Post on 09-Dec-2018
VINÍCIUS GÜRTLER DA ROSA A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA D O
CONGO
CANOAS, 2007
2
VINÍCIUS GURTLER DA ROSA A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA D O
CONGO
Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais, sob orientação do Professor Ms. Luciano Colares.
CANOAS, 2007
3
TERMO DE APROVAÇÃO
VINÍCIUS GURTLER DA ROSA
A OPERAÇÃO DE PAZ DA ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA D O CONGO
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, pela seguinte banca examinadora:
Prof. Dr. Alfa Oumar Diallo Unilasalle
Prof. Ms. José Alberto Antunes Miranda Unilasalle
Prof. Ms. Luciano Colares Unilasalle
Canoas, 22 de Novembro de 2007.
4
Dedico este trabalho à minha querida mãe, cujo
amor e apoio incondicional sempre me guiaram em
busca de meus objetivos. A ti, mãe, meu eterno
agradecimento e amor.
5
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer às pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a
conclusão de mais esta etapa da minha vida. Primeiramente, à minha mãe, cujo
amor, dedicação e esforços, ao longo destes 4 anos de muita luta, me
oportunizaram experiências de vida ímpares, as quais me acompanharão para
sempre.
Sou grato ao Professor José Alberto Antunes Miranda, que, desde o princípio,
enxergou as demandas dos alunos e se esforçou para propiciar um melhor
entendimento acerca das Relações Internacionais, enfocando temas importantes da
Diplomacia e Direito. Gostaria de agradecer, em especial, à Professora Tatiana
Vargas Maia, que me guiou nos primórdios deste estudo, oferecendo sugestões e
críticas que foram imprescindíveis para a elaboração do trabalho. Também quero
agradecer ao Professor Luciano Colares, pela orientação concedida ao longo deste
ano, e que foi fundamental para a realização deste estudo.
Gostaria de também agradecer às minhas duas queridas famílias, na
Alemanha e na Dinamarca, as quais me agraciaram com laços de família que eu
jamais pensei ser possível entre estranhos e que provam a importância do diálogo e
do entendimento entre culturas diferentes.
Aos meus amigos no Brasil e exterior, quero manifestar minha gratidão por
todo o apoio, companheirismo e aprendizado que tive com vocês, em especial,
Arlindo, Bruna, Carol Stumpf, Cléber, David, Darlene, Mariana Corbellini, Mariana
Grangeiro, Paulo Perizzolo, Rainer, Reynaldo Mello e Vinicius Spader.
Por fim, cabe aqui um obrigado especial à família Spader, cujos cuidados e
apoio foram fundamentais para o meu estabelecimento durante os anos da minha
faculdade.
6
RESUMO
A presente pesquisa buscou analisar a intervenção da ONU na República Democrática do Congo, enfocando a tentativa da organização de regular o conflito, estabelecendo, neste país, uma missão de paz, a fim de pacificar seu território e propiciar uma reconciliação nacional. Seu principal objetivo foi descrever e avaliar o papel da MONUC na promoção da paz no país, identificando suas características e destacando seus resultados até as eleições de 2006. Partiu-se do estudo sobre as operações de paz no seio da ONU e como esta organização despontou como órgão regulador do sistema internacional. Também foram analisados os tipos de operações de paz e sua evolução, principalmente a partir de 1990, bem como a questão do desarmamento dentro deste tipo de operação. Em seguida, buscou-se apresentar o caso do conflito congolês, por meio da análise inicial da África e sua inserção nas relações internacionais. Por fim, abordou-se a operação mais recente da ONU naquele país, que se iniciou em 1999 e dura até os dias de hoje. A pesquisa foi baseada no exame de documentos publicados pelo órgão principal da ONU, qual seja, o Conselho de Segurança, sobretudo suas resoluções e os relatórios elaborados pelo Secretário-Geral para este órgão. Os resultados obtidos indicam que, embora o conflito envolva diversos parâmetros – conflito étnico, ingerência estrangeira, má governança – a questão do desarmamento é fator principal para que a MONUC obtenha sucesso e oportunize o desenvolvimento do país. Palavras-chave: ONU – República Democrática do Congo – Operações de Paz
ABSTRACT
The present study analyzed the UN intervention in the Democratic Republic of Congo, focusing the organization´s attempt to regulate the conflict, establishing a peacekeeping operation in order to pacify its territory and achieve national reconciliation. Its primary aim was to describe and assess the role of MONUC in promoting peace in the country, identifying its main characteristics and emphasizing its results until the holding of elections in 2006. It begins with the study of peacekeeping operations in the core of UN and how this organization emerged as the prime organ in charge of regulation the international system. Afterwards, the case of the Congo conflict is presented, with the initial analysis of Africa and its insertion in international relations. Lastly, we analyze the most recent UN operation in that country, which has begun in 1999 and is still active today. The research was based on the examination of documents published by UN´s main organ – the Security Council – especially its resolutions and reports made by the Secretary-General for this organ. The results indicate that, although the conflict entangles multiple causes – ethnic conflict, foreign intervention and bad governance – the question of disarmament is of paramount importance if MONUC is to succeed in the stabilization of the country and if it wants to enable development. Keywords: UN – Democratic Republic of Congo – Peacekeeping Operations
7
LISTA DE ACRÔNIMOS
ADF Alliance des Forces Démocratiques ADFL Alliance des Forces Démocratiques pour la Libération du Congo-Zaire ANC Armée Nationale Congolaise BW Bretton Woods CS Conselho de Segurança DPKO Departament of Peacekeeping Operations DDR Disarmament, Demobilization and Reintegration ECOSOC Economic and Social Council ECOWAS Economic Community of West African States EUA Estados Unidos da América EUFOR European Union Force EX-FAR EX-Forces Armées Rwandaises FAC Forces Armées Congolaises FARDC Forces Armées de la République Démocratique du Congo FAR Forces Armées Rwandaises FDLR Forces Démocratiques de Libération du Rwanda FDD Forces pour La Défense de La Démocratie Du Burundi FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola FUNA Former Ugandan National Army JMC Joint Military Commision LRA Lord´s Resistance Army MLC Mouvement por La Libération Du Congo MNC Mouvement Nacionale Congolais MONUC Mission de Obsevations Nations Unies au Congo MPLA Movimento Popular para Libertação de Angola OIG Organizações Internacionais OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas ONUC Opération des Nations Unies au Congo OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte OUA Organização da União Africana RCD Rassemblement Congolais pour la Démocratie RCD-GOMA Rassemblement Congolais pour la Démocratie – GOMA RCD-ML Rassemblement Congolais pour la Démocratie – Mouvement de Libération RDC República Democrática do Congo RPF Rwandan Patriotic Font SADC South Africa Development Community SG Secretário-Geral UNEF United Nations Emergency Force UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola UNDP United Nations Development Programme
8
UNRF Ugandan National Rescue Front II URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas WNBF West Nile Bank Front
9
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................10
1 A ONU E AS OPERAÇÕES DE PAZ .....................................................................13
1.1 Tipos de Missões de Paz ...................................................................................17
1.2 Organizações Internacionais e o Ambiente Intern acional ..............................21
1.2.1 Organizações Internacionais e o Neoliberalismo Institucional..........................24
1.3 As Missões de Paz no Pós-Guerra Fria ............................................................28
1.4 O Desarmamento nas Operações de Paz .........................................................31
2 O CASO DO CONGO......................................................................................... ...37
2.1 A África no Sistema Internacional .................................................................. .37
2.2 As Raízes do Conflito – da crise de independênc ia à
intervenção da ONU no ano de 1960 ......................................................................41
2.3 A atuação da ONUC na República do Congo e a Gue rra Fria ........................44
2.4 O Regime de Mobutu ..........................................................................................49
2.5 A questão do Leste da RDC e a instauração de La urent Kabila
no poder ....................................................................................................................52
3 A AÇÃO DA MONUC NO CONGO (1999-2006) ....................................................58
3.1 O Acordo de Lusaka e a instauração da MONUC ............................................59
3.2 A Fase I da MONUC na RDC ..............................................................................62
3.3 A Fase II das Operações ....................................................................................63
3.4 A Terceira Fase das Operações e o Aprofundament o
do Processo de Paz ..................................................................................................66
CONCLUSÃO .......................................................................................................... .74
REFERÊNCIAS..........................................................................................................77
ANEXO I – Mapa da República Democrática do Congo............................................84
10
INTRODUÇÃO
A República Democrática do Congo é o segundo maior país da África e está
localizado no coração do continente. De fato, este país assume uma posição
destacada no continente, não somente pela sua localização, mas por que apresenta
uma abundância de recursos naturais – principalmente de minérios e de água –
tendo amplas condições de ser um motor para o desenvolvimento da África.
No entanto, todo este potencial está ameaçado por uma crise que toma conta
do país desde a época da independência e está relacionada à ingerência de
diversos atores no território do país – cada um buscando a proteção de seus
interesses. Os mais de 45 anos de conflito que permeiam sua história
acompanharam três mudanças de título para o imenso país, que chegou a ser
chamado de Zaire durante o regime ditatorial.
Dessa maneira, a República Democrática do Congo mostra-se como um
verdadeiro mosaico de conflito étnico, guerra de interesses e ingerência estrangeira.
De acordo com a ONG Amnesty International (2006), desde 1998, estima-se
que mais de 3.9 milhões de pessoas já morreram, sendo considerado o conflito que
mais causou mortes após a Segunda Guerra Mundial.
A ONU procurou fazer face a estes desafios com o estabelecimento de duas
operações de paz, uma nos anos 1960 e outra, 40 anos mais tarde, através da
MONUC.
O conflito na República Democrática do Congo (RDC) envolve tanto aspectos
de política internacional, como também de política interna. Seu histórico de conflitos
remonta à época de 1960, quando o então Secretário-Geral das Nações Unidas,
Dag Hammarskjöld, solicitou ao Conselho de Segurança que fosse enviada uma
missão internacional para estabilizar o país, que encontrava-se prestes a sucumbir à
época de sua independência.
Os esforços levados a cabo pela ONUC - Opération des Nations Unies au
Congo, visavam estabilizar as forças de segurança nacional e garantir que o Congo
11
passasse por um período de transição até que fossem organizadas eleições para
escolher um dirigente congolês para o governo. Tais objetivos, 40 anos mais tarde,
teriam de ser postos em prática novamente pela MONUC – Mission de Observation
des Nations Unies au Congo – considerada, com efeito, um dos esforços mais caros
da Organização mundial, em termos de operações de paz. Para o período de 1 de
Julho de 2005 até 30 de Junho de 2006, os custos aprovados atingiram mais de 1
bilhão de dólares, segundo dados da página da Missão, no site das Nações Unidas.1
Dessa maneira, a ONU vem atuando no país há mais de 45 anos,
empregando recursos para se acabar com o conflito armado, construir instituições
políticas estáveis e democráticas e entrar no caminho para o desenvolvimento
sustentável.
Esta monografia é fruto de um estudo dedicado às questões mais pertinentes
envolvendo o conflito na República Democrática do Congo, desde a sua
independência até a consecução das primeiras eleições livres de sua história, em
2006. Pretende-se contribuir para um melhor entendimento acerca do conflito no
país, analisando-se a atuação dos protagonistas principais e seus interesses na
RDC.
Para tanto, partir-se-á de uma análise minuciosa dos mecanismos que os
Estados, por meio das Nações Unidas, conceberam para tratar dos problemas
relativos à paz e segurança internacionais – ou seja, as Operações de Paz. Estas
serão estudadas com atenção especial às suas principais características e tipos. A
seguir, será também abordado o tema das organizações internacionais no estudo
das relações internacionais, sua raiz teórica e florescimento a partir dos Acordos de
Bretton Woods. A base teórica para tal estudo também será levantada com a análise
das contribuições dos teóricos do neoliberalismo institucional com relação a essa
matéria.
Ao final do primeiro capítulo, caberá ainda um estudo das operações de paz
no pós-Guerra Fria e as implicações da nova ordem mundial nos conflitos pós-1990.
Após, será abordado, de forma sucinta, a questão do controle de armas e sua
relação com o desenvolvimento, a partir da incorporação de mecanismos de
desarmamento nas operações de paz, com a modelo de DDR.
1 Dados retirados do site da Missão da ONU. Disponível em: http://www.un.org/Depts/dpko/missions/monuc.
12
O capítulo dois tratará sobre as raízes do conflito no Congo, mas não sem
antes lançar luz sobre a África nas relações internacionais. Será abordada a missão
da ONUC no país, no período de 1960-64, suas principais ações no terreno e as
suas conseqüências para o organismo universal. O mau gerenciamento da operação
fez com que a ONU enfrentasse duras críticas e se abstivesse de atuar por meio de
operações de paz entre os anos de 1967 e 1973.
O foco maior deste trabalho será dado, por conseguinte, ao capítulo três,
quando será analisada a volta da ONU ao país africano, a partir da assinatura do
Acordo de Lusaka, em 1999, que aprovou a missão da MONUC. Nesta etapa, serão
trazidos de volta os aspectos relativos ao desarmamento na operação e como este
se constitui mecanismo sine qua non para o sucesso da operação no país.
Espera-se, com isso, oportunizar uma reflexão acerca dos principais
problemas, progressos e as perspectivas que processo de paz, em execução na
República Democrática do Congo, demonstra.
13
1 A ONU E AS OPERAÇÕES DE PAZ
A Organização das Nações Unidas (ONU), em sua Carta, apresenta como
objetivo maior a promoção da paz e da segurança internacionais. A própria
concepção do Organismo é tida como uma resposta aos desdobramentos da II
Guerra Mundial, que devastou o continente europeu e tomou um grande número de
vidas. Já no preâmbulo de sua Carta consta o compromisso em salvar as futuras
gerações do flagelo da guerra.
A ONU buscou fazer frente às ameaças à paz e segurança internacionais, por
meio do mecanismo de segurança coletiva, o qual será abordado ao longo deste
capítulo. De momento, cabe mencionar que as Operações de Paz são, hoje, o
exemplo mais nítido da atuação dessa organização no cenário internacional.
Embora não estejam contempladas em nenhum artigo da Carta das Nações
Unidas, as atividades de “peacekeeping” acabaram por gerar sua própria
jurisprudência e, mais tarde, passaram a integrar documentos oficiais da
Organização. Hoje, são o exemplo mais nítido da atuação desta Organização no
cenário internacional.
As Operações de Paz agem de forma a regular e administrar situações
conflituosas, que desestabilizam, de alguma forma, a dinâmica do sistema
internacional. Estas operações sofreram, ao longo dos anos, uma série de
adaptações na sua forma de atuação, devido aos desafios e dificuldades
enfrentados, e evoluíram em complexidade, aumentando seu escopo de atuação.
Desde sua origem até os dias de hoje, foram autorizadas mais de 60
Operações de Paz pelo mundo. Isto representou, em termos quantitativos, o
envolvimento de mais de 82.000 pessoas trabalhando com o uniforme das Nações
Unidas (entre tropas, observadores civis e militares), de cerca de 120 países.
14
Juntas, todas as operações levadas a cabo pela ONU até Junho de 2007
constituíram um orçamento de mais de 47 bilhões de dólares. O maior número de
operações de paz – 47 – ocorreu no pós-Guerra Fria, principalmente na África , Ásia
e Oriente Médio, mas também na América Central e Europa. Existem, no momento,
17 operações ocorrendo sob os auspícios da ONU pelo mundo2.
As operações de paz são controladas essencialmente por um mandato, que é
autorizado pelo Conselho de Segurança (CS) da Organização. É ele o responsável
por avaliar se ações por parte dos Estados-membros constituem uma violação e
uma ameaça à paz e segurança internacionais. Se assim for, pode então elaborar
resoluções com base nos artigos da Carta da ONU que autorizem o uso das Forças
de Paz.
Dessa maneira, a base legal do sistema de segurança coletiva da ONU pode
ser encontrada nos capítulos VI e VII de sua Carta. O capítulo VI refere-se à
resolução pacífica de conflitos, ou seja, casos onde haja alguma ameaça potencial à
paz. Nesses casos, as decisões do CS com respeito a este tipo de ameaça possuem
caráter recomendatório e as operações de paz levadas a cabo sob este capítulo
podem usar a força somente para a autodefesa da operação. Qualquer extensão
desta permissão deve levar em conta o consentimento das partes envolvidas no
conflito.
Já o capítulo VII da Carta discorre sobre os casos em que o CS pode
autorizar o uso da força armada na resolução de conflitos que interfiram na paz
internacional. Por meio do capítulo VII, o CS toma decisões coercitivas, ou seja, não
leva em conta o consentimento das partes envolvidas no conflito. Portanto, uma
operação sob o capítulo VII, diferente do capítulo VI, pode usar a força para além da
autodefesa, em especial, para “implementar” a paz (peace enforcement).
No entanto, segundo FINDLAY (2002), muitas vezes os acontecimentos em
terra assumem desdobramentos diferentes dos previstos. Nesses casos, o Conselho
de Segurança vê-se obrigado a estender o mandato das operações de paz, para
além do Capítulo VI, autorizando, dessa forma, o uso da força, o qual encontra-se
arrolado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
2 Dados do site do Departamento de Operações de Paz: Background note. Department of Peacekeeping Operations . http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/bnote.htm. Acesso em Outubro de 2007.
15
Pode se observar, também, que o Conselho de Segurança, em diversas
resoluções que envolvem o uso da força, não costuma especificar o grau em que a
força deve ser empregada (se somente para autodefesa, ou para além disto),
buscando sempre utilizar-se do termo “use all necessary means”3 para cumprir o
mandato – que estabelece o limite para as ações da operação. De modo geral,
contudo, desde o fim da Guerra Fria, é costume do Conselho de Segurança
autorizar operações de paz sob o capítulo VII.
As operações de paz dentro das Nações Unidas evoluíram, acompanhando a
própria mudança no tipo de conflitos que o mundo enfrentava.
Durante a Guerra Fria, as operações de paz tinham como objetivo primário o
controle e resolução de conflitos armados entre partes hostis (os Estados). No
entanto, a natureza ideológica da época, com o enfrentamento Leste x Oeste,
solapou várias iniciativas deste tipo no período. Isto se deve ao fato de tanto os EUA
como a URSS, à época, valerem-se da prerrogativa do veto, dentro do Conselho de
Segurança, para determinar as ações do organismo em áreas de conflito.
O novo parâmetro dos conflitos armados na década de 90 mostra que, cada
vez mais, os conflitos seriam travados dentro de Estados e não mais entre Estados.
A década de 90 viu surgir um grande número de conflitos, resultantes de tensões
étnicas, da atuação de grupos armados interessados em desestabilizar governos
nacionais e também devido ao grande número de refugiados de guerra que tornaram
certas regiões sensíveis a conflitos.
Em 1992, a ONU criou o Departamento de Operações de Manutenção de Paz
– DPKO (Department of Peacekeeping Operations).
Segundo o site do departamento, este foi constituído para
Assistir aos Estados-membros e ao Secretário-Geral em todos os seus esforços para manter a paz e a segurança internacionais. A missão do departamento é planejar, preparar, gerenciar e dirigir operações de paz da ONU, a fim de que elas possam preencher efetivamente seus mandatos sob a autoridade principal do Conselho de Segurança e da Assembléia-Geral, e sob o comando concedido ao Secretário-Geral.4 (DPKO, 2007).(tradução nossa).
3 Usar todos os meios necessários. FINDLAY, 2002, pág. 8.
4 Tradução livre feita pelo autor do trecho “assisting the Member States and the Secretary-General in their efforts to maintain international peace and security. The Department's mission is to plan, prepare, manage and direct UN peacekeeping operations, so that they can effectively fulfil their mandates under the overall authority of the Security Council and General Assembly, and under the command vested in the Secretary-General” .4(DPKO, 2007).
16
Embora cada operação de paz possua um conjunto de tarefas que devem ser
cumpridas, todas elas compartilham de objetivos comuns – aliviar o sofrimento
humano e criar condições para a construção de instituições para a auto-sustentação
da paz.
Ainda, de acordo com o DPKO, “the substantial presence of a peacekeeping
operation on the ground contributes to this aim by introducing the UN as a third party
with a direct impact on the political process.”5 (2007).
A criação deste departamento foi vislumbrada pelo então Secretário-Geral da
ONU, Boutrous-Ghali, o qual, em sua Agenda para a Paz, discorre sobre a
necessidade de se ajustar o organismo às novas tendências de conflitos pelo
mundo.
Nos anos 1990, com o “descongelamento” das tensões artificialmente
impostas pela Guerra Fria, o mundo observou uma queda no número de conflitos
praticados entre Estados soberanos, acompanhado por aumento na quantidade de
conflitos dentro dos Estados, onde, em geral, o próprio Estado é o agente
perturbador da paz.
A ocorrência deste tipo de conflito naquela época suscitou debates sobre
como prover segurança para as pessoas que se encontravam nestas condições. No
escopo da ONU, viu-se, a partir de 1999, um gradativo aumento de interesse no
tema da segurança humana. Este paradigma mudaria o foco da segurança para não
somente tratar de questões de soberania e território do Estado, mas sim levar em
conta o ser humano, e quais as ameaças que se fazem presentes para o seu
desenvolvimento, em determinado local.
O então Secretário-Geral da ONU, Boutrous-Boutros Ghali, em sua Agenda
para a Paz, faz referência ao termo e chama os Estados-parte da organização a
aproveitarem as novas oportunidades trazidas para as relações internacionais no
pós Guerra Fria.6 Ele destaca o destrancamento do Conselho de Segurança, com a
5 Tradução livre do autor: A presença substancial de uma operação de paz no território contribui para este objetivo, introduzindo a ONU como uma terceira parte [no conflito], com impacto direto no processo político.
6 Estas novas oportunidades teriam resultado do fim do congelamento das relações internacionais ocasionado pelo conflito leste x oeste.
17
diminuição do uso do veto7 pelas duas superpotências, e a necessidade de se dar
maior ênfase ao trabalho das Operações de Paz das Nações Unidas na prevenção
de conflitos armados.
Neste sentido, o que se pretende nas seguintes páginas é trazer maior luz à
questão das Operações de Paz, sua concepção e características, para que se tenha
um entendimento mais claro sobre este tipo de mecanismo dentro do sistema ONU.
Isto é importante, na medida em que o objeto deste estudo é a análise da MONUC –
Mission de Obsevations Nations Unies au Congo – a qual ainda possui um
antecedente na recente história do país africano, a ONUC, empreendida logo após a
independência do país, em 1960.
Neste capítulo, pretende-se analisar, primeiramente, os tipos de operações de
paz existentes, suas configurações e evolução no tempo. Em seguida, estudar-se-ão
as organizações internacionais, com foco na ONU, e o
Por fim, ainda caberá uma análise da mudança das operações de paz da
ONU no pós Guerra-Fria e como a Segurança Humana se inseriu nesta nova ordem
mundial.
1.1 Tipos de Missões de Paz
Como mencionado anteriormente, uma das formas mais conhecidas de
atuação da ONU é por meio do estabelecimento de operações de paz. Tais
operações – ou missões, como são usualmente conhecidas – possuem como
objetivo principal regular e administrar situações conflituosas, que desestabilizam, de
alguma forma, a dinâmica do sistema internacional.
Dessa forma, as operações de manutenção da paz são, conforme CARDOSO
(1998) “instrumento[s] ou técnica[s] [utilizadas] para controle e administração de
conflitos por terceiros”.
O tipo mais comum de missão é a chamada Peacekeeping Operation
(Operação de Manutenção da Paz). Assim, ainda de acordo com CARDOSO 7 A prerrogativa de veto, na verdade, foi imprescindível para que a ONU não se tornasse uma organização vazia, como ocorrera com a Liga das Nações. O uso do veto permitiu às potências mundiais participar da Organização, com a segurança de manter o status-quo.
18
(1998), as operações de manutenção da paz (“peacekeeping operations”) dizem
respeito à
prevenção, a contenção, a moderação e o término de hostilidades entre Estados ou no interior de Estados, pela intervenção pacífica de terceiros, organizada e dirigida internacionalmente, com o emprego de forças multinacionais de soldados, policiais e civis, para restaurar e manter a paz”. (1998, p. 17).
Cabe aqui mencionar as normas ou elementos fundamentais que
caracterizam este tipo de operação. Estes seriam, em suma, uma presença militar
ou quase militar internacional, o consentimento expresso do país anfitrião, o uso
limitado da força para se alcançar os objetivos, e a tentativa de criar condições e
ambiente favoráveis para a solução pacífica do conflito. (CARDOSO, 1998, p. 18).
No que se refere à presença de tropas internacionais no país anfitrião, cabe
destacar que, “na verdade, ainda que [...] [com] disposição pacífica, a presença da
força de paz ou de missão de observação multinacional exigirá, por exemplo,
exceções de jurisdição que terão por contrapartida necessárias concessões no
exercício da soberania [daquele país].” (CARDOSO, 1998, p. 20).
Ainda, segundo o mesmo autor, o uso da força neste tipo de operação deveria
de ser, em situações extremas, restrito à autodefesa. No entanto, as operações mais
recentes, em que o mandato passou a incluir a proteção humanitária, o uso da força
foi formatado de maneira que, inicialmente, fosse dada ênfase na tentativa de
remoção e redução dos obstáculos para a consecução do mandato. Além disso,
para que se obtenha sucesso nesse tipo de operação, os imperativos da
neutralidade e imparcialidade são essenciais, tanto nos conflitos entre Estados
quanto nos conflitos internos.
É importante notar que os termos imparcialidade e neutralidade, por vezes
usados indistinta ou alternativamente, não são equivalentes. Imparcialidade significa
respeitar as partes envolvidas e não demonstrar interesse na vitória de algum sujeito
em especial, buscando sempre a confiança dos envolvidos no conflito. (FINDLAY,
2002). Já a neutralidade exige que seja dispensando igual tratamento às partes –
independente de como se julgue a conduta das mesmas. Ou seja, a neutralidade
dos peacekeepers implica que estes não tomem partido de nenhum dos grupos
adversários.
19
O princípio da neutralidade política das forças de paz está também
relacionado à própria identidade da ONU como uma organização imparcial, criada e
composta por Estados. A Carta das Nações Unidas, ao consagrar o princípio da
igualdade soberana entre seus membros e da não-intervenção nos assuntos
domésticos dos mesmos, dá o tom da organização, provendo as bases sob as quais
a sua identidade é constituída. Portanto, a imparcialidade se coloca como um dos
seus atributos e pressupostos para que esta possa alcançar os seus objetivos. Tal
princípio é reforçado pelo art. 100 da Carta, que veda ao Secretário-Geral e seu
pessoal buscar ou receber instruções de qualquer governo ou outra autoridade
externa às Nações Unidas. Em contrapartida, conforme o mesmo artigo, cada
Estado-membro da organização deve respeitar o caráter exclusivamente
internacional das responsabilidades dos funcionários do Secretariado e não tentar
influenciá-los no desempenho de suas funções.
As operações de peacekeeping evoluíram em sua forma de atuação ao longo
dos anos e, hoje, existe uma clara distinção entre as operações de paz tradicionais e
aquelas levadas a cabo após a Guerra Fria, que se constituirão, por natureza, como
multidimensionais. Isto será abordado mais adiante, quando da análise da MONUC
(Mission de Obsevations Nations Unies au Congo), e de sua precursora, a ONUC
(Opération des Nations Unies au Congo).
É importante destacar, neste momento, que a ONUC foi uma operação
especial, uma vez que apresentou elementos que são encontrados, mais tarde, nas
operações ditas multidimensionais. Isto se deveu, principalmente, pelos desafios que
a operação enfrentou na República Democrática do Congo (RDC) para realizar seu
mandato. A ONUC deparou-se com problemas de guerra civil e esfacelamento do
aparto estatal, os quais minaram sua capacidade de atuação. A ONU vir-se-ia, mais
tarde, obrigada a retirar-se deste tipo de operação por certo tempo. Segundo
CARDOSO (1998), a ressaca do Congo é apontada como uma das razões para a
redução observada nas atividades de operações de paz das Nações Unidas do
princípio dos anos 70 até 1988. De qualquer maneira, esta operação demonstrou
seu caráter precursor e uma antecipação de, pelo menos, 30 anos, na forma de
condução das operações de paz com ingredientes de uso da força contemplados no
capítulo VII da Carta.
No âmbito da ONU, observam-se diferentes tipos de missões de paz. Além
das operações de manutenção de paz (peacekeeping operations), apresentadas
20
acima, destacam-se também as missões de verificação dos fatos (fact-finding). Estas
têm sua realização determinada pela Assembléia-Geral, ou pelo Secretário-Geral e
definem-se como
qualquer atividade destinada a obter conhecimento aprofundado dos fatos relevantes em uma disputa ou situação de que os órgãos competentes das Nações Unidas necessitem para melhor exercerem suas funções em relação à manutenção da paz e da segurança internacionais.(CARDOSO, 1998, p.48).
Existem ainda as missões para a promoção da paz (peacemaking operations).
Elas se diferenciam das operações de manutenção da paz por não apresentarem
caráter militar. Segundo a Carta da ONU, as peacemaking operations ensejam
atividades diplomáticas, (negociação, questionamentos, mediação, conciliação,
arbitragem, acordos judiciais ou utilizar-se de agências regionais e arranjos, ou
outros meios pacíficos de sua escolha), conduzidas com pleno respeito pela
soberania dos Estados membros e de acordo com a Carta das Nações Unidas
(Capítulo VI). Constituem-se, assim, importantes mecanismos para a prevenção,
contenção e solução das disputas e para a manutenção da paz e segurança
internacionais. (CARDOSO, p. 49).
Um outro tipo de missão de paz é a chamada peace enforcement, que difere
dos demais tipos de missão, por induzir uma ou mais partes a aderir a um acordo de
paz. Desse modo, ele tem seu escopo estendido ao Capítulo VII da Carta da ONU,
configurando-se uma intervenção militar para além da autodefesa da Operação.
(Ex.: Guerra da Coréia e Guerra do Golfo – 1990).
Têm-se, ainda as operações de construção da paz (peace-building). O
objetivo principal deste tipo de operação é sua atuação na fase pós-conflito, visando
impedir a recorrência do mesmo. A construção da paz, dessa forma, estaria
alicerçada na execução de projetos que favorecessem a cooperação entre as partes
no conflito e atendessem às demandas por um desenvolvimento econômico e social
sustentáveis.
É comum observar-se o estabelecimento de atividades de peace-building e
peacekeeping concomitantemente, onde os civis têm seu trabalho direcionado para
o peace-building, enquanto que os militares da ONU encarregam-se do
peacekeeping.
21
O ex-secretário-geral Boutros Boutros-Ghali referiu-se ao peace-building em
sua Agenda para a Paz, onde lançou luz sobre as causas mais profundas dos
conflitos, tais como o desespero econômico, a injustiça social e a opressão política.
Tais objetivos vêm ao encontro do termo Segurança Humana, que será analisado
mais adiante.
Por fim, cabe destacar ainda as missões de observação. Estas têm como
objetivo primário auxiliar as partes do conflito no cumprimento de acordos de paz e
assegurar, por exemplo, o cessar-fogo entre as partes. Contam, para isso, com
funcionários da ONU no local do conflito, tanto civis como militares, para o
desempenho dessas funções. As missões de observação, como o próprio nome diz,
verificam o comportamento das partes envolvidas no conflito, inclusive da própria
ONU. A MONUC foi, nas suas primeiras etapas, uma missão de observação, tendo
seu mandato estendido para admitir outras atividades, devido à complexidade da
crise no país.
Pode-se empreender desta análise que estes tipos de missões de paz lidam
com diferentes formas de conflitos e referem-se a maneiras próprias de se tratar a
instabilidade do sistema internacional e prevenção da paz. Tais operações agem de
forma a solucionar conflitos armados e suas conseqüências. A ONU, como
organismo internacional, teve de se adaptar a estes novos parâmetros das relações
internacionais.
Uma vez que este trabalho enfoca organismos internacionais responsáveis pela regulação do sistema internacional e, tendo-se a ONU como o objeto principal deste estudo, deve-se lançar um olhar mais aprofundado sobre as origens deste tipo de organização, suas características e evolução dentro dos estudos de relações internacionais.
1.2 Organizações Internacionais e o Ambiente Inter nacional
As missões de paz, como mecanismo de regulação e administração de
conflitos entre (e intra) Estados, passaram a incorporar a face mais visível das
Nações Unidas no mundo. Elas, no entanto, nada mais são que o resultado de
sucessivos esforços dos Estados em busca de um sistema de segurança coletivo
que pudesse responder às ameaças à paz e segurança internacionais.
22
O sistema internacional que emergira da II Guerra Mundial possuía todas as
características de um sistema anárquico8, onde os atores principais – os Estados –
encontravam-se desgastados e temiam que uma maior volatilidade no sistema
pudesse impactar na recorrência da guerra. Ao fim da II Guerra, o cenário era
extremamente obscuro – existia um sistema internacional instável, que trazia
consigo a emergência de duas superpotências e o início do processo de
descolonização de um continente inteiro pelos Estados da Europa.
Assim, os Estados voltaram seus esforços para a criação de um organismo
universal, que conjugasse os compromissos dos Estados nacionais para evitar e
suprimir a agressão de um Estado contra o outro. Os debates em torno da
concepção desta organização internacional acompanharam a fundação de uma nova
ordem mundial, fundada numa forte interdependência entre os Estados e num
aumento das relações comerciais internacionais.
A Organização das Nações Unidas foi o resultado dos debates das potências
mundiais, em Dumbarton Oaks, em 1944, onde procurou-se estabelecer um sistema
que garantisse a paz no mundo. Tal organização deveria se basear no princípio da
igualdade entre Estados soberanos e a promoção da paz – através da cooperação
internacional.
A ONU buscou antecedentes para a criação de um mecanismo de segurança
coletivo na antiga Liga das Nações, que, no entanto, não adquiriu força institucional
e representatividade suficiente para manter-se como organização mundial de
Estados. A Carta das Nações Unidas, onde constam os princípios pelos quais o
organismo e os Estados atrelados a ele deverão se guiar é o marco institucional da
formatação de uma ordem jurídica para o mundo naquela época. Segundo HERZ, a
ONU representa o ápice do processo de institucionalização dos mecanismos de
estabilização do sistema internacional. (2004, p. 37).
A ONU é composta por seis órgãos principais: o Conselho de Segurança, a
Assembléia Geral, o ECOSOC (Conselho Econômico e Social), o Conselho de
Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado.
8 Segundo ARON, no sistema internacional anterior à guerra, o dado inicial fora a vontade dos Estados insatisfeitos de alterar o status quo.”(ARON, Raymond, Paz e Guerra entre as Nações. 2ed. Editora da Universidade de Brasília. pág. 179.).
23
No que compete este trabalho, analisar-se-á o trabalho do Conselho de
Segurança (CS), por se tratar do organismo responsável pela administração da
segurança internacional. Este órgão é composto por 5 membros permanentes –
EUA, Inglaterra, França, China e Rússia –, os quais detêm poder de veto nas
decisões discutidas. A questão do veto dentro do Conselho de Segurança é um
tema bastante controverso, porque contradiz o princípio de igualdade entre Estados
dentro da ONU, no entanto, ele foi fundamental para a sobrevivência da
Organização, na medida em que garantia às duas grandes potências, em 1945,
(EUA e URSS) uma certa proteção à sua autonomia.
A base legal do sistema de segurança coletiva dentro da ONU encontra-se no
Capítulo VII da Carta, o qual estabelece que ameaças à paz e à segurança
internacionais devem ser tratadas pelo Conselho de Segurança.(HERZ, 2004). O
mesmo capítulo discorre sobre o uso da força em conflitos internacionais.
Durante a Guerra Fria, observou-se o “congelamento” do sistema de
segurança coletivo, devido ao recurso do veto das potências no CS. A ONU
vislumbrava, na sua concepção, uma Força Internacional das Nações Unidas, que
tivesse autonomia para atuar nos conflitos do mundo. As missões de paz da ONU,
nesse sentido, resultaram do insucesso de se implementar este tipo de aparelho,
traduzindo-se numa verdadeira “evolução” do conceito de segurança coletiva do
Organismo.
A estabilidade do sistema, durante o conflito Leste x Oeste, deveu-se à
bipolaridade gerada pelos EUA e URSS e por um sistema de zonas de influência
que acompanhou a criação de organismos de segurança internacionais distintos – a
OTAN e o Pacto de Varsóvia – como forma de garantir a proteção dos respectivos
blocos de poder.
Apesar da inação do Conselho de Segurança durante a Guerra Fria, a ONU
manteve-se como organismo regulatório internacional e atuou por meio de suas
agências especializadas. Com o fim do conflito entre os dois blocos, viu-se uma
intensificação do processo de globalização e um conseqüente aumento na
interdependência entre os Estados e sociedades, de forma que o ideário ocidental
registrado na Carta da ONU – democracia, direitos humanos e economia de
mercado - se espalhasse pelo mundo.
24
No que se refere à segurança internacional, a queda do muro de Berlim, em
1989, acompanhou uma mudança significativa na natureza dos conflitos pelo
mundo. O “degelo” das tensões contidas na bipolaridade deixou exposta uma série
de áreas de conflito em potencial, tanto na Europa como na Ásia e África. Esta
mudança nos padrões dos conflitos internacionais será abordada mais adiante,
ainda neste capítulo.
Na próxima etapa deste trabalho, será tratado o tema das organizações
internacionais do ponto-de-vista de sua origem, raiz teórica e características
principais.
1.2.1 Organizações Internacionais e o Neoliberalismo Institucional
Este trabalho está assentado na análise de aspectos relacionados com a
organização das Nações Unidas, uma vez que se entende que este é o órgão de
principal atuação no sistema internacional no tocante à questão da paz e segurança
internacional. Por este motivo, faz-se igualmente necessária a análise da teoria
neoliberal institucional, uma vez que nela encontram-se as premissas básicas que
explicam o enquadramento das organizações internacionais na teoria de relações
internacionais.
Nas palavras de SEITENFUS (2005), são os Estados os criadores das
organizações internacionais, cujo nascimento expressa uma vontade estatal coletiva,
portanto de caráter internacional. Esta vontade nada mais é do que o encontro dos
interesses e aspirações da comunidade de Estados que compõem a organização.
Assim, as organizações internacionais (OIGs), nada mais são que
uma associação voluntária entre Estados, constituída através de um Tratado que prevê um aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta dos Estados que a compõem, com o objetivo de buscar interesses comuns, através da cooperação entre seus membros. (SEITENFUS, 2005)
Uma organização internacional interestatal possui elementos básicos, que a
constituem como ator importante, legítimo e representativo no cenário internacional.
25
Um dos elementos que fornecem tais características é o Tratado. Ele é peça-chave
na concepção deste tipo de organização e regula direitos e obrigações das partes
que a ele aderem. A forma de acesso às organizações – feito de forma voluntária –
expressa mais uma das características deste tipo de organização.
Além disso, as OIGs representam uma vontade mútua de se buscar objetivos
comuns entre os Estados-membros. A cooperação interestatal proveniente deste
pressuposto é operacionalizada através de duas maneiras: ou se busca uma
aproximação entre os Estados desta organização, imprimindo nova dinâmica e
maneiras de entendimento e diplomacia no seu relacionamento, ou deixa-se a
estrutura da sociedade internacional intacta.
Para fins deste estudo, entende-se que organizações internacionais
assumem, portanto, um caráter inter-estatal, e encontram seu expoente na criação
da Organização das Nações Unidas, em 1945.
Cabe destacar que, a partir de 1944, observa-se o surgimento de um grande
número de organismos especializados, criados a partir dos Acordos de Bretton
Woods, em 1944, e que foram incorporadas ao sistema ONU. Bretton Woods (BW)
foi o marco da criação de um sistema interdependente no mundo, calcado na
atuação de instituições internacionais responsáveis por corrigir os desníveis de
desenvolvimento dos membros da organização universal. As instituições de BW
representam, ainda, a dominação institucional da nova potência emergente no
mundo.
Segundo a Carta da ONU, estas instituições foram “criadas por acordos
intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em
seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional,
sanitário e conexos”. (SEITENFUS, 2005, p. 181). Entre as mais conhecidas, pode-
se citar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional.
A cooperação funcional, que é reflexo da atuação destes organismos, pode
ser vista não apenas como um facilitador para a solução de assimetrias nas relações
internacionais, mas como uma condição para a própria manutenção da paz.
De acordo com HERZ (2005), entre o final da II Guerra Mundial e meados da
década de 1970, o número e as atividades das organizações funcionais do sistema
26
ONU cresceram significativamente. Isto ocorreu em detrimento do “congelamento”
do processo decisório no Conselho de Segurança, devido à tensão bipolar (p. 137).
A proliferação destes organismos pelo mundo refletiu numa maior
interdependência entre os Estados e demais atores do sistema internacional. Esta
constatação é mais bem observada nos estudos do neoliberalismo institucional, de
Robert Keohane, que defende uma forma de regularização do sistema internacional
com base na interdependência entre os Estados. Segundo o autor,
A interdependência restringe a capacidade dos governos de controlar os eventos que os interessam. Uma resposta a esses dilemas é a busca da reafirmação da soberania estatal por meio de decisões unilaterais. Uma outra, é formar instituições multilaterais ou aderir a elas, nas quais os governos cooperam para melhorar sua capacidade de lidar com um conjunto de problemas. (KEOHANE, 1992).
Dessa forma, o aumento na intensidade das trocas comerciais faria com que
os Estados optassem por ambientes regulatórios comuns, os quais imporiam regras
e práticas, de modo a moderar o dilema da segurança entre Estados. (KEOHANE,
1992).
Keohane e seu colega, Joseph Nye, partem da mesma premissa que os
neoliberais, a qual diz que o comércio é inibidor das guerras, ao fortalecer a
interdependência entre os Estados.
Os neoliberais institucionais diferem-se dos neorealistas quanto à atuação
dos Estados no sistema internacional. Para estes, a estrutura do sistema – ou seja,
a anarquia – é determinante do comportamento e das escolhas de política externa
dos Estados. A ação dos Estados é medida em função de seu interesse em termos
de poder. A teoria neorealista não descarta a ação das instituições internacionais, no
entanto, ela afirma que a efetividade destas depende do suporte das principais
potências mundiais. A cooperação, neste sentido, sofreria restrições quanto ao
poder e influência que os estados usam numa negociação.
Já para os neoliberais institucionais, como Nye, a cooperação entre Estados
só falha quando os Estados não aderem às regras acordadas ou trapaceiam, a fim
27
de garantir seus interesses nacionais. Os neoliberais acreditam que, por se ter um
sistema internacional anárquico, isto exige que os estados busquem uma
cooperação, uma vez que não se pode mais forçar regras ou estabelecer uma
ordem única ao sistema. O caminho para a paz e a prosperidade seria, então,
alcançado pela criação de comunidades integradas, onde os países declinariam de
parte de suas soberanias, em benefício do crescimento econômico ou da solução de
problemas de interesse comum.
em geral, os governos reduzem sua própria liberdade de ação somente em contrapartida a limitações similares na liberdade de ação de outros. Eles sacrificarão a soberania operacional – liberdade legal de ação – para assegurar mudanças nas políticas de outros, ou para influenciar essas políticas, pelo menos na medida em que atores governamentais ou não governamentais fora de sua própria jurisdição controlam recursos que lhes interessam. (KEOHANE, 1992, p. 182).
A nova realidade imposta pela globalização, determinou que os atores não
mais poderiam agir individualmente. Os desafios que surgiram na nova era das
relações internacionais, com a acentuação dos conflitos de base étnica, a
proliferação de armas nucleares, o temor do terrorismo e os efeitos maléficos do
narcotráfico suscitaram uma nova forma de organização, a qual almeja a
cooperação para se tratar de problemas que repercutem no sistema como um todo.
A fim de se obter respostas eficazes e bem-sucedidas, faz-se necessário a
criação de regimes globais ou regionais, que promovam a cooperação e coordenem
políticas coletivas de combate a essas ameaças.
Segundo HERZ e HOFFMANN (2004), regimes internacionais são arranjos
que os Estados constroem para reger as relações entre os mesmos em uma área
específica, como o regime de comércio, os regimes de controle de armas, o regime
entre outros.
Assim, regimes definem-se como “um conjunto de princípios, normas, regras
e procedimentos decisórios em torno dos quais as expectativas dos atores
convergem em uma área temática. (KRASNER in HERZ e HOFFMANN, p. 20).
28
Em diversos casos, os regimes dão origem a organizações internacionais,
resultado de normas e expectativas comuns. Um dos exemplos mais conhecidos
disso é a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Assim, ecoando as palavras de SEITENFUS (2005), as OIGs são os
principais vetores de um processo que torna as relações internacionais cada vez
mais jurídicas e menos políticas.
Pode-se entender que os Estados que haviam recentemente saído da guerra
estavam dispostos a ceder parte de sua soberania e atuar em conjunto na regulação
e estabilização do sistema internacional. Tal objetivo seria cumprido a partir da
formação das Operações de Paz da ONU, que nada mais foram do que a evolução
do mecanismo de segurança coletivo – ou seja, o meio encontrado para impedir que
conflitos se proliferassem pelo mundo.
A seguir, estudar-se-á como as Operações de Paz evoluíram em seu escopo,
tendo de fazer frente às novas características dos conflitos pós-1990. Após, será
abordado, de forma sucinta, a questão do controle de armas e sua relação com o
desenvolvimento, a partir da incorporação de mecanismos de desarmamento nas
operações de paz. Atenção sobre esses assuntos é imprescindível para que se
possa entender melhor a questão do desarmamento na ação da ONU na RDC.
1.3 As Missões de Paz no Pós-Guerra Fria
Como já mencionado, durante a Guerra Fria, as operações de paz da ONU
sofreram limitações devido ao uso do veto pelas potências no CS. Contudo, a partir
de 19889, observa-se um aumento significativo no número de operações,
acompanhado de uma mudança substancial na configuração dos conflitos no
mundo.
9 Em 1988, a ONU lançou a Operação UNAVEM I, em Angola. A partir daí, observa-se um expressivo aumento no número de operações de paz sob a égide do organismo universal.
29
As mudanças que vinham ocorrendo a partir da década de 70, impulsionadas
pela Revolução Técnico-científica, imprimiram nova dinâmica para as relações
internacionais. O mundo experimentava uma forte interdependência entre os
Estados, resultado da existência de uma ampla rede de organismos internacionais
preocupados com a cooperação estatal.
Por outro lado, houve também um aprofundamento de crises relacionadas
com questões humanitárias, étnicas, guerra civil e terrorismo. Ainda, atividades
ilícitas como narcotráfico e contrabando de órgãos e seres humanos passaram a
incorporar esta nova face dos conflitos internacionais.
A nova fórmula dos conflitos indicava que estes aconteciam cada vez mais
dentro das fronteiras de um Estado.
Anteriormente, as operações ditas tradicionais limitavam-se a fazer uso de
contingentes militares para monitorar, supervisionar e verificar o atendimento do
cessar-fogo, retirada de forças beligerantes externas e criação de zonas-tampão nos
locais dos conflitos. As missões tradicionais dependiam da existência de um acordo
político entre as partes do conflito e existia a imparcialidade com relação às partes.
Estas operações dependiam do consentimento das partes e estavam subscritas pelo
Capítulo VI da Carta, ou seja, relacionadas com a resolução pacífica de disputas.
A realidade dos conflitos do pós Guerra Fria, suscitou uma remodelagem dos
conceitos e das práticas da ONU no que se refere às operações de paz.
Os conflitos na década de 90 não apresentavam os mesmos ingredientes de
outrora: as novas tendências de conflitos apontam para casos em que não se
observa a existência de um governo legítimo para a aprovação de uma operação, ou
então quando a crise ameaça direitos humanos e deve ser resolvida prontamente.
Estes problemas se fazem presentes, nessa época, nas zonas mais deterioradas do
globo como a África, os Bálcãs, o Oriente Próximo e a Ásia.
Com relação aos Estados africanos especificamente, estes emergiram do
conflito político-ideológico claramente fragilizados, apresentando estruturas políticas
fracas, quando não inexistentes.
De acordo com ZARTMAN in SCHABEL e THAKUR (2001),
(...) refere-se a uma situação em que a estrutura, autoridade (poder legítimo), lei e ordem política sucumbiram e precisam ser reconstituídas de alguma maneira, velha ou nova...não é necessariamente anarquia. Nem simplesmente um subproduto da ascensão do nacionalismo étnico: é o
30
colapso de velhas ordens, notadamente, do Estado. (p. 217).10. (tradução nossa).
Estes desafios serviram para distinguir os diferentes tipos de atuação que as
operações de paz tiveram a partir da década de 1990. Interessa não somente
suprimir a violência, mas também enfrentar os outros problemas que colaboram na
deterioração de um conflito, como a falta de confiança nas instituições, cerceamento
das liberdades individuais, fome, proliferação de armas, desmantelamento de
exércitos e reintegração de ex-combatentes, entre outros. O objetivo principal é criar
as condições para que a paz seja duradoura. Assim, as novas operações buscam o
estabelecimento de regimes democráticos, a promoção da sociedade civil e a
fundação das bases para o desenvolvimento econômico sustentável.
Nestas novas operações, a imparcialidade foi redefinida como objetividade
em face do mandato, abandonando-se a representatividade ampla das forças11, bem
como o princípio de que membros permanentes do Conselho ou países da região do
conflito não deveriam contribuir para as operações com tropas. As atividades da
ONU passaram a englobar a reestruturação de polícias, a organização de eleições,
retirada de minas, assistências humanitária, monitoramento dos direitos humanos.
É importante levar em conta tais características, uma vez que elas
contextualizam o conflito na República Democrática do Congo no final da década de
90. A ausência de governos centrais legítimos e o colapso do estado resultam,
ademais, no aparecimento de atores dentro dos Estados, que não se submetem às
leis internacionais. Uma explicação mais clara sobre este assunto será trazida
quando examinarmos a África sob o ponto de vista das relações internacionais, no
capítulo II.
Ainda, com relação à nova era de operações de paz da ONU, encontra-se a
seguinte afirmação:
Elas são complexas e multidimensionais: são incumbidas de criar instituições políticas e sociais viáveis, reconstruir infra-estruturas sociais e
10 Tradução livre do autor: “(…) it refers to a situation where the structure, authority (legitimate power), law, and political order have fallen apart and must be reconstituted in some form, old or new… It is not necessarily anarchy. Nor is it simply a byproduct of the rise of ethnic nationalism: it is the collapse of old orders, notably the state.”
11 Ou seja, não se fazia mais necessário o consentimento das partes envolvidas no conflito para a aprovação da operação de paz.
31
econômicas básicas, fortalecer o respeito à lei, bem como proteger os direitos humanos e desmobilizar ex-combatentes e reintegrá-los à sociedade12. (INIS, 2006). (tradução nossa).
A redefinição dos objetos das ameaças nos conflitos e a ampliação da
definição de ameaças à paz e segurança internacional trouxeram o indivíduo para o
centro das discussões. No próximo item, será analisado, de forma breve, a questão
do desarmamento e como este se insere dentro deste novo conceito de segurança,
com foco nos indivíduos. Ao fim deste item, será tratado ainda do mecanismo de
desarmamento dentro das operações de paz.
1.4 O Desarmamento nas Operações de Paz
A desintegração do conflito Leste x Oeste abriu as portas para um novo tipo
de conflito no mundo, este ligado mais à atuação de atores não-estatais, agindo
dentro das fronteiras dos Estados. Além disso, desmantelamento dos arsenais das
superpotências, resultou numa proliferação do fluxo de armas pelo mundo. Isto se
configurou num problema de escala global, que suscitou novas articulações com
relação ao combate às fontes de insegurança e promoção do desenvolvimento em
regiões deprimidas.
O primeiro ponto a se analisar é o aumento dos gastos com recursos
militares, observado a partir da década de 90. Segundo JOLLY (2004), o gasto
mundial com materiais bélicos tem aumentado nos últimos seis anos, com tendência
de aumento. Isto começou a partir de 1998, e acelerou abruptamente em 2002, com
um aumento de 6% em termos reais, para quase 800 bilhões de dólares.
A Guerra do Iraque também veio a contribuir ainda mais para estas
estatísticas. Em 2003, durante a Conferência da Comissão da ONU para o
12 Tradução livre do autor: “They are complex and multidimensional: they are mandated the tasks of creating a viable political and social institutions, rebuilding basic social and economic infrastructures, strengthening the rule of law as well as protecting human rights, and demobilizing former combatants and reintegrating them into society.”
32
Desarmamento, constatou-se que os gastos mundiais com recursos militares
passariam da marca de 1 trilhão, em 2003.
O segundo ponto a ser observado é a mudança na natureza da insegurança.
As ameaças tradicionais à segurança envolviam, geralmente, uma questão entre
Estados. Hoje, os problemas relacionados com segurança envolvem, muitas vezes,
atores não-estatais, agindo dentro da fronteira dos Estados. Nestes casos, observa-
se que a instabilidade originada por essas crises atingem diretamente a parcela da
população mais vulnerável.
De acordo com ONU (2003), o número de conflitos aumentou na década de
90. Entre 1990 e 2001, aconteceram 57 conflitos armados em 45 países. Em 2001,
observou-se 24 conflitos armados, a maioria destes no continente africano. A
conseqüência desses conflitos internos foi a devastação e colapso de Estados
inteiros, ou de suas instituições políticas, além da grande proporção de civis mortos.
Assim, nos anos 1990, viu-se o aparecimento, dentro da ONU, de novas
definições para o desenvolvimento ligadas não mais somente à segurança nacional,
mas também à busca do crescimento econômico e à promoção da segurança
humana.
A segurança nacional dos Estados permanece importante, mas, num mundo
onde as guerras entre Estados tornaram-se raras exceções, e onde cada vez mais
pessoas são mortas por seus próprios governos, o conceito de segurança humana
passou a receber maior reconhecimento.
Segundo ONU (2003), segurança humana não substitui a segurança do
Estado pela segurança das pessoas. Na realidade, a segurança entre Estados é
uma condição necessária para a segurança das pessoas. No entanto, a segurança
nacional mostra-se insuficiente para garantir a segurança das pessoas. Além disso,
há vários casos em que os cidadãos dos Estados são vítimas do poder arbitrário do
Estado.
O que se pode perceber através destas conferências da ONU é que o debate
sobre o desenvolvimento tomou um novo rumo e envolveu novos conceitos,
englobando desenvolvimento humano e desenvolvimento sustentável em torno de
um único conceito..
Segundo WEISS,
33
De várias maneiras, a perseguição da paz e segurança internacionais, a principal “raison d´être” da ONU, tornou-se sinônimo da promoção e sustentação da segurança humana. .13 (2004, p. 262). (tradução nossa).
A segurança humana refere-se, também, à proteção da pessoa humana em
situações de conflito, na transição da guerra para a paz, por meio da integração de
ajuda humanitária e desenvolvimento; desarmamento, desmobilização e
reintegração (DDR, na sigla em inglês); reconciliação e coexistência; entre outros
processos. Tais atividades auxiliariam na prevenção da recorrência de conflitos.
No que se refere à África, as armas representam verdadeira ameaça para a
perpetuação dos conflitos intra e entre Estados e contribuem para o clima de
instabilidade do continente.
É importante destacar que os estados africanos juntaram-se sob os auspícios
da Organização para a União Africana, a fim de se preparar para a conferência da
ONU sobre o comércio ilegal de armas leves e pequenas, em 2001. Estes Estados
buscaram articular um ponto-comum, uma estratégia continental para lidar com o
problema das armas pequenas. O resultado foi a Declaração de Bamako, que
enfoca a necessidade de ação por parte dos países fornecedores de armas e a
necessidade de se diminuir a demanda por armas pequenas.
Outro esforço importante na promoção da cooperação entre Estados para
combater e erradicar o tráfico ou comércio ilegal de armas no continente foi a
Declaração de Nairobi, de 2000. Esta Declaração foi assinada pelos ministros de
relações exteriores de 10 estados da região dos Grandes Lagos e Chifre da África, e
objetivava identificar prioridades nacionais e regionais para a implementação da
declaração, além de formar pontos nacionais que formariam uma Agenda
coordenada de ação para o problema das armas na região.
Esta reunião também foi uma preparação para a Conferência da ONU sobre o
Comércio Ilegal de Armas leves e pequenas, em 2001. Oportunizou, também, a
criação de um protocolo que governaria a fabricação, transferência, coerção e outros
aspectos do comércio de armas.
O ano de 2006 testemunhou importantes desenvolvimentos no nível sub-
regional na África, no sentido de se elaborar padrões de controle para a proliferação
de armas pequenas e leves ilícitas. Dois instrumentos (com força de lei) foram
13 Tradução livre do autor: In many ways the pursuit of international peace and security, the UN´s primary “raison d´être”, has come to be synonymous with promoting and sustaining “human security”.
34
adotados: o Protocolo de Nairobi para a prevenção, controle e redução de armas
pequenas e leves na região dos Grandes Lagos e Chifre da África, em maio de
2006; e, também, a Convenção sobre armas pequenas e leves, suas munições e
outros materiais relacionados, patrocinado pelo ECOWAS, em Junho de 2006.
Em relação à RDC, esta, a partir do ano da independência (em 1960), sempre
viu o exército assumindo um papel de destaque na política congolesa. Além disso, a
partir da escalação do conflito nos anos 1990, o país vivenciou uma militarização em
precedentes, com um aumento no fluxo ilegal de armas e aparecimento de grupos
armados, milícias étnicas e grupos paramilitares, os quais, em sua maioria, eram
dependentes desse mercado ilegal.
Devido a isso, a ONU tem se esforçado para desempenhar as atividades de
desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-combatentes na sociedade,
como função-chave para o fim do conflito.
No contexto das operações de peacekeeping, o desarmamento,
desmobilização e reintegração de ex-combatentes (DDR) são tidos como pré-
requisitos para a estabilidade pós-conflito e recuperação de países. Estes
parâmetros lidam como problemas de segurança relacionados com direitos
humanos, ordem interna, eleições e governança sustentável, diferente do escopo
das operações de peacekeeping tradicionais.
Nos últimos cinco anos, DDR esteve incluso nos mandatos de operações de
paz da ONU em Burundi, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Haiti,
Libéria e Sudão.(site do DPKO).
A ONU também apóia programas de DDR em diversos países onde não
existe uma operação de paz, como na Indonésia, Afeganistão, República Central da
África, Niger, Somália e Uganda.
“DDR” constitui um processo que contribui para a segurança e estabilidade
em situações de pós-conflito, para que se possibilite o caminho para o
desenvolvimento. Trata-se, no entanto, de um processo complexo, de dimensões
militares, políticas, humanitárias e sócio-econômicas.
O processo de DDR lida com situações de pós-conflito, onde ex-combatentes
são deixados sem condições de sobrevivência e de sociabilidade que não a de suas
vidas durante o combate. O desarmamento, desmobilização e reintegração devem
apoiar a inserção dos ex-combatentes na vida em sociedade, de modo a
conquistarem novas oportunidades de desenvolvimento de atividades produtivas.
35
Além disso, é importante frisar que a ONU utiliza o termo DRR para relacionar
outras atividades, como repatriação, reabilitação e reconciliação que visam a
reintegração das pessoas na sociedade.
Existem certos requisitos para que o processo de DDR ocorra. Primeiro, deve-
se ter uma negociação de paz que forneça os parâmetros legais para a implantação
de DDR; segundo, deve-se confiar no processo de paz (as partes do conflito devem
se engajar no DDR); por último, deve-se ter um mínimo de segurança para garantir
que o processo ocorra.
A fim de aumentar a segurança, o processo de DDR baseia-se,
principalmente, na redução do número de armas. Nesse sentido, de acordo com o
Departamento de Assuntos de Desarmamento da ONU, o desarmamento
corresponde à coleta, documentação, controle e entrega de armas pequenas,
munição, explosivos e armas leves e pesadas de combatentes e também de civis.
A desmobilização é o desmantelamento formal de combatentes ativos das
forças armas e outros grupos. A primeira etapa da desmobilização pode ocorrer
tanto em centros temporários, como em campos de concentração de tropas. A
segunda etapa envolve o apoio um conjunto de ações que se relacionam com a
reinserção da pessoa na sociedade.
A reinserção refere-se, assim, à assistência oferecida aos ex-combatentes,
durante uma desmobilização, mas antes do processo de reintegração. A reinserção
é uma forma de ajuda na transição entre os processos e cobre as necessidades
básicas da família do combatente, como alimentação, roupas, abrigo, serviços
médicos, podendo incluir também pagamentos para a subsistência do indivíduo.
Já a reintegração é um processo mais longo que a reinserção, onde os ex-
combatentes adquirem um status social e passam a participar da sociedade através
de atividades com renda. É, portanto, um processo sócio-econômico, que ocorre
principalmente em nível local.
Examinado a trajetória do desenvolvimento das operações de paz dentro da
ONU, suas características e novos desafios, e uma vez estudado os aspectos
fundamentais das organizações internacionais para a criação de um sistema
36
internacional mais estável, cabe, no próximo capítulo, dar início à análise histórica
do conflito na República Democrática do Congo. Partir-se-á de uma análise sobre a
inserção do continente africano no sistema internacional, principalmente a partir da
metade do século XX e, em seguida, enfocar-se-á o caso da RDC.
2 O CASO DO CONGO
37
2.1 A África no Sistema Internacional
O período que se seguiu após a II Guerra Mundial caracterizou-se por um
processo tardio de descolonização dos Estados africanos e de construção do
Estado-nação. O movimento de independência dos estados africanos foi distorcido
pela permanência de estruturas de poder neocoloniais, por meio das quais os países
europeus procuravam manter a África como sua zona de influência.
O início do processo de descolonização privilegiou determinadas elites dos
países africanos, que enriqueceram-se através do clientelismo da administração
pública. Os Estados recém independentes não contavam com estruturas
organizadas de poder, e não dispunham de recursos financeiros e humanos para dar
cabo às reformas necessárias. A ausência de médicos, engenheiros,
administradores e professores somava-se a uma estrutura de classes fragmentada,
nos marcos de uma economia controlada de fora. (VIZENTINI, 2003).
A formatação dos Estados africanos, com base no território, foi problemática,
uma vez que as fronteiras dos países eram artificialmente traçadas, não respeitando
a realidade dos grupos etno-lingüísticos que estavam reunidos numa determinada
região. Enquanto que os estados europeus basearam-se na identidade de grupos de
pessoas para que se criasse uma identidade nacional, no caso africano, o Estado
antecedia à existência de uma nação. Além disso, na ausência de um idioma
comum, oficializava-se o do ex-colonizador. (VIZENTINI, 2003).
Não houve, portanto, um movimento de ruptura com as metrópoles africanas,
como se esperava. Pelo contrário, os desdobramentos políticos nos países africanos
foram fortemente influenciados pelos estados europeus e pelas duas potências
mundiais à época, EUA e URSS.
Paralelamente, a associação a organismos internacionais representou, para
os novos Estados, uma certa oportunidade de barganha para alcançar ajuda técnica
e relações privilegiadas do resto do mundo. Em troca, o Ocidente obtinha votos na
ONU e demais organizações especializadas, estabelecia bases militares e mantinha
sua influência na África.
38
Após uma breve existência de estruturas políticas moldadas na democracia
liberal parlamentar, os golpes de Estado (sobretudo militares), implantaram grande
número de regimes autoritários personalistas ou de partido único, como Mobutu, na
República Democrática do Congo. Muitos presidentes permaneceram um longo
período no poder. Tal fato não foi questionado pelas grandes potências, uma vez
que esses regimes asseguravam uma relativa estabilidade política, social e
econômica ao continente. No entanto, muitos dos golpes de Estado, levados a cabo
pelo exército, possuíam um caráter progressista e modernizador, pois esta
instituição era uma das poucas em contato com a realidade social do país.
(VIZENTINI, 2003).
Na passagem dos anos 70 aos 80, iniciou-se um novo ciclo de confrontação
Leste – Oeste, que tinha como um de seus componentes básicos uma nova
correlação de forças, criada a partir da aliança estratégica dos EUA com a República
Popular da China para fazer frente à União Soviética. A partir daí, esta última passou
a intensificar sua colaboração junto a movimentos revolucionários e nacionalistas,
através do fornecimento de armas ao Terceiro Mundo.
O continente africano transformou-se, dessa maneira, numa nova frente para
o conflito político-ideológico travado entre o bloco comunista e o capitalista. Isto, de
certa forma, veio em benefício dos líderes dos governos africanos, que fizeram uso
da importância internacional que o continente detinha para barganhar junto aos
governos dos dois blocos.
Além disso, várias mudanças na economia mundial tiveram impacto no
Terceiro Mundo, ocasionando ondas revolucionárias que ameaçavam a estabilidade
dos países. O novo contexto mundial apresentava uma crise do capitalismo mundial,
desencadeada pela desvinculação do dólar em relação ao ouro (1971), pela
reorganização da produção (com a nova divisão internacional do trabalho e
globalização financeira), os elevados preços do petróleo e a forte deterioração dos
preços dos produtos primários.
A expansão da população nos países africanos somou-se à crise econômica
que se alastrava pelo continente. Entre 1950 e 1980, a população da África
triplicou.14 O aumento foi sentido mais nas áreas rurais, onde a escassez de terras
14 Segundo consta no livro: MEREDITH, Martin. The State of Africa . Pág. 152. Em 1955, a população de Kinshasa era de 300.000 habitantes. No início da década de 80, Kinshasa já possuía em torno de 3 milhões de habitantes.
39
provocou um êxodo rural sem precedentes. Milhões migraram para os grandes
centros, em busca de melhores condições de vida e oportunidades econômicas.
Nessa conjuntura, foi inevitável a recorrência a organismos financeiros
mundiais, como o FMI e o Banco Mundial, os quais impuseram receituários prontos15
para a grande maioria dos países africanos. O resultado disso foi a chamada década
perdida, na qual a economia africana regrediu aos padrões de trinta anos antes.
Na luta pela independência dos Estados africanos, os conflitos adquiriram
uma dimensão regional. Na região dos Grandes Lagos, onde a RDC se insere, havia
uma forte tendência pela ingerência de um país na política do outro.
Isto pode ser observado tanto nos casos do Congo, como de Angola. Nesta
última, a guerra contra os portugueses teve o envolvimento de grupos apoiados por
identidades políticas distintas: a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA),
apoiada pelo Zaire de Mobutu, EUA e China; o Movimento Popular para Libertação
de Angola (MPLA), apoiado pela África do Sul e China e Portugal; e, mais tarde, a
União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), apoiado pela URSS
e Cuba. Mais tarde, em resposta à ingerência congolesa, Angola e Cuba apóiam a
invasão de rebeldes na região de Shaba (também chamada de Katanga), em 1977 e
1978.
Somam-se a isso os conflitos mais recentes ocorridos em Ruanda e Burundi,
envolvendo tribos rivais Hutus e Tutsis, e que resultaram em ondas de refugiados
para a fronteira leste do Congo, desestabilizando o país por inteiro. Tais
desdobramentos serão aprofundados quando da análise do conflito no Congo nos
anos 90. Contudo, cabe ainda mencionar as conseqüências que o fim da Guerra Fria
trouxe para o continente.
Ao fim do conflito Leste x Oeste, o desmantelamento da URSS e a
subseqüente onda democratizante promoveram um novo ordenamento mundial, o
qual revelou uma perda de importância estratégia do continente africano. Conforme
atesta VIZENTINI (2003), o resultado disso foi a marginalização da África no sistema
internacional e a tribalização dos conflitos e da política regional.
15 Entre tais medidas, estavam a desvalorização das moedas nacionais, a redução de tarifas alfandegárias, corte de subsídios estatais, privatização de empresas públicas e reforma do setor agrícola (com o desmantelamento de cooperativas e fazendas estatais.(VIZENTINI, 1999).
40
O novo momento das relações internacionais durante a década de 90 viu um
aprofundamento dos conflitos étnico-tribais e a recorrência de crises humanitárias de
grande proporção na África.
Segundo BERMAN (2003),
Os Estados africanos ainda sofrem dos legados do colonialismo. O fim da Guerra Fria criou um vácuo de poder que levou ao surgimento e alargamento da violência interna. (...) Em muitos casos, conflitos que começaram em nível nacional transbordaram para países vizinhos ou assumiram dimensões regionais16 (tradução nossa).
Ainda, em muitos casos pode ser observada a proliferação de armas,
principalmente pequenas e leves, que contribuem para a expansão e manutenção
do conflito armado. Na RDC, em especial, a questão da proliferação de armas
pequenas e leves e os efeitos das políticas de desarmamento e desmobilização de
ex-combatentes ocupam papel de extrema importância na resolução do conflito. Tais
políticas estão sendo implementadas por meio da ação da MONUC na RDC.
Um olhar mais direcionado para a atuação da ONU no pós-Guerra Fria revela
que a atuação deste organismo no continente africano, a partir dos anos 90,
assumiu nova direção, expandindo o número de suas operações para diversos
países: Angola, Moçambique, África do Sul, Libéria, Serra Leoa, Ruanda, Costa do
Marfim, Burundi, Somália e República Democrática do Congo, entre outros.
O clima de instabilidade e a própria condição do Estado africano pós-colonial
explicam o porquê da ONU visar primordialmente à África no tocante às missões de
paz. A descolonização e o fim do imperialismo, com o conseqüente vácuo de poder
criado dentro dos Estados africanos, implicaram na criação de um espaço
fragmentado e conflituoso, que demandou a atuação do órgão internacional naquela
região, a fim de se manter a estabilidade da ordem internacional.
A seguir, será contextualizado o caso da República Democrática do Congo,
partindo-se da análise da crise da independência e a presença da ONU no país
durante os anos da Guerra Fria.
16 Tradução livre feita pelo autor: “African states still suffer from the enduring legacy of colonialism. The end of the Cold War has created a power vacuum conducive of the rise and spread of internal violence. (…) In several instances, conflicts that started on a national level have spilled over into neighbouring countries or have assumed regional dimensions”
41
2.2 As Raízes do Conflito – da crise de independênc ia à intervenção da ONU no
ano de 1960.
As origens do conflito congolês podem ser traçadas a partir dos fatos já
mencionados, quais seja, a fragilidade do Estado-nação, a falta de uma identidade
nacional homogênea, o grande número de tribos espalhadas pelo vasto país, a falta
de infra-estrutura e recursos administrativos, além da permanente desconfiança com
o exterior.
Nos quatro primeiros anos após conquistada a sua independência da Bélgica,
o país sofreu com uma grande instabilidade política provocada pela luta entre
diferentes grupos étnicos (movimentos de libertação nacional) pelo controle do país.
O Congo (ex-Zaire, atual República Democrática do Congo), sofreu ameaça de
desintegração territorial, o que acionou a ONU para que interviesse na região para
garantir a integridade territorial do país.
A erupção da guerra pela independência ocorreu em meio a um conflito
internacional que transformou a África e, mais especificamente, o Congo num novo
teatro de combate entre os EUA e a URSS. Além destes fatores, destacam-se
também os inúmeros interesses políticos e econômicos que estavam voltados para
este território.
O Congo foi incorporado oficialmente como colônia belga no ano de 1908. A
partir de então, a Bélgica passou a administrar o território e a explorar seus recursos
naturais, principalmente cobre, ouro e diamantes. A administração burocrática da
colônia dividiu-se por 6 províncias: Katanga (Elisabethville), Kasai (Luluaborg), Kivu
(Bukavu), Orientale (Stanleyville), Équateur (Coquilhatville) e Baixo Congo (com a
capital em Leopoldville, hoje Kinshasa). (LESLIE apud CLARK, pág. 35).
Cada uma destas províncias era administrada por um governador local.
Muitos destes como, por exemplo, Moisés Tshombe, em Katanga, tornar-se-iam
líderes de movimentos de libertação nacional, os quais tiveram papel importante nos
desdobramentos políticos do país.
42
A administração belga tinha sua atenção voltada para a capital, Leopoldville, e
a província de Katanga (rica em minérios, a província mais rica do país). As
províncias de Katanga e Kasai desafiavam, desde o início, a administração do país
feita a partir de um aparato unitário. A província de Kivu também merece destaque
neste momento, uma vez que esta parte do território, durante a monarquia, foi
povoada pela tribo Tutsi, que mais tarde enfrentaria problemas com a tribo dos
Hutus pelo direito às terras da região leste do Congo. Estes desdobramentos,
envolvendo os países vizinhos de Ruanda e Burundi, serão mais tarde abordados,
quando examinarmos mais detalhadamente as conseqüências da crise em Ruanda,
em 1994, para o então Congo-Zaire. Entretanto, e para a melhor compreensão da
historia do Congo no período da independência, é importante que se saiba que Kivu
representou e ainda representa um elemento de grande instabilidade para a
República Democrática do Congo.
A administração belga não se preocupou com a criação de uma identidade
nacional que amalgamasse os diferentes povos espalhados pelo território congolês.
A estrutura administrativa baseava-se em um sistema legal indireto, que dividia o
país em duas estruturas legais, uma civil e outra étnica. Isto resultou num problema
de “dupla cidadania”, no qual somente o indivíduo que possuía cidadania étnica
tinha acesso a direitos sócio-econômicos, como a terra. Em outras palavras,
somente aqueles considerados indígenas poderiam ter acesso a terra.
A administração também não permitiu que os nativos participassem da
administração pública e o acesso à educação era também cerceado.17
Da mesma maneira que atesta CLAPHAM,
Apesar de estabelecer (após um período inicial de exploração sem precedentes), um modelo de domínio colonial paternalista, os belgas não fizeram nada para criar as condições políticas que conduzissem a uma transferência de poder. (2002, p. 38).18 (tradução nossa).
17 Segundo GORDON (1965), “pouquíssimos congoleses detinham posições dirigentes ou operacionais de responsabilidade. Em 1958, apenas dez mil, numa população de 13 milhões e meio de habitantes, freqüentavam escolas secundárias ou de treinamento vocacional. Até 1956 não existia Universidade no Congo e, em 1960, apenas dezessete pessoas haviam recebido educação universitária na Europa.”
18 Tradução livre do autor do trecho: “despite establishing (after an initial period of ruthless exploitation), a model of paternalist system of colonial rule, the Belgians did nothing to create the political conditions conductive to a transfer of power.”
43
Contudo, a II Guerra Mundial representou uma janela de oportunidade para
muitos congoleses que buscavam uma mudança para o país. Após lutarem na
guerra, muitos permaneceram na Europa e adquiriram algum tipo de formação. Ao
retornarem, passaram a incorporar movimentos de luta pela independência,
reclamando direitos e exigindo reformas no governo e na condução da política no
país.19
Em 1957 foram possibilitadas as primeiras eleições municipais no país, as
quais viram o surgimento de uma série de partidos políticos de base étnica. Cabe
mencionar três movimentos políticos que tiveram papel importante nas eleições
nacionais, 3 anos mais tarde: o partido Abako, de Joseph Kasavubu; o partido
Conakat, de Moisés Tshombe; e o MNC, Mouvement Nacionale Congolais, de
Patrice Lumumba.
As eleições de 1960 demonstraram perda da força dos partidos orientados
pelos belgas e revelaram expressivas conquistas dos nacionalistas extremados,
notadamente do MNC, de Patrice Lumumba. Os dois mais altos postos do país
seriam ocupados por líderes congoleses rivais, Joseph Kasavubu, eleito presidente,
e Patrice Lumumba, do Mouvement Nationale Congolaise, partido nacionalista, de
base esquerdista, eleito primeiro-ministro.
Moises Tshombe foi eleito presidente da província de Katanga (situada mais à
Leste), onde se encontrava a maior parte dos minerais do Congo, a grande riqueza
nacional. O tempo insuficiente – apenas seis meses – destinado ao planejamento e
preparação do país para a independência, aliado a uma infra-estrutura precária e
uma economia frágil, mergulhou o Congo numa crise marcada por conflitos tribais e
confrontação políticas.
As Forças Armadas congolesas - ANC (Armée Nationale Congolaise) –
iniciaram um motim e expulsaram os oficiais belgas de suas instalações. Ataques
amotinados a cidadãos belgas e outros europeus, incluindo casos de estupros e
outras atrocidades, levaram à evasão da maioria dos administradores e técnicos
belgas do território congolês, resultando no colapso da administração pública.
Com o objetivo declarado de restaurar a lei e a ordem e proteger os seus
nacionais, a Bélgica, contrariando as autoridades congolesas, ordenou, em 11 de
19 Contribuiu para isso O discurso do então Presidente francês Charles De Gaulle no país vizinho Congo, encorajando a independência da África francófona. Além disso, participação de líderes políticos em Congressos Africanos e em Seminário na Bélgica.
44
Julho de 1960, uma incursão de suas tropas na ex-colônia, aumentando ainda mais
a tensão no país. Simultaneamente à incursão belga, Tshombe, numa tentativa
separatista, proclamou a independência da província de Katanga, o que
representava um forte golpe, especialmente do ponto de vista financeiro, para o
Congo.
A saída dos belgas do país africano representou mais um passo em direção à
depressão econômica e política que o país observava. Os belgas tinham uma
presença forte na agricultura e no comércio, e sua saída foi rapidamente sentida. De
acordo com LESLIE (2002), a população belga viu seu número ser reduzido de
80.000 à época da independência, para 20.000, em 1961. (LESLIE apud CLARK, p.
39).
A ação do governo belga - de enviar soldados sem o consentimento do
recém-eleito governo congolês - a fim de garantir a proteção de seus civis, seguido
da separação da província de Katanga, sob liderança de Moisés Tshombe, foram o
estopim para que o governo congolês solicitasse assistência militar ao Secretário-
Geral das Nações Unidas, afirmando que a presença da Bélgica no país se tratava
de agressão externa contra o recém-independente Congo. Estava, desse modo,
deflagrada a questão em nível internacional.
Ao ser chamada para intervir militarmente no Congo, a ONU – Opération des
Nations Unies au Congo – deu proporções globais à crise do país, trazendo para a
esfera do problema atores externos como a Bélgica, os EUA e a URSS.
A seguir, será analisada a primeira missão de paz da ONU no território do
Congo e de que maneira a comunidade internacional interveio para resolver a crise
generalizada que se instalou no país logo após sua independência.
2.3 A Atuação da ONUC na República do Congo e a Gue rra Fria
A rebelião que levou à independência colocou frente a frente um movimento
rebelde formado por jovens nacionalistas e a classe dos burocratas conservadores,
que se beneficiavam da situação de dependência da metrópole belga.
45
O resultado de uma semana de conflitos foi a expulsão, pelo exército
congolês, de toda a burocracia belga e a secessão da província de Katanga. O
pedido de socorro feito pelo Presidente Kasavubu e por seu primeiro-ministro,
Patrice Lumumba, ao Secretário-Geral da ONU, Dag Hammarskjöld, foi prontamente
atendido pelo Conselho de Segurança.
Ante o pedido do governo congolês, o Secretário-Geral, utilizando pela
primeira vez a prerrogativa a ele conferida pelo art. 99 da Carta da ONU – o que o
autoriza a chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que
em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais
– solicitou, em caráter urgente, uma reunião daquele órgão para deliberar sobre a
situação do Congo. Nessa oportunidade, Hammarskjöld esboçou suas idéias sobre
as ações a serem todas em resposta à solicitação do governo congolês,
recomendando o estabelecimento de uma força sob o comando das Nações Unidas.
Dessa forma, uma missão de peacekeeping da ONU entrou em ação para
assegurar a integridade territorial do país, através da resolução n° 143 de 1960.
A ONU encontrou precedentes para esta missão na UNEF (United Nations
Emergency Force), que atuou de 1956-67 para “assegurar e supervisionar a
cessação das hostilidades, incluindo a retirada das forças armadas da França, Israel
e Reino Unido do território egípcio e, após isso, servir como uma zona “buffer” entre
Egito e Israel e prover supervisão imparcial para o cessar-fogo”20(ONU) (tradução
nossa).
No entanto, os dois casos se diferenciam na medida em que o Congo
enfrentava um motim dentro de suas forças armadas e isto ocasionou a intervenção
belga. Portanto, o mandato da ONUC deveria se estender para que, após a retirada
das tropas belgas, a Força das Nações Unidas no Congo continuasse a
desempenhar responsabilidades de natureza puramente interna – a manutenção da
lei e da ordem – até o momento em que as forças de segurança nacionais
pudessem arcar com esta missão.
Em 14 de Julho, o Conselho de Segurança passou a resolução n° 143/1960, a
qual demanda que a Bélgica retire suas tropas do território do país africano e
autoriza o Secretário-Geral a tomar as devidas ações, em consulta com o governo
20 Tradução livre do autor: Secure and supervise the cessation of hostilities, including the withdrawal of the armed forces of France, Israel and the United Kingdom from Egyptian territory and, after the withdrawal, to serve as a buffer between the Egyptian and Israeli forces and to provide impartial supervision of the ceasefire.
46
da República do Congo, para prover ao governo a assistência militar necessária até
que, através da ajuda técnica da ONU, as forças nacionais possam cumprir
devidamente seu papel.
Esta resolução tinha validade e aplicação sobre todo o território da República
do Congo e, tendo isto em vista, aplicava-se também sobre a província separatista
de Katanga.
A primeira força de intervenção da ONU no país veio de Gana, a qual então
havia recentemente adquirido sua independência. A conclusão do comandante da
força da ONU foi de que o exército congolês deveria de ser imediatamente
desarmado (o que foi vetado pelo representante da ONU no país, pois a ONU estava
ali para ajudar o governo congolês e este não admitia tal ação).
Ao final de Julho do mesmo ano, os belgas haviam se retirado de todo o
território do Congo, exceto Katanga. Da mesma forma, na mesma época, a ONU se
fez presente em quase todas as províncias do país, exceto Katanga.
A força militar da ONU consistia em 8.396 capacetes-azuis, dos quais 2.340
vinham de Gana, 2.087 da Tunísia, 1.220 do Marrocos, 1.160 da Etiópia, 741 da
Guiné, 255 da Libéria e 623 da Suécia.
Já, através da Resolução 146/1960, o CS da ONU solicita ao Governo da
Bélgica que retire suas tropas imediatamente da província de Katanga, e que
colabore com a implementação das resoluções do Conselho. Da mesma forma,
declara que a entrada da Força das Nações Unidas na província é algo necessária
para a completa implementação da resolução.
Por outro lado, a ONU deixa claro o caráter de não-intervenção de sua missão
nos assuntos domésticos do país, ao reafirmar que a força, no Congo, não intervirá
ou servirá para influenciar qualquer conflito interno.
A ONUC trabalhou em cooperação com o primeiro-ministro congolês, Patrice
Lumumba, mas houve um período em que a ONU agiu deliberadamente para
garantir que, na invasão de Katanga, o conflito não escalasse. Assim, o secretário-
geral, agindo sob a resolução do CS, enviou as tropas para a província de Katanga,
provocando uma grave crise com o primeiro-ministro Lumumba. Este temia que,
dessa maneira, a ONU estivesse agindo em arbitrariamente, e criticou duramente a
organização e solicitando apoio da URSS para o conflito.
No dia 5 de Setembro de 1960, o Presidente Kasavubu demitiu Patrice
Lumuba, acusando-o de que sua ação no governo estava levando o país à guerra
47
civil. O período que seguiu foi de extrema instabilidade, exacerbado pela indefinição
quanto à autoridade central no Congo. O presidente Kasavubu e seu ex-primeiro-
ministro acusavam-se e reclamavam cada um para si a legitimidade de governar o
país.
A partir daí, o conflito do Congo passa a demonstrar mais claramente o
impacto das políticas das duas potências durante a Guerra-Fria Para evitar a
movimentação de Lumumba e a entrada de seus aliados na capital do país, oficiais
da ONU bloquearam aeroportos e fecharam a estação de rádio da capital
(Léopoldville, hoje, Kinshasa) durante uma semana.
O Coronel Joseph Desiré Mobutu, até então uma figura pouco conhecida no
meio político congolês, apoiado pelos EUA, aproveitou-se do vácuo de poder
existente e, através de um golpe, toma para si o controle do governo congolês.
A partir disso, o novo chefe de estado passa a acusar o ex-primeiro-ministro,
Patrice Lumumba, de contribuir para o motim das forças armadas. Atrás disso
estavam as fortes implicações ideológicas da Guerra-Fria. Acreditava-se que
Lumumba estava sendo apoiado pela URSS e, por conta disso, passa a ser
perseguido por Mobutu.
Após ficar sob a guarda da ONU, Lumumba foge e é preso pelas forças de
Tshombe, que o matam.
Seguiu-se um período de perseguição a todos os seguidores de Lumumba,
enquanto que o resto do país sucumbia à anarquia. O governo soviético atacou a
situação com duras palavras e criticou a ação do secretário-geral Hammarskjöld. Os
russos e seus aliados demandaram sanções contra a Bélgica, a prisão de Mobutu e
Tshombe e a demissão do Secretário-Geral da ONU. Enquanto isso, Dag
Hammarskjöld estava concentrado em criar um governo central legítimo e trazer
Katanga para dentro da esfera política do Congo.
O conflito no Congo fez também vítima o próprio Secretário-Geral da ONU,
que morreu em viajem de avião ao tentar negociar uma etapa do processo de paz.
Quem assume no lugar de Dag Hammarskjöld é U Thant, que toma uma
postura mais pragmática, e levantando a questão do financiamento da Missão no
Congo, a qual havia se tornado mais longa que o previsto e, portanto, mais cara.
Após a morte de Hammarskjöld, foi acordado um cessar-fogo entre as partes
beligerantes. No entanto, este demonstrou ser muito frágil e logo perdeu sua força
com a resolução 169 de 24 de Novembro de 1961 (com o apoio dos EUA), onde o
48
Conselho de Segurança condena veementemente toda ação armada contra o
governo da República do Congo. Também considera ilegal o movimenta separatista
em Katanga, reconhecendo que este é financiado por forças externas e
mercenários; demanda que todas as forças externas se retirem do país; e, solicita
que o Secretário-Geral tome todas as providências necessárias para prevenir a
entrada ou retorno de qualquer elemento que traga instabilidade ao país, inclusive
armas e equipamentos que apóiem estas atividades. No parágrafo 6 da mesma
resolução, solicita ainda que todos os Estados abdiquem de fornecer armas e outros
equipamentos usados para propósitos de guerra.
Fica claro, a partir das palavras de CARDOSO, os vários interesses das
potências estrangeiras no conflito do Congo.
Logo que o primeiro brilho da operação no Congo esvaneceu-se, praticamente todos – e não apenas os soviéticos – começaram a atacar as Nações Unidas. Os americanos, em favor de Mobutu e de Kasavubu; (...) os britânicos, belgas e franceses, com seu grande envolvimento financeiro em Katanga, opunham-se fortemente aos nossos esforços para pôr um fim à secessão do seu herói, Moisés Tshombe.(1998, p. 30).
Em 1963, a província de Katanga volta a pertencer ao Congo e o governo
central se estabelece em Elisabethville, culminando no fim da missão da ONU no
país. Uma nova Constituição foi adotada, a qual alterou o nome do país para
República Democrática do Congo.
A ONUC havia alcançado seus objetivos – preservou a integridade do novo
Estado e, da mesma forma, preveniu a abertura de um novo “front” durante a
Guerra-Fria.
Por outro lado, tais objetivos foram alcançados a um grande custo para as
Nações Unidas; Conforme atesta CARDOSO, a ressaca do Congo é apontada como
uma das razões para a redução observada nas atividades de operações de paz das
Nações Unidas do princípio dos anos 70 até 1988. (1998, p. 31.)
A ONUC foi uma das mais amargas experiências da organização com
operações de paz no período da Guerra Fria. A falta de apoio internacional e
doméstico não só gerou um saldo negativo para a ONU de 250 peacekeepers
mortos, incluindo o Secretário-Geral, Dag Hammarskjöld, mas também o descrédito
internacional com relação às Nações Unidas e ao seu novo mecanismo como
instrumento efetivo para a manutenção da paz e contenção de conflitos. Além disso,
49
no plano doméstico, o Congo encontrava-se, ao final da missão, ainda mergulhado
numa situação caótica, sob praticamente todos os aspectos – econômico, cultural,
educacional e infra-estrutural. O efeito disso foi a relativa inatividade da ONU no
campo das operações de paz, entre os anos de 1967 e 1973, período em que
nenhuma nova missão foi estabelecida.
O próprio governo constitucional não perdurou muito tempo após a saída da
operação. Em novembro de 1965, Mobutu, o comandante das forças armadas
congolesas, tomou o poder e instaurou um governo totalitário, baseado no modelo
colonial. O novo presidente também alterou o nome do país para Zaire.
2.4 O Regime de Mobutu
A partir da instauração de Mobutu no poder, o Zaire foi refém de um governo
totalitário, apoiado fortemente pelo governo norte-americano, que via nele um
elemento de estabilidade para a região dos Grandes Lagos e que garantia ao
Congo, agora renomeado Zaire, que não se transformasse numa extensão do
domínio soviético na África.
Mobutu governou o Zaire durante 30 anos, os quais foram marcados pela
tentativa de se resolver o conflito étnico, pela nacionalização da economia zairiana,
personalização da política, grande inflação e pilhagem estatal.
Sustentou-se, principalmente, através de uma retórica anticomunista,
conseguindo manter apoio e patrocínio dos governos ocidentais, além de receber
amplos empréstimos de instituições financeiras internacionais.
Nesse sentido, Robert Flaten, ex-embaixador americano em Ruanda,
demonstra um mea culpa com relação à política americana para o Zaire.
Claro que uma das razões de termos continuado a apoiar Mobutu foi por causa de sua colaboração à nossa política na Angola. Mas nós decidimos muito mais cedo manter Mobutu no poder como uma das maneiras mais certas de manter os soviéticos fora do alcance de um dos Estados mais ricos da África Central. Nós dizíamos para nós mesmos que Mobutu era a única garantia de manter o Zaire unido, e de prevenir que o país se separasse em diversos mini-estados hostis, sujeitos à influência soviética. Então, nós assistimos enquanto Mobutu explorava um dos países mais ricos da África, tomava as recompensas como sua fortuna pessoal, e
50
desperdiçava bilhões de dólares em ajuda estrangeira. Somente após 1991, depois do fim da Guerra Fria, nós começamos a insistir na reforma do Zaire. Agora, o Congo (Zaire) está em ruínas, sua infra-estrutura devastada, e sofrendo sua segunda guerra civil em 3 anos, com uma dúzia de exércitos de outros países africanos apoiando grupos ativos dentro do país, e sem esperança aparente para o futuro. Alguém poderia dizer que o Congo sempre teve seus problemas, mas muito do desastre atual pode ser atribuído ao nosso apoio ao explorador Mobutu. (FLATEN, 1999).21 (tradução nossa).
O discurso pró-Mobutu devia-se ao apoio que o ditador concedia ao
movimento UNITA, em Angola, que buscava uma mudança de regime no país
vizinho.
No entanto, ao mesmo tempo em que EUA apoiavam o regime ditatorial no
Zaire, houve uma mudança nos determinantes externos para a região, em especial
com relação à crise que afetou os preços dos produtos primários a partir da década
de 70. (o cobre, principal recurso natural explorado pelo país na época, foi
fortemente afetado.)
De acordo com MCCALPIN,
Apesar das riquezas dos recursos naturais do Zaire, as falhas no gerenciamento econômico e a exploração política haviam bloqueado o crescimento econômico. (...) a média da inflação entre 1980 e 1987 sendo 53.7 %. (...) ao regime de Mobutu também foram emprestados cerca de 10 bilhões de dólares de financiadores internacionais.22 (2002, p. 43). (tradução nossa).
O fim da Guerra Fria quebrou este cenário de corrupção e apoio externo ao
regime ditatorial no Zaire. O Ocidente passou, então, a pressionar Mobutu para que
implementasse reformas políticas e econômicas, enquanto que as instituições
21 Tradução livre feita pelo autor do trecho: Of course one of the reasons we continued to support Mobutu was for his support of our policy in Angola. But we decided much earlier to keep Mobutu in power as the surest means we could think of to keep the Soviets from gaining a foothold in the enormously rich major state of central Africa. We told ourselves that Mobutu was the only guarantee of holding Zaire together, of preventing it from splitting up into hostile mini-states subject to Soviet influence. So we watched as Mobutu raped one of the richest countries in Africa, took the rewards as his personal fortune, and squandered billions of dollars worth of foreign aid. Not until 1991, after the end of the Cold War, did we begin to insist that Zaire reform. Now Congo(Zaire) is in ruins, its infrastructure in shambles, and suffering from its second civil war in 3 years, with a dozen other African armies choosing up sides active within the country, and no apparent hope for the future. One can say that the Congo has always had its problems, but much of the current disaster can be attributed directly to our support for the rapacious Mobutu.
22 Tradução livre feita pelo autor do trecho: Despite the richness of Zaire´s mineral assets, economic mismanagement and political exploitation had completely stymied economic growth. (…) the average inflation rate between 1980 and 1987 being 53,7 percent.(…) the Mobutu regime also borrowed some US$ 10 billion from international lenders.
51
financeiras internacionais terminavam seus programas de ajuda e financiamento
para o país.
Paulatinamente, Mobutu foi obrigado a ceder às pressões externas (da
França, Bélgica e EUA) e iniciou um processo em que vários governos de transição
foram constituídos, além de permitir a realização da Conferência Soberana Nacional,
em 1992, a qual exigiu mudanças na constituição.
Ao fim do período do ditador Mobutu, o Zaire encontrava-se em meio a uma
crise generalizada, similar àquela da independência. O regime de Mobutu, muitas
vezes apontado como uma “cleptocracia”, não conseguiu resgatar o país da
estagnação e subdesenvolvimento, nem encorajou a criação de um ambiente
político que propiciasse o desenvolvimento. Além disso, durante seu governo, o
exército recebera pífios recursos (isto porque Mobutu temia que um exército forte
pudesse tirá-lo do poder) e começava a se revoltar frente à falta de recursos e
pagamento dos salários dos soldados.
De acordo com MCCALPIN (2002), entre 1960 e 1990, o Zaire teve mais de
14 primeiros-ministros e somente 2 presidentes, incluindo Mobutu.
O regime viu seus últimos dias cercado por uma crise de refugiados, a qual
envolveu todos os Estados que faziam fronteira com Ruanda e Burundi, e onde o
ingrediente étnico foi o principal ator na guerra que se desencadeou pelo país.
A luta étnica tomou conta, principalmente, do leste do país. A partir de então,
foi evoluindo para tornar-se uma crise humanitária sem precedentes para a região,
que encontrou em movimentos nacionalistas rebeldes a sua forma mais politizada. É
dessa forma que Laurent Kabila, líder de um dos movimentos radicais, o ADFL -
Alliance des forces démocratiques pour la libération du Congo-Zaire, conseguiu
reunir forças e amalgamar apoio popular para dar um fim à ditadura de Mobutu.
A seguir, analisar-se-á, brevemente, os condicionantes da crise dos
refugiados de Ruanda para a instabilidade na região leste da RDC.
2.5 A Questão do Leste da RDC e a Instauração de La urent Kabila no Poder.
52
As tensões no leste da RDC merecem atenção destacada neste estudo, uma
vez que esta região representa, até hoje, foco de grande tensão e desafio para a
solução do conflito na região dos Grandes Lagos. A região vive a interferência de
grupos armados e milícias, independentes ou financiadas por agentes externos
(como Estados vizinhos), que buscam, cada um a sua maneira, defender seus
interesses e onde a lógica da luta já se tornou uma razão por si só de perpetuação
do conflito.
Os países vizinhos, mais precisamente Ruanda, Burundi, Uganda e Angola,
tiveram participação destacada na crise etno-política que tomou conta da RDC a
partir de 1997. A região do leste da RDC funcionou, desse modo, como base para
diversos grupos armados reabastecerem seus movimentos de insurgência (em
muitos casos, eles utilizam a base na RDC para reunir forças e atacar os regimes
em seus países de origem).
Este era o caso de Ruanda, onde os rebeldes Tutsis foram perseguidos pelo
exército de Ruanda e pela milícia Interahamwe, após a morte do presidente Juvenal
Habyarimana (Hutu),
Nas palavras de DUNN (2002),
Isto propiciou o estopim para meses de lutas e mortes, agora comumente referido como o genocídio de Ruanda, em 1994. Os 100-dias da onda de mortes resultaram no assassinato de cerca de 800,000 ruandeses, a destituição do governo de Ruanda pela Frente Patriótica Ruandesa de Paul Kagame e o êxodo de mais de 2 milhões de refugiados para os campos dentro do Zaire. 23 (tradução nossa).
O regime Hutu, na capital ruandesa Kigali fora, então, deposto pela RPF
(Frente Patriótica Ruandesa, na sigla em inglês), constituída de rebeldes tutsis. Isto
resultou numa onda de refugiados para os campos do leste do Zaire. Estes
refugiados eram, em sua maioria, civis, Interahamwes (a milícia responsável pelo
genocídio em Ruanda), e membros da FAR (Forças Armadas Ruandesas).
De acordo com BREYTENBACH (1999), mais de 2 milhões de hutus, todos
temendo vingança e alguns deles assassinos no recente genocídio fugiram para o
23 Tradução livre feita pelo autor do trecho: This provided the spark for several months of killing and fighting, now commonly referred to as the 1994 Rwandan genocide. The hundred-day killing spree resulted in the murder of around 800,000 Rwandans, the overthrow of the Rwandan government by Paul Kagame´s Rwandan Patriotic Font (RPF), and the exodus of over 2 million Rwandans to refugee camps inside Zaire.
53
leste do Zaire, onde muitos se juntaram à força Interahamwe que estava ali antes.24
(tradução nossa).
Os Hutus basearam-se no leste do Zaire e reagruparam suas forças para
atacar o regime Tutsi do RPF em Ruanda. O leste do Zaire também serviu de base
para rebeldes de Burundi, também em sua maioria Hutus, que tinham como objetivo
a queda do regime Tutsi em Bujumbura. Ruanda temia isto e passou, a partir daí, a
apoiar o regime Tutsi em Burundi.
Já Uganda teve sua participação no conflito entre-fronteiras devido ao
envolvimento do Sudão em sua política interna, através do apoio a grupos rebeldes,
em sua maioria rebeldes pró-Mobutu. Estes, a partir de suas bases na região de
Kivu (leste do Zaire), provocaram uma série de lutas na fronteira com Uganda.
Em 1994, Museveni, presidente de Uganda, auxiliou os Tutsis a tomar o poder
em Ruanda e Burundi. Os tutsis também foram importantes atores na região de Kivu
e passaram a apoiar o movimento de Kabila para a ascensão ao poder.
Cabe mencionar, rapidamente, o relatório do Grupo de Experts da ONU
encarregado de analisar a ligação entre a atuação destes grupos armados e a
exploração de recursos naturais na RDC.
O Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, referiu-se a essa questão numa
carta25 ao Conselho de Segurança, onde trata sobre os resultados do Painel de
Experts sobre a exploração ilegal de recursos naturais e outras formas de riqueza.
O Painel encontrou conexões entre a exploração de recursos naturais na
RDC e a continuação do conflito. Ele demonstra que a crise na RDC acontece em 3
níveis: a) forças do governo e seus aliados contra os rebeldes e seus aliados de
Ruanda, Uganda e Burundi; b) RCD-GOMA e seus aliados de Ruanda x MLC e
RCD-ML e Uganda e Burundi; c) movimentos rebeldes e seus aliados (Ruanda ou
Uganda) x milícia Interahamwe, Mayi-Mayi e outros grupos dissidentes.
O relatório cita a ocorrência de enfrentamentos entre estes grupos
principalmente em regiões ricas em recursos naturais (ou seja, principalmente no
leste do país). O documento ainda afirma que tanto Ruanda, quanto Uganda e o
próprio governo da RDC se beneficiam do tráfico e exploração de recursos minerais 24 Tradução livre feita pelo autor do trecho: More than two million Hutus, all of them fearing revenge killings and some of them killers in the recent genocide, fled to eastern Zaire where many joined forces with the Interahamwe who were there before. 25 Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança, em 17 de Fevereiro de 2006, sobre a exploração ilegal de recursos naturais na RDC. Disponível em: http://disarmament.un.org/cab/docs/SG%20Report%202006.pdf. Acesso em: Outubro de 2006.
54
para patrocinar seus grupos rebeldes e adquirir armamentos. Em muitos casos, os
minérios (diamantes, cobalto, etc.) são trocados diretamente por armas e demais
suprimentos para a Guerra. Outros, como Uganda, exploram ilegalmente os recursos
naturais na RDC e os levam de volta aos seus países para praticarem uma re-
exportação dos recursos, sob marca de origem própria do país.
Uma vez tendo estas questões definidas, a seguir será retomado o assunto a
partir a luta entre os rebeldes e o governo de Mobutu, o que resultaria na sua
expulsão da RDC.
Isto começa a ocorrer quando Mobutu, na Conferência Soberana Nacional,
em 1992, cedeu às pressões de líderes tribais das províncias, promulgando uma lei
que acabava com os direitos civis e de propriedade para tutsis e hutus. Isto,
somando à crise étnica e de identidade social que havia na região, provocou a crise
que levaria à queda de Mobutu no poder.
Os movimentos rebeldes formaram uma aliança chamada ADFL (Alliance des
forces démocratiques pour la libération du Congo-Zaire),26 com amplo apoio de
Ruanda, Uganda e Angola27, além de contar, em sua base, com um grande número
de Tutsis, os quais realizaram ataques a refugiados Hutus.
De acordo com DUNN (2002),
Em uma entrevista incrivelmente franca para o Washington Post, Kagame afirmou que o governo de Ruanda havia decidido, em 1996, que a ameaça dos campos de refugiados no Zaire deveria ser eliminada. O governo de Ruanda procurou grupos oposicionistas ao Zaire, como o PRP, para ajudar na luta contra Mobutu e dar uma máscara zairiana para as operações.28 (tradução nossa).
A “máscara” zairiana para o movimento foi encontrada em Laurent Desiré
Kabila, que tornou-se o líder do ADFL.
26 O ADFL foi uma aliança de 4 partidos: o PRP (Parti de la Révolution Populaire) ; o CRD (Conseil de La Résistance pour la Démocratie); o MRLZ (Mouvement Révolutionnaire pour la Libération du Zaire); e, a ADP (Alliance Démocratique des Peuples).
27 Angola não via com bons olhos o apoio de Mobutu ao grupo rebelde UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).
28 Tradução livre realizada pelo autor do trechi: In a surprisingly frank interview with the Washington Post, Kagame stated that the Rwandan government had decided in 1996 that the threat from the refugee camps in Zaire had to be eliminated. The Rwandan government sought out Zairian opposition groups such as the PRP to help fight against Mobutu and provide a Zairian cover to the operations.
55
Em abril de 1997, os rebeldes, liderados por Kabila e seus aliados ruandeses,
e apoiados por Angola, ganharam controle das províncias de Kasai e Shaba (ricas
em minérios), acabando com o financiamento do regime de Mobutu. O falido exército
do Zaire não conseguiu conter a onda de insurgência e Mobutu fugiu, procurando
exílio no Marrocos. Em Maio de 1997, Kabila proclamou-se como novo presidente e
renomeou o nome do país para República Democrática do Congo.
A instauração de Kabila no poder veio acompanhada de uma esperança, por
grande parte da população, que após anos sob um regime opressor, o qual somente
roubou os congoleses, ansiava por um líder que trouxesse desenvolvimento e
melhores condições de vida.
Kabila, contudo, não era esse líder. Após tomar o poder, ele assumiu uma
postura muito parecida com a de Mobutu, deixando claro suas intenções de garantir
o poder para si.
Aliado a isso, estava o fato de que Kabila não possuía nenhuma experiência
política, e não conseguia se comunicar com as massas, uma vez que não falava a
língua Lingala, falada na capital Kinshasa e usada também pelo exército. Kabila era
visto pela população como uma marionete de Ruanda e dos tutsis na RDC,
constituindo uma imagem de que o presidente havia vendido o país para interesses
externos. Isto estava claro, uma vez que Kabila dependeu do apoio destes países
para chegar ao poder.
Os Estados Unidos apoiavam Kabila, sobretudo, por três motivos: pretendiam
explorar os recursos naturais do país, queriam conter o fundamentalismo islâmico na
África, e buscavam estender sua influência na África Central. A influência americana
na região ocorreu em detrimento da francófona. Até 1990, Paris detinha grande
influência na região, mas esta cedeu lugar aos interesses americanos após a Guerra
Fria. No que se refere à região dos Grandes Lagos, a vitória da RPF em Ruanda e
da ADFL no Congo trouxe consigo uma elevação da influência dos EUA na região.
Kabila passou a governar o país apoiando-se nos seus vizinhos (Ruanda e
Burundi) e constituindo um governo pró-tutsi, nomeando diversos ministros desta
tribo para o governo.
56
Contudo, tais movimentos não concediam prestígio popular a Kabila, que era
cada vez mais visto como aquele que havia vendido o Congo para os interesses
externos.29
Após os primeiros 12 meses no governo, Kabila realizou uma mudança em
sua forma de governar, passando a ignorar seus principais aliados, os regimes de
Ruanda e Uganda, a fim de angariar maior legitimidade interna. Dessa maneira,
Kabila foi adquirindo uma animosidade com seus vizinhos, a qual tornou-se ainda
mais crítica quando o presidente mostrou que não resolveria o principal problema
que o trouxera ao poder – a questão da marginalização dos tutsis e a cidadania para
a tribo Bayamulenge – perpetuando a atuação de grupos rebeldes na fronteira leste.
Além disso, o presidente havia solicitado que Ruanda e Uganda removessem suas
tropas do país.
Isto ia de encontro às expectativas e desejos dos governos que patrocinaram
a subida de Kabila ao poder e não demorou muito para que eles ensaiassem uma
forma de tirá-lo do poder na RDC. Assim, num curto espaço de tempo, os
apoiadores do governo na RDC tornaram-se seu principal inimigo, orquestrando uma
operação militar que resultaria na morte de milhares de civis e que chamaria a
atenção da comunidade internacional.
O movimento rebelde, patrocinado por Ruanda, tomou as províncias do leste
e varreu o país a partir de Agosto de 1998. A fim de defender-se, Laurent Kabila
utilizou-se de retórica étnica, incitando a violência contra tutsis e alegando que
Uganda e Ruanda estavam interferindo na soberania do país. Kabila pediu apoio de
tropas a Zimbábue, Angola e Namíbia, a fim de apoiar o regime de Kinshasa.
De acordo com a ONG International Crisis Group (2006), entre 1998 e 2004
(anos em que o conflito assumia sua face mais violenta), estimados 4 milhões de
pessoas haviam morrido como causa direta da violência entre as partes. As
dificuldades relacionadas com a cessação das hostilidades entre as partes
envolvidas no conflito possuem diversos motivos e muitos destes serão abordados a
partir do próximo capítulo.
É importante destacar que, embora este autor considere que o conflito tenha
raízes múltiplas, que concorreram para o desencadeamento da guerra na RDC,
29
Ruanda apoiara Kabila, na esperança de que ele resolveria o problema das ações militares na região da fronteira, as quais prejudicavam a estabilidade do país.
57
entre elas as tensões étnicas, a ingerência dos países vizinhos e os anos de baixo
(senão nulo) desenvolvimento econômico, este trabalho enfocará, essencialmente,
os problemas em torno da circulação de armas na região dos Grandes Lagos e de
que maneira a MONUC, juntamente com o governo da RDC, buscou fazer face à
estes desafios. Pode-se afirmar, desde já, que a proliferação de armas na região é,
sim, fator de considerável desestabilização para a RDC e seus vizinhos, e sua
solução é imprescindível para o fim dos conflitos.
O próximo capítulo abordará o conflito mais recente na RDC, a partir de 1998,
lançando luz sobre os diversos acordos firmados em nível regional para a solução
do conflito. Também partirá do estudo das diversas resoluções que o Conselho de
Segurança da ONU emitiu para a operação da MONUC em solo congolês.
58
3 A AÇÃO DA MONUC NO CONGO (1999-2006)
Neste capítulo será analisada a atuação da Operação da ONU na RDC, mais
conhecida como MONUC, a partir de sua instauração, com a assinatura do Acordo
de Lusaka, em 1999, até o ano de 2006, quando ocorreram as primeiras eleições
livres no país após a independência.
A passagem para um regime “democrático”, com a ascensão de Kabila ao
poder, representou uma vaga esperança para a solução da crise no país. No
entanto, tais votos logo se esvaneceram, na medida em que o novo presidente
demonstrou uma forma de governo similar com a de seu antecessor, impondo seu
caráter autoritário e egoísta no poder.
O recrudescimento do conflito na RDC chamou a atenção, primeiramente, dos
países africanos, que se reuniram em 1998, em Pretoria, África do Sul, para trazer
uma solução para a crise. Nessa reunião, os líderes dos países da SADC
(Comunidade para o Desenvolvimento do Sul da África, na sigla em inglês),
reconheceram a legitimidade do governo da RDC e pediram que a cessação
imediata das hostilidades fosse seguida por um diálogo político para uma solução
pacífica da crise.
A reunião, com a presidência de Nelson Mandela, os países da SADC
requisitaram que fosse organizado um cessar-fogo, em consulta com o Secretário-
Geral da Organização da União Africana (OUA).
Assim, a ação da SADC imprimiu nova dinâmica para as conversações em
torno da solução da crise. Em Novembro de 1998, Paul Kagame, vice-presidente de
Ruanda, admitiu que tropas de seu país estavam ajudando os rebeldes na RDC,
mas justificou a intervenção em termos de segurança nacional.
A reunião dos líderes da SADC, embora não tenha trazido resultados
concretos para o fim das hostilidades, propiciou um debate em torno do assunto que
culminou na celebração do Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka.
59
3.1 O Acordo de Lusaka e a Instauração da MONUC
O Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka trouxe para a mesa de negociação as 6
partes envolvidas no conflito (RDC, Ruanda, Uganda, Angola, Namíbia e Zimbábue)
em 10 de Julho de 1999. Estas se comprometeram com a cessação das
hostilidades. O Acordo de Lusaka determinou, também, a criação de uma Joint
Military Commision (Comissão Militar Conjunta), a qual administraria o cessar-fogo
até que uma missão de paz da ONU pudesse ser operacionalizada.
O Acordo comporta as condições relativas à normalização da situação ao
longo da fronteira da RCD; ao controle do tráfico ilegal de armas e de infiltração de
grupos armados; à abertura de um diálogo nacional; à necessidade de regular as
questões de segurança; à formatação de um mecanismo que vise ao desarmamento
das milícias e grupos armados; além da autorização para o estabelecimento da
MONUC.
No preâmbulo, consta a reafirmação que todos os grupos étnicos e
nacionalidades que constituem o que se tornou o Congo (agora RDC) na
independência devem usufruir de direitos iguais e proteção da lei como cidadãos.
Além disso, é enfatizada a necessidade de garantir que os princípios de boa
vizinhança e não-interferência nos assuntos internos dos outros estados sejam
respeitados. O respeito às convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos
adicionais, bem como a convenção sobre genocídio, de 1948 também são
mencionadas.
No texto, observa-se também o reconhecimento de que a questão da
proliferação das armas é um dos fatores que contribui para a continuidade das
hostilidades. No artigo I, consta que o cessar-fogo deve compreender a cessação do
fornecimento de munição e armas e outros materiais relacionados para o território.
Consta também a solicitação às Nações Unidas para que, atuando sob o capítulo VII
da Carta e em colaboração com a OUA, constituam uma força de peacekeeping
apropriada para a RDC, para que assegure a implementação do Acordo.
A Comissão Militar Conjunta – JMC – ficaria baseada em Lusaka, Zâmbia, e
seria composta por 2 membros de cada uma das partes beligerantes, incluindo o
60
MLC e o RCD, bem como observadores neutros da Zâmbia e representantes da
ONU e da OUA.
Esta Comissão teria como principais funções: investigar as violações de
cessar-fogo; criar mecanismos para identificar e desarmar milícias e monitorar a
retirada de tropas estrangeiras, de acordo com o calendário estipulado; coordenar o
estabelecimento de uma missão da ONU, com o mandato sob o capítulo VII, com a
tarefa de desarmar os grupos armados, coletar armas dos civis e prover assistência
humanitária e proteção às populações vulneráveis; e, iniciar um diálogo interno que
levaria à formação de uma nova identidade política na RDC.
Com relação ao desarmamento dos grupos armados, o documento afirma que
a JMC, com a assistência da ONU / OUA, deverá criar mecanismos para localizar,
desarmar e documentar todos os grupos armados na RDC, incluindo as ex-FAR,
ADF, LRA, UNRF II, Interahamwe, FUNA, FDD, WNBF, UNITA30 e instituindo
medidas para: a) entregar ao tribunal internacional da ONU e cortes nacionais,
assassinos em massa e perpetradores de crimes contra a humanidade; b)
tratamento de outros criminosos de guerra.
A partir da análise deste documento, entende-se que as Nações Unidas são
efetivamente chamadas para atuar no conflito e que a o desarmamento dos grupos
armados estrangeiros operando no território do país se constitui um dos seus
principais aspectos.
De acordo com o artigo 22 de Lusaka:
Deve haver um mecanismo para desarmar as milícias e grupos armados, incluindo as forças que realizam genocídio (...) todas as partes se comprometem com o processo de localização, identificação, desarmamento e reunião de todos os membros dos grupos armados, [e] se comprometem em tomar todas as medidas necessárias para facilitar a sua repatriação.31 (tradução nossa).
30 O Secretário-Geral da ONU, em seu relatório para o Conselho de Segurança, em 15 de Juho de 1999, destacou que os grupos armados identificados eram: as ex-forças do governo de Ruanda (ex-FAR) e milícia Interahamwe, a ADF (Forças Democráticas Aliadas), a LRA (Exército de Resistência dos Lordes), as FDD (Forças para a Defesa da Democracia de Burundi), o ex-exército nacional de Uganda (FUNA), a UNRF (Frente Nacional para o Resgate de Uganda II), WNBF (Frente do Oeste do Nilo) e UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola). 31 Tradução livre feita pelo autor do trecho: “There shall be a mechanism for disarming militias and armed groups, including the genocidal forces (…) all Parties commit themselves to the process of locating, identifying, disarming and assembling all members of the armed groups, [and] commit themselves to taking all the necessary measures to facilitate their repatriation”.
61
Em Agosto de 1999, o líder do MLC (Mouvement por La Libération Du
Congo), Jean-Pierre Bemba foi o primeiro dos rebeldes congoleses a assinar o
Acordo. O RCD também o fez, 1 mês mais tarde.
No entanto, ficou claro que um Acordo não traria automaticamente paz para a
região, fazendo-se necessária uma Missão de Paz da ONU para observar o
comprometimento das partes com o Acordo e garantir o fim das hostilidades.
Dessa maneira, o CS das Nações Unidas, na resolução 1258, de Agosto de
1999, expressou sua aprovação com relação à assinatura do Acordo de Lusaka e
também reconheceu como positivo a assinatura do referido acordo pelo MLC. Por
outro lado, condenou os demais grupos rebeldes por não aderirem ao cessar-fogo.
Na mesma resolução, o CS autorizou o estabelecimento de pessoal da ONU
(militar, civil, político, humanitário e administrativo) para as capitais dos países
signatários do Acordo, por um período de 3 meses e com o mandato de: estabelecer
contatos com a JMC e todas as partes do Acordo; auxiliar a JMC e as partes no
desenvolvimento de modalidades para a implementação do Acordo; fornecer
assistência técnica, conforme requerido pela JMC; fornecer informação para o
Secretário-Geral com relação à situação no terreno e auxiliar na definição de um
conceito de operações para um possível aumento na participação das Nações
Unidas na implementação do acordo uma vez assinado por todas as partes; e,
garantir que as partes cooperem e demonstrem certezas quanto ao estabelecimento
de observadores militares em seus países.
Infere-se, portanto, que o papel das Nações Unidas, naquele momento,
correspondia mais a um papel coadjuvante no conflito, estabelecendo uma missão
principalmente de observação, que somente verificaria a implementação do Acordo
de Lusaka.
No relatório que Kofi Annan enviou ao CS, em Julho de 1999, ele delineou a
forma com que a MONUC deveria de lidar com o conflito. De acordo com o relatório,
a ação da MONUC seria estabelecida em três fases: a primeira, seria o
estabelecimento do pessoal militar nas capitais dos países signatários do Acordo e,
se a segurança permitisse, para a retaguarda dos quartéis dos grupos rebeldes; a
segunda fase começaria com a chegada de 500 observadores militares na RDC; e,
na terceira fase, seria estabelecida uma peacekeeping force.
Estas foram as bases para a discussão do planejamento para o emprego de
pessoal militar e civil na operação da MONUC, dividida nas fases I, II e III.
62
3.2 A Fase I da MONUC
Na resolução 1279, de Novembro do mesmo ano, as Nações Unidas
decidiram que o pessoal autorizando a operar na RDC na resolução 1258 viria a se
constituir na MONUC – Mission de Observation des Nations Unies au Congo.
De acordo com este documento, o CS reafirma que o Acordo de Lusaka é o
dispositivo legal ideal para a resolução do conflito e pede que todas as partes
abdiquem do uso da força e utilizem a JMC como foro para discutir questões
militares. Também decide que o pessoal autorizado sob as resoluções 1258 (1999) e
1273 (1999) viriam a constituir a Missão de Organização das Nações Unidas na
República Democrática do Congo. Seu mandato incluiria as seguintes tarefas: a)
estabelecer contatos com os signatários do Acordo de Cessar-fogo em seus
quartéis-generais, bem como nas suas capitais; b) juntar-se à JMC e fornecer
assistência técnica na implementação de suas funções, incluindo a investigação de
violações do cessar-fogo; c) fornecer informações sobre condições de segurança em
todas as áreas da operação, com ênfase em condições locais que poderão afetar
futuras decisões sobre a introdução de pessoal da ONU; d) planejar a observação
do cessar-fogo e desmantelamento das forças; e) manter contato com todas as
partes do Acordo de Cessar-fogo a fim de facilitar a assistência humanitária para
pessoas desabrigadas, refugiados, crianças, e outras pessoas afetadas, e ajudar na
proteção dos direitos humanos, incluindo os direitos das crianças.
Através desta resolução, o mandato da MONUC teria validade até Março de
2000, e compreenderia um pessoal já autorizado pelas resoluções anteriores 1258 e
1273, que dariam suporte às atividades da JMC e observariam o cumprimento das
partes ao Acordo.
Com a resolução 1279, as principais tarefas da MONUC seria observar o
cessar-fogo, ajudar a JMC na investigação de violações ao cessar-fogo, fazer
avaliações de segurança. Além disso, deveria de mapear as posições dos
combatentes, com vista a estabelecer frentes de batalha no território.
63
A MONUC demonstrou claramente que não estava preparada para cumprir
com tal mandato, uma vez que não possuía recursos necessários para executar
todas as funções de forma adequada e com segurança.
Além disso, os países-membros da ONU não atenderam prontamente o
pedido do CS para ceder tropas para a formação da MONUC. Isto está mais claro no
relatório do Secretário-Geral, Kofi Annan, para o Conselho de Segurança, em
Janeiro de 2000, onde constata que o conflito continua a se deteriorar e que a força
das Nações Unidas, constituída na época de somente 79 observadores militares
(grifo nosso), não será o suficiente para que se obtenha a cessação das hostilidades
na região.
De acordo com o parágrafo 53 do relatório, “as Nações Unidas podem ter um
papel potencialmente mais importante se elas receberem o necessário mandato e
recursos. Sob tais condições, será certamente necessário prever uma operação de
peacekeeping das Nações Unidas em larga escala. Seus principais objetivos seriam:
assistir aos beligerantes no completo desarmamento e retirada de suas forças em
condições razoáveis de segurança; fornecer segurança para o pessoal militar das
Nações Unidas; e, contribuir para o eventual desarmamento, desmobilização e
reintegração (DDR) de ex-combatentes, incluindo grupos armados identificados no
Acordo de Lusaka.
Da mesma forma, no § 80, Kofi Annan diz que o estabelecimento de pessoal
militar adicional deverá contribuir para a restauração e manutenção do clima
favorável para a implementação do Acordo de Lusaka.
3.3 A Fase II das Operações
O Conselho de Segurança, através de relatório do seu Presidente, afirmou
sua consideração a respeito da proposta de Kofi Annan para uma expansão da
missão das Nações Unidas na RDC e também expressou sua preocupação com a
atuação, na RDC, de grupos armados que não aderiram ao cessar-fogo e que ainda
precisam ser desmobilizados. Chama ainda atenção para o processo de DDRR,
onde diz que “O Conselho reconhece que o desarmamento, desmobilização,
64
reintegração e reinserção estão entre os objetivos fundamentais do Acordo de
Lusaka. (...) um plano crível de DDRR deverá se basear num conjunto de princípios
compreensíveis e acordados pelas partes” (tradução nossa). Ainda, o CS demonstra
preocupação com a entrada de armas na região e chama as partes responsáveis
para acabar com este movimento.
Através da Resolução 1291 de Fevereiro de 2000, o CS autorizou a expansão
da missão no Congo, que passaria a compreender um total de 5, 537 militares e 500
observadores, ou mais, caso o Secretário-Geral (SG) julgue necessário, além de
pessoal civil para coordenar atividades humanitárias, de informação pública,
proteção às crianças, suporte médico e administrativo, além de funções políticas.
Através desta resolução a MONUC passou a ter um mandato que englobava
8 objetivos que deveria de ser alcançados em colaboração com a JMC. Dentre
estes, pode-se citar: a) monitorar a implementação do Acordo de Cessar-fogo e
investigar violações do mesmo; b) estabelecer a manter contínuo contato com os
quartéis-generais de todas as forças militares das partes; c) desenvolver, dentro de
45 dias da adoção da resolução, um plano de ação para a implementação completa
do Acordo de Lusaka por todos, com ênfase particular no cumprimento dos objetivos
de coleta e verificação de informações militares sobre as forças das partes, a
manutenção da cessação das hostilidades, a retirada das forças, e a implantação de
um compreensivo processo de DDR de todos os membros de todos os grupos
armados referidos no Anexo A do Acordo de Lusaka, e a retirada completa de todas
as forças estrangeiras;
Além destes, deveria ainda se encarregar de libertar prisioneiros de guerra,
supervisionar o desmantelamento das forças e cuidar para a interrupção do
fornecimento de armamentos para os grupos armados, além de facilitar a ajuda
humanitária.
No entanto, os esforços para acabar com o conflito foram dificultados pela
contínua atuação dos grupos armados e a não-observância do cessar-fogo. Além
disso, armamentos continuavam a adentrar a região.
Isto pode ser melhor observado na resolução 1304 de 2000, que expressa
indignação e ressentimento com a onda de luta entre as forças de Uganda e Ruanda
na região de Kisangani, leste da RDC, que impactou na morte de vários civis e na
destruição de propriedades na região. O texto ainda reafirma a soberania da RDC
com relação aos seus recursos naturais e mostra preocupação com as alegações de
65
exploração ilegal dos recursos naturais do país e o potencial que estas ações têm
sobre as condições de segurança e a continuidade das hostilidades. O CS ainda
critica o governo congolês pela falta de cooperação. Valendo-se do capítulo VII da
Carta da ONU, o CS solicita que todas as partes cessem as hostilidades no território
da RDC e cumpram com suas obrigações acordadas em Lusaka; também condena
a luta entre as forças de Ruanda e Uganda na região de Kisangani, as quais
ameaçam a soberania e integridade territorial do país e pede que essas forças
desistam da luta armada.
O SG também acompanhou a deterioração do conflito através de seu
relatório, em Dezembro de 2000, assinalando a situação volátil, sobretudo na região
leste do país. A parte leste estava em meio à luta de grupos armados pró-governo,
os quais não haviam firmado o acordo de cessar-fogo, e que continuavam a receber
treinamento e armamentos. Além disso, o SG expressou sua indignação com a
intransigência do governo da RDC com relação à liberdade de movimento dada à
MONUC.
A fragilidade do cessar-fogo acordado em Lusaka e a contínua luta no leste
do país, a qual desestabilizava não somente a RDC, mas também os países
vizinhos vieram a somar-se a mais um fator político complicador. Este estaria
relacionado ao assassinato do presidente Laurent Kabila, em Janeiro de 2001, por
um de seus guarda-costas.
Quem assumiria, a partir de então o governo da RDC seria o seu filho, Joseph
Kabila, de 31 anos. O jovem Kabila assumiu uma postura mais conciliadora no
tratamento do conflito, gerando uma janela de oportunidade para a MONUC
proceder com a fase II das suas operações.
O novo presidente, no entanto, continuou a exigir a saída das forças
estrangeiras do território congolês, referindo-se claramente à Ruanda e Uganda.
As resoluções da ONU acompanharam este discurso, invocando as partes
para abdicar do uso da força, especialmente de Ruanda e Uganda e pede que as
partes envolvidas no conflito no leste do país cessem suas atividades. O CS ainda
solicita ao governo da RDC que pare de apoiar as atividades dos grupos rebeldes
Ex-far e Interahamwe, que realizam ataques contra as demais partes constantes do
Acordo de Lusaka.
66
Durante visita do Departamento de Operações de Paz da ONU (DPKO),
realizada entre 8 e 19 de Janeiro de 2001, foi reavaliada a situação frágil do país,
levando-se em conta o tamanho do território e as dificuldades de acesso às maiores
cidades. O relatório propôs um aumento gradual na capacidade operacional da
MONUC, caso as forças beligerantes se desfaçam e contribuam para um ambiente
seguro para a atuação da MONUC. Assim, o DPKO estaria vislumbrando a
subseqüente expansão da missão para o leste do país.
Em Julho de 2001, o CS aprovou a resolução n° 1355 , que, entre outras
disposições, aprofundava o processo de DDRR, solicitando às partes que forneçam
informações sobre seus combatentes, e um plano de ação para o desmantelamento
de suas forças, de modo a se realizar a fase III das operações da MONUC.
3.4 A Terceira Fase das Operações da MONUC e o Apro fundamento do
Processo de Paz.
O foco das fases I e II da MONUC era baseado, primordialmente, na
cessação das hostilidades e a retirada das forças armadas das partes na RDC. Esta
tarefa havia sido desenvolvida com a ajuda de cerca 450 observadores militares.
É importante ressaltar que a falta de comprometimento dos Estados-membros
da ONU em ceder contingentes para a MONUC constitui-se em um dos maiores
impedimentos para a resolução do conflito. Em Março de 2001, de acordo com o
sétimo relatório do SG para o Conselho de Segurança, a MONUC compreendia um
total de 367 pessoas, entre pessoal administrativo (90) e militar (277). Um ano mais
tarde, a força da MONUC compreendia apenas 3, 800 capacetes azuis32, um
considerável aumento, mas ainda insuficiente para dar continuidade ao processo de
desarmamento proposto na fase III das operações.
Contudo, em Outubro de 2001, o CS ouviu as recomendações do SG e
autorizou a fase III da MONUC na RDC. O Conselho também se mostrou
32 Termo usado para fazer menção ao equipamento usado pelos soldados que lutam sob a égide da
ONU.
67
preocupado com os contínuos ataques dos rebeldes na zona leste do país, e
principalmente com a deterioração da situação humanitária nessa região.
De acordo com o SG, os principais pontos objetivados na fase III das
operações seriam a retirada total das forças estrangeiras e o desarmamento e
desmobilização dos grupos armados. Isto seria feito através do programa de DDRR,
que encorajaria os combatentes e suas famílias a entregarem, de forma voluntária,
suas armas, em troca de proteção e benefícios para que pudessem se sustentar.
O SG da ONU ainda afirmou, na reunião para a aprovação da fase II, que
if MONUC [is] to succeed in phase III of its deployment, the fighting in the east of the country must stop. No one should support the armed groups that continued to fight in the east and no one should take any further aggressive action against them. At the same time, everything must be done to create conditions that would encourage former combatants to return voluntarily to their homes and enable them to be safely settled.33 (tradução nossa).
A terceira fase da MONUC corresponderia, assim, ao desarmamento,
desmobilização, repatriação e reintegração de todos os grupos armados na RDC; a
entrega de assassinos em massa e perpetradores de crimes contra a humanidade
para as autoridades competentes; e, o desarmamento de civis congoleses
ilegalmente armados. Para isso, a MONUC contou com um aumento em seu
contingente, através da resolução n° 1445/2002, pas sando a compreender um total
de 8, 700 militares. Estes deveriam de continuar a desenvolver suas atividades de
acordo com as provisões do Acordo de Lusaka, e administrar o processo de DDRR
de rebeldes Hutus de Ruanda no território da RDC.34
Cabe mencionar que o desarmamento não-voluntário, ou seja, levado a cabo
pela MONUC, em conjunto com o Governo congolês, somente seria possível uma
vez tendo se constituído um exército nacional. Dessa forma, no período inicial, a
MONUC trabalhou com o caráter voluntário do programa de DDR, o qual enfrentou
diversos percalços, como falta de subsídios para o apoio às famílias desmobilizadas, 33 Sétimo relatório do SG para o CS, Março de 2001. Tradução livre do autor: “para o sucesso da MONUC na sua fase III, a luta no leste do país deve parar. Ninguém deve apoiar os grupos armados que continuam a lutar na região leste do país e ninguém deve cometer qualquer ação agressiva contra eles. Ao mesmo tempo, tudo deve ser feito para se criar condições que encorajem estes ex-combatentes a retornar voluntariamente para suas casas e que permitam que sejam assentados com segurança. 34Testemunho do Assistente para Assuntos Africanos da Secretaria de Estado dos EUA, Charles Snyder, perante a Câmara do Comite de Relações Internacionais do Departamento de Estado dos EUA. Disponível em: http://www.state.gov/p/af/rls/rm/20245.htm. Acesso em Novembro de 2007.
68
e um programa que permitisse a aos ex-combatentes voltar à vida em sociedade,
por meio de treinamento, estudo e oportunidades de emprego.
A assinatura de dois acordos também contribuiria para o aprofundamento do
processo de paz. Em Julho de 2002, os chefes de Estado da República Democrática
do Congo e Ruanda acordaram a retirada das tropas de Ruanda do território
congolês e o desmantelamento das forças da EX-FAR e Interwahamwe, com a ajuda
do governo da RDC.
O programa para o desmantelamento das forças rebeldes compreendia um
período de 90 dias, incluindo o estabelecimento de uma terceira parte, que estaria
encarregada de verificar a adesão ao acordo. O programa incluiria, entre outros: a
localização exata dos grupos rebeldes, o seu desarmamento e desmantelamento e a
saída completa das forças de Ruanda do território da RDC.
O Secretário-Geral, em seu relatório de setembro de 2002, faz menção ao
acordo e cita que “a assinatura do Acordo de Pretoria foi caracterizado pelas partes
como um esforço para se vencer os principais obstáculos da implementação do
Acordo de Lusaka” (tradução nossa).
O segundo acordo que contribuiu para o estabelecimento da paz foi o Acordo
firmado entre o governo da RDC e de Uganda, na cidade de Luanda, em Setembro
de 2002. Este acordo previa a retirada das tropas de Uganda da RDC e a
cooperação e normalização das relações entre os dois países. O Acordo estabelecia
parâmetros para a desmilitarização da zona leste da RDC, que constituía uma região
de extrema volatilidade.
Dessa forma, Pretoria e Luanda deram apoio aos princípios celebrados em
Lusaka e garantiram uma nova oportunidade para se avançar o processe de
desarmamento, desmobilização, repatriação e reassentamento dos grupos armados
e a retirada das forças de Ruanda e Uganda.
Ainda houve, em 2002, mais um avanço para a estabilização da região, com a
assinatura do Acordo Global e Inclusivo (Global and All-Inclusive Agreement) sobre
a Transição Democrática na República Democrática do Congo, assinado em
dezembro daquele ano. Este acordo foi assinado pelas partes envolvidas no Diálogo
de Reconciliação Nacional e traçou as primeiras linhas para a constituição de um
programa de restauração da paz e da soberania nacional durante um período de
transição de dois anos, que culminaria na realização de eleições. Por meio desse
acordo, foi estipulado que o poder político, militar e econômico seria divido entre o
69
governo e os ex-combatentes, a sociedade civil e a oposição política. Joseph Kabila
continuaria no poder, tendo que dividi-lo com mais 4 vice-presidentes representantes
das outras partes na sociedade congolesa.
Em maio de 2003 houve uma incursão por parte da França com uma força
armada para ajudar no controle da região leste do país. Este força, chamada de
operação Artemis, permaneceria até Setembro do mesmo ano, quando foi
substituída por um contingente da ONU de 3800 homens, vindos principalmente de
países da Ásia e também da África do Sul.
Em julho de 2003, o CS aprovou uma nova extensão do mandato da MONUC,
com aumento do contingente para 10,800 homens. Através da resolução n° 1493, o
mandato da MONUC foi autorizado sob o capítulo VII da Carta da ONU, que autoriza
o uso da força, se necessário, para a defesa do mandato. Assim, as tarefas da
MONUC seriam monitorar o cessar-fogo e verificar o desmantelamento das forças,
facilitar a ajuda humanitária e acompanhar o desarmamento e desmobilização dos
combatentes.
O mesmo documento declarou um embargo no fornecimento de armas e
outros meios militares para grupos armados (da RDC e estrangeiros) operando na
região nordeste do país (províncias de Kivu e Ituri). É importante notar que este
embargo não tinha validade sobre as forças armadas do Congo e a polícia.
Em Junho de 2004, o presidente Joseph Kabila promulgou uma lei que abriria
caminho para a instalação de uma Comissão Eleitoral Independente, a qual adotaria
uma agenda para a operacionalização das eleições no país. Em julho, um painel de
experts da ONU, instaurado para analisar a questão do embargo de armas na RDC,
encontrou indícios de apoio de Ruanda, Uganda e do próprio governo da RDC a
grupos rebeldes dentro do território congolês. O Banco mundial também aprovou, na
mesma época, uma doação de 100 milhões para apoiar o programa nacional de
desmobilização e reintegração.
O terceiro relatório especial do SG sobre as operações da MONUC tem
grande importância para a análise da operação na RDC. Neste documento, o SG
responde às alegações de abuso sexual perpetrados pelo pessoal da ONU no país.
Além disso, o indica que a atmosfera de desconfiança entre as partes e a falta de
vontade política de algumas ainda demonstra ser um grande problema na
implementação da agenda de transição na RDC. O SG ainda alega que o Presidente
Kabila não está se comprometendo com o desarmamento da milícia Interhamwe no
70
leste do país e relata que forças da Ruanda ainda estão ativas dentro do território do
Congo. O relatório também nota que a ausência de infra-estrutura básica e
segurança são impedimentos para a condução de eleições livres no país. Ainda é
constatado que a ausência de controle e motivação dentro das forças armadas da
RDC, devido à falta de pagamentos e os baixos salários contribuem para crise no
país.
Já em Agosto de 2004, havia estimados 10,715 homens uniformizados sob a
égide da ONU. Em outubro do mesmo ano, as Nações Unidas aumentaram a força
da MONUC com mais 5,900 homens, apesar do pedido do SG Kofi Annan de ter um
incremento de 13,100 homens, que resultaria numa força total da MONUC de 23,900
homens.35 No mesmo documento, ele justifica uma ação mais robusta da MONUC a
fim de fazer frente aos desafios crescentes na proteção do processo de transição
que ocorria na RDC. Na mesma resolução, o mandato da MONUC incluiria a frase
“autoriza a MONUC a utilizar todos os meios necessários para”, entre outros, apoiar
as Forças Armadas da RDC no desarmamento de combatentes estrangeiros e
ajudar na repatriação voluntária de combatentes desarmados e seus dependentes;
coletar armamentos espalhados pelo território do país; colaborar no treinamento da
polícia; e, contribuir para um ambiente seguro e livre para o sucesso do processo
eleitoral estipulado no Acordo Inclusivo, assinando entre as partes em dezembro de
2002.
Ao fim daquele ano, uma lei permitiu a unificação das forças militares
presentes na RDC num só órgão nacional - o exército. A lei de organização da
defesa (Loi portant organisation générale de la défense et des forces armées),
aglutinou vários grupos, entre elas, é importante destacar o antigo exército,
chamado de FAC (Forces Armées Congolaises); os grupos armados RCD (incluindo
o RCD-Goma), o MLC, o RDC/ML, além da milícia Mayi-Mayi e as forças do governo
do ex-presidente Mobutu. (AMNESTY, 2007).
Na resolução 1592 de Março de 2005, o CS relembrou que o “link” entre a
exploração ilícita e comércio de recursos naturais em certas regiões continua a
abastecer os conflitos armados em certas regiões do país e pede que o governo
tome medidas para acabar com estas atividades ilegais. Também, pede que a União
35 Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança, em Agosto de 2004.
71
Africana trabalhe em conjunto com a MONUC na solução dos impedimentos à paz
na região.
Esta resolução demanda ainda aos governos de Ruanda e Uganda que
cessem seu apoio às violações do embargo de armas imposto em Julho de 2003 e
pede que todos os países vizinhos contribuam para este objetivo.
A partir de 2005, o país passa a enfrentar desafios de milícias interessadas
em desestabilizar o país e ameaçar o processo transitório que culminaria nas
eleições. Assim, a MONUC recebeu apoio do CS para aumentar seu contingente e
tomar uma ação mais robusta para eliminar tais ameaças.
Observou-se, nas resoluções do ano de 2005, uma ação mais forte com
relação ao embargo de armas, além da autorização para incremento (temporário) de
mais 300 (res. 1635) e 841 (res. 1621), para compor a MONUC e reforçar sua
operação durante a época das eleições.
Ainda cabe mencionar dados do relatório do Secretário-Geral, de Maio de
2005, onde foi confirmado o desarmamento de 15, 607 combatentes de várias
milícias, incluindo 4, 395 crianças, bem como a coleta de 6,200 armas. É também
pedido ao governo e às partes envolvidas que continuem trabalhando para o
completo processo de DDR no país. Além disso, o relatório ainda documenta o
aumento de violações aos direitos humanos associados às eleições futuras.
A União européia atendeu aos pedidos da ONU e, em abril de 2006, enviou
uma força especial para reforçar a segurança do país para as eleições de outubro
daquele ano. A missão, chamada de EUFOR, ficaria baseada na capital Kinshasa e
apoiaria a força policial na RDC na proteção dos civis, além de garantir liberdade de
movimento e segurar as áreas de importância logística (como aeroportos) para a
consecução das eleições.
Naquele momento, a força da MONUC já contava com quase 17,000 tropas,
apoiando a estabilização do país para a realização das eleições.
Nas eleições de Julho de 2006, os ingredientes da tensão prolongada no país
se fizeram presentes mais uma vez, com diversos casos de abusos aos direitos
humanos (violência sexual, ataque a escolas e morte de crianças) e crimes levados
a cabo pelas milícias rebeldes e também pelo próprio exército nacional, contribuindo
para um clima de insegurança no país. (de acordo com relatório do SG em Junho de
2006). Isto também se deve, em parte, ao fato de alguns grupos rebeldes ainda não
terem sido desmobilizados e integrados ao processo de DDR. O SG, no relatório
72
acima mencionado, também cita a mídia como fonte de instabilidade interna, ao
disseminar informações que levam ao desentendimento e ódio entre grupos étnicos
no país.
No entanto, a despeito de todos esses fatores, o processo eleitoral ocorreu
em Julho de 2006, com a participação de 32 candidatos (incluindo Joseph Kabila)
disputando os votos de 25,6 milhões eleitores. Contudo, os dois principais
candidatos, Joseph Kabila e Jean-Pierre Bemba, não obtiveram maioria absoluta,
tendo que disputar um segundo turno.
Este período entre os dois turnos das eleições foi marcado por diversos
protestos e crimes perpetrados por grupos apoiados pelos dois candidatos.
Ao final de 2006, Joseph Kabila despontou como vencedor das eleições,
coroando um novo momento na política congolesa.
Esta importante etapa unificou um país dividido e consolidou a autoridade
nacional sobre o país. Com a ajuda da MONUC, os seis principais grupos armados
foram integrados no exército nacional e tropas estrangeiras se retiraram do país. As
relações com os países vizinhos, em especial com Ruanda, melhoraram
consideravelmente.
Apesar disso, o processo de paz está longe de concluído e a força das
Nações Unidas permanece no país. De acordo com a ONG International Crisis
Group (2007), após as eleições de 2006, as relações entre o governo central e a
oposição se deterioraram, acompanhando um aumento de choques entre milícias e
o exército na parte leste do país, e resultando em problemas para a população que
se vê desabrigada, com fome e exposta à doenças.
Ainda de acordo com AMNESTY 2007, o exército se tornou um dos maiores
violadores dos direitos humanos, perpetrando crimes nas regiões mais frágeis do
leste do país.
A MONUC continua sua operação na RDC, após mais de 25 resoluções
aprovadas pelo Conselho de Segurança, 20 relatórios do Secretário-Geral e mais de
5 acordos internacionais a respeito da crise no país desde 1999. Tal operação
encontra-se fortemente apoiada no trabalho de cerca de 20,000 pessoas, entre
militares, civis e voluntários, de mais de 100 Estados-membros da ONU. 36
36
Dados do site da operação MONUC, acessado em Novembro de 2007.
73
CONCLUSÃO
A análise dos condicionantes do conflito na República Democrática do Congo
demonstra que a crise nesse país possui diversas facetas, envolvendo mais de 6
nações, além de diversas milícias e grupos armados, os quais ameaçam o potencial
de desenvolvimento desse país.
74
As origens do conflito congolês remontam à crise do Estado em 1960 e sua
fragilidade institucional, que não conseguiram produzir uma identidade nacional
homogênea. Além destes, o grande número de tribos espalhadas pelo vasto país e a
falta de infra-estrutura e recursos administrativos contribuíram para que o país
vivesse mais de 45 anos de guerra.
A República Democrática do Congo, de fato, representou e, ainda hoje,
representa um grande desafio para a Organização das Nações Unidas. Este
organismo teve de lidar com a ameaça de desintegração territorial do Congo em
meio ao clima extremamente desfavorável e tenso da Guerra Fria. Após uma
intervenção que mostrou as falhas do organismo contaminado pela divergência
política entre as potências dominantes da época, a ONU teve de se reinventar para
fazer frente aos desafios que a nova ordem mundial trazia consigo no início da
última década do século XX.
A redefinição dos objetos das ameaças nos conflitos, com foco nas questões
humanitárias e no atendimento às questões ligadas ao desenvolvimento ampliaram
a forma de participação da ONU no mundo, através de suas operações de paz
multidisciplinares.
Na volta ao regime “democrático” no Congo, com a ascensão de Laurent
Kabila ao poder, houve uma vaga esperança de que o país conseguisse se libertar
da corrente de pobreza e crise que permeava o país desde sua origem. No entanto,
tais votos logo se esvaneceram, na medida em que o novo presidente demonstrou
uma forma de governo similar com a de seu antecessor, impondo seu caráter
clientelista e autoritário no poder.
O recrudescimento do conflito na RDC nos anos 90 chamou a atenção,
primeiramente, dos países africanos, que buscaram dar uma solução “africana” para
a crise. Logo viram-se obrigados a solicitar ajuda da ONU para que as partes
envolvidas nos confrontos cessassem suas hostilidades. O Acordo de Lusaka, que
reuniu os países envolvidos no conflito, cedeu as bases para a atuação da nova
Operação de Paz da ONU no país.
A MONUC é a operação de paz mais custosa que a ONU já patrocinou na sua
história. Ela conta com um aporte de recursos no valor de aproximadamente 1 bilhão
de dólares por ano, que garantem a continuidade do processo de paz na RDC.
Esta operação teve de lidar, nos primeiros anos, com a fraca contribuição
internacional e um cenário de crescentes desafios impostos pela atuação de forças
75
rebeldes apoiadas por países estrangeiros. A atuação desses grupos também se
baseou fortemente na exploração de recursos naturais da própria RDC.
Enquanto que as causas do conflito podem ser identificadas pela ganância
pelos recursos naturais, rivalidades étnicas, má governança e agressão externa, fica
claro que a proliferação de armas na região dos Grandes Lagos forneceu os meios
para que a luta acontecesse.
A partir disso, a MONUC ensejou atividades de desarmamento,
desmobilização e reintegração dos combatentes do conflito, de modo a promover um
ambiente mais seguro no país. Ao mesmo tempo, contribuiu para a construção de
instituições nacionais que pudessem, com o tempo, gerenciar por si só a crise. Estas
atividades foram auxiliadas por um forte embargo ao fluxo de armas no país e à
repressão do comércio ilegal de armamentos.
As eleições de 2006 ocorreram em meio a um clima de tumulto e de
contínuos crimes contra os direitos humanos. Contudo, e apesar disso, a
consecução das eleições, com a vitória do presidente Joseph Kabila e a formação
de uma identidade política mais legítima, completaram um capítulo da história da
República Democrática do Congo.
Muitos desafios ainda estão à frente, e a ONU continua presente no país,
prestando assistência na continuidade do processo de DDR, principalmente no
quadrante leste, e apoiando as forças armadas, na reintegração de ex-combatentes
para dentro da sociedade congolesa.
De acordo com o vigésimo terceiro relatório do SG sobre a MONUC, em 20
de Março de 2007, o foco principal do período de transição (que culminou nas
eleições presidenciais) foi construir a capacidade do exército nacional, através da
integração das forças beligerantes. Tal propósito só pode ser alcançado com um
processo efetivo de DDR, o qual, segundo Ban Ki-Moon (o novo Secretário-Geral da
ONU, a partir de 2007), desmobilizou em torno de 96 mil combatentes, dos quais 50
mil foram integrados às forças armadas. Enquanto que o desarmamento de outros
44 mil ex-combatentes também já foi completado, a MONUC, juntamente com o
novo governo da RDC, precisa desenvolver novos mecanismos para integrar mais,
aproximadamente 35 mil elementos nas forças armadas. O relatório ainda aponta
que o desarmamento, desmobilização e integração de um restante estimado em
70.000 ex-combatentes estão ameaçados pela falta de ajuda financeira.
76
O que se pode depreender destes resultados é que a Missão da ONU na
República Democrática do Congo foi fundamental para a estabilização do país e a
transição para um regime democrático, mas ainda é imprescindível para a
manutenção desta situação no país. Um dos pontos nevrálgicos da atuação da
MONUC após as eleições é a estabilização da parte leste do país, que ainda está
tomada por conflitos entre milícias armadas.
Em que se pese o aporte de recursos destinados para tal operação, é preciso,
no entanto, refletir acerca dos custos da paz e o montante de recursos que tanto o
organismo internacional em questão, bem como doadores internacionais,
despejaram no país, a fim de acabar com o conflito. A missão da ONU na RDC foi,
sem dúvida, fundamental para atrair a atenção internacional para a região e exigir
que se acabasse com este ciclo de morte e exploração que perpetuam a história
daquele país desde sua independência. Contudo, sozinha, a ONU não conseguirá
implementar uma solução duradoura para o país. É premente que se estabeleça um
“modus vivendi” entre os principais atores políticos dentro da RDC, como condição
imprescindível para que o Estado conquiste maior legitimidade e seja o único
detentor do uso legítimo da força.
A República Democrática do Congo possui, com efeito, todos os pré-
requisitos para ser um motor para o desenvolvimento da África. Este potencial, para
não ser desperdiçado, deve ser usado, portanto, em função da construção de um
Estado próspero e que crie condições para o desenvolvimento da população.
REFERÊNCIAS
AFRICAN Security Review. Editorial: A Focus on Small Arms. Vol. 10, N° 1, 2001. Disponível em: < http://www.iss.co.za/pubs/ASR/10No1/Editorial.html>. Acesso em: 21 Setembro 2006.
77
AMNESTY International. Democratic Republic of Congo: Disarmament, Demobilization and Reintegration (DDR) and the Reform of the Army. 2007. Disponível em: <http://www.unddr.org/documents.php?doc=1092&PHPSESSID=6dcfac285899da04e37020b4249072d4>. Acesso em: Novembro 2006. ______. Democratic Republic of Congo (DRC): Child soldiers abandoned. 2006. Disponível em: <http://news.amnesty.org/index/ENGAFR620192006>. Acesso em: Último acesso em: Novembro 2006. ARON,Raymond. Paz e Guerra entre as Nações . 2 Ed. Editora UNB, 1992.
BERMAN, Eric G. The multinational force for the Congo. African Security Review . 2003. Disponível em: <http://www.iss.co.za/pubs/ASR/12No3/CBerman.pdf>. Acesso em: Novembro 2006. BREYTENBACH, Willie et al. Conflicts in the Congo: From Kivu to Kabila. African Security Review Vol 8 No 5, 1999.
CARDOSO, Afonso José Sena. O Brasil nas operações de paz das Nações Unidas . Brasília: Instituto Rio Branco, 1998. CILLIERS, Jakkie; MALAN, Mark. Peacekeeping in the DRC: MONUC and the road to peace, 2001. Disponível em <http://www.iss.co.za/Pubs/Monographs/No66/CONTENTS.HTML>. Último acesso em: Setembro, 2007. CLAPHAM, Christopher. Rethinking African States. African Security Review. Vol. 10, N° 3, 2001. Disponível em: < http://www.issafrica.org/pubs/ASR/10No3/Content103.html>. Acesso em: Setembro, 2007. ______. Africa and the international system : the politics of state survival. Reino Unido: Cambridge University Press, 1996. CLARK. John F. (ed.) The African Stakes of The Congo War. EUA: Palgrave, 2002.
78
COCK, Jacklyn. The Link Between Security and Development: The Problem of Light Weapons Proliferation in Southern Africa. African Security Review . Vol 5, N° 5, 1996. Disponível em: <http://www.iss.co.za/pubs/ASR/5No5/Cock.html>. Último acesso em: 23/10/06. DURCH, William J. The evolution of UN peacekeeping : case studies and comparative analysis. New York: St. Martin´s; The Henry L. Stimson Center, 1993. DAGNE, Theodros. Relatório ao Congresso . Democratic Republic of Congo: Transitional Process and U.N. Mission. Congressional Research Service, 2005. Disponível em: <http://www.fas.org/sgp/crs/row/RS22089.pdf>. Acesso em: Outubro 2007. DECLARAÇÃO de Nairobi. Disponível em: <http://www.smallarmsnet.org/docs/saaf04.pdf>. Acesso em: Setembro de 2007. DRC: Security Council endorses EU force. IRIN Networks. Disponível em: <http://www.irinnews.org/Report.aspx?ReportId=58843>. Último acesso em: Outubro de 2007. FLATEN, Robert A. Discurso do ex-embaixador Americano em Ruanda . United Nations Association in Minessota. Carleton College, Northfield, Minnesota. January 8, 1999. Disponível em: http://www.unamn.org/cold%20peace%202.htm. Acesso em: Setembro de 2007. FRIMAN, Haakan. African Security Review . Vol. 10, N° 3, 2001. Disponível em: < http://www.iss.co.za/ASR/10No3/Content103.html>. Acesso em: Novembro 2006. GORDON, King. As nações unidas no Congo : em busca da paz. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1965. GELFAND, Lauren. With U.N. Role in Question, D.R. Congo Once Again at Precipice of War. World Politics Review, 15/11/2007. Disponível em: <http://www.worldpoliticsreview.com/article.aspx?id= 1356>. Acesso em: Novembro de 2007. HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
79
INIS, L. Claude. Swords into Plowshares: Building Peace Through the United Nations. Martinus: 2006. INTERNATIONAL Crisis Group. Conflict in Congo . Disponível em: <http://www.crisisgroup.org/home/index.cfm?id=2829&gclid=CO7Fuoi5148CFQySHgodaROpzQ>. Acesso em: Novembro 2006. ______. Conflict history: DR Congo. Disponível em: <http://www.crisisgroup.org/home/index.cfm?action=conflict_search&l=1&t=1&c_country=37>. Acesso em: Novembro 2006. JOLLY, Richard. Organização das Nações Unidas. Departmento de Assuntos do Desarmamento (UNDDA). Disarmament and Development : An Overview. Disponível em : <http://disarmament2.un.org/ddapublications/OP9art03.pdf>. Último acesso em: Novembro de 2006. KEOHANE, Robert O. Soberania estatal e instituições multilaterais: respostas à interdependência assimétrica. In: MOISÉS, J.A. "O Futuro do Brasil: a América Latina e o Fim da Guerra Fria". Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. LIMA, Sílvia. Comunidade Internacional de olho nas eleições congolesas. Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais . Disponível em: http://www.ieei.pt/post.php?post=234. Último acesso em: Outubro de 2007. MEREDITH, Martin. The State of Africa: a history of fifty years of in dependence . Grã Bretanha: The Free Press, 2005. NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. NYE, Joseph S. Compreender os conflitos internacionais: uma introdução à teoria e à história. Ed. Gradiva. ONU. Organização das Nações Unidas. Departamento de Assuntos de Desarmamento e Desenvolvimento. Report of the Secretary-General . The Relationship between Disarmament and Development in the current International context. Nova Iorque, 2004. Disponível em:<http://disarmament.un.org/cab/d&d.html>. Último acesso em: 10/11/06.
80
______. Assembléia Geral. Secretary-General Report . General and Complete Disarmament: Small Arms. Disponível em: <http://www.un.org/Depts/ddar/Firstcom/SGreport52/a52298.html>. Último acesso em: 13/11/06. ______. Assembléia Geral. Report of the Group of Governmental Experts. The illicit trade in small arms and light weapons in all its aspects. Disponível em:<http://disarmament.un.org/cab/salw-tracingexperts.html>. Último acesso em: 15/11/06. ______. Democratic Republic Of Congo (DRC): State Protection. Escritório Do Alto Comissariado para Refugiados (UNHCR), 2005. Disponível em: <http://www.unhcr.org/home/RSDCOI/430601354.pdf>. Último acesso em: 14/11/06. ______. An Agenda for Peace. Último acesso: http://www.un.org/Docs/SG/agpeace.html. ______. United Nations Trust Fund for Human Security. Guidelines for the United Nations Trust Fund for Human Security. Disponível em: <http://ochaonline.un.org/Home/tabid/2097/Default.aspx. 3 revisão. 2005.>. Acesso em: Janeiro de 2007. ______. United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Disponível em: <http://ochaonline.un.org/OchaLinkClick.aspx?link=ocha&DocId=1002703>. Acesso em: Fevereiro de 2007. ______. Human Security Now. Commission on Human Security . Disponível em: <http://www.humansecurity-chs.org/finalreport/English/FinalReport.pdf>. Nova Iorque, 2003. ______. General Guidelines for Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/Depts/dpko/training/tes_publications/books/peacekeeping_training/genguide_en.pdf.>. Acesso em: Setembro de 2007. ______. United Nations Disarmament, Demobilization and Reintegration Resource Centre. Country Programme: Democratic Republic of Congo. Disponível em: <http://www.unddr.org/index.php>. Acesso em: Setembro de 2007.
81
______. Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo. Disponível em: <http://monuc.org/Home.aspx?lang=en> . Último acesso em: 14/11/06. ONU. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 15/07/99. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 17/01/00. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 12/06/00. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 17/04/01. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 16/10/01. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 15/02/02. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 10/09/02. ______. Segundo relatório especial do Secretário-Geral ao C onselho de Segurança , de 27/05/03. ______. Terceiro relatório especial do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança, de 16/08/04. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 26/09/05. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça sobre a exploração ilegal de recursos naturais na RDC , de 17/02/06 ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 21/11/06. ______. Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segura nça , de 20/03/07. ______. Relatório do Secretário-Geral sobre Crianças em Con flitos Armados , de 28/06/07.
82
ONU. Resolução do Conselho de Segurança 143 , 14/07/1960. ______. Resolução do Conselho de Segurança 146 , 22/07/1960. ______. Resolução do Conselho de Segurança 169 , de 24/11/1961. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1258 , de 06/08/99. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1279 , de 30/11/99. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1273 , de 05/11/99. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1291 , de 24/02/00. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1304 , de 16/06/00. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1355 , de 15/06/01. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1445 , de 04/12/02. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1493 , de 28/07/03. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1592 , de 30/03/05. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1635 , de 28/10/05. ______. Resolução do Conselho de Segurança 1621 , de 06/11/05. ______.Visita do Departamento de Operações de Paz da ONU ( DPKO) à República Democrática do Congo , em 8-19 de Janeiro de 2001. Disponível em: <http://www.un.org/Docs/sc/missionreports.html> Acesso em Outubro de 2007. RELATÓRIO sobre Segurança Humana. Human Security Centre . What is Human Security: War and Peace in the 21st Century. 2005. Disponível em:
83
<http://www.humansecurityreport.info/HSR2005_PDF/What_is_HS.pdf.> Último acesso em: 10/11/06. SARFATI, Gilberto. Teoria das relações internacionais . São Paulo: Saraiva, 2005. SCHMIDL, Erwin. Police functions in peace operations : an historical overview. In: OAKLEY, R. B.; DZIEDZIC, M.J.; GOLDBERG, E. (Eds.). Policing the new world disorder: peace operations and public security. Washington, DC: National Defense University Press, 1998. STEMMET, Andre. Regulating Small Arms and Light Weapons: The African Experience. African Security Review . Vol. 10, No 3, 2001. Disponível em: <http://www.issafrica.org/pubs/ASR/10No3/Content103.html>. Acesso em: TESTEMUNHO do Assistente para Assuntos Africanos da Secretaria de Estado dos EUA, Charles Snyder, perante a Câmara do Comite de Relações Internacionais do Departamento de Estado dos EUA. Disponível em: http://www.state.gov/p/af/rls/rm/20245.htm. Acesso em Novembro de 2007. WEISS, Thomas G. et al. The United Nations and changing world politics. Westview, 2004. ANEXO I – Mapa da República Democrática do Congo