A Música Popular Brasileira repensa identidade e naçãoB

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Nercolini, Marildo José

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Revista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestral 125RESUMOO objetivo desse artigo abordar o universo da m-sica massiva no Brasil, focando a discusso na Msi-ca Popular Brasileira e o papel que seus criadores, apartir dos anos 60, tm na reflexo e na construode novos parmetros para se pensar identidade na-cionaleoBrasilenquantonao.OBrasiltemnaproduomusicalligadacanopopularpapeldecisivonagnesedenovasidentidadesnacionaishbridas;nomaisfixas,nemessencializadas,masmarcadaspelaarticulaodoprprioedoalheio. Seus criadores auxiliam a quebrar as bar-reirasasfixiantescriadaspornacionalistasempe-dernidos, mas sem cair na tambm asfixiante aceita-ocegadaquiloqueproduzidoeentendidonametrpole como o melhor.PALAVRAS-CHAVEMPBTropicliaidentidade nacionalABSTRACTThe aim of this work is to analyse the importance of theroleplayedbypopsongmusiciansontheimaginaryofthe Post-Sixties generation in Brazil, for has helped in thebuilding of a space of expression and manifestations suchashadneverpreviouslyexistedinsuchmouldsbefore.MPBholdsameansofartisticcreationandakindofauthorshipwellinsertedintothisnewworldcontextwhere the frontiers have been erased and identities havebeenblended.Brazilianpopularmusicianscanserveasexcellentsourcesforresearchersinterestedinlearningabout the transformation of national identity and the ideaof nation. Theirs creations retains the marks of the trans-formations undergone by their Brazilian society, and haverecreatedsuchtransformationsintopeculiaraestheticalforms of artistic expression.KEYWORDSBrazilian popular musicTropiclianational identityMarildo Jos NercoliniUFFIDENTIDADES CULTURAISA Msica Popular Brasileirarepensa identidade enaoIdentidade nacional: novos parmetros de anliseidentidade nacional no mais vista enquantoatributo natural adquirido pelo sujeito por per-tencerdeterminadanao.Nonascemoscom uma identidade nacional, ela formada e trans-formadadeacordocomasrepresentaesqueva-mosadquirindoecriando.Nao,resgatandoBenedict Anderson (1989), uma comunidade imagi-nada com suas instituies culturais, seus smbolose representaes, com seu modo de construir senti-dos e, portanto, de construir identidades.Oslimitesnacionaisencontram-seimprecisosemveis.Hojesetornailusriopensarmosemter-mosdenaoapartirdepressupostoscomoodeum povo puro, com uma histria homognea cons-trudapelosherisnacionais.Senohmaiscen-tros nicos, irradiadores da verdade a ser seguida eaplicadacomoregra,tambmnohmaisnaescom esses pressupostos. As fronteiras nacionais in-ventadas e fixas, a separar ns e outros, ordem edesordem,cosmosecaos,verdadeeimpostu-ra, no mais se sustentam.Astransformaesconstantesnatecnologia,nastelecomunicaes, na forma de trocas e na produodebensculturaiseeconmicosacabamportornarinstveisasidentidadesfixas,baseadasemnoesespaos-temporaisdeetniae/ounao.ParaHall(1997) essa crise de identidade decorre, entre outrosfatores,dodeslocamentodeestruturasedospro-cessos centrais das sociedades modernas, acrescidaspeloabaloemseuquadrodereferncias.Temos,ento, uma identidade descentrada, deslocada e frag-mentada; portanto, mais mvel.DeacordocomGiddens(ApudHall,1997:16),oritmoaceleradoeoalcanceglobaldainterconexodas diferentes reas do planeta trazem como conse-qncia transformaes sociais globais, tanto no quesereferesnoesdetempoeespao,quantoaodesalojamento do sistema social, marcado pela des-continuidade. Para Laclau (Apud Hall, op.cit.: 17), acontemporaneidade vem caracterizada pela diferen-a, pelas articulaes parciais dos elementos identi-trios, pelo deslocamento que desarticula as identi-dadesmestras,baseadasnaposiodeclasse,naetnia e na nacionalidade.Silviano Santiago (1978) trabalha identidade naci-onalcomoprocessoderearticulaes,emqueoscdigosculturaisimpostospeloscolonizadoresfo-ramtransfiguradossistematicamenteemsuasnor-masecaractersticas,destruindo-lhesaunidade,apurezaeosinaldesuperioridade,imprimindo-senelesrasurasetransgressesqueresultamemno-vas configuraes. Instaura-se um entre-lugar paraA126 Revista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestralMarildo Jos Nercolini 125132osdiscursosperifricos,comoolatino-americano.Nemasimplesnegaodainflunciaestrangeira,nemasuaaceitaocega,masaapropriaoqueinstaura o espao da mediao cultural onde a hege-monia vai ser desafiada (Guelfi, 1996: 140).Aoseacentuaremoscontatoseastrocasentreculturas, acentua-se tambm o processo de desloca-mento das identidades nacionais, colocando em pau-ta o hibridismo, a transculturao. O local e o globalimbricam-se originando articulaes novas. O local penetrado e moldado por influncias sociais mui-to distantes dele, mas, ao mesmo tempo, esse localacaba por transformar o global, numa interao demo dupla. A difuso do consumismo, real ou ima-ginado, contribui para esse efeito de supermercadocultural, desalojando e desvinculando as identida-des de tempo e espaos restritos. Garca Canclini inovador em sua reflexo sobre identidades, pois asrelacionadiretamentecomoconsumo.Paraeleasidentidadeshojesodefinidaseconfiguradasnoconsumo, isto , no acesso que algum tem, ou quepoderia ter, aos bens materiais, estticos e culturaisproduzidos.Ocorre,portanto,aredefiniodosenso de pertencimento e identidade, organiza-do cada vez menos por lealdades locais ou nacio-naisemaispelaparticipaoemcomunidadestransnacionaisdesterritorializadasdeconsumi-dores (Garca Canclini, 1995: 28).Cabe,noentanto,acrescentarqueesseprocessono homogneo, mas tem uma clara geometria depoder, abrangendo desigualmente regies e especi-almenteestratosdapopulao.Seapossibilidadedas diferentes escolhas identitrias vasta nos cen-tros, nas periferias o ritmo mais lento e desigual, eo pluralismo se v restrito pelas condies precriasque no permitem o acesso aos mecanismos de pro-duodessasdiferentesopesidentitrias.Outroaspecto a ser destacado que hoje o impacto globalvemassociadoaumnovointeressepelolocal.Aformaodessasnovasidentidadestransterritoraise multilingsticas coexiste com a tentativa de remo-delaodasculturasnacionais.Naarte,porexem-plo,seoprocessodedesterritorializaoexisteeganha amplos espaos, tambm h fortes movimen-tos de reterritorializar, afirmando o local, o especfi-co. O processo, ao invs de antagnico, mais com-plementar.Ahibridaointerculturalreconstriasidentidades tnicas, regionais e nacionais, mas nonosmesmosmoldesmodernos,poisnosepodemais negar a nao como entrecruzamento, nos ce-nriosmultideterminados,deumadiversidadedesistemas simblicos.Na produo de identidades persistem os confli-tos. Merece cada vez maior destaque as negociaesestabelecidas,numaverdadeiraco-produo,poisa identidade teatro e poltica, representao eao e estudar o modo como esto sendo produ-zidasasrelaesdecontinuidade,rupturaehibri-dao entre sistemas locais e globais, tradicionais eultramodernos, do desenvolvimento cultural , hoje,um dos maiores desafios para se repensar identida-de e a cidadania (Garca Canclini, op.cit.: 151-2).A identidade brasileira pensada e recriada pela MPBNoBrasil,parapensaraquestodastransforma-es identitrias, parece-me fundamental resgatar opapeldoscriadoresdoqueveioadenominar-seMsica Popular Brasileira, na formao de uma iden-tidade plural, hbrida, em que se articulam o popu-lar, o massivo e o culto; o prprio e o alheio; o local eo global.Os criadores da MPB, a partir dos anos 60, auxili-am a criar um novo tipo de relao identitria, umanova busca de identificao com smbolos e elemen-tos nacionais, sobretudo para a parcela mais jovemda populao. A prpria denominao encarna essedesejo,afinal,noimpunementequesechamamMsica Popular Brasileira. O que estaria subjacentea esses nomes? Talvez o desejo de deixar bem mar-cado que estavam falando de um local especfico esentiam-se vinculados ao seu pas de origem; e tam-bm como resposta aos inmeros crticos ligados aumatradioconservadora,queinsistiamemafir-mar que ambas as propostas eram estrangeirizantesporreproduziremosomianquee,pretensamente,renegarem a cultura nacional.No perodo em que estava sendo gestada anos60ogovernomilitarinstaladobuscouapropriar-se dos smbolos ptrios e impingir um nacionalismoxenfobo e truculento. Por outra parte, existia umaeliteintelectualtradicionaladefenderosvaloresptrios e defenestrar qualquer tentativa de transfor-mao cultural que no seguisse seus padres. Con-tra essas duas posturas, criadores da MPB se insur-giram e entraram na disputa da definio do que eraser brasileiro, propondo-se a rediscutir a identidadenacional em outros moldes. interessante perceber que a MPB foi se transfor-mando,nodecorrerdosanos,emumdosndicesmais fortes da brasilidade e do orgulho nacional;umaspectoque,juntocomofutebol,temservidopara o reconhecimento interno e tambm externo damarcadoserbrasileiro.NocustalembrarqueosmsicosligadosMPB,desdeosanos60athoje,estoinseridosnasdiscussessobreidentidadeenao.Algunsimbudosdeumnacionalismomaisfechado e reativo; outros de uma noo de identida-de em termos mais abertos e menos fixos, como bemo demonstra a proposta tropicalista.No Brasil dos anos 60 o mundo da cultura passouporumperododeintensacriaoqueinterligavaasdiversasartes.Umdoselementosquepossibili-touessainterligaofoiapreocupaocomumaessescriadoresdepensaroBrasileoseufuturo:Quemsomos?QueprojetodeBrasilqueremos?Como implant-lo? Havia uma confluncia ideol-gica que, a despeito das divergncias pontuais queeram muitas, como comprovam as acirradas discus-Revista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestral 127A Msica Popular Brasileirarepensa identidade e nao 125132sesestabelecidaspossibilitouacriaodeumambiente de efervescncia criativa nas reas acad-micas, no teatro, no cinema, na poesia e na msica.O momento parecia propcio, mas o golpe militar de64 representou um baque nas pretenses desses cri-adores de pensar e transformar o Brasil numa naomaisjustaesoberana.Commuitosofrimento,vi-ram-se obrigados a revisar seus projetos. Por outrolado,ogolpemilitarresultoutambmnumforteelemento aglutinador das esquerdas das vrias re-as poltica, cultural e artstica. O inimigo comumfezafloraranecessidadedaunio,superandoasdivergncias. O iderio em torno da revoluo e danaotodoscomoumganhoufora.Opensa-mento nacional-popular era hegemnico e sua crti-ca,nasartes,somentepassouatervisibilidadeapartir da proposta tropicalista, em 67.Dispostosadarsuacontribuionarevoluoque se vislumbrava, os cantores e compositores daMPBsepropunhamaproduzirumamsicaque,valorizandoasconquistasinovadorasemodernasda Bossa Nova, resgatasse os elementos da culturapopular, reafirmando, assim, sua condio de brasi-leirosedisposioacriarapartirdocontextoemque viviam.A Revista Civilizao Brasileira, espao importantede debate nos anos 60, dispunha-se a pensar o Brasilereuniaemsuaspginasanliseediscussodetemasqueabarcavamquestespolticas,ideolgi-casesobretudoculturaiseartsticas.BossaNova,MPB,nacionalismo,entreguismo,novosrumos,pureza-cpia... eram alguns temas ligados msicaqueforamdiscutidosapaixonadamente.Emsuaspginas encontramos Jos Ramos Tinhoro, FerreiraGoulart,EduLobo,Capiname,claro,CaetanoVeloso,entretantosdispostosapensaroBrasilediscutir a msica popular que aqui se fazia.OembatequeseestabeleceuentreTinhoro(estudioso da msica popular, com posies conser-vadoraseferrenhodefensordapurezadeumamsica com razes brasileiras) e os criadores, de-fensores e continuadores da Bossa Nova mostrava,porumlado,queaquestonacionaleareflexosobre a nossa identidade estava na ordem do dia; e,por outro, que as transformaes propostas por umanova gerao incluam o dilogo mais aberto com oestrangeiro,semdemoniz-lo,demonstrandoumavisomenosestreitadopasenomaisaceitandouma identidade nacional fixa e imutvel.Em 1963, Tinhoro publicou um artigo na revistaSenhor(posteriormentereproduzidoemseulivroMsica Popular um tema em debate, cujas refernciasaqui se tomam da edio de 1969) em que, de modopejorativo,tentavademonstrarqueaBossaNova(BN) e a nova msica popular que se estava criandonaquele momento eram fruto de uma americaniza-odenossamsicaequeestariamcolaborandopara a penetrao norte-americana na MPB:Filha de aventuras secretas de apartamento com amsica norte-americana que , inegavelmente, suame a bossa nova, no que se refere paternidade,vive at hoje o mesmo drama de tantas crianas deCopacabana, o bairro em que nasceu: no sabe quem o pai. (...) Acontece que, de uma hora para outra, amenorte-americanadajovembossameio-sangueresolveu reconhec-la publicamente como filha, ace-nando-lhecomumaheranafabulosadedlaresem direitos autorais. E foi assim que (...) comearam aaparecer para desgraa e reputao da me da pobremoa os pais da bossa nova (Tinhoro, 1969: 25).Nomesmoartigo-captulo,TinhoroestabeleciaumarelaodospaisdaBNcomaculturanorte-americana,tentandocomprovarsuavendaaoca-pital estrangeiro. Vejam-se alguns exemplos:JOHNNY ALF, pianista (mulato brasileiro de nomeamericano,disfarandoonomeverdadeiro:JooAlfredo);ANTNIOJOBIM,maestro(compositorrepetida-menteacusadodeapropriar-sedemsicasnorte-americanas, esconde o nome Antnio sob o apelidoamericanizado de Tom);VINCIUSDEMORAIS,poeta(velhocompositordesconhecidoatoadventodabossanova,jem1933conseguiagravarafox-canoDordeumasaudade, imitando o ritmo norte-americano);JOOGILBERTO,violinista(cidadobaiano,co-nhecido na intimidade por Gibi, de quem chegou aanunciar-se que ia requerer a cidadania norte-ame-ricana) (Ibid.: 26).Porasepodeterumaidiadavirulnciadoembate.Tinhorofalavaemnomedaparcelamaisconservadora da intelectualidade, disposta a preser-varumpurismodenossaculturacontraqualquerinfluncia externa, sobretudo norte-americana.Em debate promovido pela Revista Civilizao Bra-sileira,em1966,TinhorodeixavaclaroqueaBNnadamaiseradoqueumtipodejazz:amatria-primaerabrasileiraeaformanorte-americana(Lobo; Tinhoro et alii: 1966: 307), seguindo a regrageralnasrelaesentrepasesdesenvolvidoseosmenosdesenvolvidos.AfirmavaainautenticidadedaBNporelaconscientementeassimilareincor-porar produo musical ritmos, estilos e harmoni-as de msicas estrangeiras (Ibid.: 312).AEduLobo,nessaocasio,couberesponderataiscrticas.Contrapondo-seaTinhoro,afirmavaosganhosimensosqueTomJobim,JooGilberto,enfim,aBN,trouxeramparanossamsica,confir-mando o seu carter brasileiro. Para confirmar suatese,citavaMriodeAndrade:Areaocontraoqueestrangeirodeveserfeitaespertalhosamentepeladeformaoeadaptaodele,nopelarepul-sa(Ibid.:309),masimbudodoiderionacional-128 Revista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestralMarildo Jos Nercolini 125132popular,completava,aindacitandoMriodeAndrade: O artista no deve ser exclusivista, nemunilateral. O compositor brasileiro tem que se base-ar quer como documentao, quer como inspiraonofolclore(Ibid.).Eelemesmocomplementava,afirmando:Quandosechamadeautnticososamba,comete-se um equvoco. Dizer que bossa novasofreu influncias do jazz como fator negativo,chegaasercmicoporqueentoseriaprecisolembrar que o samba tem influncia africana echegaramosaocaos,semencontrarnenhumamsicaautntica.Porquedizerqueumau-tntico e outro no? (Ibid.: 312).Quando o tema a cano de protesto, que incor-porava nas letras a problemtica e as lutas ligadas realidade brasileira, Tinhoro no se dava por ven-cido e reafirmava seu ponto de vista. Para ele, essaseriaumamaneiradoscompositoresligadosBNtentar fugir da alienao, pois a fuga se daria pelaletradascomposies.Isto,diantedaaberraoqueconsisteemdescobrirqueseestavafalandomusicalmentedetemasuniversais,comsotaqueamericano, o que a chamada participao pretende falar nacionalisticamente de temas nacionais, massem perder o sotaque (Ibid.: 310). Em outras pala-vras, questionava: como aceitar uma letra engajadase a msica no era nossa?Aoresponder,EduLobonovamenteacentuouaprofundaligaoqueoscantoresecompositoresligadosMPBdoperodotinhamcomostemasnacionais. Apoiando-se uma vez mais em Mrio deAndrade, afirmava:OperodoatualdoBrasil,especialmentenasartes, o de nacionalizao. Estamos procuran-do conformar a produo surgida no pas coma realidade nacional. O critrio atual da msicabrasileiradevesernofilosfico,massocial,deve ser um critrio de combate (Ibid.: 311).AscitaesdeMriodeAndradefeitasporEduLobo so um dado importante e demonstram comoesse embate era levado a srio. Responde a um naci-onalistaortodoxocomumoutronacionalistamaisrequintado e menos esquemtico.Nesse debate percebem-se nitidamente a presen-a do iderio nacional-popular. A tradio nacional-popular tem origem, no Brasil, na segunda fase domovimentomodernista-aquelaquevaide1930a1945. Para seus seguidores, alm de brasileira e mo-derna, a arte precisaria ser social, isto , dirigir-se aopovobrasileiroelevaremcontaseusproblemas.Subjaz neles uma viso de arte enquanto reflexo darealidade e instrumento de conscientizao poltica.Com seus estudos sobre a msica brasileira, Mriode Andrade, um dos seus principais representantes,exerceu forte influncia em compositores como VillaLobos e Camargo Guarnieri, nacionalistas ligados questo popular. Jos Miguel Wisnik (2001: 134) sin-tetizamuitobemaconjunoentreonacionaleopopularnaarte,apontandoqueelavisacriaode um espao estratgico onde o projeto de autono-mia nacional contm uma posio defensiva contraoavanodamodernidadeestticaepelomercadocultural.Emnomedaestilizaodasfontesdaculturapopular rural, idealizada como a detentora pura dafisionomia oculta da nao (Ibid.: 133), o discursonacionalista do Modernismo renegou a cultura po-pularemergentedosgrandescentrosurbanosportemer que esta desorganizaria a viso centralizadahomognea e paternalista da cultura nacional, poisrebeldeclassificaoimediatapeloseuprpriomovimento ascendente e pela sua vizinhana inva-siva,ameaaentrarportodasasbrechasdavidacultural,pondoemxequeaprpriaconcepodearte do intelectual erudito (Ibid.: 132).Oquesepretendiaeraumaelevaoesttico-pedaggica do pas, incorporando e sublimando arusticidade do folclore e, ao mesmo tempo, aplacan-doatravsdadifusodaculturaaltaaagitaourbana (o povo deseducado) a que os meios de massa(...) davam trela (Ibid.: 134).Mrio de Andrade, assim como Villa-Lobos, pro-pagava a superioridade do folclore. Ele, como afir-ma Wisnik, penetrava nos processos mitopoticos-musicaisdaculturapopular,mascomumcrivocrtico,deslocando,relativizandoereorganizandotais elementos a partir de sua formao erudita, su-perando assim um nacionalismo ortodoxo e progra-mtico.Mriovianamsicarural,marcadamentede origem nordestina, virtudes autctones e tra-dicionalmente nacionais. Ele no renegava toda pro-duoculturalurbana,valorizavaaquelaparcelaque conseguia manter-se aparte da influncia dele-triadourbanismo,trazidapeloprogressoepelointernacionalismo. Para isso, seria preciso:(...) ao estudioso discernir no folclore urbano oque virtualmente autctone, o que tradicio-nalmente nacional, o que essencialmente po-pularenfim,doquepopularesco,feitofei-odopopular,ouinfluenciadopelasmodasinternacionais (Andrade, 1962: 167)Senacional-popularversusvanguarda-mercadoj era um embate incisivo nas artes modernistas de30e40,sobretudocomVilla-LoboseMriodeAndrade, esse embate vai se aprofundar, tornando-semaisdecisivoeexplosivonacriaoartsticadadcada de 60, sobretudo na MPB que se configura-va.Comosepercebe,MriodeAndradeeraumadas fontes tericas preferenciais e a citao feita porEduLobonofoicasual.AssimcomoMrio,queafirmavaqueamsicapopulareranossacriaoRevista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestral 129A Msica Popular Brasileirarepensa identidade e nao 125132maisforteebela,percebia-seentreoscriadoresdearte e cultura nos anos 60 que a msica popular noBrasil ocupava um lugar privilegiado e que ela po-deria contribuir decisivamente para as transforma-es sociais to necessrias para o pas.Com o advento da ditadura e todos os problemasconseqentes,noseiodaBossaNovaoperaram-setransformaes. Houve uma paralisao da pesqui-samusicalemnveisformaiseumanfasenasle-tras. O contedo semntico passou a ter uma impor-tnciafundamentaldiantedarealidadequeopaspassavaaviver.Alinguagemsetornouagressiva,abordandodiretamenteoproblemadosubdesen-volvimentoou,emtomdelamento,expondoascondies subumanas, sobretudo dos nordestinos edos habitantes dos morros.CarlosLyrafoiumdosresponsveisporessamudana de rumos, articulando uma reaproximaoda msica popular brasileira com a cultura popular,esforo semelhante ao feito por Vianinha, no teatro,e Ferreira Gullar, na poesia. Carlos Lyra (Apud Ho-memdeMello,1976:114),analisandooperodo,afirma:Nessas buscas da realidade nacional acabei en-contrandotantooVilla-LoboscomooNlsonCavaquinho, Cartola, Joo do Vale, os verdadei-rosvaloresnacionais[grifonosso].Eonegcioerairsescolasdesambaeverqualeraarealidadenacionalemtodososseusaspectos.Eu procurava mesmo esse pessoal de escola desambaetambmoscarasquetinhamleitura,como Vandr.A politizao e as pesquisas que, na msica, res-gatavam o regionalismo, especialmente do nordesteesuastradies,apresentavamsimilitudecomacriaodosCentrosPopularesdeCultura-CPC,articulados pela UNE, com nfase na arte engajada.A msica popular deveria ajudar a resgatar os valo-res mais genunos da nacionalidade e auxiliar nasedimentaodeumaculturanacional.Acanodeveria ter uma funo muito mais poltica que es-ttica, seria um instrumento de conscientizao, de-nunciando a realidade injusta em que vivia a maio-ria da populao e fomentando a conscientizao e amobilizao do povo. Em nome da defesa da ptriabrasileira e de sua cultura, a incorporao na arte seja na msica, no teatro ou na poesia de elemen-tos estranhos cultura nacional, naquele momento,era considerada por alguns nacionalistas mais orto-doxos como traio ptria.HelosaBuarquedeHollanda(1992)apontaquenoprojetodosCPCsquepropunhaumaarteengajada nos moldes do nacional-popular a pala-vra potica deveria ter uma eficcia revolucionria,vistaenquantoinstrumentodetomadadepoder.Engajamentoculturalemilitnciapolticaestavamintrinsecamenteligados.NomanifestodoCPC,demarode1962,istoaparececlaramente:Oartistaque pratica sua arte situando seu pensamento e suaatitude criadora exclusivamente em funo da pr-pria arte apenas a pobre vtima de um logro tantohistricoquantoexistencial(ApudBuarquedeHollanda, 1992: 122).Noplanomusical,resgatavam-seasvelhasfor-mas da cano urbana (sambo, sambinha, marcha,marcha-rancho...) e rural (moda de viola, samba deroda, desafio...), atendo-se simplicidade formal. Oimportante era o contedo a ser transmitido, comomuito bem sintetiza Geraldo Vandr:Acho que em cano popular a msica deve serumafuncionriadespudoradadotexto.Issono quer dizer que no se deva usar os recursosartesanais, com a maior disponibilidade poss-vel, para o desenvolvimento de uma ideologiamusical nacional. Mas preciso ter um cuidadomuitograndeparaqueousodessesrecursosestejarealmenteaserviodotexto,quefun-damental na cano popular (Homem de Mello,1976: 128).CarlosZlio(1983)criticavaessapostura,poisviana arte nacional-popular uma tendncia ao mimetis-mocomopopular.Advertiaque,parapreservarosvalores nacionais, ameaados pela cultura norte-ame-ricana, os seguidores da concepo nacional-popularreverenciavam a arte popular como a nica realmentebrasileira,queprecisavaserprotegidaparanosecontaminar. Zlio via nesta proposta um carter restri-tivo,poiselasubestimavaasprofundasinteraesdialticas entre o nacional e o internacional, uma vezque continha uma viso preconcebida do particularda nossa cultura (Zlio, 1983: 47).Caetano Veloso no se eximiu desse debate, alis,como nunca se eximiu de debate algum. Posicionar-se frente a questes ligadas ao Brasil, nossa identi-dade,deondeviemoseparaondevamossofre-qentes no decorrer da carreira de Caetano, seja ementrevistas,artigos,livro(VerdadeTropicalocom-prova)etambmnumgrandenmerodesuascomposies. Mesmo antes da Tropiclia, momen-tofundamentalnessedebate,eletomavaposio,fomentando a discusso. Nas pginas da Revista Ci-vilizao Brasileira, em 1966, encontramo-lo entre Ca-pinam,FerreiraGullar,GustavoDahl,NaraLeo,Flvio Macedo Soares e Nelson Lins e Barros deba-tendo: Que caminho seguir na msica popular bra-sileira? O prprio ttulo j era emblemtico e mar-cava a hegemonia que a linha nacional-popular tinhadentro da cano popular naquele momento, afinal,sugere-se a busca de um caminho e no de cami-nhos.Caetanojademonstrouseudescontenta-mento e conseguiu dar um passo adiante no debate,criticandotantoaposturaassumidaporTinhoro,quanto a postura assumida ento pela maior parce-la de cantores e compositores da cano popular.130 Revista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestralMarildo Jos Nercolini 125132CaetanofoienfticoaocolocaremquestoumavisonacionalistaqueviacomoretrgradaparaaMPB:Aquestodamsicapopularbrasileiravemsendopostaultimamenteemtermosdefideli-dade e comunicao com o povo brasileiro. Querdizer:sempresediscuteseoimportanteterumavisoideolgicadosproblemasbrasilei-ros, ea msica boa, desde que exponha bemessaviso;ousedevemosretomarouapenasaceitaramsicaprimitivabrasileira(Caetano,apud Veloso, Gullar et alii, 1966: 378).Essas duas vises seriam empobrecedoras ao co-locarumacamisadeforanacriao,comlimitesrgidos, os quais ele rejeitava. De um lado Tinhoro,que defendia a preservao do analfabetismo comonicasalvao,deoutroaquelesqueresistiamaesse tradicionalismo com uma modernidade de idiaou de forma imposta como melhoramento qualitati-vo(Ibid.:378).ParaCaetano,amsicabrasileirasemodernizaecontinuabrasileira,nodevendoficar atrelada a padres fixos, pois toda informaoaproveitada(eentendida)davivnciaedacom-preensodarealidadeculturalbrasileira(Ibid.).Nota-sesuainsistncianopermanecerbrasileiraeser feita a partir de nossa realidade, mas renovando-seeabrindo-seanovoscaminhos.Norenegavaatradio, ao contrrio, a reafirmava: Se temos umatradio e queremos fazer algo de novo dentro dela,no s teremos de senti-la, mas conhec-la. E esteconhecimentoquevainosdarapossibilidadedecriar algo novo e coerente com ela (Ibid.).A necessidade da retomada da linha evolutivadentro da MPB seria capaz de dar organicidade paraselecionareterumjulgamentodecriao,umaorganicidade entendida como estruturao que pos-sibilitasse o trabalho em conjunto, inter-relacionan-doasarteseosramosintelectuais(Ibid.).JooGilbertoseriaoparmetro:ainformaodamo-dernidademusicalutilizadanarecriao,nareno-vao, no dar um passo frente da msica popularbrasileira(Ibid.),conjugandotradioemoderni-dade.Ficamclarosaquialgunspressupostosque,noanoseguinte,estariamnabasedaTropiclia.Tambm nesse debate Caetano deixava claro o queo movia na criao naquele momento:SeitambmqueaArtenosalvanadanemningum, mas que uma das nossas faces. Meinteressa que corresponda o que fao posiotomada por mim diante da realidade brasileira.Por mim e por todos os moos da classe mdia,que estudam nas faculdades e se interessam emlutar contra a alienao (Ibid.: 384).Ferreira Gullar, imbudo do esprito nacional-po-pular, encerrou esse debate propondo a luta contraa cultura de massa internacional que traria malefcios cultura brasileira, citando nominalmente o I-i-i.Jquenosepodiafecharopasparaessacultura de massa internacional, devia-se combat-laculturalmente.Aformadecombate-resguardarnossas razes: fazer com que os compositores pro-curem dentro da prpria cultura brasileira, nos ele-mentospopularesdamsicabrasileira,afontedeuma nova criao que possa realmente fazer frente aessa onda internacional (Ibid.: 384-385). Por fim, namesma forma como Mrio de Andrade dcadas an-terioreshaviafeito,Gullarreafirmavaopoderdamsica popular no Brasil: Das formas de arte brasi-leira a msica talvez a que esteja mais entranhadano meio do povo brasileiro; a que tem mais fora,mais capacidade de enfrentar a influncia estrangei-ra (Ibid.: 385). Em poucas palavras Gullar sintetiza-va o pensamento hegemnico nas artes do perodo,propondo o uso da arte para vencer o inimigo capi-talista, que, em sua nsia de expanso, progresso edesenvolvimento, devorava nesse processo todas astradiespopulares.Gullar,comodeixaclaroemtextoposterior(1979),pretendiacontrapor-seaovanguardismo formalista, cuja concepo de artevia como elitista e hermtica, dominada pela impor-tao de formas. Esse autor no negava a importn-cia e a influncia na arte nacional da arte estrangei-ra. Ressaltava, contudo, que em pases cujas culturasnoeramconsistenteseestavamemformao,asinfluncias externas tendiam a ser malficas, agin-do como fator de perturbao do processo formativoda cultura nacional.Esse debate promovido pela CivilizaoBrasileiradeixou claro o que viria a seguir. Desde de 1964 sepercebiam rupturas com a proposta ento hegem-nica dentro da MPB. O caminho nico de uma artenacional-popularnorespondiamaisaosanseiosdetodososseuscriadoresemuitomenosaosdasociedade que entendiam representar. Caetano, nessedebate, explicitava-as e j apresentava alguns traosdo que viria a ser a Tropiclia; Gullar fincava o p nadefesadonacional-popular.Ascartasnovamenteestavam dadas, o embate estava apenas comeando.Em 1967, a trupe tropicalista, tendo Caetano e Gilfrente,ateoufogodiscusso,trazendonovascartas na manga: Oswald de Andrade e a antropofa-gia, a produo considerada brega,kitsch da msicabrasileira e, o que causou o mal-estar maior, o dilo-gocomopop-rockinglsdosBeatles,comsuasguitarraseltricase,conseqentemente,odilogocom o I-i-i nacional, aproximando-se da JovemGuarda.Antesdostropicalistas,oartistaplsticoHlioOiticica (ver Zlio, 1983) j afirmavaque vivamosnuma realidade marcada por contradies, e que aartedeviareconheceressefatoeagirapartirdele,afinaloBrasilaindanoteriaumsistemadearteestruturadoesofriaasmaisdiversasinfluncias:modismo, modelos externos, diversidades regionais.Revista FAMECOS Porto Alegre n 31 dezembro de 2006 quadrimestral 131A Msica Popular Brasileirarepensa identidade e nao 125132Fugirdoconsumoseriaalienar-se;numavisoan-tropofgica, afirmava que precisvamos consumiro consumo. Para superar o carter subdesenvolvi-dodanossaarte,tornava-senecessrioprimeiroreconhecer esse carter.A arte baseada nos pressupostos do nacional-po-pularseviuquestionadanasartesplsticaspelaantiarte de Oiticica e Vergara; no teatro, pela ousa-dia formal e inquietante de Jos Celso Martinez; nocinema, por Glauber Rocha e seus transes onricos,questionando o papel dos intelectuais e mostrandouma viso de Brasil complexa. Formava-se(...)umageraosensibilizadapelodesejodefazer da arte no mais o instrumento repetitivoeprevisveldeumaveiculaopolticadireta,masumespaoabertoinveno,provoca-o, procura de novas possibilidades expres-sivas,culturais,existenciais(BuarquedeHollanda, 1992: 65).Mas se esse tipo de crtica j existia no campo dasartes e da cultura, ela passou a ter maior visibilidadequandotrazidaparaocampodamsicapopular,cuja abrangncia e penetrao eram muito maiores.A Tropiclia, alm da inovao esttico-musical, veiorepensar a questo nacional, o Brasil e sua identida-deemoutrosparmetros.Assumiuumaposturacontraumnacionalismofechadoeressentido,afir-mando a necessidade do dilogo e da abertura parao mundo, para a temida cultura estrangeira, poisvianessecontatoapossibilidadedecrescermosenos firmarmos como nao. Isso fica claro em mui-tas anlises feitas por Caetano. Em entrevista conce-didaaChristopherDunn(1994)afirmavaqueaTropiclia:(...) foi uma crtica ao tipo de nacionalismo quenos parecia ingnuo e defensivo. Ns acredit-vamos ambiciosamente que, pelo menos do pon-to de vista da msica popular, podamos e de-vamosseragressivos,terumnacionalismoagressivo (Caetano apud Dunn, 1994: 101).Ostropicalistasapropriaram-seefizeramasualeituradaantropofagiaculturaldeOswalddeAndradeemquevoccometudooquevemdequalquer lugar do mundo e faz daquilo o que vocquer, digere como quer. uma idia de comer tudoo que houver e produzir uma coisa nova (Ibid.).Na linha de Oswald, a Tropiclia, no dizer de Cae-tano, propunha uma mente que no fosse prisionei-ra das conscincias enlatadas, criando uma arte, umjeito de ser, um jeito de conviver que no [deixasse] oenlatadodominar,masnodaformadefensivaeprogramtica de um nacionalismo que levaria pro-vincializao,comumaculturafechadaquepareciano ter fora prpria e preferia viver da fora ne-gativa, que uma reao fora do outro (Ibid.: 105).A Tropiclia queria afirmar o prprio, mas no se fe-chando para o estrangeiro, e sim o devorando e trans-formando-ocomcrivoslocais,reafirmandoassimaidentidade brasileira como diferenciada:ABossaNovatinhajustamenteumagrandeafirmaodaculturabrasileiraporquenoti-nhatidoproblemasemassimilarainflunciadamelhormsicanorte-americana.(...)Eles[JooGilbertoeTomJobim]nosesentiramhumilhados, se sentiram estimulados. Ns tam-bm preferimos nos sentir estimulados por to-dasasreferncias.(...)Criamosumestilodeliberdade,porqueagentenosesentiahumi-lhado pela presena da cultura dos pases maisricos do que ns (Ibid.: 102; 104).Docenriolocal,ostropicalistasseapropriaramde um tipo de msica considerada brega e desqua-lificada(VicenteCelestino,CarmemMiranda,asirmsBatista,IsaurinhaGarcia...)eadeslocaramironicamente,colocando-aemumambientederepertrioelevado,comoafirmaCaetano,acatan-do-acomoprodutosdeumaculturanacionalquetambmcompunhanossabrasilidade.Enfim,pro-punhamumaposturadeestar-no-mundo(...),nocomo um pas de Terceiro Mundo que fica ao rebo-quedoqueacontecenospasesmaisdesenvolvi-dos,massimdeeuvivonomundohojeefaocomoselementosdequedisponhoestaarte,estegesto (Ibid.: 100). Por um lado, essa postura contra-diziaMriodeAndrademedidaquedialogavatambm com o popularescofeitofeiodopopu-lar,ouinfluenciadopelasmodasinternacionais(Andrade, 1962: 167), atitude rejeitada pelo moder-nista.Mas,poroutro,ostropicalistasutilizavamoprocedimento sugerido pelo Mrio: extrair da msi-ca popular o que ela tinha de melhor, dando-lhe umteor mais erudito e moderno; e devolver s massas oseu populrio sonoro convertido em msica ar-tstica, tendo em vista a afirmao da brasilidade.Uma brasilidade, porm, no baseada no consenso,no iderio do todos como um, mas no dissenso deumanaoquesomuitas,deumBrasilformadopor culturas diversas, no mais querendo forar umaigualdadeutpicaconstrudaapartirdepadresque estabeleciam o bem a ser seguido e valoriza-do, demonizando o restante como cpia, lixo cultu-ral, o no-Brasil. Uma brasilidade aberta e constru-da no dilogo e no embate, no fixa e imutvel.Ocaminhoabertopelostropicalistasaliadostransformaes pelas quais passou o pas e o mun-do sob a gide da globalizao, assim como toda arediscussoestabelecidasobrenaoeidentidadeemtermostericoseprticos,possibilitaramoad-vento de novos parmetros de discusso que a m-sica brasileira hoje est percorrendo. O MovimentoManguebeat,oMovimentoHipHop,oFunkseapresentam, e o processo continua.

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