Post on 30-Jan-2016
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a micro-história opera com escala de observação reduzida, exploração exaustiva de fontes, descrição etnográfica e preocupação com a narrativa literária. Neste sentido, contempla, sobretudo, temáticas ligadas ao cotidiano de comunidades específicas — referidas geográfica ou sociologicamente —, às situações-limite e às biografias ligadas à reconstituição de microcontextos ou dedicadas a personagens extremos, geralmente vultos anônimos, figuras que por certo passariam despercebidas na multidão
A micro-história nos bastidores, privilegia o estudo do aparato conceitual empregado pela micro- história, a escolha de temas, a problemática da redução de escala na descrição densa, bem como a delimitação dos objetos de estudo em termos de espaço e de temporalidade
A microhistória é um gênero historiográfico surgido com a publicação, na
Itália, da coleção "Microstorie", sob a direção de Carlo Ginzburg e Giovanni
Levi, pela editora Einaudi, entre 1981 e 1988. Vem sendo praticada
principalmente por historiadores italianos, franceses, ingleses e
estadunidenses, com ênfase no papel desempenhado pelos primeiros, na
importância da revista "Quaderni Storici" e no sucesso da referida coleção
"Microstorie".
A sua proposição de análise histórica defende uma delimitação temática
extremamente específica por parte do historiador (inclusive em termos de
espacialidade e de temporalidade), mas não se reduz apenas a isto.
Numa escala de observação reduzida, a análise desenvolve-se a partir de
uma exploração exaustiva das fontes, envolvendo a descrição etnográfica e
tendo preocupação com uma narrativa histórica que se diferencia da narrativa
literária porque se relaciona com as fontes. Contempla temáticas ligadas ao
cotidiano de comunidades específicas — geográfica ou sociologicamente —, às
situações-limite e às biografias ligadas à reconstituição de microcontextos
ou dedicadas a personagens extremos, geralmente figuras anônimas, que
passariam despercebidas na multidão.
Surgida a partir dos debates relacionados com os rumos que a chamada
Escola dos Annales deveria tomar, esta nova corrente historiográfica foi mal
compreendida, ora tomada como história cultural, ora confundida com a história
das mentalidades e com a história do cotidiano. Segundo o historiador
brasileiro Ronaldo Vainfas, também foi percebida como a expressão típica de
uma história descritiva, de viés marcadamente antropológico, que renunciou ao
estatuto científico da disciplina e invadiu o território da literatura, rompendo de
vez as fronteiras da narrativa histórica com o ficcional.
Giovanni Levi chama a atenção de que tais análises estão equivocadas,
pois apesar de produzirem resultados interessantes, o recorte em micro-história
deve ser temático e, mesmo assim, relacionado com um assunto mais amplo.
O autor assinala que a micro-história deveria servir como um "zoom" em uma
fotografia. O pesquisador observa um pequeno espaço bastante ampliado,
mas, ao mesmo tempo, tendo em conta o restante da paisagem, apesar de não
estar ampliada.
Entre os autores que se dedicaram à produção da micro-história citam-se:
Alain Corbin
Carlo Ginzburg (O Queijo e os Vermes) (1976)
Clifford Geertz
Emmanuel Le Roy Ladurie
Giovanni Levi (A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte
do século XVII)
Jacques Revel
Natalie Zemon Davis (O retorno de Martin Guerre)
No Brasil, ainda são poucos os historiadores que se dedicam à reflexão
teórica ou mesmo à prática da microhistória. Destacam-se os nomes de
Ronaldo Vainfas (autor de Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês
pocessado pela inquisição) e Boris Fausto (autor de O crime do restaurante
chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30).
Sidney Chalhoub - Visões do paraíso
]
Tive meu primeiro contato com a micro-história ao ler o tão famoso e
mundialmente conhecido “O queijo e os vermes” do historiador Carlo Ginzburg. Onde
primorosamente este historiador consegue trazer à luz da historiografia um anônimo,
que poderia passar como muitos à margem da História. Ora, o que tem de extraordinário
na micro-história é que esse “instrumento historiográfico” consegue fazer o que os
primeiros historiadores da Escola dos Annales já idealizavam, uma história vista de
baixo, onde muitos agentes históricos ficavam de fora. E mais do que isso, onde
geralmente a falta de fontes e documentos impossibilitaria um trabalho, a micro-análise
feita através de indícios e rastros deixados por esse “anônimo” serve para reconstruir a
visão que se pretende ter de sua época, pois a micro-história busca relacionar o
individuo e sua época, como é o caso de “O queijo e os vermes” onde através da vida de
Menochio Scandella pode-se alcançar sua relação com o contexto da época.
O objetivo da micro-história tem sido a busca de uma descrição mais próxima do
comportamento humano, empregando um modelo de ação que possa fazer emergir
personagens anônimos que, de outra maneira, ficariam esquecidos.
A história não deve se limitar a grandes esquemas e modelos teóricos. A história estuda
as pessoas, as relações estabelecidas entre elas, suas aspirações, seus medos, sonhos,
idéias e convicções. A micro só enriquece a macro.
Nova história cultural e micro-história: uma breve reflexão de suas origens
Não é preciso ser um historiador muito atento (aliás, nem é preciso ser
historiador) para observar que a produção historiográfica produzida no Brasil,
principalmente nos últimos dez anos, passou por mudanças mui significativas. O
surgimento de revistas especializadas (no mínimo 3 títulos rivalizam-se nas bancas
mensalmente), a constante adaptação de textos de história para a televisão, o
lançamento de livros com temas nunca antes imaginados (como é o caso da obra de
Jean-Luc Hennig, Breve História das Nádegas, publicado pela portuguesa Terramar),
exemplificam essas mudanças.
Aqui, neste artigo, discutiremos uma nova forma de se abordar os eventos
históricos chamada Nova História Cultural. A escolha se justifica, uma vez que, dos
novos modelos historiográficos, é, justamente, a Nova História Cultural, que mais
consegue trazer novos ares ao trabalho do historiador.
Para justificar essa afirmação, basta observamos o esgotamento das explicações
oferecidas por modelos teóricos globalizantes, com tendências à totalidade, nos quais
o historiador era refém da busca da verdade. Essas explicações globais, por sua
incapacidade de interpretar novos agentes históricos, passaram, portanto, a ser
questionados. Outro dado que justifica nossa investigação, nos é dado por Sandra
Jatahy Pesavento (2002, p. 7/8), Segundo ela, a Nova História Cultural corresponde
hoje, a cerca de 80% da produção historiográfica nacional, expressa não só nas
publicações especializadas, sob forma de livros e artigos, como nas apresentações de
trabalhos, em congressos e simpósios ou ainda nas dissertações e teses, defendidas
e em andamento, nas universidades brasileiras.
Entremente, não ficaremos apenas na Nova História Cultural. Abordaremos
também, alguns aspectos da Micro-história, uma vez que esta é um desdobramento
teórico intimamente ligado ao surgimento da Nova História Cultural.
O arcabouço intelectual que vai dar origem à Nova História Cultural está
intimamente ligado ao surgimento, no final da década de 1920, na França, de uma
nova forma de se pensar as questões historiográficas, identificada como História das
Mentalidades.
Essa nova forma de se interpretar os fatos históricos, buscava fugir da história
historicizante: uma história que se furtava ao diálogo com as demais Ciências
Humanas, a antropologia, a psicologia, a lingüística, a geografia, a economia, e,
sobretudo, a sociologia.
No lugar desse tipo de manejo dos fatos históricos, era preciso adotar, segundo
Vainfas (2002, p. 17):
uma história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas,
seus modos de viver, sentir e pensar. Uma história com estruturas em movimento,
com grande ênfase no mundo das condições de vida material, embora sem qualquer
reconhecimento da determinância do econômico na totalidade social, à diferença da
concepção marxista da história . Uma história não preocupada com a apologia de
príncipes ou generais em feitos singulares, senão com a sociedade global, e com a
reconstrução dos fatos em série passíveis de compreensão e explicação.
Entretanto, muitas críticas vão se insurgir contra os defensores da História das
Mentalidades. A mais comum e corrosiva dessas críticas é de que a História das
Mentalidades torna multi-fragmentado o seu objeto de estudo. Isto é, "a chamada
História das Mentalidades abriu-se de tal modo a outros saberes e questionamentos
que, no limite, pôs em risco a própria legitimidade da disciplina", conforme assegura
Vainfas (Idem, p. 55/56).
Acuada por críticas de diversas formas, a História das Mentalidades refugia-se
na chamada Nova História Cultural. Se utilizamos a expressão Nova História Cultural é
para separá-la daquilo que convencionou-se chamar de Velha História Cultural.
Segundo Pesavento (2004, p. 14/15), na Nova História Cultural.
Foram deixadas de lado concepções de viés marxista, que entendiam a
cultura como integrante da superestrutura, como mero refluxo da infraestrutura, ou
mesmo da cultura como manifestação superior do espírito humano e, portanto, como
domínio das elites. Também foram deixadas para trás concepções que opunham a
cultura erudita à cultura popular, esta ingenuamente concebida como reduto do
autêntico. Longe vão também as assertivas herdeiras de uma concepção da belle
époque, que entendia a literatura e, por extensão, a cultura, como o sorriso da
sociedade, como produção para o deleite e a pura fruição do espírito.
A Nova História Cultural, portanto, está trazendo uma nova forma da história
tratar a cultura. Ainda segundo Pesavento (Idem, p. 15):
Não mais como uma mera história do pensamento, onde estudava-se os grandes
nomes de uma dada corrente ou escola. Mas, enxergar a cultura como um conjunto de
significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo.
A Nova História Cultural, por tudo que foi acima mencionado, vai fazer ressalvas
(sem no entanto negá-lo) ao conceito de mentalidades por classificá-lo ambíguo e
excessivamente vago. No entanto, a Nova História Cultural não nega a aproximação
com as outras Ciências Humanas, admite o conceito de longa duração e aceita os
temas do cotidiano. Conforme assegura Vainfas (2002, p. 56):
Os historiadores da cultura (...), não chegam propriamente a negar a relevância
dos estudos sobre o mental. Não recusam, pelo contrário, a aproximação com a
antropologia e demais ciências humanas, admitem a longa duração e não rejeitam os
temas das mentalidades e do cotidiano.
Além disso, a Nova História Cultural quer também se aproximar das massas
anônimas. Podemos, portanto, afirmar que a Nova História Cultural revela uma
especial afeição pelo informal, por análises historiográficas que apresentem caminhos
alternativos para a investigação histórica, indo onde as abordagens tradicionais não
foram.
E foi neste mar de possibilidades novas que vários historiadores passaram a
navegar. Um dos mais importantes e que, primeiramente, merece destaque é o italiano
Carlo Ginzburg, que em 1976 lança uma obra ímpar da Nova História Cultural (e por
que não dizer, da Micro-História também), intitulada "O queijo e os vermes". Nela, o
autor discorre sobre um moleiro condenado como herege pela Inquisição Papal no
século XVI. Podemos considerar essa obra uma obra-síntese, uma vez que foi nela
que Ginzburg abandonou o conceito de mentalidades (as razões, já discutimos acima)
e adotou o de cultura, definindo-a como "o conjunto de atitudes, crenças, códigos de
comportamento próprios das classes subalternas em um certo período histórico"
(GINZBURG, 1986, p. 16).
Decorre desta definição ser possível, agora, recuperar o conflito de classes em
uma dimensão sociocultural, deixando-se entrever no campo das discussões teóricas
aquilo que o historiador italiano chamou de circularidade cultural, conceito que se opõe
ao velho paradigma cultura popular X cultura erudita.
Outro pensador da Nova História Cultural que nos chama atenção é Roger
Chartier. Este, pertencente a uma geração contemporânea do declínio das
mentalidades na França. Chartier concorda com as discussões lançadas por Ginsburg
por também rejeitar a visão dicotômica cultura popular X cultura erudita em favor de
uma visão, digamos, mais abrangente, que, no limite, valoriza o dimensionamento da
cultura em termos de classes sociais. Para tanto, ele propõe um conceito de cultura
como prática, e sugere para seu estudo as categorias de representação e
apropriação.
Representação analisada como algo que permite ver uma coisa ausente e que,
segundo Chartier seria mais abrangente que o conceito de mentalidades, uma vez que
o ausente em-si não pode mais ser visitado. Segundo Pesavento (2004, p. 40):
Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é presentificação de
um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência. A idéia central é,
pois, a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença.
Se o objetivo central do conceito de representação é trazer para o presente o
ausente vivido e, dessa forma, poder interpretá-lo, o de apropriação, segundo Chartier
(1990, p. 26), é "construir uma história social das interpretações, remetidas para suas
determinações fundamentais" que são o social, o institucional e, sobretudo, o cultural.
Como o objetivo desse artigo não é, claro, o de fechar questão em torno de
nada, gostaríamos de salientar que, tanto na sua vertente italiana quanto na sua
vertente francesa, a proposta da Nova História Cultural seria o de decodificar a
realidade do já vivido por meio das suas representações, desejando chegar àquelas
formas pelas quais a humanidade expressou-se a si mesmo e o mundo.
Para o historiador da cultura, isso é muito importante ressaltar, o passado só
chega aos dias atuais por meio das representações. Afirmando com Pesavento (2004,
p. 42):
"a rigor, o historiador [da cultura] lida com uma temporalidade escoada, com o
não-visto, o não-vivido, que só se torna possível acessar através de registros e sinais
do passado que chegam até ele".
Neste ponto de nossa discussão, uma nova possibilidade de investigação
histórica surge como fazendo parte do elenco de mudanças epistemológicas que
acompanharam a emergência da Nova História Cultural. Estamos nos referindo ao
aparecimento da Micro-História. É nela, pois, que muitos historiadores da Nova
História Cultural, sentiram-se bastante a vontade para realizar suas pesquisas (como é
o caso do próprio Ginzburg, anteriormente citado).
Vejamos alguns aspectos de seu nascedouro. Segundo Vainfas (2002, p. 68):
o surgimento da Micro-História tem a ver com o debate intelectual e
historiográfico das décadas de 1970 e 1980. Tem a ver, também, com a questão da
crise do paradigma marxista e de outros modelos de história totalizante e com a
solução das mentalidades, que cedo se mostrou inconsistente no plano estritamente
teórico-metodológico.
Dessa forma, as finalidades da Micro-História movem-se no campo das
críticas à história das mentalidades (vejam a coincidência com a Nova História
Cultural), não deixando-se confundir com elas. Mas a pergunta mais importante que
devemos fazer é: onde a Micro-História contribui com a Nova História Cultural?
Do ponto de vista metodológico, a Micro-História avança nas pesquisas
historiográficas por romper com a prática calcada na retórica e na estética. O trabalho
da micro-história tem se centralizado na busca de uma descrição mais realista
do comportamento humano, empregando um modelo de ação que possa dar voz
a personagens que, de outra maneira, ficariam no esquecimento. Segundo Levi
(1992, p. 136), a micro-história possui, portanto, um papel muito específico dentro da
chamada Nova História Cultural: "refutar o relativismo, o irracionalismo e a redução do
trabalho do historiador a uma atividade puramente retórica que interprete os textos e
não os próprios acontecimentos."
Outro historiador que nos alerta para a importância da Micro-História é Luís
Reznick (2002, p. 3), para quem:
O espaço local, alçado em categoria central de análise, constitui uma nova
possibilidade de estudo no quadro das interdependências entre agentes e fatores
determinantes de experiências históricas eleitas pela lupa do historiador. Nessa nova
concepção, cada aparente detalhe, insignificante para um olhar apressado ou na
busca exclusiva dos grandes contornos, adquire valor e significado na rede de
relações plurais de seus múltiplos elementos constitutivos.
Dessa forma, o historiador de orientação micro-histórica, amparado pelos
conceitos da Nova História Cultural discutidos anteriormente, pode "enxergar"
acontecimentos, fatos que a historiografia tradicional não "enxerga" e trazer à tona
dados que estavam adormecidos. Portanto, sua análise é mais criteriosa, justa e
democrática. Ainda segundo o pensamento de Reznick (2002, p. 3):
Ao eleger o local como circunscrição de análise, como escala própria de
observação, não abandonamos as margens (...), as normas, que, regra geral,
ultrapassam o espaço local ou circunscrições reduzidas. A escrita da história local
costura ambientes intelectuais, ações políticas, processos econômicos que envolvem
comunidades regionais, nacionais e globais. Sendo assim, o exercício historiográfico
incide na descrição dos mecanismos de apropriação — adaptação, resposta e criação
— às normas que ultrapassam as comunidades locais.
Dessa forma, é possível afirmar, conforme Levi (1992, p. 139), que "o princípio
unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em que a observação
microscópica revelará fatores previamente não observados", o que não
aconteceria numa abordagem tradicional. A descrição micro-histórica serve para
registrar uma série de acontecimentos ou fatos significativos que, de outra forma,
seriam imperceptíveis e que, no entanto, podem ser interpretados por sua inserção
num contexto mais amplo, ou seja, na trama do discurso cultural.