
Muitos processos
sociopolticos usualmente
denominados
revolues no so revolucionrios de fato, porque no
participam da mentalidade
revolucionria, no
visam remodelagem
integral da sociedade,
da cultura e da espcie
humana, mas se destinam unicamente
modificao de
situaes locais e
56
momentneas,
idealmente para melhor. No
necessariamente
revolucionria, por
exemplo, a rebelio
poltica destinada
apenas a romper os laos entre um pas e
outro. Nem
revolucionria a
simples derrubada de
um regime tirnico
com o objetivo de nivelar uma nao s
liberdades j
desfrutadas pelos
57
povos em torno. (...)
Se, nesse sentido, vrios movimentos
poltico-militares de
vastas propores
devem ser excludos
do conceito de
revoluo, devem ser includos nele, em
contrapartida, vrios
movimentos
aparentemente
pacficos e de natureza
puramente intelectual e cultural, cuja
evoluo no tempo os
leve a constituir-se em
58
poderes polticos com
pretenses de impor universalmente novos
padres de
pensamento e conduta
por meios
burocrticos, judiciais
e policiais. A rebelio hngara de 1956 ou a
derrubada do
presidente brasileiro
Joo Goulart, nesse
sentido, no foram
revolues de maneira alguma. Nem o foi a
independncia
americana, um caso
59
especial que terei de
explicar num outro artigo. Mas sem dvida
so movimentos
revolucionrios o
darwinismo e o
conjunto de
fenmenos pseudorreligiosos
conhecido como Nova
Era.
Olavo de Carvalho no
contra o extremismo. Diz
que porque s considera extremista quem no aceita
o mundo perfeito onde a
60
liberdade de expresso
deve ser combatida.
Se esbarrasse na rua
com algum dos nossos
polticos ditos de direita, eu lhe perguntaria o
seguinte: Voc quer destruir a esquerda,
destru-la
politicamente,
socialmente,
culturalmente, de
modo que ela nunca mais se levante e que
ser esquerdista se
torne uma vergonha
61
que ningum ouse
confessar em pblico? (...) Quem precisa
ostentar moderao
quem se envergonha
da sua prpria opinio
ao ponto de admitir,
cabisbaixo e submisso, que ela s vale alguma
coisa quando usada
em doses moderadas.
Em doses moderadas,
filhinho, at a
estricnina vale alguma coisa. S o que
indiscutivelmente bom,
como a inteligncia, a
62
beleza, a santidade ou
a sade, vale tanto mais quanto maior a
dose.
63
10. Desconstruindo
Olavo de Carvalho I
Olavo de Carvalho
emprega a palavra Bblia no sentido cristo.
A Bblia tem de ser
relida o tempo todo
(...) ateno especial
para Mateus 11:1-6,
onde o prprio Jesus ensina o critrio para
voc tirar as dvidas a
respeito dEle.
E diz que a Bblia (crist)
a semente de toda
cultura ocidental possvel.
64
Um mito fundador no
um produto cultural, pela simples razo de que ele, e s
ele, a semente de
toda cultura possvel.
Um mito fundador
constitui-se, em geral, da narrativa simblica
de fatos que
efetivamente
sucederam, fatos to
essenciais e
significativos que acabam por transferir
parte do seu padro de
significado para tudo o
65
que venha a acontecer
em seguida numa determinada rea
civilizacional. Assim,
por exemplo, Northrop
Frye demonstrou que
todos os esquemas
narrativos conhecidos na grande literatura
ocidental so variaes
de enredos bblicos.
Ora, os esquemas
narrativos da literatura
superior so os padres de
autocompreenso
imaginativa de uma
66
civilizao. E os
padres de autocompreenso
imaginativa so, por
sua vez, os esquemas
de ao possveis. A
Bblia, mito fundador
da civilizao ocidental, est no
fundo de toda a nossa
compreenso de ns
mesmos e de todas as
nossas possibilidades
de ao. Fora disso, no h seno
ideologia, erro,
loucura.
67
Se a Bblia fosse a
semente de toda cultura ocidental possvel, as coisas
anteriores ao sculo I no
fariam parte da cultura
ocidental.
Mas fazem parte da
cultura ocidental a filosofia grega (com Plato e
Aristteles), a literatura
grega (da Ilada e da
Odisseia), a escultura grega
(produzindo a Vnus de
Milo e inspirando o Davi de Michelangelo).
Faz parte da cultura
ocidental o prdio Suprema
68
Corte americana, que tem
as colunas da arquitetura grega e fica perto do
Capitlio, nome de um
templo dedicado ao deus
romano Jpiter.
Fazem parte da cultura
ocidental tanto o latim (que nos deu o italiano, o
espanhol e o portugus)
quanto o grego, usado para
escrever o Novo
Testamento.
No verdade, portanto, que a Bblia esteja no fundo
de toda a nossa
compreenso de ns
69
mesmos e de todas as
nossas possibilidades de ao. Sfocles conhecia
alguma coisa da condio
humana quando escreveu
dipo Rei. Euclides ampliou
as possibilidades humanas
desenvolvendo a geometria.
O texto de Olavo de
Carvalho no passa de uma
ladainha.
70
11. Desconstruindo
Olavo de Carvalho II
Discutir o aborto no o
propsito deste captulo, apenas discutir os
argumentos quase infantis
de Olavo de Carvalho sobre
o tema.
Os adversrios do
aborto alegam que o feto um ser humano,
que mat-lo crime de
homicdio.
O texto comea com uma
tautologia. Se o aborto que
est em discusso o que
71
ocorre na espcie humana,
o feto um ser humano tanto para quem acredita
que abortar um crime,
quanto para quem acredita
que abortar um direito.
Segundo o Houaiss, o feto
humano um ser humano com pelo menos trs meses
de gestao porque, antes
disso, um embrio.
Os partidrios alegam
que o feto apenas
um pedao de carne, uma parte do corpo da
me, que deve ter o
72
direito de extirp-lo
vontade.
No verdade que os
defensores da
descriminalizao do aborto
partam do princpio de que
o feto um pedao de
carne qualquer. A situao muito mais complexa.
Primeiro preciso discutir
como arbitrar o comeo da
vida. Quando o crebro de
algum sofre um processo
de degenerescncia irreversvel pelos critrios
da medicina, o corao que
est batendo pode ser
73
retirado e doado para
algum que precise de um transplante. O aborto do
anencfalo e at o aborto
de um embrio sem o
sistema nervoso central
razoavelmente
desenvolvido talvez possa, ento, ser considerado.
No presente score da
disputa, nenhum dos
lados conseguiu ainda
persuadir o outro. Nem
razovel esperar que o consiga, pois, no
havendo na presente
civilizao o menor
74
consenso quanto ao
que ou no a natureza humana, no
existem premissas
comuns que possam
fundamentar um
desempate. Mas o
empate mesmo acaba por transfigurar toda a
discusso: diante dele,
passamos de uma
disputa tico-
metafsica, insolvel
nas presentes condies da cultura
ocidental, a uma
simples equao
75
matemtica cuja
resoluo deve, em princpio, ser idntica e
igualmente probante
para todos os seres
capazes de
compreend-la. Essa
equao formula-se assim: se h 50% de
probabilidades de que
o feto seja humano e
50% de que no o
seja, apostar nesta
ltima hiptese , literalmente, optar por
um ato que tem 50%
de probabilidades de
76
ser um homicdio. Com
isso, a questo toda se esclarece mais do que
poderia exigi-lo o mais
refratrio dos
crebros. (...) Dito de
outro modo: apostar
na inumanidade do feto jogar na cara ou
coroa a sobrevivncia
ou morte de um
possvel ser humano.
Admitindo que o feto seja
humano (porque ele ) e deixando de lado qualquer
aplicao indevida dos
conceitos mais elementares
77
da estatstica (porque no
sempre que dois acontecimentos
mutuamente exclusivos
tm probabilidades iguais),
o que Olavo de Carvalho
tenta dizer que, na
dvida, no devemos matar a criana.
Se a inteno proibir o
aborto, o argumento
ruim.
No foi por consenso que
foram adotados a universalizao da vacina, a
transfuso de sangue, o
78
transplante de rgos, o
aborto em caso de estupro. Na dvida, a igreja pode
condenar vontade, mas
os tribunais tm que
absolver. No faz sentido
punir criminalmente uma
pessoa quando no sabemos se ela cometeu
realmente algum crime.
Diante de tantas
dificuldades, o que resta
a insensatez: o ataque que
transforma a discusso numa luta do bem contra o
mal.
79
O abortista no
poderia ceder nem mesmo ante provas
cabais da humanidade
do feto, quanto mais
ante meras avaliaes
de um risco moral. Ele
simplesmente deseja correr o risco, mesmo
com chances de 0%.
Ele quer porque quer.
Para ele, a morte dos
fetos indesejados
uma questo de honra: trata-se de
demonstrar, mediante
atos e no mediante
80
argumentos, uma
liberdade autofundante que prescinde de
razes, um orgulho
nietzschiano para o
qual a menor objeo
constrangimento
intolervel. (...) claro que, em muitos
abortistas, esta
vontade [de matar]
permanece
subconsciente,
encoberta por um vu de racionalizaes
humanitrias, que o
apoio da mdia
81
fortalece e a
vociferao dos militantes corrobora.
82
12. Sobre a fsica
aristotlica
Os maiores nomes da
filosofia antiga so Plato e Aristteles; da filosofia
medieval: Agostinho e
Toms de Aquino; da
filosofia moderna:
Descartes, Hume, Kant e
Hegel; da filosofia contempornea: Nietzsche
e Wittgenstein. Alguns
acrescentariam Hobbes e
Rousseau pela contribuio
filosofia poltica. Eu
acrescentaria Thomas Kuhn
83
pela contribuio filosofia
da cincia. Todos estes pensadores
transcendem seu prprio
tempo, mas apenas na
medida do possvel.
Plato descreve a criao
do mundo dizendo que o demiurgo juntou o fogo, a
terra, a gua e o ar.
foroso que aquilo
que deveio seja
corpreo, visvel e
tangvel; mas, separado do fogo, sem
dvida que nada pode
ser visvel, nem nada
84
pode ser tangvel sem
qualquer coisa slida e nada pode ser slido
sem terra. (...) Foi por
isso que, tendo
colocado a gua e o ar
entre o fogo e a terra,
(...) o deus uniu estes elementos e constituiu
um cu visvel e
tangvel. (PLATO.
Timeu. Universidade
de Coimbra, 2011.
p.100)
Toms de Aquino usa
Aristteles para justificar a
f crist numa poca em
85
que a cincia (cincia
mesmo) simplesmente no existe.
A mais extraordinria
dessas tentativas de
descrever a relao
entre Deus e o homem
e de adequar a plena complexidade da
natureza humana a
uma teologia coerente
indubitavelmente a
Summa teologica, de
So Toms de Aquino. (...) Alm de
incorporar em sua obra
o que considerava ser
86
a totalidade do que era
verdadeiro e bem demonstrado nas
fontes clssicas que
lhe eram disponveis,
Aquino tentou
completar o quadro da
natureza e da vontade humanas apresentado
por Aristteles em sua
tica a Nicmaco e
demonstrar sua
compatibilidade com as
doutrinas da religio revelada. (...) O
triunfo do tomismo
teve, no entanto, vida
87
curta. Seu primeiro
inimigo srio foi o humanismo do incio
do Renascimento. Este
foi acompanhado por
revolues na prtica
da educao que
tendiam a tirar autoridade intelectual
dos clrigos e conferi-
la s mos dos
cortesos e literatos; e
tambm por uma
gradual ascendncia de um esprito de
indagao cientfica
hostil pronta
88
recepo do dogma
teolgico. (SCRUTON. Uma breve histria da
filosofia moderna. Rio
de Janeiro: Jos
Olympio, 2008. p. 37)
Quando Olavo de Carvalho
se faz de escolstico citando preceitos
aristotlicos e tomistas, seu
anacronismo mimetiza o
pensamento do sculo XIII
para discutir os problemas
do sculo XXI. Isto no filosofia.
Voc l nos manuais,
por exemplo, que
89
Galileu superou a fsica de Aristteles. Durante quatro sculos
essa bobagem foi
repetida como verdade
terminal. S por volta
de 1950 os estudiosos
perceberam que a fsica de Aristteles
no era uma fsica,
mas uma metodologia
cientfica geral, bem
mais sutil do que
Galileu poderia jamais ter percebido, e muito
bem adequada s
necessidades da
90
cincia mais recente.
Os famosos erros assinalados por Galileu
existiam, mas eram
detalhes secundrios
que no afetavam de
maneira alguma o
conjunto da proposta.
A fsica de Aristteles o
estudo das coisas mveis,
das coisas que mudam (no
apenas de lugar). As coisas
mveis so explicadas por
quatro causas: a causa material, a causa formal
(que tem a ver com a
essncia), a causa eficiente
91
(que tem a ver com o
motor que deu incio ao processo de mudana) e a
causa final (que tem a ver
com a finalidade, com a
explicao metafsica ou
religiosa dos motivos que
levam uma coisa a acontecer).
Com estas caractersticas,
a fsica de Aristteles tem
um forte componente
qualitativo, diferente da
fsica de Galileu, Newton, etc. que se preocupa
principalmente com os
aspectos quantitativos.
92
A fsica de Aristteles
discute se uma coisa precisa ser movida para se
mover, mas no descobre
uma nica lei do tipo
s = s0 + vt.
Dizer que as coisas
precisam ser movidas no acende uma lmpada, mas
serve para provar a
existncia de Deus o que suficiente para quem
pode comprar uma
lmpada no supermercado enquanto diz acreditar que
Galileu no sofreu com a
Inquisio.
93
Entre muitas outras, a
lenda mais deformante talvez a de Galileu
Galilei como mrtir da cincia, fundador da cincia experimental e
homem corajoso que
enfrentou a Inquisio em nome do direito de
investigar a verdade.
Para comear,
qualquer pesquisador
srio da histria das
cincias sabe que Galileu nunca
raciocinou a partir de
dados experimentais,
94
mas de construes
matemticas hipotticas que depois
ele legitimava com
pseudoexperimentos
puramente
imaginrios, jamais
levados prtica, e usados sempre como
meios de persuaso
retrica, nunca de
verificao. Os poucos
experimentos efetivos
que ele realizou foram todos errados. (...) Em
segundo lugar, ele
jamais sofreu presso
95
ou intimidao de
qualquer natureza. (...) Por fim, a nica
penalidade que a
Inquisio lhe imps
foi de uma
benevolncia quase
obscena, que hoje soaria como
favorecimento ilcito:
ele foi condenado a
rezar uma vez por
semana, durante trs
anos, os sete salmos penitenciais, podendo
faz-lo em privado,
96
isto , sem nenhum
controle da autoridade.
Vale notar que a posio
de Olavo de Carvalho no
a posio da Igreja
Catlica, que, por mais
conservadora que seja, no
vive no sculo XIII.
O Papa Bento XVI
tambm entrou nas
celebraes dos 400
anos do primeiro uso
de um telescpio na
astronomia, pelo cientista italiano
Galileu Galilei. (...)
Bento XVI disse que a
97
compreenso das leis
da natureza pode estimular a
compreenso e
apreciao dos
trabalhos de Deus.
(...) A Igreja Catlica
condenou Galileu, no sculo 17, por apoiar a
teoria copernicana de
que a Terra girava ao
redor do Sol; os
ensinamentos
religiosos, naquela poca, colocavam a
Terra no centro do
universo. Em 1992, o
98
Papa Joo Paulo II
pediu desculpas, dizendo que a
condenao de Galileu
foi um trgico erro.
(G1)
99
13. Sobre a fsica
clssica
Reinaldo Azevedo elogia
Olavo de Carvalho porque este escreve bastante.
autor, por exemplo,
da monumental 32 volumes! Histria Essencial da Filosofia (livros acompanhados de DVDs). Alguns
filsofos de crach e
livro-ponto poderiam
ter feito algo parecido
mas boa parte estava ocupada demais
100
doutrinando
criancinhas.
Mas quantidade no
qualidade, como se pode
ver no texto em que Olavo
de Carvalho critica a
primeira lei de Newton,
texto disponvel apenas na internet.
Um dos paradoxos
inaugurais dos tempos
modernos est na
facilidade sonsa com
que a parte pensante da Europa aceitou os
dois princpios da
mecnica newtoniana
101
a eternidade do movimento e a lei de inrcia sem parar por um instante sequer
para notar que eram
mutuamente
contraditrios. A fsica
antiga dizia que um corpo, se no movido
por outro, tende a ficar
parado. Newton
contestou isso,
afirmando que a fora
da sua prpria inrcia mantm cada corpo
eternamente no seu
estado presente, seja
102
de repouso ou de
movimento retilneo e uniforme. S h um
problema: se o
movimento eterno,
no faz sentido falar
em estado presente a no ser por referncia a um
observador vivo
dotado do sentido da
temporalidade.
Olavo de Carvalho coloca
um problema tipicamente filosfico, mas comete o
erro primrio de criticar
Newton por uma coisa que
103
Newton no escreveu, pelo
menos na obra-prima que estabelece a mecnica
clssica: os Principia Princpios matemticos da
filosofia natural.
Todo objeto
permanece em seu estado de repouso ou
de movimento
uniforme numa linha
reta, a menos que seja
obrigado a mudar
aquele estado por foras imprimidas
sobre ele. (HEWITT.
104
Fsica conceitual, p.
48)
Newton no fala nem em
movimento eterno, nem em
eternidade do movimento;
at porque, para Newton,
trs coisas so eternas:
Deus e as duas sequelas da existncia divina o tempo e o espao
absolutos.
E Newton no fala que o
estado de repouso ou de
movimento uniforme numa linha reta seja infinito, mas,
se falasse, estaria falando
105
do infinito em potncia, no
em ato. Exemplo de infinito em
potncia a era crist, que
comeou h dois mil e
poucos anos e, pelo menos
para os propsitos desta
explicao, no acabar nunca mais. Exemplo de
infinito em ato o conjunto
dos nmeros naturais
supondo que um deus
onisciente consiga
visualizar todos os nmeros de uma vez s.
Mas o texto de Olavo de
Carvalho to confuso que
106
merece um zero sem
maiores explicaes. Quando Olavo de Carvalho
diz que todo movimento ,
por definio, uma
mudana ocorrida dentro
de uma escala de tempo, a
expresso ocorrida dentro de uma escala de tempo
pura invencionice.
A contradio to
flagrante, que chega a
ser escandaloso que
durante tantos sculos quase ningum a
tenha percebido, ou
pelo menos assinalado
107
expressamente. Porm
a absurdidade ostensiva continha
dentro de si outra
ainda pior. Todo
movimento , por
definio, uma
mudana ocorrida dentro de uma escala
de tempo
determinada. Se voc
esticar indefinidamente
os limites do tempo,
no haver mais diferena possvel
entre a mudana e a
permanncia, entre o
108
acontecer e o no
acontecer.
O tempo absoluto,
verdadeiro e matemtico de
Newton no tem relao
com qualquer coisa externa
e inapreensvel. O tempo
relativo, aparente e vulgar uma medida do tempo
absoluto por meio do
movimento. Ora, se o
tempo absoluto
inapreensvel, no dele
que Olavo de Carvalho est falando. Mas no do
tempo relativo porque o
tempo relativo no pode
109
definir o movimento para
depois ser apreendido a partir dele.
O problema com a
fsica de Newton que,
quando um sujeito
aceita uma tese
autocontraditria como se fosse uma verdade
definitiva, a
contradio no
percebida se refugia no
inconsciente e danifica
toda a inteligncia lgica do infeliz.
Quem duvida da inrcia
pode pegar um nibus e
110
seguir de p com os braos
cruzados e os olhos fechados.
111
14. Sobre o atesmo
de Newton
Segundo Olavo de
Carvalho:
Newton no espalhou
s o atesmo pela
cultura ocidental:
espalhou o vrus de
uma burrice
formidvel.
Mas Newton no ateu.
Na tica, ele escreve:
[Deus] mais capaz
por Sua vontade de
mover os corpos em
112
seu sensrio uniforme
ilimitado [o espao] (...) do que ns somos
capazes, por nossa
vontade, de mover as
partes de nossos
prprios corpos.
(NEWTON. tica. So Paulo: Abril Cultural,
1979. p. 56)
Na segunda carta de sua
correspondncia com
Clarke, Leibniz escreve:
Encontra-se expressamente no
apndice da tica de
Newton que o espao
113
o sensrio de Deus.
Ora, a palavra sensrio sempre significou o rgo da
sensao [para uns o
crebro, para outros o
corao]. (LEIBNIZ.
Correspondncia com Clarke. So Paulo:
Abril Cultural, 1974)
Na Enciclopdia das
cincias filosficas, Hegel
escreve:
Segundo Newton, o espao o sensrio de
Deus. (HEGEL.
Enciclopdia das
114
cincias filosficas em
compndio, volume 2. So Paulo: Loyola,
1997. p. 64)
Num livro em que
confunde o conceito de
sensrio com o de ter, o
bispo fundador da Comunidade Evanglica
Sara Nossa Terra escreve:
[Newton] dizia que o
espao era o sensrio
de Deus e, portanto,
poderia ser, por seu carter divino, o
agente transmissor das
foras gravitacionais.
115
(RODOVALHO. Cincia
e f: o reencontro pela fsica quntica. So
Paulo: Leya, 2013)
Mas nem os fatos, nem as
pessoas convencem Olavo
de Carvalho.
Newton no concebeu sua teoria gravitacional
s para explicar
determinados fatos da
natureza embora ela ainda seja ensinada
assim populao ginasiana , mas como parte de um
projeto abrangente de
116
destruir o cristianismo
trinitrio e substitu-lo por uma religio da
unidade absoluta, de inspirao esotrica.
preciso ser muito
sonso para no notar
a o alcance da ambio totalitria
subjacente.
A afirmao de que dois
corpos se atraem na razo
direta do produto de suas
massas e na razo inversa do quadrado da distncia
entre eles no destri o
cristianismo, destri apenas
117
as convices excntricas
de Olavo de Carvalho.
118
15. Sobre o
darwinismo
Olavo de Carvalho no
entende nem o lamarckismo, nem o
darwinismo.
Darwin no inventou a
teoria da evoluo:
encontrou-a pronta,
sob a forma de doutrina esotrica, na
obra do seu prprio
av, Erasmus Darwin,
e como hiptese
cientfica em menes
inumerveis
119
espalhadas nos livros
de Aristteles, Santo Agostinho, So Toms
de Aquino e Goethe,
entre outros. Tudo o
que fez foi arriscar
uma nova explicao
para essa teoria e a explicao estava
errada. Ningum mais,
entre os
autoproclamados
discpulos de Darwin,
acredita em seleo natural. A teoria da moda, o chamado
neodarwinismo,
120
proclama que, em vez
de uma seleo misteriosamente
orientada ao
melhoramento das
espcies, tudo o que
houve foram
mudanas aleatrias. Que eu saiba, o mero
acaso precisamente
o contrrio de uma
regularidade fundada
em lei natural,
racionalmente expressvel.
Sobre Erasmus Darwin e
Lamarck:
121
O alicerce mais slido
para uma teoria da evoluo anterior ao
sculo XIX
desenvolveu-se por
meio das pesquisas e
escritos de Erasmus
Darwin (1731-1802) (av de Charles
Darwin) e Jean-
Baptiste Lamarck
(1744-1829). Erasmus
Darwin era um mdico
proeminente na Inglaterra, sendo
conhecido tambm
como um pensador
122
radical e inovador. Sua
verso da teoria evolucionista afirmava
que as espcies se
modificavam
adaptando-se ao meio
graas a algum tipo de
esforo consciente; esse conceito tornou-
se conhecido como a
doutrina das
caractersticas
adquiridas. Jean-
Baptiste Lamarck, contemporneo de
Erasmus Darwin, foi o
mais conhecido dos
123
dois, e defendia uma
filosofia evolucionista semelhante. (...) Em
sua obra publicada em
1809, Filosofia
zoolgica, ele exps
dois princpios que a
seu ver explicavam a enorme variedade e
desenvolvimento das
formas de vida: os
rgos aperfeioam-se
com o uso e
enfraquecem com a falta de uso; essas
mudanas so
preservadas nos
124
animais e transmitidas
prole. Por exemplo, Lamarck acreditava
que as girafas tm
pescoo longo porque
se esticam para
alcanar folhas nas
rvores. Esse conceito era uma espcie de
darwinismo invertido, no qual a criatura
controla seu prprio
destino em vez de o
meio criar a criatura. Eram conjecturas, sem
base em uma
abordagem ou
125
comprovao
cientfica. A verso lamarckiana da
doutrina das
caractersticas
adquiridas era uma
combinao das ideias
do prprio Lamarck sobre o plano de Deus
e da Escala do Ser de
Aristteles. Lamarck
escreveu que a vida
ascendia a nveis mais
elevados para aperfeioar a Criao.
(BRODY. As sete
maiores descobertas
126
cientficas da histria.
So Paulo: Companhia das Letras, 1999. p.
234)
Sobre Charles Darwin:
Em posse das
observaes de
Malthus [de que a populao humana e a
demanda sempre
excederiam a produo
de alimentos e outros
bens necessrios],
[Charles] Darwin aplicou-as s suas
prprias observaes
sobre as espcies
127
vegetais e animais.
Reconheceu que o potencial reprodutivo
das plantas e animais
excede
substancialmente a
razo necessria para
manter a populao dessas plantas e
desses animais em um
nvel constante, porm
ainda assim o tamanho
dessas populaes
permanece razoavelmente
constante. Com base
nisso, Darwin concluiu
128
que as plantas e os
animais que sobrevivem acirrada
competio entre
todos os seres vivos
tm de ser mais bem
equipados para viver
em seu meio especfico do que aqueles que
no sobrevivem.
Predadores lutam por
territrio e presas,
animais de pastio
buscam as melhores terras, a vida vegetal
compete por espao no
qual expandir-se e
129
proliferar, os machos
de muitas espcies lutam pelo direito s
fmeas. Prevalecem os
mais rpidos, mais
fortes e mais espertos,
e essas caractersticas
vitais so herdadas por seus descendentes. A
seleo natural
permite que as
mudanas que
favorecem a
sobrevivncia sejam passadas adiante e
elimina as mudanas
desfavorveis. Embora
130
a cincia da gentica
ainda no existisse, Darwin presumiu que
qualidades essenciais
do ser sobrevivente,
fosse ele predador,
animal de pastio,
vegetal ou conquistador da
fmea, eram de algum
modo transmitidas em
sua semente. (BRODY.
As sete maiores
descobertas cientficas da histria. So Paulo:
Companhia das Letras,
1999. p. 245)
131
Resumindo: Charles
Darwin no encontrou a teoria da evoluo pronta.
Desenhando: O acaso e a
seleo natural so dois
momentos distintos da
evoluo. As girafas que
tm, POR ACASO, o pescoo um pouco mais
comprido so favorecidas
pela SELEO NATURAL e
acabam gerando filhotes
que tm a tendncia
(gentica) de ter o pescoo mais comprido.
Vale notar (porque o texto
citado no to claro em
132
relao a isto) que a
seleo natural no privilegia os melhores no
sentido que Olavo de
Carvalho parece usar,
privilegia os mais
adaptados.
Numa rea invadida por predadores desconhecidos,
as presas mais covardes
talvez tenham mais chance
de sobreviver. Numa
populao em que alguns
morcegos tm o crebro maior e outros tm os
testculos maiores, se a
vantagem dos primeiros
133
para sobreviver for
pequena e a vantagem dos ltimos para reproduzir for
grande, a seleo natural
privilegiar o tamanho dos
testculos.
Puramente farsesco,
no entanto, o esforo geral para camuflar a
ideologia genocida que
est embutida na
prpria lgica interna
da teoria da evoluo.
Quando os apologistas do cientista britnico
admitem a contragosto
que a evoluo foi
134
usada para legitimar o racismo e os assassinatos em
massa, eles o fazem
com monstruosa
hipocrisia.
No porque a natureza
apresenta aspectos moralmente reprovveis
que devemos fingir que as
coisas no so como so. O
leo macho que toma o
territrio de outro leo
macho mata os filhotes do perdedor para que as
fmeas se ocupem apenas
da prole do leo que
135
venceu. Quando Darwin
descobre a seleo natural, descobre uma regra que,
ou no foi deliberadamente
criada, ou foi
deliberadamente criada por
Deus.
Se o darwinismo foi usado para legitimar o racismo e
os assassinatos em massa,
a religio tambm foi. E
nenhum dos dois deve ser
abolido por causa disso.
136
16. Sobre Kant
O curso de bacharelado em filosofia da USP no
enciclopdico. No comea
com os pr-socrticos, no
discute dezenas e dezenas
de filsofos como as duas
mil e setecentas pginas da Histria da filosofia de
Reale e Antiseri.
Tem aluno que l Plato,
tem aluno que l
Aristteles; tem aluno que
l Agostinho, tem aluno que l Toms de Aquino;
tem aluno que l Hobbes,
tem aluno que l Rousseau.
137
Mas todos leem Kant.
Todos leem a Crtica da razo pura.
O primeiro e o mais
bsico dos limites
assinalados por Kant
que o campo da
experincia est circunscrito pelas duas
formas a priori da
sensibilidade, o espao
e o tempo. Mas aquilo
que est num lugar
determinado est tambm, a fortiori, no
infinito supraespacial;
e aquilo que ocorre
138
num instante
determinado acontece tambm, a fortiori,
dentro da eternidade
duas necessidades a priori das mais bvias
que, por si, dariam por
terra com os famosos limites que a filosofia
crtica procurava
estabelecer.
O que Kant diz, muito
resumidamente, que as
noes de espao e tempo so anteriores a qualquer
experincia (no vendo o
tempo passar que voc
139
percebe o que o tempo ) e
que toda experincia acontece no espao e no
tempo.
Olavo de Carvalho diz que
o que est no espao est
no infinito supraespacial;
que o que est no tempo est na eternidade; e que
tudo isto muito bvio.
O primeiro erro de Olavo
de Carvalho imaginar que
os problemas do espao e
do tempo se correspondem com perfeio. O espao e
o tempo podem ser
absolutos ou relativos,
140
finitos ou infinitos, mas a
noo de eternidade no tem um equivalente como
este negcio chamado
infinito supraespacial.
Isto acontece, entre
outros motivos, porque a
relao que se estabelece no espao entre sujeitos
(coisas) e a relao que se
estabelece no tempo
entre predicados
(acontecimentos). Supondo
que o espao e o tempo sejam infinitos, por
exemplo, o espao inteiro
existe, mas o tempo no
141
porque, pelo menos em
princpio, o passado existiu e o futuro existir.
Quando se supe que
Deus criou o espao e o
tempo, a pergunta difcil
o que Deus fazia antes da
criao?, no onde Deus estava? porque, sendo
imaterial, no estava em
lugar nenhum.
Agostinho tratou da
primeira questo
mostrando uma eternidade e um tempo
incomensurveis entre si.
Deus na eternidade (fora
142
do tempo) e o homem no
tempo (fora da eternidade). Mal comparando, Deus est
para o nosso tempo assim
como o autor de um
romance est para o tempo
vivido pelos personagens
da obra literria. Numa passagem bastante
conhecida das Confisses,
Agostinho argumenta que
no faz sentido perguntar o
que Deus fazia antes de
criar o cu e a terra porque antes diz respeito ao
tempo, no eternidade
divina.
143
Eis a minha resposta
quele que pergunta: Que fazia Deus antes de criar o cu e a
terra? No lhe responderei (...)
Preparava (...) a geena [o inferno] para aqueles que
perscrutam estes
profundos mistrios! (...) Se pelo nome de
cu e terra se compreendem todas as criaturas, no temo
afirmar que antes de
criardes o cu e a terra
144
no fazeis coisa
alguma. Pois, se tivsseis feito alguma
coisa, que poderia ser
seno criatura vossa?
Oxal eu soubesse
tudo o que me importa
conhecer, como sei que Deus no fazia
nenhuma criatura
antes que se fizesse
alguma criatura! (...)
Como poderiam ter
passado inumerveis sculos, se Vs, que
sois o Autor e o
Criador de todos os
145
sculos, ainda os no
tnheis criado? Que tempo poderia existir
se no fosse
estabelecido por Vs?
E como poderia esse
tempo decorrer, se
nunca tivesse existido? (...) Se antes da
criao do cu e da
terra no havia tempo,
para que perguntar o
que fazeis ento? No
podia haver ento onde no havia tempo.
(AGOSTINHO.
Confisses. So Paulo:
146
Nova Cultural, 1999.
p.320)
Embora seja muita
informao para pouco
espao, no d para
duvidar que o que Olavo de
Carvalho diz ser bvio no
tem nada de bvio.
Mais falaciosa ainda
a refutao kantiana
do argumento de Sto.
Anselmo. Sto. Anselmo
diz que a existncia de
Deus autoevidente por mera anlise, de
vez que o Ser infinito e
necessrio no poderia
147
ser privado da
existncia, sendo toda privao uma
limitao, contraditria
portanto com a
infinitude, e a
possibilidade mesma
de uma limitao sendo uma
contingncia,
contraditria com a
necessidade.
O argumento de Anselmo
o seguinte:
O insipiente h de
convir igualmente que
existe na sua
148
inteligncia o ser do qual no se pode pensar nada maior, porque ouve e
compreende essa
frase; e tudo aquilo
que se compreende
encontra-se na inteligncia. Mas o ser do qual no possvel
pensar nada maior no pode existir
somente na
inteligncia. Se, pois, existisse apenas na
inteligncia, poder-se-
ia pensar que h outro
149
ser existente tambm
na realidade; e que seria maior. Se,
portanto, o ser do qual no possvel
pensar nada maior existisse somente na
inteligncia, este mesmo ser, do qual
no se pode pensar
nada maior, tornar-se-
ia o ser do qual
possvel, ao contrrio,
pensar algo maior: o que, certamente,
absurdo. Logo, o ser do qual no se pode
150
pensar nada maior existe, sem dvida, na inteligncia e na
realidade. (ANSELMO.
Proslgio. So Paulo:
Nova Cultural, 1973. p.
102)
O que Kant diz que a suposta existncia
necessria de Deus no
passa de uma existncia
pensada. No porque
penso no ser que existe
necessariamente que ele existe necessariamente.
Kant d por
pressuposto, nessa
151
objeo, que nossa
mente pode criar como mera hiptese o
conceito de um ser
absolutamente
necessrio, ou seja,
que este conceito pode
ser um mero contedo do pensamento.
Sim.
Ou seja: o conceito do
ser necessrio seria
apenas hipoteticamente
necessrio.
152
No: o conceito do ser
necessrio seria apenas uma hiptese.
S que, para esse
conceito ser apenas e
exclusivamente uma
criao da nossa
mente, sem qualquer realidade objetiva, ele
teria de ser
necessariamente
hipottico, ou seja,
teria de excluir
totalmente a possibilidade de ser
mais que mera
hiptese. Ora, esta
153
excluso
autocontraditria.
Kant no diz que Deus
no existe. Diz apenas que
o argumento ontolgico no
prova esta existncia.
Mais que logicamente
certo, o argumento ontolgico
autoevidente.
No .
Denomino
autoevidente o juzo
que no pode ter uma contraditria unvoca,
ou seja, cuja
154
contraditria no
sequer formulvel sem o vcio redibitrio da
ambiguidade. Que eu
saiba, esta
caracterstica dos
juzos autoevidentes
no tinha sido ressaltada at agora.
No caso, qual a
contraditria do juzo
O ser necessrio existe
necessariamente? O ser necessrio inexiste
necessariamente ou
155
A existncia do ser necessrio no necessria? Impossvel decidir.
Qual a contraditria do
juzo Papai Noel existe
necessariamente? Papai
Noel inexiste necessariamente ou A
existncia do Papai Noel
no necessria?
A contraditria do
argumento de Sto.
Anselmo informulvel. Rejeitar
portanto esse
argumento abdicar
156
do senso mesmo da
unidade do discurso, cair na linguagem
dupla que terminar
por nos levar aonde
chegou Kant.
Papai Noel existe!
157
17. Herrar umano
Espero ter errado pouco, nos argumentos e no
portugus, mas gostaria de
deixar claro que este no
um livro filosfico.
A filosofia de verdade
detalhista e trabalhosa. Comea com os autores
consagrados e s depois
segue em frente. A Crtica
da razo pura dialoga com
Leibniz e Hume citando
Plato, Aristteles, Descartes, Hobbes, Locke.
158
18. Um pouco de
filosofia
Quem quer dar os
primeiros passos na filosofia pode comear com
a primeira parte de Uma
breve histria da filosofia
moderna de Roger Scruton,
com as Meditaes
metafsicas de Descartes e com a segunda parte de
Uma breve histria da
filosofia moderna de Roger
Scruton. Comear com Kant
(Crtica da razo pura,
Crtica da razo prtica,
159
Crtica do juzo) ou Hegel
(Cincia da lgica, Fenomenologia do esprito)
impraticvel.
Os captulos seguintes
mostram dois trechos da
primeira antinomia de Kant
e um pouco do que j escrevi.
160
19. O tempo na
primeira antinomia
de Kant
Tese: O mundo tem um
comeo no tempo.
Admita-se que o
mundo no tem um
comeo no tempo; at
qualquer instante dado
decorreu uma
eternidade e deu-se, por conseguinte, o
decurso de uma srie
infinita de estados
sucessivos das coisas
no mundo. Ora, a
161
infinitude de uma srie
consiste precisamente em nunca poder ser
terminada por sntese
sucessiva. Sendo
assim, impossvel
uma srie infinita
decorrida no mundo e, consequentemente,
um comeo do mundo
condio necessria
da sua existncia.
(KANT. Crtica da razo
pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001)
162
Anttese: O mundo no
tem um comeo; infinito no tempo.
Suponhamos, com
efeito, que o mundo
tem um comeo. Como
o comeo uma
existncia precedida de um tempo em que a
coisa no , tem que
ter decorrido
previamente um tempo
em que o mundo no
era, ou seja, um tempo vazio. Ora, num
tempo vazio no
possvel o nascimento
163
de qualquer coisa,
porque nenhuma parte de um tal tempo tem
em si, de preferncia a
outra, qualquer
condio que distinga
a existncia e a faa
prevalecer sobre a no existncia (quer se
admita que essa
condio surja por si
mesma ou atravs de
uma outra causa).
Podem, por conseguinte, comear
no mundo vrias sries
de coisas, mas o
164
prprio mundo no
pode ter comeo e pois infinito em relao
ao tempo passado.
(KANT. Crtica da razo
pura. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2001)
165
20. A origem do
universo na fsica
contempornea
A teoria do big bang parte
de duas constataes empricas. A primeira diz
que as galxias esto se
afastando umas das outras
e que o universo, portanto,
est em expanso. A
segunda diz que existe uma radiao csmica de fundo
e que esta radiao mostra
que o universo se comporta
como se fosse um corpo
negro homogneo com 270
166
graus negativos de
temperatura. Estes fatos, interpretados
pelos modelos tericos
derivados da relatividade
geral, sugerem que o
universo esteve
concentrado num nico ponto h pouco menos de
14 bilhes de anos e que,
neste ponto, com volume
zero e densidade de
energia infinita, foram
criados o espao e o tempo. Se o Timeu (de Plato) e o
Gnesis (da Bblia) falham
categoricamente na
167
tentativa de explicar o
comeo de tudo, o big bang no deixa por menos. O
que a teoria diz que
rodando o filme da
expanso do universo para
trs, o todo ocupa um nico
ponto antes de desaparecer.
Rodando o filme para trs,
no entanto, o universo to
pequeno quanto se queira
no chega ao tamanho de
um nico ponto porque o ponto, por definio,
adimensional.
168
Por outro lado, dizer que
os corpos celestes esto se afastando diferente de
dizer que o espao ou o
espao-tempo esto em
expanso. Dizer que o
tempo algo em si j
temerrio. Dizer que o espao-tempo surgiu num
momento que, no fim das
contas, to mgico
quanto o momento da
criao do mito platnico
ou da religio crist no se justifica.
Esse modo de
descrever a criao, os
169
momentos iniciais do
universo, tem seu anlogo em diversas
religies que
identificam em suas
cosmogonias o tempo
mtico/mgico no qual
os deuses se debruaram para alm
de suas atividades
usuais a fim de
empreender a criao
do mundo. Na
comunidade judaico-crist, em particular, a
ideia de um comeo
nico e singular
170
pareceu a muitos incluindo o Papa Pio XII uma descrio cientfica da criao do
universo bastante
aceitvel e at
desejvel, posto que
de fcil adaptao aos ensinamentos de livros
religiosos
fundamentais, como a
Bblia. (NOVELLO. Do
big bang ao universo
eterno. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. cap. 1)
As teorias do universo
eterno dizem que a histria
171
do universo no comea no
tomo primordial previsto pela teoria do big bang: ou
a expanso atual do
universo tem infinitos
sculos ou o momento
mgico de 14 bilhes de
anos atrs foi apenas o ponto de inflexo mais
recente de um universo que
se expande e se retrai
tambm h infinitos
sculos.
No razovel, no entanto, imaginar que um
tempo infinito tenha
transcorrido porque o
172
infinito problemtico at
na abstrao da matemtica.
Wittgenstein pergunta,
por exemplo, se o conjunto
dos infinitos nmeros
naturais existe de fato ou
no passa de uma regra geradora de nmeros
indefinidamente grandes.
De forma semelhante,
mas paradoxal, poderamos
perguntar se Deus
conseguiria somar todos os nmeros naturais porque o resultado esperado seria
um nmero natural maior
173
do que cada um dos
nmeros somados, ou seja, um nmero natural que
Deus no conseguiu colocar
na soma proposta
inicialmente.
174
21. O tempo na
fsica
contempornea
A mecnica quntica no
explica o que o tempo porque apresenta
resultados to
contraintuitivos que tende a
ser reconhecida apenas
como um modelo que
funciona. No fcil compatibilizar o realismo
cientfico com situaes
tpicas da mecnica
quntica, como a do fton
175
que s vezes partcula, s
vezes onda.
Um sistema quntico
ou exibe aspectos
corpusculares
(seguindo trajetrias
bem definidas), ou
aspectos ondulatrios (como a formao de
um padro de
interferncia),
dependendo do arranjo
experimental, mas
nunca ambos ao mesmo tempo.
(PESSOA JR. Conceitos
de fsica quntica. So
176
Paulo: Editora Livraria
da Fsica, 2003. p. 18)
Bohr e Heisenberg
propem que a realidade
corpuscular e a realidade
ondulatria coexistem at
que uma seja obrigada a se
manifestar. Einstein, Planck e Schrdinger no se
convencem.
Em 1935, Schrdinger
preocupava-se com a
interpretao de
Copenhague. Ele podia ver que ela funcionava,
num nvel pragmtico,
para sistemas
177
qunticos como
eltrons ou ftons. Mas o mundo em volta,
ainda que, bem no
fundo, fosse apenas
uma massa fervilhante
de partculas
qunticas, parecia diferente. Buscando
uma forma de deixar a
diferena mais clara
possvel, Schrdinger
apresentou um
experimento mental no qual uma partcula
quntica tinha um
efeito dramtico e
178
bvio sobre um gato.
Imagine uma caixa que, quando fechada,
seja impenetrvel a
toda e qualquer
interao quntica.
Dentro dela, coloque
um tomo de material radiativo, um detector
de radiao, um frasco
de veneno e um gato
vivo. Agora feche a
caixa e espere. Em
algum momento o tomo radiativo sofrer
decaimento, emitindo
uma partcula de
179
radiao. O detector
est acionado de tal maneira que ao
registr-lo provoca a
quebra do frasco,
liberando o veneno no
seu interior. Isso mata
o gato. Na mecnica quntica, o decaimento
de um tomo radiativo
um evento aleatrio.
Do lado de fora,
nenhum observador
pode dizer se o tomo decaiu ou no. Se
decaiu, o gato est
morto; seno, est
180
vivo. Segundo a
interpretao de Copenhague, at
algum observar o
tomo, ele est numa
superposio de dois
estados qunticos:
decado e no decado. O mesmo vale para os
estados do detector,
do frasco e do gato.
Logo, o gato uma
superposio de dois
estados: vivo e morto. (STEWART. Dezessete
equaes que
mudaram o mundo.
181
Rio de Janeiro: Zahar,
2013. p. 301)
O paradoxo do gato (entre
outros) demanda
explicaes complexas que,
quando colocadas em
cheque, demandam
explicaes ainda mais complexas, num processo
interminvel.
Kant diz que a metafsica
dogmtica porque no
examina suas prprias
possibilidades antes de especular sobre Deus ou
sobre a liberdade. A fsica
contempornea mais
182
dogmtica que a
precedente neste aspecto.
O desfecho que a
funo de onda do
gato no precisa
colapsar para
contribuir com uma
observao clssica nica. Ela pode
permanecer totalmente
inalterada, sem violar
a equao de
Schrdinger. Em vez
disso, existem dois universos coexistentes.
Num deles, o gato
morre; no outro, no
183
morre. Quando voc
abre a caixa, h correspondentemente
dois vocs e duas
caixas. Um deles
parte da funo de
onda de um universo
com um gato morto; o outro parte de uma
funo de onda
diferente, com um
gato vivo. Em lugar de
um mundo clssico
nico que de algum modo emerge da
superposio de
possibilidades
184
qunticas, temos uma
vasta gama de mundos clssicos, cada um
correspondendo a uma
possibilidade quntica.
(STEWART. Dezessete
equaes que
mudaram o mundo. Rio de Janeiro: Zahar,
2013. p. 308)
O mais razovel
considerar que o tempo, na
mecnica quntica, seja
apenas a varivel t das equaes da mecnica
quntica uma representao, um modo
185
bastante especfico de
pensar.
A mecnica quntica
(...) descreve o
comportamento dos
tomos e das
partculas
subatmicas, e nos revelou um mundo
microscpico em que
espao e tempo se
manifestam apenas
como variveis
matemticas, e onde conceitos como
medio e realidade
fsica perdem seu
186
sentido habitual.
(HACYAN. Fsica y metafsica del espacio
y el tiempo. Cidade do
Mxico: Fondo de
Cultura Econmica,
2011. Introduo)
O tempo da relatividade relativo porque tem uma
relao (no sentido
matemtico do termo) com
a velocidade do referencial
adotado, relao que se
expressa pelas transformaes de Lorentz
na relatividade restrita e
pelas equaes de campo
187
de Einstein na relatividade
geral. Rigorosamente falando, a
relatividade no diz o que o
tempo , diz como ele
funciona, tornando
igualmente vlida a crtica
que fizemos mecnica quntica.
As coisas que so
indescritveis na
matemtica e
experimentalmente
inverificveis no so objeto de estudo nem da
relatividade em particular,
nem da fsica
188
contempornea de maneira
geral. Alm disso, embora os
resultados da relatividade
no sejam to estranhos
quanto os da mecnica
quntica, o tempo da
relatividade apenas uma das dimenses da
abstrao matemtica que
o espao-tempo.
A teoria da relatividade
especial [ou restrita],
de 1905, foi o ponto culminante de uma
longa aventura do
pensamento,
189
unificando a descrio
da fsica, ao fundir o espao tridimensional
ao tempo e formar
uma nova unidade
chamada estrutura
espao-tempo. A
geometria desse espao-tempo consiste
em uma configurao
rgida, imvel, capaz
de servir de arena ou
pano de fundo para
todos os processos fsicos. Na relatividade
geral, matria e
energia sob qualquer
190
forma influenciam as
propriedades geomtricas do espao
e do tempo. Tudo se
passa como se o
espao-tempo fosse
uma substncia com
propriedades elsticas afetadas pelos corpos
materiais, produzindo
sulcos e reentrncias
nessa estrutura,
modificando assim o
movimento dos corpos em interao.
(NOVELLO. Do big
bang ao universo
191
eterno. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010. cap. 3, comentrio C)
O espao-tempo no
algo que possa ser
encontrado, como o bson
de Higgs. uma estrutura
to verdadeira quanto as esferas do sistema do
mundo ptolomaico.
Para explicar os
movimentos
planetrios, os
astrnomos criaram sistemas de crculos
(ou esferas) que se
movem sobre outros
192
crculos (ou esferas). O
crculo principal associado a cada astro,
que serve de base para
o movimento dos
outros crculos
menores, chamado
deferente (ou seja: transportador). O
centro do deferente
poderia coincidir com o
centro da Terra ou ele
poderia ser excntrico.
Os crculos ou esferas menores, que se
apoiam sobre o
deferente, so
193
denominados epiciclos.
Um movimento relativamente simples
pode ser descrito por
um deferente com um
nico epiciclo. Outros,
mais complexos,
exigem vrios epiciclos um se apoiando sobre o outro.
(COPRNICO.
Commentariolus. So
Paulo: Nova Stella,
1990. p. 52)
No seria um despropsito
se a dilatao do tempo
propalada pela relatividade
194
fosse questionada. No
clssico experimento do mon, por exemplo, a
dualidade partcula-onda
desprezada; o decaimento
aleatrio tomado como
relgio; e a teoria que
sustenta as medies realizadas justamente a
teoria que o experimento
se prope a provar.
Estudos mais
detalhados tm sido
feitos envolvendo partculas instveis
chamadas mons, que
so criadas na alta
195
atmosfera, a uma
altura em torno de 60 km, quando raios
csmicos de alta
energia colidem com
molculas do ar.
Experimentos
realizados em laboratrio revelaram
que os mons
estacionrios decaem
com uma meia-vida de
1,5 s, isto , metade dos mons decai em 1,5 s, enquanto a metade dos que
restaram decair no
196
prximo 1,5 s e assim por diante. Os decaimentos podem
ser usados como um
relgio. Os mons
movem-se pela
atmosfera a uma
velocidade bem prxima da velocidade
da luz (...) portanto
(...) apenas 1 em
1.040 mons deveria
chegar ao solo.
Todavia, de fato, os experimentos
revelaram que
aproximadamente 1
197
em cada 10 mons
chegava ao solo. (...) Essa discrepncia
deve-se dilatao
temporal. (KNIGHT.
Fsica: uma abordagem
estratgica, volume 4.
So Paulo: Bookman, 2009. p. 1159)
Se o tempo na mecnica
quntica apenas o que se
tem nas equaes daquela
metade da fsica, o tempo
da relatividade o tempo das transformaes de
Lorentz (na relatividade
restrita) e das equaes de
198
campo de Einstein (na
relatividade geral). Nos trs casos, o que se
tem no uma descrio
com pretenses
ontolgicas, apenas uma
ferramenta que funciona
para os problemas que cada pedao da fsica se
dispe a resolver.
Quando os fsicos
contemporneos tm um
problema que envolve
dimenses reduzidssimas (menores do que um
tomo), usam a mecnica
quntica, suas frmulas e a
199
varivel tempo que estas
frmulas expressam. Quando estes mesmos
fsicos tm um problema
que envolve velocidades
prximas velocidade da
luz, usam a relatividade
restrita ou a relatividade geral. A relatividade restrita
tem clculos mais simples
porque no considera a
existncia de campos
gravitacionais. A
relatividade geral tem clculos mais complexos e
s usada quando os
campos gravitacionais no
200
podem ser
desconsiderados.
201
22. Sobre mim
Tenho 44 anos e sou um consultor de informtica
especializado em pesquisas
de remunerao e no
gerenciamento eletrnico
de documentos.
Pela Escola Tcnica Federal de So Paulo, sou
tcnico em processamento
de dados. Pela
Universidade Mackenzie:
tecnlogo em
processamento de dados, licenciado para o ensino
mdio e especialista em
didtica do ensino superior.
202
Pela Universidade de So
Paulo: bacharel e mestrando em filosofia.
No gosto do PT, nem
morro de amores pelo
PSDB. Em 2012, pedi o
impeachment de Dias
Toffoli.
HLIO RICARDO DE
SOUZA PIMENTEL (...)
vem (...) representar
pelo impeachment do
Ministro JOS
ANTONIO DIAS TOFFOLI, do Supremo
Tribunal Federal, por
crime de
203
responsabilidade,
consoante os fatos de conhecimento pblico
a seguir descritos. (...)
Esperava-se que o
Ministro DIAS TOFFOLI
se afastasse do
processo, declarando-se suspeito, pela
absoluta falta de
iseno para julgar
fatos criminosos
imputados ao seu ex-
chefe, especialmente porque certas condutas
criminosas teriam sido
praticadas no mbito
204
da Casa Civil no
mesmo perodo em que o representado
exercia funo de
confiana no referido
rgo. (...) Ora, em
razo do cargo que
ocupava e da proximidade com o
principal ru do
processo, o
representado poderia,
circunstancialmente,
ter figurado como ru ou testemunha desse
caso, de tal sorte que
sua opo de julgar o
205
Mensalo se afigura
indefensvel, moral e juridicamente. (...)
206
23. Papai Noel existe
mesmo!
Quando Olavo de Carvalho
diz que Obama um
partidrio fervoroso (...) da
rendio incondicional [americana] ante qualquer
poder nuclear estrangeiro,
o absurdo grande demais
para ser levado a srio;
grande demais para se
formular um argumento contrrio. Quando diz que
sou um analfabeto
funcional, que me mandar
merda pleonasmo, que
207
sou um bosta, que tenho
problemas mentais, seu objetivo inviabilizar o
debate transformando a
discusso que poderia ser
filosfica em molecagem.
por isso que insisto na
discusso do conceito de juzo autoevidente.
O captulo 16 mostrou que
Olavo de Carvalho
considera autoevidente
todo juzo que no pode ter
uma contraditria unvoca.
No caso, qual a
contraditria do juzo
O ser necessrio
208
existe
necessariamente? O ser necessrio inexiste
necessariamente ou A existncia do ser necessrio no
necessria? Impossvel decidir.
O captulo 16 mostrou
tambm que, segundo a
filosofia de Olavo de
Carvalho, o juzo Papai Noel
existe necessariamente to autoevidente quanto O
ser necessrio existe
209
necessariamente ou X
existe necessariamente. Olavo de Carvalho sentiu
o estrago que a questo
pode fazer em sua fama de
filsofo e tentou rebater os
argumentos.
www.facebook.com/olavo.decarvalho/posts/1
0152217393637192
Primeiro fez consideraes
que no dizem respeito ao
conceito de juzo
autoevidente.
O sr. Hlio Pimentel
manifestamente
210
incapaz de perceber a
diferena entre o conceito universal de
um ser necessrio e o
nome de um ente
contingente qualquer.
O conceito de ser necessrio postula por si mesmo a existncia,
cabendo portanto,
como contraditria do
juzo modal que afirma
a sua necessidade,
seja negar o modo, seja negar a validade
do conceito mesmo; e
o juzo o ser
211
necessrio no existe
necessariamente tem inevitavelmente esse
duplo sentido. Do
mesmo modo, a = a afirma
simultaneamente, seja
a identidade de dois signos abstratos, seja
a dos entes que eles
designam, mas,
quando dizemos a a, impossvel discernir de imediato, da simples formulao
da sentena, se
estamos afirmando a
212
existncia de uma
autocontradio no prprio ente designado
por a ou, ao contrrio, uma simples
denominao equvoca
que nomeia com um
mesmo signo dois entes diversos. Por
isso que digo que os
juzos auto-evidentes
no tm uma
contraditria unvoca.
Depois, desdenhou meus argumentos.
Para contest-lo, o sr.
Pimentel cria o juzo
213
Papai Noel existe necessariamente e diz que pode ter duas
contraditrias: A existncia de Papai
Noel no necessria e Papai Noel necessariamente inexiste. Donde ele conclui, com ares
triunfantes, que meu
mtodo leva
concluso de que Papai
Noel existe.
Depois, desviou o foco da
discusso.
214
H obviedades que no
deveria ser necessrio explicar, que deveriam
ser apreendidas
intuitivamente, num
relance, por uma
espcie de instinto
lgico que todos os seres humanos tm. A
tragdia do
analfabetismo
funcional justamente
que ele bloqueia esse
instinto e coloca em seu lugar o
automatismo das
combinaes verbais
215
postias que, aos olhos
do seu inventor, tm a fora probante de
verdadeiras
demonstraes lgicas,
quando na verdade s
provam uma completa
incapacidade de raciocinar. Num
primeiro instante, uma
dessas combinaes
pode confundir
momentaneamente o
ouvinte desprevenido, que antev nelas algo
de errado mas nem
sempre sabe dizer de