Post on 09-Nov-2018
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
A RELEVÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO
JULIANA CRISTINA VIPYCH
Itajaí (SC), 2008
JULIANA CRISTINA VIPYCH
A RELEVÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientador: Ms. Aurino Ramos Filho.
Itajaí (SC), 2008
2
Wxw|vÉ xáàt ÅÉÇÉzÜty|t
ÑtÜt tÖâxÄxá Öâx vÉÅÑtÜà|Ä{tÅ
vÉÅ|zÉ t xåÑxÜ|£Çv|t wx Öâx?
t y° xÅ Wxâá ÇÉá yté
vÜxÜ ÇÉ |ÇvÜ•äxÄ?
äxÜ É |Çä|á•äxÄ
x ÜxtÄ|étÜ É |ÅÑÉáá•äxÄA
3
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Aurino Ramos Filho, que me orientou desde os primeiros passos até a
conclusão desta monografia, pois não desistiu de me inspirar
no decorrer da caminhada.
A Professora Ana Luiza Maximo Ramos e ao Pastor Fábio Henrique Bauab,
que se dispuseram a avaliar e colaborar com meu trabalho
com grande disposição e interesse.
À minha família, que me ensinou a perseverança, que me deu direção
para seguir a Deus que me ajuda a conquistar os sonhos,
que fazem parte da minha vida.
Aos meus amigos Jane Hort e Alex Oliveira, que estiveram ao meu lado
dando suporte e apoio, quando era necessária uma boa risada,
um incentivo ou um momento de desabafo.
Aos amigos que de uma maneira ou de outra me inspiram e proporcionaram
a possibilidade da realização desta monografia.
4
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................................5
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................6
2 ESPIRITUALIDADE E ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO: APONTAMENTOS ........9
3 A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO ...................................................................................................................16
4 PRÁTICAS INCLUSIVAS DE ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE
CONSELHAMENTO PSICOLÓGICO NA SAÚDE INDIVIDUAL E COLETIVA ..................19
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................24
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................27
5
A RELEVÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO Orientador: Ms. Aurino Ramos Filho. Defesa: Junho de 2008. Resumo:
A compreensão sobre o aconselhamento psicológico e a espiritualidade, enquanto um elemento da ciência, trás à reflexão suas possíveis relações e relevâncias, levantando hipóteses e suscitando estudos que exploram cientificamente a correlação entre aconselhamento psicológico e espiritualidade. O objetivo desta Pesquisa é investigar, por meio de uma Metodologia Bibliográfica, a relevância da espiritualidade no processo de aconselhamento psicológico, sobretudo conceituando aconselhamento psicológico e espiritualidade enquanto elementos da ciência, com a pretensão de indicação de práticas inclusivas da espiritualidade no processo de aconselhamento psicológico, almejando a saúde individual e coletiva. Pressupondo que, com uma melhor visualização, os profissionais psicólogos que atuam com o aconselhamento psicológico, ao relevarem a espiritualidade enquanto auto-transcendência, constatarão que a correlação dos mesmos é promotora de saúde e, neste sentido, compreende-se a importância do conhecimento acerca de como trabalhar com a espiritualidade de seus clientes. Palavras-chave: Aconselhamento psicológico; Espiritualidade; Saúde. Sub-Área de concentração (CNPq) Membros da Banca
Ana Luiza Maximo Ramos
Professora convidada
Fábio Henrique Bauab
Professor convidado
Aurino Ramos Filho
Professor Orientador
6
1 INTRODUÇÃO
A Psicologia Moderna encontra-se em fase de transição e está à procura de
novas fronteiras e caminhos para a evolução do conhecimento. O direcionamento
científico da saúde aponta as áreas da biologia molecular, genética, farmacoterapia e
acupuntura, mas também há reconhecida tendência para o estudo da espiritualidade.
Os temas da presente Pesquisa são a espiritualidade e o aconselhamento
psicológico. A questão inicial que norteou o desenvolvimento desta pesquisa, foi definir
tais temas enquanto conhecimento científico psicológico buscando compreender cada
tema de forma individual, e posteriormente, a correlação entre eles, dentro da limitação
de tempo disponível para o desenvolvimento da pesquisa.
Como o foco determinante da Psicologia é a busca pela saúde mental ou
emocional, e a correção de deficiências individuais e sociais, e, sendo esta, uma
proposta rigorosamente profissional, feita a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais,
para cursos de graduação em Psicologia, conforme parecer nº CNE/CES 0062/2004,
aprovado em 19 de fevereiro de 2004, e reconhecido pelo Conselho Federal de
Psicologia pela Resolução CFP Nº 012/2005, esta pesquisa tem como objetivo principal
investigar a relevância da espiritualidade no processo de aconselhamento psicológico
enquanto auto-transcendência e ainda sugestionar práticas inclusivas da espiritualidade
no aconselhamento psicológico, almejando a saúde individual e coletiva.
Este estudo seguiu o método de pesquisa exclusivamente bibliográfico e de
cunho qualitativo, com consultas a livros, publicações de teses e artigos de revistas
científicas e bases de dados on-line, a fim de levantar-se dados já pesquisados por
outros autores sobre o aconselhamento psicológico e sobre a espiritualidade enquanto
auto-transcendência, e, é evidente que, por se tratar de um trabalho acadêmico de
graduação em Psicologia, buscou-se maior ênfase na práxis do profissional psicólogo e
em como a dedicação ao estudo desses fenômenos pode vir a contribuir na formação e
atuação do profissional na área do aconselhamento psicológico.
7
Como não poderia deixar de ser, tive motivos pessoais para a escolha do tema.
O tema espiritualidade sempre teve muito presente em minha vida, mas enquanto
vivência religiosa, o que com o passar do tempo, na graduação, me despertou intensa
reflexão quanto à praxis do profissional psicólogo no que se refere também a
espiritualidade, agora no âmbito científico.
Giovanetti (2005, in AMATUZZI, 2005) coloca que a espiritualidade é considerada
uma atividade do nosso espírito, e não necessariamente implica a fé em algum ser
superior, característica indispensável na vivência da religiosidade. Neste sentido, Boff
(2001) diz que a espiritualidade tem haver com a experiência, e não com dogmas, ritos
ou celebrações. O termo espiritualidade indica toda a vivência que pode levar a uma
mudança profunda no interior do homem e o leva à integração pessoal e à integração
com outros seres humanos.
Os resultados de pesquisas sobre espiritualidade, têm importantes implicações
para o cuidado clínico dos clientes. O conhecimento do impacto que os diferentes tipos
de espiritualidade podem ter na etiologia, diagnóstico e evolução das necessidades
psicológicas, ajudará os psicólogos a compreender melhor seus clientes, avaliar
quando as crenças religiosas ou espirituais são utilizadas para lidar melhor com a
necessidade psicológica e quando podem estar acentuando essa necessidade. A vasta
maioria das pesquisas em populações saudáveis sugere que as crenças e práticas
religiosas estão associadas com maior bem-estar, melhor saúde mental e um
enfrentamento mais exitoso de situações estressantes. Essas associações entre
religiosidade e melhor saúde mental são encontradas de modo mais marcante em
situações de alto estresse.
E, por acreditar que a prática do aconselhamento psicológico deva ser cada vez
mais procurada pelas pessoas por trabalhar com aquilo que é profundamente humano,
acredito que é de fundamental importância que o profissional psicólogo que atua na
área, considere a relevância da espiritualidade, para que possa atuar de forma
completa como um facilitador fazendo com que a pessoa tenha a possibilidade de
conhecer a si própria, as suas possibilidades de escolha e suas necessidades futuras,
nos diversos aspectos de sua vida. Intenciona-se, também, propor práticas inclusivas
9
2 ESPIRITUALIDADE E ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO:
APONTAMENTOS
Ao falarmos sobre espiritualidade, podemos ser equivocadamente remetidos a
questões apenas de ordem religiosa. Porém, busco aqui, a espiritualidade considerada
como um objeto da Psicologia, como quando vista conforme Paiva (2005, in
AMATUZZI, 2005, p. 43):
... a espiritualidade, no sentido de busca de autonomia, de construção pessoal da relação com a totalidade, de respeito à singularidade do indivíduo, de abertura e de experimentação do novo, de recusa da rigidez, do autoritarismo e da alienação, é um bem desejável e condizente com o aprimoramento humano.
Segundo a Psicologia, a espiritualidade apontada por Paiva (2005, in AMATUZZI,
2005), deve ser compreendida como uma experiência pessoal, capaz de intuição, de
afeto e de atualização de seu potencial, na busca de sentido, de unidade, de conexão e
de transcendência, como o desejo de atingir uma liberdade interior e de encontrar para
a vida um sentido libertador.
O Autor define ainda, que a espiritualidade diz respeito a algo espontâneo,
informal, criativo e universal que pode ser traduzida como a genuína experiência
interior, liberdade de expressão individual, de busca e até mesmo de experimentação
religiosa, considerando que estas vivências espirituais emergem como uma força
interior, como consciência da possibilidade de um sentido, ou seja, a espiritualidade
deve ser vista como a tentativa da descoberta de um sentido libertador para a vida,
pois, sempre remete o ser à busca de um sentido externo para a vida, assim como a
religiosidade, porém, ambas propõe essa busca de modos diferentes.
A religiosidade, enquanto prática, enquanto culto, também está diante de um
sentido de vida, já que também é uma tentativa de descoberta de sentido. Quando se
pergunta o por quê e o para quê da vida, é uma abertura ao mistério e que não há uma
resposta muito evidente. Quando o ser humano se abre para um ser superior, esse ser
10
propõe essa resposta, consola, cuida, encaminha, pois durante o culto, diz-se que Deus
acolhe e cuida, e, esta experiência é uma descoberta que dá sentido a vida.
A vivência da espiritualidade é de grande importância para a construção do ser
humano. Giovanetti (2005, in AMATUZZI, 2005, p. 145) argumenta que “a vivência da
espiritualidade pode muitas vezes sofrer forte transformação na medida em que o
homem se abre a algo maior do que ele”, movendo-se para a busca do sentido, que
cada ser humano neste caso buscará o seu, deslocando-se de si para buscar em algo,
que não nele mesmo, essa resposta, este sentido.
O Autor complementa que o espírito humano tem como função principal captar a
profundidade das coisas, e a dimensão psicológica é responsável pelo que chama de
ressonâncias internas que são os sentimentos e as emoções do ser humano. Então, ser
levado pelas ressonâncias internas é viver guiado pelos sentimentos e emoções,
enquanto, ser levado pela espiritualidade, significa ser levado pelos valores e
significados, absorvendo a profundidade das vivências em busca deste sentido de vida.
O espírito nos permite fazer a experiência da profundidade, da captação do simbólico, de mostrar que o que move a vida é um sentido, pois só o espírito é capaz de descobrir um sentido para a existência. (GIOVANETTI, 2005, in AMATUZZI, 2005, p. 138).
Boff (2006) considera que a espiritualidade esteja relacionada com as qualidades
do espírito humano como paciência e tolerância, capacidade de perdoar, compaixão e
amor, contentamento, noção de harmonia e responsabilidade, que trazem felicidade
tanto para a própria pessoa como para os outros, e, que não existe nenhuma razão
pela qual o indivíduo não possa desenvolvê-la, até mesmo em alto grau, sem recorrer a
qualquer sistema religioso.
Esta espiritualidade, segundo Paiva (2005, in AMATUZZI, 2005), objetiva
restaurar a ligação com a realidade transcendente para a qual cada vida aponta, já que
faz parte da vida interna do ser, e que se expressam através de sentimentos, valores e
esperanças que organizam e regulam o decorrer das interações do sujeito, como risco e
possibilidade assumida com responsabilidade.
Muller (2004) define que espiritualidade é viver com o espírito e, portanto, é uma
dimensão construtiva do ser humano. Espiritualidade é uma expressão para designar a
11
totalidade do ser humano enquanto sentido e vitalidade, por isso espiritualidade
significa viver segundo a dinâmica profunda da vida. Isso significa que tudo na
existência é visto a partir de um novo olhar onde o ser humano vai construindo sua
integralidade e a sua integração com tudo que o cerca.
Jung (1986) compreende a espiritualidade como a relação do indivíduo com uma
área mais transcendental de sua psique e as mudanças que resultam dessa meditação.
Charuri (2001), acrescenta ainda, a vivência do amor incondicional.
A espiritualidade é própria da vida do homem, porém, nem todos cultivam esta
espiritualidade, fazendo uso dela como direcionador de suas vidas, como “um modo de
ser, uma atitude de alicerce a ser vivida em cada momento e em cada circunstância”
(GIOVANETTI, 2005, in AMATUZZI, 2005, p. 139 ), aparecendo como uma questão do
cotidiano das pessoas, pois não é uma questão apenas teórica, que está longe da vida
das pessoas, e sim, uma questão do cotidiano, aquilo ali dá sentido ao dia da pessoa.
O cultivo da espiritualidade pode ser visto como a prática da reflexão ou da
meditação para tentar identificar o que está no mais profundo do ser humano, para um
posterior deslocar-se de si em direção ao outro, ao que dá o sentido à existência.
Giovanetti (2005, in AMATUZZI, 2005) aponta que para o desenvolvimento desta
atitude de cultivo da espiritualidade, a vivência da religiosidade não se faz necessária,
pois, ela se manifesta na busca de valores profundos vivenciados que conduzem o ser
humano, e não na existência de um ser superior. Ou seja, para o Autor, desenvolver a
espiritualidade é construir a sua vida na busca desses valores.
Os termos “religiosidade” e “espiritualidade” costumam ser utilizados como
sinônimos nos estudos empíricos (MILLER, 1998). No entanto, existe um infindável
debate epistemológico da utilização desses conceitos. Para Sullivan (1993), a
espiritualidade é uma característica única e individual que pode ou não incluir a crença
em um “Deus”, sendo aquela responsável pela ligação do “eu” com o Universo e com os
outros, a qual também está além da religiosidade e da religião. Já a religiosidade
representa a crença e a prática dos fundamentos propostos por uma religião (MILLER,
1998).
A espiritualidade poderia ser definida como uma propensão humana a buscar
significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o material: um sentido
12
de conexão com algo maior que si próprio, que pode ou não incluir uma participação
religiosa formal (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). A espiritualidade e sua
relação com a saúde tem se tornado indispensável na prática psicológica diária. A
espiritualidade mostra-se como sendo de grande impacto em questão de aspectos de
abordagem do ser humano, assim como, desde a fisiopatologia básica até sua
complexa relação social, psíquica e econômica; é fundamental reconhecer que esses
diversos aspectos estão correlacionados em múltipla interação.
O que podemos considerar como o frequente brincar da espiritualidade com a
religião, historicamente tem sido ponto de satisfação e conforto para momentos
diversos da vida, bem como motivo de discórdia, fanatismo e confrontos.
Convém definir neste cenário que a religiosidade e a espiritualidade, apesar de
relacionadas, não são claramente descritas como sinônimos. A religiosidade envolve
sistematização de culto e doutrina compartilhados por um grupo. A espiritualidade está
afeita a questões sobre o significado e o propósito da vida, com a crença em aspectos
espiritualistas para justificar sua existência e significados (SAAD; MASIERO;
BATTISTELLA, 2001).
Paiva (2007) aponta que, mesmo a psicologia, que tradicionalmente é
considerada como o estudo do psiquismo do indivíduo, entendeu o comportamento
religioso nos moldes de uma relação do indivíduo com o divino, porém, mediada pelo
grupo.
A comprovação da utilização de aspectos distintos da espiritualidade e da
religiosidade como suporte terapêutico, assim como a determinação de resultados
positivos, tem constituído grande desafio para a ciência psicológica. Em se
considerando as limitações éticas e de método, demonstra-se o quão dificultoso se faz
mensurar e quantificar o impacto de experiências religiosas e espirituais pelos métodos
científicos tradicionais.
Ao buscarem-se aspectos históricos, encontramos em Cassel (1982) que muitos
dos primeiros hospitais destinados ao cuidado de pessoas com doenças mentais foram
organizados por monges e sacerdotes. O tratamento “moral” (que valorizava o papel da
religião e as contribuições dos clérigos nos cuidados) tornou-se o tipo dominante de
cuidado psiquiátrico nos Estados Unidos e Europa no começo do século XIX.
13
Entretanto, este cenário mudou no início do século XX com os escritos de Sigmund
Freud na psiquiatria e de G. Stanley Hall na psicologia. Esses autores acreditavam que
religião gerava neurose e que teorias psicológicas iriam substituir as religiões como
propiciadoras de visão de mundo e fonte de tratamento. Tais atitudes negativas em
relação à religião não eram baseadas em pesquisas científicas nem em estudos
sistemáticos, mas primordialmente nas crenças e opiniões pessoais desses pioneiros.
E, como consequência, durante a maior parte do século XX, o campo dos cuidados à
saúde mental subestimou e frequentemente desqualificou as crenças e espiritualidades
dos clientes. Tais posturas estão refletidas em textos fortemente anti-religiosos escritos
ainda nas décadas de 1980 e 1990.
Contudo, o Autor aponta ainda, que mudanças começaram a ocorrer na área da
saúde mental na década de 1990 e na virada para o século XXI. Investigações
sistemáticas passaram a demonstrar que pessoas religiosas não eram sempre
neuróticas ou instáveis e que indivíduos com experiências espirituais profundas na
realidade pareciam lidar melhor com estresses da vida, recuperar-se mais rapidamente
de depressão e apresentar menos ansiedade e outras emoções negativas que as
pessoas menos religiosas.
Saad, Masiero e Battistella (2001), em seus apontamentos, revelam algumas
tendências interessantes que demonstram ocorrer um rápido desenvolvimento na
pesquisa e discussão acadêmicas relacionadas à relação entre religião, espiritualidade
e saúde, sobretudo mental.
Dado que religião é importante para a maioria dos seres humanos, não causa
surpresa que haja interesse na ligação entre envolvimento religioso e saúde mental.
A questão da espiritualidade está presente na relação do psicólogo com as
pessoas, e está presente em vários níveis, na educação, na organização, no social e na
prática clínica, tanto de psicoterapia como de aconselhamento. Porém, aqui, meu
objetivo é compreender como esta visão de espiritualidade deve ser vista, do ponto de
vista científico por meio do aconselhamento psicológico.
A espiritualidade é uma manifestação, uma vivência que independe do
aconselhamento. Porém, deve ser relevada independentemente do grau de importância
14
apresentado pelo cliente, assim como devemos relevar todos os fatores, todo o
contexto bio-sócio-econômico-cultural da pessoa.
O aconselhamento psicológico aqui proposto, não se reduz apenas ao fato de
ministrar conselhos, mas refere-se a um aspecto mais dinâmico dessa situação, na qual
uma pessoa recebe ajuda psicológica para solução de suas dificuldades, onde o
aconselhador ouve suas dificuldades para elaborar de maneira adequada uma solução
possível. Muito diferente dos aconselhamentos de amigos ou parentes, que nada mais
são do que uma troca de ajuda, onde ambos não são realmente ajudados.
O aconselhamento psicológico também não pode e nem deve ser confundido
com a psicoterapia. Porém, ambos são representados por uma série de encontros com
um profissional qualificado, que objetiva oferecer ajuda na obtenção de uma
modificação de pensamento, comportamento ou atitude, podendo também ajudar o
cliente a obter um nível mais satisfatório de desenvolvimento pessoal e social. Mas,
pode-se diferenciar o aconselhamento psicológico da psicoterapia pelos métodos de
trabalho em relação à dificuldade da pessoa e também pelo tipo de dificuldade
apresentada pela pessoa.
Considerando as principais características, podemos pontuar que a psicoterapia
tem como objetivo uma reorganização mais profunda da personalidade do indivíduo,
exigindo um contato mais prolongado e intenso. Já o aconselhamento psicológico tem
como principal objetivo ajudar a pessoa na tomada de uma decisão muitas vezes
consciente, com a intenção de remover barreiras que dificultam um desenvolvimento
mais satisfatório. Estas barreiras são reais, são dificuldades que a pessoa está
vivenciando e que estejam lhe causando o que a Psicologia chama de ansiedade
excessiva.
A prática do aconselhamento exige trabalhar com aquilo que é profundamente
humano: a incerteza, a esperança, o desejo de infinitude, o enfrentamento, a vida, e,
para isso o aconselhador atua como um facilitador para que a pessoa tenha a
possibilidade de conhecer a si própria, as suas possibilidades de escolha e suas
necessidades de crescimento futuro, para que possa usar adequadamente suas
características e potencialidades de uma forma satisfatória para si e para a sociedade
em que está inserida, além de poder aprender a atender suas necessidades pessoais e
15
como resolver seus futuros problemas. Neste segmento, Stefflre e Grant (1976, p. 14)
definem aconselhamento psicológico como:
[...] um relacionamento profissional entre um orientador preparado e um cliente. Esse relacionamento, geralmente, se verifica apenas entre duas pessoas, embora, às vezes, possa envolver mais de duas e destina-se a auxiliar o cliente a compreender e ver melhor seu espaço vital, de modo a fazer escolhas significativas, com base em informações, de acordo com sua natureza essencial nas áreas onde haja escolhas para ele fazer.
Hackney e Ney (1977) colocam que o processo de aconselhamento é único e
previsível. Único no sentido de que dificilmente se pode antecipar os tipos de problemas
e preocupações que um cliente em particular vai apresentar, e, previsível, no sentido de
que muitos problemas e preocupações são comuns a várias pessoas, pois todo ser
humano já se sentiu deprimido, derrotado, indeciso, confuso e diante da indagação
quanto ao sentido da sua existência. Expressar esses sentimentos é sempre difícil, e
existem métodos específicos que o aconselhador pode aplicar para facilitar ao cliente a
expressão deles e para isso o aconselhador deve ser capaz de reconhecer e responder
às insinuações imediatas do cliente, pois só assim facilitará sua expressão.
O aconselhamento psicológico tenta resolver os conflitos passados e presentes
da vida do indivíduo e colabora na melhora de deficiências pessoais, tendo como
objetivos a busca pela solução de problemas, a modificação da estrutura da
personalidade, a mudança de comportamentos e atitudes específicos e lidar com
questões de autodefinição, para que de modo geral, haja uma atualização no sentido de
uma melhor adaptação individual e social, almejando a saúde individual e coletiva.
16
3 A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO
As práticas de aconselhamento psicológico tentam modificar atitudes,
comportamentos e experiências disfuncionais por intermédio de uma série estruturada
de contatos entre um aconselhador profissional e clientes em sofrimento.
Relacionamentos falidos, atuações imperfeitas e desenvolvimentos pessoais
defeituosos são problemas comuns à condição humana.
Quando indivíduos em sofrimento decidem que nem seus próprios recursos nem
o de seus familiares e amigos são suficientes para aliviar suas aflições, geralmente eles
buscam a assistência dos profissionais psicólogos culturalmente aceitos.
Neste momento devemos considerar eticamente as questões culturais. O que é
considerado disfuncional em uma cultura, como por exemplo, sentir a presença de um
ser superior, ouvir vozes quando ninguém está presente, envolver-se em
comportamento de transe, pode não ser considerado problemático em uma outra
cultura. Problemas que são disseminados em uma parte do mundo, como possessão
demoníaca, sofrer de mal-olhado e anorexia nervosa, podem ser virtualmente
desconhecidos em outros locais. Mitos culturais que uma sociedade classifica como
válidos, adoecimentos como resultado de quebra de tabus, espíritos malévolos como o
fator principal na causa de acidentes, práticas imperfeitas na criação dos filhos como
um dado que contribui para o desenvolvimento de problemas emocionais, podem ser
considerados pensamento mágico ou superstição em uma outra.
As nações desenvolvidas têm se tornado multiculturais, e os psicólogos precisam
estar mais bem informados no que diz respeito aos sistemas de crenças que podem
acompanhar seus clientes na sessão de aconselhamento.
A “competência cultural” é um conceito relativamente novo para muitos
profissionais de saúde. Ela se desenvolveu a partir de uma longa tradição do
oferecimento de serviços a pessoas de uma ampla variedade de contextos étnicos e
culturais (TORREY, 1986).
17
A quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da
Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) buscou aprimorar sua validade universal,
não apenas com uma breve menção dos “transtornos de transe dissociativo”, mas
também com uma categoria suplementar de “problemas religiosos ou espirituais” e um
glossário de “síndromes relacionadas à cultura” (American Psychiatric Association,
1994). Esse aspecto do DSM-IV representa o principal desenvolvimento clínico na atual
cultura da psiquiatria na América do Norte.
Na clínica contemporânea é de fundamental importância voltarmos nossa
atenção para a própria condição humana e para as questões da espiritualidade, a fim
de fazermos conceituações justas e compatíveis com a condição humana, evitando
desta forma uma abordagem restrita que leve o cliente a um adoecimento ainda maior,
quando as questões trazidas por ele encontram-se no nível ontológico e espiritual.
Inicialmente, Safra (2006) aponta para a importância da clareza de três conceitos
que frequentemente se fazem necessários ter conhecimento, por se mostrarem
extremamente esclarecedores na situação clínica contenporânea: ontológico, ôntico e
ontologia. Pois, ao identificar-se no cliente um adoecimento que não é fruto de
dinamismos psíquicos, não se pode tratar com exclusividade técnica o que, na
verdade, demanda um conhecimento ético.
Os três conceitos apontados se referem ao ser, principalmente ao modo como as
questões unicamente humanas aparecem em seu horizonte.
O ôntico refere-se aos acontecimentos da experiência humana, é a possibilidade
que o ser humano tem de mover-se continuamente em meio aos acontecimentos de
sua vida ao longo do tempo, enquanto o ontológico refere-se às estruturas que definem
as possibilidades realizadas em cada existência humana. O homem sempre foi
colocado frente a esta questão do ser. Portanto, ele é o ente que questiona o ser, de
forma que esta questão é a sua fundamental estrutura constitutiva, ou seja, ontológica.
Deste modo, o ser aparece ao homem como uma pressuposição originária que o leva a
abrir-se ontologicamente ao sentido do ser. E, a ontologia formulada por um ser, é a
tentativa de responder à questão sobre o ser que a habita e que a constitui. Essa pré-
compreensão aparece ao homem em sua vida cotidiana em meio aos acontecimentos
do mundo (SAFRA, 2006, p. 22).
18
Podemos considerar então, que o modo ôntico de ser, ou seja, o modo como
uma pessoa se mostra, é a resposta implícita à questão latente do sentido do seu ser,
que o remete a experiência da espiritualidade.
O cientificismo na prática clínica, pode ter o feito de objetificar o cliente e sua
subjetividade, podendo promover ainda mais adoecimento do cliente. O funciomento
mental não pode ser confundido com as experiências ontológicas e espirituais de busca
de sentido de vida, pois é sempre fruto de experiências ônticas, já que a mente se
desenvolve a partir dos fragmentos de experiências pessoais, ou seja, devemos levar
em consideração o fato de que o homem, em sua estrutura ontológica, também é
abertura para a compreensão, tanto no sentido ontológico, que nos torna sempre
abertos ao sentido ou ausência de sentido, como no sentido de prática clínica (mental).
A “escuta terapêutica” é um instrumento importante para os trabalhos
desenvolvidos na área da saúde, podendo ser potencializada por meio de intervenções
adequadas por parte do profissional psicólogo, conforme pontuou Fiorini (1991). Esta
escuta terapêutica deve ser viabilizada de acordo com a história pessoal de cada
cliente e das escolhas que o cliente fez.
Forghieri (2007, in ARCURI; ANCONA-LOPEZ, 2008) visualiza espiritualidade
neste momento em que o psicólogo consegue oferecer a si mesmo como pessoa, ao
aconselhando, para que juntos se solidarizem e vivenciem essa proximidade como
seres humanos semelhantes. “Aconselhamento é um ato de amor; amor em seu sentido
mais profundo e espiritualizado!” (FORGHIERI, 2007, in ARCURI; ANCONA-LOPEZ,
2008).
Considerando que a espiritualidade proporciona uma experiência real e
íntima de um sentido transcendente à vida, a espiritualidade não faz parte só à
vida da mente, mas também a do corpo, garantindo equilíbrio existencial ao
homem.
19
4 PRÁTICAS INCLUSIVAS DE ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO NA SAÚDE INDIVIDUAL E
COLETIVA
Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, entidade vinculada à
Organização das Nações Unidas – ONU, “saúde é um estado de completo bem-estar
físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças ou enfermidade” (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2007), porém, Medeiros, Bernardes e Guareschi (2005, p.
264), colocam que “(...) não existe uma unidade no conceito de saúde, mas formas que
o conceito vai assumindo de acordo com os campos que o atravessam”.
“Deve-se levar em conta, contudo, que o conceito que é definido hoje não é uma constante imutável, e muito menos universal. Conceituar a saúde é defini-la dentro de um momento histórico e cultural, e de uma determinada visão dentro deste contexto. Não é algo natural e que sempre existiu, mas algo construído dentro dessas realidades. Portanto, é impossível compreender e criticar conscientemente um modelo em saúde se forem ignorados os momentos históricos, sociais e culturais de sua criação e de sua atual ação”. (PEDRO, 2007, p. 9).
Direta ou indiretamente a Psicologia estuda como o indivíduo transcende seu
universo interior para interagir com a realidade externa em busca da saúde. O indivíduo
e seu contexto de vida estão definitivamente ligados, e, a Psicologia e,
consequentemente, o aconselhamento psicológico por ser uma proposta profissional,
feita a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais, para cursos de graduação em
Psicologia, conforme parecer nº CNE/CES 0062/2004, aprovado em 19 de fevereiro de
2004, e reconhecido pelo Conselho Federal de Psicologia pela Resolução CFP Nº
012/2005, lidam com o fenômeno da transcendência humana, ou como o ser humano
sai de si para o outro. E, a autotranscendência é um dos elementos fundamentais para
a espiritualidade.
Contudo, surgem cada vez mais evidências de que a questão da espiritualidade
associa-se à saúde, sobretudo mental, fazendo com que se torne imprescindível o seu
conhecimento para a prática do processo de aconselhamento psicólogico.
20
No Rio Grande do Sul, Rocha (2002) desenvolveu com seu orientador, Marcelo
Pio de Almeida Fleck, uma série de trabalhos de validação e emprego em pesquisas
empíricas relacionadas aos instrumentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) de
avaliação de qualidade de vida (WHOQOL), em particular das dimensões
“espiritualidade” e “religiosidade”. Dessa forma, validaram o instrumento WHOQOL-
Espiritualidade, Religiosidade e Crenças Pessoais (SRPB). Ela identificou que, na
amostra de 242 sujeitos (122 pacientes psiquiátricos e 119 controles normais), de modo
geral as dimensões espiritualidade e religiosidade associaram-se à melhor qualidade de
vida geral.
A atenção ao aspecto da espiritualidade se torna cada vez mais necessária na
prática de assistência à saúde individual e coletiva. Cada vez mais a ciência reconhece
a da grandeza e da importância da espiritualidade na dimensão do ser humano,
buscando assim, caminharem juntas, como um processo de alteridade, reconhecendo
os limites naturais de cada uma. Ser humano é buscar significado em tudo que está em
nós e em nossa volta, pois somos seres inacabados por natureza e estamos sempre
em busca de nos completar.
O aconselhamento psicológico baseado na linha transpessoal ou com enfoque
existencial pode ser eficaz na ajuda ao cliente que procura resolver aspectos
relacionados ao significado e ao propósito da vida.
A transcendência de nossa existência torna-se a essência de nossa vida à
medida que buscamos encontrar um sentido para tal. No aconselhamento psicológico
busca-se no cliente todos os aspectos que considera importante em sua vida para que
sejam trabalhados na busca de conferir ao cliente que encontre todas as condições
necessárias para as suas realizações nesse momento singular. E, neste momento, a
dimensão da espiritualidade torna-se realmente de grande importância.
O aconselhamento psicológico é a modalidade de assistência que abrange as
dimensões do ser humano além das dimensões emocional e psicológicas como
prioridades dos cuidados oferecidos, reconhecendo a espiritualidade como fonte de
grande bem-estar e de qualidade de vida ao se aproximar da busca pelo sentido de
vida. Acolher esse movimento de transcendência neste momento da existência humana
21
é um dos alicerces do aconselhamento psicológico. Transcender é buscar significado, e
a espiritualidade é o caminho.
No centro do estresse espiritual da busca de sentido de vida está o sofrimento
individual. Steensma (2003) afirma: “Profundo e indescritível sofrimento pode bem ser
chamado de um batismo, uma regeneração, uma iniciação de um novo estado de ser”.
Torna-se importante avaliar o estresse espiritual da busca de sentido de vida para
entender mais profundamente o sofrimento humano. Cassel (1982) define o sofrimento
como um estado de estresse grave associado aos eventos que ameaçam a integridade
de cada pessoa. Por conta dessa natureza, “sofrimento é uma experiência humana” e
ocorre assim que o processo de destruição da pessoa seja percebido, enquanto a
ameaça da desintegração persistir ou até que a integridade da pessoa possa ser
restaurada de alguma maneira.
O sofrimento afeta as pessoas em toda a sua complexidade, podendo ocorrer
nas dimensões social, familiar, física, emocional e espiritual (CASSEL, 1982). Outra
forma de expressar a natureza do sofrimento humano no final da vida é o conceito
definido por “dor total” articulado por Cassel (1982). Descreveu quatro domínios da dor,
que, em sua totalidade, constituem o conceito da chamada dor total: dor física (e outros
sintomas físicos de desconforto), dor emocional (ansiedade, depressão), dor social
(medo da separação, sensação de abandono, luto antecipatório) e dor espiritual. O
Autor completa ainda: “O sofrimento não identificado não poderá ser aliviado”.
Entretanto, é preciso compreender que antes de o cliente que busca um sentido de vida
se ajustar às suas necessidades espirituais, ele precisa ter seus desconfortos físicos
bem aliviados e controlados. Uma pessoa com dor intensa jamais terá condições de
refletir sobre o significado de sua existência, pois o sofrimento físico não aliviado é um
fator de ameaça constante à sensação de plenitude desejada pelos clientes.
A abertura e o acolhimento desta transcendência de busca de sentido de vida
promovido pelo aconselhamento psicológico pode ser prática em diferentes âmbitos, e
como não poderia deixar de ser, um deles é o meio junto aos acadêmicos de
Psicologia, em uma prática pedagógica que permita a compreensão da espiritualidade e
do aconselhamento psicológico enquanto prática, pontuando a elaboração da relação
complementar entre ciência e espiritualidade, colocando que a verdadeira tensão se dá
22
entre o conhecimento que o homem realiza por si mesmo revelado e alcançado pela
espiritualidade e confiança em testemunhas (que de qualquer forma é o conhecimento
muito mais utilizado na vida cotidiana), acreditando que na medida que se assume a
dimensão da espiritualidade, se assume também uma dimensão científica e humana
mais completa.
Cursos vocacionais, são outra área em que o aconselhamento psicológico e a
espiritualidade, podem atuar de forma muito relevante, pois, neste momento da vida do
ser humano aparecem inúmeras interrogações existenciais, como por exemplo: Quem
eu sou? Por o que eu realmente me interesso? O que me realiza enquanto pessoa? O
que pode mudar minha vida? O que garantirá meu furuto? Como me adaptarei? Como
é possível viver o trabalho como vocação nos dias de hoje? Neste sentido, o desejo da
realização plena deste percurso fica evidente.
Ao voltar-se para a natureza, pode-se encontar uma experiência de
resignificação e mobilização que não se refere necessariamente aos sentimentos que
temos quando nos afastamos de nossa vida urbana e nos encontramos em contato com
a natureza, como por exemplo: uma cachoira, as montanhas, o mar. A experiência
existencial do qual me refiro, acontece na própria vida cotidiana, onde através do voltar-
se a natureza que nos cerca, e nos instiga à indagações a respeito do porquê e do para
quê todas as coisas, pode-se encontrar o movimento de busca de sentido para a
saciabilidade do vazio que nos habita e constitui.
Promover a abertura ao mistério, também encontra grande valia no meio de
pacientes terminais ou com dor crônica e profissionais da saúde, já que, conviver com o
sofrimento da dor crônica ou admitir a própria morte, aceitando-as como e quando vier,
permite ao homem como tal, viver em plenitude e ao profissional de saúde uma melhor
compreensão dos pacientes terminais, proporcionando-lhes os meios necessários para
assistí-los da maneira mais adequada e completa possível, sem gerar para o próprio
profissional as angústias tão comuns nestas condições. D`Apssumção (1998) considera
que, buscar na realidade, caminhos para que se possa viver melhor, sem as angústias
decorrentes dos medos, das incertezas, propicia um viver mais intenso da vida.
A alma de uma sociedade é a educação transmitida aos jovens, e neste contexto,
encontramos um amplo campo para inclusão da espiritualidade, onde questões
23
fundamentais como a hierarquia de valores, a relação ética com o consumo, postura
ecológica, respeito a vida e ao ser humano como semelhante, entre tantos outros, que
hoje encontram-se distorcidos, podem ser reestruturados e abordados, como base para
busca de sentido e transcendência para um futuro mais íntegro, livre e feliz.
24
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desta pesquisa foi abordar a questão da espiritualidade no ser
humano, de um modo que seja significativo para a prática clínica, valorizando a maneira
pela qual a sua singularidade aparece na busca de um sentido de vida.
Esta pesquisa tem como principal questão a necessidade de esclarecimentos
sobre dois temas que têm apresentado cada vez mais relevância nos dias atuais: a
espiritualidade enquanto um elemento da ciência e o aconselhamento psicológico,
ambos avaliados no âmbito da Psicologia. Para tal compreensão, foi imprescindível que
se fizessem algumas conceituações importantes, e, neste sentido, acredito que os
objetivos foram alcançados de modo pleno.
Estudar cientificamente a espiritualidade é uma empreitada muito entusiasmante
e perigosa, já que, essa é uma área repleta de preconceitos, preconceitos a favor e
contra a espiritualidade. A maioria das pessoas tem opiniões sobre o tema, mas
habitualmente essas opiniões foram formadas sem uma análise aprofundada das
evidências disponíveis.
Clientes querem ser tratados como pessoas, e não como doenças ou
dificuldades, e serem observados como um todo, incluindo-se os aspectos físico,
emocional, social e espiritual. Ignorar qualquer uma dessas dimensões torna a
abordagem do cliente incompleta.
Os procedimentos de aconselhamento psicológico proporcionam um desafio para
os psicólogos na escolha dos resultados a serem medidos em ensaios clínicos. Pode-se
perguntar se os resultados devem ser definidos em termos de resgate bem-sucedido de
uma alma ou a recuperação do fluxo da energia espiritual de uma pessoa, ou em
termos de cessação de sintomas ou a retomada do padrão de trabalho diário. Ou se os
resultados deveriam ser baseados no padrão de recuperação valorizado pelo indivíduo,
pela família ou pela comunidade inteira.
25
Não importa se possuímos crenças materialistas ou espirituais, atitudes religiosas
ou anti-religiosas, necessitamos explorar a relação entre espiritualidade e saúde para
aprimorar nosso conhecimento sobre o ser humano e nossas abordagens terapêuticas.
Os dados obtidos pontuaram a relevância da espiritualidade no processo de
aconcelhamento psicológico e, posteriormente, foram indicadas práticas inclusivas da
espiritualidade no aconselhamento psicológico, almejando a saúde individual e coletiva.
Esta pesquisa deixou claro que é um erro considerar que todo o saber humano
se esgota numa forma específica de conhecer a realidade. O conhecimento
experimental não esgota todo o conhecimento, cabe a nós, abrirmos outras janelas
para aprender uma realidade mais totalizante, encontrando aí o ponto que se dá a
unidade entre ciência e experiência espiritual, pois são duas faces de uma mesma
realidade que se complementam mutuamente e correlacionados permitem um
conhecimento mais total e profundo da realidade.
A pesquisa cumpriu de forma plena os seus objetivos iniciais. A dificuldade inicial,
ou pelo menos o que se supunha ser uma dificuldade, que era partir de diferentes
temas com o intuito de se chegar a uma inter-relação entre eles, aconteceu de forma
natural e em momento algum a pesquisa se desviou de seu foco, o que possibilitou um
texto que ao mesmo tempo em que possui uma considerável carga teórica, é facilmente
compreendido e, espera-se, de agradável leitura.
No entanto, um dos grandes problemas foi o fato de escrever o texto em um
período limitado de tempo com uma literatura complexa e envolvente, pois, em cada
tema abordado, um leque infinito de diferentes visões se abre, com novas
possibilidades de conexões com outros fenômenos relevantes e que tornariam o
trabalho cada vez mais completo, sem desviar-se do pretendido.
Creio que o trabalho, se acessível a outros estudantes e profissionais, pode vir a
contribuir no sentido de derrubar preconceitos e sensibilizar o indivíduo a assumir uma
nova postura ética e profissional, passando a levar em consideração a importância do
tema espiritualidade no aconselhamento psicológico e até mesmo na própria
experiência individual.
Não pense o leitor que este foi apenas um trabalho acadêmico formal. Foi mais
um aprendizado pautado nas minhas experiências de vida do que qualquer
26
necessidade acadêmica, assim como todo verdadeiro aprendizado. Quando escrevi que
é necessário assumir uma nova postura ética, não queria ser convincente apenas, mas
sim que o leitor as resignificasse e levasse isso para sua própria experiência.
27
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOFF, L. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
BOFF, L. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.
CASSEL, E. J. The nature of suffering and the goals of medicine. N. Engl. J. Med. Mar 18; 306, p. 639-645, 1982.
CHARURI, C. Como vai a sua mente? 3 ed. São Paulo: PC, 2001.
D`APSSUMÇÃO, E. A. Comportar-se fazendo bioética para quem se interessa pela ética. Petrópolis, 1998.
FORGHIERI, Y. C. Aconselhamento terapêutico e espiritualidade. In: ARCURI, I. G.; ANCONA-LOPEZ, M. Temas em psicologia da religião. São Paulo: Vetor, 2007.
FIORINI, H.J. Teorias e técnicas de psicoterapias. 9 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
GIOVANETTI, J. P. Psicologia existencial e espiritualidade. In: AMATUZZI, M. M. (org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
HACKNEY, H.; NEY, S. Aconselhamento: estratégias e objetivos. São Paulo: EPU, 1977.
JUNG, C.G. Obras completas. Vol XI. Petrópolis: Vozes, 1986.
MARANHÃO, E. A. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. 2004. Disponível: http://www.pol.org.br/legislacao/pdf/diretrizes_curriculares.pdf. Acesso em: 15 set 2007.
MEDEIROS, P. F.; BERNARDES, A. G.; GUARESCHI, N. M. F. O conceito de saúde e suas implicações nas práticas psicológicas. Psicologia Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 21, n. 3,
28
2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722005000300002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 set 2007.
MILLER, W.R. Researching the spiritual dimensions of alcohol and other drug problems, Addiction. 93(7): p. 979-990, 1998. MÜLLER, W. Deixar-se tocar pelo sagrado. Petrópolis: Vozes, 2004.
PAIVA, G. J. Psicologia da religião, psicologia da espiritualidade: oscilações conceituais de uma (?) disciplina. In: AMATUZZI, M. M. (org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
PAIVA, G. J. Transcrições psicológicas da experiencia religiosa. In: ARCURI, I. G.; ANCONA-LOPEZ, M. Temas em psicologia da religião. São Paulo: Vetor, 2007.
PEDRO, C. Z. Promoção de saúde e estilo de vida: dimensões do comportamento religioso. Monografia, UNIVALI: Itajaí, 2007.
ROCHA, N.S. Associação entre estado de saúde, espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais e qualidade de vida. Dissertação de mestrado. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2002.
SAAD, M.; MASIERO, D.; BATTISTELLA, L. Espiritualidade baseada em evidências. Acta Fisiátrica 8(3), p. 107-112, 2001.
SAFRA, G. Hermenêutica na situação clínica: o desvelar da singularidade pelo idioma pesoal. São Paulo: Edições Sobornost, 2006.
STEENSMA, D.P. Why me? J Clin Oncol 21(9), p. 64-66, 2003.
STEFFLRE, B.; GRANT. W. H. Teorias de aconselhamento. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976.
SULLIVAN, W.P. - It helps me to be a whole person: the role of spirituality among the mentally challenged. Psychosocial Rehabilitation Journal. 16, p. 125-134, 1993.
TORREY, E.F. Witchdoctors and psychiatrists: The common roots of psychotherapy and its future. San Francisco: Harper Collins, p. 39, 1986.