Post on 10-Dec-2018
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAISPROJETO “A VEZ DO MESTRE”
A RELAÇÃO SAÚDE-DOENÇA NAS CLASSES POPULARES
PÓS GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA. O APOIO SÓCIO-RELIGIOSO
COMO PROPOSTA ALTERNATIVA DE EDUCAÇÃO E SAÚDE.
CLAUDIONOR DELGADO DO NASCIMENTO
ORIENTADOR:Profa Fabiane Muniz
Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para a obtenção do Grau de Especialista em Docência Superior.
RIO DE JANEIROMARÇO DE 2002
SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO 4
1. OS IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA 81.1 Impactos sobre o “mundo do trabalho” 8
1.2 Impactos sobre o meio ambiente 10
1.3 Impactos sobre as condições de vida e saúde dos trabalhadores 11
2. AS DOENÇAS EMERGENTES 17
3. O CONTROLE DAS DOENÇAS 19
4. A SITUAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA 20
5. A HEGEMONIA DA CULTURA E SUA INSUFICIÊNCIA SOBRE AS DOENÇAS EMERGENTES NO BRASIL 21
6. ALOCAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS PARA A SAÚDE E EDUCAÇÃO 22
7. APOIO SOCIAL E FORMAS DE SAÚDE ALTERNATIVAS 25
8. SAÚDE ALTERNATIVA, RELIGIOSIDADE E AS CLASSES POPULARES 28
9. RELIGIÃO POPULAR E MODERNIZAÇÃO CAPITALISTA: UMA OUTRA LÓGICA NA AMÉRICA LATINA 34
10. BUSCANDO COMPREENDER OS CAMINHOS DAS CLASSES POPULARES 39
CONCLUSÃO 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44
Resumo
3
A globalização tem deixado o mundo do trabalho constrangido pelo desemprego eprecarização das atividades, criando impactos sobre a relação saúde-doença e emergênciade novas doenças, com projeções de piora para o futuro. O objetivo deste estudo, é analisaros principais impactos e fatores causais envolvidos no binômio saúde-doença, com focoprincipal sobre as relações entre os mediadores (profissionais da saúde, professores,técnicos, religiosos) e as classes populares que buscam uma forma de sobrevivênciaperante seus dominadores. A crise do Estado provedor, afeta de maneira dramática, arelação das classes populares com os serviços de saúde e educação no Brasil, explicando ocrescimento, principalmente, das igrejas evangélicas e pentecostais. A discussão do apoiosocial como proposta de educação e saúde, abre a perspectiva de abordar uma questão quefreqüentemente gera contradições no meio dos mediadores de educação popular : areligiosidade das classes populares. Foi concluído que a proposta do apoio social, além deoferecer uma contribuição para a crise de saúde e educação no Brasil, é também uminstrumento que auxilia os mediadores a decifrarem as várias mensagens que estas classesestariam produzindo através da religiosidade popular.
Introdução
4
A idéia básica é que termos como “redes sociais” e “poder” se relacionam mais
com as formas em que as classes populares se defendem e como buscam sua sobrevivência
diante de quem as dominam. Trata-se de uma postura de defesa, e neste sentido as classes
populares se preocupam com que a justiça seja feita mais do que alcançarem o poder
(Chuai, 1989:54). Assim, partindo da idéia de que as redes sociais das quais as classes
populares participam já existem e que o poder que buscam é o de se defender deste
capitalismo dito “selvagem”, buscando dessa forma sua “sobre-vida”. A preocupação
central é a das relações entre os mediadores ( profissionais da saúde, professores, técnicos,
religiosos ) e as classes populares.
A crise do que se fala se refere à inserção da América Latina no atual processo
de mundialização. Stotz lembra que as empresas multinacionais passaram a impor seus
interesses em todos os cantos do planeta, envolvendo questões como o grau de proteção
das economias nacionais, o âmbito da intervenção direta do Estado na economia e os
limites para o endividamento público em função de gastos sociais. Mas o problema é que
os sacrifícios impostos à maioria das populações que vivem apenas do seu trabalho não
tem a contrapartida de economias em crescimento -- pelos menos a taxas compatíveis com
as populações e com garantia de melhoria da renda e bem-estar.
O mundo do trabalho hoje está constrangido, de um lado, pelo desemprego
estrutural e, de outro, pela precarização do trabalho (Valla e Stotz, 1997, p. 7-8). Desde a
implantação do Plano Real, por exemplo, pelo menos 800.000 empregos já foram perdidos,
enquanto 2.500.000 vagas de trabalho já têm sido eliminados desde o início dos anos 90
(Rodrigues, 1997, p. 1).
Em fevereiro de 2000 haviam 1.474.013 desempregados nas seis maiores
regiões metropolitanas do Brasil. Trata-se do maior número de desempregados na história
do país (Brafman, 2000: 13). Ao mesmo tempo, a indústria brasileira registrou seu melhor
5
empenho desde 1997, demonstrando que a melhoria da economia. aos olhos do governo,
não necessariamente reflete nas condições de vida das classes populares (Clemente, 2000:
2-1). Mas esse fato traz pouco otimismo, pois não há previsão do índice de juros cair para
estimular o crescimento econômico. Luís Gonzaga Bellosso, da Unicamp, coloca que
“Essa história de que não dependemos mais de capitais de curto prazo é conversa fiada”,
pois os juros altos são para atrair mais investimentos de capital estrangeiro especulativo e
não para conter a inflação (Ribeiro, 2000: 2-1). Tão grave é a situação econômica do país
que o 1% mais rico da população detém 13,8% da renda total, enquanto os 50% mais
pobres, 15,5% da renda. Ou seja, um rico ganha tanto quanto 50 pobres (Escóssia e Grillo,
2000, 3-1).
O pagamento da dívida externa, já consome 65% do PIB do país, e o governo
já começa a gastar as verbas dos projetos sociais para poder cumprir com seus
“compromissos” com o FMI O PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) da ONU advertiu o governo brasileiro que não somente são os seus
gastos na área social muito aquém do esperado, mas que beneficiam mais as classes médias
e os ricos que os pobres (Rossi, 2000: 2-11). E desde 1998 a Caixa Econômico Federal
não libera dinheiro do Governo Federal para saneamento básico como forma de cumprir
com as metas do FMI. Os especialistas em saneamento básico lembram que, num período
de três anos, cada dólar gasto em saneamento significa três dólares economizados em
saúde. Este ano o Governo Federal cortou em mais de sete bilhões de reais gastos na área
social de saúde, educação, assistência e reforma agrária (Pacelli, 2000: 4). A situação
nos países em desenvolvimento é muito dramática porque políticas, instituições e serviços
voltados para a proteção social -- que nunca foram muito eficazes e dificilmente tinham
caráter universal -- vêm sendo revistas, desmontadas ou limitadas.
6
Entretanto a profunda crise daí decorrente deve estimular reflexões e
proposições capazes de redimensionar as relações entre o Estado e a sociedade,
particularmente para favorecer a ampla maioria dos que se encontram excluídos dos
benefícios da riqueza e do bem-estar. Com isso Stotz chama atenção para a necessidade de
superar a mera defesa do papel do Estado em prover diretamente ou em regular a oferta
privada (contratada ou autônoma) de serviços. Para que tais serviços contemplem de fato
as necessidades sociais das populações, precisam levar em conta, obrigatoriamente, o que
as pessoas pensam sobre seus próprios problemas e que soluções espontaneamente
buscam. (Valla e Stotz, 1997: 8).
Até recentemente, a proposta hegemônica entre aqueles que se preocupam com
a qualidade e quantidade dos serviços básicos, e, portanto, com o destino do dinheiro
público, era a de reivindicação e pressão sobre os governantes (Valla, 1991: 95-96).
Embora se julgue que tal proposta seja correta --e na última instância é como se provoca
mudanças no mundo político, ou pelas eleições , ou nas ruas -- o que se observa em quase
toda a América Latina é uma certa perplexidade quanto aos resultados obtidos. O rígido
mas contraditório controle fiscal exercido a partir do Governo Federal -- seja em
atendimento às exigências do Fundo Monetário Internacional, seja em gastos do dinheiro
público, como, por exemplo, no pagamento da dívida externa ou no solucionamento dos
bancos privados em apuros -- gera um ambiente de penúria e controle de tal modo que as
autoridades contam com estes limites para poder dar pouca atenção às reivindicações dos
setores organizados da sociedade civil de caráter popular.
A recente epidemia de cólera no Peru, por exemplo, teve como desfecho uma
surpreendentemente baixa taxa de mortalidade, mas muito mais em função da iniciativa
dos grupos populares do que em função dos investimentos do governo peruano.
Simbolicamente denominado o "duplo caminho", este movimento, de um lado, cobrou do
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governo o que seria da sua responsabilidade, e, de outro lado, quando percebeu que o
governo não respondia com os recursos necessários para combater adequadamente a
epidemia, implementou uma política própria de mutirão para salvar os atingidos (Valla,
1996: 3).
O sacrifício que está sendo imposto a milhões de pessoas reabre a discussão
dos problemas sociais como não sendo questões apenas do Estado. Necessariamente, a
formação do mundo neo-liberal excludente, “cria novas ‘autonomias’ na base da
sociedade....e remete para a construção de um outro mundo, com um novo tipo de
consciência social, estimulada pela solidariedade, que se traduza em atos concretos
vivenciados pelas pessoas no seu cotidiano” (Genro, 1997: 3).
1 - Os impactos da globalização da economia
As condições dessa nova ordem mundial, desse novo modo de produzir
e comercializar aparecem, também, refletidas sobre o trabalho em si, os níveis
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de emprego, o meio ambiente e os níveis de saúde das populações e dos trabalhadores em,
particular.
1-1 - Impactos sobre o "mundo do trabalho"
De modo sumário., entre os impactos sobre o "mundo do trabalho" podem ser
destacados: a introdução de tecnologias, particularmente da automação e da robótica
substituindo o trabalho do homem; o declínio da atividades de manufatura e o crescimento
do setor de serviços; a introdução de novos processos de produção e gestão do trabalho,
gerando novos riscos para a saúde e o meio ambiente; as proliferação de pequenas
unidades de produção com maior dificuldade para sua organização; aumento da mobilidade
das unidades de produção e das empresas, resultando em aumento da competição global
pelo emprego; aumento dos níveis de desemprego em várias regiões do globo;- aumento da
intensidade e duração do trabalho, levando ao aumento de stress e das doenças dele
decorrentes; aumento do trabalho realizado no domicilio, do trabalho em tempo parcial e
sazonal, levando a precarização do trabalho; diminuição dos níveis de remuneração e
pagamento pelo trabalho realizado (LINO, 2000, p.2-6 ).
Observa-se uma verdadeira revolução na natureza do trabalho e na percepção
de seu papel pelas gerências sobretudo no trabalho produtivo na indústria e nos serviços,
obrigando a uma revisão radical do papel do trabalho nas estratégias de produção das
empresas. A difusão das novas tecnologias de produção associadas às novas técnicas de
gestão e à progressiva sofisticação tecnológica dos produtos exigem a recuperação da
inteligência da produção, vista até então como um ruído indesejável na organização
taylorista do trabalho.
As conseqüências sobre a quantidade e qualidade do emprego e para as práticas
9
de gestão do trabalho são imediatas e radicais. Surge, em decorrência um trabalho
reprofissionalizado, que exige maior qualificação da força de trabalho, maior escolaridade
dos trabalhadores e alternativas ou estratégias de gestão que levem à cooperação por parte
dos trabalhadores.
A possibilidade da libertação das fadigas e penas do trabalho - desejos antigo e
persistente na história humana de que se tem registro - ou a extensão de um privilégio, que
sempre pertenceu a uma minoria, a um contigente crescente de trabalhadores pelo
progresso científico e as conquistas tecnológicas, entretanto, tem se mostrado uma ilusão.
Diante da privação dos meios de subsistência, que chega a ameaçar a sobrevivência,
decorrente do desemprego, nos países do terceiro mundo, ou das perdas para a identidade
pessoal e o sofrimento psicológico, nos trabalhadores desempregados dos países ricos,
onde
a seguridade social garante as condições mínimas de vida, a conquista de um tempo livre
para o desenvolvimento de outras atividades superiores ou mais interessantes ou a
liberação
de tarefas penosas e arriscadas tornam-se sem efeito.
Informes estatísticos das Nações Unidas , tem colocado a necessidade de que
nos próximos dez anos o planeta terá que gerar no mínimo um bilhão de empregos, no
entanto este mesmo informe da Nações Unidas, diz que há no mundo 37 mil
Multinacionais, com 200 mil filiais espalhadas pelos vários países e respondem por 33%
dos ativos Globais. No entanto, geram apenas 5% do emprego global.
Mantida a tendência atual, alguns estudos tem demostrado que o no inicio do
próximo século, apenas 25% da população economicamente ativa seria de trabalhadores
permanentes, qualificados e protegidos pela legislação, 25% de trabalhadores estariam nos
chamados setores informais, poucos qualificados e desprotegidos e 50% dos trabalhadores
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estariam desempregados ou subempregados, em trabalhos sazonais, ocasionais e
totalmente desprotegidos ( OIT, 1994, p.26-35 ).
Na realidade, o que já se pode observar, constituindo uma preocupação
crescente de âmbito mundial, é a possibilidade de uma sociedade de trabalhadores sem
trabalho, gerando múltiplos problemas decorrentes da alteração da fonte básica da
identidade psicológica, de inserção social e socialização definidas pelo trabalho
remunerado, que viabiliza o acesso a bens e serviços e o exercício de direitos de
cidadania, produzindo, entre outras conseqüências, novas formas de adoecimento,
individual e coletivo e profundas repercussões na vida social ( MENDES, 1994,
p.22).
1-2 -IMPACTOS SOBRE O MEIO AMBIENTE
Outro grupo de conseqüências, não menos importantes do fenômeno da
Globalização, concentra-se sobre o Meio Ambiente, entre elas: o aquecimento global
decorrente, entre outros fatores , do uso intensivo de combustível de origem fóssil; a
depleção da camada de ozônio, devida a proliferação do uso de Cloro-Fluor-Carbono
(CFC), em todo mundo, em aerossóis, refrigeração e solventes; a poluição da água, solo e
ar; por contaminantes diversos, particularmente, metais pesados e pesticidas; a depleção de
recursos renováveis e não renováveis; a desertificação; a extinção de inúmeras espécies de
animais e plantas. Também podem ser mencionadas as dificuldades para o
desenvolvimento de tecnologias "limpas" e a substituição de produtos químicos perigosos,
em decorrência do controle exercido pelas Corporações sobre pesquisas e as patentes e o
aumento crescente do comércio e exportação de lixo e resíduos (RATNER, 1993, p.32 ).
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1-3 - IMPACTOS SOBRE AS CONDIÇÕES DE VIDA E SAÚDE DOS
TRABALHADORES
As profundas mudanças observadas nos processos de trabalho, particularmente, na
organização do trabalho, no marco da Globalização, ainda não tem sido bem avaliadas na
sua integralidade.
Em alguns setores produtivos, já são melhor conhecidos ou têm sido mais
estudados, como da informática, no trabalho com vídeo terminais, processos automatizados
e robótica.
As mudanças no processos produtivos são orientadas pela busca do aumento da
produtividade e redução dos custos, geralmente, acompanhadas alem da redução do
número de postos de trabalho e nos critérios de remuneração dos trabalhadores, e não são
necessariamente seguidas pela melhoria das condições de trabalho.
Freqüentemente, o aumento da produtividade é conseguido por uma
combinação do aumento do ritmo do trabalho, diminuição das pausas de descanso, o
aumento da carga de responsabilidade dos trabalhadores.
No que se refere aos impactos sobre a saúde e segurança dos trabalhadores,
elas tem sido traduzidas em verdadeiras epidemias, observadas universalmente, das
doenças ocupacionais por movimentos repetitivos, incluídas no grupo da LER (Lesões por
Esforços Repetitivos).
Outras doenças, pouco especificas e mal conhecidas têm aparecido, sob a
forma discreta ou graves de manifestações de stress ou de sofrimento mental, decorrentes
das novas exigências impostas aos trabalhadores e solicitação de mais atenção,
disponibilidade e responsabilidade por toda uma linha de produção.
Enquanto os antigos processos possuíam seus fatores de stress na forma da
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monotonia, tarefas repetitivas, eliminando a capacidade de inovação e criação dos
trabalhadores, os novos sistemas de produção trazem outros incentivos, porem introduzem
outros fatores de stress, particularmente a insegurança e a competição.
Assim, tornam-se necessários estudos mais abrangentes e interdisciplinares
para fazer face a essa complexidade, para entender a intimidade desses processos e suas
conseqüências para a saúde-doença dos trabalhadores.
O episódio, recente, da ocorrência de alta incidência da síndrome de morte
rápida e inexplicada, "sudden unexpected death syndrome" (SUDS), entre trabalhadores
tailandeses em Singapura e outros semelhantes, parecem decorrer de uma combinação de
stress provocado por mudanças bruscas no estilo de vida próprios de culturas milenares,
para outras típicas de países altamente industrializados, de vida urbana, em ambiente
altamente competitivos, nas quais o stress causado por trabalhos físicos intensos, em
situação de sobre trabalho, somam-se a micro-ambientes hostis. (episódios semelhantes
foram descritos nos primórdios da história da colonização brasileira, entre os indígenas
escravizados) (PENNEY, 1995,p.4-15).
No Japão, o fenômeno da morte por excesso de trabalho é conhecido como
karoshi, caracterizado por morte súbita, usualmente entre adultos na faixa de 30 a 40 anos,
após um período prolongado de trabalho intensivo. A causa imediata da morte é
usualmente um “ataque". DRINKWATER (1992) menciona a ocorrência de 110 mortes em
três anos, atribuídas a esquemas de super exigência no trabalho e apresenta uma tendência
ascendente.
Assim, entre os problemas de saúde-doença dos trabalhadores, relacionados às
condições de trabalho e meio ambiente, merecem destaque a persistência de altos índices
de doenças relacionadas ao trabalho e de acidentes, socialmente distribuídos de modo
desigual.
13
Outra questão importante é o da qualidade e das condições de trabalho e meio
ambiente no invisível e desconhecido "setor informal", que traz ainda uma dificuldade
adicional para qualquer tipo de intervenção, seja dos ambientes e condições de trabalho,
seja sobre os trabalhadores descobertos de qualquer registro ou garantias trabalhistas e
previdênciarias e que os serviços públicos de saúde encontram-se despreparados e/ou
inacessíveis.
O poder de negociação dos trabalhadores das pequenas empresa e do setor
informal é geralmente muito mais fraco do que nas grandes corporações, não apenas pela
dificuldade de mobilização e pela vulnerabilidade, agravada pela situação de
clandestinidade.
Pode-se dizer que as conseqüências para a saúde dos trabalhadores e o meio
ambiente configuram uma questão extremamente complexa. Representam uma combinação
de problemas prevalente, basais ou de fundo, aos quais se agregam os outros, emergentes,
decorrentes do processo de Globalização, conformando uma realidade em mosaico.
Uma tentativa de sistematizar essas ocorrências, traduzidas em
morbidade/mortalidade, pode ser observada a seguir, sumarizadas em três categoria, de
problemas relacionados ao trabalho, agrupadas e "padrões antigos"; onde a
morbidade/mortalidade relacionada ao trabalho esta bem definida, aos "novos perfis ou
padrões", típicos de países altamente desenvolvidos como os escandinavos, os "padrões
mistos ou em mosaico", presentes em muitos dos países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
a) "Antigos padrões ou perfis dos problemas de saúde-doença dos
trabalhadores", em diferentes contextos: alta incidência de acidentes do
trabalho, com tendência ascendente; alta incidência de acidentes fatais; alta
incidência das doenças profissionais clássicas(silicose, benzenismo,
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saturnismo, etc.), com baixo números de casos notificados e registrados;
exposições profissionais a altas concentrações de agentes tóxicos e
poluentes, com efeitos agudos e de curta latência; presença de outras
doenças relacionadas ao trabalho, porem não reconhecidas tanto no
aspecto legal quanto epidemiológico; perfil de morbidade geral
caracterizada pelo predomínio das doenças infecciosas e parasitárias,
desnutrição e doenças carências
b)"Novos padrões ou perfis dos problemas de saúde-doença dos
trabalhadores", em diferentes contextos: baixa incidência de
acidentes do trabalho, ou uma tendência decrescente; baixa incidência
de acidentes fatais; doenças profissionais clássicas reduzidas ou
erradicadas; surgimento de "outros efeitos" dos mesmos agentes das
doenças profissionais: câncer, efeitos neuro-comportamentais, e
efeitos sobre a reprodução; exposições a baixa dosagem levando a efeitos
crônicos e de longa latência;
aumento da incidência de doenças relacionadas ao trabalho (stress,
hipertensão, LER, doenças mentais) com alta prevalência, que desafiam os
serviços de saúde; Mortalidade e Morbidade Geral marcadas pelas
doenças crônico-degenerativas.
c)"Padrões ou perfis do problemas de saúde-doença dos trabalhadores, de
transição", em diferentes contextos: incidência significativa de acidentes do
trabalho, com uma distribuição uniforme entre os diversos setores e atividades
econômicas; incidência significativa de acidentes do trabalho fatais,
apresentando grandes diferenças entre os diversos setores e
atividades; alta incidência das doenças profissionais clássicas, com tendência
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crescente de diagnóstico e notificação e grandes diferenças setoriais; mudança
no perfil ou padrões das doenças profissionais, com a identificação de outros
efeitos desencadeados pelos mesmos agentes das doenças ocupacionais
clássicas; observação de ambos os padrões de efeitos da exposição a agentes
tóxicos e poluentes: altas doses levando a efeitos agudos, de curta
latência, e baixas doses, levando a efeitos crônicos, de longa latência; alta
incidência, em certos casos verdadeiras epidemias, de "doenças relacionadas
ao trabalho", porem de difícil reconhecimento pelas seguradoras e ausência de
políticas e programas para sua prevenção e controle; padrões mistos de
Morbidade e Mortalidade Geral, caracterizados pela coexistência das
doenças infecciosas, parasitárias e carenciais e das crônico-degenerativas e da
violência, caracterizando o duplo-perfil epidemiológico.
No que se refere a saúde dos trabalhadores é importante considerar,
particularmente nos países do chamado "terceiro mundo", a persistência de antigas formas
de produção, com baixa capacitação tecnológica, processos artezanais e ou mecanizados
inspirados, no setor industrial, nos princípios fordistas e tayloristas, sob relações de
trabalho diversas, desde o trabalho escravo, distintas formas de parcerias, trabalho informal
e alta rotatividade de mão de obra.
A co-existência deste duplo padrão de produção se reflete no chamado duplo
perfil de morbi-mortalidade, mencionado acima, onde as antigas doenças profissionais,
como as intoxicações por chumbo, mercúrio. A silicose e outras doenças pulmonares e
altos índices de acidentes do trabalho convivem com uma ocorrência elevada de casos de
Lesões por Esforços Repetitivos, câncer e o sofrimento mental (LINO, 2000, p.2-6).
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2 - As doenças emergentes
Nos últimos anos, diversas novas doenças têm sido descobertas, algumas muito
graves e de difícil controle. Somente para ilustrar, desde a descoberta do vírus da
imunodeficiência humana (HIV), no início dos anos 80, mais de duas dezenas de
patógenos foram descritos e envolvidos em diversas doenças . Estas novas doenças vão se
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somar a outras já existentes, cuja incidência tem aumentado, e entre os novos agentes
microbianos encontram-se diversos vírus para os quais o arsenal terapêutico disponível é
muito precário (SILVA, 1999, p.87-89).
A definição de doença emergente proposta pelos Centros de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América engloba tanto as
doenças infecciosas de descoberta recente quanto aquelas cuja incidência tende a
aumentar no futuro: "doenças causadas por micróbios que já se sabia serem patogênicos
mas com padrão diferente de doença (aumento de incidência, processo patogênico
inusitado) ou que foram reconhecidos como patógenos novos para o ser humano".
Do ponto de vista biológico, é possível afirmar que a emergência de novos
patógenos não é novidade para o homem, que tem convivido com esta situação desde o
início de seu processo evolutivo e, certamente, é possível antever que isto ocorrerá pelos
anos que virão.
Evidentemente, a situação atual tem características peculiares e preocupantes,
entre elas:
a) Aumento da população (mais de 6 bilhões de pessoas);
b) Grandes movimentações destas populações, espontaneamente (viagens de
lazer ou (negócios) ou induzidas (guerras, secas e outros desastres
ambientais);
c) Aumento das doenças pela maior exposição de grupos específicos a
situações de risco, como institucionalizados (prisões, asilos para idosos,
orfanatos, migrantes, escolas), populações de rua, condições precárias de
moradia
d) Mudanças ecológicas intensas e rápidas, relacionadas ao desenvolvimento
econômico e industrial;
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e) Diminuição do suporte social, aumento do desemprego, urbanização
desorganizada;
f) Utilização intensa de antimicrobianos, facilitando, por um lado, o
aparecimento de cepas resistentes e, paradoxalmente, por outro, também contribuindo
para o desenvolvimento de resistência quando da falta de aderência a estes tratamentos
É fato conhecido que os agentes das doenças infecciosas e parasitárias são
parte do nosso habitat (nossa ecologia), sendo certamente pouco provável (e pouco
desejável) sua completa eliminação. As complexas relações ecológicas (hospedeiro-meio
ambiente- parasitas) ainda não estão completamente elucidadas e é desnecessário enfatizar
a importância da manutenção deste equilíbrio para o próprio equilíbrio da vida. Por outro
lado, o conhecimento técnico acumulado neste século já demonstrou de maneira
insofismável a estreita relação entre a melhoria das condições sanitárias básicas e a
diminuição da incidência das doenças infecciosas e parasitárias. Aquelas incluem, mas não
estão limitadas à, disponibilidade de água tratada, esgotamento sanitário, alimentação
sadia, educação e emprego. Certamente, este controle pode ser facilitado pela aplicação
dos resultados das pesquisas da ciência biomédica.
3 - Controle das doenças
Os programas de incentivo ao aleitamento materno e a vacinação de suscetíveis
(ou melhor, o acesso universal à vacinação) têm papel significativo para o efetivo controle
de diversas doenças infecciosas. Entretanto, as sociedades industrializadas no final do
século XX alardearam ser capazes de controlar todas as doenças infecciosas por meio da
imunização ou tratamento. Nesse sentido, em setembro de 1978 foi assinada a Declaração
de Alma Ata: no ano 2000, toda a humanidade deveria estar imunizada contra a maioria
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das doenças infecciosas, cuidados básicos de saúde estariam disponíveis para todos os
homens, mulheres e crianças, independente de classe social, raça, religião ou lugar de
nascimento.
Segundo BAYER, os diversos acontecimentos políticos e sociais, associados
ao aparecimento da epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS),
serviram para anular esta presunção. Apesar disso, pesquisadores e agentes da saúde
pública ainda acham possível a perspectiva de acrescentar, nos próximos anos, ao rol das
vacinas, uma vacina eficaz contra a AIDS, do mesmo modo como foi possível para outras
doenças infecciosas. Desafortunadamente, "do mesmo modo" pode ter dois significados:
sim, parece ser tecnicamente possível o desenvolvimento de uma vacina eficaz nos
próximos anos. Entretanto, a mera existência de outras vacinas igualmente eficazes não
tem sido sinônimo de disponibilidade mundial, e este é o segundo e cruel significado _ isto
ocorreu, e ainda ocorre em muitos países, com o sarampo, rubéola, hepatite B e tétano,
entre outras. Em outras palavras, a existência de
determinada vacina não significa sua disponibilidade para todos que dela necessitem
(CONNOR, 1989, p.141-158).
4 - A situação da saúde pública brasileira brasileira
O Brasil entra no século XXI com diversos problemas sociais sérios, refletidos
diretamente sobre a saúde pública. Entre estes, o êxodo da zona rural para as cidades, o
desemprego e a vergonhosa concentração de renda. Segundo o IBGE, apenas 1% da
população detém riqueza superior a dos 50% dos brasileiros mais pobres, ou seja, menos
de 2 milhões de pessoas possuem mais que a soma dos bens de 83 milhões de brasileiros -
acresça-se a isto o descaso com a saúde pública. Evidentemente, de acordo com o relatório
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do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA de 2000, estes fatores contribuem para o
aumento da incidência de doenças infecciosas e parasitárias, incluindo o reaparecimento de
outras já praticamente eliminadas , e a expansão de novas patologias.
Desta maneira, assiste-se à expansão dos casos de leishmaniose, hanseníase,
dengue, malária e tuberculose, esta última principalmente em associação com a AIDS; ao
reaparecimento da cólera e febre amarela urbana; ao não-controle da esquistossomose _
apesar da significativa diminuição dos casos novos de doença de Chagas, ocorrida
principalmente através da dedetização, não houve melhoria significativa nas condições
básicas para seu efetivo controle (melhor habitação, educação sanitária, emprego digno,
etc.). Aliás, a necessidade desta melhoria e seu avesso (piora das condições de vida,
desemprego, ausência de saneamento básico) é comum às outras doenças endêmicas,
epidêmicas, emergentes e reemergentes deste final de século. Assim, não é desejável e
muito menos possível fazer qualquer exercício de futurologia relacionado às doenças
emergentes no século XXI.
5- A hegemonia da cultura do mercado e sua influência sobre as
doenças emergentes no Brasil
O desmantelamento da União Soviética e a conseqüente hegemonia do
pensamento único capitalista central sobre os países periféricos tem trazido sérios
problemas para estas populações. A eficiência a todo custo, a concentração da riqueza, o
enfraquecimento das políticas públicas sociais, tudo tem contribuído para transformar a
noção de nação em um grande mercado global, no qual as políticas e as ações são
decididas pelos países centrais. Esta nova cultura neoliberal pode e deve ser combatida
21
mediante a luta por um novo paradigma, centrado na capacidade do ser humano e não na
sua capacidade monetário- financeira.
Portanto, para que se possa controlar as doenças existentes e as emergentes
atuais (e aquelas porvir), faz-se necessária a eliminação da pobreza e a acentuação da ética.
A ética da correta utilização dos recursos públicos, a priorização de aplicação dos mesmos
em atividades que beneficiem a maioria da população, principalmente nas áreas da
educação, saúde pública e saneamento. A ética, aqui aplicada no seu senso mais amplo,
pressupõe a aplicação dos princípios de autonomia individual para o bem coletivo e a
justiça distributiva (ou eqüidade).
6- Alocação de recursos financeiros para a saúde e educação
De acordo com relatório de 1991, do Banco Mundial, a miséria urbana será
provavelmente o mais explosivo problema político e econômico do século XXI. A
emergência de megalópolis, cidades com mais de 10 milhões de habitantes, será a
tendência típica das nações subdesenvolvidas, onde mais de 50% da população não tem
acesso a água tratada ou sistema de coleta de esgotos. No início do século XXI, 20 dos 25
maiores centros urbanos já estão concentrados nas regiões mais pobres do planeta.
No início dos anos 90, 25% da população urbana do Terceiro Mundo vivia em
condições de pobreza absoluta, e não há indicadores de melhora no final da década. A
22
verba do orçamento destinada à saúde é geralmente insuficiente: cerca de US$ 3,50 per
capita por ano em Uganda e menos de US$ 100 no Brasil, enquanto os Estados Unidos
destinam quase US$ 3.000 por habitante.
A situação não é diferente em relação à educação, base para se conseguir eficaz
prevenção para qualquer doença. Infelizmente, as verbas alocadas para a educação, per
capita, em regiões com as maiores incidências de diversas doenças infecciosas, foram
extremamente baixas, especialmente quando comparadas, por exemplo, com a América do
Norte (US$ 1.385) e Europa Ocidental (US$ 813,14): África = US$ 30,24; América
Central: US$ 51,60 e América do Sul = US$ 92,46 (dados de 1990).
Este é o total gasto para todos os tipos de educação. Tomando-se o Brasil como
exemplo, de cada 100 crianças que iniciaram o ensino fundamental em 1996, apenas 43
completarão a oitava série e somente oito deverão chegar à universidade.
Muito já foi escrito em relação ao enorme custo adicional aos cuidados com
saúde imposto pela epidemia de AIDS, tanto os diretos (medicamentos, acompanhamento
ambulatorial hospitalizações) quanto os indiretos (educação, prevenção, perda de anos de
trabalho). Mesmo considerando-se todas as possibilidades de reduzi-lo pelo envolvimento
de toda a sociedade (família, amigos, ONGs, hospital-dia), os custos continuarão sendo
muito maiores que os recursos disponíveis. Deve ainda ser enfatizado que, na maioria dos
países do , Terceiro Mundo, a AIDS vem se somar a uma grande lista de doenças
endêmicas ou emergentes (por exemplo, tuberculose, hanseníase, esquistossomose,
leishmaniose, malária). O argumento utilizado por muitos afirma que o financiamento de
despesas com a saúde deve ser priorizado em relação a outros gastos públicos; desta
maneira, o financiamento da saúde deveria ser aumentado às custas da diminuição do
orçamento para gastos militares.
Estima-se que um trilhão de dólares são gastos anualmente com armamentos e
23
que das doze milhões de mortes em jovens, em 1989, nove milhões poderiam ter sido
evitadas com o gasto de 2,5 bilhões de dólares. Infelizmente, o cenário mais comum indica
que os gastos para o controle da AIDS são retirados do orçamento total para a saúde e
qualquer aumento significa diminuição do aporte para as outras doenças. Aqui cabe,
certamente, a pressão da sociedade para a modificação dos diversos orçamentos. Além
disso, mesmo dentro do orçamento para a AIDS, é necessário definir para onde vão os
recursos: se para os cuidados daqueles já doentes, para o rastreamento do sangue doado ou
para a educação, prevenção e pesquisa.
Os ajustes estruturais determinados pelo Banco Mundial e pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI), associados com as crises de capital que se seguiram à
queda do muro de Berlim, pioraram gravemente a condição humana e facilitaram a
disseminação dos agentes microbianos (WEIL, 1990) . Ultimamente, mais de 178 bilhões
de dólares/ano
vinham fluindo das nações mais pobres para as mais ricas, enquanto apenas 60 bilhões de
dólares tomavam o caminho inverso sob a forma de empréstimos ou ajuda externa. Assim,
a aplicação mais eficiente do recurso disponível, a decisão sobre onde e como
empregá-lo, a ingerência das agências internacionais (Banco Mundial, FMI) nesta
definição são apenas alguns dos desafios a serem vencidos.
24
7. Apoio social e formas de saúde alternativa.
Os graves problemas de desemprego e crescente pobreza indicam os limites do
sistema de saúde atual. Há um questionamento que se difunde entre profissionais de saúde:
se a maneira que o atendimento de saúde se estrutura no Brasil seja capaz de lidar com que
alguns chamam de “sofrimento difuso apresentado pelas classes populares”. Alguns
profissionais estimam que quase 60% das consultas tratam de problemas psicossomáticos,
onde o tempo necessário de lidar com cada paciente não coaduna com a relação eficiência-
eficácia (Valla e Siqueira, 1996: 89).
“Demoramos a aceitar as doenças psicossomáticas e agora,
desprezamos este conceito em favor das máquinas dos computadores e
25
dosaparelhos(LEITE,2001,p.1)
O que está em discussão é a real capacidade do Estado brasileiro, como se
estrutura hoje, de satisfazer as demandas que as classes populares vêm apresentando.
“Fazer o melhor possível” em cada unidade de saúde do pais é certamente
importante, mas não necessariamente leva em conta uma grande parcela da população
que não se apresenta mais às unidades de saúde. Também leva em conta se todas as
queixas apresentadas são solucionadas de uma forma satisfatória (Vasconcelos, 1998: 47).
O Sistema privado de saúde brasileiro atende a 25% da população - 41 milhões de
pessoas, num movimento de US$ 13,3 bilhões anuais, com 370 mil leitos em 4.300
hospitais e 120 mil médicos. O setor público atende a 75% da população, com 565 mil
leitos em 7.000 hospitais e 70 mil médicos.
O desastre que é o setor estatal está levando à abertura do mercado para as
multinacionais de saúde, que hoje faturam US$ 2 trilhões no Primeiro Mundo. As
empresas estrangeiras, até o momento, só podem atuar em seguros de saúde no Brasil
(11% do mercado). Não podem ter participação acionária em hospitais, clínicas,
laboratórios e outras organizações médicas. As seguradoras de saúde estrangeiras estão
tendo sucesso no Brasil, como demonstram Cigna (Excel Econômico, Golden Cross,
Amico), AIG (Unibanco), Aetna (Sul América) e Hartford (Icatu).
Inicialmente, o que se propõe é lançar mão de um debate da saúde pública
que ocorreu com muito intensidade em setores progressistas nos Estados Unidos na década
dos anos oitenta. O debate em torno do que se chama social support, isto é, apoio social,
está relacionado com a crise de saúde pública naquele país, mas que foi desenvolvido
numa conjuntura diferente à da mundialização no Brasil. Neste sentido, propõe-se uma
26
releitura da proposta norte-americana, mas à luz destes aspectos particulares da sociedade
brasileira (Valla, 1996: 4-5).
Crescem nos países avançados as críticas às organizações de saúde,
agravadas pelas fusões e aquisições e pela globalização. A imprensa responsável, como
“The Economist” ou “Fortune”, tem tratado regularmente do tema. Dr. Kildare, o bom
médico, ficou no passado. Os novos vilões de Hollywood são as HMOs (sigla, em
inglês, para “organizações de manutenção da saúde), nome que abrange todo o setor de
segurança, medicina de gurpo, hospitais e os próprios médicos., Filmes como “Melhor e
Impossível”, com Jack Nicholson, e “Bulwoth”, de Warren Beatty, marcam a polêmica. Há
um Website americano chamado “managed care atrocity of the month” (atrocidade médica
do mês).( LODI,1998,p.1)
Apoio social se define como sendo qualquer informação, falada ou não, e/ou
auxílio material, oferecidos por grupos e/ou pessoas que se conhecem, que resultam em
efeitos emocionais e/ou comportamentos positivos. Trata-se de um processo recíproco, isto
é, que tanto gera efeitos positivos para o recipiente, como também para quem oferece o
apoio, dessa forma permitindo que ambos tenham mais sentido de controle sobre suas
vidas e que desse processo se apreende de que as pessoas necessitam umas as outras
(Minkler, 1985: 305. Uma proposta, que embora não fosse uma questão essencial quando o
debate foi lançado originalmente, aproxima muito da discussão que se trava hoje no Brasil
sobre a solidariedade.
Essencialmente, o debate em torno da questão do apoio social se baseia em
investigações que apontam para o seu papel na manutenção da saúde, na prevenção contra
doença e como forma de facilitar a convalescença. Uma das premissas principais da teoria
é a de que o apoio social exerce efeitos diretos sobre o sistema de imunidade do corpo, isto
é, como buffer, no sentido de aumentar a capacidade das pessoas a lidar com o estresse.
27
Outro possível resultado do apoio social seria sua contribuição geral da sensação de
coerência da vida e o controle sobre a mesma, que, por sua vez, afeta o estado de saúde de
uma pessoa de uma forma benéfica (Cassell, 1976: 122).
Em momentos de muito estresse, o apoio social contribui para manter a saúde
das pessoas, pois desempenha uma função mediadora. Assim, permite que as pessoas
contornem a possibilidade de adoecer como resultado de determinados acontecimentos,
como, por exemplo, a morte de alguém da família, a perda da capacidade de trabalhar, ou
um despejo da casa onde se reside por muitos anos.
Cassell levanta a hipótese de que lugares de alta densidade populacional não
necessariamente aumentam a suscetibilidade à doença por causa da densidade em si, mas
por outras razões. Uma sensação de não poder controlar sua própria vida juntamente com a
sensação de isolação podem ser relacionados com o processo de saúde doença. A proposta
do apoio social sugere que as conseqüências da desorganização social não necessariamente
atinge todas as pessoas afetadas da mesma forma. Estudos têm demonstrados que os apoios
disponíveis de determinadas organizações sociais podem influir beneficamente no sentido
de proporcionar fatores de proteção contra o aparecimento de doenças, oferecendo
melhorias de saúde física, mental e emocional (Cassell, 1974: 1041). Trata-se da noção de
empowerment, isto é, um processo pelo qual indivíduos, grupos sociais e organizações
passam a ganhar mais controle sobre seus próprios destinos e para quem a vida tem sentido
(Minkler, 1985: 304-305).
28
8. Saúde alternativa, religiosidade e as classes populares.
Embora a proposta de apoio social não seja uma solução para a crise de saúde,
foi essa própria crise que serviu como motivo para que fosse discutido. Em propor a
questão do apoio social, não se busca apenas uma solução pontual para os chamados
“excluídos”, mas embutido na proposta está a pergunta se tal proposta não merece ser
considerada também exclusivamente por seus méritos. Nesse sentido, serve como uma
espécie de trampolim para rever a relação da saúde com a questão médica.
De um lado, o apoio social oferece a possibilidade de realizar a prevenção
através da solidariedade e apoio mútuo; de outro, oferece também uma discussão para os
grupos sociais sobre o controle do seu próprio destino e a autonomia das pessoas face à
hegemonia médica, através da “nova” concepção do homem como uma unidade só
(Tognoni, 1991: 1; Valla, 1996: 8).
29
É neste sentido que a discussão do apoio social, dentro de um contexto de uma
relação homem integral e meio ambiente, cabe como questão nos currículos das escolas
públicas, nas plataformas dos partidos políticos mais progressistas, nas associações
profissionais e de moradores, e, nas igrejas. Uma das propostas deste trabalho é relacionar
a questão do apoio social com a religiosidade das classes populares.
Bermann (1995: 115) chama atenção para o efeito ideológico do termo
“estresse”. Normalmente a discussão desse termo se desenvolve em torno do resultado, e
não em torno do processo em si, que é mais importante. Tratar apenas as sintomas
transmite a ilusão de que o problema está no mal-estar que a pessoa sente quando procura
assistência, dessa forma não sendo visto como parte de um processo mais longo que acaba
produzindo o mal-estar (Stotz, 1996: 44-45). Neste sentido, esconde o desgaste do trabalho
excessivo que o trabalhador se submete para não perder o emprego, como também os
horários irregulares que impõe o trabalho precário e terceirizado. Quem não tem emprego
fixo que coaduna com seus interesses dificilmente escapa do mercado informal e um
“trabalho frustrante”. Um trabalho frustrante para as classes populares não se trata de uma
“má escolha”, mas quase sempre de uma “única escolha” por causa das poucas ofertas no
mercado.
Embora não se pretenda negar os processos de estresse que ocorrem aos
membros das classes média e alta, ao mesmo tempo se quer chamar atenção para o fato de
que as classes populares nas grandes cidades tendem a sofrer um processo de estresse
muito mais intenso. A vereadora Jurema Batista do Rio de Janeiro pergunta se há remédio
para pressão arterial alta quando o helicóptero da Polícia Militar sobrevoa a favela
procurando componentes do narcotráfico. Até as pequenas irritações podem significar para
as classes médias um engarrafamento no transito, mas para o morador da favela trata-se
30
freqüentemente de uma falta de água contínua ou quedas freqüentes na voltagem e a
danificação dos eletrodomésticos (McEwen, 1998).
Uma das propostas para o combate ao estresse é a de introspeção e meditação.
Embora teoricamente a prática de meditação não seja impossível em qualquer
circunstância, certamente um lugar relativamente espaçoso e quieto facilita a
concentração. Normalmente o período de meditação mais curto, uma hora, é dividido em
duas partes: uma meia hora de ouvir uma leitura para fazer a passagem da rua para a sala
de meditação, e uma meia hora de meditação de fato. Uma tarefa difícil para quem trilha o
que Chuai (1989: 80-81 ) chama o “caminho estreito”, isto é, uma vida de pouco dinheiro,
espaço e tempo livre.
McEwen lembra que essas recomendações não são suficientes em muitos
casos, se não houver como agir na causa imediata do problema, pois o estresse tem causas
sociais complexas, que não podem ser resolvidas pela medicina, como a pobreza, más
condições de trabalho ou o ambiente poluído. McEwen acrescenta que pesquisas
mostraram que quanto mais pobre uma pessoa, pior é sua saúde, não importando se ela tem
ou não acesso a tratamento médico (McEwen, 1998: 177 ; Bonalume, 1998: 15 ).
Como ser menos competitivo e ansioso como forma de reduzir o estresse num
mundo onde as ofertas do trabalho formal estão rapidamente declinando e onde o mercado
informal está se saturando? Assumir uma postura desarmada, franca e aberta se relaciona
pouco com uma parcela da população que como forma de sobrevivência emprega uma
linguagem permeada do “duplo código”, onde o “dizer e desdizer” na mesma frase é um
constante (Martins, 1989: 115 )
Numa recomendação genérica, Garrido Pereira e Barros chamam atenção para
a importância do desabafo e do não “engolir sapos”, pois assim, em vez de expulsar o
veneno do corpo, faz com que seja acumulado e assim, expulso de outras formas. Mas o
31
que pode significar “engolir sapos” ou desabafar para a maioria das classes populares?
Desabafar na hora pode resultar em vários desfechos para as classes populares: pode
significar perder o emprego, seja no trabalho da fábrica, seja como empregada doméstica.
Numa cultura machista, desabafar na hora, ou seja “não engolir sapo”, “não levar desaforo
para casa”, pode terminar num enfrentamento com fim incerto.
É nesse sentido que cabe considerar como uma das explicações do
extraordinário crescimento da presença das classes populares nas igrejas de todas as
religiões, mas principalmente nas chamadas “evangélicas” ou “pentecostais”(Barros e
Silva, 1995; Mariz e Machado, 1994: 140 ). Machado (1994: 30) observa que a falta de
apoio institucional nesta época de mudanças sociais intensas faz com que essas igrejas
ofereçam um “potencial racionalizador”, isto é, um sentido para a vida. Mariz (apud.,
Machado, 1996: 30), por sua vez, comenta a frágil presença dos partidos políticos,
associações e o próprio Estado de Bem-Estar entre os pobres e que as religiões oferecem
“alguns grupos de suporte alternativos....e criam motivações para resistir à pobreza”.
Assim, a busca simultânea por grandes parcelas das classes populares pelo
alívio dos seus sofrimentos, mas também a procura da solidariedade e comforto do apoio
social fazem com que “abaixo da linha-dágua, move-se um vasto conjunto heteróclito de
articulações...em contextos de religiosidade e magia que são não-governamentais, sem fins
lucrativos, e no entanto, informais...”(Fernandes, 1994: 28). De um lado, o próprio
processo do crescimento da urbanização, juntamente com a consequência do aumento das
demandas dos bens coletivos e individuais; e, de outro, a dilapidação dos direitos sociais e
humanos -- tudo isso faz com que as “formas tradicionais de ajuda mútua...as reservas de
ação social existentes à margem das instituições típicamente modernas” atraem a atenção
dos mais variados setores da sociedade civil (Fernandes, 1994: 26).
32
Montero chama atenção para o fato de que a mundialização tem criada uma
nova situação para os governos nacionais: muitas decisões sendo tomadas aos níveis
ambientais e financeiros não dependem da participação dos governos nacionais. Esse
cenário novo faz com que freqüentemente o papel do cidadão seja reduzido únicamente ao
exercicio do voto, diminuindo dessa forma, o interesse pelas eleições. Como
oconsequência, há “O ressurgimento dos poderes locais...( e) a fragmentação do arcabouço
jurídico-político dos Estados nacionais “, assim resultando em novas maneiras de ver a
“soberania popular” e “vontade geral” (Montero, 1998: 116-118).
“Na sociedade brasileira, “cuja formação social não deu lugar à
elaboração de um Estado de direito nos moldes clássicos -- Estado
submetido a leis, no qual o princípio de liberdade reconhecido é o da
defesa de interesses definidos em termos da razão...as diferenças
culturais....invés de serem vistos como resquícios de um passado
colonial ou obstáculos à modernização democrática, elementos
fundamentais de nossa cultura tais como a magia,a possessão
religiosa, o sentido da comunidade, etc. se incorporam pouco a pouco
à reflexão do modo particular como se constitui, no Brasil, o
espaço público” (Montero, 1998: 119).
O que muitos religiosos vêm proclamando por séculos, e o que igrejas como
as das espiritualistas, dos espíritas e dos pentecostais vêm afirmando por algumas
décadas, é objeto de investigação científica nas últimas duas ou três décadas em várias
partes do mundo. O “efeito placebo”, i.e., um efeito benéfico num(a) paciente que
sinceramente acredita que uma determinada terapia traz benefícios -- de onde vem a
noção comum que alguem melhorou depois de ingerir um comprimido de “açucar” -- é
33
um assunto que mais e mais aparece nas revistas científicas. Alguns pesquisadores já
levantam a hipótese de que certos ritos afetam os sistemas endocrínico e imunológico e
que transes e outros estados alternativos de consciência tem algo a ver com curas ( Eng et
alli, 1985: 82; Glik, 1988: 1197; 1990: 158; Kark et alli, 1996:. 341, Cox, 1995: 109-
110).
9 . Religião popular e modernização capitalista: uma outra lógica na
América Latina.
O sub-título acima é o nome de um estudo desenvolvido pelo sociólogo
chileno Cristián Parker, onde o autor desenvolve uma discussão que levanta novas
abordagens em relação àquilo que foi até aquí discutido. Utilizando os primeiros contatos
dos indígenas com os colonizadores religiosos espanhois e portugueses cria um “ato
inaugural simbólico” em torno do evento da “conversão”. Parker pensa que a conversão ao
cristianismo foi possível através de um “deslizamento no código de significação
correspondente”, isto é, uma reintrepretação dos seus conteúdos e ritos e imagens sagradas
da sua cultura originária. Parker levanta a hipótese de que as classes populares, de uma
forma semelhante, através do sincretismo, fazem a mesma para “resistir ao perigo de uma
desintegração anômica que, em muitos casos...ocorreu levando milhares de índios ao
suicídio” (Parker, 1996: 32; Duviols, 1976: 32). Utilizando o exemplo da aparição da
34
Nossa Senhora de Guadalupe, Parker demonstra como foi possível as classes populares
mexicanas transformarem um ato de dominação da igreja mexicana oficial numa devoção
onde os pobres enxergaram a santa como sua protetora contra seus dominadores, inclusive
os da própria igreja ofcicial (Parker, 1996: 34).
Atrás dessa forma de ver a importância da religião popular para as classes
populares está uma reinterpretação do processo de modernização na América Latina, fruto
dos discursos modernizantes sobre o prometido progresso para todos (Parker, 1996:.36).
No bojo dessa nova interpretação são os estudos que chamam atenção para a possibilidade
de que a “religião popular” seja uma das caraterísicas principais da cultura das classes
populares latinoemericanas (Parker, 1996: 40-41; Beozzo, 1990). Neste sentido, a religião
popular pode ser descrita não somente como uma reinterpretação das propostas da religião
oficial, mas também como uma forma particular e espontânea de expressar as
“necessidades, as angústias, as esperanças e os anseios que não encontram resposta
adequada na religião oficial...nas expressões religiosas das elites e das classes dominantes”
ou até nos partidos políticos progressistas (Parker, 1996: 55-56).
Nos países de inserção periférica, como é a do Brasil, o crescimento veloz do
setor de serviços como também o setor da economia informal fazem um contraste grande
com a introdução e consolidação da tecnologia de informática, que por si mesmo é
poupador de mão de obra. Essa lógica global de acumulação, onde prédios luxuosos fazem
vizinhança com barracos precários criam a imagem de um mundo “menos maleável e mais
arbitrário” onde as classes populares terão imensas dificuldades em satisfazer suas
necessidades básicas (Parker, 1996: 120-21).
Esse processo de modernização, que inclui no seu interior o de secularização,
se manifestam de forma diferente aos que se processaram nos Estados Unidos e na Europa.
Dados os resultados desse processo que pouco têm a ver com a melhoria das condições de
35
vida dos pobres, esse processo vai resultando no que o Parker denomina como uma
“transformação da mentalidade religiosa e não tanto como uma queda irreeversível da fé
do povo”(Parker, 1996: 124). Mas o que Parker chama atenção é que essas mudanças que
são introduzidas na América Latina, mas num ambiente de extrema desigualdade de
condições de vida e de oferta de trabalho, não modificam o fato de que o “povo
latinoamericano tem um fundo sentido religioso...que forma parte do sentido comum
popular” (Parker, 1996: 138)
“Deus, compreendido como Pai e como Criador, poderoso e
benevolente, que cuida e se lembra de seus filhos, ‘e a realidade mais
fundamental da religiosidade popular’....é a transmissão de uma
experiênca vital; mais que a razão da vida, é a força que sustenta”
(Parker, 1996: 139; Gonzales, 1987: 59).
Justamente por causa da maneira que o processo de modernização e
secularização se implanta na América Latina, aprofundando as desigualdades em vez de
garantir um conforto mínimo para a maioria, há uma tendência que “revitalizam-se a magia
e as superstições....que a urbanização subdesenvolvida pode igualmente estar na origem de
transformações do campo religioso que...estiumula a criatividade religiosa no povo”
(Parker, 1996:145). Mas ao mesmo tempo é um “elemento de identidade coletiva” que
“possibilita a manipulação de eventos ameaçadores, o reforço das energias de
sobrevivência, a resistência cultural” (Parker:150; Kudo, 1980: 69- 89).
Na realidade a discussão que o Parker desenvolve sobre a religião popular tem
como hipótese latente é se a miséria e a pobreza que grandes parcelas da sociedade
latinoamericana estão sujeitos é um momento passageiro, ou se este estado de coisas seja
parte da parcela do proprio processo de modernização na América Latina.
36
Assim, a pobreza e miséria para quais as classes populares estavam sujeitos
antes do aparecimento do processo de mundialização vêm se agravando depois do reajuste.
O intenso incentivo a consumir faz com que se busque uma saída:ou pelo consumo
simbólico, seja televisão e vídeo, seja pelos jogos ou drogas, seja pelas práticas e ritos
mágico-religiosos (Parker, 1996: 122; Evers, 1985: 130).
Embora o sentido religioso forme parte do sentido comum popular, não é de
uma forma estática, mas que se modifica de acôrdo com as circunstâncias históricas. O que
se pode afirmar é que certamente não deve ser visto como uma questão tradicional e
arcaica (Parker, 1996: 138). Nem se trata de frequentar as igrejas, nem “um simples
costume introjetado nos processos de socialização precose”, “mas de uma vivência da
providência divina” (Parker, 1996: 139-40).
...o aspecto religioso é um componente da cultura e esta deve se
entendida como um fenômeno histórico. Isto quer dizer que os
significados e funções do religioso sãorelativos às épocas e às
situações específicas dos agentes sociais que produzem e reproduzem
esse conjunto de sentidos codificados” (Parker, 1996: 272).
A hipótese do Parker é que as classes populares produzem coletivamente suas
representações e práticas simbólico-religiosas, mas que essas manifestações se
apresentam de formas diferenciadas, de acordo com sua inserção de classe na sociedade e
de acordo com a manfestação religiosa. Essas representações e práticas freqüentemente
têm o sentido de um protesto simbólico, que, de acordo com a conjuntura possa não ser
visível. São estratégias de sobrevivência que as classes populares lançam mão dentro de
uma sociedade que as nega oportunidades de trabalho e os seus direitos legítimos (Parker,
1996: 272). De uma forma geral, mas com diferenças, a “catolicismo popular, o
37
pentcostalismo abstencionista, os cultos afro-americnos e o espititismo supersticiosos”,
todas apontam para uma “eficácia simbólica” em função das necessidades básicas do
presente (Parker, 1996: 274). A fé em Deus e na Virgem Maria oferece um sentido para
a vida O espaço onde as manifestações (igreja, centro, templo) “garante um âmbito
simbólico onde buscar consolo e encontrar energias morais e orientação para enfrenar a
incerteza apresentada pela angustiosa situação da fome e da miséria familiar”
(Parker,1996:.275; Zuluaga, 1985: 33).
A fome e miséria são tão agudos, que as classes populares freqüentemene
vivem no que Parker chama de “imediatismo”, “presentismo”, onde a busca de uma
solução para a subsistência da família é uma forma solução racional de “adequação à
realidade” (Parker, 1996: 277). Como na discussão sobre as categorias de “previsão” e
“provisão” (Valla, 1996: 179), não se pensa no futuro (previsão) porque todas as energias
estão mobilizadas para evitar a sensação de fome que já havia no passado, e garantir a
subsistência no dia de hoje( provisão). É a busca da ajuda “sobrenatural”, na realidade, é
também uma estratégia de sobrevivência.
“A fome, o frio, a falta de recursos mínimos, uma vida marcada
pela dor, o sofrimento e a violência...elevam os umbrais
de incerteza. Tudo isso marca um certo encolhimento sobre si mesmo
e sobre o núcleo familiar. A promessa à Virgem não supre, mas
complementa as ações tendentes a obter o pedaço de pão para os
filhos.O ritual--com certo conteúdo mágico-- oferece um sentido, tira
a angúsia, alivia as tensões possibilita fazer frente à incerteza, nesa
vida, fortalecendo e revitalizando o indivíduo na busca de soluções
concretas para seu problema imediato de fome
38
Não se busca um benefício compensatório na outra vida...mas uma
relação direta com os poderes sobrenaturais...a fim de torna a vida
mais suportável neste mundo” (Parker, 1996: 283).
10. Buscando compreender os caminhos das classes populares.
Luz chama a atenção para a insatisfação de parcelas de todos as camadas
sociais do Brasil com os serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados.
“ Após anos de formação e dedicação, tendo como objetivo
primordial saber fazer o melhor para atender aos meus pacientes, me
vejo agora forçado a aceitar essa “nova medicina” em que a
principal finalidade é o custo-benefício e o retorno financeiro
comandados pelas empresas seguradoras de saúde. Foi para o espaço
o juramento de Hipócrates!
Ao mesmo tempo que este espírito totalmente comercial vem sendo
implantado, assistimos ao enorme crescimento tecnológico do ato
médico.
Dizem que isto tem a ver com a chamada globalização.” ( LEITE,
2001,p. 1)
É esta insatisfação que empurra as pessoas a buscar alternativas. Teoricamente,
não há nada que impeça que essas próprias alternativas existam no serviço público, mas
não é uma questão só de investimento; há a necessidade de ver a relação saúde-doença de
outra perspectiva. Tudo isso faz sentido quando nos lembramos que “...as camadas
39
populares mantiveram sobre as questões envolvendo a saúde uma cosmovisão próxima da
tradicional, na medida em que...não separam o homem da natureza, o corpo da alma” (Luz,
1996, p. 275) .
Dentro de uma perspectiva de uma educação popular transformadora, é
necessário distinguir entre propostas de saúde alternativa “indivualizantes” das classes
média e alta e os caminhos coletivos das classes populares, criados a partir das suas
condições de vida.
Certamente os caminhos alternativos percorridos pelas classes populares para
aliviar seus problemas de saúde são diversos. Tanto pela questão da relação corpo-mente,
quanto pela perspectiva do apoio social, o caminho da espiritualidade e da religião parece
apontar como uma das trajetórias principais (Valla, 1998, p. 166 ).
A questão apontada acima de “engolir sapos” e/ou de desabafar pode ser uma
pista de compreender melhor o “uso” que as classes populares fazem das igrejas,
especialmente as igrejas que desenvolvem cultos onde o gritar e o cantar alto é uma
constante (Cox, 1995, p. 109-110 ).
É frequente que os mediadores progressistas -- militantes, profissionais,
políticos -- demonstrem dificuldades e conflitos com a relação que as classes populares
mantem com a questão religiosa. Se, de um lado, o debate sobre a existência ou não de
Deus não parece mais um obstáculo na discussão política, por outro, a inclusão da questão
religiosa incorpora, com poucas exeções, apenas a proposta da Teologia da Libertação
defendida pelas alas progressistas da Igreja Católica. Quando as propostas de outras
religiões, tais como as pentecostais ou evangélicos, são abordadas, é frequente que seja
por um prisma de categorias como as de “manipulação” e “alienação”.
Mas a dificuldade de compreender o que os membros das chamadas classes
populares estão dizendo ou fazendo -- por exemplo, no caso das igrejas já referidas -- pode
40
bem estar relacionado mais com um problema de postura do que com questões técnicas
como, por exemplo, lingüísticas. A questão de postura estaria relacionado com a
dificuldade em aceitar que as pessoas "humildes, pobres, moradoras da periferia" são
capazes de produzir conhecimento, são capazes de organizar e sistematizar pensamentos
sobre a sociedade, e dessa forma, fazer opções que apontam para possíveis melhorias para
suas vidas.
A compreensão do que está sendo dito também decorre da capacidade de
entender quem está falando. Com isso, quer se dizer que dentro das classes populares há
uma diversidade de grupos, e a compreensão deste fato passa pela compreensão das suas
raízes culturais, seu local de moradia e a relação que se mantém com os grupos que
acumulam capital (Martins, 1989, p.109) .
Na realidade, essa discussão -- que certamente não é nova no campo de
educação popular -- trata das dificuldades dos mediadores em intepretar as classes
populares, ou seja, como afirma Martins (1989, 122), que a "crise de interpretação é nossa”
(Valla, 1997).
É necessário que o esforço de compreender as condições e experiências de vida
como também a ação política da população seja acompanhado por uma maior clareza das
suas representações e visões de mundo. Se não, corre-se o risco de procurar ( e não achar)
uma suposta identidade, consciência de classe e organização que, na realidade, é uma
fantasia de muitos mediadores (Martins, 1989, p.106).
Não é o nosso desejo, nem nosso incentivo verbal, que garante a suposta
unidade das classes populares, mas, sim, a avaliação correta da maneira com que
compreendem o mundo. "...a prática de cada classe subalterna e de cada grupo subalterno,
desvenda apenas um aspecto essencial do processo do capital....Há coisas que um
camponês, que esta sendo expropriado, pode ver, e que um operário não vê. E vice-versa"
41
(Martins, 1989:108). É necessário desfazer a impressão de que o processo histórico anda
mais rápdio para o operário do que para o trabalhador rural ou morador de favela
desempregado.
Finalmente, a idéia da cultura popular como memória da alternativa (Martins,
1989: 115), deveria ser pensada no contexto da dificuldade que uma grande parcela das
classes subalternas têm de poder agir somente dentro de um quadro previamente
delimitado; tem sentido então "que a mudança só possa ser pensada em termos de milagre
(ou seja, de que contém)...a possibilidade de uma outra realidade no interior do existente"
(Chaui, 1990:79). Isto porque "...o milagre, pedra de toque das religiões populares e de
estoneante simplicidade para a alma religiosa é ...inaceitável pelas teologias e apenas de
fato por elas tolerado, pois rompe a ordem predeterminada do mundo por um esforço da
imaginação" (Chaui, 1990: 79).
42
Conclusão
A crise do Estado provedor, provocada pelo processo de globalização, afeta de
uma maneira dramática a relação das classes populares com os serviços de saúde no Brasil.
O surgimento de um mundo neo-liberal, concentrador de renda e excludente
necessariamente aponta para a construção de um outro mundo, onde a sobrevivência será
íntimamente relacionada com a solidariedade.
Talvez não fosse por essa crise, uma proposta com a do apoio social na área de
saúde não chamasse tanto atenção. No entanto, uma vez “aberta a janela” para ver com
mais cuidado essa proposta, é possível reconhecer que ela possui legitimidade por seus
próprios méritos, e até independe da própria crise.
A discussão do apoio social como proposta de educação e saúde abre a
perspectiva de abordar uma questão que frequentemente gera contradições no meio dos
mediadores de educação popular: a religiosidade das classes populares. É algo a ser
superado com tempo, ou é parte integrante da cultura popular?
Dentro da perspectiva de que as classes populares estão sistematicamente
produzindo conhecimento sobre a realidade em que elas vivem, e como conseqüência,
fazem uma avaliação desta mesma realidade, é provável que as dificuldades que alguns
mediadores enfrentam com a religiosidade popular esteja relacionada com o que Martins
(1989) aponta como “uma crise de compreensão”.
A proposta do apoio social, além de oferecer uma contribuição para a crise da
saúde no Brasil, é também um instrumento que auxilia os mediadores a decifrarem as
várias mensagens que as classes populares estariam produzindo através da religiosidade
popular.
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