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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO
ANDERSON DA SILVA SOUZA
A INSERÇÃO DA TEORIA DOS CONJUNTOS EM
LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA NO BRASIL
SÃO PAULO
2014
2
UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
A INSERÇÃO DA TEORIA DOS CONJUNTOS EM
LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA NO BRASIL
Dissertação apresentada à banca
examinadora do Programa de Pós
Graduação em Educação Matemática da
Universidade Anhanguera de São Paulo
como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Educação Matemática,
sob a orientação da Profª. Drª.
Aparecida Rodrigues Silva Duarte.
SÃO PAULO
2014
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ANDERSON DA SILVA SOUZA
A INSERÇÃO DA TEORIA DOS CONJUNTOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE
MATEMÁTICA NO BRASIL
Aprovada em: ________/_____________/_____________
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________ Profa. Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte
(Orientadora)
________________________________________________ Profa. Dra. Rosimeire Aparecida Soares Borges
(Examinadora externa)
________________________________________________ Prof. Dra. Maria Elisa Esteves Lopes Galvão
(Examinadora interna)
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S713i
Souza, Anderson da Silva
A Inserção da Teoria dos Conjuntos em livros didáticos de Matemática do
Brasil / Anderson da Silva Souza. São Paulo: Universidade Anhanguera de
São Paulo – UNIAN, 2014.
x, 116 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (MESTRADO) – Universidade Anhanguera de São
Paulo – UNIAN, 2014.
Orientador: Prof. Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte.
Referências bibliográficas: f. 113 - 116.
1. História da matemática escolar 2. Teoria dos conjuntos 3. Livros didáticos.
I. Duarte, Aparecida Rodrigues Silva. II. Universidade Anhanguera de São
Paulo – UNIAN. III. Título.
CDD 510.1
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos verdadeiros profissionais da Educação e aos meus pais, Maria Luiza e José Vicente (In Memorian).
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AGRADECIMENTOS
À professora Doutora Tania Maria Mendonça Campos, competente e dedicada coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo, por acreditar no meu potencial, concedendo-me uma bolsa de estudos. Aos professores Doutores da banca examinadora, Maria Elisa Esteves Lopes Galvão e Rosimeire Aparecida Soares Borges por contribuir com excelentes sugestões para a realização deste trabalho. Ao Guilherme Menezes, pelo auxílio durante todo o curso de Mestrado. Aos professores Doutores da Universidade Anhanguera de São Paulo e, em especial, Vera Helena, Rosana Nogueira, Ubiratan D’Ambrósio, Maria Helena e Ruy Pietropaolo. À banda de Death Metal Gestos Grosseiros, por entender meu compromisso com este trabalho. E, um agradecimento mais que especial, para a minha orientadora, professora Doutora Aparecida Rodrigues Silva Duarte, sem a qual, seria impossível realizar este trabalho. Muito obrigado por contribuir com seus conhecimentos e não medir esforços para me orientar neste trabalho.
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RESUMO
Esta dissertação, de cunho histórico e bibliográfico, tem como propósito
verificar como a Teoria dos Conjuntos foi inserida em livros didáticos de
Matemática do Brasil. Primeiramente, descrevemos como a Teoria dos
Conjuntos ganhou espaço na Matemática, destacando alguns matemáticos que
contribuíram para o desenvolvimento dessa teoria, dentre eles, Georg
Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845 – 1918). Entendendo que a Teoria dos
Conjuntos ganhou maior destaque no ensino da Matemática durante o
Movimento da Matemática Moderna (MMM), analisamos alguns livros didáticos
com o propósito de compreender como os autores desses livros se apropriaram
da Teoria dos Conjuntos naquele período. Para tanto, fizemos a análise dos
livros didáticos, “Matemática Curso Moderno” de autoria de Osvaldo Sangiorgi
(1968) e “Matemática para o Curso Fundamental” de Reginaldo N. de Souza
Lima e Maria do Carmo Vila (1972), ambos do 6º ano (antiga 5º série) e que
foram utilizados durante o MMM; do livro didático “Matemática: curso ginasial”
de autoria de Osvaldo Sangiorgi, 1º série (atual 6º ano), de 1954, momento que
antecedeu ao Movimento e o livro “Matemática” de autoria Luiz Roberto Dante
(2012), Projeto Teláris, do 6º ano, que atualmente é adotado em algumas
escolas estaduais de São Paulo. Finalizamos com uma breve análise sobre a
proposta curricular de Matemática implantada pela Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo (2008). Para a realização desta investigação,
utilizamos como aportes teóricos Correa (2000), Pais (2011), Choppin (2004),
Valente (2008), dentre outros.
Palavras-chave: História da matemática escolar. Teoria dos Conjuntos. Livros
didáticos.
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ABSTRACT
This dissertation, with historical and bibliographic character, has got as its
purpose verify how the Set Theory was inserted in Brazilian Mathematics
textbooks. Firstly, we describe how the Set Theory has taken part in
Mathematics, highlighting some mathematician who has contributed for the
development of such theory, among them, Georg Ferdinand Ludwig Philipp
Cantor (1845 – 1918). Understanding that the Set Theory has acquired a
greater highlight in Mathematics teaching during the Modern Mathematics
Movement (MMM), we have analyzed some textbooks with the purpose of
comprehending how the Set Theory was appropriated by Mathematics
textbooks authors in the past. Therefore, we have analyzed some textbooks,
Mathematics Modern Course by Osvaldo Sangiorgi (1968) and Mathematics for
Elementary School by de Reginaldo N. Souza Lima and Maria do Carmo Vila
(1972), both textbooks corresponding to the 6th grade (former 5th grade), which
were used during the MMM, as well as the textbook Secondary School
Mathematics by Osvaldo Sangiorgi, 1st grade (current 6th grade) from 1954
which had preceded the Movement and the textbook Mathematics, 6th grade,
Teláris Project by Luiz Roberto Dante, (2012), which has been currently used
by some Sao Paulo State Schools. We shall conclude with a brief analysis
about the Mathematics curricular proposal implemented by the Sao Paulo
Board of Education (2008). For the fulfillment of such research, we have used
as theoretical basis Correa (2000), Pais (2011), Choppin (2004), Valente
(2008), among others.
Key-words: History of school mathematics. Set Theory. Textbooks.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Diagramas de Euler.......................................................................................... 25
Figura 02 Capa do livro de Osvaldo Sangiorgi “Matemática: Curso Ginasial” (1954)............ 66
Figura 03 Portaria de 1951.............................................................................................. 67
Figura 04 Capa do livro de Osvaldo Sangiorgi – “Matemática: Curso Moderno” de 1968..... 69
Figura 05 Painel de abertura do 5º Congresso Brasileiro do Ensino de Matemática............. 70
Figura 06 Exemplos de conjuntos do livro de Osvaldo Sangiorgi (1968).............................. 71
Figura 07 Diagrama de Venn............................................................................................ 73
Figura 08 Lembrete amigo no livro de Osvaldo Sangiorgi................................................... 74
Figura 09 Exemplos de aplicações com conjuntos (modelo 1)............................................ 75
Figura 10 Exemplos de aplicações com conjuntos (modelo 2)............................................. 76
Figura 11 Exemplo sobre correspondência biunívoca......................................................... 77
Figura 12 Correspondência biunívoca entre alunos e carteiras........................................... 78
Figura 13 Lembrete amigo em relação ao conjunto N......................................................... 80
Figura 14 Capa do livro “Matemática” para o Curso Fundamental (1972)............................ 82
Figura 15 Apresentação da Minimac.................................................................................. 83
Figura 16 Representação analítica da Minimac.................................................................. 84
Figura 17 Conjunto dos dias da semana formado pela Minimac......................................... 85
Figura 18 Exercício sobre conjuntos ................................................................................... 85
Figura 19 Representação sintética de conjuntos................................................................ 87
Figura 20 Representação sintética da Minimac...................................................................... 87
Figura 21 Conjunto Referencial........................................................................................... 87
Figura 22 Representação Analítica do Conjunto L ............................................................... 88
Figura 23 Conjunto L........................................................................................................... 88
Figura 24 Esquema Geométrico e Diagrama de Venn....................................................... 89
Figura 25 Definição de Relação, Domínio e Contra Domínio............................................... 90
Figura 26 Quadro sobre torneio de futebol........................................................................... 90
Figura 27 Relação de Igualdade entre Conjuntos................................................................. 91
Figura 28 Conjuntos Intersecantes....................................................................................... 92
Figura 29 Conjuntos Não-Intersecantes................................................................................ 92
Figura 30 Exemplos de aplicações de um conjunto em outro conjunto................................ 93
Figura 31 Painéis e diagramas – operações entre conjuntos............................................... 93
Figura 32 Introdução de Conjuntos Equipotentes................................................................. 94
Figura 33 Tabela de Conjuntos Padrões e Cardinais Padrões............................................. 95
Figura 34 Resolução de equações....................................................................................... 96
Figura 35 Corte na adição..................................................................................................... 96
10
Figura 36 Corte na multiplicação........................................................................................... 97
Figura 37 Capa do livro de Dante (2012) – 6º ano................................................................ 98
Figura 38 Breve histórico dos números naturais................................................................... 100
Figura 39 Conjunto dos Números Naturais........................................................................... 100
Figura 40 Introdução capítulo 4............................................................................................. 101
Figura 41 Conjunto dos múltiplos de um número natural..................................................... 101
Figura 42 Frações unitárias e Papiro de Rhind..................................................................... 102
Figura 43 Capa do Caderno do Professor de Matemática.................................................... 103
Figura 44 Emblema do Caderno do 2º bimestre................................................................... 103
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11 CAPÍTULO 1 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS................................................
15
1.1 Fundamentação teórica................................................................................ 17 1.2 Procedimentos metodológicos...................................................................... 23
CAPÍTULO 2 DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DOS CONJUNTOS.........................................
24
2.1 Panorama histórico..…………………………................................................. 24 2.1.2 O Paradoxo de Russel............................................................................... 30 2.1.3 Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845 – 1918)…………………... 32 2.1.4 O Conceito de Infinito e a Hipótese do Continnum.................................... 35
CAPÍTULO 3 A INSERÇÃO DA TEORIA DOS CONJUNTOS NO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA.......................................................................................
40 3.1 O primeiro movimento internacional............................................................. 40 3.2 O segundo movimento internacional: o Movimento da Matemática
Moderna (MMM)..........................................................................................
44 3.2.1 O grupo Bourbaki....................................................................................... 47 3.2.2 O Movimento da Matemática Moderna em alguns países........................ 49 3.2.3 O Movimento da Matemática Moderna no Brasil....................................... 56 3.2.4 Críticas ao Movimento da Matemática Moderna....................................... 60
CAPÍTULO 4 A TEORIA DOS CONJUNTOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA NO BRASIL ....................................................................................................................
63 4.1 A Portaria de 1951........................................................................................ 64 4.2 O livro “Matemática: Curso Ginasial” na década de 1950............................ 66 4.3 O livro “Matemática: Curso Moderno” de Sangiorgi (1968).......................... 69
4.4 O livro “Matemática para o Curso Fundamental” de Lima e Vila (1972)...... 82 4.5 O livro “Matemática” de Dante (2012).......................................................... 98
4.6 O caderno do Professor da Proposta Curricular de Matemática do Estado de São Paulo......................................................................................................
102
4.7 O Currículo do Estado de São Paulo – Matemática e suas tecnologias..........................................................................................................
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 107 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 113
11
INTRODUÇÃO
Concluí a graduação em Licenciatura Plena (Matemática) na
Universidade Guarulhos (UNG) em 2004 e posteriormente fiz um curso de Pós-
Graduação em nível de Especialização em Educação Matemática na
Universidade Nove de Julho (UNINOVE), além de cursos de aperfeiçoamento
oferecidos pela Secretaria de Estado da Educação, pela Diretoria de Ensino
Região Guarulhos Sul. Desde 2004, atuo como professor de matemática da
rede estadual de São Paulo.
Ao longo dessa trajetória almejava, como meta profissional, ingressar
em um Programa de Pós-Graduação em nível de Mestrado e, finalmente,
tomando conhecimento do curso oferecido pela Universidade Anhanguera de
São Paulo, resolvi fazer a inscrição e dar continuidade nos meus estudos,
visando crescer profissionalmente e também melhorar minha compreensão
sobre metodologias aplicadas no ensino de Matemática.
Esta investigação insere-se na linha de pesquisa “Tendências
Internacionais da História e da Filosofia da Matemática e seus reflexos na
Educação Matemática” do Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática da Universidade Anhanguera (UNIAN). Descreve um estudo
histórico em relação à Teoria dos Conjuntos, verificando como esse conteúdo
matemático foi inserido nos currículos escolares de Matemática no período
denominado Movimento da Matemática Moderna (MMM).
A escolha do tema sobre a inserção da Teoria dos Conjuntos em livros
didáticos de Matemática decorreu da constatação de que a Teoria dos
Conjuntos é um assunto tratado praticamente em todas as áreas da
Matemática.
Brito (2005), entende que o aluno pode demonstrar maior interesse por
determinado assunto por meio da história. Assim sendo, a simbologia e o
linguajar da Teoria dos Conjuntos, podem despertar o interesse para a
pesquisa e abrir espaço para novas perspectivas em sua vida estudantil.
12
O conhecimento da história da disciplina, buscando discutir as origens
dos conteúdos a serem desenvolvidos, pode despertar o interesse dos alunos
ao perceberem a relação entre a origem e o conteúdo que estão estudando em
sala de aula.
Baroni e Nobre (1999) consideram que o desenvolvimento histórico é um
rico material que pode propiciar ao professor de Matemática um aprimoramento
na forma de ensinar os conteúdos lecionados ao aluno, e assim, contribuir para
uma melhor compreensão dos mesmos. Nesse sentido, esta pesquisa pode
oferecer ao professor uma história da Teoria dos Conjuntos que lhe permita
estabelecer relações entre o conteúdo que desenvolve em sala de aula e sua
história.
Pretende-se verificar como os matemáticos contribuíram para o
desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos analisando o contexto histórico de
sua criação, em especial a participação do matemático Georg Cantor (1845 –
1918). Desse modo, durante uma aula de Matemática, ao mostrar como Cantor
auxiliou no desenvolvimento dessa teoria e as dificuldades encontradas nessa
empreitada, o professor pode direcionar seu trabalho de forma diferenciada,
como por exemplo, trabalhar conjuntos contáveis citando os próprios alunos
como elementos de um conjunto. A ideia é contribuir para minimizar as
dificuldades que os alunos encontram na compreensão de conteúdos
matemáticos por meio da introdução da História da Teoria dos Conjuntos nas
aulas de Matemática.
Em relação à História da Educação Matemática é necessário, também,
destacar a importância que a Teoria dos Conjuntos ganhou a partir da década
de 1960, quando os currículos de Matemática foram reformulados, com ênfase
na Teoria dos Conjuntos. Essas mudanças decorreram de discussões
internacionais que defendiam novas abordagens para o ensino da Matemática,
mais próximas daquelas desenvolvidas na universidade. Esse movimento
internacional ficou conhecido como Movimento da Matemática Moderna
(MMM). O Brasil participou intensamente desse Movimento, que teve como um
de seus principais objetivos preparar os alunos para os estudos universitários,
pela introdução de novos métodos e conteúdos (GUIMARÃES, 2007).
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Dessa forma, para promover o ensino da Matemática, ocorreu uma forte
valorização da linguagem simbólica, das estruturas algébricas, da formalização
e do rigor. Para tanto, os currículos de Matemática sofreram reformulação, com
ênfase na Teoria dos Conjuntos. Essa teoria era, antes do Movimento, somente
lecionada no Ensino Superior. Nesse sentido, um dos propósitos dessa
pesquisa é analisar como a Teoria dos Conjuntos foi inserida em alguns
manuais escolares do Ensino Fundamental, utilizados durante o MMM no
Brasil.
Nessa perspectiva, esta pesquisa pretende responder às seguintes
questões: como os manuais escolares elaborados para o Ensino Fundamental
incorporaram conteúdos referentes à Teoria dos Conjuntos, durante o
Movimento da Matemática Moderna no Brasil? Quais relações podem ser
estabelecidas entre a história da Teoria dos Conjuntos e o desenvolvimento
desse conteúdo em sala de aula?
Para tanto, esta investigação tem como objetivo geral, analisar livros
didáticos de Matemática elaborados para o Ensino Fundamental durante o
MMM, procurando entender como a Teoria dos Conjuntos foi inserida nesses
manuais escolares.
Como objetivos específicos pretende-se analisar como os conteúdos
matemáticos eram tratados antes do MMM, durante o MMM e, ainda, verificar
como ou, se ainda, a Teoria dos Conjuntos é assunto na atualidade bem como
verificar como o Caderno do Professor uma publicação elaborada pela
Secretaria de Estado da Educação do Estado aborda a Teoria dos Conjuntos.
Com a finalidade de atingirmos os objetivos propostos, este trabalho
está organizado da seguinte maneira:
O primeiro capítulo trata dos procedimentos teórico-metodológicos
utilizados neste estudo, notadamente, discorrendo sobre a importância da
análise dos livros didáticos para a escrita da história da Educação Matemática.
O segundo capítulo apresenta breve história do desenvolvimento da
Teoria dos Conjuntos. Já o terceiro capítulo refere-se à inserção da Teoria dos
Conjuntos no ideário do MMM.
14
O quarto capítulo discorre sobre a Teoria dos Conjuntos inserida nos
livros didáticos brasileiros, considerando aqueles escritos antes do MMM,
durante esse movimento e após seu declínio, quando analisamos o “caderno
do professor” elaborado pela Secretaria do Estado da Educação de São Paulo.
Apresentam-se, em seguida, as considerações finais, assim como as
referências utilizadas durante a consecução deste trabalho.
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CAPÍTULO 1
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Esta pesquisa, notadamente de cunho histórico, aborda, em relação à
Teoria dos Conjuntos, a história do desenvolvimento desse saber matemático e
a história de seu ensino e procura analisar como essa teoria começou a fazer
parte dos livros didáticos brasileiros.
A História da Matemática vem crescendo como um recurso a mais para
auxiliar o professor em sala de aula, tanto que é sugerido pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCN (1998), para que o professor, sempre que
possível, trabalhe com a História da Matemática em suas aulas. Contudo, os
PCN (1998) enfatizam que a História da Matemática ainda é apresentada na
escola apenas para destacar nomes de matemáticos famosos e suas fórmulas,
criando assim, a falsa impressão de que a história dessa disciplina se resume
apenas à biografia de nomes famosos do cenário matemático.
Apresentada em várias propostas como um dos aspectos importantes da aprendizagem matemática, por propiciar compreensão mais ampla da trajetória dos conteúdos e métodos dessa ciência, a História da Matemática também tem se transformado em assunto específico, um item a mais a ser incorporado ao rol de conteúdos, que muitas vezes não passa da apresentação de fatos ou biografias de matemáticos famosos (PCN, 1998, p. 23).
Segundo os PCN (1998), a Matemática que hoje é aceita foi
desenvolvida nos períodos entre 700 a.C. e 300 d.C., atingindo a maturidade a
partir do século XIX, com o surgimento da Teoria dos Conjuntos assim como o
desenvolvimento da Lógica Matemática.
No que diz respeito à Teoria dos Conjuntos, os PCN (1998) afirmam que
essa teoria já se encontra nos currículos do Ensino Fundamental. Entretanto,
salientam a importância do ensino de Matemática apresentar uma
aplicabilidade prática e não apenas desenvolver a formalização de conceitos
(PCN, 1998).
16
A respeito dos conjuntos numéricos, segundo os PCN (1998), estes
devem ser explorados com maior intensidade no Ensino Fundamental II, com
alunos na faixa etária entre 11 e 12 anos. Embora os PCN (1998) não
recomendem explicitamente o uso da linguagem da Teoria dos Conjuntos,
destacam a importância do uso de símbolos e da linguagem matemática para
representar os diferentes conceitos, dentre os quais os conjuntos numéricos
(PCN, 1998).
Um estudo histórico sobre a Teoria dos Conjuntos, considerando sua
importância como recurso pedagógico é enfatizado por Brolezzi (2000):
A visão da Matemática em construção é, precisamente, a que obtemos pelo estudo da História da Matemática, a qual surge, assim, como a grande fonte para apreensão da organização lógica mais adequada ao ensino da Matemática, principalmente no nível elementar, em que os padrões lógico-formais estão ainda mais distantes dos alunos. A forte relação da lógica com o ensino constitui, portanto, um componente decisivo para a avaliação do uso da História da Matemática como recurso pedagógico, revelando com muita profundidade seu valor didático (p. 44-45).
Para Gomes (2007), a História da Matemática tem sido bastante
prestigiada. No entanto, esta pesquisadora defende um urgente diálogo entre
as práticas educativas em Matemática e a História da Educação Matemática
para que possam compreender os problemas da Educação Matemática
contemporânea.
Um dos períodos propícios para realizar esse diálogo foi aquele em que
ocorreu o Movimento da Matemática Moderna (MMM), o qual influenciou o
ensino dessa disciplina nas décadas de 1960 e 1970. Diante de uma política
econômica e modernizadora, esse Movimento foi colocado como um dos
fatores que aproximava a Matemática do pensamento científico e tecnológico
(PCN, 1998).
Entre os conceitos que fundamentaram o currículo de Matemática, a
Teoria dos Conjuntos ganhou espaço. Assim sendo, esta teoria anteriormente
ensinada apenas na Educação Superior passou a ser ministrada nas escolas,
para alunos do Ensino Fundamental (PCN, 1998).
Mas, segundo os PCN:
17
Essas reformas deixaram de considerar um ponto básico que viria tornar-se seu maior problema: o que se propunha estava fora do alcance dos alunos, em especial daqueles das séries iniciais do Ensino Fundamental (1998, p.19).
Antes do MMM, a Teoria dos Conjuntos não figurava como conteúdo nos
manuais escolares1. Entretanto,
Atualmente, em muitos livros didáticos ainda podem ser observados vestígios da época dos conjuntos, incentivando um estatuto próprio de representação, tais como o uso de diagramas para a construção do conceito de número, sentenças matemáticas, sinais de pertinência, pontuações e equivalência (ARRUDA; FLORES, 2010, p. 407).
Para Valente (2007, p.41), “talvez seja possível dizer que a Matemática
constitui-se na disciplina que mais tenha a sua trajetória histórica atrelada aos
livros didáticos”. Mais ainda, a trajetória histórica da Matemática escolar pode
ser lida nos livros didáticos, de modo que a análise da inserção da Teoria dos
Conjuntos nessas publicações pode auxiliar na escrita da trajetória histórica da
disciplina Matemática.
1.1 Fundamentação teórica
Segundo Correa (2000), antes do século XIX, o livro escolar não
apresentava uma quantidade significativa de volumes impressos no Brasil.
Entretanto, Correa afirma que, em meados da metade do mesmo século, o
Brasil começou a fazer do livro escolar, um texto impresso com maior
circulação.
Os livros escolares devem seguir normas estabelecidas por uma
legislação. Em outras palavras, a legislação estabelece para a escola aquilo
que ela deve seguir. Para Correa (2000), o livro pode ser útil como fonte de
conhecimento histórico. Neste contexto, quando utilizado num ambiente
escolar, pode proporcionar para os alunos um conhecimento rico em história,
despertando o prazer pela investigação e curiosidade.
1 Segundo Valente (2008), no Brasil, o tratamento didático da Teoria dos Conjuntos surge pela
primeira vez nos manuais escolares elaborados por Osvaldo Sangiorgi na década de 1960.
18
Analisaremos os livros escolares, entendendo que o cidadão pode ter
uma melhor formação desenvolvendo um trabalho de leitura, sendo que esta
leitura é iniciada na escola e, segundo Correa (2000), como o livro tem um
caráter que culmina numa intersecção entre a comunidade escolar e o sujeito
em formação, o livro pode ser de fundamental importância para desenvolver no
leitor uma personalidade própria por meio da leitura. E mais, o livro didático
pode fornecer indícios sobre quais rumos os governantes escolheram para a
educação.
Correa (2000) afirma que é na escola onde o leitor inicia a prática da
leitura. Contudo, essa leitura pode ser atrelada, em muitos casos, com a
história da Matemática, podendo ter como consequência, a formação de um
cidadão investigador e crítico.
Conforme citamos anteriormente, o livro escolar começou a ser
divulgado com maior êxito em meados do século XIX, e Correa (2000) nos faz
refletir ao afirmar:
Não estarei ocorrendo em erro ao afirmar que o livro escolar talvez seja a expressão menos visível, porque sutil, de que ter acesso a uma parcela de conhecimento, o escolar, também significou e tem significado distinguir-se social e economicamente. Principalmente quando é garantido pelo Estado a um segmento populacional economicamente menos favorecido (p. 22).
O livro escolar torna-se uma importante ferramenta para formar o leitor,
já que é destinado a todas as modalidades de ensino, desde a Educação
Infantil, primeira etapa da Educação Básica, até a Educação Superior. Desse
modo, o livro pode acompanhar o aluno durante sua trajetória escolar, fazendo
com que este, tome gosto pela leitura.
A autora entende que o livro escolar pode ser destinado às classes de
alunos menos favorecidas, uma vez que estes, segundo a Secretaria de Estado
da Educação de São Paulo (2008), em geral, frequentam a escola pública.
Segundo Pais (2011), analisar livros didáticos pode ser um possível
caminho para descrever a história de determinada disciplina escolar. Ainda:
São as fontes acessadas e analisadas pelo pesquisador que levam à definição do objeto e não o contrário, quando ocorre uma tentativa de definição de uma intenção de pesquisa sem ter as fontes necessárias. Mas, se cada fonte de pesquisa permite focalizar, mais
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particularmente, certos aspectos da disciplina, o uso de livros didáticos tem uma importância diferenciada, pois os seus conteúdos permitem visualizar uma prática mais nuclear das práticas escolares (PAIS, 2011, p.129).
No que diz respeito à história dos conteúdos de uma disciplina, Pais
(2011) enfatiza que livros didáticos nos permitem observar melhor tal situação,
pois atendem às perspectivas de um núcleo pedagógico escolar.
A organização e a importância da distribuição dos conteúdos nos livros
didáticos é outro ponto enfatizado por Pais (2011), uma vez que a sequência
de ensino elaborada em um livro didático pode contribuir para o
desenvolvimento da aprendizagem dos alunos durante o ano.
Ainda segundo esse autor, não há um caminho único para conduzir uma
pesquisa histórica. É importante fazer uma síntese das mais diversas
características que possam conduzir a elaboração de um livro, tais como a
legislação e o quadro político e social em vigor em uma determinada época,
assim como outras referências que possam servir para obter maiores
informações a respeito do livro em questão: “A trajetória de um livro didático
pode ser escrita pelo destaque de etapas que passam pela sua concepção,
produção, difusão e ainda pela sua efetiva apropriação por parte de
professores e alunos” (PAIS, 2011, p.131).
Já Freitas e Rodrigues (2007), comentam que o uso do livro didático,
mesmo com as diversas transformações na sociedade, tem importância
fundamental em relação à cultura e à transformação do conhecimento. Deste
modo, os autores classificam o livro didático como mediador da aprendizagem.
O livro didático ainda hoje é tido como um dos únicos meios de
informação em determinadas culturas, pois, conforme constatam Freitas e
Rodrigues (2007), é por meio do livro didático que certos povos conseguem
receber e adquirir informação sobre determinados assuntos.
Por volta da década de 1960, o livro didático começou a mostrar
características que até então dificilmente eram encontradas ou mesmo
inseridas em suas páginas, como por exemplo, ilustrações, imagens e histórias
de animação (FREITAS; RODRIGUES, 2007).
20
Alan Choppin (2004) observa que, apesar das ilustrações e das novas
características inseridas nos livros didáticos na década de 1960, somente duas
décadas depois, em 1980, essas características deixaram de serem
consideradas enfeites internos do livro e passaram a fazer parte do conteúdo,
de modo a enriquecer o aprendizado do aluno.
Pesquisas sobre livros didáticos têm aumentado desde a década de
1960, com maior ênfase a partir do final dos anos 1980. Após esse período, a
pesquisa histórica enfatizando a análise de livros didáticos começou a ter maior
espaço no meio acadêmico, embora alguns pesquisadores de países como os
Estados Unidos, a Alemanha e o Japão já tivessem reconhecimento
internacional por seu envolvimento nessa área.
Alguns fatores podem ser importantes para a pesquisa histórica no que
dizem respeito ao livro didático:
O interesse de pesquisadores na área de história da educação; os avanços ocorridos no livro didático em meados dos anos 1980; centros de pesquisas destinados a livros didáticos; e, a incerteza do futuro dos livros didáticos (CHOPPIN, 2004, p.552).
Sobre os interesses de pesquisadores na área de História da Educação,
o autor alerta que é nesta área que as pesquisas sobre livros didáticos vêm
crescendo, em relação à demanda social. Ainda segundo Choppin (2004), os
livros didáticos assumem múltiplas funções, sendo que, quatro são essenciais:
função referencial, função instrumental, função ideológica e cultural e função
documental. Na ordem, temos:
i) função referencial: o livro didático é então apenas a fiel tradução do programa ou, quando se exerce o livre jogo da concorrência,uma de suas possíveis interpretações. São técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações ii) função instrumental: o livro didático põe em prática métodos de aprendizagem, propõe exercícios ou atividades que, segundo o contexto, visam a facilitar a memorização dos conhecimentos; iii) função ideológica e cultural: instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político; aqui, o livro didático assume a mais antiga das funções, desde o século XIX; e iv) função documental: surgiu muito recentemente na literatura escolar e não é universal: só é encontrada — afirmação que pode ser feita com muitas reservas — em ambientes pedagógicos que privilegiam a iniciativa pessoal da
21
criança e visam a favorecer sua autonomia; supõe, também, um nível de formação elevado dos professores (p.553).
Uma história sobre livros didáticos envolve aspectos distintos os quais
servirão de base para a análise dos conteúdos específicos abordados nesta
investigação, que trata da inserção da Teoria dos Conjuntos nos livros
didáticos. Choppin (2004) enfatiza:
A história que o pesquisador escreve não é, na verdade, a dos livros didáticos: é a história de um tema, de uma noção, de um personagem, de uma disciplina, ou de como a literatura escolar foi apresentada por meio de uma mídia particular; além disso, é frequente que os livros didáticos constituam apenas uma das fontes às quais o historiador recorre (p.554).
A pesquisa acadêmica direcionada ao conteúdo do livro didático vem
aumentando desde a década de 1970, no que se refere à análise científica dos
conteúdos. Entretanto, Choppin (2004) comenta que a pesquisa acadêmica em
livros didáticos, está bastante relacionada sobre o conteúdo ideológico e
cultural do livro e, que na verdade, este tipo de pesquisa, é mais antigo do que
o citado anteriormente, ou seja, a pesquisa sobre análise de conteúdos.
Segundo Choppin (2004), pesquisadores de livros didáticos costumam
analisar sempre os mesmos manuais, sem diversificar. O autor também expõe
que, em meados dos anos 1970, pesquisadores iniciaram um processo de
investigação sobre vários contextos abordados nos livros didáticos escolares.
Nesses contextos, havia perguntas do tipo: “Qual(is) concepção(ões) de
história, qual(is) teoria(s) científica(s) ou qual(is) doutrina(s) lingüística(s)
representam ou privilegiam? Qual o papel que atribuem à disciplina?”
(CHOPPIN, 2004, p. 558).
Salientamos que o estudo histórico sobre manuais didáticos de
Matemática, começou a ganhar força por volta dos anos de 1980. Segundo
Choppin:
Observa-se também, de uns vinte anos para cá, em um número crescente de países, o desenvolvimento de trabalhos que se esforçam em coletar documentos de arquivos muito dispersos, em reconstituir, parcial ou totalmente, a história da política nacional para o livro didático (2004, p.561).
22
Neste estudo, iremos abordar a Teoria dos Conjuntos presente em
alguns livros didáticos de diferentes épocas. Para tanto, nos basearemos em
alguns pesquisadores, dentre eles, o historiador Wagner Rodrigues Valente.
Conforme Valente (2008), a Matemática se constitui em uma disciplina
que mais tem sua trajetória histórica ligada aos livros escolares. Tomando
como base essa afirmação, pretendemos oferecer aos interessados em
História da Matemática e afins, dados que possam contribuir especificamente
com a História da Teoria dos Conjuntos, especificamente, sobre sua inserção
nos livros didáticos de Matemática do Brasil.
Valente (2008) comenta a respeito de novos manuais didáticos,
enfatizando que é por meio da verificação dos conteúdos dos livros didáticos
que o historiador pode constatar se um novo livro abrange ou não, conteúdos
do passado de uma determinada disciplina:
O estudo desses novos manuais poderá revelar importantes elementos constituintes da trajetória histórica de uma dada disciplina escolar. Caberá ao historiador indagar em que medida o aparecimento de uma nova proposta – apresentada num manual audacioso e inédito – foi capaz de fertilizar produções didáticas posteriores e de ser apropriadas por elas, a ponto de converter-se numa nova vulgata
2 que, em certa medida, poderá atestar o sucesso
da nova proposta contida no manual transformador (VALENTE, 2008, p.142).
Para Valente (2008), por meio da história de livros didáticos podemos
compreender melhor as heranças e as práticas pedagógicas, que existiam e
ainda existem no contexto escolar.
2 Vulgata é um padrão de referência que norteia a produção de livros didáticos quando uma disciplina se estabiliza: “Em cada época, o ensino dispensado pelos professores é, grosso modo, idêntico, para a mesma disciplina e para o mesmo nível. Todos os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos ensinados, a tecnologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimentos, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas (CHERVEL, 1990, p.203).
23
1.2 Procedimentos metodológicos
No presente trabalho optamos pelos livros “Matemática para o Curso
Fundamental”, 5º série, de 1972, dos autores Reginaldo N. de Souza Lima e
Maria do Carmo Vila e “Matemática: Curso Moderno”, 1º série ginasial, de 1968
do autor Osvaldo Sangiorgi. Ambos os livros correspondem ao atual 6º ano do
Ensino Fundamental.
Para tanto, iremos discorrer sobre o período em que a Teoria dos
Conjuntos foi inserida nos livros didáticos, período este que ficou conhecido
como Movimento da Matemática Moderna (MMM). Nossa investigação
abordará as principais características desses livros, tais como, dimensões de
capa, figuras inseridas, metodologia utilizada pelos autores e, especialmente,
as lições apresentas nos livros, de acordo com o nosso interesse de trabalho.
Escolhemos estes livros justamente por contemplarem tópicos
direcionados à Teoria dos Conjuntos. O de Sangiorgi (1968) por ter se tornado
um best-seller durante o MMM e o de Lima e Vila (1972), por ser um livro do
início da década de 1970, ou seja, período no qual o MMM já estava em
declínio. Ainda, o fato do conteúdo do livro de Lima e Vila (1972) ser
praticamente voltado para a Teoria dos Conjuntos, nos incentivou para fazer
uma análise do mesmo.
A fim de compararmos como a Matemática foi desenvolvida em livros
didáticos antes do MMM escolhemos o livro de Osvaldo Sangiorgi “Matemática:
Curso Ginasial”, 1º série (atual 6º ano) de 1954, devido à sua grande aceitação
pelos professores de Matemática daquela época. A fim de verificar como a
disciplina Matemática é desenvolvida atualmente nos livros didáticos, optamos
pelo livro de Luiz Roberto Dante (2012), “Matemática” do Projeto Teláris para o
6º ano, que, conforme o Programa Nacional de Livros didáticos para 2014,
apresenta grande diversidade de problemas articulados a outras áreas do
conhecimento e voltados às práticas sociais (BRASIL, 2013)
24
CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DOS CONJUNTOS 2.1 Panorama histórico
Iniciamos este panorama histórico sobre a Teoria dos Conjuntos,
discorrendo, primeiramente, sobre alguns matemáticos que tiveram
contribuição significativa para a criação e desenvolvimento da Teoria dos
Conjuntos. Leonhard Euler (1707 - 1783), Augustus De Morgan (1806 - 1871) e
George Boole (1815 – 1864).
Leonhard Euler (1707 – 1783), matemático suíço, contribuiu
significativamente para o desenvolvimento da Matemática. Foi responsável por
algumas notações importantes no campo da Matemática, como por exemplo,
f(x) para o campo das funções e i, para a unidade imaginária dos números
complexos (EVES, 2011).
Destaquemos os Diagramas de Euler, conhecidos na Educação Básica
por Diagramas de Venn3 e que são utilizados no estudo da Teoria dos
Conjuntos. Segundo Eves (2011), Euler elaborou um dispositivo para ser
utilizado como teste de validade de raciocínios dedutivos. Este dispositivo
passou a ser conhecido como Diagramas de Euler. É possível verificar a
utilização desses diagramas por parte de Euler a partir de cartas enviadas à
princesa Phillipine Von Schwedt. O fato ocorreu durante a Guerra dos Sete
Anos (1756 – 1763), ocasião em que Euler dava aulas para a princesa
Phillipine por cartas, pois ela vivia com a corte berlinense em Magdeburg, por
causa da guerra.
Uma dessas cartas, intitulada “Of the Perfections of a Language.
Judgments And Nature of Propositions, Affirmative And Negative; Universal, or
Particular”4 sob o número 102, foi escrita em fevereiro de 1761. Nela, Euler
3 O matemático inglês John Venn (1834-1923), dedicou-se ao estudo da Lógica utilizando
diagramas, hoje conhecidos como “diagrama de Venn”, ampliando e formalizando estudos posteriores efetuados pelos matemáticos Euler e Leibniz. 4 Tradução: Sobre a perfeição da linguagem. Juízos e a natureza das proposições, afirmativa e
negativa; universal ou particular.
25
especifica quatro espécies de proposições para, na próxima carta, utilizar os
diagramas para representar conjuntos.
The first is that of affirmative and universal propositions, the form of which in general is: Every A is B. The second species contains negative and universal propositions, the form of which in general is: No A is B. The third is, that of affirmative propositions, but particular, contained in this form: Some A is B.
4
And, finally, the fourth is that of negative and particular propositions, of which the form is: Some A is not B. (EULER, 1761a, p.313)
5.
Na carta de número 103, com o título “Of Syllogisms And Their Different
Forms, When The First Proposition is Universal”6, são enfatizadas palavras que
dizem respeito aos círculos ou espaços.
These circles, or rather these spaces, for it is of no importance of what figure they are of, extremely commodious for facilitating our reflections on this subject, and for unfolding all the boasted mysteries of logic, which that art finds it so difficult to explain (EULER, 1761b, p. 315)
7.
Assim sendo, são apresentadas as quatro proposições por meio dos
diagramas, que são chamados de emblemas, conforme figura a seguir:
Figura 1 – Diagramas de Euler Fonte: (EULER, 1761b, p. 315)
5 Tradução: A primeira é que das proposições afirmativa e universal, as quais, a forma geral é:
todo A é B. A segunda espécie contém proposições negativas e universais, a qual, a forma geral é: Nenhum A é B. A terceira é, que das proposições afirmativas, mas particulares, contém esta forma: Alguns A são B. E, Finalmente, a quarta é que das proposições negativas e particulares, as quais possuem esta forma: Alguns A não são B. 6 Tradução: Sobre silogismos e suas diferentes formas, quando a primeira proposição é universal.
7 Tradução: Estes círculos, ou estes espaços, não tem importância da figura que são, pois são
extremamente cômodos para facilitarem nossas reflexões sobre este assunto, e para desenrolar todos os mistérios da lógica, que a arte encontra dificuldade para explicar.
26
O que se pode verificar, ao ler essas cartas é que, muito antes da
utilização dos diagramas pelo matemático Venn, Euler já fazia uso deles em
seus estudos, que podem ser considerados como embriões para investigações
posteriores, especialmente na área de Lógica e da Teoria dos Conjuntos e que,
com o passar do tempo, vieram a ser tratados no ensino de Matemática da
escola básica.
George Boole (1815 – 1864) teve papel importante no que se refere às
operações da Teoria dos Conjuntos. Boole mostrou uma nova maneira de se
fazer matemática.
Segundo a história, muito do que George Boole aprendeu, foi apenas
com estudos em livros e, ainda na adolescência, começou a ensinar
Matemática para crianças. Contudo, devido ao esforço e a grande aptidão que
mostrava para a Matemática, conseguiu alcançar voos mais altos,
compreendendo obras de matemáticos de renome como Lagrange e Laplace,
por exemplo (GARBI, 2007).
Garbi (2007) ressalta que um dos grandes méritos de Boole foi observar
que operações matemáticas como adição, subtração e multiplicação, não
precisavam se restringir apenas aos números. Estendendo o conceito das
operações matemáticas para o universo dos Conjuntos e por meio de
diagramas de Venn, Boole mostrou que essas operações podiam ser
exploradas por meio de conjuntos. Iremos apresentar algumas dessas
operações, aquelas que julgamos mais coerentes com esta pesquisa, tais
como união, intersecção e inclusão entre conjuntos.
Por volta do ano de 1847, apareceu então uma nova álgebra, que
passou a ser conhecida como a Álgebra de Boole ou Álgebra dos Conjuntos
(BOYER, 1996). George Boole apresentou as operações entre Conjuntos, por
meio dos seguintes símbolos:
i) com o +, Boole indicou a união entre conjuntos, ou seja, o que hoje
conhecemos pela notação A U B (união entre conjuntos), Boole indicou como A
+ B para indicar esta operação entre conjuntos. Podemos dizer que A U B é o
conjunto formado pelos elementos que pertencem a A ou a B (GARBI, 2007).
27
ii) com o símbolo de multiplicação (x) mostrou a intersecção entre
conjuntos, ou seja, a notação que hoje é conhecida como A B (lê-se: A
intersecção B), Boole denotou por A x B. Nesta ocasião, dizemos que A B é
o conjunto formado pelos elementos em comum a A e a B. Gostaríamos de
chamar a atenção do leitor para não confundir a notação A x B (intersecção de
Boole), com A X B, que lemos “A cartesiano B”, ou seja, produto cartesiano
(GARBI, 2007).
O símbolo para representar o conjunto vazio, denotado hoje por , na
Álgebra dos Conjuntos de George Boole, era o “0” (zero), responsável para
dizer que um conjunto não possui nenhum elemento. O símbolo foi inventado
por André Weil8 (DUARTE, 2007).
George Boole defendia que a lógica teria de estar associada diretamente
com a Matemática chegando a escrever:
Poderíamos com justiça tomar, como característica definitiva de um verdadeiro Cálculo, ser um método que se apóia no uso de símbolos, cujas leis de combinação são conhecidas e gerais, e cujos resultados admitem uma interpretação consistente... É com base nesse princípio geral que eu pretendo estabelecer o Cálculo da Lógica, e que reivindico para ele um lugar entre as formas reconhecidas da Análise Matemática. (BOYER, 1996, p.401).
Essa nova Álgebra estava se caracterizando, justamente por mostrar
que a Matemática não precisava se restringir somente a números. Desde que
fosse feita uma estrutura que permitisse compreender sua precisão, seja por
meio de simbologias ou não, tal área do conhecimento poderia fazer parte do
universo matemático.
Boole obteve reconhecimento, e sua obra causou comentários elogiosos
entre os matemáticos de sua época, chegando ao ponto de Bertrand Russel,
dizer que a Matemática pura havia sido descoberta por ele (BOYER, 1996).
8 o símbolo é uma letra dos alfabetos norueguês e dinamarquês que, foi sugerido pelo
matemático francês André Weil (1906 - 1998). André Weil, matemático integrante do grupo Bourbaki, foi professor da USP (Universidade de São Paulo) entre os períodos de 1945 e 1947) (DUARTE, 2007).
28
O matemático Augustus De Morgan (1806 – 1871) graduou-se em
Cambridge e foi professor na Universidade de Londres, tendo iniciado neste
cargo no ano de 1828. De Morgan também mostrou muito interesse pela
História da Matemática (EVES, 2011).
Entretanto, o fato de citarmos De Morgan em nossa pesquisa, é
justamente pelo motivo do matemático ter dado continuidade à Álgebra dos
Conjuntos de George Boole, sendo responsável pela dualidade da Teoria dos
Conjuntos representadas pelas chamadas leis De Morgan:
Se A e B são subconjuntos de um dado conjunto universo, então o complemento da união de A com B é a intersecção dos complementos de A e de B, e o complemento da intersecção de A e
B é a união dos complementos de A e B (em símbolos: (AUB)’=A’
B’ e (A B)’ = A’U B’ onde X’ indica o complemento de X) (EVES,
2011, p.558).
Os estudos sobre a Teoria dos Conjuntos aconteceram após o período
da História da Matemática conhecido como a “Crise dos Fundamentos”. Esta
crise ocorreu após o surgimento da Geometria não-euclidiana, em parte como
consequência dos matemáticos tentarem demonstrar o 5º postulado de
Euclides9. A Geometria Euclidiana, considerada como modelo por filósofos e
matemáticos até o século XIX, deixou de ser um modelo lógico para a
Matemática. A partir de então, os matemáticos começaram a buscar outros
sistemas para fundamentar as várias áreas da Matemática. (DUARTE, 2007).
Nessa época, ocorreu o aprofundamento da Análise. Foi no século XIX
que ocorre a preocupação em fundamentar a Análise por meio da Aritmética.
Começa-se a estabelecer definições de número irracional, sem o recurso a
intuições geométricas. Até então o número real era concebido de maneira
intuitiva, por meio da Geometria e da Álgebra. Esse período ficou conhecido
como a Aritmetização da Análise ou redução dos princípios da Análise ao
conceito de número real.
9 Segundo a história, Euclides viveu por volta dos anos 300 a.C. e, é autor da famosa obra Os
Elementos. Esta obra é famosa por ser uma das maiores influências no pensamento ocidental e, até por volta do século XIX, foi considerada um modelo a ser seguido pelo pensamento científico (DUARTE, 2002).
29
Três nomes importantes surgem então: Karl Weierstrass (1815 – 1897),
Richard Dedekind (1831 – 1916) e Georg Cantor (1845 – 1918), sendo que
este último tratou a Matemática buscando uma linguagem diferente. Tributa-se
a criação da Teoria dos Conjuntos a George Cantor. Esses três matemáticos
acreditavam que a Matemática deveria, por meio de provas e definições,
apresentar mais consistência, ser mais rigorosa do que da forma como vinha
sendo feito até então (DUARTE, 2007). Para tanto, tiveram que aprofundar os
estudos sobre o infinito.
Segundo Clímaco (2007) e Carvalho (2012), o matemático Weierstrass
foi um dos pioneiros neste contexto. Seu trabalho forneceu fundamentos
sólidos para a Análise, conduzindo a uma formalização rigorosa a partir da
noção de Limite.
Richard Dedekind construiu uma teoria rigorosa sobre os números
irracionais. Ao observar os números racionais na reta, verificou que entre dois
racionais quaisquer sempre há um terceiro racional. Verificou também que
havia espaços na reta que não seriam preenchidos por este conjunto numérico
ou, em outras palavras, que os números racionais não formariam o continuum.
Dedekind, então, constatou que o conjunto dos números racionais poderia ser
estendido para outro conjunto, formando assim, o conjunto dos números reais
(BOYER, 1996). Portanto, a Matemática começou a ser exposta por meio de
um novo universo e, em palavras, Dedekind se manifestou: “Por observação
trivial o segredo da continuidade será revelado” (BOYER, 1996, p.390).
Georg Cantor estava voltado para os estudos que envolviam a análise
de Weierstrass e, sendo assim, começou a explorar o campo do infinito de
maneira mais profunda, de tal modo que nenhum outro matemático tinha
ousado explorar. Isto não significa que ninguém antes de Cantor, tivesse
pensando ou exposto o assunto em questão, mas foi Cantor que lapidou e
explorou o campo do infinito com maior profundidade (BOYER, 1996).
Alguns matemáticos afirmavam que a Teoria dos Conjuntos de Cantor,
poderia servir como base fundamental para toda Matemática, tais como Gottlob
Frege (1848 – 1925) que mostrou que os números naturais poderiam ser
construídos por meio de um conjunto vazio.
30
Não menos importante, nesta época em que a Teoria dos Conjuntos
estava se consolidando como uma linguagem para toda a Matemática,
Bertrand Russel e Whitehead (1861 – 1947) foram personagens extremamente
significativos neste contexto, pois o “programa dos lógicos”, desenvolvido por
ambos, sustentava mais ainda a ideia de que a Teoria dos Conjuntos de Georg
Cantor era fundamental para a construção de toda Matemática. (CARVALHO,
2012).
Entretanto, para Carvalho (2012), Bertrand Russel descobriu uma
contradição na Teoria dos Conjuntos, e começaram surgir incertezas sobre a
teoria, começaram a surgir paradoxos, dentre os quais, um ficou mais
conhecido como Paradoxo de Russell.
2.1.2 O paradoxo de Russell
Dificilmente pode recair sobre um autor científico maior infortúnio do que ver abalada uma das fundações do seu edifício depois do trabalho terminado. Foi essa a posição em que me vi colocado por uma carta do Sr. Bertrand Russell [...] Mesmo agora, não vejo como a aritmética pode ser cientificamente estabelecida; de que modo os números podem ser apreendidos como objetos lógicos e reexaminados; a não ser que nos seja permitido – ao menos condicionalmente – passar de um conceito para a sua extensão. (ACZEL, 2003, p.156)
As palavras acima se referem à reação do lógico alemão Frege (1848 –
1925), ao lembrar-se da carta recebida de Bertrand Russell (1872 – 1970), em
meados dos anos 1901. Frege, lembrou-se da reação que teve ao ler a carta
de Russell, o qual explicava que teria descoberto um paradoxo no campo da
Teoria dos Conjuntos, justamente quando Frege estava prestes a terminar uma
obra sobre axiomas direcionados à Teoria dos Conjuntos (ACZEL, 2003). Este
paradoxo ficaria conhecido no universo matemático, como o “paradoxo de
Russell”.
Seja um R-conjunto de tal forma que este seja um conjunto que se inclui. Consideremos um conjunto M, cujos membros são todos os conjuntos possíveis, excetuando-se os R-conjuntos. M é um R-conjunto? Resposta: Não. M não é um R-conjunto? Resposta: Também não. Ou seja, a definição de M, que parecia inofensiva, mostrou-se autocontraditória. (DAVIS; REUBEN, 1985, p.374-375).
31
Russell, conhecido assim pelos matemáticos, foi considerado um
excelente filósofo que chegou a publicar obras nos campos da metafísica e da
ética por exemplo e, no universo matemático é dono da obra “princípios
matemáticos” (ACZEL, 2003). Esta obra de Russel é dividida em três partes,
ou seja, três volumes, mas não iremos nos aprofundarmos neste assunto, com
o intuito de não fugirmos da proposta de nosso objeto de estudo.
Ainda segundo Aczel (2003), o paradoxo de Russell se tornou o maior
perturbador de sonos dos matemáticos da época, isto se tratando do campo da
Teoria dos Conjuntos. Porém, este paradoxo não foi um problema acerca
somente da Matemática, pois, segundo Gonçalo (2008), o paradoxo de Russell
também se tornou um problema na parte de filosofia, historicamente falando.
Conforme afirma Ávila (2000) os paradoxos surgem por causa de o
discurso ser amplo demais, ou seja, por existirem lacunas que permitem às
pessoas interpretar determinadas situações de mais de uma maneira e,
portanto, o discurso em questão, tem de ser fechado dentro de um contexto
não havendo assim, a possibilidade de sair do universo do discurso. Logo, para
que não haja paradoxos, Ávila (2000) afirma que o universo deve ser restrito.
O paradoxo de Russell pode ser entendido por meio de alguns exemplos
envolvendo situações-problema. Vamos colocar em nossa pesquisa, o
problema do “barbeiro” que remete o seguinte contexto: “O barbeiro de Sevilha
barbeia todos os homens da cidade de Sevilha que não se barbeiam sozinhos.
E o barbeiro de Sevilha, faz a própria barba? Se faz, então ele não faz. Se não
faz, então faz” (ACZEL, 2003, p.154).
Neste tópico, detivemos nossa atenção sobre a origem da Teoria dos
Conjuntos, enfocando, especialmente, a participação de George Cantor, bem
como Georg Boole, Richard Dedekind e outros, mostrando as dificuldades
enfrentadas por esses matemáticos, suas hesitações e convicções, de modo a
despertar a atenção para os aspectos históricos envolvidos na construção
desse conteúdo matemático.
32
2.1.3 Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845 – 1918)
Cantor nasceu em S. Petersburgo, cidade russa, no dia 3 de março de
1845 e ainda menino mudou-se para a Alemanha, onde cresceu e fez sua
carreira como matemático. Doutorou-se no ano de 1867 na Universidade de
Berlin, quando defendeu uma tese sobre a teoria dos números (DOMINGUES,
2003).
Casou-se aos 29 anos com Vally Guttmann. Em um feriado de 1874
conheceu Dedekind10 em Interlaken, Suiça, e começaram a discutir a Teoria
dos Conjuntos. Dedekind foi um dos matemáticos que deu apoio a Teoria dos
Conjuntos de Cantor, pois, na época, a teoria de Cantor contrariava muitos
conceitos matemáticos aceitos até então. Isto ocasionou problemas em sua
carreira, como por exemplo, para fazer publicações, quando muitos de seus
artigos eram barrados, sendo um deles, sobre a própria Teoria dos Conjuntos,
devido a um editor do jornal, Leopold Kronecker11 (1823 – 1891), que também
foi seu professor na Universidade de Berlin e que tinha ideias contrárias
àquelas defendidas por Cantor. Kronecker chegou a pedir que os números
negativos, fracionários, imaginários e irracionais fossem banidos, alegando que
os problemas dos matemáticos estavam ao redor de todos esses números.
Kronecker foi o autor da frase : “Deus fez os números inteiros e o resto é
criação humana”. Boa parte das teorias que Cantor publicou foram totalmente
ignoradas, graças à Kronecker (BOYER, 1996, p.394).
Por outro lado, Cantor teve apoio de outros matemáticos, sendo um
deles Dedekind, conforme já mencionamos. Cantor costumava escrever para
Dedekind sobre suas ideias e, em 1877, enviou um artigo para a revista
Crelle’s Journal, que foi publicado no ano seguinte. Neste artigo, discutia os
conjuntos enumeráveis (conjunto cujos elementos podem ser postos em
10
Richard Dedekind (1831 – 1946) foi um matemático que, ao considerar a estrutura lógica da Física imprecisa, resolveu se dedicar ao estudo da Matemática, com ênfase aos estudos do Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Analítica e Teoria dos Números. Obteve o título de Doutor em 1852, sob supervisão de Frederich Gauss (1777 – 1855). Sua principal obra, intitulada Stetigkeit Und Irrationale Zahlen, foi publicada em 1872 e é conhecida como cortes de Dedekind, onde elaborou uma definição aos números irracionais. 11
Leopold Kronecker (1823 – 1891). Matemático alemão, obteve o grau de doutor em 1845 com tese sobre Teoria dos Números. As suas principais contribuições para a matemática foram no campo da álgebra e continuidade de funções.
33
correspondência biunívoca com os elementos do conjunto dos números
naturais) (BOYER, 1996).
Cantor foi um matemático que não teve o reconhecimento que esperava
durante sua carreira. Cantor pretendia ser professor em uma universidade
conceituada, mas durante sua carreira permaneceu como professor da
universidade de Halley, não conseguindo atingir o posto tão desejado,
justamente pelas críticas desferidas por matemáticos que não aceitavam suas
ideias e teorias. Quando Leopold Kronecker morreu, os trabalhos de Cantor
começaram a ser valorizados e seu nome começou aparecer como um dos
grandes matemáticos da época.
Entretanto, a fama para Cantor chegou tarde, já que seu estado de
saúde não permitia que ele continuasse com suas teorias, sendo uma delas,
conhecida como “A hipótese do contínuo”. Cantor não conseguiu provar essa
hipótese. Somente em 1963, Paul Cohen12 provou que não seria possível fazer
a demonstração dessa hipótese.
Georg Cantor desenvolveu outros ensaios antes mesmo de criar a
Teoria dos Conjuntos, como por exemplo, as Séries trigonométricas, Teoria dos
números, Aritmética dos números transfinitos e A hipótese do contínuo, como
foi citado anteriormente. Os Números transfinitos receberam este nome
simplesmente para diferenciar que existiam diferentes tipos de infinitos.
Georg Cantor, interessado em explorar novos campos dentro da
Matemática, mais necessariamente o conceito do infinito, estava disposto a
elaborar uma estrutura que o levasse a provar a existência de infinitos maiores
que outros infinitos, por meio da definição de conjunto potência.
Podemos construir toda uma estrutura no campo de conjuntos, partindo
do conjunto vazio, denotado por , que aliás, é o único conjunto que podemos
dizer que existe uma definição (ACZEL, 2003).
12
Paul Cohen (1934 – 2007). Matemático americano, chegou a receber a medalha Fields no ano de 1966, pelo seu trabalho fundamentado da Teoria dos Conjuntos.
34
Como exemplo13, se considerarmos o conjunto S = {x, y, z}, o conjunto
potência do conjunto S, será dado por:
i. Sendo o conjunto vazio, subconjunto de qualquer conjunto, então o
primeiro subconjunto de S, será o .
ii. Em seguida, escrevemos todos os subconjuntos, unitários de S. Logo,
obteremos {x}, {y} e {z}.
iii. Depois, formamos os subconjuntos com os pares de S, ou seja,
teremos {x, y}, {x, z} e {y, z}.
iv. Finalizamos com o subconjunto formado pelos três elementos de S,
obtendo {x, y, z}.
Reunindo os novos conjuntos obtidos em i, ii, iii e iv, que são
subconjuntos do conjunto S, teremos um novo conjunto formado por oito
elementos, sendo o qual, podemos escrever:
P(S) = { , {x}, {y}, {z}, {x, y}, {x, z}, {y, z}, {x, y, z}}.
Como podemos observar, este novo conjunto P(S), possui 8 elementos,
enquanto que o conjunto S, possui 3 elementos. P(S), é dito como conjunto
potência de S, ou conjunto das partes de S, sendo que, Georg Cantor observou
que o conjunto das partes de um conjunto, era maior do que o conjunto inicial e
verificou que o número de elementos do conjunto das partes é 2n, sendo que n
representa o número de elementos do conjunto inicial.
Desta forma, podemos estabelecer a quantidade de elementos do
conjunto das partes de qualquer conjunto com n elementos por meio da
expressão 2n. Contudo, segundo Aczel (2003), Georg Cantor fez a seguinte
pergunta para si mesmo: Como representar o conjunto das partes de um
conjunto infinito? Cantor estava interessado em analisar se o conjunto potência
de um conjunto infinito, poderia ser definido por meio do mesmo contexto de
um conjunto finito, ou seja, por uma expressão como 2n.14
13
Exemplo inspirado em leituras efetuadas nas obras de Garbi (2007) e Aczel (2003). 14
Exemplo inspirado em leituras efetuadas nas obras de Garbi (2007) e Aczel (2003).
35
2.1.4 O conceito de infinito e a Hipótese do Continnum
O matemático Georg Cantor, no desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos,
ao explorar conjuntos infinitos, de maneira surpreendente concluiu que
poderiam existir dois tipos de infinitos:
i) o infinito correspondente à cardinalidade do conjunto dos números naturais;
ii) o infinito correspondente à cardinalidade do contínuo, ou seja, ao conjunto de pontos do segmento de uma reta (CARVALHO, 2012).
Envolvido com a questão de como poderia analisar o infinito,
Cantor resolveu nomear os diferentes tipos de infinitos como números
transfinitos. Para tanto, utilizou a primeira letra do alfabeto hebraico para
representar os números cardinais transfinitos, o alef, em símbolo, . Segundo
Aczel (2003), Georg Cantor escolheu o alef quando estava procurando provas
da existência de diferentes tipos de infinitos. Na ocasião, obteve apoio do papa
Leão XIII, pois este levantava a hipótese de que, por meio da melhor
compreensão do conceito de infinito, poderia chegar mais próximo da
existência do divino. O símbolo representa Deus e sua infinitude, de tal modo
que Cantor acreditava que por meio do infinito poderia chegar próximo de
Deus.
Assim, Cantor resolveu denominar o menor dos infinitos como alef-zero
( 0) e, desde então, começou uma busca pelo conjunto das partes de 0 , sendo
que, todas essas buscas apontavam para a veracidade da expressão em que o
conjunto das partes do alef zero seria igual a um infinito maior, denominado 1
(lê-se: alef um), ou seja, 0 = 1 . Posteriormente, essa hipótese não se
confirmou.
Para tal busca, Cantor acreditava que estaria entrando num novo campo
matemático e, resolveu assim, nomear todos os seus estudos em relação ao
menor dos infinitos como a Hipótese do Continnum que, em símbolos, seria a
36
expressão 0 = 1. Aczel (2003) afirma, em obra de sua autoria, intitulada “O
mistério do Alef” que uma das possibilidades de Georg Cantor ter ficado
gravemente enfermo, foi justamente por estar totalmente concentrado em
provar a Hipótese do Continnum. O que Cantor estava fazendo era muito
complexo e difícil de compreender, tanto que ele mesmo chegou a escrever
cartas para o amigo Mittag-Leffler (1846 – 1927), por volta do ano 1884, sendo
que, ora dizia ter demonstrado a Hipótese do Continnum e ora dizia ter
demonstrado o inverso, ou seja, que seria impossível demonstrar tal hipótese.
Magnus Gösta Mittag-Leffler, estudante e seguidor de Karl Weierstrass,
de certa forma teve importância na vida de Georg Cantor. Mittag-Leffler fundou
o periódico Acta Mathematica e tinha o costume de se corresponder com
matemáticos de vários lugares, auxiliando-os, dentre eles, Georg Cantor
(Boyer, 1996). Essa correspondência foi intensa justamente na época em que
Cantor estava tentando provar a Hipótese do Continuum, por volta do ano de
1884.
Retomando à Hipótese do Continnum, Cantor se complicou ainda mais
para provar tal hipótese após os paradoxos relacionados à Teoria dos
Conjuntos, principalmente, devido à sua saúde precária. Neste período em que
Cantor estava obcecado em provar a Hipótese do Continuum, frequentemente
delirava, não fazendo distinção entre o mundo real e outro mundo totalmente
abstrato, cheio de fantasias (ACZEL, 2003).
Georg Cantor morreu no dia 6 de janeiro de 1918. Pouco antes de
falecer, deixou o registro de que não poderia haver um conjunto que contivesse
tudo, ou seja, um conjunto com a maior cardinalidade de todos. (ACZEL, 2003).
Surge então, outro matemático genial que pode ser considerado como o
sucessor de Georg Cantor, não apenas por concentrar-se na Hipótese do
Continuum e o profundo interesse pelo infinito, mas também, coincidentemente,
por adoecer e começar a delirar sobre o real e o imaginário, chegando ao ponto
de sofrer das mesmas características de Cantor. Este gênio matemático,
sucessor de Cantor, foi Kurt Friedrich Gödel (1906 – 1978), nascido na
Tchecoslováquia (República Tcheca) (ACZEL, 2003).
37
Gödel viria a demonstrar que diante de um sistema dado na Matemática,
mesmo havendo um teorema que implicasse numa verdade, poderia acontecer
diante do mesmo, proposições impossíveis de serem provadas. Um dos
teoremas mais conhecidos de Kurt Gödel é o Teorema da Incompletude que,
segundo Aczel (2003), se relaciona diretamente com o teorema de Cantor, ou
seja, não existe um conjunto com o maior cardinal.
Contudo, Gödel estaria mostrando aos matemáticos que nem todos os
teoremas poderiam ser submetidos a provas, mesmo sabendo que a
Matemática depende de coisas dadas como verdades, tais como um conjunto
de axiomas, em que podemos partir desse princípio para fazer uma
demonstração e obter uma prova. Sendo assim, considerando que existem
teoremas que não podem ser provados, Kurt Gödel concentrou suas forças
naquilo que teria atormentado Georg Cantor durante anos, ou seja, a Hipótese
do Continuum, que não poderia ser provada, embora Cantor, por diversas
vezes, chegasse a escrever para Mittag-Leffler dizendo ter conseguido provar
tal hipótese e, outras vezes, dizendo não ser possível comprovar essa
hipótese, conforme já vimos neste trabalho.
Aczel (2003) nos transmite a ideia de que, para Cantor, dentro de um
sistema, sempre existe a possibilidade de haver propriedades que a mente
humana jamais conseguirá compreender, ou em outras palavras, em se
tratando da Teoria dos Conjuntos, dado um conjunto qualquer, sempre existirá
um conjunto maior que o conjunto dado, se utilizarmos o critério do conjunto
potência, assim definido por Cantor.
Voltemos nossa atenção novamente para Gödel. Após ter provado que
no universo matemático, sempre existirão resultados que jamais poderão ser
provados, Gödel se concentrou na Hipótese do Continuum. O contínuo
começou a tomar conta da mente de Gödel e, assim como Cantor, aos poucos
ele perdeu o senso entre a realidade e o mundo real.
Por volta da década de 1930, Gödel resolveu concentrar todos os
esforços na Teoria dos Conjuntos, especialmente aos problemas do infinito.
Apesar de ter recebido muitos convites para estudar na América, como no IEA
(Instituto de Estudantes Avançados) dos EUA, Gödel apostava fortemente que
38
conseguiria provar que a Hipótese do Continuum, seria consistente com a
Teoria dos Conjuntos e, segundo Aczel (2003), nas noites de 14 e 15 de junho,
ele teria conseguido então, êxito com a Hipótese do Continuum.
Ainda com base em Aczel (2003), a prova que Gödel obteve sobre a
Hipótese do Continuum, no final da década de 1930, implicava em dizer que tal
hipótese funcionava num campo fora da Matemática, ou seja, num campo
diferentemente daqueles que constroem os fundamentos matemáticos.
Contudo, assim como Cantor, Kurt Gödel começou a acreditar que ora teria
encontrado uma prova consistente da Hipótese do Continuum e ora teria
conseguido o contrário. Isso fez com que Gödel abandonasse a tentativa de
provar que o Continuum pertencesse a um campo distinto da Matemática e
começasse a pensar em provar outras coisas, totalmente fora do contexto
matemático.
Em sua obra “O Mistério do Alef”, Aczel (2003) comenta o fato de Kurt
Gödel ter desacreditado que a Hipótese do Continuum pudesse ser provada,
tanto que começou a ter ideias contrárias as de Georg Cantor. Mas essas
ideias não vem ao caso, pelo menos em nossa pesquisa. O leitor pode estar
nos questionando sobre que fim levou a Hipótese do Continuum. Afinal, o
continuum era consistente, era verdadeiro de acordo com o que Cantor e Gödel
tentaram demonstrar durante tantos anos? Por fim, no ano de 1963, o
matemático Paul Cohen (1934 - 2007), conseguiu demonstrar que a Hipótese
do Continuum era independente de todos os axiomas da Teoria dos Conjuntos.
Logo, Paul Cohen provou que a Hipótese do Continuum seria algo impossível
de se trabalhar dentro do atual sistema de axiomas, ou seja, seria impossível
dizer se a Hipótese de Cantor era verdadeira ou não.
O que Cohen fez foi determinar um conjunto de postulados com regras
de lógica, dando assim, o ponto de partida para provar a Hipótese do
Continuum e, consequentemente, ampliou este conceito para um sistema de
regras que seriam aplicáveis naquilo que queria demonstrar. Apesar de obter
êxito, alguns matemáticos encontraram erros em sua demonstração, mas
Cohen os corrigiu e finalmente provou que a Hipótese do Continuum de Cantor,
seria impossível de demonstrar dentro do atual sistema de axiomas da Teoria
39
dos Conjuntos. Desde então, independentemente de tal hipótese ser
verdadeira ou não, o que se sabe, é que a hipótese de Cantor é incompatível
com nosso atual sistema, ou seja, para fins matemáticos a Hipótese do
Continuum não tem como ser demonstrada (ACZEL, 2003).
Apresentemos a seguir, um esquema retirado da obra “O mistério do
Alef”, de Amir O. Aczel (2003). O autor procura nos mostrar a cardinalidade de
finitos e cardinais não acessíveis de ordem inferior e, mostrando o menor
infinito, o 0 (alef-zero).
(ACZEL, 2003, p. 186)
Nos últimos tempos do século XX, teóricos de conjuntos
desenvolveram trabalhos sobre a Teoria dos Conjuntos que dizem respeito aos
números transfinitos. Assim, a Teoria dos Conjuntos foi tema de interesse de
muitos matemáticos como Cantor, Gödel, Cohen e, mais recentemente, em
1974, Jack Silver, da Universidade da Califórnia provou resultados
relacionados aos alefs, abrindo novos caminhos para pesquisas dentro desta
teoria (ACZEL, 2003).
40
CAPÍTULO 3
A INSERÇÃO DA TEORIA DOS CONJUNTOS NO MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
Neste capítulo apresentamos um panorama sobre a implementação da
Teoria dos Conjuntos durante o Movimento da Matemática Moderna (MMM).
3.1 O primeiro movimento internacional
Conforme vimos no capítulo anterior, a Teoria dos Conjuntos apareceu
no final do século XIX e ganhou força no Ensino Secundário durante o período
denominado como Movimento da Matemática Moderna (MMM), ou seja, entre
1950 e 1970. Procurando melhor compreender as causas da implementação da
Teoria dos Conjuntos, iniciamos esse capítulo discorrendo, de forma sucinta,
sobre a época que antecipou o MMM.
Segundo Vitti (1998), um dos principais matemáticos que demonstrou
preocupação com o ensino da disciplina de Matemática, foi Felix Klein (1849 –
1925). Klein percebeu que os estudantes universitários de cursos de
Matemática mostravam falta de alguns pré-requisitos, razão pela qual começou
a pensar em uma aproximação entre a Matemática, como disciplina escolar e a
Matemática, como instrumento de trabalho dos matemáticos.
Acreditando que uma das causas que levava a Matemática ser
entendida de forma distinta entre professores, educadores e matemáticos era a
separação entre a educação humanística e científica, Felix Klein defendeu a
necessidade de uma eficiente formação para os professores, alegando que as
aulas do Ensino Secundário, precisavam englobar métodos mais atraentes,
vivenciados com entusiasmo (VITTI, 1998).
Assim sendo, Felix Klein organizou um curso durante a Páscoa no ano
de 1908 para professores de Matemática e Física. Este curso, posteriormente,
foi publicado em 1939 e foi reeditado em 2004. Nele Klein manifestou interesse
41
em fazer uma ligação entre a Matemática escolar e aquela trabalhada no
Ensino Superior:
I am glad to refer to a vacation course for teachers of mathematics and physics which was given here in Gottingen during the Easter vacation in 1908. In it I gave an account of my winter lectures. In connection with this, and also with the address of Professor Behrendsen of the local gymnasium, there arose an interesting and stimulating discussion concerning the reorganization of school instruction in arithmetic, algebra, and analysis, and more particularly about the introduction of differential and integral calculus into the schools (KLEIN, 2004, p.1 )
15
Entretanto, Klein jamais descartou o ensino da Matemática pura e,
segundo ele próprio, “o estudo da Matemática deveria acontecer em conjunto
com Matemática Pura” (VITTI, 1998, p.36)
Klein defendia que a Matemática poderia servir de alicerce para outras
áreas. Com isso, chegou a declarar que outros cursos deveriam ter aulas de
Matemática, como por exemplo, o curso de Medicina, conforme afirma Vitti:
Partindo do princípio do estudo da Matemática como uma ferramenta educacional formal, declarou que por esse motivo todos os demais cursos deveriam ter aulas de Matemática, até mesmo o curso de medicina (VITTI, 1998, p.37).
Ainda, segundo Vitti (1998), Felix Klein, preocupado em diminuir a
distância entre a Matemática e a Matemática do ensino secundário, juntamente
com outros professores e pesquisadores, decidiu criar um espaço para debates
que envolvesse as ideias dos profissionais envolvidos com a Matemática.
A necessidade de socializar as descobertas de todo esse período de florescimento da Matemática e das questões relacionadas com o seu ensino, culminou com a organização de sociedades especializadas, bem como a publicação de periódicos específicos e, por fim, com o surgimento de encontros internacionais (VITTI, 1998, p.38).
Felix Klein também teve importante destaque no IV Congresso
Internacional de Matemática que foi realizado na cidade de Roma, Itália,
15
Tradução: Estou contente por me referir a um curso de férias para professores de matemática e física, que foi dado aqui em Göttingen, durante as férias de Páscoa em 1908. Nele eu dei uma parte de minhas palestras de inverno. Em conexão com isto, e também com o endereço do Professor Behrendsen do ginásio local, surgiu uma discussão interessante e estimulante sobre a reorganização da instrução escolar da aritmética, álgebra e análise e, mais particularmente, sobre a introdução do cálculo diferencial e integral nas escolas.
42
durante o ano de 1908. Naquela ocasião presidiu uma comissão internacional,
a CIEM (Commission Internationale de l'Enseignement Mathématique) ou
IMUK (Internationale Mathematische Unterrichtskommission), encarregada de
realizar um levantamento da educação matemática praticada em diversos
países. A grande quantidade de relatórios produzidos pelos diferentes países
permitiu analisar o ensino de Matemática daquela época, favorecendo a Klein
conduzir uma proposta de internacionalização de reformas curriculares
efetuadas na Alemanha, a qual inspirou o primeiro projeto de
internacionalização do ensino de Matemática. A partir daquele ano, até por
volta dos anos de 1920, iniciava-se uma forte manifestação de educadores em
prol do ensino de Matemática voltado para a Educação Básica, desencadeando
por diversas partes do mundo uma preocupação com a maneira de se ensinar
a Matemática. Todo esse trabalho foi fortemente apoiado pelo CIEM, então
comandada justamente por Felix Klein (PEREIRA, 2012).
O movimento modernizador que estava acontecendo na Europa,
presidido por Klein, começou a surtir efeito no Brasil por volta do ano de 1927.
O professor Euclides de Medeiros Guimarães Roxo (1890 – 1950), na época
Diretor do Externato do Colégio Pedro II16, propôs a renovação do ensino de
Matemática para a Congregação do Colégio Pedro II. A partir de 1931, as
medidas de reestruturação do ensino secundário propugnadas por Euclides
Roxo passaram a ser adotadas em todas as escolas brasileiras, uma vez que o
Colégio Pedro II era referência para todo o Brasil. No caso, Euclides Roxo
apropriou-se da proposta renovadora defendida por Felix Klein:
Convidado pelo ministro Francisco Campos para elaborar os novos programas de Matemática baixados com o decreto 19890 de 18 de abril de 1931, redigiu os programas e as instruções pedagógicas para o ensino dessa disciplina de acordo com as modernas tendências e com os pontos de vista que foi o primeiro a preconizar entre nós (APER, E.R.T.1.007 apud DUARTE, 2002, p.77).
16
Colégio Pedro II – Atualmente é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) situada no Rio de Janeiro, que conta com 12 unidades. Sua origem foi marcada em 1739, quando foi fundado o Colégio dos Órfãos de São Pedro pelo 4º Bispo do Rio de Janeiro. Em 1837, o Ministro do Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, apresentou decreto, que assim mudava-lhe o nome para Imperial Colégio Pedro II. Foi considerado colégio modelo para os demais estabelecimentos de ensino existentes no país (DANTAS, 2011, p.15).
43
Dessa forma, com o propósito de reorganizar o ensino de Matemática,
Euclides Roxo propôs em 1929 unificar a Aritmética, a Álgebra e a Geometria
numa só disciplina, ou seja, a Matemática. Nesse sentido lançou a obra “Curso
Matemática Elementar”, em três volumes, de acordo com essa nova
reestruturação (DUARTE, 2002).
Segundo Euclides Roxo, a nova reforma defendia três tendências do
movimento de reforma internacional, quais sejam, a metodologia, a seleção da
doutrina e a finalidade do ensino.
A primeira tendência, a metodologia, dizia respeito à importância de um
ensino voltado para o ser humano, mais do que ao conteúdo a ser ensinado,
conforme a maturidade do aluno, começando pela intuição e pouco a pouco ir
apresentando os elementos lógicos. Já a segunda tendência referia-se à
escolha da matéria a ensinar, considerando as aplicações da Matemática ao
conjunto das outras disciplinas, de modo a preparar o aluno para a vida,
utilizando aplicações práticas. A terceira tendência, qual seja, a subordinação
da finalidade do ensino às diretrizes culturais da época, considera que o ensino
da Matemática deveria estar subordinado às aplicações das ciências físicas e
naturais e à técnica (DUARTE, 2002).
Destas tendências, segundo Euclides Roxo, derivavam outras
características, a saber: a fusão dos diferentes ramos da Matemática: a
aritmética, a álgebra e a geometria em uma única disciplina; a introdução da
noção de função; o abandono, em parte, da rígida geometria euclidiana;
introdução das noções de coordenadas e de geometria analítica; introdução
das noções de cálculo diferencial e integral; a introdução do método de
laboratório, com o propósito levar o aluno à descoberta de fatos matemáticos;
desenvolver no aluno uma base sólida em História da Matemática (DUARTE,
2002).
Contudo, mesmo com as ideias inovadoras de Euclides Roxo em torno
do movimento internacional que estava acontecendo na Europa, por meio das
ideias de Felix Klein, a reforma do ensino de Matemática proposta por Roxo
não contemplava a Teoria dos Conjuntos (DUARTE, 2002).
44
Nessa época, até a década de 1950, não se pensava na inserção da
Teoria dos Conjuntos no ensino secundário. Essa inserção ocorreu a partir do
Segundo Movimento Internacional para a renovação do ensino de Matemática,
durante o Movimento da Matemática Moderna (MMM) (DUARTE, 2002).
3.2 O segundo movimento internacional: o Movimento da Matemática
Moderna (MMM)
Em meados do século XX, educadores e matemáticos preocupados
com os avanços econômicos e tecnológicos que estavam ocorrendo na
sociedade e verificando que o ensino da Matemática escolar não acompanhava
os avanços da sociedade, entenderam que a Matemática ensinada aos alunos
do ensino secundário deveria contemplar alguns conteúdos que até então
somente eram trabalhados no Ensino Superior. Justificavam essa proposta
alegando que havia um descompasso entre os conteúdos ministrados no
secundário e os do ensino superior, pois os alunos que chegavam para
frequentar os cursos nas universidades apresentavam dificuldades no
aprendizado de Matemática (SARTIRO, 2011).
O Movimento da Matemática Moderna (MMM), acontecimento de
abrangência internacional, contou com a participação de vários países. Dentre
eles, destacamos a Alemanha, a Itália, a Inglaterra, a França e os EUA. Apesar
da diversidade cultural dos países envolvidos, tinham um objetivo comum, qual
seja, reformar o ensino de Matemática, adequando-o às necessidades da
sociedade da época (DUARTE,2002).
O MMM tinha como ideário unificar a Matemática, utilizando como
linguagem a Teoria dos Conjuntos. Entendia-se que os alunos da Educação
Básica, poderiam assimilar melhor a disciplina “Matemática”, por meio da
Teoria dos Conjuntos.
Segundo Pereira (2012), o início do MMM pode ser ligado à convenção
da OECE (Organização Europeia de Cooperação Econômica) realizada em
Royaumont, França, no ano de 1959. Essa convenção teve como intuito
reformular o ensino da Matemática escolar na Europa. Entretanto, países de
45
outros continentes, como Canadá e Estados Unidos foram convidados, com o
propósito de contribuir com o novo ensino de Matemática. Durante esse
encontro, os participantes decidiram constituir uma comissão de especialistas
para elaborar um quadro contendo as matérias que o ensino secundário de
Matemática deveria abordar, indicando, ainda, os assuntos que deveriam ser
ensinados, os métodos a serem utilizados e as justificativas das sugestões
apresentadas. De modo que,
... a OECE constituiu essa comissão, delegando-lhe a missão de elaborar um programa moderno de ensino da Matemática para as escolas secundárias. A Sessão de Trabalho da Comissão realizou-se na Yugoslávia, de 21/08 a 19/09/1960. A partir desse novo programa, livros escolares e manuais deveriam ser redigidos. Com isso, estimulou-se a elaboração de vários livros escolares em diversos países, como forma de difundir a Matemática Moderna (WIELEWSKI; WIELEWSKI, p.2, 2009).
Conforme entendimento de Burigo (1989) a preocupação era a de formar
pessoas com melhor entendimento matemático, e, para tanto, essa Matemática
deveria ser totalmente reformulada, ou seja, deveria ser elaborado um
programa moderno de Matemática:
Realizou-se uma sessão de trabalhos com especialistas, com a incumbência de elaborar um programa “moderno” de matemática, tendo como alvo fundamentalmente os estudantes mais “bem dotados”, e que se orientavam para os estudos científicos e técnicos de nível superior (BURIGO, 1989, p.73)
A Conferência de Royaumont, que tinha como foco discutir o ensino de
Matemática no nível secundário, apresentou alguns objetivos, dentre os quais
destacamos:
a)Esclarecer e resumir os principais pensamentos em Matemática e o currículo de Matemática na escola elementar e no ensino secundário, recrutar e treinar professores de Matemática para as necessidades de pesquisa em Educação Matemática; b)Especificar (i) os propósitos da Educação Matemática; (ii) quais as mudanças desejáveis a serem feitas quanto ao conteúdo a ser ensinado; (iii) novos objetivos, novos materiais e novos métodos de ensino e (iv) dar treinamento adicional adequado aos professores de Matemática em vista das novas mudanças; (c) indicar procedimentos e métodos específicos que devem ser levados em consideração em qualquer país visando obter uma reserva – tanto em número quanto em qualidade – de matemáticos para o ensino e pesquisa e pessoas matematicamente competentes na ciência, na indústria e no governo; (d) sugerir uma ação de acompanhamento das atividades propostas tanto a nível nacional quanto internacional (MOON, apud SOARES, 2001, p. 28).
46
A partir de então, a Matemática passou a ser repensada em diversos
países, os quais estavam interessados em uma Matemática mais atual,
começando a deixar de lado o currículo tradicional de Matemática. O
matemático Jean Dieudonné, durante a Conferência Internacional de
Royaumont, entendendo que a Geometria ensinada nas escolas estava
desatualizada e, como a Matemática teria de se modernizar, defendeu o slogan
“abaixo Euclides” (VITTI, 1998).
Nessa época, criaram-se grupos de matemáticos, professores de
Matemática e pessoas ligadas com o ensino de Matemática, tendo como foco
levantar discussões de como deveria acontecer tal reforma dentro do ensino de
Matemática.
Após análises de algumas obras, tais como Macedo (2008), Duarte
(2007) Vitti (1998), Búrigo (1989) entre outros, entendemos que o MMM tinha
como ideário unificar a Matemática, principalmente por meio da Teoria dos
Conjuntos. As análises feitas nos fornecem indícios de que a aposta para tal
unificação era fortemente entendida por meio de uma visão de que os alunos
da Educação Básica poderiam assimilar melhor a disciplina “Matemática”,
estudando a Teoria dos Conjuntos.
No que diz respeito ao termo “Matemática Moderna”, Kline (1976),
observa que muitos professores começaram a escrever e publicar livros,
sempre mencionando o novo currículo em suas obras:
O que não deixa de surpreender um pouco, os inúmeros grupos e autores independentes de compêndios dirigiam-se todos mais ou menos para a mesma direção. Foram todos portanto – e com muita justiça – descritos pelo termo de “matemáticos modernos” ou “novos matemáticos” (KLINE, 1976, p.34).
A justificativa para usar uma nova Matemática, era a de que até então, o
que estava sendo ensinado aos jovens nas escolas, seria o mesmo conteúdo
matemático ensinado do período de 1700.
Os professores sentiam dificuldades para ensinar essa nova proposta da
Matemática para os alunos, pois, como iriam fazê-lo, se os próprios
professores não estavam conseguindo entender esses novos conteúdos
matemáticos e as novas metodologias, de modo a sentirem segurança para
47
levá-las a diante? Por essa razão, por diversas, o professor Morris Kline, na
obra “O Fracasso da Matemática Moderna”, ofereceu críticas ao Movimento.
O Movimento da Matemática Moderna causou muita discussão,
principalmente no quesito da palavra “moderna” ligada diretamente com a
disciplina de Matemática. Assim, Soares (2001) expõe sobre o significado
desse termo:
A ampla veiculação da palavra "moderna" não deixou de ser motivo de discordância. O que é moderno é oposto ao que é velho, antigo, ultrapassado. Assim, a Matemática Moderna era associada ao novo, atual, avançado. Para os opositores do Movimento, usar tal expressão e defender a introdução de assuntos descobertos nos séculos XVIII e XIX no ensino secundário, era desprezar toda a Matemática desenvolvida até então, o que era visto como um absurdo. Por outro lado, os defensores da reforma diziam não querer descartar a Matemática velha, mas sim renová-la aplicando a ela novos métodos de ensino (SOARES, 2001, p.2).
O termo Matemática Moderna, de certa forma, ficou ligado à Teoria dos
Conjuntos e, ao pesquisarmos algumas obras, percebemos que muitos autores
também fizeram essa ligação, como por exemplo, Elenir Soares (2009) ao
enfatizar por diversas vezes em seu trabalho que a preocupação das pessoas,
por volta da década de 1970, em entender o significado da palavra “moderna”
em Matemática, acabava por assimilar automaticamente este termo à Teoria
dos Conjuntos.
Havia uma necessidade de unir a Matemática voltada para a
axiomatização e aquela voltada para a Teoria dos Conjuntos. Pereira (2012)
afirma que o termo Matemática Moderna passou a ser utilizado a partir da
década de 1930, considerando a linguagem da Teoria dos Conjuntos, de
acordo com a escola de Bourbaki.
3.2.1 O Grupo Bourbaki
Bourbaki é um pseudônimo que designa um grupo de matemáticos que
se conheceram na ENS (École Normale Supérièure), escola destinada a formar
professores para o ensino secundário na França. Inicialmente, o grupo tinha
como ideário, discutir a Matemática clássica e Moderna e, segundo Pires
(2006), também unificar a Matemática.
48
A ideia de criar um grupo teria começado por volta de 1920, mas
somente em 1934, no dia 10 de dezembro que o grupo denominado Bourbaki
foi realmente concretizado com nove membros, dentre eles, nomes conhecidos
como Henri Cartan (1904 - 2008), Claude Chevalley (1909 – 1984), Jean
Delsart (1903 – 1968), Jean Dieudonné (1906 – 1992) e André Weil (1906 –
1998), sendo estes, considerados como cinco dos principais fundadores do
grupo. Esses matemáticos decidiram formar o grupo por estarem descontentes
com o desenvolvimento da Matemática e com o ensino da mesma,
principalmente no que se diz respeito ao ensino de Análise. Criticavam o Curso
de Análise Matemática de autoria de Edouard Goursat (1858 – 1936)
considerado ultrapassado para aquela época e resolveram formar um grupo
para escrever outra obra mais moderna (PIRES, 2006).
Pires (2006) comenta que dentre os motivos que vieram a entusiasmar a
criação do grupo, um deles foi o fato de que para a Matemática do Ensino
Superior francês não se consideravam noções e conteúdos de Matemática
mais modernos em voga naquela época. Um assunto considerado moderno,
era a Teoria dos Conjuntos, mas era totalmente desprezado pelo ensino
universitário francês, conforme afirma Pires:
Em média o que se ensinava nas faculdades de ciências tinha um século de atraso sobre a pesquisa. Os pré-julgamentos epistemológicos atribuíam como irreais certas noções modernas, em particular a Teoria dos Conjuntos e provocaria o que J. Leray, que não foi bourbakista, chamou a “agorafobia” dos matemáticos (PIRES, 2006, p.18).
Com o passar do tempo, escrever um tratado de Análise não mais
satisfazia e provocou a escrita de um tratado de Matemática intitulado
Éléments des mathématiques. O primeiro volume apareceu em 1939 e o último
data de 1998. Consistem, hoje em dia, em dez livros, cada um deles, em geral,
com vários volumes: Teoria dos conjuntos; Álgebra; Topologia geral; Funções
de uma variável real; Espaços vetoriais topológicos; Integração; Álgebra
comutativa; Variáveis diferenciais e analíticas; Grupos e álgebras de Lie;
Teorias espectrais.
No início do grupo, os temas abordados eram noções de Álgebra, Teoria
dos Conjuntos e Topologia. Ao iniciar a escrita da obra Éléments des
49
Mathématiques, o grupo Bourbaki começou a se destacar na comunidade de
matemáticos. Os Bourbakistas afirmavam que a Matemática poderia ser
construída a partir do conceito das estruturas algébricas (que introduzem a
noção de operação), de ordem (que introduzem as noções de ordenação) e
topológicas (que permitem um tratamento de noções tais como limite,
continuidade e vizinhança) (DUARTE, 2007).
Uma das regras do grupo era que a idade máxima de seus integrantes
era de 50 anos. Após completarem essa idade, eram automaticamente
excluídos do grupo. O grupo Bourbaki acreditava que, as grandes criações
matemáticas, não poderiam se dar após essa idade. Entretanto, o ex-membro
do grupo Bourbaki, não perdia totalmente o contato com os outros membros e
continuava a receber informações e publicações internas do grupo. As
amizades com os ex-membros do grupo Bourbaki continuavam normalmente
(PIRES, 2006).
O grupo Bourbaki tinha como ideário utilizar um linguajar matemático
mais preciso e rigoroso por intermédio da Teoria dos Conjuntos. O grupo é
considerado como responsável pela utilização dos símbolos e , sendo
união, intersecção e vazio, respectivamente, além de ter créditos na
representação do conjunto dos números racionais, pelo símbolo Q (DUARTE,
2007).
O tratamento matemático adotado pelo grupo inspirou o movimento de
renovação do ensino de Matemática. Com isso, a Teoria dos Conjuntos ganhou
espaço e, com o passar do tempo, tornou-se um dos principais conteúdos no
currículo da Matemática escolar. Porém, Bourbaki não foi um grupo destinado a
modificar o ensino de Matemática. Seu propósito era reestruturar a Matemática
pura (DUARTE, 2007).
3.2.2 O Movimento da Matemática Moderna em alguns países
Neste tópico apresentamos breve panorama sobre como o MMM foi
divulgado e apropriado em alguns países. Discorremos sobre o Movimento na
Inglaterra, Portugal, Estados Unidos, França, Bélgica e Canadá. Também
50
abordamos como se deu a apropriação do ideário desse Movimento na
America Latina, dando especial destaque ao Brasil. Fazemos, ainda, breve
síntese sobre Congressos que ocorreram durante a implantação e
desenvolvimento desse Movimento.
A Inglaterra contou com alguns grupos que se dedicaram em projetos,
dentre os quais, destacamos o SMP (School Mathematics Projetc), projeto
considerado líder na década de 1960 e liderado por Bryan Thwaites. Segundo
Soares (2001), o SMP se destacou na Inglaterra pelo fato de contar com
professores mais experientes e não necessariamente pelo currículo que
apresentava para o ensino de Matemática.
Entretanto, a autora enfatiza que além do SMP, o país também contou
com mais dois grupos importantes que se mostraram preocupados com a
modernização do ensino de Matemática. Estes grupos foram o MME (Midlands
Mathematical Experiment) e o CSM (Contemporary School Mathematics
Project).
Os três projetos citados, tinham seus próprios métodos pedagógicos,
mas todos respeitavam a tradição do ensino inglês. Contudo, nenhum projeto
inglês, no que diz respeito ao SMP, MME e CSM, contava com a ajuda do
governo. Outro fato que contribuiu para que o School Mathematics Projetc de
Bryan Thwaites obtivesse maior aceitação por parte do ensino inglês de
Matemática era por contar com apoio das indústrias. Entendia-se que, no caso
de imprevistos financeiros, o SMP poderia contornar a situação, pois teria ajuda
do setor industrial, ou seja, não dependeria de dinheiro público ou do Ministério
da Educação (SOARES, 2001).
Ainda com base em Soares (2001), o SMP teve origem em conferências,
realizadas nos anos de 1959, 1961 e 1963 as quais, tiveram como
participantes, além de professores do ensino secundário e professores
universitários, também representantes das indústrias e comércios ingleses.
Essas conferências haviam sido convocadas por causa do crescente interesse gerado, tanto nas universidades quanto nos setores da indústria, visando a uma adaptação do programa de Matemática às futuras necessidades profissionais dos estudantes (SOARES, 2001, p.32).
51
Em Portugal, um dos problemas enfrentados com o ensino de
Matemática, era o de que os exercícios propostos aos estudantes admitiam
resoluções principalmente por meio de técnicas. Soares (2001) comenta que
na década de 1960, iniciava-se, de forma experimental, a implementação de
um novo currículo para o ensino de Matemática. Entretanto, a ordem seria para
que os professores do ensino secundário deixassem a postura tradicional e
começassem a desenvolver, durante as aulas, estratégias que levassem os
alunos a terem maior participação, maior interatividade e usar a imaginação de
tal forma, que os levassem a descobertas.
A proposta do ensino não estava ligada apenas com a questão de
modificar o conteúdo desenvolvido em Matemática, mas modificar a maneira de
ensinar Matemática nas escolas.
No início dos anos 70 realizaram-se várias ações de formação contínua de professores, mas o grande objetivo destas formações era uma atualização científica relativa aos novos temas introduzidos nos programas: Teoria de Conjuntos, Relações Binárias, Lógica Matemática, Transformações Geométricas. (...) De uma forma geral, podemos dizer que passaram a ser tratados outros conteúdos mas que continuou sempre presente a ênfase no domínio de técnicas (PORFÌRIO, apud SOARES, 2001, p.33).
Um dos principais defensores da Matemática Moderna em Portugal foi o
professor de Matemática José Sebastião Silva17
A Teoria dos Conjuntos, inserida no currículo das escolas portuguesas
fazia parte do que os alunos deveriam aprender, mas não significava
necessariamente que as aulas seriam aplicadas de maneira diferente, o que
ocasionaria apenas uma mudança no currículo de Matemática, mas não uma
alteração na postura de como os professores desenvolveriam o currículo. Em
outras palavras, prevaleceria o domínio da técnica (SOARES, 2001).
Nos Estados Unidos, o movimento que ficou conhecido como Movimento
da Matemática Moderna, se popularizou devido à preocupação com a
deficiência em Matemática dos estudantes americanos, durante o período da
17
José Sebastião Silva (1914 – 1972) foi um dos mais importantes nomes no ensino de Matemática em Portugal. Coordenou por cerca de 20 anos o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa contribuindo para a formação de vários professores no país. Também escreveu muitas obras que contribuíram para a Educação Matemática portuguesa, as quais obtiveram destaque pelo rigor e precisão no contexto matemático. (SPM, 2013).
52
segunda Guerra Mundial. Nesse período, os Estados Unidos decidiram investir
na ciência, acreditando que se os alunos obtivessem maior êxito nos estudos
de Matemática, o país alcançaria maior desenvolvimento econômico e
científico. Dentre muitos fatores que desencadearam a reformulação do
currículo de Matemática, destaque-se o lançamento do primeiro satélite russo,
o Sputinik, no ano de 1957.
Esse acontecimento convenceu o governo norte-americano e o país de que deviam estar atrás dos russos em matemática e ciência, e teve o efeito de afrouxar os cordéis das bolsas das agências governamentais e funções. Talvez seja coincidência, mas nessa ocasião muitos outros grupos decidiram entrar no negócio de criar um novo currículo (KLINE, 1976, p.33)
Entendendo que o ensino de Matemática americano estava defasado em
relação à Matemática, e também, cientificamente, os americanos procuraram
reformular o ensino de Matemática, apresentando conteúdos que julgavam
necessários para os jovens. Dentro deste novo modelo de ensino, também
estava a Teoria dos Conjuntos, assim como outros tópicos, como por exemplo,
funções. A ideia era de concentrar a Matemática num modelo moderno, assim
como viria acontecer em outras partes do mundo.
Sendo assim, iniciava-se uma mobilização para que o currículo do
ensino secundário fosse reformulado, por meio do grupo de “Estudos de
Matemática Escolar” tendo como responsável Edward G. Begle da
Universidade de Yale. Segundo Kline (1976), o grupo de “Estudos de
Matemática Escolar” é oriundo do “American Mathematical Society” (Sociedade
de Matemática Americana) e foi criado justamente para desenvolver um novo
modelo para o currículo da disciplina de Matemática.
Burigo (1989) enfatiza que, pouco tempo após o lançamento do Sputink,
em 1957, ganhou maior relevo a necessidade dos Estados Unidos terem maior
número de cientistas e técnicos:
A maior lição que deveríamos aprender de um fato como o lançamento do satélite soviético é que liderança é uma proposição cara. (...) Em cada encontro nós teremos que confrontar nossos homens de ciência um por um, contra esse exército soviético. E da capacidade e do valor de cada homem que nós teremos que depender. Porque nós precisamos lembrar que uma democracia não pode sobreviver sem o melhor em educação para cada um, mas que
53
muita educação não faz nem é a salvaguarda da democracia (DEWITT, apud BURIGO, 1989, p.68).
Determinados grupos americanos, interessados em fazer uma reforma
do ensino durante a década de 1950, apostavam fortemente numa melhora do
ensino de Matemática. Para tanto, organizaram uma comissão para refletir
sobre a Matemática escolar, no ano de 1952. Esta comissão teve como líder o
professor Max Beberman18. A ideia dessa comissão era de reformular o
currículo de Matemática, começando por designá-lo como currículo moderno
(COUSIN, 2011).
Antes mesmo do lançamento do satélite russo já havia fortes
movimentos que defendiam uma reforma em relação à melhora da formação de
cientistas nos Estados Unidos. Começaram então, a serem criados grupos
para tratarem a respeito de um novo modelo de ensino da Matemática, e
também, para a formação dos professores. Dentre os grupos criados, um que
obteve grande destaque foi o “School Mathematics Study Group” (SMSG) , no
ano de 1958.
O professor Suppes, da Universidade de Stanford, optou por um ensino
mais avançado em torno das operações com Conjuntos. Esse professor
defendia que as crianças tinham capacidade de aprender algo além daquilo
que era ensinado a elas (BURIGO, 1989).
Nesse contexto, a Matemática do ensino secundário passou a sofrer
pressão para que ocorresse uma modernização, o que acarretou
reformulações em sua grade. No ano de 1959, por exemplo, a College
Entrance Examination Board (CEEB), publicou que um candidato capacitado
para entrar na Universidade deveria ter conhecimento de conteúdos como
Conjuntos, Função e Relação (BURIGO, 1989).
O Grupo de Cambridge, formado em 1963, durante a Conferência de
Cambridge, apresentou um relatório com o título “Objetivos da Matemática
Escolar”, coordenado por Francis Keppel, na época comissário de Educação
dos Estados Unidos. Um dos objetivos do grupo de Cambridge, dizia respeito à 18
Max Beberman (1925-1971) foi educador da High School University e professor da Universidade de Illinois. Contribuiu para o desenvolvimento dos programas de Matemática dos Estados Unidos entre as décadas de 1950 e 1960 (KLEIN, 2005).
54
preparação do professor, ou seja, havia uma preocupação em melhorar a
qualidade do ensino, mas também havia a necessidade de preparar melhor os
professores para desenvolverem o ensino de Matemática, com a nova reforma.
Esta visão do grupo de Cambridge era diferenciada em relação a outros grupos
existentes, posto que, apenas ofereceriam uma reforma no ensino de
Matemática, mas sem a preocupação, pelo menos explícita, de melhorar a
preparação do professor para que este conseguisse desenvolver um trabalho
com mais qualidade diante do novo currículo. O grupo de Cambridge mostrava-
se preocupado não só com o preparo do professor do Ensino Fundamental
(ciclo II) e do Ensino Médio, mas com o professor das séries iniciais (Ensino
Fundamental I), pois para este, também seria apresentado uma reforma no
ensino de Matemática (KLINE, 1976).
O outro grupo de destaque foi o denominado “Study to improve the
mathematics curriculum of the school” (Estudo de Melhoria do Currículo de
Matemática da Escola Secundária), criado no ano de 1965, por Howard Fehr,
na época professor da Universidade de Colúmbia. Tendo como propósito
melhorar o ensino de Matemática nas escolas, o grupo do professor Howard
apostava em unificar o currículo de Matemática, por meio da inserção da Teoria
dos Conjuntos, Operações e Estruturas (KLINE, 1976).
No que diz respeito ao MMM na França, Soares (2001), enfatiza que no
final dos anos 1950, o país ainda não apresentava um clima favorável à
modernização do ensino de Matemática. A modernização do ensino de
Matemática na França deu-se na década de 1960, mais precisamente, por
volta do ano de 1967, período em que o governo francês desenvolveu projetos
para reformar o ensino de Matemática no ensino secundário.
Em 1967, foi criada uma comissão ministerial para planejar a reforma dos programas de Matemática da escola secundária que ficou conhecida como Comissão Lichnerowicz devido à liderança do matemático André Lichnerowicz, um dos maiores defensores da reforma (SOARES, 2001, p.36).
O matemático André Lichnerowicz presidiu essa comissão, encarregada
em elaborar recomendações para o currículo de Matemática francês, dentre as
quais, a ênfase na Teoria dos Conjuntos e a introdução das estruturas
55
matemáticas. Cabe aqui destacar que André Lichnerowicz não foi bourbakista,
mas mantinha amizade com integrantes do grupo Bourbaki e se baseou nas
ideias que esse grupo propunha para a Matemática pura para tentar reformular
o currículo do ensino de Matemática (SOARES, 2001).
Soares (2001), ainda destaca a Association des Professeurs
Mathématiques de L’Enseignement Public (APMEP). Essa associação teve
grande importância para que o governo francês investisse na modernização da
Matemática.
Além disso, um dos principais fatores para que o Movimento da
Matemática Moderna viesse a tornar forte na França foi a criação dos IREM’s
(Instituts de Recherche sur L’Enseignement des Mathématiques) que
proporcionaram cursos de formação para os professores do ensino Secundário.
A Bélgica também se destacou no que diz respeito ao Movimento da
Matemática Moderna e a inserção da Teoria dos Conjuntos que se deu por
meio do professor Georgy Papy, da universidade de Bruxelas. Durante a
Conferência de Lima, Papy comenta sobre o Movimento na Bélgica:
A experiência intensiva e extensiva da Reforma da instrução Matemática na Bélgica entra neste ano escolar (1969) em seu nono ano. A experiência segue para a classe final da seção científica da instrução secundária (estudantes de 17 a 18 anos de idade) (FEHR apud VITTI, 1998, p.83).
Vitti (1998) enfatiza que o programa de ensino belga deu ênfase na
inserção da Teoria dos Conjuntos no ensino secundário.
O Canadá também sofreu reformas com o ensino modernizador de
Matemática. As mudanças acrescidas com a Matemática Moderna no país,
principalmente na parte de Conjuntos, foram implementadas a partir do 1º ano
do ensino secundário, tendo em comum acordo, interesse por parte dos
professores do ensino secundário e do ensino superior (SOARES, 2001).
A parte direcionada para a Teoria dos Conjuntos foi inserida em diversas
regiões do Canadá, com variações nos anos escolares. Como exemplo, em
Ontário, a Teoria dos Conjuntos foi inserida somente a partir do 9º ano do
56
ensino secundário, por recomendação do Departamento da Educação
(SOARES, 2001).
Na América do Sul, um dos passos para discutir a reforma do ensino de
Matemática foi dado em 1961, com a realização da primeira Conferência
Interamericana sobre Educação Matemática, em Bogotá, Colômbia. Nessa
conferência, houve também a preocupação com os professores que já atuavam
na área da Educação, assim como com a formação desses profissionais:
A respeito dos professores em exercício, foi proposto um intercâmbio com os professores da universidade em forma de cursos de aperfeiçoamento. Além disso, foi também pedido que fossem tomadas medidas para melhorar o nível econômico e social do professor, incentivando a dedicação exclusiva e proporcionando melhores condições salariais (SOARES, 2001, p.42).
A Conferência Interamericana foi presidida pelo matemático americano
Marshall Stone. Contou com a presença de 23 países, entre participantes e
convidados. Estiveram presentes
... conferencistas convidados como Laurent Pauli, da Suiça; Sven Bundgaard, da Dinamarca e Laurent Schwartz e Gustave Choquet, da França. Os participantes do Brasil foram os professores Omar Catunda e Alfredo Pereira Gomes, além do professor Leopoldo Nachbin que participou do comitê organizador da Conferência (SOARES, 2001, p.41).
A Conferência realizada em Bogotá serviu de alicerce para que a
Matemática Moderna viesse a ser implementada em diversos países da
América do Sul, dentre eles a Argentina, que realizou um trabalho direcionado
aos ideais propostos em Bogotá. A influência do congresso, fez com que o
professor Marshall Stone fizesse uma visita à capital Argentina para ajudar a
traçar um plano de ação direcionado a Matemática Moderna (VITTI, 1998).
3.2.3 O Movimento da Matemática Moderna no Brasil
No Brasil, o Movimento da Matemática Moderna teve seus primeiros
passos na década de 1950, e atingiu o auge entre as décadas de 1960 e 1970.
57
A Matemática durante o MMM era considerada uma disciplina fundamental
como requisito para o progresso perante a cidadania (BURIGO, 1988)
O Ensino no Brasil começou a levantar uma preocupação no sentido de
que, se modernizar, significava ir de encontro com a economia do país, ou, em
outras palavras, o Brasil estava preocupado com uma sociedade que viesse a
conquistar certo patamar social. Isto, segundo Burigo (1988), estava ligado ao
desenvolvimento da ciência como um dos principais fatores para que a
sociedade viesse conseguir tal feito e, para isto, começaram então, a serem
criados órgãos destinados a Educação, como por exemplo, o CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Burigo (1989) aponta que o estado de São Paulo, por volta da década
de 1960, contava com a comunidade científica mais ativa e articulada do Brasil.
Ao citar que o Movimento ganhou força em São Paulo, Burigo destaca também,
o crescimento da economia e o índice de alfabetização e escolarização, ambos
com dados superiores à média, se comparados com outros estados do Brasil.
Assim, a “população matriculada no ensino secundário em São Paulo
representava 27,9% do total de alunos do secundário no país” (BURIGO, 1989,
p.99).
Contribuiu para que esse movimento modernizador de Matemática
tivesse o estado de São Paulo como o principal centro para dar início a uma
nova proposta curricular no ensino de Matemática foi o fato de que este estado
contava com a Universidade de São Paulo, USP, a qual oferecia melhores
condições para o desenvolvimento de pesquisas, superiores a outras
instituições, como por exemplo, as Universidades do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Assim, no ano de 1960, quando o Movimento já estava acontecendo
nos Estados Unidos e Europa, começou a ganhar espaço no Brasil, mais
especificamente, em São Paulo (BURIGO, 1989).
Para nos aprofundarmos um pouco mais em relação ao MMM no Brasil,
entendemos ser indispensável nos posicionar, mesmo que de maneira breve,
no que diz respeito ao professor Osvaldo Sangiorgi e ao Grupo de Estudos do
Ensino de Matemática, o GEEM.
58
Após permanecer nos Estados Unidos por quatro meses, observando a
maneira que os americanos estavam tratando este movimento modernizador
de Matemática para com os seus professores, Osvaldo Sangiorgi organizou um
curso de aperfeiçoamento por meio de um acordo com a National Science
Foundation. Para tanto, Sangiorgi trouxe o professor americano George
Springer19 para o Brasil (BURIGO, 1989).
O objetivo da vinda de George Springer ao Brasil era divulgar o MMM.
Dessa maneira, o Movimento começou a ser difundido no Brasil a partir da
fundação do GEEM, fundado no dia 31 de outubro de 1961, após o curso
realizado por Osvaldo Sangiorgi e George Springer.
Antes mesmo da criação do GEEM, em 1961, entre os meses de agosto
e setembro, Sangiorgi organizou um curso para professores de Matemática,
subdividido em quatro disciplinas, sendo uma delas, a Teoria dos Conjuntos.
Foi ministrada pelo professor Alésio de Caroli, que se tornou vice-presidente do
GEEM, durante sua segunda gestão, nos anos de 1964 e 1965. Tendo
Sangiorgi como presidente, o GEEM foi responsável por desenvolver
experiências que envolviam a Matemática Moderna (BURIGO, 1989).
O MMM consolidou-se em território nacional após o IV Congresso
Brasileiro de Ensino da Matemática, realizado em Belém/PA, em julho de 1962.
Segundo Burigo (1989), a magnitude atingida pelo GEEM neste Congresso
ocasionou a formação de outros grupos em diversas regiões do país.
O GEEM logo começou a organizar cursos de curta duração para
divulgar a Matemática Moderna e, em parceria com a Secretaria de Estado de
Educação, parte desses cursos era destinada à formação matemática do
professor, tendo como um dos conteúdos, a Teoria dos Conjuntos (BURIGO,
1989). Além disso, o GEEM foi responsável pela publicação de diversas obras
que enfatizavam a Matemática Moderna:
A presença de matemáticos no interior do GEEM também permitiria que o grupo tivesse publicações suas na área da Matemática superior: “Elementos da Teoria dos Conjuntos” (CASTRUCCI, 1965),
19
George Springer – professor da universidade de Kansas, matemático envolvido no MMM, proferiu uma conferência abordando o movimento da “Nova Matemática” que estava ocorrendo nos EUA (D’AMBROSIO, 2007).
59
“Combinatória e Probabilidade” (BARBOSA), “Iniciação às Estruturas Algébricas” (JACY MONTEIRO) (BURIGO, 1989, p.112).
Conforme citação, podemos observar que a Teoria dos Conjuntos fez
parte dos tópicos ensinados nos cursos promovidos pelo GEEM, que começou
a conquistar espaço após o grupo iniciar, não somente os cursos preparatórios,
mas também, quando publicou, no ano de 1963 o primeiro livro intitulado
“Matemática Moderna para o Ensino Secundário”.
Burigo (1998) enfatiza que a Matemática Moderna que Osvaldo
Sangiorgi estava implantando por meio do GEEM, não era, necessariamente,
igual a Matemática Moderna que observou durante os meses que passou nos
Estados Unidos, por meio de demonstrações, e sim, uma Matemática
destinada diretamente para o ensino.
Sobre a colaboração do GEEM para esta nova proposta para o currículo
de Matemática destacamos a participação do professor Benedito Castrucci,
que ministrou vários cursos para o GEEM sobre a Teoria dos Conjuntos. Além
disso, Benedito Castrucci publicou uma obra pelo GEEM, no ano de 1967, na
“Série Professor”, de número 3, com o título “Elementos de Teoria dos
Conjuntos” (DUARTE, 2007).
A obra “Elementos de Teoria dos Conjuntos” tinha como princípio
oferecer para o professor do ensino Secundário alguns dos assuntos
considerados como fundamentais em relação aos Conjuntos. Essa relevância
em relação a essa área de Matemática devia-se ao fato de que a Teoria dos
Conjuntos era considerada como elemento unificador da Matemática, seja por
sua linguagem, seja por sua parte teórica.
O propósito do GEEM era modernizar o linguajar matemático por meio
do conceito da Teoria dos Conjuntos e das Estruturas, tendo em vista, a
formação do aluno. Outro ponto que entendemos ser de interesse de nossa
pesquisa, é destacar que Osvaldo Sangiorgi tinha a preocupação de mostrar
que a Matemática era uma disciplina que proporcionaria alicerce ao aluno, para
que este viesse a construir o conhecimento por meio do currículo, desde a
escola primária ao ensino secundário, chegando à Educação Superior. Ou seja,
não havia diferentes matemáticas nas etapas da escolaridade que o aluno
60
frequentava, mas uma única Matemática construída por meio de degraus
(BURIGO, 1989).
Segundo Soares (2001), a proposta de cursos preparatórios para
professores que viriam a trabalhar com a Teoria dos Conjuntos, foi solicitada
pela professora Martha Maria de Souza Dantas, durante o Congresso Nacional
de Ensino de Matemática, realizado no Rio de Janeiro, em 1959. A
preocupação com o ensino tradicional recebia duras críticas até então e,
durante congressos realizados a fim de melhorar o ensino de Matemática,
muito se falava sobre o fato de que o aluno concluía o Ensino Secundário sem
saber realmente, se a Matemática que aprendeu na escola iria contribuir em
sua vida prática. A ideia que norteava era a de que nada poderia contribuir para
a aprendizagem do aluno, se este ficasse apenas decorando fórmulas e
teoremas. Nesse caso, a Matemática era considerada inútil, pois não havia
aplicabilidade na vida do estudante. Alguns críticos afirmaram que a beleza das
demonstrações matemáticas encantavam somente os próprios professores
desses alunos, nada mais além (SOARES, 2001).
3.2.4 Críticas ao Movimento da Matemática Moderna
Para Soares (2001), uma das causas do Movimento da Matemática
Moderna ter sido mal interpretada, é que, muitos não procuraram buscar
informações suficientes sobre o ideário do Movimento, especificamente sobre
qual o motivo da inserção da Teoria dos Conjuntos no Movimento da
Matemática Moderna.
Assim como em outros países, o Brasil também estava interessado em
realizar uma reforma no Ensino de Matemática de tal forma que, alguns
congressos foram realizados com o intuito de mostrar aos professores, a ideia
do Movimento da Matemática Moderna (COUSIN, 2011).
A chamada Matemática Moderna, que numerosos grupos americanos e europeus têm divulgado com êxito invulgar nas escolas primárias e secundárias (isso por que o ensino superior já gozava desse privilégio) de seus países nos últimos cinco anos, chegou também até nós, graças ao trabalho ininterrupto e eficiente, de quase três anos, do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM), que congrega em seus seio professores das três Universidades de São Paulo (USP, Mackenzie e Católica) e de
61
outros estabelecimentos de ensino superior do país (SANGIORGI, 1964, p.76, apud COUSIN, 2011).
Durante o MMM, entendia-se que a Matemática não estava
acompanhando os avanços da sociedade e, com isto, o que era ensinado na
escola, estava fora de um contexto ligado à praticidade, ou seja, o conteúdo
matemático ensinado nas escolas não era útil para a vida prática (SOARES,
2008). Contudo, Morris Kline (1976) na obra “O fracasso da Matemática
Moderna” rebateu essa ideia alegando que durante o período da Matemática
Moderna, os alunos não estavam aprendendo assuntos relativamente fáceis,
para se aventurarem num campo com conteúdos matemáticos que não iriam
contribuir em suas vidas. Assuntos que matemáticos consagrados levaram
séculos para desvendar foram distribuídos aos alunos de tal forma que estes
precisavam resolvê-los por meio de demonstrações, em um tempo muito
menor, ou seja, em um número reduzido de aulas.
Kline (1976) enfatiza que os tropeços enfrentados por matemáticos para
compreender e desvendar alguns assuntos, durante milênios, possivelmente
são os tropeços que os estudantes da escola Básica enfrentavam. Porém,
durante o Movimento, esses estudantes deveriam compreender tais assuntos
somente com algumas aulas de Matemática.
Segundo Morris Kline (1976) o currículo de Matemática estava
totalmente voltado para um linguajar de terminologias as quais eram
desenvolvidas durante as aulas para os alunos por meio de conteúdos que
encabeçavam principalmente a Teoria dos Conjuntos, com tópicos ligados a
União entre Conjuntos, Intersecção entre Conjuntos, Conjunto das Partes,
Igualdade entre Conjuntos, Conjunto Vazio dentre outros assuntos.
Ainda de acordo com Morris Kline (1976), os alunos não precisavam ter
um novo currículo de Matemática, pelo menos, não daquela maneira, voltado
para um linguajar destinado a definições, terminologias e símbolos, os quais
afastavam os alunos de mostrarem interesse pela disciplina de Matemática.
Contudo, o novo currículo realmente oferece certo novo conteúdo. Até então, o mais enfatizado entre os novos tópicos, é a Teoria dos Conjuntos. Este assunto é agora ensinado a partir do jardim da infância como se os estudantes morressem de fome, pelo menos mentalmente, se não tivessem esta dieta (KLINE, 1976, p.108).
62
Ao que parece, o uso abusivo da linguagem da Teoria dos Conjuntos
acabava por complicar assuntos que os alunos tinham, de certo modo, algum
entendimento. Por exemplo, ao resolverem uma expressão do tipo x + 12 = 19,
alunos do Ensino Fundamental, se fossem questionados pelo professor, sobre
qual seria o valor que “x” deveria assumir para que, somado com 12, tivesse
como resultado 19, provavelmente, parte desses alunos responderiam que x
deveria assumir o valor igual a 7. Contudo, Kline (1976) pondera que, com a
Teoria dos Conjuntos, o aluno era compelido a pensar desde o universo
numérico a ser trabalhado numa expressão desse tipo, até encontrar um
possível valor que devesse resultar num conjunto verdade. Uma expressão
desse tipo começou, então, a ser chamada de expressão aberta, justamente
por não sabermos, ou, pelo menos julgarmos assim, qual seria o valor que “x”
devesse assumir (KLINE, 1976).
Os alunos, então, eram impelidos a trabalhar com uma Matemática
escolar que não os ajudava em absolutamente nada num contexto prático,
pois, segundo o autor, as pessoas não vivem, no dia-a-dia, entre conversas e
atividades práticas, preocupadas se o linguajar a ser utilizado é rígido ou não.
63
CAPÍTULO 4
A TEORIA DOS CONJUNTOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE
MATEMÁTICA NO BRASIL
Pretendemos, neste capítulo, verificar como a Teoria dos Conjuntos foi
inserida nos livros didáticos por meio de análise de alguns livros das décadas
de 1960, 1970 e da atual. Apresentamos, também, breve resumo da Proposta
Curricular de Matemática do Estado de São Paulo (2008) assim como do
Caderno do Professor, material pedagógico elaborado e disponibilizado por
essa proposta. Pretendemos, com as análises feitas nos livros citados
anteriormente, assim como a Proposta Curricular de Matemática (SEE-SP),
mostrar algumas fases da Teoria dos Conjuntos inseridas nestas obras.
Analisamos os seguintes livros, nesta ordem: 1º) Osvaldo Sangiorgi,
“Matemática: Curso Ginasial”, 1º série, 6º edição de 1954; 2º) Osvaldo
Sangiorgi, “Matemática: Curso Moderno”, volume 1 para os ginásios, 10º
edição de 1968; 3º) Reginaldo N. de Souza Lima e Maria do Carmo Vila, 5º
série, “Matemática para o Curso Fundamental”, de 1972 e; 4º) Luiz Roberto
Dante, 6º ano, “Matemática”, de 2012.
Em seguida, analisamos o Caderno do Professor e a Proposta Curricular
de Matemática do Estado de São Paulo, Secretaria do Estado de Educação
(SEE-SP), Ensino Fundamental de 2008.
Nossa intenção é investigar como a Teoria dos Conjuntos foi inserida
nos livros didáticos do Ensino Fundamental, durante o Movimento da
Matemática Moderna (MMM) no Brasil.
A escolha dos livros de Sangiorgi (1968) e Lima & Vila (1972) deveu-se
ao fato de que esses exemplares foram publicados durante o MMM. Utilizamos
ainda o livro de Sangiorgi (1954) destinado à 1º série do ginásio (6º ano do
Ensino Fundamental), para verificar como os conteúdos matemáticos foram
64
tratados antes da inserção da Teoria dos Conjuntos nos livros didáticos
brasileiros.
Nessa perspectiva, esse capítulo encontra-se dividido em três tópicos.
No primeiro, voltamos nosso olhar para o ensino da Matemática nas escolas
secundárias em momento anterior ao MMM. Em seguida, destacamos como os
livros didáticos tratam da Teoria dos Conjuntos, quando damos ênfase na fase
em que o referido Movimento estava no auge. Finalizando, verificamos se, e
como, a Teoria dos Conjuntos é tratada atualmente, seja por meio de livros
didáticos ou pela Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
4.1 A Portaria de 1951
Primeiramente, descrevemos a Portaria de 1951, com a finalidade de
apresentar os conteúdos matemáticos solicitados pelos legisladores da década
de 1950, ou seja, antes do MMM.
O conteúdo matemático sofreu alterações em 1951, com a portaria que
ficaria conhecida como “Portaria de 1951”, a qual precedeu o programa do
ensino de Matemática que vigorou durante a Reforma Gustavo Capanema
(1942). A portaria de 1951 modificou especificamente o conteúdo de
Matemática pela lei nº 966, de 2.10.1951, promulgada pelo Ministro da
Educação Simões Filho (MARQUES, 2005).
Marques (2005) relata que a Portaria de 1951 tinha como propósito
estabelecer um conteúdo programático mínimo (três aulas semanais) de modo
a ser utilizado em todas as escolas brasileiras. As escolas deveriam adequar
os conteúdos de acordo com as próprias necessidades levando em
consideração as diferentes regiões de cada uma. Essa legislação ainda
enfatizava que, no caso de alguma escola, independentemente a qual o estado
pertencesse, não se adequasse em suas próprias particularidades, estas
deveriam seguir o plano de ensino do Colégio Pedro II. Em conformidade com
Marques:
A legislação permitiria que cada estado elaborasse seus próprios
planos desenvolvidos dos programas mínimos, de modo que
65
pudessem adequá-los às suas características particulares
(MARQUES, 2005, p. 48).
Em sua investigação Marques (2005) concluiu que a Portaria de 1951
tinha como propósito não só modificar o conteúdo específico de Matemática,
mas, sobretudo, que os professores começassem a trabalhar com os alunos,
sem forçar demonstrações e métodos para fazê-los decorarem conteúdos. A
ideia era mostrar maior flexibilidade nas aulas de Matemática e no conteúdo a
ser ensinado. A seguir, com base na obra de Marques (2005), mostraremos um
breve resumo da grade curricular de Matemática da década de 1950.
Quadro I: Grade curricular apresentado na Portaria de 1951
Série Conteúdo
1º (ginásio)
Números Inteiros, Operações Fundamentais, Números Relativos.
Divisibilidade Aritmética, Números Primos.
Números fracionários.
Sistema legal de unidades de medir, Unidades e medidas usuais.
2º (ginásio)
Potências e raízes, Expressões Irracionais.
Cálculo literal, Polinômios.
Binômio Linear, Equações e Inequações do 1º grau com uma incógnita, Sistemas lineares com duas incógnitas.
3º (ginásio)
Razões e Proporções, Aplicações aritméticas.
Figuras geométricas planas, reta e círculo.
Linhas proporcionais, semelhança de polígonos.
Razões trigonométricas no triângulo retângulo, Tábuas naturais.
4º (ginásio)
Trinômio do 2º grau, equações e inequações do 2º grau com uma incógnita.
Relações métricas no polígono e no círculo.
Cálculo de .
Figuras planas.
Fonte: Marques (2005, p.56)
Por meio da tabela referente à grade curricular da década de 1950,
pode-se verificar que os conteúdos matemáticos arrolados não contemplam a
Teoria dos Conjuntos, ou seja, provavelmente os professores do Ensino
Fundamental não faziam uso desse conteúdo em suas aulas de Matemática.
66
4.2 O livro “Matemática: Curso Ginasial” na década de 1950
Fig. 2 - Capa do livro de Osvaldo Sangiorgi “Matemática: curso ginasial” de 1954
O livro intitulado “Matemática: curso ginasial”, de 1954 (6ª edição) e
destinado à 5ª série é uma obra de autoria de um dos professores mais
conceituados em tempos do Movimento da Matemática Moderna e anterior a
ela, qual seja, Osvaldo Sangiorgi. Conforme Valente (2009), os livros didáticos
de Matemática de autoria de Osvaldo Sangiorgi se tornaram best-sellers para o
ginásio20, desde a metade dos anos 1950, com expressivas tiragens, tanto no
que tange ao livro anterior ao MMM quanto o destinado à Matemática Moderna.
Destaque-se que o livro de Sangiorgi (1954) não contempla tópicos
ligados à Teoria dos Conjuntos, pois, conforme podemos verificar no quadro I,
este conteúdo não estava contemplado na Portaria de 1951, momento que
antecedeu o Movimento da Matemática Moderna.
A capa do livro de Sangiorgi (1954) é menor do que a de costume
atualmente, nas dimensões 13,5cm x 19,4cm. Com capa dura e conteúdo que
20
Ginásio: nível de ensino que compreende, atualmente, do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental.
67
fornecem apenas informações necessárias para a resolução de exercícios, o
livro também não apresenta desenhos ou partes coloridas no seu interior, com
exceção do último capítulo que traz desenhos voltados para a Geometria, mas
sem figuras coloridas.
O exemplar de nº 5716 da 6º edição da primeira série ginasial, indica
que a obra está de acordo com a Portaria de 1951, conforme figura a seguir:
Fig. 3 - Portaria de 1951 (SANGIORGI, 1954)
O livro de Sangiorgi (1954) encontra-se dividido em quatro capítulos, a
saber:
Capítulo I – Números inteiros; operações fundamentais; números
relativos;
Capítulo II – Divisibilidade aritmética; números primos; máximo
divisor comum; mínimo múltiplo comum;
Capítulo III – Números fracionários; operações fundamentais; métodos
de resolução de problemas sobre frações; frações decimais como números
decimais;
Capítulo IV – Sistema legal de unidades de medir; unidades e
medidas usuais; sistema métrico decimal; sistema de medidas não decimais.
Antes de iniciar o Capítulo I, no prefácio, Sangiorgi (1954) enfatiza que
sua obra está de acordo com a última reforma dos programas, ou seja, a
Portaria de 1951.
Ainda no prefácio, o autor expõe o motivo que o levou a apresentar a
operação potenciação antes da divisão, saindo assim da clássica ordem das
68
quatro operações (adição, subtração, multiplicação e divisão) e, segundo
Sangiorgi (1954), esta ordem clássica, já fora introduzida no Curso Primário.
Naquela época, Osvaldo Sangiorgi defendia que o curso ginasial,
deveria ter pelo menos quatro aulas semanais, e fecha o seu prefácio da
seguinte maneira:
Embora seja facultado aos estabelecimentos de ensino secundário elevar o número de horas de aulas semanais, continuamos partidários de pelo menos 4 aulas semanais obrigatórias de Matemática, em todas as séries do curso secundário, com pequenas restrições apenas no curso clássico (SANGIORGI, 1968, p.16)
Podemos observar pelo índice, registro constatado anteriormente, que o
livro de Sangiorgi segue a Portaria de 1951 e, portanto, não contempla tópicos
voltados à Teoria dos Conjuntos. Apresentamos a seguir duas obras que
contemplam assuntos relacionados à teoria de Georg Cantor, ou seja, a Teoria
dos Conjuntos.
Conforme tópico 4.1 dessa pesquisa, verificamos que existia uma lei,
que assegurava uma grade curricular para o ensino de Matemática, no caso, a
lei nº 966 de 02.10.1951, conhecida como Portaria 51.
Entretanto, a partir dos anos 1960, em conformidade com a Lei 4024/61
da Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Brasil deixou de seguir um
currículo único no ensino de Matemática e cada Estado passou a elaborar seu
próprio currículo educacional, conforme enfatiza Lavorente (2008): “A L.D.B.
estabelecida em 1961 teve como uma de suas características principais a
descentralização que atribuiu a cada Estado a liberdade e incumbência de
cuidar de seu sistema educacional” (p. 44).
Sendo assim, após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o
sistema educacional no Brasil deixou de seguir um modelo de ensino, no caso,
o do Colégio Pedro II e, segundo Lavorente:
Com a L.D.B. cada Estado passou a cuidar de seu sistema educacional, havendo autonomia na elaboração dos currículos. Entretanto, não há referência que tenha sido elaborado pelas Secretarias de Educação de São Paulo e Rio de Janeiro, durante a década de 60, algum programa ou currículo detalhado para as disciplinas (LAVORENTE, 2008, p.45).
69
A vigência da LDB/1961 facilitou, portanto, a inserção de novos
conteúdos nos currículos escolares. Foi o caso da Teoria dos Conjuntos,
considerada naquela época assunto indispensável para trabalhar com a
Matemática Moderna.
4.3 O livro “Matemática: Curso Moderno” de Sangiorgi (1968)
Fig. 4 – Capa do livro de Osvaldo Sangiorgi – “Matemática: Curso Moderno” de 1968
Iniciamos este tópico com a ilustração da capa do livro de Osvaldo
Sangiorgi (1968), 10a edição, destinado à 5a série do curso ginasial.
O livro contém capa dura nas dimensões 15 cm x 24 cm, com 371
páginas. No final do livro há uma página com um desenho (ver fig. 04)
representando o painel de abertura da exposição organizada pelo Instituto de
Educação de Araçatuba, destinado ao 5º Congresso Brasileiro do Ensino de
Matemática, realizado na cidade de São José dos Campos/SP, no ano de
1966. No referido emblema, consta a frase, de forma destacada, “Na era do
espaço...”, o que denota uma associação da Matemática Moderna e a era
70
espacial, considerando o ensino da Matemática Moderna fator primordial para o
desenvolvimento tecnológico daquela época.
Fig. 5 – Painel de abertura do 5º Congresso Brasileiro do Ensino de Matemática (SANGIORGI,
1968, p.373)
Nesse livro, os assuntos abordados são direcionados para a primeira
série do Ginásio (atual 6º ano), sendo distribuídos nos seguintes capítulos: 1.
Noções de conjunto; operações com conjuntos; relações; 2. Número natural;
numerais de um número; sistema de numeração; bases; 3. Operações com
números naturais; propriedades estruturais; 4. Divisibilidade; múltiplos e
divisores; números primos; fatoração completa; 5. Conjunto dos números
racionais; números fracionários; operações; propriedades estruturais; e 6.
Estudo intuitivo das principais figuras geométricas planas e espaciais; sistemas
de medidas; decimal e não decimais.
Antes do índice, o autor dedica uma página totalmente voltada para o
aluno. Procurava incentivar o estudante mostrando que o mesmo iria aprender
Matemática por meio do seu livro, de maneira moderna e mais próxima da
realidade. Osvaldo Sangiorgi especifica que a Matemática apresentada em seu
livro, era totalmente diferente da Matemática ensinada em outras décadas.
71
No “Capítulo 1: Conjuntos e Relações” é apresentada uma definição de
conjunto, de um modo coloquial, exemplificando: “Toda coleção de objetos,
pessoas, animais ou coisas, constitui um conjunto” (SANGIORGI, 1968, p.3).
Em seguida, o autor expõe algumas figuras:
Fig. 6 - Exemplos de conjuntos do livro de Osvaldo Sangiorgi (1968, p.3)
Logo após Sangiorgi (1968) apresenta maneiras de se escrever
conjuntos, afirmando que os elementos de um conjunto podem ser escritos
entre chaves e separados por vírgula. Cita o conjunto das vogais: {a, e, i, o, u}
e apresenta os símbolos e que indicam pertence ou não pertence,
respectivamente.
Ao que tudo indica, o autor pretendeu mostrar alguns símbolos e
linguagens mais comuns utilizados dentro da Teoria dos Conjuntos, no que diz
respeito à parte voltada para o Ensino Fundamental. É apresentada, segundo o
nosso entendimento, uma noção simples de exemplos de conjuntos por se
72
tratar de alunos com faixa etária de 10 e 11 anos. Na página 4, temos um
exemplo que caracteriza a ideia de conjunto, segundo Osvaldo Sangiorgi
(1968):
Um conjunto fica conhecido quando você sabe se um dado objeto, pessoa, animal ou coisa, pertence ou não pertence a esse conjunto. Assim, por exemplo, se você tiver 12 anos, então não pertence ao conjunto dos alunos de sua classe que tem 11 anos. Por outro lado, se o Paulo é um coleguinha de sua classe que tem 11 anos, então ele pertence aquele conjunto.
O autor enfatiza que a palavra conjunto, ao longo da obra, adquiria um
significado mais amplo, diferentemente do significado da palavra conjunto
utilizado no linguajar comum.
Osvaldo Sangiorgi (1968) apresenta símbolos que são utilizados na
Teoria dos Conjuntos, dentre os quais, destacamos:
i) Conjunto Vazio, indicado por { } ou ; ii)Inclusão ou está contido,
indicado por ; iii)não está contido, indicado por iv)igualdade entre
conjuntos, indicado por A = B; v)intersecção entre conjuntos, indicado por ;
vi)união entre conjuntos, indicado por .
A princípio, são dados alguns exemplos seguidos de exercícios, sendo
ora chamados de exercícios de fixação, teste de atenção ou exercícios
exploratórios.
Os testes são do tipo V (verdadeiro) ou F (falso) e os exercícios de
fixação e exploratórios, pedem para que os alunos escrevam determinados
conjuntos. A seguir, um exemplo de cada exercício.
a) Exercício de fixação
Escrever os seguintes conjuntos, nomeando seus elementos entre chaves, onde couber: a)Conjunto dos dias da semana cujos nomes comecem por s. b)Conjunto dos números ímpares menores que 10. (SANGIORGI, 1968, p.8)
b) Exercício exploratório: “Escrever o conjunto dos nomes dos
alunos de sua classe com menos de 12 anos” (1968, p. 9).
73
c) Teste de atenção: “Escrever ao lado de cada uma das seguintes
sentenças a letra V ou F, no caso de a sentença ser verdadeira ou falsa,
respectivamente: 1º) 2 {3, 2, 1} 2º) 2 {3, 2, 1} 3º) 8 {8}” (1968,
p.9).
Na parte voltada para os diagramas de Venn e Conjunto Universo,
Sangiorgi (1968) apresenta alguns exemplos e exercícios envolvendo situações
com o intuito de despertar a atenção dos alunos no que diz respeito à relação
desses exemplos e exercícios com situações que os alunos provavelmente
conheciam, como por exemplo, ao citar: na página 15.
O conjunto dos alunos que constituem a 1º série A de seu colégio, por exemplo, faz parte de um conjunto mais amplo – o conjunto de todos os alunos do colégio – que é suposto como Conjunto Universo (fig. 3). Para ajudar a “ver” as relações entre conjuntos, bem como as operações a serem estudadas entre eles, usa-se o Diagrama de Venn (*), onde um retângulo e sua região interior representam o Universo U. Os subconjuntos de U são representados por círculos (ou outras curvas simples fechadas) pertencentes à região interior do retângulo (SANGIORGI, 1968, p.15).
A seguir o livro ilustra o diagrama de Venn:
Fig. 7 - Diagrama de Venn (SANGIORGI, 1968, p.15)
O livro de Sangiorgi traz alguns lembretes para auxiliar o aluno na
resolução dos exercícios. Nesta primeira parte do capítulo 1, entendemos que
havia uma preocupação maior do autor com esses lembretes, justamente pelo
fato de conter muitos símbolos. Apresentamos a seguir, o que Sangiorgi (1968)
chamou de “Lembrete amigo”.
74
Fig. 8 – Lembrete amigo (SANGIORGI, 1968, p.15)
Como se pode observar, esse “Lembrete amigo” conta com uma
pequena nota referindo-se ao Matemático Georg Cantor, o que nos leva a crer,
que o autor também tinha interesse em mostrar parte da História da Teoria dos
Conjuntos.
No capítulo intitulado “As operações com conjuntos – intersecção,
reunião (união), complementação e produto cartesiano”, o livro apresenta
exemplos simples sobre intersecção, conforme exemplo a seguir, da página 15:
“Sejam os conjuntos A = {1, 2, 3, 4} e B = {2, 3, 5}”. O autor especifica que o
conjunto formado pelos elementos comuns a A e B, é denominado como
intersecção entre A e B, e indicado por: A B = {2, 3}.
Logo em seguida, o autor comunica que, quando não houver elementos
comuns entre conjuntos, a intersecção será vazia, indicada geralmente por
ou, também por { }, sendo esta última simbologia menos utilizada.
Na parte voltada para reunião ou união entre conjuntos, o livro foge um
pouco dos exemplos com conjuntos apenas formados por números e apresenta
em determinados pontos, exemplos de conjuntos formados por símbolos (como
quadrados, triângulos, círculos e asteriscos) ou formados com nomes de
pessoas. Tomemos então, um exemplo da página 17: sendo X = {Nelson,
Lúcia, Carlos, João} e Y = {Maria, Carlos, Antônio, Lúcia}. A união entre X e Y é
dada por X U Y = {Nelson, Lúcia, Carlos, João, Maria, Antônio}.
75
Em seguida, o livro de Sangiorgi apresenta uma nota no qual afirma: “É
indiferente a ordem com que os elementos de um conjunto são considerados
para construir o conjunto intersecção e o conjunto reunião” [Grifo nosso]
(1968, p.18).
O complementar de um conjunto ou complementação é apresentado
com um exemplo envolvendo números e com um exemplo envolvendo cores.
Sangiorgi (1968) define o complementar de um conjunto da seguinte forma: “O
complementar de um conjunto A, em relação a um conjunto Universo U, é o
conjunto constituído por todos os elementos do universo U que não pertencem
a A. Indicação: A’ (lê-se: “conjunto complementar de A”)” (p.19).
Apresenta ainda o seguinte exemplo: Supondo U = {2, 4, 6, 8, 10} e A =
{2, 8} o complementar de A em relação a U será: A’ = {4, 6, 10}. Pretendendo
mostrar exemplos que não envolvam apenas o contexto numérico na
Matemática, exemplifica, na página 20: “Se U = {verde, amarelo, branco, azul}
e A = {verde}, então: A’ = {amarelo, branco, azul}”.
Enfatizamos que, em todos os exemplos envolvendo as operações com
conjuntos, são apresentados diagramas de Venn, mostrando os conjuntos
dados e o Conjunto Universo.
O livro didático contém um tópico denominado “Práticas modernas” que
trata de atividades, apresentando alguns modelos como exemplos para o
aluno, como se pode observar nas páginas 22 e 23.
Fig. 9 – Exemplos de aplicações com conjuntos (modelo 1) (SANGIORGI,1968)
76
Fig. 10 – Exemplos de aplicações com conjuntos (modelo 2) (SANGIORGI, 1968)
Finalizando as operações com conjuntos, o autor discorre sobre o
produto cartesiano, sendo denotado por X e classificado como uma das
operações mais importantes no contexto de conjuntos, segundo Sangiorgi
(1968).
A segunda parte do capítulo 1 é destinada ao Conjunto dos Números
Naturais, denotado pelo símbolo N.
Antes de estabelecer uma possível definição para número natural,
Sangiorgi (1968) apresenta a correspondência biunívoca – conjuntos
equipotentes. Por meio de diagramas de Venn, o autor mostra que, quando
cada elemento de um conjunto A se corresponde com um único elemento de
um conjunto B, há, entre esses conjuntos, uma correspondência biunívoca e
que são chamados de conjuntos equipotentes.
Entendendo que o autor pretendia mostrar um ensino de Matemática
moderno, deixando de lado o tradicionalismo que antes existia nas escolas, por
meio dos livros didáticos, Sangiorgi (1968) procurou trazer exemplos mais
próximos da realidade dos alunos. A seguir, um exemplo envolvendo conjuntos
equipotentes com alunos, os nomes dos alunos e as carteiras utilizadas na sala
de aula.
77
Fig. 11 – Exemplo sobre correspondência biunívoca (SANGIORGI, 1968, p.33)
O autor finaliza a parte de conjuntos equipotentes com um breve
resumo, mostrando que a equipotência entre conjuntos goza das propriedades:
i) “reflexiva: A eq A. (lê-se: “A equipotente a A”).
ii) simétrica: se A eq B B eq A.
iii) transitiva: se A eq B e B eq C A eq C” (SANGIORGI, 1968, p.
34)
É apresentada também, uma pequena observação sobre o símbolo
lógico , que indica implicação e que se lê: “implica”.
Após a apresentação dos conjuntos equipotentes, o livro de Sangiorgi
(1968) apresenta o tópico que caracteriza a primeira ideia de um número
natural, assim colocado pelo autor:
...dos elementos que figuram nos conjuntos equipotentes e apoiando-se tão somente na correspondência biunívoca existente entre os seus elementos, destaca a permanência de uma propriedade comum: a quantidade ou o número de elementos, também chamado número natural (1968, p.35).
A seguir, o autor destaca que as palavras número e numeral tem
significados diferentes:
As palavras número e numeral têm significados diferentes. Enquanto número é uma ideia, associada a conjuntos equipotentes entre si, numeral é qualquer nome ou símbolo que possa usar para exprimir o
78
número, e, portanto, a ideia (propriedade comum) ele representa [Grifos do autor] (SANGIORGI, 1968, p. 43).
Ainda sobre o conjunto dos números naturais, esse livro apresenta a
sucessão dos números naturais e a estrutura de ordem dos números naturais,
dando ênfase aos símbolos de desigualdade, denotados por > ou <. O autor
apresenta um exemplo sobre correspondência biunívoca entre dois conjuntos,
tentando trazer a realidade do dia-a-dia do aluno para o contexto matemático,
como mostra a figura 12:
Fig. 12 – Correspondência biunívoca entre alunos e carteiras (SANGIORGI, 1968, p.48)
Ao que parece, Sangiorgi (1968) mostrou-se preocupado no que diz
respeito à leitura da simbologia, tanto que o autor mostra por diversos
momentos, como se lê os símbolos de desigualdades, como por exemplo, ao
indicar que: “a < b (lê-se: a menor que b) ou b > a (lê-se: b maior que a)” (p. 48,
1968).
Na terceira e última parte do capítulo 1, o livro trata do Sistema de
numeração e bases, com os seguintes tópicos: sistema de numeração decimal;
sistemas de numeração antigos e modernos e experimentos sobre contagens
em diversas bases. Sangiorgi (1968) também procurou resgatar um pouco da
História do sistema de numeração apresentando alguns sistemas de
numeração antigos, como por exemplo, o egípcio, babilônico e romano.
O capítulo 2 diz respeito às “Operações com números naturais e
Propriedades estruturais”. Sangiorgi (1968) trata das quatro operações (adição,
subtração, multiplicação e divisão), nesta ordem. Após a apresentação da parte
79
teórica e definição de cada operação, o autor complementa, a cada explicação
teórica, uma série de exercícios, sem enfatizar a Teoria dos Conjuntos.
Na parte referente à adição, Sangiorgi (1968) inicia especificando que é
uma operação cujo resultado é a soma. O autor apresenta um exemplo
envolvendo a união entre conjuntos, na página 86.
Consideremos dois conjuntos A e B, finitos e disjuntos:
“A = {*, , } e B = { , } sendo n(A) = 3 e n(B) = 2. O autor enfatiza
neste exemplo que A B = já que A e B são disjuntos, ou seja, diferentes”.
Em seguida, comenta que a união entre os elementos do conjunto A
com os elementos do conjunto B pode ser denotada por: S = (A U B) = {*, ,
, , , }, sendo n (s) = 5, pois o resultado da soma é igual a 5. Por fim,
Sangiorgi (1968) observa que, de modo geral, a operação adição pode ser
expressa por meio da seguinte notação:
“(a, b) a + b = s, sendo os termos a e b as parcelas e s, o
resultado, ou seja, a soma (SANGIORGI, 1968, p.86)”.
Ainda, segundo Sangiorgi, “A adição é denominada uma operação
binária porque, atuando sobre dois números naturais, produz sempre um
terceiro número natural (resultado)” (1968, p.86)
Na página 89, o autor discorre sobre as propriedades estruturais do
conjunto dos números naturais (fechamento, comutativa, elemento neutro e
associativa). Com alguns exemplos, procura mostrar que o conjunto N é
fechado para a adição, já que a soma de dois naturais será sempre um natural.
Em seguida, chama a atenção para o fato da ordem das parcelas não alterar a
soma, (propriedade comutativa) e, dando continuidade nas propriedades
estruturais, mostra que, de um modo geral, podemos escrever: a + 0 = 0 + a =
a, para qualquer a natural. Neste caso, Sangiorgi apresenta a propriedade do
elemento neutro da adição.
Por fim, Sangiorgi (1968) afirma que a propriedade associativa é
representada por meio da adição de três números naturais, sendo feita
associando-se as duas primeiras parcelas ou as duas últimas. O autor traz
80
exemplo: “(4 + 5) + 7 = 4 + (5 + 7). De um modo geral: (a + b) + c = a + (b + c),
para qualquer a, b ou c, natural” (SANGIORGI, 1968, p.90).
A seguir, o autor apresenta a subtração como operação inversa da
adição. Comenta que, de um modo geral, a operação que permite encontrar um
terceiro número natural, desde que, somado ao segundo, é denominada
subtração e, apresenta exemplos do tipo: 7 – 3 = 4, pois 4 + 3 = 7.
Sangiorgi (1968), também mostra alguns exemplos os quais possibilitam
ao aluno verificar que a subtração é uma operação impossível de ser realizada,
em alguns casos, entre dois números naturais quaisquer.
Segundo o autor: “Ao par de números naturais (a, b), com a b,
operação subtração (inversa da adição) faz corresponder um número natural d,
denominado diferença” (SANGIORGI, 1968, p.94).
Na parte do capítulo sobre o conjunto N, no “Lembrete amigo”, página
97, destaca a propriedade do fechamento em relação à adição:
Fig.13 – Lembrete amigo em relação ao conjunto N (SANGIORGI, 1968)
No que diz respeito à operação multiplicação, o autor especifica que seu
resultado é denominado de produto. Os exemplos do livro de Sangiorgi são
feitos por meio do produto cartesiano entre conjuntos após enfatizar que:
“O produto de um número natural n por um número natural a é a soma
de n parcelas iguais a a: n X a = a + a + a + ... + a” (SANGIORGI, 1968, p.107).
n parcelas
81
Sangiorgi (1968) mostra as propriedades estruturais da multiplicação e,
após alguns exercícios, inclusive com expressões numéricas.
À respeito da divisão, o livro não envolve características em relação à
conjuntos como vimos na adição e na multiplicação. Entendemos que naquele
tópico a preocupação do autor foi explorar a divisão como inversa da
multiplicação. Sangiorgi (1968) ainda destaca, na página 120, que a divisão
não apresenta as propriedades: fechamento, comutativa, elemento neutro e
associativa.
Na última parte do capítulo 2 do livro de Sangiorgi (1968) são
apresentadas as operações de maximação e minimação, normalmente
conhecidas como máximo divisor comum (m.d.c.) e mínimo múltiplo comum
(m.m.c.), respectivamente.
Por meio das propriedades estruturais, o autor usa a intersecção entre
conjuntos para montar os conjuntos dos divisores entre dois ou três números.
No caso, Sangiorgi (1968) trabalha com a maximação (m.d.c.). No que diz
respeito à minimação (m.m.c.), Sangiorgi (1968) também trabalha com a
intersecção entre conjuntos, nesse caso, com conjuntos infinitos.
No capítulo 3, Sangiorgi (1968) apresenta o Conjunto dos números
racionais e algumas operações e, no final do capítulo enfatiza que:
“Todo número racional pode ser representado por uma fração , onde a e
b são números naturais, sendo b 0 (SANGIORGI, 1968, p.282)”.
O capítulo 4 é voltado para medidas, não havendo ligação com tópicos
direcionados para a Teoria dos Conjuntos.
Como se pode notar, o livro didático “Matemática moderna” de autoria de
Osvaldo Sangiorgi (1968) foi elaborado tomando como principal referência as
recomendações propostas pelo MMM.
Para tanto, a linguagem adotada para trabalhar os conteúdos da
primeira série do Ginásio foi a Teoria dos Conjuntos, que está presente em
todo o livro, com exceção da parte referente aos sistemas de medidas.
82
4.4 O livro “Matemática para o Curso Fundamental” de Lima e Vila (1972)
“O aluno trabalha e o mestre orienta” (LIMA e VILA, 1972)
Fig.14 – Capa do livro “Matemática para o curso fundamental” (1972)
Apresentamos o livro “Matemática: para o curso fundamental” dos
autores Reginaldo N. de Souza Lima e Maria do Carmo Vila, destinado à 5a
série (6º ano do Ensino Fundamental) com a 1ª edição publicada em abril de
1972 e a 2ª edição em janeiro de 1973, pela Editora Veja A.A.
Na unidade 1, os autores abordam conjuntos por meio de uma história
em quadrinhos, tendo em destaque um professor que almeja interagir com os
alunos, sobre a ideia intuitiva de Conjuntos, por meio de uma máquina
denominada Minimac. A máquina auxilia o professor como mostrar para os
alunos alguns significados da palavra Conjunto.
Mostramos a seguir, uma foto ilustrativa da Minimac sendo apresentada
para os alunos, na página 2 da referida obra didática.
83
Fig.15 – Apresentação da Minimac (LIMA; VILA, 1972, p.2)
Como se pode notar, na apresentação do Minimac, os autores não
fizeram menção à Teoria dos Conjuntos. No entanto, o diálogo com o leitor é
feito por meio de história em quadrinhos, tendo como personagens principais
professor e alunos no ambiente da sala de aula. Nota-se que o professor
diferencia-se dos alunos por trajar um avental cujo bolso pende uma caneta.
Os alunos não estão de uniforme e o diálogo entre professor e aluno dá-se
num ambiente descontraído. Os autores pretenderam retratar uma sala de aula
moderna e, para estudar Matemática, nada como um instrumento tecnológico
como o Minimac, cuja concepção lembra a de um computador. Trata-se de
uma escola “moderna”, com a presença de uma ferramenta tecnológica
avançada, representada pelo Minimac. É nessa nova proposta de ambiente
escolar que se pretende inserir uma nova forma de abordar a Matemática, qual
seja, por meio da Teoria dos Conjuntos.
84
Esta unidade é dividida em quinze lições, dentre as quais, podemos
destacar algumas que, de acordo com o nosso entendimento, mostram um
trabalho mais voltado para o tema desta pesquisa. Sendo assim, não
destacaremos as lições 4,11,14 e 15, por julgarmos que não contemplam
tópicos necessários em nosso trabalho.
Na lição 1 do livro, os autores apresentam algumas ideias simples do
significado da palavra conjunto e, iniciam especificando que um conjunto pode
ser simples, apresentando a seguinte frase: “A palavra conjunto indica uma
coleção, um grupo, um agrupamento. Assim, palavras como enxame, cardume,
pilha, esquadrilha, caravana, povo etc., nada mais são que conjuntos de
objetos” (LIMA e VILA, 1972, p. 6).
Em seguida, são apresentados alguns conjuntos sendo destacado o
conjunto dos dias da semana, por meio da Minimac, conforme podemos
verificar a seguir:
Fig. 16 – Representação analítica da Minimac (LIMA; VILA, 1972, p. 7)
Dando continuidade, por meio da Minimac, informa-se ao leitor que os
elementos de um conjunto devem ser colocados entre chaves e separados por
vírgula, conforme figura a seguir.
85
Fig.17 – Conjunto dos dias da semana formado pela Minimac (LIMA; VILA, 1972, p.7)
Na lição 2 é apresentada a nomeação de conjuntos. Os autores iniciam
a lição propondo aos alunos que, em todos os lugares, costuma-se dar nome
às coisas e, na Matemática, isto também acontece. Como exemplo, é citado o
conjunto dos dias da semana, sendo denotado por D.
Importante ressaltar que o livro sempre apresenta o desenvolvimento
das lições mostrando que a Minimac é a responsável por produzir a ideia de
conjunto. Neste exemplo, a Minimac, teria produzido o conjunto D, dos dias da
semana como: D = {segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo}
(LIMA e VILA, 1972, p.12).
Ainda é especificado na lição 2, que um conjunto deve ser indicado por
meio de uma letra maiúscula e, consequentemente, são propostos alguns
exercícios para os alunos resolverem, como por exemplo, criar nomes para
alguns conjuntos.
Fig.18 – Exercício sobre conjuntos (LIMA; VILA, 1972, p.13)
86
Nesta lição os autores abordam o assunto pertinência, denotado na
Teoria dos Conjuntos pelo símbolo . De início, é apresentado um conjunto V =
{a, e, i, o, u}, formado pelas vogais do alfabeto. Em seguida, são sugeridas
algumas perguntas, tais como: “a” é elemento de V? “b” é elemento de V?
Segundo esse livro didático, os alunos devem utilizar o símbolo de
pertinência caso um elemento pertença ao conjunto dado. Portanto, os
alunos deveriam dizer que “o elemento a pertence ao conjunto V”,
representando esta frase por a V. (LIMA; VILA, 1972, p. 14).
Em seguida, Lima e Vila (1972) observam que quando um elemento não
pertence ao conjunto dado, devemos utilizar o símbolo . Como exemplo, os
autores perguntam se o elemento b faz parte do conjunto V. Como podemos
observar, b não é elemento de V. Portanto, devemos escrever que b V.
A lição 3 é finalizada mostrando que um conjunto também pode conter
outros conjuntos. Lima e Vila (1972), apresentam esta situação da seguinte
maneira:
São dados alguns conjuntos, tais como: V = {a, e, i, o, u}, Y = {A, E, I, O,
U} representando as vogais minúsculas e maiúsculas respectivamente e T = {a,
b, c} e U = { }, as três primeiras letras do alfabeto latino e grego,
respectivamente. No caso, o livro mostra que estes conjuntos também podem
fazer parte de outro conjunto, como por exemplo, o conjunto X. Logo,
poderíamos representar este novo conjunto como X = {V, Y, T, U}. (LIMA; VILA,
1973, p.15).
A representação sintética de conjuntos é apresentada na lição 5, sendo
destacada por Lima e Vila (1972), como assunto extremamente importante no
entendimento sobre conjuntos. É apresentada a seguinte ilustração:
87
Fig.19 - Representação sintética de conjuntos (LIMA; VILA, 1972, p.25)
Após a ilustração, os autores informam que a representação sintética do
conjunto M, pode ser expressa da seguinte maneira:
Fig.20 - Representação Sintética pela Minimac (LIMA; VILA, 1972, p.25)
Conforme a figura 20, verificamos que o livro apresenta o símbolo
para representar a nota musical, sendo que, os autores classificam este
símbolo como uma indeterminada. A intenção é que o leitor preencha o espaço
do quadradinho com a nota musical correspondente.
O tópico tratado na sexta lição se refere ao conjunto referencial. Os
autores citam um garoto chamado Kioko, que foi ao supermercado fazer
compras com a mãe. Nesse caso, o conjunto das mercadorias à venda é:
Fig.21 - Conjunto Referencial (LIMA; VILA, 1972, p.28)
88
Em seguida, é apresentado o conjunto L, cujos elementos pertencem a
M, mas não são legumes. Então, a Minimac mostra sua representação
analítica:
Fig.22 - Representação Analítica do Conjunto L (LIMA; VILA, 1972, p.28)
Por meio de outra figura, o livro mostra a representação sintética do
conjunto L, pela Minimac, cujos elementos de L, também são elementos de M.
Assim:
Fig.23 - Conjunto L (LIMA; VILA, 1972, p.29)
Em seguida, o livro apresenta exemplos e atividades que não
contemplam situações-problema, mas sim, situações envolvendo apenas o
universo matemático, como por exemplo, conjuntos referenciais formados por
elementos, tal que os mesmos, são vogais do nosso alfabeto.
Ao tratar o conceito de conjuntos vazio e unitário, na lição 7, os autores
enfatizam de maneira simples e objetiva que um conjunto, quando formado por
apenas um elemento, é tido como conjunto unitário e, quando um conjunto não
possui elemento algum, é dito como conjunto vazio. Na sequência informa-se
ao estudante que, quando um conjunto for vazio, pode ser representado pelo
símbolo .
As lições de 8 a 10 de Lima e Vila (1972) tratam dos Diagramas de
Venn, partes de um conjunto e conjunto das partes. Os autores adotam como
exemplo, diagramas que podem ser representados por meio de desenhos com
característica oval e, dentro desses desenhos, citam os próprios alunos, como
89
elementos dos conjuntos. Na sequência, as duas próximas lições mostram a
ideia de conjunto das partes, por meio da seguinte situação:
Consideremos como referencial o seguinte conjunto Q = {quarta, quinta}. Queremos encontrar TODAS as partes, isto é, TODOS os conjuntos formados com os elementos de Q. A MINIMAC nos
apresentará o conjunto cujos elementos são: { , {quarta, quinta},
{quinta}, {quarta}} (LIMA e VILA, 1972, p.39).
Esse livro define plano como: “O plano P é um conjunto infinito de
pontos (LIMA ; VILA, 1972, p. 45)”. A seguir, especifica que é possível se
utilizar de dois esquemas para representar um plano.
Fig.24 - Esquema Geométrico e Diagrama de Venn (LIMA; VILA, 1972, p.45)
Finalizamos o estudo da unidade 1 desse livro com a lição 13 que, assim
como a lição 12, trata do estudo da reta, que pode ser representada tanto pelo
esquema geométrico como pelo Diagrama de Venn.
Na unidade 2 desse livro, Lima e Vila (1972) apresentam o tópico
“Relação entre conjuntos”, por meio de situações-problema e com uso da
Minimac. Como na unidade 1, destacamos as lições que julgamos abordam o
tema de nossa pesquisa.
A unidade 2 inicia com a lição 16, voltada para a relação de um conjunto
em outro conjunto, solicitando ao estudante representar essas relações por
meio de diagramas e tabelas. Os autores destacam o conjunto de partida, o
conjunto de chegada e os pares ordenados formados pela relação entre
90
conjuntos. Ainda nesta lição, é mostrada a questão de domínio da relação e
contra-domínio da relação.
Assim sendo, Lima e Vila (1972) finalizam a lição 16:
Fig.25 - Definição de Relação, Domínio e Contra Domínio (LIMA; VILA, 1972, p.63)
O produto cartesiano é o assunto da lição 18 e, segundo os autores, as
relações entre conjuntos, tratadas em lições anteriores, poderiam facilitar o
aprendizado no que diz respeito ao produto cartesiano.
Lima e Vila (1972), por meio de uma situação prática, introduzem o
assunto exemplificando com um torneio de futebol a ser realizado numa escola,
com 7 times, conforme o quadro:
Fig.26 - Quadro sobre torneio de futebol (LIMA; VILA, 1972, p.66)
Nessa atividade, cada time da manhã, deve jogar com todos os times da
tarde e, por meio da Minimac, o livro mostra os pares ordenados formados com
os times. Lima e Vila (1972) complementam que a relação obtida entre os times
de futebol pode ser traduzida em Matemática como produto cartesiano e tal
91
produto representado por meio das siglas M x T, sendo M, os times de futebol
da manhã e T os times de futebol da tarde.
Nas lições 22, 23, 24, 25 e 26, o livro trata das propriedades Reflexiva,
Anti-Reflexiva, Simétrica, Anti-Simétrica e Transitiva, respectivamente. Essas
cinco lições são tratadas de forma resumida e não apresentam exercícios
propostos. As lições são apresentadas em dez páginas, com exemplos práticos
utilizando os personagens da história do início do livro, com a Minimac.
As relações de igualdade, inclusão e a operação intersecção são
assuntos das lições 32 a 34. Na relação de igualdade, Lima e Vila (1972),
apresentam o tópico conjuntos iguais, com o seguinte exemplo:
Fig.27 - Relação de Igualdade entre Conjuntos (LIMA; VILA, 1972, p.103)
A relação de inclusão é desenvolvida por meio de subconjuntos, sendo
mostrado que, um conjunto A é parte ou subconjunto de um conjunto B se, e
somente se, todos os elementos de A são também elementos de B. (LIMA e
VILA, 1972, p. 107).
Na lição 34, Lima e Vila definem: “Dois conjuntos A e B são
intersecantes se, e somente se, há elementos comuns entre eles, mas cada um
tem elemento não comum com o outro (LIMA e VILA, 1972, p.110).” Em
seguida, mostram os seguintes exemplos:
92
Fig.28 - Conjuntos Intersecantes (LIMA; VILA, 1972, p.111)
Fig.29 - Conjuntos Não-Intersecantes (LIMA; VILA, 1972, p.111)
A lição 35 trata da relação entre conjuntos disjuntos. Mais uma vez os
autores procuram contextualizar a ideia de conjuntos com a prática do dia-a-
dia. Mostram, como exemplo, o passeio de um personagem da história do livro,
Pintinha, que foi ao zoológico e ficou impressionado com os leões e os
elefantes. No caso, Lima e Vila (1972) destacam que o conjunto dos leões é
diferente do conjunto dos elefantes, ou seja, que não existem elementos
pertencentes ao mesmo tempo nos dois conjuntos e, portanto, são
considerados como conjuntos disjuntos.
A unidade 3 é voltada para as aplicações entre conjuntos. A lição 37,
que introduz este tópico, conta a história de dois garotos que foram pescar e,
consequentemente, numa pescaria, duas pessoas não podem pescar o mesmo
peixe. Em seguida, são construídos dois conjuntos, conforme vemos a seguir:
93
Fig.30 – Exemplos de aplicações de um conjunto em outro conjunto (LIMA; VILA, 1972, p.120)
Assim contando histórias e fazendo uso de diagramas, o livro procura
levar o leitor ao entendimento da ideia de aplicação de um conjunto em outro
conjunto.
Dando sequência, na unidade 4, Lima e Vila (1972) apresentam
operações entre conjuntos. Para trabalhar a União e a Intersecção os autores
fazem uso de dois painéis (1 e 2), sendo o primeiro, formado por um sorvete
(s), uma uva (u), uma casa (c) e um balde (b) e, o segundo painel formado por
uma Lua (l), um sorvete (s), um balde (b), um pássaro (p) e uma esmeralda (e).
Em seguida, o livro mostra a intersecção entre os paineis 1 e 2, por meio de
diagramas. A diferença entre conjuntos é definida utilizando os mesmos
elementos dos painéis, por meio de diagramas:
Fig.31 – Painéis e diagramas – operações entre conjuntos (LIMA; VILA, 1972, p.145)
94
Ainda nessa unidade o livro apresenta o conteúdo voltado para conjunto
complementar, sendo assim, definido pelos autores: “Se A é uma parte do
conjunto E, chama-se Complementar de A em relação a E, o conjunto dos
elementos de E que não pertencem a A” (LIMA e VILA, 1972, p.153).
Finalizando a unidade 4 são apresentadas as propriedades comutativa,
associativa e distributiva, complementando o estudo das operações entre
Conjuntos.
O sistema dos números naturais, é apresentado na unidade 5, num
capítulo dividido em 22 lições, das quais destacamos: Conjuntos Equipotentes,
Cardinais, Conjuntos Finitos e Conjuntos Infinitos, Conjunto dos Números
Naturais, Relação de ordem em N, União Soma e Adição, Produto Cartesiano e
Potenciação.
O livro apresenta diversos exemplos com os números naturais.
Contextualizar a ideia de conjunto com a praticidade do nosso dia-a-dia, é um
dos focos de Lima e Vila (1972).
A noção de conjuntos equipotentes é introduzida da seguinte forma:
Fig.32 – Introdução de Conjuntos Equipotentes (LIMA; VILA, 1972, p.165)
95
A cardinalidade de um conjunto também é assunto trabalhado nesse
livro e é apresentado por meio de uma tabela:
Fig.33 – Tabela de Conjuntos Padrões e Cardinais Padrões (LIMA; VILA, 1972, p.170)
A definição de números naturais é dada pelos autores da seguinte
forma:
Os cardinais padrões recebem o nome de números naturais. Representamos por N o conjunto dos números naturais.
CONJUNTO DOS NÚMEROS NATURAIS
N = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, ...} (LIMA e VILA,
1972, p.175)
96
A última unidade do livro apresenta o Sistema dos Números Inteiros,
representado por Z. Esta unidade compreende as lições 72 a 78, sendo
composta pelas operações de adição, subtração, módulo e multiplicação.
O referido livro didático também introduz o conceito de equação, sendo
perguntado para o aluno, se é possível resolver problemas apenas no universo
do conjunto dos números naturais.
Fig.34 – Resolução de equações (LIMA; VILA, 1972, p.247)
Assim, Lima e Vila (1972), introduzem em seu livro os números inteiros
e, finalizam esta última unidade com a lição 78, com um resumo que diz
respeito às seguintes propriedades dos números inteiros.
Fig.35 – Corte na adição (LIMA; VILA, 1972, p.271)
97
Fig.36 – Corte na multiplicação (LIMA; VILA, 1972, p.272)
Como podemos observar, o livro elaborado por Lima e Vila (1972), do
mesmo modo que o de Sangiorgi (1968) seguem as recomendações do MMM.
Os autores procuram manter diálogo com o leitor em todos os tópicos do livro,
mas de forma intensificada. Toda a obra se volta para cativar o estudante para
a Teoria dos Conjuntos, realçada pelas histórias em quadrinhos, por
personagens do universo escolar e pela presença de uma máquina, a Minimac,
símbolo de modernidade e do desenvolvimento tecnológico da época.
Para compor esse ambiente moderno, os autores entendem que a
linguagem da Teoria dos Conjuntos é a que melhor caracteriza e propicia uma
nova maneira de ensinar e aprender Matemática, condizente com a
necessidade de modernização da escola.
98
4.5 O livro “Matemática” de Dante (2012)
Fig.37 – Capa do livro de Dante (2012) – 6º ano
Do mesmo modo como os livros da época do MMM, tais como os de
Sangiorgi (1968) e Lima e Vila (1972), o livro “Matemática” de autoria de Luiz
Roberto Dante (2012) procura interagir com o aluno por meio de uma
linguagem coloquial, sempre que possível. Na apresentação, além de citar que
a Matemática é parte importante do cotidiano do aluno, o autor destaca que, no
processo de estudo, o aluno irá encontrar trechos relacionados à evolução da
História da Matemática.
O livro, de capa branca e detalhes verdes, nas dimensões 24 cm x
27,6cm contém 304 páginas e mais 112 páginas voltadas para o manual do
professor. Está dividido em quatro unidades e nove capítulos, sendo os três
primeiros capítulos na primeira unidade, o quarto e quinto capítulos na segunda
unidade, o sexto e sétimo capítulos na terceira unidade e, na última unidade, os
dois últimos capítulos. O livro também apresenta glossário, respostas, leituras
99
complementares e sugestões de sites, bibliografia e lista dos objetos
educacionais digitais.
Antes do sumário é apresentada uma seção de duas páginas com o
título “Conhecendo seu livro de Matemática”. Nesta seção, Dante (2012)
mostra em breves comentários alguns destaques do livro.
Verificamos que esse livro didático não contempla tópicos direcionados
para a Teoria dos Conjuntos, como os que foram analisados anteriormente. A
tabela a seguir apresenta os conteúdos tratados no livro de Dante (2012).
Quadro II: Conteúdo programático do livro de Dante (2012)
Capítulo 1 Números naturais e sistemas de numeração
Capítulo 2 Operações fundamentais com números naturais
Capítulo 3 Geometria: sólidos geométricos, ângulos e polígonos
Capítulo 4 Potenciação, raiz quadrada e expressões numéricas
Capítulo 5 Divisores e múltiplos de números naturais
Capítulo 6 Frações e porcentagens
Capítulo 7 Números decimais
Capítulo 8 Explorando a ideia de medida
Capítulo 9 Perímetros, áreas e volumes
No primeiro capítulo são apresentados os números naturais e um pouco
de História da Matemática, sendo que o autor destaca os povos primitivos e os
sistemas de numeração egípcio, romano e indo-arábico.
100
Fig. 38 - Breve histórico dos números naturais (DANTE, 2012, p.13)
O livro de Dante (2012) apresenta o conjunto dos números naturais por
meio da seguinte definição:
Fig. 39 – Conjunto dos Números Naturais (DANTE, 2012, p.27)
Conforme figura 39, verifica-se que o livro enfatiza que os elementos de
um conjunto devem ser colocados entre chaves e separados por vírgula.
Verifica-se que, em seguida, é apresentado o conjunto dos números naturais,
denotado por N.
No capítulo 2, Dante (2012) apresenta algumas propriedades da adição,
tais como: comutativa e elemento neutro. Ainda neste capítulo o autor destaca
algumas propriedades da multiplicação, como a comutativa, elemento neutro,
elemento nulo, associativa e distributiva.
101
Verificamos na introdução do capítulo 4, o autor traz um exemplo,
tomando um grupo de adolescentes para explicar potenciação. Observa-se,
entretanto, que o livro não faz uso da palavra conjunto, embora seja possível
perceber certa ligação com a Teoria dos Conjuntos, ao ser citado a palavra
grupo.
Fig.40 – Introdução capítulo 4 (DANTE, 2012, p.106)
No capítulo 5, no tópico destinado aos múltiplos de um número natural,
na apresentação desses múltiplos, o autor desenvolve um processo de
formação de subconjunto dentro do universo do conjunto dos números naturais,
da seguinte forma:
Fig.41 – Conjunto dos múltiplos de um número natural (DANTE, 2012, p.139)
102
No capítulo 6, na parte voltada para a leitura das frações, nota-se a
preocupação do autor em interagir com o aluno por meio da História da
Matemática, sendo destacado o Papiro de Rhind.
Fig.42 – Frações unitárias e Papiro de Rhind (DANTE, 2012, p.156)
O que se pode notar, pela leitura da obra “Matemática” de autoria de
Dante (2012) é que esse autor apresenta a definição de conjunto e sua
representação, mas trabalhou esse assunto quando julgou estritamente
necessário.
4.6 O caderno do professor da Proposta Curricular de Matemática do
Estado de São Paulo
Neste tópico, pretendemos verificar como e, se, a Teoria dos Conjuntos
está inserida nos conteúdos da Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
Este caderno, publicado no ano de 2008 por meio da Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo, tem como objetivo auxiliar o professor de Matemática
durante as aulas (SEE, 2008). Nossas observações recaem sobre o material
disponível para o 6º ano do Ensino Fundamental, porquanto os outros livros
analisados nesta pesquisa são desse mesmo nível de ensino.
103
Para o 6º ano, foram elaborados quatro cadernos, um para cada
bimestre, contendo os conteúdos distribuídos com certa flexibilidade, de modo
que, o professor possa modificar a maneira da distribuição desses conteúdos
quando necessário. A seguir, foto da capa do caderno do professor do 1º
bimestre.
Fig. 43 – Capa do Caderno do Professor de Matemática
Os outros cadernos possuem a mesma capa, mudando apenas o
bimestre a ser trabalhado, conforme podemos ver a seguir:
Fig. 44 – Emblema do Caderno do 2º bimestre
Os conteúdos matemáticos estão distribuídos ao longo da série, em
conformidade com a SEE (2008):
104
Quadro III: Proposta curricular de Matemática
6º ano Conteúdo
1º bimestre Números naturais: múltiplos e divisores; números primos; operações
básicas; Introdução às potências;
Frações: representação; comparação e ordenação; operações básicas;
2º bimestre Números decimais: representação; transformação em fração decimal;
operações (+, -);
Sistemas de medida: medidas de comprimento; sistema métrico decimal;
múltiplos e submúltiplos da unidade;
3º bimestre Formas geométricas: formas planas; formas espaciais;
Perímetro e área: unidades de medida; perímetro de uma figura plana;
cálculo da área por composição; área e perímetro de figuras planas;
4º bimestre Estatística: leitura e construção de gráficos e tabelas; média aritmética;
problemas de contagem.
No início do caderno do 1º bimestre são destacados os principais
conteúdos a serem trabalhados: os números naturais e as frações. E, segundo
a SEE (2008), pelo fato dos alunos terem o primeiro contato com esse tipo de
conteúdo nas séries anteriores, o professor deverá retomá-lo a fim de ampliar o
conhecimento dos alunos em relação a esses números. Todos os cadernos
estão divididos em oito unidades e, segundo dados da SEE (2008), a intenção
foi focar essas unidades em temáticas principais, conforme quadro III.
Dentre as oito unidades que compõem o Caderno, na unidade 1,
pudemos constatar tópicos direcionados para a Teoria dos Conjuntos, como
por exemplo, correspondência biunívoca. O caderno do professor trabalha com
a questão de correspondência e agrupamento.
O aluno deve reconhecer e compreender os fundamentos que caracterizam o sistema de numeração decimal, tais como: a ideia de correspondência, a contagem em agrupamentos de dez unidades e o valor posicional dos algarismos (SEE, 2008, p.8).
A unidade 2 é voltada para a questão dos múltiplos de um número
natural, sendo enfatizado que: “Não é o momento de se formalizar o conceito
de número natural dentro da Teoria dos Conjuntos, e sim de explorar as ideias
principais associadas a ele” (SEE, 2008, p.15). Esse assunto foi abordado mais
adiante, especificamente no 9º ano do Ensino Fundamental.
105
Na unidade 2, solicita-se que o professor desenvolva a questão dos
principais subconjuntos dos números naturais, sendo: números pares, números
ímpares, números primos e múltiplos e divisores.
Nas unidades de 3 a 8, não estão inseridos tópicos que nos remetem à
Teoria dos Conjuntos, mesmo que de maneira breve. Já no caderno do 2º
bimestre (2008), os temas principais são os números decimais e os sistemas
de medidas. Aqui, também não se enfatizou Teoria dos Conjuntos. O caderno
do 3º bimestre é voltado para o estudo de Geometria. Também não apresenta
tópicos relacionados com a Teoria dos Conjuntos. Por fim, o quarto e último
Caderno de Matemática (2008), destinado ao 4º bimestre abrange tópicos
relacionados com a Estatística, tendo como foco principal o tratamento de
informação e, não faz relação com a Teoria dos Conjuntos.
4.7 O Currículo do Estado de São Paulo – Matemática e suas tecnologias
O Currículo do Estado de São Paulo foi implantado no ano de 2008, com
o objetivo de apoiar o trabalho desenvolvido nas escolas estaduais. Segundo a
SEE (2010), foram tomadas algumas iniciativas, dentre as quais, levantar um
acervo documental técnico pedagógico e consultar escolas e professores, a fim
de identificar e divulgar práticas existentes nas escolas do estado de São
Paulo.
O Currículo, além de ser completado com documentos dirigidos para os
professores e alunos, também é composto com um documento básico
curricular com orientações a gestão do Currículo na escola, denominado
Caderno do Gestor, destinado aos professores coordenadores, diretores,
professores coordenadores das oficinas pedagógicas e supervisores (SEE,
2010).
Verificamos que o Currículo de Matemática reitera a importância de se
dar atenção especial aos recursos tecnológicos, dando ênfase na
transformação da informação em conhecimento. “Instrumentos como as
calculadoras ou os computadores podem e devem ser utilizados
106
crescentemente, de modo crítico, aumentando a capacidade de cálculo e de
expressão (SEE, 2010, p.35)”.
Também é enfatizada a importância do trabalho da Matemática como
disciplina escolar paralelamente a língua materna, ou seja, com a Língua
Portuguesa. A proposta apresentada pelo Currículo procura não se distanciar
dos conteúdos trabalhados pelos professores atualmente em salas de aulas.
Assim sendo, o Currículo de Matemática é organizado em três blocos
temáticos: números, geometria e relações (SEE, 2010).
No que diz respeito aos números, podemos dizer que é o conteúdo que
mais se aproxima com o tema do nosso trabalho, pois, em conformidade com o
Currículo, os números envolvem as noções de contagem e representação de
simbologias (SEE 2010).
Ainda, destacamos que a SEE (2010), por meio do Currículo em
questão, menciona a importância do professor de Matemática se apoiar na
História, sempre que necessário, como por exemplo, ao trabalhar com os
conjuntos dos números naturais e inteiros.
Tais situações podem estar apoiadas na história, como, por exemplo, a ampliação dos números naturais para os inteiros devido às necessidades prementes do desenvolvimento comercial e financeiro dos séculos XV e XVI (SEE, 2010, p.40).
Este Currículo tende a mostrar para o professor, possíveis possibilidades
de um trabalho interdisciplinar, sempre o lembrando da importância da
exploração de recursos tecnológicos, a fim de transformar as informações em
conhecimento. Deste modo, é especificado que: “a ideia geral norteadora é a
de que os conteúdos são meios para a criação e a exploração de centros de
interesse” (SEE, 2010, p.51).
No nosso entendimento, não há, nesse documento, destaque à Teoria
dos Conjuntos. Não observamos recomendação para que os professores
trabalhassem com a Teoria dos Conjuntos e tampouco não se enfatiza a
linguagem dos conjuntos nas atividades envolvendo conteúdos matemáticos.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito dessa pesquisa foi estudar a inserção da Teoria dos
Conjuntos nos livros didáticos de Matemática, pretendendo verificar como
esses manuais trabalharam e se ainda trabalham com a Teoria dos Conjuntos,
especificamente, no 6º ano do Ensino Fundamental.
Nesse sentido, procuramos responder as seguintes questões de
pesquisa: “como os manuais escolares elaborados para o Ensino Fundamental
incorporaram conteúdos referentes à Teoria dos Conjuntos durante o MMM?” e
“quais relações podem ser estabelecidas entre a história da Teoria dos
Conjuntos e o desenvolvimento desse conteúdo em sala de aula?”.
Ao destacarmos importância da pesquisa histórica sobre livros didáticos,
levamos em conta, em conformidade com Valente (2008) que, por meio da
análise dos conteúdos de livros didáticos, o historiador pode constatar se um
novo livro abrange ou não, conteúdos do passado de uma determinada
disciplina. Ainda, lembramos Choppin (2004), sobre as múltiplas funções que
os livros didáticos assumem. Dentre elas, destaque-se a função referencial, em
que se pode verificar as técnicas ou habilidades que determinado grupo social
entende como necessário transmitir às futuras gerações; a função instrumental,
uma vez que colocam em prática métodos, exercícios ou atividades que
procuram facilitar a aprendizagem; a função ideológica, uma vez que é
reconhecido como instrumento privilegiado para a construção da identidade
nacional e função documental, que supõe que o livro didático desenvolve a
autonomia da criança bem como contribui para a formação dos professores.
A fim de buscar respostas aos questionamentos propostos, realizamos
uma descrição da trajetória histórica da Teoria dos Conjuntos, enfatizando o
seu desenvolvimento no final do século XIX.
Ressaltamos a vida e a obra de alguns matemáticos que antecederam a
época da criação da Teoria dos Conjuntos. Dentre eles, destacamos Leonhard
Euler (1707 – 1783), que contribuiu em diversos campos da Matemática.
108
Referimo-nos a Euler justamente pelo fato desse matemático ser o responsável
por desenvolver diagramas que, hoje, na Educação Básica, são conhecidos por
diagramas de Venn, para representar operações entre conjuntos e afins.
No panorama histórico sobre a Teoria dos Conjuntos discorremos sobre
George Boole (1815 – 1864), cuja obra teve importância significativa para o
desenvolvimento da Álgebra, em especial, ao tratar conjuntos por meio das
operações que eram utilizadas apenas em contextos numéricos. Esse
matemático mostrou que as operações matemáticas não precisavam,
necessariamente, ficarem restritas aos números e desde então, foi
estabelecida uma nova álgebra, conhecida como a Álgebra de Boole.
Pudemos verificar também que, Georg Cantor (1845 – 1918), foi um dos
responsáveis para o desenvolvimento de uma Matemática mais consistente por
meio de provas e não apenas pela intuição. Cantor desenvolveu um trabalho
inédito para a sua época, no século XIX, a Teoria dos Conjuntos. Georg Cantor
exerceu papel fundamental para o desenvolvimento da Teoria dos Conjuntos
que, em meados do século XX, veio a fazer parte dos currículos escolares do
mundo todo, mais necessariamente, na década de 1960.
Também nos dedicamos a verificar a inserção da Teoria dos Conjuntos
nos livros didáticos antes, durante e após o Movimento da Matemática
Moderna (MMM), uma vez que essa teoria se consolidou no Ensino Secundário
no decorrer desse Movimento, ou seja, entre 1950 e 1970.
Considerando, como constatado por diversos autores (BÚRIGO, 1988;
VITTI,1988; SOARES, 2001), que o MMM tinha como ideário unificar a
Matemática, utilizando como linguagem a Teoria dos Conjuntos e que os
alunos da Educação Básica poderiam assimilar melhor a disciplina
“Matemática”, por meio da Teoria dos Conjuntos, intentamos verificar como a
Teoria dos Conjuntos foi inserida nos livros didáticos por meio de análise de
alguns livros das décadas de 1960, 1970 e da atual.
Para tanto, analisamos os seguintes livros: “Matemática: Curso Ginasial”
de autoria de Osvaldo Sangiorgi, 1º série, 6º edição de 1954; “Matemática:
Curso Moderno”, Osvaldo Sangiorgi, volume 1 para os ginásios, 10º edição de
1968; “Matemática para o Curso Fundamental”, de Reginaldo N. de Souza
109
Lima e Maria do Carmo Vila, 5º série, de 1972 e “Matemática”, de Luiz Roberto
Dante, 6º ano, de 2012.
Quanto às dimensões das capas dos livros analisados, ressaltamos que
no livro de Sangiorgi (1954), as dimensões são menores do que as dimensões
do livro de Sangiorgi (1968) e, este último, possui dimensões menores do que a
do livro de Lima e Vila (1978). Já as dimensões do livro de Dante (2012), se
aproximam das dimensões do livro de Lima e Vila (1972). Não podemos afirmar
se as capas seguem algum padrão da época, mas, ao que tudo indica, as
dimensões dessas capas sofreram alterações de acordo com a época em que
estavam sendo trabalhadas e, ainda hoje, alguns livros didáticos seguem
características parecidas com os livros didáticos produzidos durante o
Movimento da Matemática Moderna.
Verificamos então, que o conteúdo interno dos livros foi sofrendo
modificações, de tal modo que, ilustrações e histórias começaram a fazer parte
do conteúdo a ser desenvolvido durante o processo de aprendizagem do aluno.
Nossas análises revelam que o livro “Matemática: Curso Ginasial 1º
série”, de Sangiorgi (1954), o qual antecede o Movimento da Matemática
Moderna, encontra-se totalmente de acordo com a Portaria de 1951. Nesse
sentido, o autor não apresentou tópicos da Teoria dos Conjuntos ou adotou a
linguagem dessa Teoria em sua obra.
Observamos que, tanto o livro de Sangiorgi (1968) como o livro de Lima
e Vila (1972), seguiram o currículo escolar que contemplava a Teoria dos
Conjuntos. Quanto ao livro de Sangiorgi (1968), “Matemática: Curso Moderno”
destinado aos alunos que cursavam a antiga 5º série do Ginásio, podemos
notar que se mostra totalmente envolvido com as recomendações do MMM. O
autor adotou a linguagem da Teoria dos Conjuntos para trabalhar os conteúdos
matemáticos, com exceção ao capítulo referente aos sistemas de medidas.
Apresentou diversas ilustrações, fazendo uso principalmente dos diagramas de
Venn.
Além disso, o autor expôs, em pequenas notas de rodapé, sobre
momentos históricos da Matemática, como por exemplo, cita que a Teoria dos
Conjuntos foi criada pelo matemático Georg Cantor. Desse modo, entendemos
110
que houve, por parte do autor, uma preocupação em apresentar os conteúdos
matemáticos para os alunos, não apenas por meio de exercícios envolvendo
cálculos, mas também com curiosidades, fazendo uso do recurso histórico.
No que tange ao livro de Lima e Vila (1972), intitulado “Matemática para
o Curso Fundamental” pode-se notar que, do mesmo modo que Sangiorgi
(1968), encontra-se totalmente impregnado das ideias modernistas. Os autores
procuraram desenvolver os conteúdos por meio de diálogos em quadrinhos
com os alunos, ou seja, uma abordagem diferente dos livros didáticos
publicados naquela época. A obra dedica-se a encantar o estudante por meio
de histórias em quadrinhos, cujos personagens fazem parte do ambiente
escolar. Por meio de uma máquina, a Minimac e utilizando a linguagem da
Teoria dos Conjuntos é que são abordados os conteúdos matemáticos. Em
geral, esse livro didático apresenta ilustrações voltadas principalmente para a
Teoria dos Conjuntos.
O livro didático de autoria de Lima e Vila (1972) é recheado com figuras
ilustrativas para proporcionar um melhor entendimento aos leitores dos
conteúdos. Essa constatação vai de encontro com o que diz Choppin (2004),
ao afirmar que as ilustrações passaram a fazer parte do conteúdo do livro
didático, em meados da década de 1980. Talvez essa afirmação tenha sido
feita levando-se em conta os livros didáticos franceses, embora não tenhamos
notado por parte autor qualquer esclarecimento nesse sentido.
Voltando à nossa questão de pesquisa, entendemos que os livros
didáticos de Matemática brasileiros incorporaram a Teoria dos Conjuntos como
foco principal de aprendizado para os alunos durante o MMM. Ressaltamos
que nossa afirmação é feita com base nos livros analisados destinados ao 6º
ano do Ensino Fundamental.
Concluímos, então, que a Teoria dos Conjuntos foi amplamente utilizada
nos livros didáticos de Matemática, durante as décadas de 1960 e 1970, época
em que o Movimento da Matemática Moderna estava no auge.
Cabe ressaltar, entretanto, que durante o período modernizador da
Matemática, dos livros analisados, aquele que mais abrangeu a Teoria dos
111
Conjuntos, não foi o de Sangiorgi (1968) e, sim, o de Lima e Vila (1972), no que
tange à 5ª série (atual 6ºano) do Ensino Fundamental.
Verificamos ainda, que tanto nos livros de Sangiorgi (1968) e no de Lima
e Vila (1972) os autores interagiram com o estudante por meio da linguagem da
Teoria dos Conjuntos em situações do cotidiano. Entretanto, não encontramos
evidências do uso da história da Teoria dos Conjuntos no desenvolvimento dos
conteúdos para serem trabalhados em sala de aula, com exceção em algumas
notas de rodapé expressas no livro de Sangiorgi (1968).
Conforme verificamos, o MMM sofreu duras críticas, como por exemplo,
aquelas proferidas pelo professor Morris Kline (1976) e no final da década de
1970 começou o declínio desse Movimento. Essa situação refletiu na Educação
Básica. Com o declínio do MMM, tópicos da Teoria dos Conjuntos passaram a
ser introduzidos em livros didáticos de Matemática do Ensino Médio, de modo
que, embora fazendo uso da linguagem da Teoria dos Conjuntos não
encontramos evidências explícitas de tópicos dessa nos livros didáticos
analisados, referentes ao atual 6º ano do Ensino Fundamental.
O fato da Teoria dos Conjuntos ter ganhado espaço na educação
escolar, durante o MMM, período em que se pretendia modernizar o ensino da
Matemática nas escolas de todo o mundo, pode ter contribuído para que hoje
em dia esse assunto não esteja incluído no currículo recomendado para o 6º
ano do Ensino Fundamental.
O livro intitulado “Matemática” de autoria de Dante (2012) encontra-se
inscrito no PNLD 2014, o qual especifica algumas competências de conteúdos
matemáticos destinados aos alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.
Esse livro didático segue as cinco recomendações organizadas pelo PNLD
2014: números e operações, álgebra, geometria, grandezas e medidas e
estatística e probabilidade.
No referido livro de autoria de Dante (2012), as ilustrações,
recomendações e modo de apresentação dos conteúdos não nos remetem aos
tempos do MMM. A obra não apresenta um capítulo específico que trate da
Teoria dos Conjuntos, sendo escassos e breves os tópicos que tratam de
112
conteúdos específicos dessa Teoria. Entretanto, enfatizam uma Matemática em
conformidade com a aplicabilidade do cotidiano.
Como o próprio autor informa, nos momentos dedicados aos estudos, o
aluno iria encontrar no manual didático trechos relacionados à evolução da
História da Matemática. Assim, no capítulo sobre os Números Naturais, Dante
(2012) comenta sobre os povos primitivos e os sistemas de numeração egípcio,
romano e indo-arábico e sobre o papiro de Rhind. Entretanto, não observamos
referências sobre a história da Teoria dos Conjuntos.
A análise elaborada no Caderno do Professor de Matemática e no
Currículo do Estado de São Paulo permite verificar que os conteúdos
enfatizados por essa proposta, estão próximos dos conteúdos que atualmente
são propostos para o professor no livro “Matemática” de autoria de Dante
(2012).
Em relação ao Currículo de Matemática, percebemos que os três blocos
temáticos (Números, Geometria, Relações) citados pela SEE (2010), os
“Números” são o que mais se aproximam das análises feitas à Teoria dos
Conjuntos, por envolver noções de contagem e representação simbólica,
considerando os conteúdos matemáticos trabalhados nos livros didáticos do 6º
ano do Ensino Fundamental escolhidos para análise neste estudo. Do mesmo
modo como no livro de Dante (2012) não encontramos comentários sobre a
história da Teoria dos Conjuntos no Caderno do Professor de Matemática e no
Currículo do Estado de São Paulo.
Os resultados obtidos neste estudo necessitam de aprofundamento, uma
vez que esta pesquisa privilegiou o 6º ano do Ensino Fundamental. Desse
modo, consideramos ser interessante dar continuidade ao trabalho, analisando
outros livros didáticos, em outros anos escolares, para que se possa obter uma
visão mais ampla sobre como ocorreu a inserção da Teoria dos Conjuntos na
Educação básica.
113
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