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WAGNER ALVES REIS
AGOSTINHO FRÓES DA MOTTA: TRAJETÓRIAS E CONQUISTAS
DE UM “HOMEM DE COR” EM FEIRA DE SANTANA (1856-1922)
Feira de Santana, 2012
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História, Universidade Estadual de Feira de Santana, para a obtenção do título de Mestre Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lucilene Reginaldo
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TERMO DE APROVAÇÃO
WAGNER ALVES REIS
AGOSTINHO FRÓES DA MOTTA: TRAJETÓRIAS E CONQUISTAS
DE UM “HOMEM DE COR” EM FEIRA DE SANTANA (1856-1922)
Dissertação aprovada como requisito para obtenção d o grau de Mestre em História, Universidade Estadual de Feira de Santana, pela seguinte banca examinadora:
Eurelino Teixeira Coelho Neto* Doutor em História – UFF Universidade Estadual de Feira de Santana Sharyse Piroupo do Amaral Doutora em História – UFBA Universidade Estadual de Feira de Santana Clovis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira Doutor em História - UnB Universidade do Estado da Bahia
*Coordenando a banca substituindo a Prof.ª Dr.ª Lucilene Reginaldo, que não pode está presente.
Feira de Santana, 30 de agosto de 2012
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Dedico este trabalho
a Deus, doador e mantenedor da vida;
aos meus pais, Dona Minininha e Celso Reis (In Memoriam);
à Gislene, minha esposa, pela paciência;
a Rafael e Lucas, filhos amorosos, que lembrarem do jeito
menino deles, que entre textos e leituras, entre estudos e
pesquisas, eu também era pai.
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AGRADECIMENTOS Após concluir este trabalho percebo o quanto a pesquisa histórica
realizada contribuiu primeiramente para minha formação enquanto pessoa, por
causa do esforço e disciplina exigidos para tal empreitada, mesmo em meio às
obrigações e demandas paternas. Diante deste formidável aprendizado não é
possível deixar de agradecer por inúmeras que colaboraram direta e indiretamente
para a realização definitiva deste trabalho.
À professora Lucilene Reginaldo, pelo a amizade e profissionalismo
excepcional, dedicados não só neste período de formação, mas a tantos outros
momentos como nas disciplinas na Graduação de História, no Projeto História do
Recôncavo: Fontes e Acervos, e durante a Especializção.
Ao professor Cândido da Costa e Silva, pelo exemplo de pessoa e
pesquisador que sempre procurou demonstrar espontaneamente enquanto esteve à
frente do CEDOC.
Aos demais professores que compõem o corpo docente do Mestrado em
História da UEFS, em particular as professoras, Ione Sousa, Elizete da Silva,
Adriana Dantas, Marcia Barreiros, e aos professores Rinaldo Leite, Jacques
Depelchin e Eurelino Coelho.
Às professoras Elciene Azevedo e Gabriela Sampaio pelas excelentes
contribuições feitas no Exame de Qualificação.
Aos colegas de curso que muito contribuíram com as discussões teóricas,
temperadas com sobriedade e muito humor.
Ao senhor Carlos Melo, historiador que gentilmente cedeu fotos e outros
documentos referentes a Agostinho Fróes da Motta, além das agradáveis conversas
que tive com ele na tipografia do Jornal Folha do Norte.
Ao Professor Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira e Sharyse
Piroupo do Amaral pela leitura atenta e avaliação final, bem como pelas inestimáveis
orientações e sugestões no exame de defesa.
À professora Cristina Barbosa de Oliveira Ramos pela inestimável
colaboração e sugestões durante a consulta aos periódicos disponibilizados no
Museu Casa do Sertão.
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Escrever é fácil:
você começa com uma letra maiúscula
e termina com um ponto final.
No meio você coloca as palavras.
Pablo Neruda
Ver um mundo num grão de areia
E um céu numa flor silvestre.
Ter o infinito na palma da sua mão
E a eternidade numa hora.
William Blake
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RESUMO
O presente trabalho se propõe em percorrer os passos do Coronel Agostinho Fróes da Motta em sua trajetória de vida, desde suas origens ainda muito desconhecidas até seu falecimento marcado pelo notório prestígio que legou aos seus conterrâneos. Trata-se deu uma pesquisa biográfica, cuja intenção consiste em traçar as estratégias estabelecidas por Agostinho Fróes da Motta – jovem “homem de cor” – para atingir as conquistas obtidas ao logo de sua vida. Comparar a trajetória de vida de Agostinho Fróes da Motta com a de outros indivíduos que tenha vivenciado experiências semelhantes ou até idênticas se tornou imprescindível. Figuras como o Coronel Francisco Dias Coelho, de Morro de Chapéu e o Coronel Epipahnio José de Souza são dois exemplos mestiços que tiveram trajetórias muito parecidas com a de Agostinho. Foi necessária também uma análise sobre a vida de Agostinho Fróes da Motta que considerasse como ponto de referência à própria realidade na qual ele está inserido, efetuando um diálogo no qual os dois interlocutores (sujeito e contexto histórico) se auxiliasse reciprocamente a fim de permitir um maior conhecimento tanto de Agostinho Fróes da Motta como da Feira de Sant’ Anna de seu tempo. Por isso, o período de tempo delimitado para esta biografia contemplou os sessenta e seis anos de vida do Cel. Fróes da Motta, desde 1856 até 1922, mas deixando margens para visualizar tanto o contexto histórico que antecedeu seu nascimento como o que sucedeu seu falecimento. Enfim, visualizar a trajetória de Agostinho Fróes da Motta, percorrendo sua atuação como comerciante, tornado-se coronel, conselheiro municipal e intendente permitirá que se conheça um tanto mais a história de Feira de Santana.
Palavras-chave : Homem de cor. Trajetória. Biografia. Conquistas.
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ABSTRACT The aim of this work is to traverse the paths of Colonel Agostinho Fróes da Motta in the trajectory of his life, which was marked for notable prestige that he has left to the people of his city, starting with the origins of him, still largely unknown, until his demise. This is an eminently biographical research, whose intention is to trace the strategies established by Agostinho Fróes da Motta - Young white man - to reach achievements throughout his life. Making comparison between the life trajectory of Agostinho Fróes Motta and other individuals who have experienced similar or even identical experiences became paramount. People like Colonel Francisco Dias Coelho and Colonel José de Souza Epipahnio are two examples that have crossbred trajectories very similar to that of Agostinho. it was also required an analysis of Augustine Fróes da Motta´s life which was considered like a point of reference the reality that he is inserted, making a dialogue in which the two parties (Human Subject and historical context) helped one another to permit greater knowledge of Agostinho Fróes da Motta as the city of Feira de Sant 'Anna at the time when Agostinho was alive. Therefore, the time period defined for this biography includes the sixty-six years of the colonel Fróes da Motta, from 1856 to 1922, but it was left margins to view both the historical context that preceded his birth as that succeeded his death. In other words, to be aware of trajectory of Aostinho Fróes da Motta like a merchant, a colonel, a municipal counselor and a public manager will permit to know a bit more about Feira de Sant 'Anna history. Key-words : Man of color. Trajectory. Biography. Conquests.
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RESÚMEN
El presente trabajo propone recorrer los pasos del coronel Agostinho Fróes da Motta en su trayectoria de vida, desde sus orígenes todavía desconocidas hasta su muerte marcada por el prestigio que llegó a sus compañeros de tierra. Es una investigación biográfica con intención de buscar estrategias establecidas por Agostinho Fróes da Motta – joven “hombre de color” – para atingir las conquistas obtenidas a lo largo de su vida. Esta comparación biográfica entre el estudiado con otros individuos que vivenciaron experiencias semejantes o iguales es muy necesaria para el desarrollo de esta investigación. Personajes como el Coronel Francisco Dias Coelho, de la ciudad de Morro de Chapéu y el Coronel Epiphanio José de Souza son dos ejemplos de mestizos que tuvieron sus caminos parecidos al de Agostinho Fróes da Motta. Fue importante un análisis sobre su vida considerando como punto de referencia la propia realidad en la cual él está inserido, realizando un diálogo en lo cual los dos interlocutores (sujeto y contexto histórico) se une recíprocamente para permitir un conocimiento mayor de Agostinho Fróes da Motta y también la feria de Sant’Anna (Feira de Sant’Anna) de su tiempo. Por eso, el periodo de tiempo delimitado para esta biografía contempló los sesenta y seis años de vida del Cel. Agostinho Fróes da Motta, desde 1856 hasta 1922, pero dejando orillas para visualizar tanto el contexto histórico que ocurrió en su nacimiento como lo que sucedió su muerte. Al fin y al cabo esta investigación tratará la vida de comerciante de este coronel que fue consejero municipal e intendente para conocer la historia de Feira de Santana.
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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Túmulo da Família Fróes da Motta........................................................... 29
Figura 2 - Cel. Agostinho Fróes da Motta ................................................................. 31
Figura 3 - Escola Municipal (atual Escola Maria Quitéria) ........................................ 42
Figura 4 - Placa de inauguração ............................................................................... 42
Figura 5 - Escola J. Florêncio .................................................................................. 42
Figura 6 - Placa de inauguração ............................................................................... 42
Figura 7 - Grupo Escolar J. J. Seabra ..................................................................... 43
Figura 8 - Placa de inauguração ............................................................................... 43
Figura 9 - Membros da família Fróes da Motta ......................................................... 57
Figura 10 - Dr. Eduardo Fróes da Motta ................................................................... 68
Figura 11 - Palacete Fróes da Motta em momentos diferentes................................ 83
Figura 12 - Antiga Praça General Argolo .................................................................. 97
Figura 13 - Cel. Epiphanio José de Souza ............................................................. 101
Figura 14 - Residência do Cel. Epiphanio José de Souza ..................................... 101
Figura 15 - Cartão Postal (porto de Hamburgo) ..................................................... 120
Figura 16 - Fotografia de Agostinho Fróes da Motta (Hamburgo) .......................... 121
Figura 17 - Agostinho Fróes da Motta em viagem à Europa .................................. 122
Figura 18 - Primeira agência do Banco do Brasil em Feira de Santana ................. 127
Figura 19 - Lançamento da pedra fundamental do coreto da praça da Matriz ....... 178
Figura 20 - Inauguração da Ponte do rio Branco .................................................... 181
Figura 21 - Busto do Cel. Fróes da Motta ............................................................... 185
Figura 22 - Fotografia do Cel. Agostinho Fróes da Motta ...................................... 185
Figura 23 - Fotografia do Cel. Agostinho Fróes da Motta ....................................... 185
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LISTA DE QUADROS Quadro 1- Valores em dinheiro legados por Maximiana de A. Motta em seu
testamento ................................................................................................................ 53
Quadro 2 - Bens declarados por D. Guilhermina de Almeida no contrato antenupcial
(1920) ....................................................................................................................... 71
Quadro 3- Valores em dinheiro legados por Agostinho F. da Motta em seu
testamento para instituições da cidade .................................................................... 86
Quadro 4 - Recibos e notas promissórias de Agostinho Fróes da Motta ............... 104
Quadro 5- Conta Corrente de João Galdino de Carvalho ....................................... 110
Quadro 6- Conta Corrente de Cantianilla Simões de Carvalho .............................. 111
Quadro 7- Conta Corrente de Cantianilla Simões de Carvalho (continuação)........ 112
Quadro 8 - Conta Corrente de Concordio Campos ................................................ 128
Quadro 9 - Lista de candidatos das eleições em Feira de Santana (1911) ............ 159
Quadro 10 - Resultados das eleições municipais em Feira de Santana (1911) ..... 161
Quadro 11 - Resultados das eleições municipais em Feira de Santana (1912) ..... 167
Quadro 12 - Lista de alguns imóveis adquiridos por Agostinho Fróes da Motta ..... 179
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LISTA DE ABREVIATURAS
APEB Arquivo Público do Estado da Bahia
BSMG Biblioteca Setorial Monsenhor Renato de Andrade Galvão
CEDOC Centro de Documentação e Pesquisa
SAFS - Secretaria do Arcebispado de Feira de Santana
Observação: Quando se fizer referência às fontes históricas consultadas serão
utilizadas as seguintes abreviaturas para identificar as diferentes páginas de uma
folha. Quando for o Rosto da folha, será identificada com a letra R; e quando for o
Verso, com a letra V. E em ambos os casos as respectivas abreviaturas seguirão
após o número da folha. Exemplo: folha 65R (o rosto da folha 65), folha 118V (o
verso da folha 118).
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ÍNDICE DE VALORES
Moeda A unidade básica da moeda no Brasil, que perdurou desde o período colonial, passando
pelo Império, até o início da era Vargas era o real (réis no plural).
Escrevia-se $100 para a soma de 100 réis, 1$000 para um mil-réis e 1:000$000 para um
conto de réis. Portanto, o valor de 20:430$200, deve ser lido como vinte contos,
quatrocentos e trinta mil e duzentos réis.
A fim de estabelecer um parâmetro que possibilite o leitor compreender os valores
monetários do período delimitado nesta Dissertação, fez-se o seguinte índice de
valores.
*Produtos comercializados na feira semanal foram consultados no Jornal Folha do Norte (Edição nº 463, de 15 de Fevereiro de 1919) ** Valores consultados na Partilha de bens deixados por Dona Maximiana de Almeida Motta em seu Inventário (CEDOC, Estante 9, Caixa 240, Documento 5094).
Produto 1910 Período
4 beijús de tapioca* $20 (vinte réis) 1919
1 kg de açúcar mascavo* $600 (seiscentos réis) 1919
20 litros de feijão* 7$500 a 8$000 (sete mil e quinhentos a oito mil
réis)
1919
Arroba de “gado gordo, em
pé”*
13$000 a 15$000 (treze a quinze mil réis) 1919
24 Ações do Jornal de
Notícias**
5:000$000 (cinco conto de réis) 1919
Residência de Agostinho à
rua General Câmara (hoje
Villa Fróes da Motta) **
20:000$000 (vinte contos de réis) 1919
Monte-mor (volume total dos
bens) deixado por D.
Maximiana**
1.136:717$953 (mil cento e trinta e seis contos,
setecentos e dezessete mil e novecentos e
cinquenta e três réis)
1919
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 CAPÍTULO I – Trajetória social do "homem de cor" Agostinho Fróes da Motta ........................ 27 1.1 - A origem: fumo, escravidão e liberdade em São Gonçalo dos Campos ........... 32 1.2 - Pelos caminhos da instrução: a ascensão possível aos homens livres de cor . 39 1.3 - O sobrenome Fróes: incursões de um nome ............................................... 44 1.4 - Família e prestígio social .............................................................................. 49 1.4.1 - Relações familiares: esposas e filhos ..................................................... 51 1.4.2 - Tecendo outras relações sociais ............................................................. 75 CAPÍTULO II – Os passos de um homem de negócios: comerciante e ba nqueiro ..................... 88 2.1 – Trilhando os caminhos de Agostinho Fróes no comércio de Feira ................... 91 2.2 – Tino para os negócios .................................................................................... 106
2.2.1 – “É o olho do dono que engorda o gado” ............................................... 106 2.2.2 - “Cada um é o obreiro da própria fortuna.” ............................................ 108 2.2.3 – “Amigos, amigos, negócios à parte” .................................................... 124 2.3 – Múltiplos rumos para a fortuna ....................................................................... 129 CAPÍTULO II – O percurso político do Cel. Agostinho Fróes da Mott a...................................... 133 3.1 – "Em terra de cego quem tem um olho é Coronel" .......................................... 137 3.2 – A política feirense na época do Cel. Fróes .................................................... 147 3.3 – O Cel. Fróes: perfil política e Intendência ...................................................... 169 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 184 FONTES ................................................................................................................. 188 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 193 ANEXOS ................................................................................................................. 197 APÊNDICES ........................................................................................................... 215
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INTRODUÇÃO
A não ser por uma carta que li sua dirigida ao Snr. Epiphanio nenhuma
noticia tenho sua a não ser os pedidos repetidos de dinheiro os quais tenho mandado de acordo com sua vontade. Peço [ILEGÍVEL] tomar nota de tudo
quanto gastar com o devido esclarecimento para que posso conhecer a aplicação do produzido de meu suor.
Carta de Agostinho ao filho Eduardo, 20 de Janeiro de 1906
Mas para meu julgamento de menino, o norte e o sul, os pontos cardeais do comércio estavam nos armazéns que enumerei de início. Armazém de fumo que já era quase indústria Seu Agostinho, Seu
Epifânio Souza, seu Manuel Portugal, Cel. Álvaro Simões Eurico Alves Boaventura
É intento da minha administração, atender, quanto possível, a locação do ensino
Municipal em edifícios apropriados, esparsos, em pontos convenientes, onde a população escolar, principalmente a menos abastada, possa, sem necessidade de fazer grande percurso, atingir a escola
Comunicado da Intendência, 6 de maio de 1916
Os trechos registrados acima pretendem ilustrar, mesmo que brevemente
o teor do texto dissertativo que ora se inicia. Trata-se, para início de reflexão, de um
trabalho biográfico, e como tal apresenta características desse tipo de trabalho. Mas
antes de analisar o conceito propriamente dito de biografia, é necessário tecer
algumas considerações sobre o exercício biográfico, quase como um relato da
experiência pessoal empreendida durante a pesquisa que resultou nesta presente
dissertação.
Quando alguém se propõe biografar outra pessoa – já falecida ou em
alguns casos, ainda em vida – não se pode pretender atingir o conhecimento integral
sobre o sujeito de sua biografia. A biografia consiste muitas vezes num mergulho no
âmago do indivíduo biografado, mesmo tendo consciência e certeza da
impossibilidade de alcançar a totalidade, mas apenas fragmentos da vida do sujeito
que se pretende biografar. A analogia do “quebra-cabeça” é oportuna e exemplifica
bem o exercício biográfico. A trajetória do sujeito biografado é justamente como um
quebra-cabeça, cujas peças são devidamente identificadas, selecionada, associadas
e posicionadas de tal maneira, que possam permitir a visualização da imagem
desejada. Mas como afirmado anteriormente, não se deve esperar o conhecimento
completo sobre o sujeito (objeto de estudo) de uma biografia. A vida do biografado é,
na verdade, como um quebra-cabeça incompleto. Ora porque algumas peças se
perderam ou não foram encontradas, ora porque outras peças estavam danificadas,
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manchadas. Portanto, uma biografia com lacunas, tal como um quebra-cabeça sem
algumas peças.
Biografar a pessoa de Agostinho Fróes da Motta se configurou de fato
como a montagem de um quebra-cabeça com muitas peças intactas e com algumas
peças ora com pouca nitidez ora ausentes. Enquanto muitos eventos da vida de
Agostinho Fróes da Motta foram esclarecidos com base num conjunto variado e
relativamente volumoso de fontes históricas, alguns momentos permaneceram
ocultos ou difusos devido tanto à ausência como pela imprecisão de determinados
documentos históricos. Portanto, o que será visto nos capítulos dessa dissertação foi
o resultado da montagem de um quebra-cabeça, que exigiu um esforço por
confeccionar peças que substituíssem as peças ausentes ou sem nitidez, permitindo
que a imagem/trajetória de Agostinho tornasse mais límpida, mas compreensível.
O interesse pela figura de Agostinho Fróes da Motta surgiu nos últimos
anos da graduação em História, e que simultaneamente aconteceu durante minha
atuação como Bolsista em atividades desenvolvidas no Centro de Pesquisa e
Documentação (CEDOC/UEFS) entre os anos 2000 e 2003. Esse interesse resultou
em minha Monografia defendida em 2008, no curso de Especialização em História
da Bahia oferecido pela Universidade Estadual de Feira de Santana. As possíveis
lacunas sobre a vida de Agostinho que não foram devidamente respondidas em
minha Monografia, bem como a curiosidade que tal sujeito desperta pela sua
história pessoal, estimularam a pesquisa que permitiu a realização desta
Dissertação.
Sobre o personagem, pouco foi produzido até o presente momento. Além
da minha Monografia1, existem mais dois trabalhos monográficos, ambos realizados
por Sidney de Araújo Oliveira2. O primeiro trabalho monográfico de Sidney Oliveira,
se restringe a abordar não necessariamente a figura do Cel. Fróes da Motta, mas a
sua residência. Preocupando-se em analisar o estilo arquitetônico e a função política
e social que o referido prédio possuía para a cidade desde a época de sua 1 REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: comércio, política e questões raciais na princesa do sertão (1900-1922), Monografia (Especialização em História da Bahia), Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2008. 2 OLIVEIRA, Sidney de Araújo. O Desenho da Vila Fróes da Motta: Registro de Uma Época, Monografia (Especialização em Desenho) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2003; Nos caminhos da República: Agostinho Fróes da Motta no cenário político de Feira de Santana (1900-1920), Monografia (Especialização em História da Bahia) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2006.
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construção3 até a sua compra pela Fundação Senhor dos Passos4, em 1999. Em
sua segunda monografia, Sidnei Oliveira, se deteve em compreender a atuação
política do Cel. Agostinho Fróes da Motta nos primeiros anos da recém-implantada
República no Brasil, especificamente no que se refere à política urbanizadora que
marcou o seu governo. Por sua vez, em minha monografia, procurei investigar e
traçar o perfil do político e do comerciante na pessoa do Cel. Agostinho Fróes da
Motta, bem como da condição deste “homem de cor” e as relações raciais na
sociedade feirense nas duas primeiras décadas do século XX. Além desses
trabalhos, Agostinho Fróes da Motta aparece apenas como verbete no Dicionário
Personativo, Histórico e Geográfico de Feira de Santana, de Oscar Damião de
Almeida. As quatro referências mencionadas acima contribuíram – cada uma com
suas especificidades – com os objetivos propostos na presente dissertação.
Seguindo a trilha de minha monografia, mas superando esta e galgando
novas perspectivas, o presente texto – como já foi mencionado – consiste numa
biografia. Por isso, antes de expor a estrutura dos capítulos, e os pressupostos
teórico-metodológicos utilizados neste trabalho, é imprescindível aprofundar um
pouco mais sobre o conceito e a prática de biografia, e sua relação com a História.
Tal relação, inclusive, vem atualmente recebendo uma relevante atenção dos
historiadores. Giovanni Levi, por exemplo, afirma que “mais do que nunca a biografia
está hoje no centro das preocupações dos historiadores, mas denuncia suas
ambiguidades”5. Para Levi, a biografia pode, tanto privilegiar as peculiaridades de
um indivíduo frente à sociedade, e em detrimento da mesma, como evidenciar a
validade das determinações e influências que a sociedade impõe aos indivíduos.
Ambiguidades à parte, mas sem ignorá-las, é preciso reconhecer que a biografia
contribui metodologicamente com a historiografia, pois estimula a busca de novas
3 Não há precisão quanto ao ano da construção da residência do Cel. Fróes da Motta. Sidney afirma que ocorreu no final do Século XIX, no entanto, outras fontes atestam que tal construção se deu em 1903, um ano após o Cel. Agostinho Fróes da Motta, ter se inspirado numa “casa residencial que ele conheceu durante a visita a Hamburgo, na Alemanha” (Jornal Folha do Norte, Caderno Especial, Feira de Santana, Fundação Senhor dos Passos, s/n, de 21 de novembro de 2008) 4 A Fundação Senhor dos Passos atualmente é a proprietária da residência e em oportunidades comemorativas publica material impresso sobre a “Villa Fróes da Motta” e sobre o Cel. Agostinho Fróes da Motta. 5 LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In. FERREIRA, Marieta de M. e AMADO, Janaína. (Orgs.) Usos e Abusos da História Oral, 8ª ed., Rio de Janeiro: FGV, 2006, P. 167. O texto de Levi foi publicado originalmente em 1989.
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fontes, assim como de diferentes técnicas para analisá-las e outros estilos de
narrativa histórica.
É importante enfatizar, a princípio, que não existe apenas uma maneira de
escrever biografia, nem pretendo circunscrever esta dissertação em nenhuma
tipologia biográfica, apenas saliento que o exercício biográfico nela apresentado,
pode ter lançado mão de estratégias utilizadas por outros biógrafos e historiadores.
Posso até afirmar que toda biografia possui suas especificidades. Como assim
defende Maria das Graças de Andrade Leal, ao afirmar que, “A partir do diálogo com
as fontes e a subjetividade do pesquisador e do biografado, pode-se construir
estratégias apropriadas a cada caso.”6
Giovanni Levi, por sua vez, aponta uma tipologia de biografia que
influencia sobremaneira o trabalho biográfico que o presente texto dissertativo se
propõe. Um dos tipos de biografia que Levi apresenta é por ele titulado de “biografia
e contexto”. O contexto social neste tipo de biografia seria imprescindível para
compreender as “singularidades das trajetórias7”; ou seja, investigar
comportamentos individuais integrando-os ao meio social do qual fazem parte e são
típicos, facilita o entendimento sobre um determinado período ou um povo, assim
como também permite enxergar como comuns certas vivências particulares.
“Portanto, não se trata de reduzir as condutas a comportamentos-tipos, mas de
interpretar as vicissitudes biográficas à luz de um contexto que as torne possíveis e,
logo, normais”8.
Para Bourdieu, esse contexto é designado de “superfície social”, isto é, a
compreensão ampla e profunda sobre diferentes condutas simultaneamente
vivenciadas por um indivíduo socialmente integrado. Enfim, trajetórias, como ele
mesmo afirma, seria
O conjunto das posições simultaneamente ocupadas num dado momento por uma individualidade biológica socialmente instituída e que age como suporte de conjunto de atributos e atribuições que lhe permitem intervir como agente eficiente em diferentes campos9.
6 LEAL, 2009, p. 27. 7 LEVI, 2006, p. 175. 8 Idem, p. 176. 9 BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In. FERREIRA, Marieta de M. e AMADO, Janaína. (Orgs.) Usos e Abusos da História Oral, 8ª ed., Rio de Janeiro: FGV, 2006. O texto de Levi foi publicado originalmente em 1986, p. 191.
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A noção de “trajetórias” é oportuna e fundamental para esse tipo de
biografia. A história de uma pessoa não se constitui como uma linha reta e uniforme,
formada por eventos que se sucedem um ao outro, sem um vínculo com um todo
social. Por mais peculiaridades que pareçam existir na vida de um indivíduo, este é
caracterizado por trajetórias, por constantes metamorfoses e alterações, que por sua
vez, estão envolvidas num contexto, do qual não pode ser desvinculado10. Tal como
afirma Levi,
qualquer que seja a sua originalidade aparente, uma vida não pode ser compreendida unicamente através de seus desvios e singularidades, mas, ao contrário, mostrando-se que cada desvio aparente em relação às normas ocorre em um contexto histórico que o justifica11.
O contexto é relevante porque permite conectar o indivíduo biografado
com outros sujeitos que por ventura tiveram trajetórias de vida relativamente
semelhantes. De forma que o exercício de comparar uma trajetória com outra pode
permitir a visualização de informações e dados que a possível ausência de fontes
históricas possa ocultar. É preciso que o pesquisador busque informações presentes
em outras fontes – que não estejam ligadas necessariamente ao sujeito que se
pretende biografar; ou seja, que não foram necessariamente produzidas por ele e
nem sobre ele. Um exemplo dessas fontes seriam aquelas que registrassem
informações sobre indivíduos que partilhassem do mesmo mundo social, cultural,
político e econômico, do indivíduo – objeto da pesquisa. E na medida em que tais
fontes fossem arroladas, o exercício de comparação e associação seria realizado a
fim de obter ou confirmar algumas possíveis conclusões sobre determinados
momentos da vida do biografado, que estejam ocultos ou silenciados, obscuros ou
poucos confiáveis nas fontes diretamente produzidas por ele. “O contexto serve para
preencher as lacunas documentais por meio de comparações com outras pessoas
cuja vida apresenta analogia, por esse ou aquele motivo, com a do personagem
estudado.”12
Outras fontes podem preencher as lacunas que a documentação
diretamente relacionada ao personagem biografado apresente, porque podem conter
10 BOURDIEU, Pierre, p. 189. 11 LEVI, 2006, p. 176. 12 Idem, p. 176.
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e fornecer informações e dados, sobre situações semelhantes que associadas por
analogia, contribuem para uma eficiente leitura das possíveis informações ocultadas
por aquelas lacunas. As lacunas documentais poderiam ser um problema para
qualquer pesquisa histórica. No caso de um trabalho histórico-biográfico a
inexistência de fontes históricas sobre um determinado momento ou conduta do
sujeito biografado poderia comprometer as suas conclusões. Contudo, mesmo que
uma quantidade vultosa de fontes históricas representasse para todo pesquisador
um horizonte aberto de oportunidades para realizar suas pesquisas, principalmente
é claro, se tais fontes estivessem ligadas diretamente e cobrissem toda a vida do
sujeito biografado; ainda assim esta perspectiva seria inteiramente ilegítima, pois
disseminaria a ideia de que o volume restrito de documentos históricos ou/e as
ausências deles em determinadas períodos da vida do sujeito biografado pode
impedir a realização da biografia.
Quando a documentação histórica disponível para a pesquisa é
insuficiente ou lacunar sobre um determinado momento, cabe ao historiador lançar
mão de expressões como “talvez”, “pode ser”, “provavelmente”, que ao serem
usadas exprimem possibilidades históricas, na ausência de verdades irrefutáveis. É
importante que fique o mais claro possível, que na ausência de determinados
documentos históricos ou diante da pouca confiabilidade dos mesmos, a tarefa do
historiador transita no campo das possibilidades. Segundo Carlo Ginzburg, num
“campo de possibilidades historicamente determinados”13. Ou no campo do
verossímil, como aponta Gabriela Sampaio quando afirma que o mais importante
não é investigar e atingir alguma verdade absoluta sobre os fatos, mas de tentar
identificar “aquilo que pode ter ocorrido, mais do que aquilo que ocorreu com
certeza”14. Possibilidades e verossimilhanças que outras fontes históricas dão conta
de apontar, na medida em que são bem investigadas. Natalie Zemon Davis reitera
tal perspectiva quando afirma o seguinte: “Quando não consegui encontrar meu
homem (ou minha mulher) [...] fiz o máximo para descobrir, através de outras fontes
da época e de local, o mundo que devem ter visto, as reações que podem ter tido”15.
13 GINZBURG, Carlo. “Provas e possibilidades a margem de ‘Ritorno de Martin Guerre’, de natalie Zemon Davis”, em A micro-história e outros ensaios, Lisboa, Difel, 1989, p. 183. 14 SAMPAIO, 2000, p. 14. 15 DAVIS, 1987, p. 21
20
Quanto às lacunas documentais que existem a respeito da trajetória de
Agostinho é preciso pontar algumas considerações. Por exemplo, o volume de
documentação que gravita em torno deste coronel altera conforme períodos de sua
vida. Considerando o espaço de tempo entre 1904 e 192216, as fontes históricas são
variadas e oferecem informações significativas. No entanto, o período 1856 e 190417
foi constituído por uma quantidade muito reduzida de fontes históricas, compostas
exclusivamente por algumas notas promissórias (1886, 1887 e 1901) e três registros
de batismo dos filhos de uma escrava que possuía (1875-1880). Para amenizar a
interferência que tais lacunas ofereceriam à pesquisa e consequentemente às
conclusões sobre a vida de Agostinho neste período, foi necessário fazer uso de
outras fontes de informações que dialogassem com os poucos dados documentais
acima mencionados. Para tanto, me servi de dados apresentados por historiadores
locais; de pesquisas realizadas tanto sobre a região da possível origem de
Agostinho, como também sobre a população negra que nela habitava; e por fim de
informações coletadas em fontes históricas posteriores a 1904. Este exercício foi
intensamente executado no início do Capítulo I, quando analisei a origem e o
passado escravista de Agostinho, a origem do sobrenome Fróes, bem como a
instrução nas letras e nos números que certamente ele teve na adolescência, e que
lhe foi útil mais tarde quando comerciante e político.
Outros autores tecem considerações pertinentes quanto à problemática
referente à da ausência ou ao reduzido volumes de fontes. João José Reis, quando
investiga a trajetória de vida de Domingos Sodré, afirma o seguinte sobre certos
aspectos da vida deste “sacerdote africano” que insistem permanecer obscuros:
o leitor perceberá que nosso personagem sai frequetemente de cena para dar lugar ao seu mundo e a outros personagens que o povoam, através dos quais sua história é em grande medida contada. Este método narrativo cabe em qualquer biografia, pois qualquer um vive em certo contexto, imediato ou mais amplo, do qual outros indivíduos mais ou menos próximos18.
Nesta mesma linha de abordagem, outros pesquisadores produziram
trabalhos relevantes. Quando a documentação não foi suficiente ou até mesmo
16 Período que cobre a fase de vida Cel. Agostinho Fróes da Motta atuando como conselheiro municipal e intendente, e usufruindo do prestígio social que sua condição de comerciante e coronel lhe oferecia. 17 Período que corresponde à trajetória de Agostinho desde seu nascimento, casamento e constituição familiar, inserção no comércio de Feira de Santana e início de sue gradativo enriquecimento. 18 REIS, 2008, pp. 16-17.
21
trouxessem informações suficientes, estes historiadores utilizaram de recursos
narrativos emprestados da Literatura, atribuindo à Historia uma preocupação com a
eloquência exposta no seu texto. Sobre isto, Giovanni Lévi afirma que “a biografia
constitui na verdade o canal privilegiado através do qual os questionamentos e as
técnicas peculiares da literatura se transmitem à historiografia.”19 Para ilustrar tal
recurso literário utilizado na historiografia, observemos um trecho do trabalho de
Sandra Graham, sobre a jovem escrava Caetana, que se recusou a consumar o
casamento com outro escravo do seu senhor:
Naquela noite, desesperada, sem nenhum parente a quem apelar e, com certeza, nenhum escravo com idade, autoridade ou inclinação para desafiar o padrinho, Caetana fugiu. Ela correu para o único lugar aonde poderia ir, a casa grande. Chorando, implorou ao seu senhor que desfizesse o que provocara.20
Neste trecho, Graham permite ao leitor visualizar o momento crucial que
desencadeou no processo eclesiástico de anulação do casamento de Caetana. Além
disso, possibilita um mergulho na psicologia dessa mulher, a fim de perceber seus
sentimentos e convicções a cerca do casamento a que fora forçada contrair com um
homem que não lhe agradava. Isso fica evidente quando a autora faz uso dos
termos “desesperada”, “chorando”, “Caetana fugiu” e “implorou”. Se tais expressões
estão ou não literalmente registradas nas fontes pesquisadas por Grahan, o que
importa mesmo é a forma como a autora os reúne e os costura numa narrativa que
atenda aos objetivos da produção do seu texto: ilustrar a cena e os sentimentos do
personagem da história que se propôs contar.
É possível observar este recurso literário também no trabalho de Elciene
de Azevedo, sobre Luiz Gama:
Em um domingo de inverno paulistano, às 11 horas, cerca de 500 pessoas se dirigiram à rua São José e encontraram-se em um salão pertencente ao senhor Joaquim Elias. Neste salão, segundo a opinião nada imparcial de um jornal liberal, ouviram o orador, Luiz Pinto da Gama discorrer brilhantemente em seu discurso.21
19LEVI, 2006, p. 168. 20 GRAHAN, 2005, p. 87 21 AZEVEDO, 1999, p. 79.
22
Azevedo articula informações de jornais da época com um texto mais
coloquial, permitindo ao leitor um deslocamento mental no tempo e no espaço, lhe
possibilitando fazer-se presente na cena. O mesmo se pode notar na descrição dos
funerais de Luiz Gama. Observando o encadeamento de citações literais das fontes
pesquisadas com seu próprio texto, Azevedo oferece a oportunidade de nos
juntarmos com as quase 3 mil pessoas que acompanharam o cortejo fúnebre,
descendo e subindo ladeiras, e percorrendo ruas a pé. Sobre alguns eventos em
torno de Agostinho, foi possível proceder a uma narrativa tendo como pano de fundo
documental algumas fontes, que literalmente registradas não permitiriam que o texto
dissertativo de uma biografia se apresentasse em dados momentos com uma textura
narrativa. No início e em outros trechos dos três capítulos foram elaboradas
narrativas a fim de permitir ao leitor uma inserção imaginativa sobre o episódio
narrado possibilitando uma maior compreensão sobre tais eventos.
Outros elementos que compõem a história de sujeitos biografados, como
propriedades imóveis e móveis, são descritos por esta abordagem metodológica
com o intuito de ilustrar hábitos e costumes, visões de mundo e a imagem que estes
sujeitos possuíam de si mesmos. Não com o objetivo apenas de atender a
curiosidade do leitor sobre tais aspectos; mas, sobretudo com a clara intenção de
utilizá-las como chaves de leitura que facilitem a compreensão sobre a vida do
indivíduo biografado, bem como da sociedade em que esteve circunscrito.
Os trechos a seguir pretendem expor exemplos de como tais elementos
materiais são descritos. Para perceber o estilo de vida dos proprietários na época de
Chica da Silva, em particular no arraial do Tejuco, Júnia Furtado descreve alguns
bens materiais daquela mulher.
Primeiro sobre a sua residência:
O sobrado de madeira e adobe em que vivia Chica da Silva era uma construção sólida, ampla e arejada, constituída de dois pavimentos e quintal, com o corpo principal formando um quadrado com divisões de pau-a-pique. Todo pintado de branco, era coberto de telhas, com balcões, janelas e marcos coloridos. (...) contava com uma capela própria, consagrada a santa Quitéria, onde mais tarde se casaram duas filhas de Chica. (2003, pp. 130-131).
Depois a respeito dos seus utensílios domésticos:
23
Com freqüência as refeições era, servidas em louças inglesas e da Índia, azuis, brancas ou esmaltadas; talheres de latão, ouro, prata ou vidro; garrafas e copos de vidro ou cristal; bandejas de cobre ou madeira; cafeteiras e chaleiras. (2003, p. 134).
Em seguida, quanto a seu vestuário:
De modo geral, Chica ostentava um vestuário rico e colorido, que incluía meias brancas e anáguas da mesma cor. Para dar volume, e sapatos de seda ornados com fivelas de prata ou pedras coloridas. (2003, p. 139).
Toda esta descrição feita sobre estes bens materiais serve não só para
mostrar privilégios, refinamento, posição social e usos e costumes dos habitantes do
Tejuco no século XVII; mas principalmente – no caso de Chica da Silva, analisado
por Júnia Furtado – serve também para esclarecer como uma mulher, negra e forra
assimilou e se comportou segundo os costumes e valores das senhoras da elite
portuguesa, com a intenção de ampliar a distância ente sua atual condição social e a
antiga realidade de escrava.
Outro exemplo desta opção por descrever bens materiais fica também
claro neste fragmento do texto de Keila Grinberg, sobre Antonio Pereira Rebouças:
Rebouças possuía uma invejável biblioteca de dois mil e oito volumes, entre obras de brochura e encadernadas, das quais umas poucas, com dicionários e folhetos, ficavam em sua casa, e as outras eram distribuídas pelas seis estantes de vinhático, envernizadas de polimentos e envidraçadas, que compunham o seu escritório. (2002, p. 199).
Ao redigir esta descrição, Grinberg pretendeu demonstrar não apenas
parte do patrimônio material de Rebouças, mas evidenciar o patrimônio intelectual
que este rábula possuía, e que foi fundamental na sua trajetória política e
profissional. Já no que se refere ao Cel. Agostinho, a narrativa – por exemplo –
sobre o interior de sua residência e das festas que nela ocorriam foi construída com
a intenção de envolver o leitor no ambiente em que os eventos aconteciam.
A narrativa em textos biográficos, como os mencionados até agora, deve
atender, entre outros, o seguinte objetivo: tornar a leitura de livros de caráter
histórico um exercício prazeroso. Uma boa narrativa, como foi exemplificada
anteriormente, facilita o envolvimento e a empatia do leitor com a época e com o
indivíduo biografado. E quando isso acontece, a história – enquanto ciência do
24
homem no tempo – cumpre uma das dimensões de sua função social: permitir que
as pessoas conheçam a história, não só como curiosidade, mas como ponte que
possa ligar experiências de vida e realidades sociais separadas no tempo e no
espaço. As abordagens apontadas pelos autores acima citados orientaram o
trabalho com as fontes em torno de Agostinho Fróes da Motta.
Outro aspecto que se levanta neste trabalho biográfico é concernente ao
tipo de sujeito biografado. Agostinho Fróes da Motta foi um “homem de cor”, como
se pode notar nas fotografias que estão expostas no corpo deste trabalho. O que se
procurou apresentar ao longo dos três capítulos foi identificar e analisar as
estratégias utilizadas por Agostinho a fim de atingir seus desejos de ascensão
econômica e prestígio social, que de fato foram alcançados no decurso de sua
existência. As estratégias e conquistas realizadas por este “homem de cor”
permitiram de certo modo, deslocar a um segundo plano, sua condição de individuo
cuja ancestralidade lhe remetia necessariamente à escravidão. Portanto, tentou-se
também abordar as mesmas estratégias, como recursos utilizados particularmente
por Agostinho para galgar seus interesses. É importante salientar que a maneira
como Agostinho chegou às suas conquistas não foi exclusivamente praticada por
ele. Respeitando as peculiaridades de outros tantos negros, mestiços ou “homens
de cor”, algumas decisões, atitudes e hábitos desses indivíduos apresentam
similaridades.
No que se refere especificamente à trajetória de Agostinho, como
comerciante, coronel, conselheiro municipal e intendente, foi possível traçar mais
semelhanças do que diferenças quando se comparou – por exemplo – com a
trajetória de Francisco Dias Coelho. Em alguns momentos dos três capítulos desta
dissertação foi realizado um exercício comparativo entre a história de Agostinho
Fróes da Motta e a vida daquele outro homem de cor, de origem simples, possuindo
vínculos com a escravidão, além de ser também comerciante, coronel e intendente,
contemporâneo de Agostinho, que viveu na cidade de Morro de Chapéu22. E, após
as comparações, foi possível por lado a lado diferenças e semelhanças, e obter as
devidas e cautelosas conclusões. Outro indivíduo que serviu também para ampliar o
rol de sujeitos que tiveram experiências parecidas com as vivenciadas por Agostinho
22 A trajetória de vida deste coronel do norte da Chapada Diamantina foi discutida por Moiseis Sampaio, na sua Dissertação “O coronel negro: coronelismo e poder no norte da Chapada Diamantina (1864 – 1919)”.
25
foi Epiphanio José de Souza, que também era comerciante, proveniente de
Cachoeira, de origem semelhantemente modesta, que se enriqueceu através do
comércio de fumo, se tornou coronel e atuou também na política de Feira de
Santana como conselheiro municipal, ao lado de Agostinho, com quem manteve
amizade e sociedade em firma comercial ligada ao fumo.23
Vale lembrar também que todos os personagens mencionados foram
homens e mulheres negros (as) e mestiços (as) que iniciaram suas respectivas
trajetórias no mundo escravista brasileiro; e ao longo de suas vidas foram –
conforme o contexto que os envolvia – conquistando prestígio social diante de seus
pares e conterrâneos através de escolhas, atuações em diferentes ofício e
estratégias de ação, que ora apresentam semelhanças ora são marcadas por
previsíveis particularidades. Nesta lista podemos citar novamente os “feiticeiros”
Juca Rosa e Domingos Sodré; a escrava Caetana; a notória Chica da Silva; o
abolicionista Luiz Gama; o rábula Antonio Pereira Rebouças; o professor Manuel
Querino; e o “excêntrico” príncipe Dom Obá II D’África24, dentre outros.
Finalmente, após esta explanação sobre os pressupostos teóricos e
metodológicos que nortearam a pesquisa e produção do presente texto dissertativo,
cabe apresentar a estrutura e temática de cada capítulo que compõem este trabalho.
No primeiro capítulo, “Trajetória social do "homem de cor" Agostinho Fróes da
Motta”, foi abordado a relação familiar de Agostinho seja com os as duas esposas
seja com os filhos dos dois casamentos; a relação de prestígio que ele possuía com
segmentos da sociedade feirense, assim também como o passado sobre sua
infância e adolescência; a instrução nas letras e a origem e função do sobrenome
“Fróes”. Os documentos, cuja consulta, forneceram densas discussões neste
capítulo foram as diversas edições do Jornal Folha do Norte entre os anos 1909 e
1922; as correspondências de Agostinho para o filho Eduardo, escritas entre 1906 e
23 Existe outro coronel de origem mestiça cuja trajetória de vida poderia servir também para ampliar a compreensão sobre coronéis negros e “de cor” na Bahia. Trata-se do coronel Antonio Luis Camandaroba que atuou na cidade de Barra (oeste da Bahia, região do médio São Francisco) na mesma época que Agostinho, Dias Coelho e Epiphanio Souza. Sobre o Cel. Camandaroba não existem trabalhos acadêmicos conhecidos, mas há trabalhos elaborados por membros da família que residem em Feira de Santana. As informações sobre este coronel me foram transmitidas pelo seu neto, o Prof. Camandaroba, quando tivemos a oportunidade de trabalharmos juntos no Centro Estadual de Educação Profissional (CEEP) em 2011. Certamente, futuras pesquisas podem ser desenvolvidas acerca desse coronel, que se enriqueceu com o comércio de carnaúba na sua região de origem. 24 Indivíduos pesquisados respectivamente por Gabriela Sampaio, João José Reis, Sandra Graham, Júnia Furtado, Elciene Azevedo, Keila Gringerg, Maria das Graças de A. Leal e Eduardo Silva.
26
1908; e alguns processos cíveis envolvendo Agostinho e seus filhos e seus filhos
entre si.
No segundo capítulo, “Os passos de um homem de negócios:
comerciante, usurário e banqueiro”, como o próprio título sugere, foi analisada
trajetória econômica empreendida por Agostinho, desde sua primeira firma de fumo
a grande exportador desse gênero agrícola, com mais tarde tornou. Além dessa
atividade comercial, foram investigadas outras atividades econômicas, como o
empréstimo a juros, o aluguel de casas, o comércio de gado e sua atuação como
banqueiro. Para realizar a elaboração deste capítulo foi necessário se concentrar em
outras pesquisas realizadas sobre o comércio fumageiro na região de Feira de
Santana e associá-las com a documentação consultada, como notas promissórias e
recibos; contratos comerciais e balancete de firma; e, três processos cíveis – uma
Ação Sumária e duas Falências.
No terceiro capítulo foi abordado “O percurso político do Cel. Agostinho
Fróes da Motta”. Inicialmente identificando sua atuação como conselheiro municipal;
a obtenção do título de Coronel; sua ascensão política até assumir e exerce o cargo
de Intendente, seu perfil político suas realizações públicas. Mais uma vez o Jornal
Folha do Norte e desta vez, também o Jornal O Município foram fundamentais para
fornecer as informações necessárias sobre o cenário político de Feira de Santana,
inserido nos eventos de âmbito estadual e nacional que marcaram o período entre
1907 e 1919.
Pretende-se, portanto, que após este panorama preliminar sobre a
estrutura, principais abordagens teóricas e metodológicas adotadas para a
elaboração deste trabalho, o leitor possa mergulhar na Feira de Santana em que
viveu e atuou o Coronel Agostinho Fróes da Motta. E a partir de sua trajetória de
vida consiga compreender um pouco mais a sociedade feirense entre o final do
século XIX e as primeiras décadas do século XX, percebendo sua rotina política,
seus hábitos e costumes, bem como sua tradição comercial. Sempre sob a ótica e
perspectiva das trajetórias e conquistas do homem de cor Agostinho Fróes da Motta.
27
– CAPÍTULO I –
Trajetória social do "homem de cor"
Agostinho Fróes da Motta
28
Era bastante ativo, irrequieto e buliçoso e, por causa disto, recebeu a alcunha de “feroz” que soava como “Fróes”, no sotaque do português.
Oscar Damião de Almeida E esse homem, e esse cidadão, e esse lutador, tu querida leitora, conhece-
o mais do que eu, era Agostinho Fróes da Motta. Ele era assim. Rude fatalidade essa que na fileira dos grandes combatentes da heroica
vanguarda do progresso, fulmina uma a uma as mais fundas esperanças de nossa terra na pessoa de um legionário audaz
Cristina de Montalvão, In. Jornal Folha do Norte, n º 624, de 1 de Abril de 1922.
A não ser por uma carta que li sua dirigida ao Snr. Epiphanio nenhuma noticia tenho sua a não ser os pedidos repetidos de dinheiro os quais tenho mandado de acordo com sua vontade. Peço [ILEGÍVEL] tomar nota de tudo
quanto gastar com o devido esclarecimento para que posso conhecer a aplicação do produzido de meu suor.
Carta de Agostinho ao filho Eduardo, 20 de Janeiro de 1906
No sábado d’Aleluia foram queimados nesta cidade, diversos Iscariotes, destacando-se o do como General Câmara, cujo sacrifício foi feito aos sons
de harmoniosa orquestra e assistida por uma verdadeira multidão. Até a hora da cremação, á meia-noite, houve animadas danças no palacete
Fróes da Motta, onde se reuniram, para assisti-la, diversos cavalheiros e excelentíssimas famílias.
Jornal Folha do Norte, nº 78, sábado, 23 de abril d e 1911.
29
Assim se exprime esta ‘Folha’ sob o título Uma Sagração: A maior sagração póstuma que a Feira já assistiu foi, antes de ontem, à tarde, o enterramento do nosso distinto e benemérito conterrâneo coronel Agostinho Fróes da Motta, que, após longos meses de cruel e dolorosa enfermidade, exalara o último suspiro, na véspera, às 14:15.25
Esse breve relato sobre o funeral de Agostinho Fróes da Motta revela a
importância e o prestígio que este indivíduo acumulou enquanto viveu,
principalmente durante as três décadas que antecederam seu falecimento, onde
figurou, ora coadjuvando ora protagonizando, em diversas atividades sociais,
econômicas e políticas da cidade. Maiores detalhes desse enterro ficarão a cargo da
imaginação do leitor, que poderá visualizar a grandiosidade do momento póstumo
naquela tarde de sexta-feira (23 de março de 1922), quando uma multidão
acompanhou os familiares e amigos do Cel. Fróes ao cemitério da cidade para
prestarem suas últimas condolências.
FIGURA 1 TÚMULO DA FAMÍLIA FRÓES DA MOTTA
FIGURA 1
25 Esse acontecimento foi transcrito da Coluna da Vida Feirense [Livro 1, página 49, Jornal nº 1498, 26 de Março de 1938]. Esta coluna consiste uma coletânea organizada pelo jornalista e ex-prefeito Arnold Silva entre 1923 e 1952, composta por diversos verbetes expondo breves artigos e notícias com informações acerca dos mais variados assuntos concernentes à história de Feira de Santana e de cidades circunvizinhas. Os verbetes que compõem a referida coluna foram produzidos tanto a partir de pesquisa documental em jornais e outras fontes escritas da época, possivelmente também a partir de depoimentos de indivíduos contemporâneos ao autor, bem como do próprio testemunho deste. É possível que algumas informações registradas por Arnold Silva não se confirmem ou sejam relativamente imprecisas, mas há de se considerar que a maioria significativa dos verbetes por ele organizada possua conformidade histórica com os fatos relatados. Durante a minha pesquisa documental em diversas edições do Jornal Folha do Norte e nos processos cíveis do CEDOC, verifiquei a integridade das informações legadas por este jornalista, ao confirmá-la com dados consultados nos referidos documentos históricos.
Fonte: Fotografia produzidas pelo autor
30
Se faltam minúcias sobre o enterro para descrever neste texto, não se
pode afirmar o mesmo sobre os acontecimentos que se deram durante a semana a
partir de então. Mas antes de expô-los é necessário apresentar alguns fatos. Às 14h
daquela lamentável quinta-feira 22 de março de 1922, Agostinho Fróes da Motta
“cerrava os olhos à luz terrena, vitimado por arteriosclerose.” Durante tortuosos
quatro meses de convalescência devido à grave enfermidade e mesmo com todo o
acompanhamento médico e manifestações de afeto daquela que era a atual esposa
(Dona Guilhermina), dos filhos e amigos presentes à cabeceira de seu leito, nada
impediu retardar a sombra inevitável da morte. A morte do Cel. Fróes produziu um
clima de grande pesar e tristeza entre os muitos cidadãos de Feira de Santana, pois
falecia um dos mais “estimados” e porque não dizer, poderosos, filhos dessa terra.
Segundo a imprensa local, os mesmos sentimentos de tristeza se
estenderam ao longo dos dias que sucederam à morte do ilustre coronel. Ainda não
havia se apagado da memória dos feirenses as palavras e gestos dispensados por
pessoas muito queridas por ocasião do velório, missa de corpo presente e
sepultamento, ocorridos pós-morte. Transcorrida uma semana depois do fatídico
acontecimento, foi celebrada a missa de 7º dia, como de costume à fé católica
professada pelo falecido. Na manhã de quarta-feira, 28 de março a excelentíssima
família Fróes da Motta encontrava-se na Igreja Matriz para celebrar as solenes
exéquias.
O referido templo – coberto de negro – ostentava “ao centro da nave
principal um imponente catafalco26, do qual pendiam novas e belas coroas
mortuárias, oferecidas pelos amigos do extinto” – estava repleto pela presença de
centenas de pessoas, dentre elas autoridades e funcionários públicos, amigos,
políticos e importantes famílias da cidade, além de copiosos representantes de
várias entidades religiosas e civis tanto da cidade como provenientes de
circunvizinhanças. Todos os que estavam presentes – irmãos e diretoria da Santa
Casa da Misericórdia de Feira de Santana, da qual o ilustre falecido foi provedor;
associados do Monte Pio dos Artistas Feirenses, por ele presidido; comerciantes;
homens de negócios; políticos e, enfim, o povo da cidade – tiveram a chance de
prestar novas condolências à enlutada família, após participarem da magnífica
26 Estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras.
31
cerimônia fúnebre presidida pelo reverendíssimo Cônego João do Prado
Sacramento, concelebrada pelos padres Mario Pessoa da Silva e Henrique Alves
Borges27.
Mas um aspecto, não relatado, nem ao menos brevemente mencionado
na narrativa que inicia este texto, nos salta aos olhos quando verificamos qualquer
imagem fotográfica desse personagem; a saber, o fato de ele ser um “homem de
cor”28 (VER FIGURA 2).
27 Todo o relato assim como todas as rápidas citações sobre a morte de Agostinho Fróes da Motta e os breves dias que seguiram à sua morte foram elaborados e coletadas a partir de notícias registradas no Jornal Folha do Norte – Política, Noticiosa, Commercial, Agrícola e Literária, Anno XIV – Bahia – Feira de Santana, 1º de Abril de 1922 – BRASIL, nº 624, folha 2. O exemplar dessa edição do Jornal Folha do Norte se encontra no Centro de Documentação e Pesquisa – CEDOC/UEFS (Dessa nota em diante será identificado pela sua abreviatura CEDOC), Cíveis, Ação Ordinária Alberto de A. Motta e Eduardo F. da Motta, 1922-1927, Feira de Santana, folha 25, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. Desse ponto em diante, esta ação será designada Ação Ordinária (Alberto versus Eduardo). 28 É necessário que esclarecer que as únicas referências documentais que existem e servem para identificar a condição mestiça de Agostinho Fróes da Motta são as fotografias. No conjunto documental acerca de Agostinho Fróes da Motta que se encontra disponível no CEDOC, já consultado e pesquisado, não há registro escrito algum que identifique sua mestiçagem. Tão pouco em outras fontes também pesquisadas, como o Jornal Folha do Norte, existe uma menção sequer à sua condição de “homem de cor”.
FIGURA 2 CEL. AGOSTINHO FRÓES DA MOTTA .
Fonte: MELLO, Carlos. “Cel. Agostinho Fróes da Motta: um homem que amou Feira”, p. 3.
32
Diante deste fato, deveras desconcertante, tendo em vista a história de
exclusão social, política e econômica da população negra após a abolição da
escravatura, é fundamental oferecer e garantir elementos que possibilitem uma
compreensão mais alargada sobre como este “homem de cor” iniciou sua trajetória
de vida em Feira de Santana no final dos anos 1870 do século XIX, destacando sua
inserção na sociedade feirense, e o evidente prestígio alcançado 40 anos mais
tarde. Isso é o que se pretende abordar a seguir.
I.1 - A origem: fumo, escravidão e liberdade
Agostinho Fróes da Mota nasceu no ano de 185629. Sua ascensão
econômica, sobre a qual desconhecemos os primeiros passos, é testemunhada em
187830, ano de abertura de sua primeira firma. E entre as duas datas outros dois
acontecimentos importantes: o seu casamento31 com Dona Maximiana de Almeida
Motta e o nascimento de sua primeira filha32 Albertina de Almeida Motta. Entretanto,
a maioria dos acontecimentos, ocorridos entre seu nascimento e a abertura de sua
primeira firma, se mantém obscura e imprecisa, enfim com lacunas, que sugerem
algumas questões. Em que local Agostinho nasceu? Qual a origem e a condição
social dos seus pais, José Borges da Motta e Maria Valéria de Jesus?33
Sobre seu possível local de nascimento existem pelo menos duas
informações. Uma está registrada no próprio testamento onde ele informa sua
naturalidade feirense34, e outra é defendida pelo memorialista Oscar Damião de
29 Jornal Folha do nº 624, de 01 de abril de 1922, folha. 2, In. CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária, (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 25, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. 30 Os dados sobre a referida firma encontram-se na Declaração de Duplicata para registro de firma, In. CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de contas, 1910, folha 7, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035]. 31 Jornal Folha do nº 624, de 01 de abril de 1922, folha. 2. In. CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 25, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. 32 CEDOC, Cíveis, Inventário de Almeida Motta, 1918-1919, folha. 11R, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2569]. 33 Essas lacunas existem porque não foi localizada certa documentação histórica específica, como os registros de batismo e de casamento de Agostinho, ou até mesmo do testamento e inventário dos pais caso os tivessem produzido. Certamente essas fontes possibilitariam enxergar aspectos velados da trajetória de Agostinho Fróes da Motta, preenchendo as lacunas mencionadas acima, como que se encontrassem peças perdidas de um quebra-cabeça que precisasse de urgente montagem. Porém, na ausência delas outros procedimentos metodológicos podem ser sugeridos e adotados, visto que a história deve ser contada. 34 CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1920, Feira de Santana, folha 2R [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573].
33
Almeida ao afirmar que os pais de Agostinho “eram de São Gonçalo dos Campos do
Amarante”35, e que o jovem filho teria vindo dessa localidade para residir em Feira
de Santana a fim de trabalhar, o que parece indicar que ele tivesse nascido na
referida localidade. Diante dessa imprecisão, a primeira questão que se apresenta é
a seguinte: Agostinho nasceu em Feira de Santana ou em São Gonçalo dos
Campos?
Considerando exclusivamente as informações contidas no testamento, a
conclusão imediata é que Agostinho seria de fato feirense, já que no testamento o
próprio Agostinho assim o declara. Mas se levarmos em conta a informação de
Almeida, estamos diante de um problema para a investigação da trajetória de
Agostinho Fróes da Motta. Entretanto, seja qual for a conclusão que se produza, é
relevante reconhecer que as duas informações tiveram uma intencionalidade e que
ambas podem contribuir para a investigação acerca de Agostinho Fróes da Motta36.
Reconhecendo como verdadeira a declaração de Agostinho ao afirmar no
em seu testamento que é natural de Feira de Santana, se poderia tranquilamente
encerrar a discussão sobre sua naturalidade. Contudo, afirmar-se como feirense
poderia indicar uma estratégia adotada por Agostinho a fim de cristalizar a relação
que possuía com Feira de Santana, garantindo-lhe um vínculo com a memória da
cidade, um elo de pertencimento com a mesma. Ou ainda, poderia indicar uma
alternativa de Agostinho para solucionar o seu provável desconhecimento sobre
paradeiro de seu registro de batismo ou de outras informações precisas sobre seu
nascimento. Essa naturalidade feirense registrada em seu testamento também
poderia apontar para a intenção de Agostinho de negar aspectos do seu passado
que talvez não desejasse ter associados ao seu nome. Ao negar o fato de ter
nascido em São Gonçalo e migrado ainda adolescente para Feira de Santana, o que
parece ter sido de conhecimento público, ele poderia também estar negando uma
35 ALMEIDA, 2000, p. 28. 36 Há ainda uma terceira versão para o local de origem de Agostinho. Segundo Sidnei Oliveira (2006, p. 44), Agostinho teria nascido na fazenda do Prato Raso e mais tarde se transferindo para São Gonçalo. Tal versão foi transmitida pelo Sr. José Fróes da Motta, neto de Agostinho. Tal versão pode possuir credibilidade por conta da memória de tais fatos que foram transmitidos inicialmente pelo próprio Agostinho ou pela sua esposa Maximiana aos seus filhos, e sucessivamente até seu neto José Fróes da Motta. Esta versão não invalida necessariamente a possibilidade de Agostinho ter - senão nascido – pelo menos, vivido em São Gonçalo. É relevante salientar também, que a transmissão oral dessa versão pode ter sofrido alterações no decorrer de uma geração a outra da família Fróes da Motta, o que resultaria numa certa imprecisão ou incoerência nos dados transmitidos.
34
ascendência humilde, talvez escrava ligada aos seus pais, possibilidade discutida
mais adiante.
Por sua vez, reconhecer que os pais de Agostinho tenham nascido ou se
instalado em São Gonçalo; e que, muito provavelmente, tenham encaminhado seu
jovem filho para Feira de Santana, com o objetivo de buscar trabalho deixa uma
interpretação latente: Agostinho teria nascido em São Gonçalo e somente mais tarde
se dirigido a Feira de Santana. Essa versão sobre a origem de Agostinho é plausível
porque a formação da população feirense, desde seus primórdios, foi marcada pela
migração contínua de indivíduos provenientes de outras regiões e localidades, como
a mencionada São Gonçalo dos Campos. Não seria estranho, portanto,
circunscrever Agostinho Fróes da Motta no rol de pessoas que se transladavam de
suas localidades de origem para a então cidade comercial de Feira de Santana.
Se de fato Agostinho Fróes da Motta nasceu no ainda arraial37 de São
Gonçalo dos Campos em 4 de maio de 1856, ele conheceu de perto a cultura do
fumo, principal produto econômico da região desde o século XVII. O arraial de São
Gonçalo dos Campos se formou a partir do cultivo de roças de fumo e se localizava
na região denominada “Campos de Cachoeira”. No que se refere à produção
fumageira, essa região era responsável por “quase todo o fumo que se exportava
para Portugal – talvez até 90% - nos séculos XVII e XVIII, e uma parcela ainda maior
nos anos 1796-1811”.38 Também é importante recordar que, desde a segunda
metade do século XVIII o fumo produzido na região tornou-se a moeda mais
importante no tráfico de escravos entre a Bahia e o Golfo do Benin39. A qualidade
dos solos dos campos da Cachoeira para a produção do fumo foi reconhecida por
contemporâneos do auge da produção fumageira. Vilhena, por exemplo, afirma que
embora fosse cultivado em todo o território do Brasil, era
nos campos das Villas de Cachoeira distante 14 léguas a Oeste da cidade de Salvador, é que [...] se descobriu a terra mais própria, e melhor para plantação desta lucrativa erva, cujo real contrato anda hoje pelas somas que não ignoras40.
37 São Gonçalo dos Campos foi elevado à categoria de vila em 1884, e conduzida á condição de cidade em 1897. 38 BARICKMAN, 2003, p. 64 39 VERGER, 1987. 40 VILHENA [1880] 1969, p. 197
35
São Gonçalo dos Campos ocupava grande extensão dos chamados
campos da Cachoeira, a região mais propícia e explorada para a plantação de fumo
ao longo dos séculos XVIII e XIX41. Entretanto, este tabuleiro fértil se estendia para
além da circunscrição política da antiga freguesia e atual município de São Gonçalo,
alcançando a Freguesia de São José das Itapororocas, e outras localidades da Vila
de Santana de Feira. Jean Baptiste Nardi afirma que
Os campos de Cachoeira abrangiam naquela época muitas freguesias sendo que as mais importantes eram as de Cachoeira, São José das Itaporocas, São Gonçalo dos Campos, São Pedro da Muritiba, Outeiro Redondo e Santo Estevão do Jacuípe.42
Barickman43esclarece que os Campos da Cachoeira correspondiam a
“uma área com poucas matas, que se estendia em direção ao norte e ao oeste e a
partir do rio Paraguaçu, atravessando a freguesia de São Gonçalo dos Campos e
avançando para o interior.” A questão fundamental é perceber que tanto São
Gonçalo dos Campos como Feira de Santana, certamente em razão da proximidade
geográfica, possuíam em comum, terras apropriadas para a produção do fumo44.
O trabalho escravo era a mão de obra mais importante na produção de
fumo efetuada em São Gonçalo. Nardi afirma que, por volta dos primeiros anos do
século XIX, nos campos de Cachoeira se podia apontar o volume de 2 mil escravos
envolvidos na atividade canavieira, 4500 em outras atividades e o a vultoso número
de 8500 cativos nos fogos fumicultores45. Especificando esta população para a
freguesia de São Gonçalo dos Campos, Barickman afirma – com base em censo
41 Sobre essa localidade Teixeira e Andrade especificam ainda mais a localização dessa terra tão propícia ao fumo, quando alegam que “O município de São Gonçalo dos Campos, instalado em área dos Campos de Cachoeira, é um tradicional produtor do melhor fumo em folha da região.” (1988, p. 51). Rosana Lessa, no entanto, vai mais além nessa circunscrição territorial quando afirma que o termo Campos de Cachoeira era “antiga denominação de São Gonçalo dos Campos, até o final do século XIX.” (2010, p. 38), e que foi justamente nessa região que o fumo se desenvolveu de forma mais intensa e qualitativa. Diferente do posicionamento de Lessa, quanto à delimitação dessas mesmas terras, Zélia Lima declara que os Campos de Cachoeira correspondiam a uma região que abrangia freguesias para além de São Gonçalo dos Campos, como a Freguesia de São José das Itapororocas. (1990, p. 34). 42 NARDI, 1996, p. 36. 43 BARICKMAN 2003, p. 42. 44 Apenas 20 Km separam São Gonçalo dos Campos de Feira de Santana. Esta distância é a indicada atualmente, por isso há que considerar os limites entre as duas localidades e as implicações que tal distância já apresentou no decurso do tempo. 45 NARDI, 1996, p. 60. Este autor fundamenta essa informação a partir de dados estabelecidos por Stuart Schwartz, em seu trabalho Sugar plantations in the formation of Brazilian society, Bahia, 1550-1835, Nova York, Cambridge university Press, 1985.
36
feito pelo vigário Vicente Ferreira Gomes em 1835 – que a uma quantidade de
quase 4 mil escravos ocupando-se nas lavouras de fumo sãogonçalense.46 Já em
Feira de Santana, na época recém criada Vila – provavelmente em sua área urbana,
– a população escrava era avaliada em 527 cativos, segundo pesquisa realizada por
Rollie Poppino47. O número proporcionalmente superior de escravos em São
Gonçalo comparado com a Vila de Feira de Santana é explicado por conta de que o
comércio, sendo sua atividade econômica mais importante, utilizava uma quantidade
maior de mão-de-obra livre na sede da Vila. Esses dados acabam indicando que os
4.518 escravos que formavam a população total de 14.962 de habitantes, se
localizavam nas sete localidades que compunham o termo da Vila de Feira de
Santana, conforme o mesmo censo de 1835.48
A partir da segunda metade do século XIX a configuração da população
dessas duas localidades foi certamente alterada. Sobre São Gonçalo dos Campos,
embora não haja dados estatísticos que indiquem exatamente como sua população
escrava se projetou a partir de 1850, Barickman levanta uma possibilidade. É
possível que o contingente de mão-de-obra da cultura fumageira tenha se auto-
reproduzido naturalmente, a ponto de manter uma quantidade suficiente de escravos
ao longo das décadas seguintes, desobrigando os lavradores de fumo a importarem
cativos, em oposição às lavouras canavieiras. Segundo este autor “Os lavradores de
fumo e, ao que parece, também os roceiros, dependiam muito menos da importação
de cativos africanos e muito mais do crescimento natural da população escrava”.49
Não existem registros precisos sobre a quantidade de trabalhadores livres
negros existentes em São Gonçalo dos Campos, mas indubitavelmente havia um
volume de trabalhadores que experimentavam a liberdade e atuavam na cultura de
fumo nessa freguesia ao longo da segunda metade do século XIX. E não seria tão
equivocado pensar que também houvesse em São Gonçalo uma população negra
livre e/ou liberta – mais especificamente na década de 1870, talvez não tão
46 BARICKMAN, 2003, p. 258-260. 47 POPPINO, 1968, p. 96 48 FREIRE, 2007, p. 72. 49 BARICKMAN, 2003, p. 264.
37
numerosa quanto a população negra livre em Feira de Santana na mesma época,
haja vista a vultosa população cativa existente naquela freguesia50.
Toda essa gama de informações serviu para demonstrar vínculos entre
São Gonçalo dos Campos e Feira de Santana e oferecer possibilidades para a
compreensão da trajetória de Agostinho Fróes da Motta. É possível visualizar a
seguinte situação das duas localidades entre 1850 e 1880: ambas compostas por
significativa presença negra (escrava e livre) e circunscritas numa mesma região
produtora de fumo. Esses dois fatores somados à relativa proximidade entre São
Gonçalo e Feira de Santana sugerem que existisse um trânsito de mercadorias e
pessoas entre as localidades durante o período já mencionado.
No ano de 1873 o governo imperial reconhece Feira de Santana como
entreposto comercial no interior da Província da Bahia, e a elevava à condição de
cidade comercial de Feira de Santana51. É provável que o fluxo comercial e
migratório oriundo de outras localidades, como São Gonçalo, se confirmasse ou se
intensificasse a partir de 1873. É nesse contexto que uma parte da mão-de-obra
negra livre e liberta atuante na tradicional fumicultura de São Gonçalo talvez tenha
se deslocado para a vizinha e promissora cidade.
Agostinho nascera em 4 de maio de 185652, em 1875 – aos dezenove
anos de idade – já estava casado e, três anos depois, já possuía uma firma, onde
comercializava entre vários produtos, o fumo; além de ser proprietário de pelo
menos uma escrava53. Considerando que Agostinho tenha nascido em São Gonçalo
onde os pais viviam, é possível conjecturar que este adolescente – entre 13 e 17
anos – tenha sido encaminhado pelos seus pais para Feira de Santana aos cuidados
de “um casal português, proprietário de um armazém54. Quem sabe, a decisão dos
pais do jovem tenha se pautado no reconhecimento das possibilidades de ascensão
social oferecidas pela cidade comercial. Relações de apadrinhamento poderiam,
50 Poppino informa que a quantidade de escravos após o recenseamento realizado em 1872 correspondia a 5 % da população dos habitantes em Feira de Santana No entanto, este autor não apresenta uma quantidade precisa sobre a população feirense livre oriunda da escravidão. 51 POPPINO, 1968, p. 237-238. 52 Seis anos depois da promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que determinava o fim do tráfico externo de escravo entre o Brasil e o continente africano. Um período marcado pelo tráfico interno de escravos, que provavelmente produziu um trânsito de escravos e libertos em todas as províncias do Império, inclusive na Bahia, e na região do Recôncavo e de Feira de Santana. 53 Sobre esta escrava, cujo nome era Angélica, serão expostos maiores detalhes no Capítulo II. 54 ALMEIDA, 2000, p. 28.
38
nesse caso, terem facilitado a recepção de Agostinho na cidade. Além disso, a
presença de um jovem “esperto” e desejoso de aprender ou aperfeiçoar seu
conhecimentos das letras e contas, tenha sido um bom “negócio” para o casal
anfitrião. Além disso o jovem Agostinho teria oportunidade de adquirir experiência
nas atividades comerciais e galgar sucesso e prosperidade.
As razões que promoveram a migração do jovem sãogonçalense
Agostinho para Feira de Santana continuam desconhecidas. Considerando a
situação conjuntural em torno de sua família, no período de 1850 a 1880, podemos
fazer algumas aferições. Segundo Barickman, os mais de trinta anos seguintes à
década de 1840 foram marcados pela sobrevivência do cultivo de fumo com mão-
de-obra escrava no Recôncavo, mas não o suficiente para superar a boa fase dos
primeiros anos do século XIX. Para este autor
A prosperidade voltaria aos distritos fumicultores do Recôncavo em fins da década de 1840. Mas, ao contrário do boom anterior, essa recuperação de meados do século XIX, baseada em vendas crescentes do fumo em folha, não geraria grandes plantéis de escravos.55
A diminuição dos plantéis de escravos por lavradores de fumo nos
distritos de Cachoeira, como São Gonçalo, significava que os escravos não se
acumulavam em propriedades, mas eram vendidos, comprados e distribuídos entre
as diversas propriedades fumicultoras. Esse fato seria um reflexo de uma
regularidade da produção fumageira na Bahia; ou seja, não havendo altos nem
baixos picos de produtividade, mas uma manutenção no seu volume, os lavradores
de fumo proprietários de escravos eram forçados a reduzirem seus plantéis de
escravos, como exemplifica muito bem Barickman56. Esses dois fatores poderiam ter
afetado a oferta de mão-de-obra livre na região fumicultora, uma vez que a demanda
diminuíra. Talvez o acesso do trabalhador livre à produção de fumo em São Gonçalo
tenha se tornado mais restrito diante da contínua presença da mão-de-obra escrava.
E talvez esta restrição não permitisse maiores rendimentos para pequenos
lavradores negros e livres, e suas famílias; mesmo que o investimento para a
produção familiar de fumo fosse relativamente baixo. Supondo que o casal João 55 BARICKMAN, 2003, p. 247-248. 56 Idem, p. 248
39
Borges da Motta e Maria Valéria de Jesus, e seu filho Agostinho constituíssem uma
dessas típicas famílias de lavradores fumageiro, diante das eventuais dificuldades
para sustentar a família, o casal tenha decidido levar seu filho a Feira de Santana
com o propósito de lhe garantir melhores condições de vida. Uma vez que Agostinho
tendo sua origem vinculada a uma família que atuava na fumicultura, é sensato
pensar que Agostinho tenha acumulado significativa experiência na produção
fumageira, faltando-lhe apenas ampliar mais suas habilidades no comércio de fumo.
Situação que se lhe abriria com a oportunidade de trabalhar num armazém de fumo
em Feira de Santana.
O trabalho do jovem Agostinho num armazém que comercializava fumo e,
talvez, outros produtos pode ter sido fundamental para os primeiros passos do futuro
grande homem de negócios. Essa experiência – uma vez ocorrida – teria garantido o
aprendizado e o tino para os negócios e para o seu consequente enriquecimento,
assunto abordado no capítulo seguinte. Esse aprendizado que Agostinho certamente
teve – não necessariamente como relatado acima – lhe exigiu um mínimo de
instrução para adquiri-lo e para usufruir das habilidades, como comerciante antes de
tudo, e posteriormente como político. A aquisição e o nível de instrução de
Agostinho é outra chave de leitura para compreender as estratégias de ascensão
social utilizadas por este homem de cor. Por isso a questão que fica aberta é como e
onde Agostinho adquiriu a instrução necessária para trabalhar no armazém e
acumular aprendizado no ramo comercial.
I.2 - Pelos caminhos da instrução: a ascensão possí vel aos homens livres de cor
Agostinho Fróes da Motta, quando ocupou o cargo de Intendente de Feira
de Santana57 executou várias medidas para o melhoramento da cidade, entre eles a
construção de escolas, como demonstrei em trabalho monográfico58. Em
comunicado encaminhado ao Conselho Municipal no ano de 1916, Agostinho
57 Janeiro de 1916 a Dezembro de 1919. Segundo o Jornal Folha do Norte, edição nº 624, de 1 de Abril de 1922, folha 2. In. CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 25. [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. 58 REIS, 2008, pp. 26-27
40
procura convencer os membros do legislativo local sobre suas intenções em relação
à instrução escolar.
É intento da minha administração, atender, quanto possível, a locação do ensino Municipal em edifícios apropriados, esparsos, em pontos convenientes, onde a população escolar, principalmente a menos abastada, possa, sem necessidade de fazer grande percurso, atingir a escola59.
A leitura desse comunicado pode iluminar um pouco a opção pela
escolarização que Agostinho certamente teve, pois ao analisar estritamente suas
palavras se pode perceber uma preocupação quanto ao acesso da população
menos favorecida à instrução pública. Por isso a sua intenção de construir uma
escola no espaço urbano da cidade, sugerindo e justificando inclusive a indicação do
local exato para a edificação da referida escola.
Na rua dos remédios os casebres de números 17, 19, 21, 23 e 25 que podem ser desapropriados com pequeno dispêndio para o Município, visto as condições decadentes em que se acham60
O desejo de Agostinho se concretizou não só com a efetiva construção
dessa escola em 1917 [FIGURAS 3 e 4], mas também de outros dois prédios
voltados para o mesmo fim. Um deles localizado na Rua Senhor dos Passos,
também concluído em 1917 [FIGURAS 5 e 6]61 e o outro prédio [FIGURAS 7 E 8]
cujas obras iniciaram antes do seu governo e foram concluídas em 191662.
Todos esses prédios escolares edificados durante a intendência de
Agostinho, certamente faziam parte da orientação política em âmbito estadual na
época que atuou como conselheiro municipal e intendente63. Mas é necessário
pontuar que, a escolarização do povo – ou as medidas para garanti-la às camadas 59 Arquivo Público Municipal de Feira de Santana (Desta nota em diante identificada pela sua abreviatura APMFS), Comunicados da Intendência, 6 de Maio de 1916, Documento nº 50, Pacote 127-128. 60 APMFS, Comunicados da Intendência, 6 de Maio de 1916, Documento nº 50, Pacote 127-128. 61 Segundo Oscar Damião de Almeida (2000, p. 65) e Carlos Mello (Jornal Folha do Norte, edição nº 5672 [Edição especial de 97 anos], de 17 de setembro de 2006 – Acervo do autor), essa escola foi denominada de Escola João Florêncio, onde atualmente funciona o Arquivo Público Municipal de Feira de Santana. 62 Este prédio foi denominado “Grupo Escolar Dr. J. J. Seabra”, atual CUCA. Agostinho fizera “parte da comissão constructora do majestoso edifício”, Jornal Folha do Norte, edição nº 624, de 1 de Abril de 1922, folha 2. In. CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 25. [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766] 63 Esta orientação política será abordada no Capítulo III.
41
mais pobres da população, ocorreram a partir de “de sucessivas reformas de ensino
entre 1891 e 1925”64. Ou seja, não foram realizações que vieram à tona
exclusivamente por causa da vontade individual do Cel. Fróes. No entanto, é
possível supor que um desejo pessoal também motivasse Agostinho Fróes da Motta
a se empenhar tanto na efetivação da instrução pública na cidade. Tal desejo
poderia nos remontar talvez ao seu próprio processo de instrução, que muito
provavelmente ocorrera a partir de sua infância, aproximadamente entre 1864 e
1870. E ainda sobre este período, é possível e necessário apontar para outros
indivíduos, que usufruíram do letramento como mecanismo de ascensão social.
Entre alguns desses indivíduos podemos citar, por exemplo, Manuel
Querino (1851-1923), que atuou como professor e em toda sua trajetória na
educação, a considerava uma “chave de entrada do país no mundo da civilização e
do progresso e, consequentemente, de inclusão do povo trabalhador no ‘banquete
da civilização’”65. Ou como o Dr. Alfredo Casemiro da Rocha (1855 ou 56 – 1933),
que se tornou médico pela Faculdade de Medicina da Bahia e atuando
profissionalmente na cidade de Cunha, no Estado de São Paulo, em 1878. Nessa
mesma localidade, iniciou sua carreira política ocupando cargos públicos, desde
como Conselheiro Municipal até Senador66. E para não ficar apenas nesses dois
nomes, outros como sujeitos também podem engrossar o rol de homens de cor
letrados que alcançaram ascensão social. É o caso de Teodoro Sampaio (1855-
1937), formado em Engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 187767
e de Luis Gama (1830-1882), atuando como jornalista, rábula e poeta na cidade de
São Paulo68
Ao enfatizar a viabilização do ensino para as camadas mais pobres, o
Intendente Agostinho poderia estar rememorando as próprias circunstâncias em que
deram sua escolarização. Ele, também oriundo de camadas “menos abastadas”, e
um “adolescente de cor” descendendo de escravos ou libertos, por certo não teve
muitas facilidades para completar seus primeiros estudos. Oscar Damião de Almeida
64 SOUSA, 2006, p. 3. 65 LEAL, 2004, p. 221. 66 NOGEURIA, 1992, p. 92. 67 SANTANA, 2002. 68 AZEVEDO, 1999.
42
afirma que o jovem Agostinho possuía “apenas instrução incompleta”69. Tal situação
aponta como certos os obstáculos que crianças e adolescentes com os mesmos
condições sociais de Agostinho tinham de superar.
FIGURA 3 FIGURA 4
FIGURA 5 FIGURA 6
69ALMEIDA, 2000, p. 28. Não há registro documental que confirme a afirmação desse historiador, mas é bem provável que seja verossímil.
ESCOLA MUNICIPAL (ATUAL ESCOLA MARIA QUITÉRIA)
Fonte: GAMA, Raimundo. (Org.) Memória fotográfica de Feira de Santana, p.
PLACA DE INAUGURAÇÃO
Fonte: Foto do autor
ESCOLA JOÃO FLORÊNCIO (ATUAL ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE
FEIRA DE SANTANA)
Fonte: Acervo Digital do BSMG.
PLACA DE INAUGURAÇÃO
Fonte: Foto do autor
43
FIGURA 7 FIGURA 8
FIGURA 7
Ione Souza70 afirma que a partir de 1850 a instrução pública no Império foi
incentivada por meio de ações que visavam a sua implementação. Esta instrução foi
estendida para os adultos livres e libertos, e não permaneceu restrita apenas às
crianças, haja vista que era necessária a formação de uma mão-de-obra qualificada
nas letras, nas contas, nos ofícios e também na moral. Alguns anos mais tarde, em
1871, com a conhecida Lei do Ventre Livre71 também se previu a intenção de instruir
os filhos livres (ingênuos72) de escravas nascidos após a dita lei. No que concerne a
estes indivíduos, a autora aponta que, senão todos, pelo menos alguns
frequentavam a escola. E mesmo estes poucos experimentaram diversas
dificuldades estimuladas pela sua presença em ambientes escolares ao lado de
outras crianças livres, mesmo pobres73.
No que refere a Agostinho, é importante ressaltar que nascido na década
de 1850, em 1871, não poderia ser ingênuo, mas, muito provavelmente, seria livre
ou liberto. Não era adulto para ser encaminhado para escola destinada a estes
indivíduos; e tão pouco era ingênuo para usufruir da instrução pública prevista na Lei
do Ventre Livre. No entanto, mesmo não se enquadrando nas duas condições, 70 SOUZA, 2006, pp. 119-120. 71 Lei 2040, de 28 de setembro de 1871, Art 2º, § 2º “A disposição dêste artigo é aplicável às Casas dos Expostos, e às pessoas a quem os juízes de órfãos encarregarem da educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos criados para tal fim.” 72 Sobre essa nomeclatura ver: SOUZA, Ione Celeste de Jesus. Escolas ao Povo: experiências de escolarização de pobres na Bahia - 1870 a 1890, 302 f. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006, pp. 124-131. 73 SOUZA, 2006, pp. 138-148.
GRUPO ESCOLAR J. J. SEABRA (ATUAL CENTRO UNIVERSITÁRIO DE
CULTURA E ARTE – CUCA)
Fonte: Foto do autor.
PLACA DE INAUGURAÇÃO
Fonte: Foto do autor.
44
Agostinho obtivera uma escolaridade mínima, mas suficiente para trabalhar num
armazém.
Como e onde o jovem Agostinho recebeu sua instrução não há registro
documental. O que se pode concluir a princípio é que ele, mesmo com sua
escolaridade incompleta conseguiu desenvolver habilidades nas letras e nos
números na medida em que atuou no armazém do casal português que o acolheu.
Essa instrução escolar conquistada por Agostinho foi sem dúvida um instrumento
fundamental para galgar ascensão social. Um “jovem de cor” instruído nas letras e
nas contas, e trabalhando num estabelecimento que lhe exigiu domínio na leitura e
na escrita, teria boas oportunidades para ascender-se socialmente. Parece que esse
foi o caso de Agostinho, que poucos anos depois surgiria ampliando o rol de
comerciantes da cidade.
I.3 - O sobrenome Fróes: incursõe s de um nome
Agostinho Fróes da Motta, como já foi abordado anteriormente, era filho
de José Borges da Motta e Maria Valéria de Jesus. Esse dado é o próprio Agostinho
que nos fornece ao informar a filiação em seu testamento74. Como se pode notar
existe uma nítida diferença entre o sobrenome de Agostinho e os sobrenomes dos
seus pais. De seu pai legou somente o sobrenome “Motta”; de sua mãe, não herdou
nenhum dos sobrenomes; e, além disso, há o “Fróes” compondo o resto de seu
sobrenome. Para compreendermos mais ainda a origem deste “homem de cor”, é
imprescindível apontar a possível época e o motivo para a inclusão do nome “Fróes”
em seu sobrenome, bem como a importância que tal nome adquiriu ao longo da
trajetória de Agostinho.
O documento mais remoto, localizado por mim durante a pesquisa,
apresentando o “Fróes” no sobrenome de Agostinho é o registro de batismo da
ingênua Joanna, filha da escrava Angélica de propriedade de Agostinho75, datado do
ano de 1875. Com base nesse dado é possível estabelecer uma data bastante
aproximada para o uso do Fróes como sobrenome. Aos desenove anos Agostinho já
74 CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1922, Feira de Santana, folha 7V, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573],. 75 Secretaria do Arcebispado de Feira de Santana, Registro de Batismo, Livro 5B, folha 15V.
45
se intitulava como “Fróes da Motta”. Mas quando realmente o Agostinho, que muito
provavelmente poderia ser “Borges da Jesus” ou “Borges da Motta”, se tornou
Agostinho Fróes da Motta que conhecemos? Tudo leva a crer que entre 1870 e
1875; ou seja, entre os quartoze e os dezenove anos.
Quanto ao motivo que levou Agostinho adotar o nome Fróes em seu
sobrenome é preciso considerar algumas possibilidades. Um delas consiste no fato
dos pais de Agostinho, uma vez sendo escravos ou libertos e após o batismo do filho
primogênito, tenham desejado agradecer ao seu proprietário por tê-los libertado ou
alforriado a criança por exemplo. E tal gratidão poderia ser expressa registrando o
sobrenome Fróes76 de seus possíveis antigos proprietários ao sobrenome de seu
filho. Contudo, esta interpretação por mais plausível que seja não pode ser
comprovada por conta da ausência de dados documentais77. No entanto, fornece
uma pista sobre a região proveniente dos pais de Agostinho. Uma vez que estes
tenham sido escravos de alguma família Fróes na região de Cachoeira, seria
possível depois de alforriados deslocaram-se para São Gonçalo dos Campos, e em
seguida para Feira de Santana, num processo de migração comum na época.
Uma segunda possibilidade, por sua vez, que já foi abordada por mim em
trabalho monográfico78, parte de uma informação defendida pelo já mencionado
Oscar Damião de Almeida, quando afirma que Agostinho.
Chegou em Feira, jovem inexperiente, para residir com um casal português, proprietário de um armazém. Era bastante ativo, irrequieto e buliçoso e, por causa disto, recebeu a alcunha de “feroz” que soava como “Fróes”, no sotaque do português79.
76 Quanto ao nome Fróes, existem no Dicionário das Famílias Brasileiras, organizado por, Carlos E. de Almeida Barata e Antônio H. da Cunha Bueno indicações de seu registro em sobrenomes de famílias oriundas do Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Pará. Já na Bahia, a informação mais confiável e precisa a respeito do nome “Fróes’, é veiculada por Elizabeth Rago, em seu trabalho “Outras falas – Feminismo e medicina na Bahia (1836-1931)”, onde aborda a trajetória de vida de Francisca Rosa Barreto Praguer e Francisca Praguer Fróes, respectivamente mãe e filha. É preciso informar que o sobrenome Fróes no sobrenome da filha provém do marido João Américo Garcez Fróes, que foi seu colega na Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia entre os 1888 e 1895, e casando-se em 1899. Qualquer especulação sobre uma possível relação direta entre Agostinho com a família Garcez Fróes só teria fundamento para sustentar-se caso tal família existisse na região de Cachoeira entre a infância e a adolescência de Agostinho. O máximo que se pode concluir a respeito é que Agostinho possivelmente tinha conhecimento do nome Fróes pouco antes de inclui-lo em seu sobrenome. 77 Não encontrei durante a pesquisa documentos como o inventário dessa família Fróes, ou mesmo uma carta de alforria que servisse para atestar a ligação de Agostinho com tal família, e conseqüentemente, com o nome Fróes 78 REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: comércio, política e questões raciais na princesa do sertão (1900-1922), 90 f olhas, Monografia (Especialização em História da Bahia), Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2008, pp. 55-57. 79 ALMEIDA, 2000, p. 28.
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Essa interpretação, a princípio improvável, quanto à origem do Fróes no
sobrenome de Agostinho é reiterada a partir do que nos informa uma Ação Ordinária
entre dois de seus filhos, Eduardo e Alberto. Nesta ação é afirmado que
Quando da sua vida de rapaz, era o Cel. Agostinho apelidado pelo português Eusébio Pereira de Aguiar, de – feroz –, mas, por isso mesmo que êste era português, em lugar de feroz – dizia – f’roz – daí adoptar êle entre o nome e o apelido de família – Froes.80
A partir desse dado documental é possível, portanto, imaginar a seguinte
situação que se prolongou durante a permanência do adolescente no
estabelecimento do casal português. Com seus 14 anos, o jovem Agostinho chega à
casa do mencionado casal que, ao acolhê-lo certamente a pedido dos pais daquele,
o emprega em seu armazém em troca da hospedagem e de outros favores. Com
pouco tempo o adolescente demonstra curiosidade e interesse pelas atividades
comerciais e rapidamente adquire gosto e habilidade no ramo, a ponto de despertar
a atenção do proprietário português. Este, por certo, ao perceber que Agostinho
possuía tino para as vendas, uma ativa ferocidade nos negócios, pensou então em
lhe atribuir o apelido de “feroz”, que pronunciado no sotaque lusitano soava como
“Fróes”. Esse relato pode parecer anedótico e improvável, mas carrega uma carga
de verossimilhança e abre um leque de possíveis interpretações e inferências.
Entre a primeira e a segunda possibilidade, esta última pode parecer mais
confiável por contar com os indícios documentais que foram apresentados acima. No
entanto, mesmo tais vestígios foram produzidos muito provavelmente com base em
relatos transmitidos oralmente pelo próprio Agostinho e que se cristalizaram na
memória de seus filhos, amigos e agregados. Estratégia provavelmente utilizada por
Agostinho para construir uma memória sobre suas origens, ocultando talvez um
possível passado escravista que, pela ausência de dados documentais precisos,
continuará velado.
O fato concreto é que Agostinho se apropriou do nome Fróes, não
importando muito se foi por causa do suposto apelido, ou se foi um sobrenome de
alguma família com quem manteve relações no passado, ou ainda simplesmente por
ser um nome que lhe tenha chamado a atenção e lhe agradado. E quando Agostinho 80 CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 182R, [Estante 13, Caixa 237, Documento 7766].
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se apropriou do nome “Fróes” parece que desejou demonstrar – como já afirmei em
minha monografia – uma necessidade de se autoafirmar perante a sociedade na
qual estava ingressando. Ao criar a família “Fróes da Motta”, Agostinho talvez
quisesse estabelecer uma marca de distinção que lhe permitisse obter um papel de
destaque entre aqueles com os quais fosse semelhante, e que também lhe
garantisse um trânsito mais fluído no círculo social feirense81.
Além disso, e para além das conjeturas, Agostinho criou de fato uma
tradição, pois sua família herdou não só o nome, mas um volumoso patrimônio que
conquistaria e acumularia ao longo de sua trajetória de vida, como um feroz (ou
Fróes) homem de negócios. Ao cunhar o Fróes em seu sobrenome, Agostinho
perpetuou um desejo de pertencimento, e possivelmente de identidade entre seus
descendentes em relação ao nome “Fróes”. Pelo menos um deles, o seu filho
Eduardo demonstrou este sentimento quando alegou que a presença do Fróes no
sobrenome lhe garantiria mais direitos à herança do que o irmão ilegítimo como
veremos a seguir.
Pois bem, após o falecimento de Agostinho Fróes da Motta, e durante o
processo de abertura do testamento e produção do inventário deste, o seu filho
Eduardo Fróes da Motta foi alvo de várias ações movidas por seus irmãos e irmãs,
além das ações que o próprio Eduardo moveu contra os irmãos. Uma dessas ações
movidas por Eduardo se dirigiu ao seu irmão Alberto de Almeida Motta, filho
adulterino de Agostinho Fróes da Motta com Dona Guilhermina de Almeida, com
quem contraiu segundas núpcias em 1920, após a morte da primeira esposa82.
Nesta ação o advogado de Alberto alega que Eduardo quis “fazer crer que o Alberto
não usou, nem usa, o nome patronímico do Cel. Agostinho Fróes da Motta, porque
esse nome não é – Mota –, mas, Fróes da Motta83”. O supracitado advogado
conseguiu provar que o nome patronímico84 era o Motta e não o Fróes, garantindo
assim o direito à herança de seu cliente, Alberto de Almeida Motta. O que fica visível
na atitude de Eduardo Fróes da Motta pode não ser apenas o uso de artifício
nominativo para justificar exclusão do irmão à herança paterna, sejam quais tenham
81 REIS, 2008. 82 Contrato ante-nupcial entre Agostinho e Guilhermina, In. CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folhas 16-17, [Estante 13, Caixa 237, Documento 7766]. 83 Alegações finais. In. CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 181V, [Estante 13, Caixa 237, Documento 7766]. 84 Patronímico: Nome de família.
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sido suas mais íntimas intenções, se alguma rixa pessoal contra o irmão ou pura
ganância, comum depois da morte de patriarcas afortunados como era o próprio
Agostinho. Fica perceptível também, uma tentativa bem pessoal e isolada de
afirmar-se como um legítimo “Fróes”, como que sua identidade, filiação e
pertencimento à família dependessem da presença do Fróes em seu sobrenome,
mesmo que o patronímico fosse de fato o “Motta”. É necessário ressaltar que no
caso de Eduardo, esse sentimento de identidade ao “clã” Fróes da Motta assumiu
uma dimensão muito maior. Ele iniciou o processo de perpetuação do sobrenome
“Fróes da Motta”, que foi mantido pelos seus descendentes, desde seus filhos até os
trinetos85.
A alteração nominativa realizada por Agostinho – embora não tenha sido
encontrado indícios documentais que confirmassem seu passado escravista - é
muito próxima daquelas utilizadas por ex-escravos para garantir a si mesmos e a
seus descendentes a obtenção de privilégios e ascensão social; ou até destes
quando movidos pelos mesmos motivos procuravam velar ou atenuar traços da
escravidão herdados dos pais. Um exemplo que confirma muito bem essa prática é
o caso da famosa escrava Chica da Silva. As mudanças ocorridas em seu nome
foram realizadas pata tentar
Construir uma identidade que a afastasse definitivamente de seu passado escravo e revelasse sua inserção na sociedade do arraial. Francisca da Silva de Oliveira – foi com esse nome que Chica iniciou uma nova etapa em sua vida, em que se afirmava no mundo livre, por seus próprios meios, porém conectada ao homem ao qual permaneceria ligada até o fim de seus dias.86
Da mesma forma que a mãe, o filho mais velho de Chica da Silva também
utilizou de estratégias nominativas parecidas, possibilitando esconder sua
ascendência materna e escrava; e, garantindo-lhe atingir suas pretensões
85 Essa tradição iniciada por Eduardo Fróes da Motta foi registrada no livro “Árvore Genealógica da Família Fróes da Motta, produzido em 1991 por Maria Marta Fróes da Motta Oliveira (bisneta de Agostinho Fróes da Motta). Para ter uma ideia de como essa tradição manteve-se por várias gerações vejamos a seguinte sucessão genealógica tendo como ponto de partida a filha da autora do livro acima mencionado: Maria Vitória Fróes da Motta Oliveira (3ª trineta), filha de Maria Marta Fróes da Motta Oliveira (3ª bisneta), filha de Agostinho Fróes da Motta (5º neto), filho de Eduardo Fróes da Motta, 5ºfilho do Cel. Agostinho Fróes da Motta. A autora declara que o livro em questão surgiu “do interesse de Dr. Eduardo Fróes da Motta, em deixar perpetuado um nome que ele tinha muito orgulho: ‘Fróes da Motta’, este nome, que seu pai lhe deixou como herança, o qual durante toda a sua vida, ele fez tudo pra honrar e respeitar.” 86 FURTADO, 2003, p. 58
49
nobiliárquicas87. Respeitando as particularidades de cada caso, Chica da Silva no
século XVIII e Agostinho no século XIX, é possível perceber que as necessidades de
ambos não eram tão discrepantes e opostas.
Tal prática efetuada por esses dois indivíduos é ilustrada pela Literatura.
É o caso de Jean Valjean, personagem marcante do clássico Os Miseráveis, de Vitor
Hugo. Para essa personagem, a mudança de nome foi indispensável para manter
tanto a sua condição de homem livre como para obter inserção e ascensão sociais.
A alteração do nome feita por Jean Valjean também significou o ocultamento do seu
passado como criminoso e ex-detento, assim como a construção de uma nova
identidade na qual poderia sustentar sua nova história. As fronteiras entre ficção e a
realidade são muito tênues, por isso é possível concluir que o tipo de prática
nominativa levada a cabo pela personagem Jean Valjean provavelmente foi – senão
comum -, pelo menos não era estranha. Isso fica evidente ao considerar a sociedade
da época, em que o passado de um indivíduo – seja ele nobre ou plebeu – era
determinante para si e para seus descendentes. Mas seja mergulhando na
Literatura, seja emergindo para a História, se pode observar que mudanças feitas no
nome dos indivíduos são pistas eloquentes sobre a trajetória de vida de
determinados sujeitos e consequentemente sobre as conquistas alcançadas por
eles. O nome é o instrumento universal para a distinção entre as pessoas em todas
as sociedades. “O fio de Ariana que guia o investigador no labirinto documental é
aquilo que distingue um indivíduo de outro em todas as sociedades conhecidas: o
nome”88. Nomear ou assumir um nome constitui a primeira maneira de construção
de uma identidade. Os nomes não são construções aleatórias, descontextualizadas,
desprovidas de intenções. Enfim, por traz de um nome, há sempre uma história.
Através do nome Fróes existe uma memória e uma identidade.
I.4 - Família e prestígio social
Agostinho não fugiu a aquilo que era previsto para muitos jovens que
estiveram sob as mesmas circunstâncias que ele. Ainda aos dezenove anos casou-
se e constituiu família. Em 1875 surgia a família Fróes da Motta encabeçada por
87 Idem, 2003, pp. 58-72. 88 GINZBURG, 1991, p. 174
50
Agostinho, e que ao longo de quase 50 anos foi conquistando prestígio social na
medida em que acumulava patrimônio, tornando-se possivelmente a família mais
afortunada nas duas primeiras décadas do século XX em Feira de Santana. Em
1920, aos sessenta e quatro anos e viúvo de sua primeira esposa, Agostinho
contraiu segundas núpcias; falecendo dois anos depois, deixou seis filhos do
primeiro casamento e apenas um do segundo enlace matrimonial. Seu enterro e
todas as cerimônias póstumas – já narrados no início desse capítulo – foram
descritas em mais de uma edição do Jornal Folha do Norte89, cujas páginas
estiveram completamente ocupadas por notas de condolências enviadas por amigos
e correligionários feirenses e de outras cidades, além de artigos que ovacionavam a
figura de Agostinho Fróes da Motta, tal como o de Cristina de Montavão.
Uns sinos a tocar, umas lágrimas a derramar. É uma dor que fere; é uma saudade que espalma azas de sofrimento; é um vasto clamor de mágoas soberanas. Era a morte que acabava de selar para a eternidade os lábios a um apóstolo do bem. Era um tênue perfume incenso que coava de uma agonia com a essência subtil da saudade a evolar-se no espaço. Era um Ser que abandonava a liça [peleja] e se esturgia [agia desatinadamente] no páramo [cume] profundo de um leito verdadeiro. Este ser era um homem, e esse homem, o conhecemos demais: era o trabalho, honestidade, caridade. Era um bom dentro de cujo coração assegurava-lhe o mérito a fulguração de um grande sentimento de poder. Era um varão que nas conjunturas da vida assinalava a fé de um apostolo e a visão augusta e mística de um vidente. E esse homem, e esse cidadão, e esse lutador, tu querida leitora, conhece-o mais do que eu, era Agostinho Fróes da Motta. Ele era assim. Rude fatalidade essa que na fileira dos grandes combatentes da heroica vanguarda do progresso, fulmina uma a uma as mais fundas esperanças de nossa terra na pessoa de um legionário audaz, forte, pelejante, impretérito, intemerado no arrebatar-lhe de preferencia almas onde mais viril palpita o entusiasmo e obstinada a crença nos destinos da pátria. Sacudida nas azas da procela, a Feira de Santana, ajoelha-se, contrita, reverente, diante do seu túmulo, com o coração embaciado de lágrimas, estalando-se de dor, o homem em cujas faces se espelhavam os seus sentimentos de probridade e de trabalho, que lhe legara, que lhe deixara, como um farol da sua consciência onde projetava luz clara e pura de suas convicções. Em tudo que se vê, Agostinho Fróes fez esmaltar uma coroa de orfandade e a ter a de seus enleves e de seu berço, nos filhos de seu ser e do seu sangue. Era um Bom. Pela estreiteza do espaço, deixarei para oportunamente terminar o pouco de que sei sobre o ilustre e querido morto90.
89 Edição nº 623, de 25 de março e os nº 624 e 625, respectivamente de 1 e 8 de abril de 1922. Apenas a edição nº 624 foi encontrada. 90 Jornal Folha do Norte, Edição nº 624, de 1 de Abril de 1922, p. 4. CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, folha 25 [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. Glossário:
51
Reduzir o percurso de ascensão e prestígio sociais empreendido por
Agostinho apenas aos relatos e notícias veiculados pelo Jornal Folha do Norte após
seu falecimento certamente não garante um compreensão clara sobre as estratégias
levada a cabo por esse homem de cor no decurso de sua trajetória de vida. Por isso,
é necessário – como se verá a seguir – estabelecer um encadeamento das relações
familiar e social protagonizadas por Agostinho, e a partir delas visualizar como ele se
tornou uma figura de destaque na sociedade feirense. Como era a relação de
Agostinho com suas duas esposas? Que tipo de relação paterna existiu com os seus
sete filhos? Qual a importância da família Fróes da Motta conquistou e possuía na
sociedade feirense na época em que Agostinho ainda vivia? Estas questões –
devidamente respondidas – podem fornecer pistas satisfatórias para enxergar com
clareza o sujeito Agostinho em suas particularidades, bem como vislumbrar a
tessitura social na qual estava inserido. É o que se pretende a partir da discussão a
seguir.
I.4.1 - Relações familiares: esposas e filhos
Em 11 de maio de 187591, Agostinho Fróes da Motta nos seus desenove
anos casou-se com Maximiana de Almeida, de 20 anos [VER LÁPIDE DA FIGURA 1].
Não há registros de quando e como exatamente os dois se conheceram, e muito
pouco ficou registrado dessa relação conjugal que durou quarenta e três anos e da
qual nasceram seis filhos: Albertina, Arthur, Augusto, Amália, Eduardo e Adalgisa.92
Pouco se conhece a respeito de Maximiana, e o que se pode concluir sobre ela
surge basicamente a partir do seu testamento, onde sua vontade aparece explícita;
e de outras fontes, em que é necessário um exercício de suposição sobre a sua
figura e seu papel na família, velados pelo silêncio de sua fala, mas que podem ser
“recuperados” pela fala de outros e nas entrelinhas de fatos ocorridos na família.
91 Jornal Folha do nº 624, de 01 de abril de 1922, folha 2. In. CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária , (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 25. 92 CEDOC, Cíveis, Testamento de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2569], folha 2R.
52
Por exemplo, no dia 10 de março de 191593, Dona Maximiana chama à
sua residência o senhor tabelião João Carneiro Vital para redigir seu testamento e
tomar os procedimentos legais previstos após a conclusão deste. Evidencia-se logo
na quarta verba (clausura testamental) a ausência do nome de Agostinho na lista de
testamenteiros indicados por Maximiana.
Nomeio meus testamenteiros, em primeiro lugar, o meu filho Doutor Eduardo Fróes da Motta, em segundo lugar, o meu primo e compadre Coronel Tertuliano José de Almeida, e me terceiro lugar o meu amigo Epiphanio José de Souza.94
A ausência do nome de Agostinho se estende também à sua pessoa
propriamente dita, pois Agostinho não se encontrava no rol dos cinco homens95
necessários para testemunhar a escritura do testamento – segundo preconizava o
Código Philipino96 em voga na época. Sobre esta dupla ausência é possível supor
que algum motivo pessoal tenha justificado a decisão de Maximiana de não indicar o
marido, nem a presença do mesmo, no momento do registro do seu testamento.
Tudo leva a crer que a relação pública que Agostinho ainda mantinha com
Guilhermina de Almeida indubitavelmente foi um dos motivos, senão o único motivo.
A relação extraconjugal do marido certamente produziu alguma mágoa ainda latente
na relação conjugal e tenha impulsionado Maximiana a fugir daquilo que era previsto
nessas ocasiões, como a indicação do cônjuge à função de primeiro testamenteiro
ou / e da presença deste como uma das testemunhas. Além disso, é possível supor
também que Maximiana estivesse prevenindo a garantia da sucessão da herança
que legaria aos seus filhos da parte que lhe cabia dos seus bens conforme o regime
93 CEDOC, Cíveis, Idem, folha 3V. 94 CEDOC, Cíveis, Idem, folha 2R. 95 As cinco testemunhas foram os senhores Juvencio Erudulho da Silva, Quintiliano Martins da Silva, Farmacêutico José Alves Boaventura, Leolindo dos Santos Ramos e Pedro Rodrigues do Lago. Com exceção do último, os outros quatro eram amigos e colegas de Agostinho na atuação política, seja quando este era membro do Conselho Municipal ou quando passou a ocupar o cargo de Intendente. Dona Maximiana soube escolher exatamente pessoas do círculo pessoal do marido, de forma que sua vontade fosse respaldada pelo testemunho de indivíduos cuja idoneidade fosse reconhecida socialmente, independentemente do consentimento ou indicação do marido. 96 “Querendo alguma pessoa fazer testamento aberto por tabelião público (1), podel-o-há fazer, com tanto que tenha cinco testemunhas varões livres, ou tidos por livres (2), e que sejam maiores de quartoze anos, de maneira que o tabelião, que fizer o testamento, sejam seis testemenuhas” O Código Philipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, Livro IV, Título LXXX, “Dos testamentos, e em que forma se farão”, p. 900. O Código Phillipino vigorou no Brasil até à sanção do Código Civil de 1916, um ano depois do testamento de Maximiana.
53
de comunhão de bens no qual estava firmado o seu casamento97. De certa forma
estava talvez impedindo que após seu falecimento, a amante de seu marido
usufruísse indevidamente de parte dos bens que – por direito – pertenciam aos seus
filhos.
Numa perspectiva patriarcal era de se esperar que Maximiana
demonstrasse certa submissão esponsal ao marido, e tivesse lhe consultado e
informado sobre sua vontade de deixar seu testamento registrado. No entanto,
Maximiana usufruiu do seu legítimo direito de livre testar e legar parte de seu
patrimônio. O testamento prossegue com a indicação dos valores deixados e dos
seus respectivos legatários, como filhos e herdeiros, outros parentes e agregados,
os pobres e instituições [VER QUADRO 1].
QUADRO 1
VALORES EM DINHEIRO LEGADOS POR MAXIMIANA DE A. MOT TA EM SEU TESTAMENTO
Quantia Destinatário 1:000$000 200:000$000
1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000
200$000
Ao testamenteiro Para comprar apólices federais para os filhos e os herdeiros destes. Sobrinhos, filhos de Marinho de Almeida. Sobrinhas, filhas de Manuel Serafim de Almeida (falecido). Sobrinhas, filhas de Maria Mathilda de Almeida. Sobrinho, filho de Eufrosina. de Almeida (falecida). Para a afilhada, filha de Alice Fructuoso. Para o Asilo Nossa Senhora de Lurdes desta cidade. Para a Santa Casa da Misericórdia. Distribuição aos mais pobres. Para a Sociedade Phillarmonica Victória desta cidade.
Fonte: Inventário de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, folhas 2R, 2V e 3R.
Como se pôde observar, o desejo de Dona Maximiana de Almeida Motta
foi apresentado e devidamente reconhecido sua validade pelo tabelião e os cinco
testemunhas. E pouco mais de três anos depois, em 13 de maio, no dia seguinte ao
seu falecimento, o seu testamento foi aberto de acordo com sua vontade
97 CEDOC, Cíveis, Testamento de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2569], folha 2R.
54
conhecida98. A análise que se apresenta a seguir esboça uma Maximiana à sombra
das decisões do marido, apenas uma esposa cordata que concordava com a
vontade do seu esposo o Cel. Fróes. O que registrou no testamento pode ser
encarado talvez como uma das poucas oportunidades que Maximiana teve para
fazer valer sua vontade, ao contrário do que possivelmente não fez durante os
quarenta anos em viveu ao lado de Agostinho. Outra situação em que Dona
Maximiana parece expor sua vontade, contrariando o desejo do marido, fica
relativamente visível na intenção de não deserdar uma das filhas, situação que será
detalhada mais adiante quando for abordada a relação de Agostinho com os filhos
nascidos do seu casamento com Maximiana. Por enquanto, é importante pontuar
outros aspectos de sua relação matrimonial.
Uma das situações, senão a principal, que certamente deve ter
desagradado Dona Maximiana foi a relação extra-conjugal de Agostinho com
Guilhermina de Almeida, com quem veio a se casar no mesmo ano de 192099.
Jamais saberemos com plena certeza como Dona Maximiana se comportou frente
ao fato de haver outra mulher na vida do esposo, principalmente porque ele não se
esforçou em omitir a presença nem a relação com Guilhermina, assim também como
o filho (Alberto), fruto dessa relação. É possível imaginar o tipo de relação conjugal
entre Agostinho e Maximiana, além da conduta dela, a partir do trecho dessa carta
[VER ANEXO K, CARTA 3] escrita por Agostinho endereçada a este filho adulterino,
em maio de 1916.
Preciso de uma casa ai para Albertina e Amália passar uns tempos [ ? ]
tratamento médico, peço que veja se encontra alguma no Largo de Nazaré ou nas proximidades, mas que contenha água e luz e que seja boa, nunca superior a que tivemos alugada. Durante os tempos que elas estiverem ai ficará com elas, não precisando de tomar pensão como deve, peço que encontrando casa que sirva atendendo as condições expostas telegrafe ou escreva para ir até ai regularizar o aluguel e providências sobre tratos para a locação, quando avisar diga o preço do aluguel. Tendo urgência na solução da casa, peço tomar logo as providências.100.
98 CEDOC, Cíveis, Testamento de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2569], folha 4V, 99 O casamento de Agostinho e sua prévia relação extra conjugal serão abordados mais adiante. 100 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária , (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 23. Algumas cartas – como esta – que serão analisadas neste capítulo estão registradas integralmente nos Anexos.
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Evidencia-se nesta carta que a relação de Agostinho com Guilhermina e
Alberto era explícita, e que Maximiana não teve outra alternativa, senão aceitá-la a
ponto de ver duas de suas filhas embarcarem no trem para a capital do Estado e
ficarem na companhia do filho adulterino do marido. A partir desse fato é de supor
que Agostinho exerceu no mínimo um poder de coerção típico de um marido
pautado no modelo patriarcal de homem: provedor, proprietário dos bens e a pessoa
cuja autoridade todos deveriam respeitar e obedecer. E o que se podia esperar de
sua esposa a não ser que aceitasse os desejos e determinações do marido, não
importando se ele tivesse um filho de outra relação amorosa e que sua existência
não fosse um segredo. Contudo, não se pode afirmar que Maximiana tenha
concordado de bom grado e com satisfação com as circunstâncias em que se
encontrava sua vida conjugal e familiar.
Um último registro sobre o perfil de Maximiana aparece noutra carta [VER
ANEXO G] de Agostinho, desta vez para o filho Eduardo. E mais uma vez
Maximiana surge ocultada pela figura do marido.
Aqui todos vão sem novidades. Filuca continua sempre melhor. Sem chiado, está muito bonito, já come banana, farinha e finalmente toda
comida, quando chora ele dorme dentro de casa, por tanto não pense nele, pois tenho muito cuidado. Mande dizer se já podemos saber notícias exatas de Augusto ao homem que mandou dizer que ia procurar para melhor lhe informar. [...] Filuca Saphira e [ilegível] mandam-lhe muita lembrança.
Aceite uma benção de tua mãe Maximiana.101
Embora em todas as correspondências destinadas a Eduardo, que serão
analisadas ainda neste capítulo, tenham sido escritas por Agostinho, esta carta em
101 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências, [Carta nº 7, de 07 de Abril de 1908]. Essa carta faz parte de um conjunto de 10 cartas enviadas por Agostinho a Eduardo, durante 1905 e 1908, entre os últimos anos de estudo de Eduardo no ginásio e os dois primeiros anos na Faculdade de Medicina, que ocorreram em Salvador. Estas correspondências foram gentilmente disponibilizadas pelo senhor Carlos Brito, Vice-Presidente da Fundação Senhor dos Passos. As mesmas foram devidamente digitalizadas no CEDOC, onde atualmente se encontram arquivadas no acervo digital deste Núcleo de Pesquisa da UEFS. É importante informar que a pasta onde estão arquivadas [doc. Agostinho Fróes da Motta] é provisória e ainda está em processo de catalogação definitiva. Na mesma pasta se encontram outros documentos, como algumas edições de jornais, fotografias, balancetes e contrato de firma, caderneta bancária e outros, também disponibilizados por Carlos Brito, que serão analisadas ainda neste e nos próximos capítulos. Todas essas cartas foram numeradas segundo a sua ordem cronológica, e se encontram nos Anexos (do Anexo A ao Anexo J) da presente Dissertação. Nos anexos as cartas foram transcritas conforme a grafia da época, já os pequenos trechos que aparecem no texto dissertativo estão reproduzidos de acordo com a grafia atual.
56
particular possui um teor materno, como se Dona Maximiana possivelmente tivesse
insistido em responder ao jovem filho, ansioso por notícias de casa e do seu bicho
de estimação (Filuca Saphira). A cena poderia ser descrita da seguinte maneira.
Agostinho – acompanhado por Maximiana – pondo-se a responder a carta de
Eduardo. Logo após desejar saúde ao filho, Agostinho afirma não haver novidades,
como se o único motivo para escrevê-la fosse o desejo de uma mãe solícita. Por
isso o pai aparentemente relutando, procura ser o mais objetivo possível ao informar
o estado de saúde do animal de estimação e recomendar que o filho parasse de se
preocupar com o bicho, pois ele estava cuidando muito bem do animal. Aproveita
para encerrar a carta com um pedido de notícias e algumas orientações para
Eduardo, porém Maximiana – observando o marido – insiste que ele registre as
lembranças supostamente transmitidas por Filuca. E por fim pede ao filho que aceite
sua benção, pedido registrado por Agostinho ao fim da carta. Pode-se perceber ou
imaginar, sem correr o risco de exagero e equívoco, uma presença materna por trás
das palavras expressas pelo marido.
Após esta abordagem sobre a relação de Agostinho com Maximiana, se
faz necessário avançar a investigação sobre sua relação familiar, tratando a seguir
dos filhos com esta esposa. Optei por tentar identificar e traçar um perfil de pai a
partir da relação de Agostinho com os filhos. Esta relação paterna, ou os vestígios
que se pode apontar da mesma estão presentes de forma explícita e implícita nas
circunstâncias e eventos registrados por alguns documentos históricos produzidos –
seja direta ou / e indiretamente – tanto por Agostinho como pelos filhos. Agostinho
foi um pai severo? Como era o tratamento dispensado aos filhos varões e para as
filhas? Era evidente alguma diferença no relacionamento com determinado filho ou
filha? Havia preferência por algum filho ou filha? Responder a estas questões é um
desafio que será posto deste ponto em diante.
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FIGURA 9 MEMBROS DA FAMÍLIA FRÓES DA MOTT A AMALIA, EDUARDO, MAXIMIANA, CEL. AGOSTINHO E ADALGI SA
Fonte: Jornal Folha do Norte, Caderno Especial, Feira de Santana, Fundação Senhor dos Passos, s/n, de 21 de novembro de 2008, f. 2. exemplar em acervo pessoal do autor).
É oportuno, portanto, iniciar pelos filhos cuja relação paterna de Agostinho
não foi identificada na documentação histórica consultada por mim, seja pela
ausência de fontes – propriamente ditas, seja porque as fontes que foram analisadas
não apresentavam dados suficientes para esclarecer e relação paterna entre
Agostinho e os mesmos.
Comecemos pela filha mais nova, Adalgisa de Almeida Motta, nascida em
29 de janeiro de 1893102. Casou-se com Adalberto Alves Farias103, entre 1919 e
1921104, e em 1924 já “estava separada definitivamente do seu marido [...] por
102 A data de nascimento dos seis filhos de Agostinho e Maximiana foi consultada no mesmo documento. CEDOC, Cíveis, Inventário de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 240, Documento 5094], folha 11R,. 103 MOTTA OLIVEIRA, 1991, p. 25. O nome dos cônjuges de todos os filhos e filhas de Agostinho e Maximiana pode ser encontrado na Árvore Genealógica da Família Fróes da Motta. A autora deste trabalho é trineta de Agostinho. Contudo, existem documentos mais antigos que confirmam os dados registrados neste trabalho. No caso de Adalgisa, trata-se da Ação Ordinária, 1922-1927, [...] folha 298, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. 104 Adalgisa aparece solteira no rol de herdeiros no inventário de Maximiana (1918) e, na lista de herdeiros no testamento do Agostinho em 1920, se encontra casada.
58
sentença confirmada pelo tribunal”105. É de supor que esta filha tenha recebido
provavelmente o mesmo tratamento dado ás outras duas filhas, considerando as
atitudes e circunstâncias de cada uma e a reação de Agostinho em relação às
mesmas. O que se sabe a respeito da filha caçula de Agostinho e Maximiana é
apenas o que consta nestas linhas.
Passando adiante aos dois filhos mais velhos: Arthur e Augusto. Arthur
Fróes da Motta nasceu em 23 de janeiro de 1880, exercia o ofício de farmacêutico e
casou-se com Francelina Carneiro da Motta106. Augusto Fróes da Motta nasceu em
29 de agosto de 1884, era capitão da 42ª Brigada da Guarda Nacional107 e casou-se
com Almerinda de Almeida Motta108. Sobre estes dois filhos de Agostinho nada de
muito significativo existe ou aparece nas fontes consultadas a respeito da relação
dele com tais filhos. Por falta de mais detalhes sobre a relação paterna de Agostinho
com sua filha Adalgisa e seus dois filhos Arthur e Augusto, a única opção é abordar
tal relação sob o prisma em que a mesma ocorreu com os demais filhos, cuja
relação com Agostinho foi mais documentada. Partindo desse princípio, então,
abordaremos os outros filhos: Albertina, Amalia e Eduardo.
A primogênita Albertina de Almeida Motta, nascida a 24 de junho de 1876,
foi a primeira a se casar e também a se separar, e posteriormente se desquitar. E é
em torno dessa separação de Albertina que podemos enxergar inicialmente a figura
paterna de Agostinho e inferir sobre a mesma. Albertina se casou com Antonio Alves
Barreto no ano de 1895, aos dezenove anos de idade; se separaram em 1913 e, em
1919 ela decidiu mover uma Ação Ordinária de Desquite contra o marido. Esse
processo prosseguiu por mais de dois anos, quando foi definitivamente concluído e
sucedido por um Inventário pós-desquite, aberto pelo casal em abril de 1922, no
mesmo ano em que o inventário de Agostinho fora aberto109.
105 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária, (Alberto versus Eduardo), 1922-1927, F. de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 298. 106 Registro mais remoto do nome de Francelina Carneiro da Motta. In. CEDOC, Cíveis, ...??? 107 BSMG, Coluna da Vida Feirense [Livro 1, página 137, Jornal nº 1575, 16 de setembro de 1939]. 108 Registro mais remoto do nome de Almerinda de Almeida Motta. In. CEDOC, Cíveis, Ação Executiva, Augusto e Arthur Fróes da Motta, 1922-1924, Feira de Santana, folha 46R [Estante 10, Caixa 255, Documento 5366].
109 CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária de Desquite, Albertina Motta e Antonio Barreto, 1919-1922, Feira de Santana, [Estante 3, Caixa 65, Documento 753] e Inventário (pós-Desquite) Albertina Motta e Antonio Barreto, 1922, [Estante 1, Caixa 23, Documento 241].
59
As razões apresentadas por Albertina foram bastante explícitas quando
ela afirma, por seu advogado, que seu marido
por motivo do seu gênio inteiramente diverso do da Suplicante, fora, pouco a pouco, se incompatibilizando para viver no lar conjugal e afinal, voluntariamente abandonara-o no dia vinte e oito de dezembro do ano de mil novecentos e treze, e mais não voltara a ele até hoje110.
Como se pode bem observar, o casal já estava separado a mais de cinco
anos por causa da discrepância de temperamento dos cônjuges, antes da abertura
da Ação de Desquite. A suplicante Albertina esclarecera que não desejava mais se
reconciliar com o marido para evitar novas e previsíveis contrariedades. Além disso,
...continuou a viver na mesma casa, sem vexames, sem preocupações, sem contrariedades, com inteira decência, cercada dos carinhos dos irmãos e com a pensão que seu pai o Coronel Agostinho Fróes da Motta lhe vem dando, de boa vontade, desde que o dito seu marido abandonara o lar conjugal111.
As circunstâncias acima apresentadas descrevem as razões para a
separação e a situação em que Albertina foi obrigada a viver em seguida. Fica
explícita a solicitude da figura paterna de Agostinho que, de imediato, procura prover
as necessidades da filha, garantindo-lhe um auxílio financeiro para se manter sem o
sustento que o marido deveria lhe dispensar. Evidencia-se também o apoio afetivo
dos irmãos, muito previsível nessas situações, certamente estimulado pela ausência
da mãe, falecida a pouco mais de um ano antes da abertura da ação de desquite.
E é em torno do falecimento da mãe, Dona Maximiana, e mais
precisamente, do inventário dos seus bens, que aparecem os motivos para a
abertura da ação de desquite. Albertina e Antonio estavam separados, mas
continuavam legalmente casados, inclusive sob o regime de comunhão de bens.
Quando o inventário de Dona Maximiana foi aberto em meados de 1918, o genro
Antonio fez questão de esperar a conclusão do processo em setembro de 1919, e
Sem nenhuma necessidade, se deu pressa em constituir o Dr. José Maria Neves – seu advogado – com um contrato de honorários de dez por cento
110CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária de Desquite, Albertina Motta e Antonio Barreto, 1919-1922, Feira de Santana, [Estante 3, Caixa 65, Documento 753], folha 2R. 111 CEDOC, Cíveis, Idem, folha 2R-2V.
60
(10%) sobre o total da legitimada suplicante a ser recebida e da qual hoje, já definitivamente, tomara posse112.
Essa atitude do então marido, além de outros eventos “firmaram no
espírito da suplicante o ardente desejo de desquita-se, já, do seu marido”113. O pai
Agostinho, diante das intenções do genro, como era de se esperar, tomou partido da
filha a fim de que esta não fosse prejudicada, e fez questão de pagar “Por
espontânea vontade, ao mesmo advogado que fora contratado para agir contra ele –
os 5% que teriam de sair da meação ideal da legitimada suplicante”114.
Fica claro nesse caso que Agostinho demonstrou ser um pai atento e
zeloso quanto aos interesses e direitos dos seus filhos. E tal atitude deve ter
permanecido durante os últimos anos de vida, enquanto a saúde física e mental o
permitisse exercê-la. Isso é possível de se afirmar porque Agostinho – exímio
homem de negócios como era115. – teria feito o possível para impedir que o genro
recebesse o que era de direito conforme o regime de comunhão de bens no qual seu
casamento com Albertina estava firmado.
Muito provavelmente Agostinho fora testemunha a contragosto das
intenções do genro em negar a acusação de abandono voluntário do lar feita pela
esposa, alegando como defesa que foi forçado a abandonar o lar porque sua esposa
o agredia por palavras e ações116. Estes motivos alegados por Antonio para justificar
o abandono do lar são descritos de forma mais suscita com as seguintes palavras:
Não podiam viver uma vida de tranquilidade e harmonia. Sucediam-se perenes as discussões acintosas. Ela enxontava-o sempre de casa. E por fim, entra pelas vias de fato, atirando-lhe, exarcebada e possessa, garrafas e moringues que o ofendem fisicamente117.
112 CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária de Desquite, Albertina Motta e Antonio Barreto, 1919-1922, Feira de Santana, [Estante 3, Caixa 65, Documento 753], folha 2V. 113 CEDOC, Cíveis, Idem, folha 3R. 114 CEDOC, Cíveis, Idem, folha 2V. 115 Como se verá no Capítulo II. 116 As razões de Antonio Barreto para abandonar foram expostas no depoimento dado na audiência perante a Justiça. Tal depoimento está registrado na referida ação de desquite (folhas 29R-31V). 117CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária de Desquite, Albertina Motta e Antonio Barreto, 1919-1922, Feira de Santana, [Estante 3, Caixa 65, Documento 753], folha 90V.
61
Pelo menos, Agostinho testemunhou a sua filha obtendo definitivamente o
desquite, que só fora concluído a seu favor em agosto de 1921, após recorrer ao
Tribunal de Justiça do Estado, já que havia perdido na primeira instância em junho
de 1920. Agostinho morreu antes de ver seu ex-genro – em abril de 1922 – contestar
e, em seguida desistir da apelação contra o aresto118 do mesmo tribunal, numa clara
tentativa de adiar o desquite para
... ganhar tempo e ver se, prolongando-se o regime de comunhão de bens de seu casal, permanecia na vantajosa expectativa de ter de futuro uma parte nos bens da fortuna do pai da sua mulher119.
Mas após a morte de Agostinho, Antonio obteve apenas a metade do
patrimônio herdado por Albertina, proveniente da meação de sua mãe legada aos
filhos. Toda essa abordagem leva a crer que Agostinho estava disposto a defender a
filha do genro, a quem provavelmente julgava interesseiro e aproveitador.
O tratamento dado por Agostinho à filha primogênita foi bem diferente ao
dispensado à sua segunda filha, Amália de Almeida Motta. Esta nascera em 15 de
setembro de 1887 e provocou – a princípio – a própria deserdação ao casar-se sem
o consentimento paterno. Mas, vamos aos fatos, em 10 de abril de 1906, Amália –
então com dezenove anos de idade – contraiu núpcias com Adelardo Galdino de
Carvalho, de 21 anos. Mas, por que e como o casamento ocorreu? Por que sem o
consentimento dos pais da nubente? E por que houve a deserdação?
O casamento aconteceu às pressas, pois no mesmo dia do enlace
matrimonial, o casal de noivos encaminhou ao Oficio de Registro de Casamentos
Civis uma petição para justificar a dispensa dos proclamas e outras exigências
legais, além da autorização para o consórcio matrimonial, haja vista a urgência que
se tinha para realizá-lo. Esta urgência era justificada por causa do rapto de Amalia
118 Aresto – Sentença final de um processo; decisão de um Tribunal, que serve de paradigma para casos análogos. CEDOC, Cíveis, Idem, folhas 89V-91R. É nesse aresto que é feita a descrição dos motivos do abandono do lar cometido por Antonio. 119CEDOC, Cíveis, Inventário (pós-Desquite), Albertina Motta e Antonio Barreto, 1922, [Estante 1, Caixa 23, Documento 241], folha 17R. Tal intenção é exposta por Albertina através de seu advogado em resposta às declarações de Antonio registradas neste mesmo inventário.
62
impetrado por Adelardo que, “desejando reparar a falta que cometera”120 queria
casar-se com ela. Um trecho da certidão de casamento dos dois esclarece ainda
mais algumas circunstâncias do ocorrido.
na casa da residência do senhor Emílio Gomes Paim rua Manoel Victorino, sob número cento e onze, onde foi vindo o Doutor Juiz Preparador Adriano Guimarães, comigo escrivão dos casamentos, abaixo assinado, às quatro horas da tarde, conservando a dita casa as portas abertas, durante o ato com toda a publicidade, presentes as testemunhas Capitão João Simões Ferreira e o senhor Emílio Gomes Paim, receberam-se em matrimônio Adelardo Galdino de Carvalho e Dona Amalia Fróes da Motta121.
Analisando este trecho da certidão fica claro que o casamento ocorreu em
casa alheia, diferente da casa paterna dos respectivos nubentes; sem a presença
propriamente dita dos pais do casal; e, às escondidas, mesmo que com as portas do
recinto propositalmente abertas, conforme o costume e/ou procedimento legais da
época. O motivo e a maneira como este casamento ocorreu estão devidamente
esclarecidos, mas porque não teve o consentimento dos pais da consorte? Embora
pareçam óbvios alguns motivos, é necessário apontar e inferir sobre as razões
explícitas e veladas que levaram Agostinho [muito mais Agostinho] e sua esposa a
não consentirem com o casamento da filha Amalia, bem como a excluírem do rol de
herdeiros na ação de deserdação movida por ele e Dona Maximiana122.
Os motivos óbvios para o não consentimento foram inicialmente, o próprio
rapto da filha, seguido do casamento às pressas. Tudo indica que o rapto ocorreu
porque o jovem casal não tinha a aprovação de Agostinho para manter uma relação
amorosa, quanto mais um matrimônio. Porém, por que não consentir com o namoro
da filha? Talvez o pretendente não tenha agradado a Agostinho? Como se verá,
outras razões que com certeza levaram Agostinho a rejeitar o jovem Adelardo não
são declaradas na ação de deserdação, mas estão implícitas em outro processo123
120 CEDOC, Cíveis, Ação de Deserdação, Agostinho F. Motta e esposa, e Amalia de Almeida Motta, 1906-1907, Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 236, Documento 5022], folha 13V. 121 CEDOC, Cíveis, Idem, folha 4V. 122 CEDOC, Cíveis, Ação de Deserdação, Agostinho F. Motta e esposa, e Amalia de Almeida Motta, 1906-1907, Feira de Santana, 34 folhas, [Estante 9, Caixa 236, Documento 5022]. 123 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária, Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, 1906-1907, Feira de Santana, 87 folhas, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226].
63
ocorrido no mesmo ano do casamento, que será abordado mais detalhadamente no
capítulo II, merecendo no memento, apenas uma breve menção.
Adelardo era filho de João Galdino de Carvalho – falecido na época do
casamento – com Dona Cantianilla Simões de Carvalho. Esta senhora foi ré numa
ação sumária movida por Agostinho, sendo ele ao final o vencedor. Este processo,
no qual foram registradas acusações e também declarações acintosas por ambas as
partes envolvidas, produziu certamente uma animosidade entre Agostinho e Dona
Cantianilla. De tal maneira que pareceu previsivelmente compreensiva a atitude de
rejeição dispensada por Agostinho quanto à relação amorosa de sua filha com o
jovem filho de sua desafeta declarada, Dona Cantianilla Simões de Carvalho.
Podemos até concluir que o namoro já existia e que talvez Agostinho visse de bom
grado tal relação, permitindo-a; porém, uma vez iniciada a ação sumária, este
namoro se tornaria inaceitável. E neste caso, o rapto seria nada mais que uma
reação impulsiva do jovem casal de namorados, mais precisamente do rapaz, frente
à provável oposição que o pai da moça fazia ao namoro124.
Demonstrou-se, com esta abordagem sobre a relação de Agostinho com
as filhas Albertina e Amalia, posturas paternas distintas adotadas por ele, de acordo
com a conduta de cada uma delas. Posturas ou faces discrepantes de uma mesma
moeda, de um mesmo pai, ou porque não afirmar, de um determinado tipo de pai
assumido e vivenciado por Agostinho. No que se refere à Albertina, Agostinho foi
solícito, indulgente e, parece que não poupou esforços para ajuda-la. Quanto à
Amalia, ele foi intransigente, austero e não abriu mão de usar dos recursos
necessários para mantê-la deserdada. E mesmo que ela tenha vencido a disputa e
recebido seu quinhão no inventário da mãe, Agostinho não se deu por vencido, pois
fez questão de declarar em seu testamento que sua filha Amalia deixara de ser sua
herdeira
em virtude de um processo de deserdação a que, forçado pela causa constante do mesmo processo, fui obrigado a mover contra ela, e contra a qual a mesma atualmente propõe uma ação, cuja decisão acha-se pendente
124 A relação de Agostinho com sua filha Amália não se encerrou no decreto de deserdação. Após a morte da mãe (12 de maio de 1918), seguida da abertura do testamento (13 de maio de 1918) e, posteriormente, do inventário (3 de junho de 1918) da mesma.
64
no Superior Tribunal de Justiça deste Estado; que é de minha vontade manter tudo quanto venho fazendo a respeito.125.
Agostinho foi – na verdade – um pai cioso quanto à família. Não fica
evidente, no caso dessas duas filhas, nenhuma prévia predileção por uma em
detrimento da outra, que pudesse justificar a diferença no tratamento dado às
mesmas. Fica claro, no entanto, o rigor e a severidade de um pai que estava
disposto a defender um filho ou filha, ou até mesmo de ter uma postura
proporcionalmente oposta, dependendo das escolhas e atitudes dos filhos. É
justamente esse perfil de pai – exposto acima – que vamos perceber quando
abordarmos, logo em seguida, a relação de Agostinho com o seu filho Eduardo. E
nessa relação em particular é possível também notar outras características da
paternidade de Agostinho.
Sobre esta postura de Agostinho em relação às duas filhas, é possível
tecer alguns comentários com base em estudos sobre gênero e família no Brasil
entre o final do Século XIX e início do XX. Padrões de comportamento feminino no
período em questão são discutidos por Marcia Barreiros Leite. Quando esta autora
afirma que “sendo as mulheres agentes de suas próprias histórias, a aceitação às
normas e valores nunca foi a única possibilidade. Os espaços para a negação,
reelaboração e/ou transgressão foram aos poucos sendo conquistados”126, é
possível compreender a postura severa de Agostinho em relação à filha Amália.
Certamente, Agostinho esperava que esta filha se comportasse segundo certo
padrão de conduta feminina, que ele – assim como outros homens e pais de seu
tempo – acreditava ser o ideal para suas filhas. Talvez a filha Albertina tenha
seguido tais padrões, mas Amália seguiu um caminho diferente. Ao se casar sem o
consentimento do pai, situação que foi precedida por um eventual “defloramento”,
seguido de fuga (rapto), Amália rompe com o modelo de postura feminina que uma
filha deveria ter na época. Tal opção e comportamento tomados como reação
previsível à discordância do pai com o namoro da filha é abordado por Alberto
Ferreira Filho, quando afirma que “Fugas, suicídios ou desvirginamento de menores
125 CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1922, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573], folha 2V. 126 LEITE, 1997, p. 23.
65
eram recursos comuns aos namorados para fazerem valer os seus propósitos frente
à oposição das famílias.”127
Após esta discussão sobre a relação de Agostinho com as filhas Amália e
Albertina, passamos à sua relação com o filho Eduardo. Eduardo Fróes da Motta,
nascido em 12 de maio de 1891, casou-se com Maria Lambert de Brito Motta. Era o
caçula dos filhos varões e a relação dele com pai pode ser analisada a partir de
algumas cartas128 que Agostinho lhe enviou. Em tais correspondências é possível
apontar mais indícios a respeito da paternidade do Cel. Fróes. Três assuntos
aparecem bastante nessas correspondências. O primeiro se refere à atenção de
Agostinho com o empenho do filho em seus estudos, como se pode notar em suas
palavras abaixo.
Diga me alguma coisa com certeza sobre os exames por que se não houver ai e esteja preparado irei contigo a Alagoas para os prestar lá pois não convém perder o ano...129
Outro tema é a continência com os gastos, o que fica evidente quando
escreve, afirmando que
A não ser por uma carta que li sua dirigida ao Snr. Epiphanio nenhuma noticia tenho sua a não ser os pedidos repetidos de dinheiro os quais tenho mandado de acordo com sua vontade. Peço [ILEGÍVEL] tomar nota de tudo quanto gastar com o devido esclarecimento para que posso conhecer a aplicação do produzido de meu suor. Espero que [TRECHO DANIFICADO E ILEGÍVEL] acompanhado dos respectivos certificados, estes de forma que possam servir de documentos na Bahia. Neste ponto não quero desculpa, traga todos relativos aos exames prestados.130
E finalmente, outro assunto caro para Agostinho era a necessidade do
filho em manter um comportamento exemplar.
Com suas despesas tem [rasura] feito com que eu vá abusando da bondade do Snr. Isac, [...]. Veja que nota deixou ai pendente de seu comportamento, lembre-se que o nosso também tem deveres a cumprir perante a sociedade,
127 FERREIRA FILHO, 1994, p. 122. Outros trabalhos, como os produzidos por Margareth Rago, Magali Engel, Marta Abreu compõe uma lista de tantos que abordam gênero e família entre os séculos XIX e XX. 128 Sobre tais correspondências rever a nota 12. Uma delas já abordada na página 42. Todas as cartas estão transcritas e registradas nos anexo (A ao J). 129 Idem, [Carta nº 3, de 12 de Outubro de 1906]. 130 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências, [Carta nº 2, de 20 de Janeiro de 1906].
66
portanto queira não seguir os desvarios de outros e não leve ninguém para Casa do Snr. Isac, quando tiver de receber fineza dele em sua Casa vá sozinho e quando sair dai e chegar na Bahia venha logo para aqui.131
Todo o conteúdo das cartas acima registrado e analisado serviu para
confirmar e ampliar o perfil de pai externado por Agostinho. Além disso, também foi
profícuo, pois traz á tona um aspecto a mais da paternidade desse coronel. Os
cuidados de Agostinho com a educação de Eduardo poderiam ser interpretados
como uma atitude normal de um pai que sempre os ofereceu igualmente aos demais
filhos homens. No entanto, considerando uma série de circunstâncias registradas em
outros documentos – distintos das cartas – é possível afirmar, sem riscos de exagero
ou conclusão precipitada, que Agostinho nutria pelo filho Eduardo uma nítida
predileção.
Inicialmente é possível apontar que o primeiro e principal indício da
predileção de Agostinho por Eduardo consistiu justamente nos privilégios que lhe
foram dispensados no testamento do pai. Na quarta verba do testamento, Eduardo é
nomeado como primeiro testamenteiro132, função que Eduardo prontamente assume.
Herda a residência à Praça General Argolo133 Essa predileção explícita de Agostinho
pelo mais moço dos filhos elucida de fato o tratamento paterno dado a Eduardo em
ocasiões anteriores. Tal predileção certamente não se limitou ao que foi declarado
no testamento, mas emerge sutilmente por trás das palavras de Agostinho
transmitidas ao filho adolescente que se encontrava estudando, sozinho, na capital
do Estado, a quilômetros de distância. Certamente Agostinho depositava sobre este
filho grandes expectativas para um futuro que considerava promissor. Tudo leva a
crer que Agostinho desejasse muito ver os filhos ou algum deles sendo tratado como
“Doutor”. Os dois filhos mais velhos seguiram outro tipo de ofício – um deles, capitão
da Guarda Nacional; o outro, farmacêutico – e, por isso provavelmente não recebiam
o tratamento dispensado aos bacharéis.134 Portanto, restava a Agostinho investir em
131 Idem. 132 CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1920, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573], folha 2R. O Segundo testamenteiro foi o amigo Cel. Epiphanio Souza; e o terceiro testamenteiro, foi o filho mais velho Arthur F. da Motta. 133 Idem, folhas 3V-4R. 134 A formação dos farmacêuticos no Brasil remonte a meados do século XIX, e tinha um vínculo institucional com as duas faculdades de Medicina do Império: a do Rio de Janeiro e da Bahia.
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seu filho caçula, o que de fato lhe rendeu o resultado esperado, pois Eduardo obteve
a formação em Medicina no ano de 1912.135 Quanto a esta situação, sejam as
intenções e expectativas, seja a satisfação pelo desejo alcançado, aproximam a
trajetória do Cel. Fróes da Motta da trajetória do Cel. Francisco Dias de Coelho,
indivíduos que partilham também outras experiências, como a origem negra e
escrava. O Cel. Dias Coelho também investiu em seu filho136 - único filho por sinal –
enviando-o a Salvador para estudar Medicina. Os dois coronéis galgavam a mesma
perspectiva quanto aos seus respectivos filhos. “Ter um filho diplomado era sinônimo
de status. Se o diploma fosse de “doutor” (médico ou advogado), prestigiaria ainda
mais a família137. “Era comum encontrar nas famílias de posses da Bahia um filho formado
em alguma profissão promissora, como Medicina, Direito ou Engenharia, pelas faculdades
de Salvador, de Recife, São Paulo ou do estrangeiro.”138
Outros fatos reforçam a predileção de Agostinho por Eduardo. Por
exemplo, quando decidiu delegar a ele a “gerência e a administração de todos os
negócios comerciais ao seu digno filho Sr. Eduardo Fróes da Motta”.139 E, mais
tarde, em meados de 1919, tornou-se sócio do pai na firma Agostinho Fróes da
Motta & Filho.140. Com tantas evidências apresentadas torna-se impossível negar a
predileção de Agostinho pelo filho Eduardo.
135 Eduardo Fróes da Motta cursou a Faculdade de Medicina em Salvador entre os anos de 1907 a 1912. 136 Deusdedith Dias Coelho, nascido em 1887. In. SAMPAIO, 2009, p. 83. 137 SAMPAIO, 2009, p. 84. Algumas similaridades e diferenças existem entre os filhos doutores destes dois coronéis. Eduardo ingressou na Faculdade de Medicina em 1907 com a idade de 16 anos e se formou em 1912, com 21 anos de idade. Já Deusdedith, embora mais velho, só começou a Faculdade de Medicina em 1905, aos 18 anos de idade e levou mais tempo estudando – não se sabe os reais motivos para tal demora – vindo a se formar em 1916 (SAMPAIO, 2009, p. 84), já com quase 30 anos. 138 LEITE, 1997, p. 69. 139 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 445, sábado, 12 de Outubro de 1918, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 127]. 140 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Contrato de Sociedade Mercantil, 5 páginas.
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FIGURA 10 DR. EDUARDO FRÓES DA MOTTA
Fonte : Jornal Folha do Norte, ed. 445, 2 de Outubro de 1918, folha 2 . [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 005]
No entanto, como já foi mencionada brevemente no início deste subtítulo,
a vida familiar do Cel. Agostinho não se restringiu ao seu casamento com Dona
Maximiana. Em 5 de Janeiro de 1920, pouco menos de dois anos após o falecimento
de Dona Maximiana, Agostinho – com 63 anos de idade – casou-se com
Guilhermina de Almeida, de 49 anos.141 Esse casamento serviu para oficializar uma
relação extra-conjugal que já havia entre os dois. Era pública e notória a existência
dessa amante com quem o Agostinho, inclusive teve um filho, que se chamava 141 CEDOC/UEFS, Cíveis, Inventário de Agostinho Fróes da Motta, 1922, (translado do contrato ante-nupcial de Agostinho e Guilhermina), [Estante 6, Caixa 175, Documento 2887], folha 17R-19R. Quando neste contrato ante-nupcial, é registrada a filiação do casal, Guilhermina aparece como “filha natural de Thacilla Barbosa da Silva”. Não se tem conhecimento sobre figura do pai de Guilhermina. Alguns historiadores locais afirmam que Guilhermina era filha do Cel. José Tertuliano Almeida, compadre de Agostinho e primo de Maximiana; e portanto, prima em segundo grau desta. Essa hipótese é apresentada por Antonio do Lajedinho que afirma o seguinte: “Seu nome era Guilhermina de Almeida Motta, uma das filhas do Cel. Tertuliano Almeida, fazendeiro, exportador de fumo...”. (LAJEDINHO, 2004, p. 87). Se Guilhermina era filha de Tertuliano Almeida, por que o nome deste não aparece no supracitado contrato ante-nupcial, quando foi informado a filiação daquela? Além disso, se fosse filha de Cel. Tertuliano Almeida, por que o nome de Guilhermina não aparece incluída no rol de herdeiros no inventário do mesmo? In: CEDOC/UEFS, Cíveis, Inventário de José Tertuliano de Almeida, 1930, [Estante 3, Caixa 79, Documento 970], folha 4R Portanto, parece bastante improvável que esta filiação tenha sido real.
69
Alberto. Essa relação entre Agostinho e Guilhermina teve origem aproximadamente
no ano de 1894,142, mantendo-se ativa durante o consorcio de Agostinho com
Maximiana.
Na documentação histórica consultada143encontram-se vários indícios
que, uma vez relacionados, podem revelar elementos suficientes para visualizar as
circunstâncias que geraram a relação do casal e a mantiveram duradoura por mais
de 20 anos. Nos autos do inventario de Agostinho, o Dr. José Maria Neves,
advogado de Alberto, apresentou a seguinte declaração.
Dona Guilhermina de Almeida Motta fora tirada de casa de sua família pelo Coronel Agostinho Fróes da Motta, e foi sua amante, sua, exclusivamente sua, até o dia em que ele, reparando o mal causado [...], com ela convolou as núpcias.144
O fato de Guilhermina ter sido retirada da casa paterna por Agostinho
rendeu algumas controvérsias. Provar ou não a ocorrência do rapto de Guilhermina
correspondia também provar ou não a paternidade de Alberto. Alberto era o autor da
Ação Ordinária contra Eduardo, porque este não o incluíra no rol de filhos herdeiros
no inventário de Agostinho145; portanto coube a ele apresentar as provas de sua
filiação paterna. Na abertura desse processo cível são apresentados doze artigos,
no 4º artigo é exposto que
142 A data é estabelecida com base na idade do filho de Guilhermina com Agostinho. Alberto quando se casa em 1921 está com a idade de 25 anos. In: CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária , 1922-1927, Feira de Santana, (Exemplar do Jornal Diário de Notícias, Edição de 8 de Janeiro de 1921, Edital de Casamento, folha 7) [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 25. Segundo Alberto, a relação de seus pais teve inicio um ano antes de seu nascimento. Considerando esses dados chega-se ao ano de 1894. In. CEDOC/UEFS, Cíveis, Inventário de Agostinho Fróes da Motta, 1922, [Estante 6, Caixa 175, Documento 2887], folha 47. Mas para confirmar definitivamente a origem cronológica dessa relação amorosa basta verificar a certidão de nascimento de Alberto, onde foi registrado o seguinte: “Diz Guilhermina de Almeida, que tendo deixado de registrar o nascimento de seu filho Alberto de Almeida Motta, nascido em vinte e um de janeiro de mil oitocentos e noventa e cinco vem respeitosamente pedir a V. Sr. que se digne mandar o serventuário fazer o respectivo Registro de nascimento do seu filho...”. In. CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária , 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 69R. 143 O Inventário de Agostinho, a Ação Ordinária e Instrumento de Agravo entre Eduardo Fróes da Motta e Alberto de Almeida Motta contém a maioria das informações sobre a relação de Agostinho com Guilhermina e Alberto de Almeida Motta. Nestes três processos cíveis encontram-se vários documentos concernentes ao embate jurídico entre Eduardo e Alberto para, respectivamente, negar e provar que Agostinho era pai de Alberto; e consequentemente, manter a exclusão ou de fato incluir o nome deste na lista de herdeiros do pai, situação que lhe foi negada por Eduardo quando iniciou o inventário dos bens de Agostinho. 144 CEDOC/UEFS, Cíveis, Inventário de Agostinho Fróes da Motta, Feira de Santana, 1922, folha 47, [Estante 6, Caixa 175, Documento 2887]. 145 Idem, folha 22R.
70
... a genitora de A. [Alberto], desde que o Coronel Agostinho Fróes da Motta a tirou-a da casa dos seus pais, foi sua amante, teúda e manteúda até o dia em que com ela convolou ele a núpcias, sem ter ela durante todo esse tempo fama qualquer homem.146
As cinco testemunhas147arroladas para confirmar a relação entre
Agostinho e Guilhermina foram imprecisas e incongruentes quando se referiram ao
rapto, seja quanto a sua autoria seja aonde se encontrava Agostinho na ocasião do
mesmo. Ora Agostinho é apontado autor mandante, ora é informado que estava em
Feira de Santana (local do rapto); ora, que estava em Salvador. O advogado de
Eduardo, o Dr. Manuel Pimentel, apontou para estas contradições e chegou a
afirmar que o referido rapto não passava de “uma simples fantasia, um verdadeiro
romance, história da Carochinha, como as maravilhosas viagens de Julio Verne.”148
História fantasiosa e romântica ou não, o certo é que a jovem Guilhermina
de Almeida, entre os seus 23 anos de idade, passou a viver muito provavelmente às
custas do seu amante, o Sr. Agostinho Fróes da Motta, na época com 38 anos. Se o
rapto houve ou não, e se Agostinho foi ou não seu mandante ou autor, não importa,
pois era de conhecimento público – inclusive da própria D. Maximiana149– a
existência da relação adulterina do marido.
Mas para além do rapto, Alberto apresentou outro argumento para provar
que a mãe – não só mantinha uma relação ininterrupta com Agostinho como era fiel
ao companheiro. Alberto apresenta para confirmar tal lealdade uma dedicatória
escrita por Agostinho em quatro de maio de 1916 – no verso de uma foto do próprio
– destinada à Guilhermina. Eis as exatas palavras dedicadas por Agostinho.
“Ofereço este a minha boa e querida Guilhermina como penhor de minha amizade e
sincera gratidão pela louvável lealdade e exemplar comportamento”.150
A breve dedicatória é carregada de uma enorme relevância. Mas antes de
analisarmos o seu valor, é oportuno imaginar a seguinte cena. Em meio às
festividades de seu sexagésimo aniversário natalício, Agostinho reserva um 146 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária , Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta, 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folhas 2V. 147 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta, 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folhas 76R-89V. 148 Idem, folha 309V. 149 Como já foi discutido nas páginas 41 e 42 desta dissertação. 150 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta, 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folhas 32.
71
momento para escrever rápidas palavras à sua amante que, por uma questão de
óbvia conveniência, não poderia nem deveria estar presente na festa. Mas mesmo
assim, ser seu agradecido amante compensaria a sua ausência junto à mesma,
oferecendo-lhe uma foto sua acompanhada no verso por palavras de gratidão pelo
honroso e discreto comportamento.
É possível concluir que durante os vinte e dois anos (1894 a 1916) de
existência desta relação amorosa até aquele momento, Guilhermina se manteve fiel
a Agostinho, não tendo relação com homem algum – e pelo que parece era também
de conhecimento público. Além disso, Guilhermina parece que assumiu uma atitude
de firme discrição, se comportando como Agostinho provavelmente esperava ou
exigia; ou seja, não expondo sua relação abertamente nem a alardeando, mesmo
ciente que muitos na cidade soubessem de tal relação.
Um dado que reitera a constância da relação entre Agostinho e
Guilhermina é a declaração do patrimônio de Guilhermina registrada no contrato
ante-nupcial sob o regime de separação de bens [VER QUADRO 2].
QUADRO 2 BENS DECLARADOS POR DONA GUILHERMINA DE ALMEIDA NO
CONTRATO ANTE-NUPCIAL (1920) Bens Valor Dinheiro
Dinheiro depositado no Banco do Brasil Dinheiro depositado na casa Motta & Souza Dinheiro por uma nota promissória
Cem contos de reis (100:000$000) Cem contos de reis (100:000$000) Oitenta contos de reis (80:000$000)
Imóveis
Uma casa (rua General Osório, nº 57) Uma casa (rua General Osório, nº 99) Uma casa (rua Manoel Victotino, nº 67) Uma casa (rua João Pedreira, nº 12) Uma casa (rua Barão de Cotegipe, nº 46)* Uma roça à estrada das boiadas subúrbio desta cidade. *Em 1914, a casa à rua B. de Cotegipe não pertencia a Guilhermina de Almeida.
Quinze contos de reis (15:000$000) Total: 295:000$000
Fonte : CEDOC, Cíveis, Inventário de Agostinho Fróes da Motta, 1922, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 175, Documento 2887], folhas 16V-17R.
Não há registros, nem sequer um simples indício documental que indique
Dona Guilhermina possuidora de fonte de renda proveniente de algum ofício no qual
atuasse. Talvez tivesse alguma renda oriunda possivelmente do aluguel das casas
declaradas acima, mas que não se pode ter plena certeza por falta de registros de
locação. Tudo leva a crer que os bens declarados acima lhe foram transferidos
72
espontaneamente por Agostinho durante os anos que antecederam o matrimônio do
casal. A “generosidade” de Agostinho poderia ter se manifestado também na doação
dos imóveis declarados por Guilhermina. Esta aparece como proprietária de quatro
das cinco casas desde o ano de 1913151
É importante alertar o leitor que todas as possibilidades apresentadas
acima tratam de hipóteses que tem como fundamento a lógica prevista no tipo
relação amorosa, na qual Agostinho e Guilhermina se encontravam. Era de se
esperar que um indivíduo na mesma condição social e econômica de Agostinho
sustentasse sua amante; por isso, não seria absurdo afirmar que os bens declarados
por Guilhermina no contrato ante nupcial fossem de fato presentes ou mesmo um
auxílio dispensado por Agostinho para garantir uma renda para a mesma, durante os
anos em que mantivessem a relação, ou mesmo depois a morte dele.
Se era público e notório a relação extra conjugal de Agostinho e
Guilhermina, da mesma forma também era a existência do filho dessa relação. E por
mais que o seu irmão Eduardo tentasse provar o contrário, o jovem Alberto procurou
demonstrar com vários documentos, juntados nos autos da ação ordinária movida
por ele, quede fato era filho de Agostinho. Além das provas utilizadas para confirmar
a relação dos pais, Alberto se serviu de outros documentos para atestar sua filiação
paterna. O primeiro conjunto de documentos era formado por quatro cartas de
Agostinho escrita entre abril e maio de 1916. A primeira delas [ANEXO K, carta 1],
de 18 de abril, expõe o seguinte.
151 Pelo menos, dos seis imóveis (5 casas e 1 roça) citados, somente a casa localizada na rua Barão de Cotegipe e a roça na estrada das boiadas, não aparecem na lista de imóveis publicada na cobrança anual da Décima Urbana. A dita roça não aparece por motivos óbvios, já que ele se encontrava distante da cidade. A Décima Urbana se tratava num imposto, registrado em livros, era cobrado pela Intendência Municipal a fim de manter o asseio e conservação dos prédios. Consegui encontrar alguns desses livros no Arquivo Público Municipal de Feira de Santana. No Livro nº 14, folha 32V, referente ao ano de 1914, D. Guilhermina aparece na lista como proprietária apenas das quatro primeiras casas mencionadas. Esse mesmo imposto também era publicado em algumas edições do Jornal Folha do Norte. Em edições desse jornal nos anos de 1913 e 1917, a casa à rua Barão de Cotegipe certamente foi adquirida depois de 1917, pois em nenhuma das edições do referido jornal anterior a este ano encontrei o nome de D. Guilhermina. Já as demais casas aparecem em edições dos dois anos acima citados. Para maiores detalhes verificar as seguintes edições: 1913: nº 169, de 10 de maio, folha 2; nº 172, de 31 de maio, folha 2; nº 174, de 14 de junho, folha 2. 1917: nº 373, de 12 de maio, folha 3; nº 375, de 26 de maio, folha 3; nº 376, de 02 de junho, folha 3; nº 378, de 16 de junho, folha 3. A “roça à estrada das boiadas subúrbio desta cidade” merece uma atenção particular porque talvez corresponda ao lugar em que Guilhermina tenha construído sua residência, local onde a mesma se encontrava no dia do falecimento de Agostinho. In. CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta, 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folhas 85R-88R. Essa informação parece que possui fundamento porque de acordo com historiadores locais Dona Guilhermina, ou Dona Lolô, como era conhecida, permaneceu nesta propriedade até seu falecimento em 1958. LAJEDINHO, 2004, p. 88
73
Vai 50 reis que sua mãe manda para comprar vinte pés de laranjeiras que sejam bem desenvolvidos e bem pegados. Mas que sejam comprados a pessoas conhecidas e que sejam laranjas de umbigo. Prevenindo-se para não ser enganado, tendo tudo pronto para vir por mim na próxima semana quando ai estarei. Do seu pai Agostinho Fróes da Motta152
Observando com atenção é facilmente perceptível que, ao enviar para o
filho Alberto, um valor em dinheiro para comprar “pés de laranjeiras” a pedido da
mãe deste, Agostinho mantinha uma rotina relativamente estável com Guilhermina.
A situação doméstica descrita na carta evidencia que a relação entre o casal era
ativa e que o filho deles era sempre solicitado para resolver ou auxiliar o pai quando
as necessidades dele ou da mãe só podiam ser atendidas em Salvador, onde
Alberto residia. No final da carta fica ainda clara a rotina familiar entre os três,
quando Agostinho recomenda à Alberto não se deixasse enganar na compra das
laranjas e a indicação que o próprio Agostinho traria as frutas para Feira de Santana
quando estivesse em Salvador na semana seguinte.
Em outra carta [ANEXO K, carta 2], de 2 de maio, Agostinho demonstra
sua preocupação com a saúde de Alberto, cuja febre não diminuíra, conforme
telegrama enviado por este, e orienta o filho a continuar com a medicação prescrita,
a enviar noticias de melhora definitiva, e que, em caso contrário deveria vir a Feira
de Santana para se cuidar sob o olhar atento dos pais. Por fim, informa a Alberto o
envio da mesada de cento e cinquenta reis que parecia fazer parte dos gastos com
este filho153. Numa última carta [ANEXO K, carta 4], de 30 de maio, Agostinho reitera
a urgência na locação de uma casa em Salvador, provavelmente a mesma solicitada
em carta de 9 de maio [ANEXO K, carta 3] e, - como de costume – pede ao filho que
consiga “alguns enxertos de mangas e mesmo de lima de umbigo”.154 Pedido
certamente feito por Agostinho para atender às necessidades de Guilhermina.
O segundo conjunto de documentos apresentados por Alberto dizem
respeito a três correspondências155(uma carta e dois cartões postais) enviadas por
152 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária, Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 22. 153 CEDOC/UEFS, Cíveis, Ação Ordinária, Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta 1922-1927, Feira de Santana, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766], folha 20. 154 Idem, folha 21. 155 Idem, folha 226R-29R
74
Eduardo, nas quais reconhece e trata aquele como irmão, ao utilizar as fraternas
expressões de “mano e amigo” referindo-se tanto a Alberto como a si mesmo. Os
dois cartões postais foram escritos respectivamente em 24 de maio e 2 de novembro
de 1913. No primeiro cartão, Eduardo – a bordo do navio com destino a São Paulo –
apenas envia lembranças para o irmão. No segundo cartão, já instalado na cidade
paulista de Mogi-Mirim, comunica ao irmão – de quem a muito não tem notícias – a
inauguração do seu gabinete médico e residência. Mas para além das palavras
fraternas e notícias de Eduardo, um dado que aparece num dos cartões postais
aponta algo relevante. No endereço registrado, além do destinatário, foi escrito o
endereço do Colégio Nª Sª das Victórias, colégio onde Alberto estudava em
Salvador. Esse dado mostra o quanto Agostinho não abria mão de garantir uma boa
educação para os filhos, pelo menos para os filhos Eduardo e Alberto isso fica mais
que evidente. Se tal educação significou altos custos, certamente isso não era um
problema para Agostinho. E por fim, na carta, escrita em 17 de junho de 1918,
Eduardo demonstra manter com Alberto a mesma relação amistosa de outrora,
solicitando-lhe favores e tratando-o como irmão. Como Agostinho enxergava a
relação desses dois filhos não é possível atestar por falta de dados documentais.
Em vida, talvez satisfação; mas após seu falecimento, em meio à disputa por
herança, estes dois irmãos deixaram de lado qualquer resquício da antiga relação,
conforme se pode perceber em todo o processo da ação ordinária, além de outros
processos em que os dois estiveram envolvidos diretamente. No final, depois de
toda a peleja entre Eduardo e Alberto, este obteve o que era seu por direito. Tal
resultado é confirmado pelas próprias palavras de Alberto.
“Recebi do Cel. Tertuliano José de Almeida, inventariante do espólio do Cel. Agostinho Fróes da Motta, nomeado em substituição ao destituído pelo Superior Tribunal de Justiça, a importância líquida de R$ 6:304$300, correspondente ao quinhão que, na última partilha tocara o signatário deste. 156
Após toda esta análise sobre a relação de Agostinho com suas esposas e
filhos é possível chegar a algumas considerações. Na condição de pai, Agostinho
pode ser visto com severo, com um filho teimoso que não administra bem o seu
dinheiro; intransigente, com a filha que não o respeitou ao casar-se contra sua
156 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Recibos, 21 de Outubro de 1929.
75
vontade; atencioso, com a filha abandonada pelo que considerava interesseiro;
solícito com a saúde do filho adulterino, mas que não incluiu no testamento. Como
marido, foi austero ou indiferente com os sentimentos da primeira esposa por conta
da relação extra conjugal com Guilhermina; e com esta – enquanto amante – foi
controlador, pois fez questão de manter muita discrição na conduta da mesma diante
da sociedade feirense, que tinha conhecimento sobre esta relação.
Esse é o perfil multifacetado da vida de Agostinho em seu círculo familiar.
Certamente, Agostinho foi esposo e pai como tanto outros conterrâneos feirenses,
que nas mesmas condições e circunstâncias, também o foram. As circunstâncias da
vida, sua trajetória e escolhas provavelmente foram fundamentais para que
assumisse as posturas descritas e narradas nesse texto. É bem provável que ele
não tenha sido um caso excepcional nem tão pouco o padrão de comportamento
masculino da sociedade feirense na época; mas é possível imaginar também que
não fosse o único indivíduo a ter as decisões e atitudes abordadas acima. Por fim, é
necessário ressaltar que a conduta de Agostinho em sua esfera familiar pode ser
considerada previsível para a época e sociedade em que o mesmo estava integrado.
I.4.2 - Tecendo outras redes sociais
A relação familiar de Agostinho Fróes da Motta rendeu um volume de
dissertação significativo, de maneira que tornou possível conhecer um pouco mais
desse indivíduo para além de sua trajetória como comerciante e político, que já é
mais conhecida. Por isso, é oportuno ampliar nossa visão sobre Agostinho focando
em sua relação com sociedade feirense, seja com as instituições religiosas, laicas e,
amigos em geral. E a partir de tais relações, inferir sobre as estratégias utilizadas por
Agostinho para conquistar e manter o prestígio social que usufruir tanto em vida
como após a morte.
Os dois registros mais antigos datam de 1891 e nos informam a
participação de Agostinho, seja como membro de instituições mutualistas seja como
membro de comissões organizadoras de festas. Quem apresenta essas informações
é Arnold Silva em sua Coluna Vida Feirense. No primeiro registro é noticiada a
eleição de Agostinho para presidente do Monte Pio dos Artistas Feirenses no
76
período entre 1891 e 1892,157, e no segundo registro é informado a participação
como membro da comissão que ficou com a responsabilidade de organizar o
carnaval de 1892158. De imediato, é possível afirmar que, assumir cargos e
participação em comissões consistiu numa das primeiras maneiras escolhidas por
Agostinho para iniciar sua inserção social.
Em 1900, Agostinho é citado como membro da comissão incumbida pela
restauração da capela N. S. dos Remédios, que deveria continuar a tarefa entre
1900 e 1901, já iniciada nos anos anteriores159. Muitos anos mais tarde, em 1913,
novamente membro de outra comissão formada por irmãos da Stª Casa da
Misericórdia, responsável pelo orçamento e construção do novo pavilhão para o
hospital irmandade.160 Mas no que concerne à esta última instituição, a relação de
Agostinho com a mesma remonta do ano de 1887, quando ele foi eleito como um
dos irmãos visitadores161, e quatro anos mais tarde foi eleito como mesário.162 E
nesta mesma irmandade, Agostinho foi reeleito para o cargo de provedor em Janeiro
de 1910163 e em 1911164; sendo enfim, substituído pelo Cel. Bernadidno da Silva
Bahia, em 1912. E quando o Jornal Folha do Norte noticia esta sucessão na
presidência da Stª Casa, é narrado o seguinte.
Seguiu-se a sessão solene de posse, sendo lido o balancete do ano findo, pelo qual se vê que passaria para o presente exercício um déficit se o coronel Agostinho Fróes da Motta ex-provedor, não liquidasse por sua conta, a situação, passando a casa ao seu sucessor completamente equilibrada sua finanças. Com a palavra, o coronel Agostinho disse que, na sua administração, se esforçara sempre pro progresso da pia instituição fazendo, para servi-la, tudo que estava ao seu alcance.165
157 BSMG, Coluna da Vida Feirense [Livro 1, página 21, Jornal nº 701, ano de referência 1891, 16 de setembro de 1923]. 158 BSMG, Coluna da Vida Feirense [Livro 1, página 44, Jornal nº 1492, ano de referência 1891, 12 de fevereiro de 1938]. 159 BSMG, Coluna da Vida Feirense [Livro 1, página 142, Jornal nº 1582, ano de referência 1900, 14 de novembro de 1939]. 160 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 184, sábado, 23 de Agosto de 1913, folha 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1913 130]. 161 BSMG, Coluna da Vida Feirense [Livro 1, página 148, Jornal nº 1589, ano de referência 1887, 23 de dezembro de 1938] 162 Idem [Livro 1, página 41, Jornal nº 1489, ano de referência 1891, 22 de janeiro de 1939]. 163 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 17, sábado, 9 de janeiro de 1910, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 006]. 164 Idem, edição nº 67, sábado, 29 de janeiro de 1911, folha 3. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 015]. 165 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 105, sábado, 3 de fevereiro de 1912, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 017].
77
Fica evidente que como um jovem comerciante que era, tenha sido fácil o
seu ingresso na Sª Casa em 1887, e que em anos depois, já com a patente de
coronel, galgasse funções de maior proeminência na mesa diretora, até ocupar o
cargo máximo de provedor entre os anos de 1909 e 1911. Obviamente que sua
trajetória promissora no comércio da cidade foi relevante para assumir tal função e
cumpri-la com a eficiência de um exímio homem de negócios. Embora tenha sido
mais importante a sua condição econômica, como elemento de ingresso na Stª
Casa; não se pode prescindir, também do fato de Agostinho professar a fé
católica166, condição necessária para se tornar membro desta secular instituição de
caridade.167 E é em torno dessa religião católica em Agostinho declarou ser adepto,
que será abordado alguns episódios em que Agostinho protagoniza sua relação com
a referida religião.
Em janeiro de 1910, dois acontecimentos noticiados pelo Jornal Folha do
Norte, na mesma edição do dia 15 do mencionado mês,168 foram significativos para
Agostinho e a relação que estabeleceu com os círculos católicos da cidade. O
primeiro acontecimento no domingo, 9 de janeiro, quando foi celebrada uma missa
na Igreja Matriz solicitada pela Confraria do S. S. Coração de Maria para abençoar o
estandarte presenteado pelo Cel. Agostinho. A princípio tal notícia poderia ser
considerada trivial, mas certas circunstâncias especiais devem ser expostas.
166 Agostinho afirmou o seguinte na primeira verba de seu testamento: “Declaro que professo a Religião Catholica Apostólica Romana, em a qual nasci e espero morrer”, In. CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1920, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573], folha 2R. 167 Sobre o ingresso de irmão nesta instituição de caridade, A. J. R. Russel-Wood, em seu trabalho sobre a “Fidalgos e Filantropos - Santa Casa da Misericórdia da Bahia – 1550-1755”, traz algumas considerações. O autor, em diversos momento do livro, destaca que certos indivíduos que não eram oriundos de famílias da aristocracia rural, classificados por ele como “homens de negócios”, começavam a emergir como “classe social” e “aparecerem pela primeira vez com essa denominação nos registros de admissões à Misericórdia no início do século XVIII” (p. 92). Russel-Wood esclarece ainda que a condição financeira determinava muitas vezes a promoção social de um irmão de uma classe considerada inferior para uma superior (p. 93). Embora o trabalho desse autor aborde a Santa Casa da Misericórdia da Bahia entre os anos 1550 e 1755, é possível supor que as exigências para ingresso e promoção de irmãos na irmandade tenham se afrouxado, tornando-se ainda mais flexíveis para comerciantes e homens de negócios no decorrer da segunda metade do século XVIII e no decorrer do século XIX. Nosso personagem era um comerciante e homem de negócios no período em que a tradição lusitana preconizada pela Misericórdia já não tinha mais a força e influência de outrora, principalmente por conta do arrefecimento econômico e social das antigas famílias aristocráticas existentes na Bahia que acompanham o declínio político e econômico desta instituição no percurso do século XIX. Portanto, seu ingresso na Sta. Casa, ocupando funções de irmão visitador, mesário e provedor, pode ser considerado perfeitamente previsível e normal para a época. 168 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 18, sábado, 15 de janeiro de 1910, folhas 1 e 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 009-010].
78
O estandarte em questão era apenas um entre os vários objetos litúrgicos
que Agostinho trouxe após retornar de sua viagem à Europa em 1909.169 Relata-se
que além do estandarte doado á dita confraria, Agostinho ofereceu também à Igreja
N. S. dos Remédios as seguintes peças: “1 CUSTÓDIA, dourada para benção do S.
S. Sacramento, 1 capa de ASPERGES, 1 véu de ombros e 6 CASTIÇAIS dourados
para banqueta”.170
Segundo o Jornal Folha do Norte, o gesto de Agostinho assumiu uma
importância enorme para a comunidade católica da cidade, pelo menos isso foi o
que a redação do período quis demonstrar, e que talvez correspondesse realmente
à verdade. Pois a missa promovida pela mencionada confraria foi uma reação óbvia
de agradecimento ao distinto benfeitor, por ter lhe doado o estandarte. E no caso
desse estandarte é oportuno apontar mais alguns detalhes. O Cel. Fróes havia
mandado confeccioná-lo em Paris a pedido desta confraria, sem cobrar ou receber
valor algum pelos custos e despesas com transporte. Além dessa “generosidade” de
Agostinho é necessário descrever o estandarte propriamente dito, para ter uma
noção do entusiasmo e gratidão que certamente envolveu os membros da confraria.
O estandarte é de gurgurão branco, lavrado, com ramagens e flores de seda e ouro, e todo franjado do mesmo metal, tendo no centro a efigie de N. S. das Victórias, circulada de inscrições a ouro. No reverso, que é torrado de seda azul claro, tem o emblema da Arqui-confraria, que é também circulado de inscrições a ouro. É um trabalho do mais fino gosto artístico e irrepreensivelmente executado.171
O ato filantrópico foi elogiado como “oferta valiosa”, não pelo valor do
ouro, presente na “dádiva”; mas pela “pureza dos sentimentos que a
determinaram”.172 Não pretendo confirmar nem defender a “pureza dos sentimentos”
de Agostinho diante de tamanha generosidade. É possível que suas intenções
tenham sido realmente marcadas pelo desprendimento e pela caridade cristã;
contudo, é certo também que sua imagem pessoal foi favorecida, de maneira que
Agostinho aparece sempre requisitado em festas e eventos católicos. Por fim, é
169 Agostinho retornou em outubro de 1909. Detalhes sobre esta viagem são abordados no capítulo II. 170 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 18, sábado, 15 de janeiro de 1910, folhas 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 009]. 171 Museu Casa do Sertão/ BSMG, Jornal Folha do Sertão, edição nº 18, sábado, 15 de janeiro de 1910, folha 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 010]. 172 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 18, sábado, 15 de janeiro de 1910, folhas 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 009].
79
necessário ressaltar ainda que o Jornal Folha do Norte, na figura de seus editores,
procura enaltecer a figura do Cel. Agostinho, criando justamente esta imagem de
benfeitor. Premeditadamente ou não, Agostinho obteve vantagens dessa situação
em torno do ambiente católico da cidade. E é neste ponto que podemos abordar o
segundo evento acima citado.
No sábado, 8 de janeiro de 1910, finalizando o período litúrgico do Natal,
ocorreu um Terno de Reis173, cujo relato se pode observar abaixo.
Quebrando a monotonia que experimenta ultimamente a nossa sociedade, tão balda dessas diversões com que recreamos o espírito e afugentamos o spleen, em direção á confortável residência do nosso prestimoso amigo coronel Agostinho Fróes da Motta, desfilou, no sábado à noite, pelas principais ruas da cidade um esplêndido terno de Reis, que era composto de senhoras e cavalheiros do nosso melhor meio social. O terno, a que presidia o delicado gosto da gentil senhorita Maria Rosalina de Araújo, foi muito bem organizado, trajando as numerosas senhoritas à japonesa e os rapazes a turcos, o que produziu um belíssimo afeito. Em marche aux flambeaux a fogos cambiantes e as melodias de uma magnifica orquestra de instrumentos de cordas, assim seguram aos pares, as japonesas, que bem se assemelhavam aos belos crisântemos da soberba pátria dos valentes nipões.174
A longa e entusiasmada narrativa nos permite mergulhar um pouco mais
no prestígio social que Agostinho e sua família possuíam na época. Logo de início
se observa que o evento encerrou o jejum de recreações que a sociedade feirense
estava experimentando; ou melhor, da elite feirense que compunha o Terno de Reis.
Para além do requinte dos trajes; das mulheres, de gueixas; e os homens, de turcos;
guiados pelas músicas orquestradas por uma das duas filarmônicas da cidade, é
mais relevante a descrição do ocorrido na residência do Cel. Fróes após a chegada
da turba de casais. No palacete, repleto de muitos homens e mulheres, já estava
preparado um abundante banquete em suntuosas e arrumadas mesas, onde foi
inicialmente “entoado o tradicional reis”; e logo em seguida, mais música e dança
animada; troca de cortesias e presentes, que prosseguiram durante a madrugada; e
173 Folia de Reis, festa popular que faz alusão à festa católica da Epifania de Senhor, geralmente ocorrida durante a primeira semana de janeiro. 174 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 18, sábado, 15 de janeiro de 1910, folhas 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 010]. Glossário: Balda. Habituada; Spleen. ; marche aux flambeaux. Marcha com tochas; Nipões. Japoneses.
80
somente quando despontou os “primeiros raios do sol”, é que os últimos convidados
se despediram da família Fróes da Motta.175
Diante de tanto fausto é visível que este Terno de Reis tocado na casa do
Cel. Fróes, conforme a tradição do festejo religioso, não passou de pretexto para a
realização da pomposa festa. Se o local da festa foi oferecido por iniciativa de
Agostinho ou foi convidado pela presidente organizadora do festejo, não vem ao
caso, o mais importante é que a suntuosidade da festa aponta para a manifestação
de poder e do prestígio do Cel. Fróes, que se estendia para outros momentos, como
os seus aniversários.
No mesmo ano, na noite de 4 de maio, quando completara cinquenta e
quatro anos de idade, a casa do cel. Agostinho novamente foi concorrida com
numerosa quantidade de amigos e famílias que foram saudar o estimado
aniversariante. E mais uma vez, a grandeza da festa – em nada inferior à citada
acima – foi marcada por discursos ovacionais, animadas danças, como “valsas,
polkas e quadrilhas”, ao som da filarmônica “25 de Março”, que se prolongaram até
às 3 horas da madrugada. E durante toda a festa o “serviço volante de bebidas
esteve irrepreensível”, e por volta da meia noite “foram servidas abundantes
iguarias”. O coronel anfitrião, presenteado com “uma belíssima palma de flores
naturais”, comovido agradeceu o presente, os cumprimentos e as felicitações de
todos os convidados.176
O aniversário do cel. Fróes parece que se tornou em evento esperado
todos os anos. Na consulta realizada em diversas edições do Jornal Folha do Norte,
foram localizadas várias notas sobre o aniversário de Agostinho, ora com ora sem
festa. Entre 1912 e 1913, não ocorreram festas, por motivos diferentes. Em 1912, só
houve a notícia da missa celebrada para comemorar o seu aniversário a pedido da
já mencionada Confraria do S. S. Coração de Jesus177e ano seguinte apenas uma
175 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 18, sábado, 15 de janeiro de 1910, folha 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 010]. 176 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 34, sábado, 7 de maio de 1910, folha 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 074]. 177 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 118, sábado, 11 de maio de 1912, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 069].
81
nota de visita de “amigos e admiradores” e mais uma vez, da filarmônica “25 de
Março”.178
Já em 1914, ocorreu uma “animada soirée179 dançante que se prolongou
até a madrugada”. A dita festa teve a presença da mesma filarmônica e de inúmeros
representantes da elite feirense, que se deleitaram de uma festa regada a
champagne, “chá, doces e bebidas finas”, como parecia ser o costume nas festas
promovidas pela família Fróes da Motta.180
Não há notícias sobre os aniversários nos anos 1911, 1915, 1916, 1919, e
1921181por conta da ausência de documentação histórica. Mas o aniversário de 1917
foi comemorado com um sarau, que teve o mesmo requinte e circunstâncias, com
discursos, banquete, bebidas e música.182 Em 1918 não houve comemoração, mas
apenas uma breve nota lembrando o aniversário por causa da grave enfermidade de
Dona Maximiana, que veio a falecer oito dias depois .183 E finalmente, em 1920, o
aniversário de Agostinho foi lembrado apenas com uma pequena nota de
felicitações.184 Como podem observar, com exceção dos anos 1917, 1918 e 1920,
os demais anos acima citados, uma vez com suas respectivas edições de maio
encontradas, seria possível verificar outras prováveis noticias de outras festas de
aniversários com a mesma pompa.
Mas as festas de aniversário não eram os únicos eventos que atraiam a
elite feirense para o palacete do Cel. Fróes. Além de reuniões políticas [VER
CAPÍTULO III], outras razões justificavam o enorme fluxo de pessoas que se
178 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 169, sábado, 10 de maio de 1913, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1913 069]. 179 Do francês, reunião social, ou de outro tipo, que ocorre à noite. 180 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 220, sábado, 10 de maio de 1914, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1914 070]. A presença constante da filarmônica “25 de Março” nos aniversários de Agostinho Fróes da Motta, se justifica porque o mesmo era sócio da filarmônica em questão. 181 As edições do Jornal Folha do Norte, referentes ao ano de 1911, mais precisamente entre a edição 79, de 30 de abril e edição 80, de 10 de agosto não existem por causa do incêndio ocorrido na sede deste jornal, que o impediu publicar durante os meses de maio, junho e julho. Não noticiando com obviamente o aniversário de Agostinho. Quanto a todas as edições dos anos 1915 e 1916 não foram localizados pela equipe do Museu Casa do Sertão, que não os submeteram ao processo de catalogação e digitalização. Não permitindo qualquer pesquisa. E finalmente, quanto os anos de 1919 e 1921, as edições de maio não foram catalogados nem digitalizados pelo Museu Casa do Sertão. 182 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 372, sábado, 5 de maio de 1917, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1917 059]. 183 Idem, edição nº 422, sábado, 4 de maio de 1918, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 049]. 184 Idem, edição nº 526, sábado, 8 de maio de 1920, folha 2. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1920 053].
82
dirigiam a dita casa. Um desses eventos foi a tradicional “queima de Judas” na
Semana Santa de 1911, narrado com as seguintes palavras.
No sábado d’Aleluia foram queimados nesta cidade, diversos Iscariotes, destacando-se o do como General Câmara, cujo sacrifício foi feito aos sons de harmoniosa orquestra e assistida por uma verdadeira multidão. Até a hora da cremação, á meia-noite, houve animadas danças no palacete Fróes da Motta, onde se reuniram, para assisti-la, diversos cavalheiros e excelentíssimas famílias.185
O palacete Fróes da Motta se tornou na época em ponto de referências
para os mais diversos eventos da cidade. Uma residência que, devido sua
arquitetura e tamanho, serviu de instrumento para ostentar o poder dessa família, e
em particular, mais ainda de seu patriarca. Este palacete, hoje denominado Vila
Fróes da Motta, transformou-se num personagem à parte na trajetória da família
Fróes, desde quando foi construído.186 Ela não foi apenas uma residência, mas
assumiu e transmitiu outras funções, cujos significados foram fundamentais para
manter o prestígio dos Fróes da Motta. Conforme Sidney Oliveira afirma, ao analisar
a arquitetura do referido palacete.
As residências testemunham importantes da vida e da cultura do homem. Elas denotam toda uma época e, além da segurança, abrigo, bem-estar que proporciona aos indivíduos, do mesmo modo confere ‘status’, nível social e econômico. São, portanto, a forma mais imediata, porém complexa, de informar a condição social do seu proprietário, isto é, constituem-se como um signo a ser decodificado pelo fato de ser, também, um texto não-verbal e, neste sentido, podem carregar consigo uma forma de representação do indivíduo na sociedade na qual está inserido.187
185 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 78, sábado, 23 de abril de 1911, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 055]. 186 Sidney Oliveira em seu estudo monográfico “O DESENHO DA VILA FRÓES DA MOTTA - Registro de uma época”, afirma que o palacete foi construído no início do século XX (p. 50), já na edição espacial do Jornal Folha do Norte, de novembro de 2008, encontra-se uma datação mais precisa, pontuando que o “coronel Agostinho Fróes da Motta, inspirou-se em uma casa residencial que ele conheceu durante visita a Hamburgo, na Alemanha, em 1902. Um ano após a casa era construída sob a administração do proprietário” (folha 4). Se foi inspirada numa residência alemã, não existem dados documentais que o comprovem, mesmo que se saiba das viagens que Agostinho já realizou à Europa. Em relação ao ano de 1903 – caso esteja certo – corresponderia ao ano em que Agostinho recebera a patente de coronel. O que revela o prestígio que Agostinho já possuía perante a sociedade feirense. 187 SIDNEY, 2003, p. 43.
83
FIGUGA 11
Palacete Fróes da Motta em momentos diferentes
Fonte: GAMA, Raimundo. (Org.) Memória Fotográfica de feira de Santana, p.
Fonte: Fotografias do autor, 2012.
84
A estrutura da propriedade rende mais alguns comentários por conta da
riqueza de detalhes que compunham alguns cômodos e áreas que presenciaram
tantos eventos ocorridos em seu interior. Os cômodos em questão correspondiam a
uma capela, uma sala de música188, uma sala de estar (salão nobre) e uma sala de
jantar. Sidney Oliveira nos oferece uma descrição satisfatória desses cômodos.
Quando se entra na casa há na primeira sala a pintura de dois dragões alados, um em cada parede e logo à frente desta primeira sala (ver planta baixa na página 47) tem-se a capela da família, decorada com símbolos da igreja Católica, no teto pintura de anjos e nuvens. Seguindo o corredor à esquerda tem-se a sala de música e a sala de estar; na primeira a decoração das paredes é composta por músicos de fama internacional, a exemplo de Choppin, Carlos Gomes, Mozart e outros, além de um detalhe que retrata a própria sala. No seu teto, que é forrado de madeira, harpas nos quatro cantos, já nas portas que dão passagem para a mesma sala têm símbolos musicais como detalhes na parte superior. Já a pintura da sala de estar é adornada com ramalhetes de flores, conchas e a figuras de um rosto feminino que se encontra a cada lado da sala e em cada lado se tem um perfil diferente. [...] Seguindo o corredor para a direita encontra-se os quartos e logo no final está a sala de jantar, na sua pintura aparecem muitos frutos e flores, uma batalha de um homem com um touro que se repete nas outras paredes e, novamente, o rosto de uma moça, também em todas as paredes. 189
A descrição190 apresentada acima confirma o que foi pontuado no início
dessa abordagem sobre o palacete. Quando o construiu, Agostinho certamente o
desejou e planejou para que transmitisse imponência, poder e prestígio. Atribuições
que o recém Cel. Fróes da Motta começava a desfrutar, e que provavelmente deve
ter ampliado com a presença de tal majestosa residência.
Essa residência foi ainda um palco de outro evento – talvez o último
presenciado por Agostinho antes de seu falecimento. Em 1918, o Cel. Fróes e seu
filho Eduardo recepcionaram os doutorandos de Medicina que visitaram a cidade no
dia 12 de outubro, na ocasião, Agostinho e Eduardo foram alguns dos cidadãos que
custearam a hospedagem em hotel da cidade, e quando os mesmos doutorandos se
188 Destacava-se provavelmente nesta sala de música a presença de um piano, o que remete certamente ao gosto pela música. Não sabe ao certo se havia alguém na família que soubesse tocar o refinado instrumento musical, mas existindo ou não, o que importava era a imagem de refinamento e sofisticação que tal instrumento representava, principalmente quando ocorriam festas no Palacete Fróes da Motta. O piano em questão é mencionado como um dos bens móveis no Inventário de Maximiana de Almeida Motta, folha 14V. 189 SIDNEY, 2003, p. 59. 190 Outros detalhes são descritos sobre tais cômodos na mesma edição do Folha do Norte mencionada na nora anterior. Detalhes como o “estilo Luis XV” do salão nobre; ou como o “estilo pêle-mêle” da sala de música; ou ainda do “estilo renascença francesa” da sala de jantar; e por fim, da capela com “seu estilo gótico”.
85
deslocaram em visita à sua casa, foram “carinhosamente recebidos”. E, após
discursos de agradecimentos e elogios, foi “servida uma taça de champagne”.191
O reconhecimento social que Cel. Fróes conquistou ao longo dos anos
não ficou restrito ao recinto do seu palacete. Possivelmente outros acontecimentos,
importantes e triviais, ocorridos na época ocorreram em outros lugares. Um desses
acontecimentos foi, por exemplo a inauguração do bilhar da filarmônica “25 de
Março”. Neste evento corriqueiro da cidade, a figura do Cel. Agostinho Fróes da
Motta aparece com destaque ao ser lembrado pelo presidente da filarmônica, como
sócio a quem cabia “a maior soma do mérito neste tentame,192 pois foi quem o dirigiu
e executou”. E o mesmo presidente, ao declarar inaugurado o bilhar, solicita que o
“coronel Agostinho Fróes fosse ele quem desse a tacada de estreia.”193
Além de todos esses eventos apresentados até então, Agostinho Fróes
da Motta tinha participação em outros. Alguns deles, quando foi convidado a compor
a comissão responsável pela festa de Santana, padroeira da cidade, tanto em
1913;194 como em 1917195; quando foi o primeiro na lista dos juízes na festa de São
Benedito196 ou quando foi paraninfo tanto no casamento da filha de Silvino Ramos,
amigo e companheiro de vereança;197 e como também no batismo de Raul Godilho,
outro amigo.198
Seja quais foram as circunstâncias, seja as festas de aniversário,
celebrações católicas ou outros eventos sociais, nota-se uma presença constante da
pessoa do Cel. Fróes da Motta. A sua riqueza, seguida de sua trajetória política
foram indubitavelmente condições pata Agostinho obter lugar de destaque nos mais
diversos e distintos eventos da cidade. Cooptado por amigos, colegas, apadrinhados
e por outras pessoas em troca de favores? Ou um oportunista que não perdia a
chance de ser o centro das atenções? Com certeza a resposta às duas perguntas
pode ser afirmativa. Agostinho, em determinado momento de sua trajetória de vida,
191 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 446, sábado, 19 de outubro de 1918, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 131]; edição nº 447, sábado, 26 de outubro de 1918, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 135]. 192 Tentame. Ensaio, experiência, prova. 193 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 59, sábado, 27 de novembro de 1910, folha 1. Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 121]. 194 Idem, Ed. nº 154, sábado, 19 de janeiro de 1913, folha 1. A. Digitalizado [P. Arquivo F. do Norte 1913 009]. 195 Idem, Ed. nº 531, sábado, 12 de Junho de 1920, folha 1. A. Digitalizado [P. Arquivo F. do Norte 1917 073]. 196 Idem, Ed. nº 113, sábado, 30 de Março de 1912, folha 1. A. Digitalizado [P. Arquivo F. do Norte 1917 019]. 197 Idem, Ed. nº 157, sábado, 9 de fevereiro de 1913, folha 1. A. Digitalizado [P. Arquivo F. do Norte 1913 021]. 198 Idem, Ed. nº 152, sábado, 4 de janeiro de 1913, folha 1. A. Digitalizado [P. Arquivo F. do Norte 1910 001].
86
tornou-se um figura obrigatória em eventos sociais e, simultaneamente, ele também
se aproveitou de seu prestígio para estar presente – sem muitas restrições – em
ocasiões importantes da cidade e ocupando cargos em diferentes instituições.
As instituições, inclusive, que se beneficiaram da presença e atuação
constantes do Cel. Fróes quando este ainda era vivo, foram também favorecidas por
ele após seu falecimento. Algumas delas foram contempladas no testamento de
Agostinho recebendo valores em dinheiro, variando entre 500$000 a 10:000$000
reis [VER QUADRO 3]
QUADRO 3 VALORES EM DINHEIRO LEGADOS POR AGOSTINHO FRÓES DA MOTTA EM SEU
TESTAMENTO PARA INSTITUIÇÕES DA CIDADE Quantia Destinatário 10:000$000 10:000$000 500$000 500$000 1:000$000 1:000$000
Para o Asilo Nossa Senhora de Lurdes. Para a Santa Casa da Misericórdia. Para a Sociedade Vinte Cinco de Março. Para a Sociedade Phillarmonica Victória. Para o Monte Pio dos Artistas Feirenses. Para a Confraria São Vicente de Paulo.
Fonte: CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1922, Feira de Santana, folhas 2R-4V [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573].
Conclui-se, portanto, acerca do percurso feito por Agostinho Fróes da
Motta no seio da sociedade feirense, que este comerciante astuto e político
experiente soube se beneficiar das vantagens que sua múltipla atuação lhe
proporcionou ao longo de sua trajetória pessoal. Estreitando laços de amizades,
projetando uma imagem de benfeitor e confirmando ainda mais seu prestígio. Se
teve inimigos e desafetos, não resta dúvida, pois é de supor que figuras
proeminentes como o Cel. Fróes fossem alvo de críticas e dissabores. Portanto, com
ou sem desafetos, Agostinho foi um indivíduo que transpôs barreiras que talvez o
impedissem alcançar o relevo social, fruto do seu empenho em diversas atividades
comerciais e sua extensa atuação política, como conselheiro municipal e intendente.
Duas dimensões da trajetória de Agostinho que serão abordadas respectivamente
nos próximos capítulos.
Agostinho Fróes da Motta conseguiu construir e projetar para a sociedade
feirense da época, uma imagem multifacetada que, na medida em que foi criada e
transmitida, permitiu que a sua condição de “homem de cor” e sua possível herança
87
escrava fossem gradativamente “superadas” ou prescindidas pelos seus pares; que
por sua vez, se satisfaziam em manter a amizade com um sujeito tão abastado como
de fato o era. Situação que Agostinho muito provavelmente soube aproveitar a seu
favor. Seja como homem “requintado e generoso”, pelas festas que promovia ou
que era estimulado a promover; seja como “benfeitor”, por conta de suas constantes
doações a instituições sociais e religiosas do município, Agostinho se beneficiou
tanto quanto as pessoas que dele receberam algum favor ou agrado.
Enfim, Agostinho assumiu posturas que eram esperadas para homens
que ocupavam a mesma posição social que ele conquistara após anos de trabalho.
Seja em sua relação familiar ou com a sociedade feirense; seja com seus sócios,
empregados e clientes seja ou com seus correligionários políticos, Agostinho
conseguiu relevar sua condição de “homem de cor”, por conta se fortuna e de suas
posturas muito próximas da dos homens com quem desejava manter laços sociais.
88
– CAPÍTULO II –
OS PASSOS DE UM HOMEM DE NEGÓCIOS:
comerciante e banqueiro
89
Mas para meu julgamento de menino, o norte e o sul, os pontos cardeais do comércio estavam nos armazéns que enumerei de início. Armazém de fumo que já era quase indústria Seu Agostinho, Seu
Epifânio Souza, seu Manuel Portugal, Cel. Álvaro Simões Eurico Alves Boaventura
Em a noite de 16 andante chegou a esta cidade, em trem especial de volta da Europa, o nosso prestigioso amigo e distincto correligionário coronel
Agostinho Fróes da Motta, negociante nesta praça. O illustre recém chegado percorreo, em viagem de recreio, as capitães
mais importantes do velho mundo, trazendo as melhores impressões da Suissa, Alemanha, Itália, França e Inglaterra, em cujas localidades
demorou-se em agradabilíssima visita. Jornal Folha do Norte, edição nº 6, sexta-feira, 22 de outubro de 1909
Pela presente do meu próprio punho, constituo meu bastante procurador n’esta Cidade da Feira e geral o senhor Coronel Agostinho Fróes da Motta, especificamente para requerer o inventário dos
bens deixados por falecimento de meu marido João Galdino de Carvalho Inventário de João Galdino de Carvalho, 1900-1921
...ninguem n’esta cidade ignora, principalmente os que bem conhecem o autor [Agostinho Fróes da Motta], que lhe assim procedeu, não foi exclusivamente por entre as vistas da especulação,
enchergou um seguro de dez contos de reis as quaes sendo por si liquidado, com esta quantia manejaria por algum tempo, tirando disso muito bom resultado.
Ação Sumária, 1906-1907
90
Em mais um dia de dezembro de 1878, na cidade de Feira de Sant’ Anna,
o jovem Agostinho Fróes da Motta, então com 22 anos de idade199, se dirige como
sempre da residência onde mora com sua esposa Maximiana de Almeida Motta e
filha Albertina de Almeida Motta, para a sua firma de comércio recém registrada no
corrente ano na Meretíssima Junta Commercial, e localizada na Rua dos Remédios,
sob o número 28. Neste seu estabelecimento Agostinho se dedicava a comercializar
“molhados, miúdos”, ferragens, gêneros de fumo, café, couros secos e salgados, e
outros tantos produtos200. E, certamente como tantos outros jovens comerciantes
feirenses na época possuía expectativa de enriquecer por meio do seu respectivo
ofício.
Agostinho engrossaria a fileira de comerciantes do ramo atuando na
cidade, pois os produtos que comercializava não correspondiam a gêneros
estranhos ao mercado interno feirense, pelo contrário, já existiam outras casas que
se prestavam ao comercio dos mesmos produtos. As condições que permitiram a
Agostinho obter a propriedade do local para sua firma continuam ocultas, bem como
detalhes mais preciosos de como este indivíduo conseguiu acumular riqueza
“tornando-se mais de quarenta anos depois, um dos, senão o maior e mais
próspero, homem de negócios da cidade comercial de Feira de Santana”.201
Outro elemento que não pode ser esquecido é o fato de Agostinho ser
proprietário de uma escrava de nome Angélica. Tal escrava aparece em três
registros de batismo como mãe de ingênuos nascidos após a Lei do Ventre Livre
(1871). Os registros de batismo em questão datam respectivamente de 1875, 1877 e
1880202. A partir dos dados mencionados se pode concluir que Agostinho aos 19
anos de idade e, provavelmente, antes do seu casamento (1875), já possuía a
referida escrava. Como a obteve, se foi comprando ou sendo presenteado; quando a
libertou, se antes ou por sanção da abolição em 1888, são questionamentos que não
apresentam respostas precisas devido à falta ou a impossibilidade de localização de
documentos comprobatórios sobre a posse ou/e libertação de tal escrava. Mas o que 199 Agostinho nascera em 4 de maio de 1856, portanto tinha 22 anos quando abriu sua firma.. 200 Os dados sobre a referida firma encontram-se na Declaração de Duplicata para registro de firma, In. CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910, Feira de Snatana, [Es. 09 / Cx 237 / doc. 5035], folha 4. 201 REIS, 2008, p. 39. 202 Livro de Registro de Batismo 5b (1871-1881), Secretária do Arcebispado de Feira de Santana, folhas 15V, 24R e 34V.
91
se pode afirmar a respeito disso é que o fato de que o jovem Agostinho,
comerciante, “homem de cor”, era também proprietário de escravo, mais
especificamente, de uma escrava.
Por fim, e para início de reflexão, são essas algumas considerações
preliminares que precisam ser apresentadas antes de prosseguir na análise dos
temas que se seguem.
II. 1 - Trilhando os caminhos de Agostinho no comér cio de Feira
Como se verá adiante, Agostinho empreendeu uma trilha bem
diversificada no comércio feirense, mas não restam dúvidas sobre o fato do
comércio de fumo ter se constituído na atividade econômica que garantiu o seu
ingresso no grosso comércio que já caracterizava a jovem “cidade comercial de
Feira de Santana”, que era oficialmente reconhecida e decretada “pelo governo
imperial em 1873”.203 É possível afirmar que o início da trajetória de Agostinho nas
atividades comerciais se confunde com o crescimento gradativo que o comércio de
Feira de Santana apresentou a partir de 1860204, e que se ampliou
consideravelmente no primeiro quartel do século XX, segundo Aldo Silva.205
Conclusão que outros pesquisadores acabam confirmando quando tomam por base
os mesmos dados. Clóvis Oliveira, por exemplo, acrescenta o quanto tal crescimento
resultou em alterações na demografia da cidade que, por conseguinte, ampliou a
incidência de conflitos sociais entre os cidadãos feirenses. Para Oliveira, “Esses
conflitos ocorrerão em torno dos padrões comportamentais mais ajustados a
realidade comercial da cidade e do choque com as memórias oriundas de um tempo
em que a cidade era pouco mais que um campo do gado.”206. E nessa mesma
perspectiva, há trabalhos, como o de Cleber Morais, apresentando as diversas
razões ligadas ao comércio para a criação da Vila, e posteriormente, da cidade.207 E
203 POPPINO, 1968, p. 238 204 Idem, p. 243. 205 SILVA, 2000, p. 77. 206 OLIVEIRA, 2000, p.32 207 MORAIS, 2007, pp. 35-38.
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o meu monográfico, pontuando especificamente a atuação de Agostinho Fróes da
Motta nesse cenário, com o intuito de visualizar sua fortuna208.
Essa fortuna não foi obtida apenas através do comércio de fumo, mas que
se manteve sempre associada a esta atividade. Como se a imagem de Agostinho
estivesse necessariamente vinculada ao beneficiamento e comércio fumageiros; e
as outras atividades econômicas empreendidas por ele – e também responsáveis
pelo seu enriquecimento – fossem secundárias. Esta imagem é ilustrada por Eurico
Boaventura, quando afirma que.
...para meu julgamento de menino, o norte e o sul, os pontos cardeais do comércio estavam nos armazéns que enumerei de início. Armazém de fumo que já era quase indústria Seu Agostinho, Seu Epifânio Souza, seu Manuel Portugal, Cel. Álvaro Simões.209
Como também por Gastão Sampaio
A firma 210mais progressista e quer tomou projeção, levando a exportação para o mundo inteiro, foi estabelecida pelo Sr. Agostinho Fróes da Motta que, sendo de origem humilde, revelou-se um administrador extraordinário.211
O volumoso comércio de Feira de Santana era composto por diversos
produtos, desde gêneros agrícolas até os diversos tipos de gado. Dentre os gêneros
agrícolas, há um entendimento comum de que o fumo ocupou lugar de destaque. E
estes dois memorialistas reforçam tal ideia quando apontam para o gado e para o
fumo – como os principais produtos que sustentavam a economia da cidade. E mais
uma vez, a partir das palavras deles atestamos esse fato. Gastão Sampaio expõe
que
A cultura de fumo foi bastante fecunda no Município de Feira. O grande movimento econômico concentrou-se em sua sede. Tanto firmas locais
208 REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: comércio, politica e questões raciais na Princesa do sertão (1900-1922), Monografia (Especialização em História da Bahia), Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2008. 209 BOAVENTURA, 2006. p. 77. 210 De fumo. 211 SAMPAIO, 1977, p. 99.
93
como exportadoras instalaram suas agências e filiais de compra em Feira, onde armazenavam para beneficiamento em escalas acentuadas. Este comportamento verificou-se numa semi-insdustrialização em escolhas e enfardamentos, dando trabalho a grande número de operários servidores, sendo, em grande maioria, feito por mulheres. A compra do interior, e o transporte para o armazenamento central, na sede, ocasionavam muita ocupação a trabalhadores e tropeiros, concorrendo para uma melhor economia doméstica.212
E Eurico Boaventura ao descrever que:
Lá na esquina do Campo do Fumo, que, oficialmente, se chamava Praça Gal. Argolo213 e, hoje, Praça Fróes da Motta [...] ficava o armazém de Pedro Lago, frentes à padaria da Fé, de Amadeu Saback, possuído, como bom descendente de judeu, da terrível e obsedante ânsia de enriquecer. 214
Cada um ao seu estilo, os memorialistas expõem que o comércio de fumo
estava devidamente localizado e ambientado no cotidiano da cidade.
Estabelecimentos comerciais que se dedicavam ao comércio desse produto (e
também de outros, secundariamente) havia em quantidade significativa, desse
modo, uma mão-de-obra consideravelmente volumosa era solicitada para atender
uma demanda que crescia. O registro desses dois escritores sobre o que viram e
ouviram de Feira de Santana, na época de infância e mocidade constitui-se em fonte
para os historiadores. O comércio de fumo em Feira de Santana despertara em
figuras como Eurico Alves Boaventura e Gastão Sampaio a curiosidade,
provavelmente pela pujança de sua produção e venda na época em que ambos a
testemunharam, mais precisamente entre o segundo e o terceiro decênio do século.
Poppino descreve que, mesmo antes.
A indústria de fumo era uma atividade importante no município. Emprêsas se fundaram na vila de Feira de Santana, onde os fardos vendidos na feira eram abertos e o fumo selecionado, conforme a qualidades das fôlhas. Estes eram então prensados em fardos ou enrolados. Antes de 1860 todo o
212 SAMPAIO, 1977, p. 99. 213 Consta na documentação referente a Agostinho (o inventário dele, de 1922; e o da esposa, de 1918) o nome General Argolo para a dita praça, que só receberia o nome Fróes da Motta, em sua homenagem, em 1922, por projeto de lei apresentado pelo “conselheiro (vereador) Farmacêutico José Alves Boaventura no Conselho Municipal, no mesmo ano depois do falecimento de Agostinho. (Jornal Folha do Norte, Caderno Especial, Feira de Santana, sexta-feira, 21 de novembro de 2008, p. 03. 214 BOAVENTURA, 2006. p. 75.
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fumo assim preparado saía do município, porque não existiam fábricas nessa área para a manufatura de cigarros.215
Poppino esclarece ainda que o fumo era indubitavelmente o gênero
agrícola de maior relevância para o comércio do município de Feira de Santana no
último quartel do século XIX, e que a “produção e o beneficiamento do fumo sempre
constituíram uma das principais fontes de renda para o governo municipal.216
O cultivo de fumo em Feira de Santana estava inserido num circuito
produtivo e comercial que incorporava desde “os campos arenosos do recôncavo
baiano... [como] em certas propriedades do município de Feira de Santana como
nos distritos de Humildes e São José das Itapororocas”.217 Tal cultura agrícola
remonta a épocas coloniais, como afirma Bert Barickman:
O cultivo comercial do fumo, ou tabaco, começou antes de 1640, e, no início do século XVIII, o fumo baiano já dispunha de mercados consolidados na Europa, Ásia e América do Norte. Além disso, a Bahia praticamente monopolizava o comércio brasileiro de fumo. Os ‘campos da Cachoeira’ e as fazendas e sítios em vilas além dos limites do Recôncavo produziam quase todo o fumo que se exportava para Portugal – talvez até 90% – nos séculos XVII e XVIII, e uma parcela ainda maior nos anos 1796- 1811. 218
A análise de Barickman delimita um recorte temporal que contempla o
período entre 1780 a 1860. O autor afirma ainda que a “Transição para o tabaco em
folha, a difusão da lavoura fumageira e o crescimento de charutos permitiriam que,
nos anos posteriores a 1860, as exportações de fumo recuperassem plenamente
seus níveis anteriores”. 219
As informações apresentadas acima por Barickman sobre a lavoura
fumageira confirmam os dados expostos por Poppino. O que leva a concluir que o
cultivo de fumo em Feira de Santana a partir de 1860 (data limite entre os dois
215 POPPINO, 1968, p. 74. 216 Idem, p. 181. A Ata da Câmara, 1870-1883, reunião de 29 de setembro de 1881, manuscritos do Arquivo Municipal de Feira de Santana, que serviram de base para as conclusões de Poppino, não foram encontrados atualmente para confirmar esta afirmação de Poppino. Restando-se apenas firmar a sua veracidade a partir das possibilidade reais do fumo ter sido valorizado tal como Poppino apresenta. O que de fato muito indica ser autêntico. 217 REIS, 2008, p. 37. 218 BARICKMAN, 2003, pp. 63-64. 219 Idem, p. 70.
95
autores), sendo marco final para Barickman e marco inicial para Poppino – alcançou
níveis elevados de produção, comércio e consumo interno e internacional nas
décadas seguintes dos séculos XIX e XX. Para Francenberg Reis, a “produção do
fumo na região de Feira de Santana contribuía, em parte, para a manutenção do
mercado local em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX.”220. Sobre
essa mesma conclusão, Cleber Morais ratifica que “embora já não tivesse a
importância que tinha antes de 1850, a produção de fumo em Feira de Santana
continuou representando uma grande fonte de energia para o município ao do
século XX”221.
O período limite de Poppino e Barickman, mencionado anteriormente,
coincide com o período em que Agostinho inicia sua trajetória comercial, ou seja, em
1878. Segundo Oscar Damião de Almeida, Agostinho chegou a Feira de Santana
ainda jovem, sem muita experiência para residir na casa de um “casal português,
proprietário de um armazém”222. Adquirindo prática nas s comerciais até obter
autonomia inicia individualmente seu próprio comércio. Supõe-se que possivelmente
entre os 15 e 22 anos de idade Agostinho tenha trabalhado para esse casal
português. Este jovem comerciante atuou no ramo fumageiro, simultaneamente a
outros produtos – e, como tantos outros comerciantes conterrâneos, experimentou o
período o de crescimento e valorização desse produto no mercado interno e externo.
Justamente quatro décadas depois (1878 e 1918) – este último ano o da abertura do
inventário de D. Maximiana de Almeida Motta, sua esposa - Agostinho, já era
comerciante afortunado, e ainda envolvido no comércio fumageiro.
Quando, em 1878, decidiu montar um estabelecimento comercial na
cidade, Agostinho certamente não hesitou em instalá-lo próximo ao “campo do fumo”
mencionado por Eurico Boaventura. A rua dos remédios permitia o acesso ao dito
campo, portanto o imóvel de número 28 localizado nesta rua pode ter sio
estrategicamente escolhido para abrigar sua primeira firma.
Anos depois, Agostinho não se dando por satisfeito, obtém um terreno ao
lado ao “campo do fumo” e, após retornar de viagem feita à Europa no início do
Século XX, decidiu construir uma imponente residência. É relevante salientar ainda
220 REIS, 2010, p. 39. 221 MORAES, 2007, p. 63. 222 ALMEIDA, 2000, p. 28.
96
que, a Praça General Argolo [VER FIGURA 11], atualmente denominada Fróes da
Motta, segundo Eurico Alves, perdera a poesia que envolvia e carregava os
“topônimos das nossas ruas, dos nossos logradouros”.223 Para esse escritor a
referida poesia desaparecera devido às mudanças oficiais que o poder público
atribuía aos espaços da cidade, como o que ocorreu com a Praça General Argolo,
que era chamada de “campo de fumo”. Para Eurico Alves o antigo nome “Campo do
fumo” ou “Largo do fumo” era provavelmente mais significativo porque evocava
justamente ao costume de beneficiar, vender e comprar fumo no local, enfim, uma
autêntica tradição. Conforme a edição especial do Jornal Folha do Norte, a praça
tinha essa denominação.
“Devido aos armazéns construídos para o beneficiamento de fumo, entremeando as residências, o local passou a ser chamado de largo do fumo, porque os lavradores que vinham da zona rural faziam exposição de fardos de tabaco em folhas, em quase toda a extensão, já que ali dispunham de mais liberdade para aquele tipo de comércio, naquela época o produto básico da região”; enfim, uma autêntica tradição.224
Considerando que tal tradição certamente continuasse ocorrendo na
época em que Agostinho já atuava como comerciante, independentemente das
mudanças de ordem pública que sempre acompanham as alterações dos nomes da
praça, modificando a intensidade ou freqüência de tal costume é fácil concluir que o
mesmo se beneficiou bastante com o tratamento dado ao fumo nessa localidade do
município, onde oportuna e convenientemente se encontrava sua residência.
Portanto, para Agostinho não bastava obviamente ficar restrito à rua dos
Remédios, mas também em manter-se próximo – ou melhor, às portas de casa – do
local onde se encontrava o comércio de fumo em Feira de Santana. Tal atitude
revela inicialmente a importância que o comércio de fumo teve na vida de Agostinho
durante os quase vinte e cinco anos entre a instalação de sua primeira firma e a
construção de sua casa (1878-1903). Mas aponta também para uma nítida
estratégia de Agostinho em estabelecer a si próprio – através de sua residência –
como um ponto de referência para o comércio fumageiro da cidade. Como um bom
comerciante, Agostinho soube favorecer a própria imagem e, consequentemente, os
seus negócios. 223 BOAVENTURA, 2006, p. 75. 224 Jornal Folha do Norte, Caderno Especial, Feira de Santana, sexta-feira, 21 de Novembro 2008, p. 3.
97
E ainda sobre esta atividade fumageira, é necessário informar que
Agostinho montou e instalou outros estabelecimentos comerciais ao longo de sua
trajetória como comerciante, acumulando experiência suficiente, inspirando Gastão
Sampaio afirmar que “Agostinho deixou, no comércio local, uma escola de negócios
de fumo seguida, até hoje, pelos seus sucessores.”225Na minha pesquisa, além da
citada firma à rua dos Remédios, identifiquei mais quatro firmas. Uma em sociedade
com o filho Eduardo, outra legada aos filhos Eduardo e Arthur; e duas em sociedade
com o Sr. Epiphanio José de Souza.
A firma na qual Eduardo e Arthur se tornaram co-proprietários foi
transmitida aos dois na partilha dos bens no inventário da mãe Dona Maximiana, em
1919.226 No mesmo ano, Agostinho e Eduardo se tornaram sócios na firma
Agostinho Fróes da Motta & Filho, onde cada um aplicou a quantia de 200:000$000
de reis para montar o capital inicial nesta firma, que estava organizada para
225 SAMPAIO, 1977, p. 99. 226 CEDOC, Cíveis, Inventário de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 240, Documento 5094], folhas 215-218.
FIGURA 12 ANTIGA PRAÇA GENERAL ARGOLO HOJE PRAÇA FRÓES DA MOT TA.
DÉCADA DE 20
Fonte: Fonte: Raimundo Gama, Memória Fotográfica de Feira de Santana, p. 26. (Arquivo Helnando Simões)
98
“compra, venda e exportação, tanto por conta própria como de comissão de todos os
gêneros do país”.227
Sobre as outras duas firmas, agora em sociedade com Epiphanio Souza,
existem diversas informações que possibilitam uma compreensão mais ampla sobre
a atividade comercial de Agostinho. A princípio, não foi possível estabelecer a data
exata da criação da primeira firma – a Agostinho Fróes da Motta & Cia – mas que
ela já existia desde 1908, pois em nota promissória de dezembro do tido ano foi
registrado um empréstimo feito por esta firma.228 Além dessa data, a única
informação precisa sobre esta firma diz respeito à sua dissolução em 1910.229 No
entanto, o fechamento dessa firma ocorreu porque os dois sócios decidiram montar
uma outra firma novamente em sociedade, substituindo a primeira. De forma que no
ano seguinte, surgia então, a Motta & Souza que, por sua vez, foi dissolvida quase
dez anos mais tarde, em dezembro de 1919.230 Segundo Gastão Sampaio, depois
de estabelecer esta firma, os sócios a transferiram para Salvador.231 Na verdade, a
Motta & Souza possuía duas casas, uma sede em Feira de Santana e uma filial em
Salvador. É provável que as duas casas já existissem sob a razão social antiga, pois
Epiphanio mantinha um ritmo de viagens a Salvador, como se verá mais adiante.
Como foi pontuado antes, esta sociedade entre Agostinho e Epiphanio
apresenta aspectos que merecem destaque. Antes de tudo, é certo que os dois não
tenham mantido apenas uma relação de sócios, mas também de amigos, talvez a
amizade já existisse antes da formação da dita sociedade. Isso pode ser confirmado
pela confiança que Agostinho depositava em Epiphanio, como na ocasião em que
este acompanhou o jovem Eduardo a Maceió para prestar os exames finais do
ginásio, em 1906. Inclusive, na carta que Agostinho endereça ao filho Eduardo
informando que Epiphanio o acompanharia até Maceió, fica nítida a confiança dele
no amigo, ao afirmar para Eduardo que aquele iria como se o próprio Agostinho
fosse, e que Eduardo teria “que cumprir o que ele ordenar” [VER ANEXO D].232
227 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Contrato de Sociedade Mercantil, Feira de Santana, 1919, folha 1. 228 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Notas e recibos. 229 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 67, sábado, 29 de Janeiro de 1910, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 014]. 230 Idem, edição nº 537, sábado, 24 de Julho de 1920, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 094]. 231 SAMPAIO, 1977, p. 99. 232 Tal episódio já foi abordado no Capítulo I (pp. 57-58).
99
Nesta mesma carta também fica claro que o próprio Eduardo havia solicitado a
companhia de Epiphanio a Maceió, pedido que foi condicionalmente atendido por
Agostinho.
Em outras cartas de Agostinho para Eduardo, surgem indícios da
intimidade que Epiphanio possuía com a família Fróes. Em carta de janeiro de 1906,
Agostinho reclama o filho que não envia noticias diretas para ele, a não ser por carta
enviada para Epiphanio. Ao menos nesta carta, percebe-se que por motivos
pessoais, o jovem Eduardo preferiu escrever para Epiphanio do que para o pai.
[VER ANEXO B]. Essa intimidade se estendia também a outros membros da família,
como a Dona Maximiana. Na redação do seu testamento, Maximiana indica o nome
de Epiphanio como terceiro testamenteiro.233 E o mesmo foi feito por Agostinho em
seu testamento, ao indicar o amigo como segundo testamenteiro.234
Antes de retornar a discussão sobre as duas firmas em questão, é
necessário esclarecer mais alguns aspectos sobre Epiphanio. Segundo Gastão
Sampaio, Epiphanio era “negociante de Cachoeira”, o que é confirmado nas já
citadas cartas de Agostinho para Eduardo, pois em algumas ocasiões, parece que
Eduardo ficava hospedado na casa de Epiphanio quando vinha de trem de Salvador
para Feira de Santana. Além disso, este memorialista afirma que existia certa
semelhança com Agostinho; pois, como este, “procedia de vida modesta”235;
recebera também patentes da antiga Guarda Nacional, como ficou registrado
quando em dezembro de 1916 deixara de ser Tenente-coronel e assumiria o cargo
de “coronel comandante da 32ª brigada da cavalaria, na comarca da Nazareth”236; e
também fizera viagem para Europa, em 1912, conforme parecia ser habitual entre
abastados da cidade.237
Epiphanio, embora fosse de Cachoeira e morasse na mesma, tinha
residência em Feira de Santana [VER FIGURA 13] e gozava de notoriedade e
prestígio na cidade, fato que pode ser verificado na nota de parabenização que os
233CEDOC, Cíveis, Testamento de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2569], folha 2R. 234 CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1922, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573], folha 2R. 235 SAMPAIO, 1977, p. 99 236 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 360, sábado, 3 de Fevereiro de 1917, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 013]. 237 Idem, edição nº 145, sábado, 6 de Novembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 177].
100
editores do Jornal Folha do Norte lhe dedicaram por ocasião de seu aniversário de
vida.
De intimo jubilo para o sr. Cel. Epiphanio José de Souza foi a gloriosa data de hontem, que é o dia do seu anniversário natalício, dando motivo a que s. s. recebesse, do grande numero de amigos e admiradores que possui, amistosos cumprimentos O sr. Cel. Epiphanio de Souza, que é figura de destaque no alto commercio do paiz e gosa de muito apreço nesta cidade, é um cidadão benemérito [...] e possuidor de um coração bemfasejo. Nós, que o temos como um dos nossos melhores amigos fazemos ardentes votos pela sua felicidade, acompanhados de parabéns cordialíssimos. 238
Além da origem modesta, das patentes na Guarda Nacional, da atuação
no comércio e do prestígio alcançado em Feira de Santana, Epiphanio José de
Souza também era um “homem de cor”, como se pode observar na Figura Z. Este
último elemento comum com Agostinho traz à tona algumas hipóteses. As
possibilidades de ascensão social que o comércio – especificamente o fumageiro –
oferecia a indivíduos como Agostinho e Epiphanio. Obviamente que, se tratando
apenas de dois “homens de cor” inseridos num universo maior da população negra e
mestiça que atuava na fumicultura da região, pode parecer pouco; mas, é possível
visualizar a ponta do iceberg, se considerarmos quantas pessoas – negras e
mestiças – estavam envolvidas direta e indiretamente nesta atividade comercial,
desde o plantio, colheita, beneficiamento e comercialização. Agostinho e Epiphanio
seriam dois exemplos plausíveis de sujeitos mestiços que, em suas respectivas
trajetórias de vida, estiveram vinculados ao cultivo de fumo na região dos Campos
de Cachoeira e de Feira de Santana. E que, em determinado momento de suas
vidas, não se sabe quando exatamente, tornaram-se amigos e sócios numa
empresa que explorava não só o fumo, como outros gêneros e produtos para
exportação. E além dos dois é possível mencionar a figura de Francisco Dias Coelho
que – assim como Agostinho e Epiphanio – também era “homem de cor” e fez
fortuna através do comércio, não de fumo, mas de diamante e carbonato.239
238 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 579, sábado, 14 de Maio de 1921, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 017]. 239 SAMPAIO, 2009.
101
FIGURA 13
CEL. EPIPHANIO JOSÉ DE SOUZA
Fonte: BSMG, Jornal Folha do Norte, ed. 579, de folha 1. olha do Norte, nº 579, p. 1.
FIGURA 14 RESIDÊNCIA DO CEL. EPIPHANIO SOUZA
(Arquivo Antonio Carlos S. Marques) Fonte: Raimundo Gama, Memória Fotográfica de Feira de Santana, p. 82.
102
Quando a firma Agostinho Fróes da Motta & Cia foi dissolvida e
substituída pela firma Motta & Souza, nota-se que nesta firma sobrenome de
Epiphanio já aparece, revelando certamente que este sócio obteve proeminência na
antiga firma e, amigavelmente, tenha decidido com Agostinho pelo que consideram
justo; ou seja, a inclusão do sobrenome Souza na “razão social” da firma e, em
seguida constituírem outra. Provavelmente houve méritos na atuação de Epiphanio
que, por sua vez, reconhecidos por Agostinho, permitiram-lhe galgar maior
participação na sociedade. Mas que méritos teve Epiphanio, além da amizade que já
possuía com Agostinho? Empenho, tino para os negócios...? Provavelmente que
sim.
Estes méritos e outras qualidades com certeza acompanharam e
beneficiaram Epiphanio não apenas em sua sociedade com Agostinho, mas também
em outras situações, como a já mencionada concessão da patente de coronel.
Dessa forma, com méritos reconhecidos a partir de primeiro de janeiro de 1920, Cel.
Epiphanio assumiu o controle exclusivo da firma Motta & Souza, por conta da saída
do Cel. Agostinho da dita sociedade.240 As razões para o fim da sociedade não
foram registradas na nota publicada no Jornal Folha do Norte, mas tudo indica que
não houve desentendimento ou desacordo algum com Epiphanio; pois o próprio
Agostinho não deixou de tratá-lo como amigo, quando assim o designou ao nomeá-
lo – em agosto de 1920 – seu segundo testamenteiro.241
Enfim, sobre a firma Motta & Souza, ainda resta muitas informações
relevantes. Um primeiro aspecto diz respeito aos tipos de produtos que esta
empresa comercializava. Quando foi criada, os dois sócios declararam que a firma
exploraria “gêneros do país para exportação, exceção de fumo em
folhas”.242Possivelmente, dentre os gêneros explorados, o fumo exportado era
destinado em corda, e talvez beneficiado na condição de charutos. O segundo
aspecto se refere à filial dessa firma, localizada em Salvador, cuja existência se
240 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 537, sábado, 24 de Julho de 1920, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 094]. 241 CEDOC, Cíveis, Testamento de Agostinho Fróes da Motta, 1922, Feira de Santana, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573], folha 2R. 242 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 67, sábado, 29 de Janeiro de 1910, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 014].
103
remete à época em que a razão social ainda era Agostinho Fróes da Motta & Cia.243
Chega-se a esta conclusão por conta – mais uma vez – das cartas de Agostinho
para Eduardo. Nelas o Epiphanio é lembrado como uma pessoa que mantinha
contato com Eduardo em Salvador; geralmente se servindo como intermediário entre
o pai e o filho, atendendo às necessidades e favores domésticos. Um último
aspecto, corresponde as outras atividades realizadas por esta firma,
especificamente atividades financeiras, que merecem uma discussão mais
detalhada, como se verá a seguir.
Numa minuta de balanço [VER ANEXO M] dessa firma, publicada por
Epiphanio em junho de 1920, são registrados vários dados que mostram
movimentação de valores provenientes de atividade realizadas entre 1918 e 1920.
Entre tais atividades são identificadas as seguintes atividades: o comércio de couros
salgados, de algodão, café e do próprio fumo; movimentações bancárias, como
saldo de contas correntes de pessoas físicas e de empresas, entre as quais firmas
de exportação; negócios com bancos, como o London River Plate Bank ou
Brasilianische Bank Für Deutschland, no qual Agostinho mantinha uma conta
corrente. Essa conta, inclusive, se torna um indício que reforça e evidencia as
relações que Agostinho estabelecia com a Alemanha, país que visitara pelo menos
em duas ocasiões. Movimentar os lançamentos de capital oriundos de transações de
exportação com aquele país seria uma das razões para abrir tal conta corrente numa
filial desse banco alemão, muito provavelmente localizado em Salvador. Nesta conta
corrente são registradas movimentações financeiras, em sua maioria lançamento de
cheques e alguns registros pagamentos e recibos, todas ocorridas entre 27 de Julho
de 1910 e 30 de Junho de 1916. 244
Além dessas atividades bancárias, é registrado na dita minuta de balanço,
o lucro de Agostinho obtido com juros pela sua parte na sociedade ou por conta
corrente que possuía na firma.245 Evidencia-se, portanto, que a Motta & Souza não
restringia suas atividades somente no comércio de exportação; e da mesma forma, o
próprio Agostinho também não se limitou a um único ofício. Uma dessas atividades,
243 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 537, sábado, 24 de Julho de 1920, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 094]. 244 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Conta Corrente de Agostinho Fróes da Motta, 60 pp. 245 CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Minuta de Balanço, 4 folhas. Esta minuta não está concluída, pois a partir da quarta folha há a indicação de continuidade dos dados.
104
com a qual Agostinho se ocupava foi a de efetuar empréstimos à juros, que já
praticava ainda no século XIX, pois conforme recibos e notas promissórias
localizadas por mim, indicam que Agostinho atuava neste ramo de negócios desde
1886, e continuou durante as décadas seguintes, haja visto que a nota promissória
mais recente datava de 1908, [VER QUADRO 4].
QUADRO 4 RECIBOS E NOTAS PROMISSÓRIAS DE AGOSTI NHO FRÓES DA MOTTA Nº Documento Data Valor
1 Nota Promissória 2 de Dezembro de 1886 114$094
2 Nota Promissória 7 de Novembro de 1887 180$440
3 Recibo 20 de Agosto de 1901 141$500
4 Recibo 19 de Agosto de 1907 100$000
5 Nota Promissória 31 de Agosto de 1908 307$000
6 Recibo 10 de Dezembro de 1908 286$000
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, doc. Agostinho Fróes da Motta, Notas Promissórias e recibos de Agostinho Fróes da Motta.246
Nas notas promissórias mais antigas o empréstimo foi solicitado à pessoa
física de Agostinho, enquanto na última, o empréstimo foi feito junto à firma
Agostinho Fróes da Motta & Cia. Este dado revela a principio dois aspectos:
primeiro, que a usura praticada por Agostinho se estendeu ou foi acrescentada às
atividades já executadas por esta firma; e segundo, que depois da substituição desta
firma pela Motta & Souza, tal atividade permaneceu em exercício na nova firma.
Nas notas promissórias são cobrados aos solicitantes juros de um a dois por cento
ao mês até o reembolso do valor emprestado, conforme as normas que regulavam
esse tipo de transação econômica. Já nos recibos, todos os empréstimos são
solicitados também para a pessoa física de Agostinho, e não aparece o percentual
em juros; o que não significa necessariamente que não fossem cobrados, pelo
menos não como nas promissórias, cujo texto padrão estabelecia espaço para
registrar o juros a serem cobrados.
Enfim, não restam dúvidas de que Agostinho soube explorar as
possiblidades de obtenção de lucros e de enriquecimento através de empréstimos a
juros, prática comum na época; e que, portanto, não era estranha nem imprevisível 246 As Notas promissórias e Recibos podem ser conferidas no Anexo N.
105
que fosse praticada por Agostinho. É claro que estimativas mais completas sobre o
volume de capital levantado por Agostinho só seriam estipuladas com precisão, caso
fossem encontradas uma quantidade maior de notas promissórias e recibos.
Provavelmente valores bem mais vultosos seriam encontrados. Contudo, mesmo
sendo uma amostragem reduzida, os seis documentos acima [Quadro 4] nos
fornecem pistas eloquentes sobre este ofício praticado por Agostinho.
Outra atividade, não muito distante da abordada acima, foi a
administração de companhias de seguros de vida. Tal empreendimento pode ser
confirmado na nota publicada no Jornal Folha do Norte informando o seguinte aviso.
Agostinho Fróes da Motta, na qualidade de banqueiro de diversas companhias de seguros de vida, faz ciente aos senhores segurados que os recibos devem ser pagos no dia do vencimento, em seu escritório, visto não lhe assistir obrigação de os mandar cobrar.247
Além das companhias ou agências de seguros de vida, Agostinho
também se dedicava na compra e venda de gado, cujo montante – registrado em
seu inventário – ultrapassou o volume de mil animais (bovino, equino, e outros)
declarados no inventário de sua esposa Maximiana.248 E a partir do inventário de
Agostinho, chega-se a apontar para uma última atividade, o aluguel de casas.
Encontrei, neste inventário, listas de aluguéis recebidos entre os meses de março de
1923 e fevereiro de 1924, informando um volume variável de 17 a 31 imóveis, entre
um mês e outro. Neste período, o valor alcançado por conta desses aluguéis,
somado aos valores totais de cada lista, atingiu a estimativa monetária de mais de
oito contos de reis (8:000$000).249 Mesmo que tais listas indiquem aluguéis
recebidos após sua morte, é possível supor que, em vida, Agostinho tenha obtido
lucros próximos do valor mencionado acima.
247 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 119, sábado, 19 de Maio de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 073]. 248 REIS, 2008, p. 46. 249 CEDOC, Cíveis, Inventário de Agostinho Fróes da Motta, (3º volume), 1922-1924, Feira de Santana, [Estnte , Caixa , Documento ], folhas 186-190; 250-256.
106
II. 2 – Tino para os negócios
Após a análise sobre as diversas atividades empreendidas por Agostinho
Fróes da Motta, se pode concluir, sem risco de cometer equívocos, que ele adquiriu
e aprimorou experiência suficiente para se tornar um astuto e talentoso homem de
negócios e comerciante na cidade de Feira de Santana. Por isso é que se faz
necessário identificar detalhadamente algumas estratégias utilizadas por Agostinho
para garantir o efeito esperado de seus investimentos.
Em pelo menos três situações diferentes Agostinho mostrou habilidade
para administrar os seus negócios e lograr que seus interesses – segundo ele,
direitos – fossem atendidos e confirmados, legal e judicialmente. As três situações
em questão são descritas em quatro processos cíveis nos quais o nome de
Agostinho é citado. Os três momentos, analisados em ordem cronológica, trazem a
tona elementos e aspectos que ilustram o tino de Agostinho para os negócios.
II. 2. 1 – “É o olho do dono que engorda o gado”
O primeiro caso se refere a uma ação de verificação de contas movida por
Agostinho contra Augusto Ferreira de Oliveira.250 Neste processo, aberto em 14 de
setembro de 1904 251o Agostinho informa que Augusto Ferreira de Oliveira – de
agora em diante “réu” – por lhe dever a quantia de trezentos e vinte e oito mil e
oitocentos réis (328$800) referente à compra de ”mercadorias que lhe tem
comprado, como prova com a Conta Corrente junta”252, decide acionar a Justiça
para efetuar a verificação da conta mencionada a fim de provar suas razões. O réu
chega a apresentar uma apelação declarando que diante da “ação de assignação de
10 dias” movida contra si por Agostinho Fróes da Motta,
para cobrar-se da quantia de trezentos e vinte e oito mil e oitocentos juros e custas, cuja quantia o suplicante não dispunha nesta ocasião para o referido pagamento e provando prejuízo para os seus filhos menores em número de dez, vem requerer a V. S. que se digne mandar a isenção antes
250 CEDOC, Cíveis, Ação Executiva de Verificação de Contas (Agostinho F. da Motta/ Augusto F. de Oliveira , 1904, Feira de Santana, (Acervo do [Estante 11, Caixa 293, Documento 6463], 23 folhas. 251 Idem, folha 2. 252 A Conta Corrente nesse processo se refere ao recibo discriminando os tipos e a quantidade de mercadorias, bem como o valor das mesmas e valor total do recibo. In, Idem, folha 5.
107
de condenação proceder o arrolamento dos pequenos bens deixados por sua mulher Maria Laudelina de Oliveira, falecida em Novembro de 1896, cujo inventário deixou de fazer por motivos alheios a sua vontade.253
A verificação de contas propriamente dita foi realizada sete dias depois de
sua abertura, sem a presença e o consentimento do réu-devedor, estando presentes
apenas o juiz, o escrivão, dois peritos profissionais e o próprio Agostinho, e foi
lavrada judicialmente após exame feito pelos peritos, atestando que não havia
dúvida da validade das parcelas descritas na referida conta. Esse processo foi
rapidamente encaminhado e concluído, pois no dia dezenove de outubro o juiz
proferiu a seguinte sentença: “julgo procedente a ação proposta e condeno o reo
Augusto Ferreira de Oliveira a pagar ao autor Agostinho Fróes da Motta a quantia de
trezentos e vinte e oito mil e oito centos reis e custas na forma da lei.”254
Nesse processo não aparece nenhuma outra defesa por parte do réu-
devedor Augusto Ferreira de Oliveira, que porventura poderia servir para analisar
outras possíveis versões para os fatos que levaram a produção da ação executiva.
Dessa forma, todo o processo parece não deixar oportunidade para o réu s
defender. Provavelmente porque era realmente devedor da quantia cobrada por
Fróes da Motta, e mesmo que tivesse condições de contratar os serviços de um
advogado – o que aparentemente não tinha e não fez – haja vista a circunstância em
que se encontrava: viúvo há oito anos e com dez filhos menores para criar.
Essa circunstância sugere a seguinte situação: Augusto Ferreira de
Oliveira diante da emergência de sustentar e manter seus filhos efetuou compras de
mantimentos, como “fio de vella, fio de algodam, enxofre, cigarros, assucar de 1ª,
kilos de carne, phosphoros, manteiga, sal, arroz” entre outros produtos255; entre os
dias 8, 23 e 27 de dezembro de 1903, no Grande Armazém – Molhados, Miudezas e
Drogas, localizado na Rua dos Remédios sob o número 28, propriedade de
Agostinho Fróes da Motta. E na alegada impossibilidade de pagar no “prazo de 60
dias” e com a cobrança de “um por cento ao mês” indicado na Conta Corrente,
253 CEDOC, Cíveis, Ação Executiva de Verificação de Contas (Agostinho F. da Motta/ Augusto F. de Oliveira , 1904, Feira de Santana, (Acervo do [Estante 11, Caixa 293, Documento 6463], folha 3. 254 Idem, folha 23. 255 Idem, folha 5.
108
acabou por acumular uma dívida acrescida de juros cobrada judicialmente sete
meses depois.
Sobre o comerciante Agostinho é possível atestar, a partir desse caso,
que não abria mão de garantir os lucros previstos em seus negócios. Se ele
praticava a filantropia, doando mantimentos a pessoas que a ele recorriam ou
abonando compras feitas por pessoas que não puderam pagá-las por falta de
condições financeiras – como o caso de Augusto Ferreira de Oliveira –, não se tem
conhecimento de registros que testemunhem tal fato. O que fica evidente no
processo civil acima discutido é que Agostinho não media esforços, nem meios para
assegurar seus rendimentos, não importando quem fosse o devedor e em que
situação financeira se encontrasse. Enfim, este exímio negociante reconhecia bem o
valor de suas transações, e pelo zelo que dispensava às mesmas, antevia os lucros
que obtinha. Tal como o dono do gado, que o engorda só com o olhar.
II. 2. 2 - “Cada um é o obreiro da própria fortuna.”
O segundo caso diz a uma Ação Sumária aberta por Agostinho contra D.
Cantianilla Simões de Carvalho no dia 25 de maio de 1906, na qual o autor alega
que a ré lhe devia a quantia de trezentos e noventa mil e setecentos e doze réis
(390$712), decorrentes de transações [VER QUADROS 6 e 7] que tinha com a
mesma e que ocorreram entre agosto de 1900 e setembro de 1904. Tais transações
correspondem a possíveis empréstimos que D. Cantianilla solicitados a Agostinho
para pagamento de credores dela, assim como outras despesas de serviços
prestados para a mesma, e que na medida em que D. Cantianilla foi pagando a
Agostinho, abateu-se o crédito e permaneceu o saldo devedor correspondente à
quantia acima mencionada.
No entanto, antes de prosseguir na análise desse processo é importante
ressaltar que simultaneamente ao mesmo, ocorria também o levantamento do
inventário de João Galdino de Carvalho, falecido em 24 de junho de 1900, esposo
de D. Cantianilla. A relação de Agostinho com D. Cantianilla é bem anterior à Ação
Sumária movida contra ela, e se deu a partir do falecimento de seu marido, seguida
da execução do inventário do mesmo. Essa relação fica evidente na procuração
109
documentada pela própria Cantianilla no dia 16 de outubro de 1900, seis anos antes
da ação sumária.
Pela presente do meu próprio punho, constituo meu bastante procurador n’esta Cidade da Feira e geral o senhor Coronel Agostinho Fróes da Motta, especificamente para requerer o inventário dos bens deixados por falecimento de meu marido João Galdino de Carvalho, prestar o competente juramento, dar os precisos esclarecimentos, receber citação e finalmente assignar todos os termos do referido inventário e partilha até final, podendo também aceitar dívidas e reconhcê-las, o que tudo dou por firme e valioso podendo substabelecer esta em outros procuradores revogá-los querendo. (1900-1921, folha 8)256
O que se pretende a seguir é analisar como Agostinho conseguiu alcançar
seus objetivos e ter seus interesses atendidos a partir do cruzamento de dados
desses dois processos: a Ação Sumária (1906-1907) e o Inventário (1900-1921).
Logo no inventário depara-se com Agostinho assumindo a função de
inventariante por procuração da viúva D. Cantianilla, como se vê acima. É possível
que a condição de credor do casal tenha garantido provavelmente a prerrogativa de
inventariar os bens deixados por João Galdino de Carvalho, principalmente porque
logo após a conclusão do inventário, o pagamento de seus créditos estava
resguardado. Outro critério que pode servir para justificar a ocupação da função de
inventariante seria o fato de Agostinho ser uma pessoa idônea e também experiente
em assuntos relacionados com bens, propriedades e negócios. Entretanto, a
primeira hipótese, sustentada na sua condição de credor do casal nos parece ser
mais plausível e aceitável.
Como credor Agostinho alegava que D. Cantianilla lhe era devedora da
quantia de dois contos seiscentos e quarenta e um mil e quinhentos e trinta réis
(2:640$530). Para que seu crédito fosse atendido na partilha dos bens após a
conclusão do inventário de João Galdino de Carvalho, o Cel. Fróes da Motta
apresentou uma petição no dia 6 de dezembro de 1900257 na qual solicita que seja
juntada aos autos do inventário a Conta Corrente258. D. Cantianilla reconhece,
concorda e subscreve na mesma petição. Para ilustrar e visualizar o conteúdo dessa
Conta Corrente (ver QUADRO 5). 256 CEDOC, Cíveis, Inventário de João Galdino de Carvalho, 1900-1921, Feira de Santana, [Estante 4, Caixa 107, Documento 1385], folha 8. 257 Idem, folha 42. 258 Idem, folha 43.
110
Sobre essa conta é necessário informar ainda que o período de sua
produção (entre 2 e 12 de junho de 1900) foi anterior ao período da outra conta
corrente (QUADROS 6 e 7), apresentada também por Agostinho na Ação Sumária
já citada anteriormente. Nesta ação sumária, inclusive, não se faz referência à conta
corrente do inventário, mas entre as duas contas existem elementos comuns. Nome
de pessoas que se repetem em ambas as contas, como por exemplo, Antonio
Nepomuceno e Aristides Olympio d’Oliveira. Este último, negociante, da cidade de
Coração de Maria, foi indicado por Agostinho como terceira testemunha na Ação
Sumária259, embora seu testemunho não tenha sido tomado. A presença desse
indivíduo pode acenar para um círculo de relações sociais estabelecidas por
Agostinho com o possível intuito de manter seus interesses garantidos.
QUADRO 5 CONTA CORRENTE DE JOÃO GALDINO DE CARVALH O
Fonte: CEDOC/UEFS, Cíveis, Inventário de João Galdino de Carvalho, 1900-1921, Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 49.
259 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 15.
GRANDE ARMAZEM Molhados, Miudezas e Drogas Feira de Sant’ Anna, 30 de Outubro de 1900 O Snr. __João Galdino de Carvalho______ a Agostinho Fróes da Motta deve a prazo de _______ __ e na falta o premio de _________ ao mez 1900
Junho 2 Importância por ajuste de conta nesta 458$410 data ” 7 Idem paga a Sebastião Diaz da Rocha conforme recibo 141$900 ” 8 Idem que mandou entregar a Antonio Nepomuceno 34$400 ” ” Idem que mandou entregar a Aristides Olympio d’Oliveira 506$820 ” 12 Idem que buscar por seu filho 200$000 ” ” Dinheiro que ordenou, quando seguio para a Bahia, pagar a João Pedro 1:300$000 2:183$120 2:641$530
GENEROS
Alimentícios de Todos as
qualidades
RUA dos Remédios n. 28
Preços commodos
COMPLETO
Sortimento de Molhados,
miudezas e Drogas
******* Vende-se
por atacado e a retalho
111
QUADRO 6 CONTA CORRENTE DE CANTIANILLA SIMÕES DE CARVALHO
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho , Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folhas 5R-5V.
Feira de Sant’ Anna, 27 de Abril de 1906 À Snrª D. Cantianilla Simões de Carvalho a Agostinho Fróes da Motta. Deve
1900 Débito Ago. 27 Importância da conta de seu marido entregue na data 458,410 ” ” Pago por sua conta a Sebastião Dias da Costa 141,900 ” ” Idem a Antonio Nepomuceno Rribeiro 34,400 ” ” Idem a Aristides Olympio de Oliveira 79,200 ” ” Idem a seu filho por despesas de funeral 200,000 ” ” Dinheiro que tomou p/ despesas c/ sua obra 427,620 1:341,530 Juros de 1% ao mez 2040 dias 912,220 1901Maio 6 Pago a Sabino Fiúza despesas com inventário 75.000 ” ” Idem Anibal Borges despesas com inventário 35,400 ” ” Idem [ilegível ] 60,000 170,400 Juros de 1% ao mez 1791 dias 101,720 ” 13 Dinheiro por seu filho 200,000 Juros de 1% ao mez 1784 dias 118,930 Jun. 18 Dinheiro por seu filho 100,000 Juros de 1% ao mez 1739 dias 61,300 Jul. 27 Dinheiro por seu filho 200,000 Juros de 1% ao mez 1710 dias 114,000 Ago. 15 Dinheiro [...] a Colletoria por despesas do Juiz 5:000,000 ” ” Idem Anibal Borges para juntar aos autos 15,000 5:015,000 Juros de 1% ao mez 1691 dias 2:826,780 11:161,880 1901 Continuação 11:161,880 Ago. 24 Pagos [...] à Stª Casa 184,400 ” ” Idem dos custo do official de Justiça 9,000 193,400 Juros de 1% ao mez 1678 dias 125,475 ” 30 Pago J. Alves por recolhimento 5,000 73,991 ” ” Idem a M. Souza contador no inventário 9,000 82,991 Juros de 1% ao mez 1677 dias 43, 058 Set. 10 Pago a Antonio Guerra pela conta de J. Galdino 725,630 725,630 Juros de 1% ao mez 1667 dias 403,208 ” 22 Pago a D. Agilda pela conta de [...] 822,100 Juros de 1% ao mez 1655 dias 453,525 Out. 13 Pago a [...] pelo gredil p/ o cemitério 78,000 ” “ Idem a Jeremyas Pedreira [...] 25,000 103,000 Juros de 1% ao mez 1634 dias 56,100 Dez. 17 Pago conta de José Alves Boaventura 77,300 Juros de 1% ao mez 1570 dias 40453 “ 24 Pago de colhimentos a José Alves Franco 111,300 ” ” Idem da conta de J. Galdino 73,990 Juros de 1% ao mez 1563 dias 96,536 1902 Fev.
4 Pago a Bernardo Lopes e Cia. por conta de seu mercado 958,000
Juros de 1% ao mez 1523 dias 486,322 Maio 7 Pago a [...] 467,900 Juros de 1% ao mez 1430 dias 318,365
16:783,255
112
QUADRO 7 CONTA CORRENTE DE CANTIANILLA S IMÕES DE CARVALHO (CONTINUAÇÃO)
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho , Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 6R . – Continuação
Essa rede de relações é reforçada também com as outras duas
testemunhas indicadas: Antonio Ramos Guerra e Salustiano José de Faria. O
primeiro confirma que Agostinho mantinha relações comerciais com João Galdino de
Carvalho, e que após o falecimento deste, continuou mantendo-as com a viúva D.
Cantianilla, e que ela lhe era devedora. O segundo confirma ter visto os livros
comerciais de Agostinho e comprovado a dívida que a ré tinha de trezentos e
noventa mil setecentos e doze réis260.
Uma breve informação merece destaque no testemunho de Salustiano
José de Faria. No final de suas palavras sobre de Agostinho, Salustiano afirma que
aquele lhe dissera várias vezes “que, por condescendência, deixara de cobrar, o que
lhe foi afiado, também por Francisco de Assis Garrido, empregado do dito autor”261.
Este empregado exercia a função de “guarda-livros” da firma Motta & Souza.262
Curiosamente o nome desse empregado de Agostinho aparece no Inventário de
João Galdino de Carvalho como comprador de metade do armazém na rua Manoel
Victorino que pertencia a dois filhos de João Galdino e Cantianilla de Carvalho por
direito de herança. Como um empregado de Agostinho, citado por uma testemunha
em depoimento ocorrido em junho de 1906 se tornou capaz de comprar um ano
260 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 16. 261 Idem, folha 16. 262 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 145, sábado, 16 de Novembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 177].
Continuação Débito 16:783,255 Haver 1901Janeiro 5 Dinheiro recebido de seguro de conta do marido 10:000,000 Juros de 1% ao mez 1912 dias 6:373,333 1903 Agosto 9 Resto de aluguel de uma casa que servia para
depósito na Rua Manoel Victorino 10,000
Juros de 1% ao mez 972 dias 3,260 Setembro 27 Dinheiro por conta 5,000 Juros de 1% ao mez em 19 mezes 950 16:392,543 Saldo a meu favor 390,712
113
depois – da mesma forma que Agostinho – o dito armazém?263 É possível que
Agostinho tenha financiado a compra do armazém através desse empregado? Ou
este, autonomamente, obteve recursos suficientes para montar o seu próprio
negócio? Não se pode obter uma resposta exata, mas certamente Agostinho esteve
direta ou indiretamente envolvido na compra do armazém, e talvez lucrado com o
mesmo.
Prosseguindo, contudo, na análise da Ação Sumária em questão,
observam-se, no revezamento das defesas dos advogados das partes envolvidas,
os argumentos utilizados por cada um para comprovar que a outra parte não está
com a verdade. A partir desses argumentos de defesa se podem inferir algumas
observações a respeito do perfil “do homem de negócios” Agostinho Fróes da Motta.
O primeiro a apresentar suas alegações é o advogado do Cel. Fróes, o Dr.
João Vicente Bulcão Vianna. Em suas palavras, “acusa” a ré (D. Cantianilla) de ter
esquecido os benefícios e favores prestados pelo seu cliente, recompensando-o
com o “sentimento de ingratidão”. Este advogado prossegue descrevendo a seguinte
situação:
Ninguém ignora nesta cidade, que quando falecera o marido da ré, esta, a braços com as dificuldades [...], encontrava no autor um ponto de apoio, por meio da qual pode desembaraçar-se dos grandes compromissos que e então pesavam por sobre os seus ombros, encarregando-se, aquele desinteressadamente, de seus negócios, facilitando os recursos necessários para o bom êxito e solução dos mesmos e isso em atenção a memória d’aquele que sempre lhe dispensou a muita absoluta confiança. Não quero, nem desejo estender-me sobre um ponto, vindo a apelo, unicamente para provar que o autor seria incapaz de apresentar-se credor de qualquer que seja se, facto, não o fosse. As transações de meu constituinte vêm de longa data; a ré, não é mais do que uma continuadora das relações comerciais que existiam entre o seu falecido marido e aquele. 264
A imagem que este advogado retrata é a de um homem generoso e
benfeitor, sempre disposto a servir de “ponto de apoio”, sem interesses pessoais nos
negócios da ré, somente com o intuito de facilitar os meios imprescindíveis para
mantê-los em ordem. Mas não deixa de evidenciar que independente dos favores
263 Este empregado de Agostinho apresenta uma petição para comprar a outra metade do armazém, a fim de iniciar as ações necessárias de reforma do prédio, cuja outra metade já lhe pertence. A data dessa petição é de 4 de maio de 1907. In. CEDOC, Cíveis, Inventário de João Galdino de Carvalho, 1900-1921, Feira de Santana, [Estante 4, Caixa 107, Documento 1385], folha 131. 264 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 18.
114
prestados, seu cliente jamais se apresentaria como credor da ré, se de fato não o
fosse de verdade. Enfim, Agostinho Fróes da Motta, não recusava ajuda quando
solicitado, mas longe de ser apenas um filantropo, era também um homem de
negócios que sabia separar as duas atribuições sociais. Quando visava reaver os
lucros de investimentos recorria à Justiça para garantir seu intento.
Contestando a defesa feita pelo colega, o advogado de D. Cantianilla, Dr.
A. Alpis Costa, alega que o Cel. Agostinho não agiu com boa fé. Por isso ele destaca
em sua defesa265 alguns pontos proferidos pelo advogado do autor que – segundo
ele – não poderiam deixar de “confirmá-lo pelo silêncio”.
O primeiro, era sobre a ingratidão da acionada, mas conveniências me obrigam calar e Ilustríssimo Senhor, não as ignora, como o público também não as ignorará. O segundo, é de ter sido fito que ninguém n’esta cidade ignora, que quando falecera o marido da acionada, que esta lutava com dificuldades, foi o autor quem tomou aos ombros esta missão, lhe facilitando tudo, inclusive meios para o bom êxito de seus negócios, em atenção a memoria daquele que sempre lhe dispensou absoluta confiança. Mas também ninguém n’esta cidade ignora, principalmente os que bem conhecem o autor, que lhe assim procedeu, não foi exclusivamente por entre as vistas da especulação, enxergou um seguro de dez contos de reis as quais sendo por si liquidado, com esta quantia manejaria por algum tempo, tirando disso muito bom resultado. Se isso não visasse ele, adeus memória de quem lhe dispensou máxima confiança. Prego n’esta terra, não se mete sem estopa. A prova, é que a intervenção d’ele em tal negócio, só trouxe à acionada, enormes prejuízos [...] Liquidando ele o seguro de dez contos desses, recolheu a custo os cinco contos pertencentes aos menores filhos da acionada, e com os outros cinco, tratou de promover liquidação vantajosas com credores do falecido marido da acionada deixando de apresentar em tempo estas contas, pagas por sua única deliberação, no inventário que se estava procedendo nos bens do casal, afim de que fossem deduzidas do monte mor, para agora extrair uma conta corrente de tais pagamentos com o fim de absolver os cinco que lhe pertencem do seguro, dando destarte a acionada um considerável prejuízo, isto por ter sido ele o protetor d’ela.266
O advogado da ré tece acusações sérias contra Agostinho, expondo que
as intenções deste eram exclusivamente direcionadas com o fim de tirar proveito do
patrimônio alheio, obtendo vantagens financeiras. Chega a afirmar explicitamente a
“extorsão que o autor [Agostinho] especulatonamente quer pôr em prática em
265 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 19-26. 266 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 22.
115
aggressão a um direito alheio”.267 . O que fica evidente nesta defesa é que o
advogado aponta como desonesto o procedimento bancário que Agostinho efetuou
com o mencionado seguro de dez contos de réis, mais precisamente com 50% do
mesmo (5:000$000), com os quais quitou – por sua livre e única deliberação –
dívidas com os credores do casal Galdino de Carvalho, para mais tarde receber os
valores decorrentes dessas transações logo que o Inventário fosse concluído.
Cabe neste momento inferir sobre a conduta de Agostinho. Foi desonesto,
agindo com má fé ou usou equivocada e irresponsavelmente dinheiro da ré, obtendo
vantagens pessoais? Agostinho era um homem de negócios e, se teve a “boa e
honesta” intenção de ajudar a ré (liquidando suas dívidas com os credores), e
simultaneamente garantir seus dividendos, por ele considerados justos por sua
prestação de serviço, é uma viável possibilidade de interpretação dos fatos. Assim
também, como é possível concluir que Agostinho se aproveitou da situação em que
se encontrava D. Cantianilla, executou operações financeiras sem o consentimento
dela, a fim de garantir de forma injusta vantagens econômicas com a exploração de
seu capital. Seja qual for a interpretação adotada, o que salta aos olhos é a maestria
de Agostinho quando lidava com dinheiro, seja próprio ou alheio.
Enquanto o advogado de Agostinho veiculava uma imagem de benfeitor,
desinteressado, digno de confiança; seu colega de profissão, na defesa de D.
Cantianilla, construía uma imagem oposta, isto é, a de um homem ganancioso,
interesseiro, desonesto, usurário e que agiu de “má fé”. Ambos os advogados
concordam que Agostinho se prontificou a “por ou tomar sobre os seus ombros” a
tarefa de administrar os negócios de D. Cantianilla, logo após o falecimento do
marido, e apoiam essa afirmação apontando que todos na cidade tinham
conhecimento dos fatos. Mas discordam quanto às suas reais e mais íntimas
intenções; inclusive fazem referência mais uma vez à opinião pública da cidade
sobre o caráter “usurário e interesseiro” de Agostinho, e em específico sobre sua
postura no caso em questão. Isso fica claro quando tanto o Dr. João Vianna como o
Dr. Alpis Costa, se expressam, respectivamente, da seguinte maneira: “Ninguém
ignora nesta cidade” e “ninguém n’esta cidade ignora”.
267 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 22.
116
As imagens construídas pelos dois advogados para representar a pessoa
de Agostinho, são divergentes e opostas não apenas porque cada um dos
advogados estivesse focado em justificar e fundamentar os interesses de seus
respectivos clientes, mas porque tais imagens de Agostinho provavelmente
circulavam no imaginário das pessoas que o conheciam e mantinham com ele
qualquer tipo de relação econômica. Os advogados estariam somente trazendo-as à
tona. O tino que Agostinho possuía para os negócios estimulava o surgimento de
tais imagens sobre si. Contudo, se a população feirense da época realmente
concebia e nutria essas possíveis imagens de Agostinho, não há como saber com
precisão. Seja qual for à conclusão que se chegue, ela sempre estará inserida no
campo das possibilidades.
Existem outros pontos divergentes entre os dois advogados quanto ao teor
do processo. O advogado da ré discorda do fato de sua cliente ser qualificada e
acionada como “continuadora das transações que existiram do seu falecido marido
com o autor [Agostinho]” e afirma que tal situação é improcedente, pois – segundo
ele, se referindo ao Código Commercial – o “pacto extingui-se pela morte de
qualquer companheiro [...] devendo haver renovação”268, alegando também que
seria necessário que existissem provas que forcem o reconhecimento da ré como
continuadora dos negócios do falecido marido. Outro ponto divergente se refere à
conta corrente apresentada por Agostinho. O Dr Alpis Costa alega que as parcelas
apresentam várias irregularidades, como pagamentos sem autorização de sua
cliente e custos de serviços não solicitados269.
Mas como se pode muito bem observar na dita conta, Agostinho nada
mais fez do que administrar os negócios de D. Cantianilla, a partir do momento em
esta lhe concedeu plenos poderes para isso na procuração junta ao inventário dos
bens do seu falecido marido. Desde aquele momento, como inventariante, Agostinho
procurou manter em ordem a vida financeira da ré, pagando dívidas, despesas
diversas, encaminhando valores. No entanto, parece que para Agostinho, tal
prestação de serviço não estava isenta de cobranças de determinadas taxas de
juros de 1% ao mês sobre o valor de cada serviço prestado. Como Agostinho
268 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folha 21R. 269 Idem, folha 24R.
117
movimentou o capital disponível de D. Cantianilla – inclusive o que seria deduzindo
do monte-mor, do inventário ainda não concluído – a fim de regularizar suas
finanças, ocorreu que no final das contas, após suas dívidas e despesas quitadas,
mas considerando os juros cobrados por Agostinho, seu saldo ficou negativo, no
valor de trezentos e noventa mil e setecentos e doze réis (390,712).
E assim o advogado da ré prossegue em sua defesa. Entre referências ao
Código Commercial e acusações contra Agostinho, o advogado tenta provar que a
ação movida por Agostinho é improcedente e nula, e que as provas apresentadas
pelo mesmo são falsas. Nessa mesma Ação Sumária, os advogados mantiveram
seus esforços – cada um a sua maneira – para o bom êxito de sua empreitada: o
ganho da causa para seu cliente. Após a conclusão na primeira instância270
favorável à Agostinho, o advogado da ré apela para a instância superior271, a fim de
contestar o resultado judicial anterior. O advogado do autor, por sua vez, executa
uma contra-argumentação272 e ao final da ação sumária, mas uma vez Agostinho
ganha a causa. Nas conclusões, o juiz considerou irregulares as razões da apelante
(D. Cantianilla) e a condena a pagar o que deve ao apelado, além de juros dessa e
dos custos do processo, considerando que o Cel. Fróes da Motta273.
Em suas palavras finais, o Juiz alega, por exemplo que Agostinho
foi quem liquidou o seguro de vida que deixou o falecido João Galdino de Carvalho, marido da apelante, satisfez despesas decorrentes do inventario e pagou diversas dividas à que era o casal obrigado e que foram aceitas e reconhecidas no mesmo inventario pelos intimados inclusive a apelante.274
Ao final desse processo, Agostinho obtém mais uma vez resultado
favorável. E algo emerge com bastante clareza da análise do caso. Não havia
realmente a mais remota possibilidade de Agostinho perder a causa nesse processo.
Sua perícia e experiência na administração de seus negócios foram necessárias e
suficientes para chegar a este resultado, cabendo ao advogado apenas representá-
lo numa batalha judicial previsivelmente vencida? Talvez a própria insistência de D.
Cantianilla, em não querer pagar as dívidas já reconhecidas, tenha colaborado para 270 CEDOC, Cíveis, Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho, Feira de Santana 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226], folhas 70-71. 271 Idem, folhas 76-80. 272 Idem, folhas 81-83. 273 Idem, folhas 83-86. 274 Idem, folha 84V.
118
sua derrota judicial? Ou o provável prestígio social e idoneidade de Froés da Motta
lhe foram favoráveis?
As duas primeiras opções foram devidamente confirmadas pela análise do
processo. Quanto à terceira opção, é preciso esclarecer que o prestígio social do
Coronel Fróes da Motta junto à sociedade feirense possivelmente lhe permitiu gozar
de certas relações privilegiadas. Para início de coversa, fica evidente que a relação
de Agostinho com os poderes públicos, neste caso em particular com o poder
judiciário representado pelo juiz Jacinto Ferreira Silva. Numa clara demonstração da
tênue ou quase inexistente fronteira entre o público e privado, as vantagens obtidas
por Agostinho ilustram o patrimonialismo tão discutido por Raymundo Faoro, quando
afirma que
Na transição de uma estrutura a outra, a nova tônica se desviou – o indivíduo, de súdito passa a cidadão, com a correspondente mudança converter-se o Estado, de senhor a servidor, guarda da autonomia do homem livre. A liberdade pessoal, que compreende o poder de dispor da propriedade, de comerciar e produzir, de contratar e contestar, assume o papel, dogma de direito natural ou da soberania popular, reduzindo o aparelhamento estatal a um mecanismo de garantia do indivíduo. (1979, 734)
Agostinho, como muitos homens de sua época, soube aproveitar de suas
relações com indivíduos da esfera pública, sejam eles juízes ou intendentes, como
se verá no próximo capítulo.
Ainda sobre esse prestígio social é relevante visualizar como a imagem do
Cel. Fróes era tratada, por exemplo, nos jornais feirenses da época. Jornal Folha do
Norte, de propriedade de correligionários de Fróes da Motta, registrou com
destaque a iminente conclusão da sua viagem à Europa.
De Paris, de onde chegara antes-ontem, telegrafou o nosso presado e distinto amigo coronel Agostinho Fróes da Motta para sua casa comercial desta cidade, dizendo achar-se com pleno gozo de saúde. É possível, portanto, já achar-se aquele amigo em viagem de retorno à nosso país, com o que muito nos congratulamos275.
275 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 1, sexta-feira, 17 de Setembro de 1909, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1909 002].
119
Como o seu definitivo retorno à cidade
Em a noite de 16 andante chegou a esta cidade, em trem especial de volta da Europa, o nosso prestigioso amigo e distinto correligionário coronel Agostinho Fróes da Motta, negociante nesta praça. O ilustre recém chegado percorreu, em viagem de recreio, as capitães mais importantes do velho mundo, trazendo as melhores impressões da Suiça, Alemanha, Itália, França e Inglaterra, em cujas localidades demorou-se em agradabilíssima visita. Não obstante a falta de previa comunicação, que em tempo trouxesse ao conhecimento dos amigos de nosso prezado conterrâneo a noticia de sua chegada, no dia acima mencionado, todavia foi ele recebido na estação por crescido numero de [...] admiradores, que o acompanharam até a sua residência. Ao nosso bondoso amigo e dedicado correligionário apresentamos afetuosamente as nossas boas vinda.276
Algumas observações podem ser feitas sobre esta viagem. A primeira
corresponde ao fato de ser qualificada como “viagem de recreio”. Não se pode
duvidar que o Cel. Fróes tenha viajado para a Europa com a intenção de passear,
afinal de contas, recursos ele possuía para isso. No entanto, se pode presumir que
outros interesses o motivassem para efetuar a referida viagem. Por certo, razões
comerciais ligadas à sua atividade com o comércio fumageiro devem ser levadas em
conta. Algo que reforça essa hipótese é a notória tradição na produção de derivados
do fumo (charutos, cigarros, etc) que alguns países europeus possuíam, como é o
caso da Alemanha. Um exemplo disso é a conhecida empresa de charutos fundada
e instalada por Gerhard Dannemann na cidade de São Félix no Recôncavo Baiano,
no último decênio do século XIX. Outro dado é fornecido também pelo Jornal Folha
do Norte, que na sua edição de 02 de abril de 1910, dedica a maior parte da primeira
página a uma coluna traduzida do alemão por Otto Schramm, onde é apresentada
uma análise da produção e da legislação fumageira da Alemanha na época277.
276 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 6, sexta-feira, 22 de Outubro de 1909, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1909 021]. 277 Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 29, sábado, 2 de Abril de 1910, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 054].
120
FIGURA 15 Cartão postal do Porto de Hamburgo (Alemanha)
Fonte: Acervo Digital Doc. Agostinho Fróes da Motta, CEDOC.278
Considerando apenas as intenções econômicas, é possível que o Cel.
Fróes da Motta estivesse exercendo a função de representante da cidade, e muito
provavelmente, também da Bahia, num intercâmbio internacional de produtores de
fumo. Essa condição indubitavelmente lhe renderia, não só dividendos dos seus
negócios, mas igualmente prestígio e estima dos seus conterrâneos.
278 Fotografia cedida gentilmente cedida pelo Sr. Carlo Melo para digitalização, assim como as outras duas [FIGURAS 15 e 15]. Na cópia original não havia dados quanto à data nem e o local exato sobre a cidade fotografada, mas não resta dúvida que seja a cidade de Hamburgo, na Alemanha. Mais precisamente uma imagem de parte do porto dessa cidade. O prédio ao fundo se trata do Mercado de Peixe no porto de Hamburgo (Fischmarkt am Hamburger Hafen). Isso pode ser confirmado comparando as duas fotos ao lado. In. Disponível em: <http://www.google.com.br/imgres?> Acesso em 15 jan. 2012.
121
FIGURA 16 Fotografia de Agostinho F. da Motta produzida na Ale manha
Fonte: Acervo Digital Doc. Agostinho Fróes da Motta, CEDOC.279
279 Fotografia cedida gentilmente cedida pelo Sr. Carlo Mello para digitalização. Não tem registro de data, mas deve ter sido produzida na época (1902 ou 1909) em que Agostinho viajou para a Europa, em particular na Alemanha, especificamente em Hamburgo, cidades onde o fotógrafo atuava ou mantinha seu estúdio fotográfico, conforme consta no pé da fotografia. A fotografia consistia justamente num objeto de ostentação de poder, pois era usado comumente por indivíduos contemporâneos de Agostinho como cartão de visitas.
122
FIGURA 17 Agostinho Fróes da Motta em viagem à Eu ropa
Fonte: Acervo Digital Doc. Agostinho Fróes da Motta, CEDOC280.
280 Fotografia cedida gentilmente cedida pelo Sr. Carlo Mello para digitalização. Ao contrário da pesquisa na web ter permitido identificar a cidade de Hamburgo na Figura 14, infelizmente não foi possível realizar o mesmo nesta fotografia. Segundo o Sr. Carlos Melo, seria uma cidade europeia, provavelmente deve ser, embora não seja possível identificá-la com precisão. Um detalhe curioso se revela nesta fotografia, e com a liberdade que me cabe, permito-me estabelecer uma comparação com o desenho retratando Do Obá II D’África que serviu de capa para o livro de Eduardo Silva. É possível observar semelhanças entre as duas imagens, respeitando-se
123
Trazer fotografias de sua viagem para a Europa certamente não
representava apenas a intenção de guardar o registro da mencionada viagem e de
lugares que conheceu como Hamburgo e outras cidades europeias. Tais fotografias
serviram também para reiterar a imagem que Agostinho construiu de homem de
negócios, cuja habilidade o levou a estabelecer prováveis transações comerciais nos
países que visitou. As duas fotografias demonstram muito bem essas intenções de
Agostinho, pois viajar à Europa na época certamente significava uma oportunidade
para poucos afortunados281 como o Cel. Fróes da Motta, que em tais ocasiões
reforçavam o status social bem como a admiração dos seus pares.
Outra observação a ser feita se refere aos termos de tratamento
registrados nas duas notícias, pelos editores do Jornal Folha do Norte a respeito do
Cel. Fróes. Expressões “presado e distinto amigo”, “prestigioso”, “dedicado
correligionário“, são bem eloquentes quanto à deferência dispensada ao Cel.
Agostinho Fróes da Motta por seus amigos e correligionários. O jornal ainda informa,
para ampliar o leque de “admiradores”, que muitos amigos foram recepcioná-los na
estação mesmo com o atraso da comunicação datando o seu retorno à cidade282.
Tamanho prestígio social criava novas e reforçava antigas redes de
relações tecidas pelo Cel. Fróes da Motta, caracterizadas pela possível troca de
favores, inclusive com o poder judiciário da cidade. É compreensivelmente
verossímil que o “ilustre” coronel mantivesse esse tipo de relação com juízes que
atuavam na Comarca de Feira de Santana, como é o caso de Jacinto Ferreira da
Silva, juiz que acompanhou um dos quatro processos cíveis que compõem a análise
documental proposta no presente capítulo283. Tais relações poderiam certamente
garantir ao Cel. Fróes maiores chances de vencer judicialmente os processos em
logicamente suas particularidades. O traje aristocrático composto por terno, cartola, guarda-chuva e certamente outros itens não visualizados demonstram o lugar social que estes dois indivíduos pretendiam afirmar pertencer. 281 Os coronéis Epiphanio José de Souza e Bernardino da Silva Bahia também viajaram à Europa, respectivamente, em 1912 e 1914. In. BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 144, sábado, 9 de Novembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado, [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 173]; edição nº 229, Domingo, 19 de Julho de 1914, folha 1, Acervo Digitalizado, [Pasta Arquivo F. do Norte 1914 107] 282 A relação do Cel. Fróes da Motta com os editores do Jornal Folha do Norte antecede à fundação deste periódico, pois sua primeira edição (17 de Setembro de 1909) relata – como se pôde verificar acima – uma amizade já existente. Esta relação que passa também pelo âmbito econômico, que se viu até o momento, e político que será analisada no Capítulo III. 283 O processo em particular é a Falência – Verificação de contas, 1910, que é objeto de análise do próximo subtítulo.
124
que se envolvia. Tudo leva crer, portanto, que a combinação destas três opções de
fatores – o tino para os negócios, a teimosia de D. Cantianilla e o prestígio social –
proporcionou o desfecho favorável do processo.
II. 2. 3 – “Amigos, amigos, negócios à parte”
No último processo analisado há o caso da falência de Concórdio da Silva
Campos (1910-1912). Nesse processo, Agostinho solicita no dia vinte e dois de
agosto de 1910 a verificação de contas para ratificar a abertura da falência da firma
de Concórdio Campos; para enfim, restituir valores referentes a débito que
Concórdio tinha com ele. Dívida que chegava ao valor de três contos setecentos e
oitenta três mil e cem réis (3:783,100)284, conforme se pode notar nos valores
especificados na Conta Corrente (ver QUADRO 8).
O advogado do réu, o Dr. Sinval do Nascimento, a princípio insiste em
alegar que o Cel. Agostinho Fróes da Motta não era credor principal de Concórdio
Campos por razões processuais, e que por isso não poderia requerer a falência de
seu cliente285. Contudo, o que se observou na análise do processo é que Agostinho
demonstrou, não declarando abertamente isso, mas por forças de certas
circunstâncias – convenientes – que assumira a prerrogativa de principal credor.
Fato este que foi devidamente reconhecido judicialmente, pois logo que a falência é
aberta oficialmente pelo Juiz Jacinto Ferreira da Silva, no dia oito de setembro de
1910286 e no mesmo dia o Juiz nomeou Agostinho como “syndico” para administrar a
massa (bens da firma de Concórdio) e mais funções próprias do cargo.
Uma vez nomeado síndico e responsável por avaliar a massa falida da
firma de Concórdio Campos, Agostinho se encarrega de reunir todos os credores de
Concórdio, juntamente com suas contas afim de que possam ser contemplados e
terem seus créditos devidamente pagos. Dessa forma, no dia 26 de setembro,
Agostinho apresenta os “créditos dos credores” acompanhada por procurações
284 CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de Contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910-1912. Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035], folha 10. 285 Idem, folha 29. 286 Idem, folhas 62-63.
125
encaminhadas por outros quatro credores287 de Concórdio Campos, sendo que em
duas delas Agostinho é constituído “procurador”, que por sua vez, substabelece
seus advogados, os Drs. João Ribeiro de Oliveira e Aloysio Henrique Barros Porto; e
no outro par de procurações, somente seus advogados são mencionados, numa em
que outros procuradores registram o substabelecimento da procuração para o nome
deles, na outra, em que os mesmos são constituídos procuradores pelo autor
original. No final das contas, Agostinho – através de seus advogados – assume a
representação de quatro credores em questão. E para confirmar esse fato o próprio
Agostinho junta às outras procurações, outra em que constitui os seus advogados
como procuradores de todos os credores envolvidos no processo (VER APÊNDICE
1).
Sobre as circunstâncias que levaram Agostinho a representar os quatro
credores é necessário tecer algumas considerações. A primeira razão para que ele
assumisse essa prerrogativa era o fato de ter sido nomeado judicialmente como
sindico da massa falida. A segunda porque somente ele residia em Feira de
Santana, enquanto os outros credores residiam ou mantinham suas firmas fora da
cidade, como se pode bem notar nas procurações. Três deles locados na cidade de
Salvador (identificada nas procurações como “Bahia”, conforme costume por muito
tempo mantido) e outro da cidade de Cachoeira. Essa situação exigia que alguém
estivesse no local em que o processo aconteceria, o que recaiu oportunamente
sobre os “ombros” de Agostinho.
Pouco tempo depois Agostinho concluía e apresentava no dia cinco de
outubro de 1910 o relatório (folhas 131 a 134) onde expunha as razões para a
falência, o valor estimado do passivo e do ativo, as atitudes do devedor antes e
depois de declarada a falência e os atos ou fatos puníveis pelo Código Penal. E é a
partir desse relatório que se pode confirmar e ampliar traços do perfil do homem de
negócios Agostinho Fróes da Motta.
287 CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de Contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910-1912. Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035], , folha 110. Os credores são Carvalho, Filhos e Cia (folha 111); F.A. Hasselmann (folha 112); Drumond, Moares e Cia (folha 113) e José Antonio Torres (folha 115). Este último já delega diretamente aos advogados de Agostinho os poderes jurídicos para representá-los. As contas desses credores acompanham as procurações logo em seguida, na seguinte ordem: conta de Agostinho (folha 116); conta de José Antonio Torres (folha 117); conta de Drumond, Moraes e Cia (folha 118). Conta de F. A. Hasselmann (folha 119), conta de Carvalho, Filhos e Cia (folha 120).
126
Neste relatório, Agostinho afirma que Concórdio Campos
Estabeleceu-se [...] três anos, com capitais que lhe eram fornecidos pelo autor desta falência. Sem outro interesse que não o de protegê-lo, porquanto pretendia ver nele um moço ativo e trabalhador. Abriu-lhe desde então o autor uma conta corrente onde se lhe debitavam os pagamentos de suas contas na Bahia, se àquelas casas comerciais a que foi apresentado Concórdio pelo autor que sempre foi quem realizou tais pagamentos; e se creditavam as quantias, que ele Concórdio entregava por conta e as facturas de gêneros fornecidos para gasto doméstico do autor presente.288
Como se pode notar Agostinho descreve uma de suas atividades
econômicas, a de banqueiro, e no exercício desta sua atividade sua postura de
exímio homem de negócios. Ele se prontifica em auxiliar um jovem promissor no
comércio de Feira de Santana, indicando-lhe a casas comerciais de Salvador – que
possivelmente faziam parte do intercâmbio comercial de Agostinho – e
simultaneamente, garantia mais um cliente (correntista), que movimentaria valores
oriundos de suas transações comerciais, além de ter mais um parceiro comercial no
circuito Feira de Santana/Salvador.
Sobre a atividade bancária de Agostinho não se sabe de registro que
informe seu início, ou mesmo com que capital. No entanto, o que mais importa é o
fato de que ele desenvolveu uma habilidade para os negócios que transcendia o
comércio de fumo no início de sua trajetória de homem de negócios. Conforme
Carlos Mello, em texto publicado na edição especial de 97 anos do Jornal Folha do
Norte, Agostinho foi “representante da primeira Agência de crédito do Banco do
Brasil (VER FIGURA 14), instalada em Feira de Santana [1919], e, na qualidade de
banqueiro, teve diversas companhias de Seguros de Vida”289.
Nesse sentido, se Agostinho teve a real intenção de ajudar Concórdio a
abrir sua firma, manter uma conta corrente, orientá-lo sobre seus deveres, não se
pode concluir que agisse com objetivos escusos; entretanto, também não se pode
atestar que atuasse apenas por solidariedade, sem almejar o mínimo de lucro
possível.
288 CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de Contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910-1912. Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035], folha 131. 289 Fonte: MELLO, Carlos. “Cel. Agostinho um homem que amou Feira”, In. Jornal Folha do Norte, Especial 97 anos, Feira de Santana, nº 5.672, de 17 de setembro de 2006. p. 3)
127
Provavelmente, Agostinho era um homem que sabia separar as relações
de amizade – como a que talvez cultivasse por Concórdio Campos – das suas
atividades comerciais. Assim, talvez não tenha pensado duas vezes ao denunciar
falta de honestidade e deslealdade de Concórdio quando este suspendeu
As ordens de pagamento que eram executadas pelo autor, denotando, nesse caso, ou de falta de pagamento ou deslealdade que [...] em pensamento oculto, pelo menos o de não dá a conhecer ao autor o estado financeiro de sua casa comercial290.
Também não teve escrúpulos em denunciar publicamente a
irresponsabilidade do suposto amigo quando notou que o mesmo, “De alguns meses
a esta data notou o autor que Concórdio faltava manifestadamente ao cumprimento
de suas obrigações, já se entregando ao deplorável vício da embriaguês”291.
FIGURA 18 FACHADA DO BANCO DO BRAS IL
Fonte: Fonte: Raimundo Gama, Memória Fotográfica de Feira de Santana, p. 26. (Arquivo Hélio Oliveira).
290 CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de Contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910-1912. Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035], folha 131. 291 Idem, folha 131.
128
QUADRO 8 CONTA CORRENTE (DÍVIDAS DE CONCÓRDIO CAMPOS)
Agostinho, ciente do prejuízo que essa série de situações poderia
repercutir para suas finanças – em primeiro lugar, para si mesmo; e em segundo,
para o próprio Concórdio, afirma que procurou alertar Concórdio quanto à gravidade
da falta de cumprimento dos deveres para si mesmo e para outros indivíduos com os
quais mantinha transações. Mas a situação ficou mais grave quando Concórdio –
segundo Agostinho – entregou-lhe as chaves da firma declarando que não podia
Deve O Sr. Concórdio da Silva Campos de ______________ em % com Agostinho Fróes da Motta. Ano Mês Dia Item Quantia 1907 Dezembro 31 Saldo por ajuste n’esta data 4:502,520 1908 Janeiro 7 Dinheiro a Manoel Dias 370,000 Fevereiro 11 ” a F. A. Hasselman Cia. 255,000 ” ” ” ” Conde, Filho Cia. 478,000 ” ” ” ” Silva Cia. 453,000 Março 23 ” ” Costa Santos Cia. 400,000 Abril 28 ” ” F. A. Hasselman Cia. 1:500,000 Junho 5 ” ” F. A. Hasselman Cia. 2:017,000 Julho 7 ” ” Hermilho 588,000 Agosto 8 ” restando da compra massa Tertuliano 11.973,520 Saldo devedor balanço desta 3:783,100 Feira de Sant’ Anna 22 de Agosto de 1910 João Ribeiro de Oliveira 1908 Fevereiro 11 Dinheiro que deu 700,000 21 Idem “ “ a Juviniano 150,000 Março 4 Idem “ “ 600,000 24 Idem “ “ 1:000,000 Abril 5 Idem “ “ 700,000 Julho 5 Idem “ “ 900,000 1909 Fevereiro 1º Idem 252 de fumo vendidos a Augusto a 4500 por 15
kilos 1:163,800
? 2 Importância de sua conta de [...} até 30 de janeiro 362,360 ? 16 Dinheiro que deu n’esta data 700,000 Agosto 6 Importância de mercadorias conferindo sua factura
de 31 de maio findo 379,540
” 10 Dinheiro a Antonio Costa Mello [...] 108,300 ” ” Importância de sua factura em 30 de abril 298,320 ” ” ” ” ” ” ” 27 de Junho 82,510 ” ” ” ” ” ” ” 25 de Maio 35,290 ” ” Idem 2 garrotes e uma vaca 110,000 3:783,100 Balanço
Fonte: CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de Contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910-1912. Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035], folha 11.
129
permanecer com o negócio nem prejudicar os credores. A falta de conhecimento
sobre as regras que orientam o fechamento de uma firma, ou alegada
desonestidade de Concórdio, motivaram Agostinho a acionar a abertura de falência.
Agostinho prossegue em seu relatório, informando outras razões para a
falência de Concórdio, como o desvio dos melhores gêneros de sua firma para
vendê-los a preços abaixo aos do mercado; ocultamento dos livros comerciais;
diferenças de valores entre um balanço e outro; e “retirada fraudulenta” de
mercadorias durante altas horas da noite. Finaliza o relato afirmando que Concórdio
Campos incorria em falência fraudulenta e que podia ser punido tanto de acordo
com a Lei de Falências (Lei nº 2024 de 17 de dezembro de 1908) e pelo Código
Penal (Falência, 1910-1912)292.
O banqueiro Agostinho demonstrou nesse relatório como síndico da
massa falida de Concórdio Campos, ser um exímio conhecedor dos procedimentos
que eram utilizados para calcular e avaliar contas e livros comerciais, e possuir uma
noção clara sobre livros e códigos de leis que prescrevessem e determinassem
crimes relacionados à atividade comercial e financeira293. Todas essas habilidades
foram úteis para Agostinho acumular patrimônio durante sua trajetória como homem
de negócios, além de lhe conferir possível respeito das pessoas que o conheciam ou
que se relacionavam com ele.
Por fim, Agostinho mais uma vez consegue preservar a garantia de seus
interesses, quando o juiz Jacinto Ferreira da Silva julga provada a falência e
considera regular a verificação de contas realizada por Agostinho.
II. 3 - Múltiplos rumos para a fortuna
Ficou claro que o espólio do Cel. Fróes da Motta não foi acumulado
apenas por meio do comércio de fumo. Como se mostrou durante toda a discussão,
houve outras atividades econômicas que contribuíram para engrossar seu
patrimônio. A riqueza do Cel. Fróes da Motta não foi obtida por acaso, nem pouco
292 CEDOC, Cíveis, Falência – Verificação de Contas, Agostinho F. da Motta/ Concórdio Campos, 1910-1912. Feira de Santana, [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035], folha 134. 293 Agostinho poderia também ser muito bem assessorado! O que também não deixa de ser um grande “saque” nos negócios.
130
sem esforço e talento. Sobre o volume total da riqueza desse coronel é possível
chegar alguns resultados a partir do inventário de sua esposa. Afirmo na minha
Monografia que,
Considerando a totalidade dos bens registrados no inventário de Dona Maximiana, seja dos bens destinados ao marido por direito de meação, seja dos herdados por cada um dos filhos, pode-se afirmar com segurança que o casal Fróes da Motta acumulara um patrimônio de proporções elevadas, provavelmente este conjunto de bens foi paulatinamente acumulado durante décadas. Enfim, tal patrimônio era constituído de 70 casas, 9 fazendas, 2 posses de terra, pouco mais de mil animais (gado, cavalos, mulas e outros), somados com valores monetários equivalentes a dívidas a receber e outros, avaliados em mais de trezentos contos de reis, chegando-se a um total aproximado de mais de mil contos de reis.294
Anos mais tarde, quando o inventário de Agostinho foi concluído, Arnold
Silva em sua Coluna Vida Feirense informou o seguinte:
Julga-se por sentença a partilha dos bens deixados por falecimento do cel. Agostinho Fróes da Motta, cujo inventário é o mais vultoso dos procedidos, neste termo, em todos os tempos, atingindo o monte-mor a R$ 1:123:213$860, afora valores e bens orçados em quantia superior a 1:000$00, que serão objeto de sobrepartilha.295 [nota –
Os valores informados por Arnold Silva são confirmados no próprio
inventário de Agostinho.296 Valores que, quando comparados com o monte-mor do
inventário de Maximiana, permitem atestar ainda mais a habilidade de Agostinho em
administrar seus negócios e patrimônio. Entre os três anos que separam a
conclusão do inventário de Maximiana (1919) e o falecimento de Agostinho (1922), o
seu patrimônio mais do que duplicou. Há de considerar que no inventário de
Maximiana, Agostinho obteve valor superior a pouco mais de 500:000$000, na
meação a que tinha direito como marido da inventariada; e após seu falecimento, os
seus bens já estavam avaliados num valor superior ao indicado no inventário da
falecida esposa.
294 REIS. 2008, pp. 46-49. 295 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 4, página 30, ano de referência 1924, nº 1717, 06 de Junho de 1942]. Arnold Silva era suplente de Juíz em muitos processos cíveis concluídos na década de 1920. Possivelmente ele acompanhou de perto o andamento e a conclusão do inventário de Agostinho, o que lhe permitiu ter conhecimento sobre o volume total dos seus bens. 296 CEDOC, Cíveis, Inventário de Agostinho Fróes da Motta, (3º volume), 1922-1924, Feira de Santana.
131
Não se pode ter dúvidas quanto ao patrimônio alcançado por Agostinho
nem deixar de afirmar categoricamente que ele foi um homem muito rico. Sua
riqueza foi tão ostensiva que impressionava homens e mulheres de sua época. Tal
como Eurico Alves Boaventura, criança curiosa297 que era, observava e mais tarde
registrava, e hoje legou para os feirenses as seguintes lembranças:
Realmente uma fortuna! Até que a era getuliana acabou de degradar o nosso mil réis. Seu Bernadino Bahia, Seu Agostinho, Seu Epifânio, Seu Zé Alves Franco, D. Madalena [...], Quinitliano, o Moço, João Ourives eram as pessoas que dispunham, então, à mão, de cem contos a mais. Os pontos cardeais da abastança na cidade. Coisa difícil cem contos de réis no momento... 298
A descrição de Eurico Alves Boaventura como criança na época (entre
1918 e 1922) em que o espólio do Cel. Fróes da Motta superava a vultosa cifra de
mil contos de reis (1: 000:000$000), é justificada pelo fato desse memorialista ter
nascido em 1909, e de estar entre nove e treze anos de idade na mesma época em
que o inventário de Agostinho foi concluído. Como se pode muito bem verificar nas
palavras usadas na descrição acima, salvos quaisquer exageros do escritor, O Cel.
Agostinho [e também o seu sócio Epiphanio] se encontrava no rol dos homens e
mulheres mais abastados da cidade. O critério para medir a riqueza escolhido pelo
memorialista Eurico Boaventura – “cem contos a mais à mão” – não é tão incoerente
nem tão pouco precipitado, se for levado em conta os critérios estabelecidos pela
historiadora Kátia Mattoso para mensurar os diferentes níveis de riqueza da Bahia
no século XIX299 . Para ela, quem possuísse um patrimônio a partir de ou superior a
dez contos de réis era considerado uma pessoa rica. A autora apresenta alguns
dados que podem servir para ilustrar a riqueza de Agostinho, mesmo que ela se
restrinja à cidade Salvador no Século XIX.
Numa cidade em que a pobreza é a condição da maioria, algumas dezenas e até centenas de mil-réis tornam ricos mesmos aqueles que pouca coisa possuem. [...] Com 300 mil-réis e mais, a compra de uma modesta morada tornar-se possível, mas é preciso possuir mais de um conto de réis pra ser dono de
297 A palavra “curiosa” é apenas uma indicação de liberdade poética do autor. 298 BOAVENTURA, 2006, p. 94. 299 Kátia Mottoso apresenta quadro sobre os grupos das riquezas dos habitantes de Salvador, delimitando o recorte de tempo entre 1801-1889.
132
uma casa térrea de pedra e cal, e mais de dois contos de réis para ser proprietário de um sobrado... Na verdade, ‘ricos’ são os que, ao morrer, deixam bens avaliados em mais de 10 contos de réis, porque, aparentemente, sua riqueza está ao abrigo de fortuna, que pode ser provocado por doença prolongada ou por maus negócios ou mesmo por falta repentina de trabalho.300
Tendo em vista todos os dados acima descritos é possível a atestar,
indubitavelmente, a considerável riqueza do Cel. Fróes. A conclusão mais imediata
para entender como um jovem comerciante alcançou tamanha riqueza é a de que
ele possuía tino para os negócios, mas também é relevante pontuar que possíveis
circunstâncias históricas tenham favorecido o acesso de Agostinho no comércio da
região de Feira de Santana, permitindo-lhe que se tornasse o homem de negócios
descrito no decorrer deste texto.
Agostinho Fróes da Motta é possível de ser identificado como pequeno
comerciante de fumo e outros produtos à grande empresário fumageiro de circuito
nacional e internacional; como homem de finanças (agiota e banqueiro) que
emprestava e cobrava juros a exímio administrador de capital alheio; como
agenciador de seguros de vida; como negociante de gado e como proprietário de
casas de aluguel. Esse indivíduo conseguiu a partir de múltiplos caminhos, em
pouco mais de quatro décadas, desde a abertura de sua firma em 1878 até seu
falecimento em 1922, exercer diferentes atividades econômicas e obter a partir de
cada uma delas. E é justamente pelos diversos caminhos percorridos por Agostinho,
que este “homem de cor” conseguiu traçar trajetórias, experiências diferentes na
vida econômica feirense, baiana e do mundo. E finalmente, com a licença poética
que se faz oportuna, é possível arriscar a associação de imagem de “Midas” à figura
de Agostinho Fróes da Motta, pois parece que tudo em que “tocava”, ou onde
atuava, se transformava em “ouro”, em lucro, em prosperidade.
300 MATTOSO, 2004, pp. 303-304.
133
– CAPÍTULO III – O percurso político do Coronel Fróes da Motta
134
... a minha derrota implicará uma vitória, que não me colocará, é verdade, sobre a cadeira de juiz de paz, mas que me dará força e confiança para condignamente
sustentar uma outra luta de igual natureza Agostinho Fróes da Motta, In. Arnold Silva, Coluna Vida Feirense
não acomodarei, também, no meu governo, conveniências antipatrióticas e de politiquice, procurarei como de meu dever, velar pelos mais vitais interesses do município para cujo
desideratum espera contar com as luzes e patriotismo do legislativo municipal para o bom desempenho de minha árdua tarefa.
Ata da Sessão solene dos membros eleitos do Conselh o Municipal e do Intendente, de 1º de janeiro de 1916
Não apresentando programa, anuncio apenas o pensamento geral de minha administração,
caso me caiba a honra do voto de meus conterrâneos, de meus amigos e de todos os que amam a feira de Sant’ Anna.
Discurso de propaganda eleitoral, 22 de Outubro de 1911.
É intento da minha administração, atender, quanto possível, a locação do ensino Municipal em edifícios apropriados, esparsos, em pontos convenientes, onde a população escolar,
principalmente a menos abastada, possa, sem necessidade de fazer grande percurso, atingir a escola Comunicado da Intendência, 6 de maio de 1916
135
Na manhã do dia primeiro de janeiro de 1916, o ilustre morador da casa
de número 23, localizada na Praça General Argolo, estava ciente das
responsabilidades que assumiria com a iminência da posse do cargo que iria ocupar.
Foi com essa convicção que este indivíduo se dirigiu ao paço Municipal, no início da
tarde do mesmo dia, para participar da sessão solene de posse dos membros do
Conselho Municipal e do Intendente. Poucos minutos antes do início da sessão, ele
se encontrava numa ante-sala aguardando ser chamado pelos membros da mesa
provisória que abriria a mencionada sessão. Às 13 horas enfim, começa a sessão e,
uma vez, todos no recinto, o Cel. Bernadino da Silva Bahia é convidado a prestar
seu juramento; e que uma vez concluído, é sucedido pelo juramento dos demais
membros do Conselho presentes na sessão. Logo em seguida, o Intendente
nomeado é convidado a proceder também seu juramento e ser empossado no seu
respectivo cargo. Com isso iniciava o governo do novo Intendente de Feira de
Santana, o coronel Agostinho Fróes da Motta.
O que ocorreu a seguir foi uma seqüência de pronunciamentos e ovações
sobre o grande acontecimento do dia. O primeiro a tomar a palavra foi o novo
presidente do Conselho Municipal e Intendente anterior do município, o Cel. Bahia.
Em suas palavras, o Cel. Bahia agradece a gestão anterior do Conselho Municipal
bem como os seus funcionários pelo empenho e colaboração para a eficiente
administração de seu governo. Além disso, conclui afirmando o desejo de que o
novo governo municipal “em boa hora, recaído num esforçado e digno filho desta
terra”, tenha todas as condições para cumprir as tarefas e obrigações que o
município merece. Em seguida o novo Intendente tomou a palavra e proferiu o
seguinte pronunciamento:
Ilmo. presidente da Mesa Provisória, Ilmos. Membros do Conselho Municipal, Exmas. Senhoras e senhoritas, autoridades civis, policiais e eclesiásticas, funcionários públicos, representantes do foro e da imprensa local. Desejo, com estas breves palavras, inicialmente enaltecer a brilhante, desinteressada e patriótica administração do Cel. Bahia; e afirmar que não acomodarei, também, no meu governo, conveniências antipatrióticas e de politiquice, procurarei como de meu dever, velar pelos mais vitais interesses do município para cujo desideratum301 espera contar com as luzes e patriotismo do legislativo municipal para o bom desempenho de minha árdua tarefa, e muito confio na boa vontade e civismo dos meus
301 Desideratum. Desiderato, o que se deseja; aspiração. In. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 3.0
136
conterrâneos e de todos em geral para que possa seguir minha trajetória dentro dos preceitos da lei, e só assim, amenizar os dilacerantes espinhos de que é tecida a coroa do poder.302
Sobre trajetória política do Cel. Agostino Fróes da Motta é preciso
esclarecer, não se iniciou em 1916. O primeiro registro de sua atuação política é
apresentada por Arnold Silva na Coluna Vida Feirense, quando informa os nomes
dos novos conselheiros municipais eleitos em novembro de 1899, Agostinho
aparece listado entre estes303 Por outra documentação pesquisada tem-se o registro
da presença de Agostinho Fróes da Motta – apenas ainda com o título de Tenente
Coronel – em sessões do Conselho Municipal nos anos de 1901304 e 1902305,
participando como membro do Conselho; e presidindo-o interinamente, no ano de
1903306; e – já com o título de Coronel – ocupando oficialmente a presidência da
mesma casa legislativa, no quatriênio (1912-1916)307. Entretanto, muito antes dessa
atuação como conselheiro municipal, Agostinho é candidato a juiz da paz pelo
distrito da cidade em 1892, fato registrado novamente por Arnold Silva. Em 1892,
este colunista afirma que Agostinho escrevera um artigo na imprensa local
comentando o fato de não ter sido eleito ao cargo, com as seguintes palavras: “... a
minha derrota implicará uma vitória, que não me colocará, é verdade, sobre a
cadeira de juiz de paz, mas que me dará força e confiança para condignamente
sustentar uma outra luta de igual natureza”308. Neste breve trecho do mencionado
artigo parece que Agostinho antevê – ao talvez simplesmente expresso o seu desejo 302 O conteúdo do pronunciamento feito pelo Cel. Agostinho Fróes da Motta foi registrado pelo 2º Secretário, o Sr. Leolindo Ramos, a Ata da mencionada Sessão solene, considerando o que ele conseguiu ouvir e escrever. Para conferir a tal discurso um tom mais pessoal, o mesmo foi alterado, apresentando-se não mais na terceira, mas na primeira pessoa do singular. Todo esse discurso como também o relato que o antecede foram elaborados a partir da Ata da Sessão solene dos membros eleitos do Conselho Municipal e do Intendente, de 1º de janeiro de 1916, Pacote nº 84, APMFS. O conteúdo integral da mencionada Ata encontra-se no Anexo ?. 303 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 6, página 138, Ano de referência 1899, nº 2216, 29 de Dezembro de 1951]. 304 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 1, página 159, Ano de referência 1901, nº 1601, 02 de Março de 1940]. Dos conselheiros que aparecem no registro feito por Arnold Silva estão alguns nomes que formavam com Agostinho, o grupo político vitorioso nas eleições municipais de 1912. Como Bernardino da Silva Bahia, José Alves Boaventura, Quintiliano Martins da Silva e Juvencio Erudilho da Silva Lima. 305 APMFS, Atas do Conselho Municipal, Ata da 4ª sessão ordinária da 2ª reunião periódica do Conselho Municipal, em 28 de julho de 1902 [Pacote 87-88]. 306 APMFS, Atas do Conselho Municipal, Ata da 1ª sessão ordinária da 4ª reunião periódica do Conselho Municipal da cidade de Feira de Santana, em 16 de setembro de 1902 [Pacote 87-88]; POPPINO, 1968, p. 123.. 307 APMFS, Atas do Conselho Municipal, Ata da Ata da Sessão solene dos membros eleitos do Conselho Municipal e do Intendente, de 1º de janeiro de 1916 [Pacote nº 84]; Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 141, sábado, 19 de Outubro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado, [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 161]. 308 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 6, página 181, Ano de referência 1892, nº 2242, 28 de Junho de 1952].
137
– uma trajetória política, que se confirmou nos anos seguintes. Talvez o próprio
Agostinho tenha se dado conta das possibilidades que tinha de ingressar numa
carreira política na cidade que o acolhera e onde residia a tempos. Ao assumir o
cargo de intendente em 1916, fica claro que tal ocupação foi confiada a um sujeito
que, além do grupo político em que provavelmente estava inserido e que o apoiava,
possuía uma experiência legislativa acumulada antes de ser Intendente.
Portanto, para que se possa visualizar um perfil político plausível do Cel.
Fróes é necessário analisar o cenário político local com suas peculiaridades, sem
perder o vínculo com o contexto mais abrangente da política do Estado da Bahia e
do país durante as duas primeiras décadas do incipiente século XX. E, além disso,
também entender as circunstâncias que envolveram o ingresso de Agostinho no rol
de coronéis de Feira de Santana.
3.1 - "Em terra de cego quem tem um olho é Coronel"
Antes de abordar a inserção de Agostinho Fróes da Motta no grupo de
coronéis de Feira de Santana, é necessário discorrer – mesmo que brevemente –
sobre a Guarda Nacional e o coronelismo. É preciso advertir, no entanto, que não se
pretende com esse estudo, apresentar uma discussão minuciosa sobre o tema,
porque o conceito “coronelismo”, segundo José Murilo de Carvalho, ainda necessita
de revisão309. Espera-se apenas esboçar modestamente as relações entre esse
fenômeno político ocorrido no Brasil a trajetória política do Cel. Fróes na cidade de
Feira de Santana, no início do século XX. Este mesmo autor afirma preliminarmente
que
O coronelismo é, então, um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O Coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca de reconhecimento por parte deste de seu domínio no Estado. O coronelismo é fase do processo
309 CARVALHO, 1999.
138
mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela310
Criada em 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional estava presente em
vários municípios da nação, exercendo funções policiais. E mesmo depois que a
Guarda nacional e a função original do coronel perderam o seu caráter policialesco,
o coronelismo, como prática política, permaneceu na vida pública e social das
diferentes régios do Império. As patentes continuaram sendo conferidas até o ano de
1918311. O título de coronel estendeu-se a partir de então, a qualquer chefe político.
Segundo Victor Nunes Leal, em sua obra clássica sobre o tema, geralmente eram os
ricos fazendeiros ou os comerciantes que ocupavam e atuavam no cargo de
“coronel” ou comandante da Guarda Nacional no município onde viviam. Tal
segmento social continuou sustentando o título de coronel, não mais com o caráter
militar, mas apenas como símbolo de prestígio político312.
Enfim, as gerações de líderes locais continuaram sendo chamados de
coronéis e mantinham o mesmo exercício de poder político durante as últimas
décadas do Império. Mesmo que para Nunes Leal o coronelismo tenha sido um
momento histórico bem delimitado, iniciado e plenamente experimentado entre os
anos de 1889 e 1930, em proporções nacionais, o fenômeno não foi exclusividade
do período imperial por se perpetuar na Primeira República. Sampaio afirma que as
práticas coronelistas
Se intensificam com a República, principalmente, após a política dos governadores, se ativam de forma acentuada as trocas de favores o que super-dimensionava o poder local, e ampliava o poder dos coronéis, tanto com relação à população local quanto com relação às elites políticas estaduais313.
Para este autor, o coronelismo em questão foi um sistema político
“dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o
310 CARVALHO, 1999, p. 132. 311 “Ainda durante o período imperial a Guarda Nacional passou pela segunda reforma. A lei nº 2.395, de 10 de setembro de 1873, determinou que a milícia só deveria ser acionada pelo governo central, provincial ou pelas autoridades locais, em casos de guerra externa ou de revoltas que comprometessem a ordem interior, movidas por libertos ou cativos ou livres sediciosos. Assim, suas funções policiais que se haviam alargado em meados do século XIX, foram extintas antes do advento da República. A própria Guarda. Porém, só seria abolida em 1918 (MGE)”. VAINFAS, 2002, p. 320. 312 LEAL, 1986, p. 21 313 SAMPAIO, 2009, p. 64.
139
poder público fortalecido”314. E na medida em que o Estado se organizava,
aparelhando-se de todos os mecanismos que inibam a ação do poder privado, o
coronelismo iniciou o seu processo de extinção.
Coronéis que tiveram sua trajetória política construída e desenvolvida
durante as últimas décadas do império tiveram que estabelecer novas relações de
poder para se adaptarem as algumas práticas políticas que acompanharam a
instalação do regime republicano de Brasil. Carvalho Junior afirma que tais políticos
tiveram que se ajustar
às novas situações, em uma política de acomodação, que tinham o objetivo de mostrar sua aceitação e ser acolhido pelas novas conjunturas do recente regime. Era o germe de uma política de barganha, onde não entraria mais o ‘ideal’ conservador, pois acima deste, surgia a necessidade real de luta pela sua perpetuação no poder315”.
As relações de poder típicas do coronelismo foram adotadas por estes
políticos provenientes do império, mas também por políticos que certamente
iniciaram sua carreira na Primeira República. Agostinho Fróes da Motta foi um
desses políticos, que iniciou sua trajetória política num contexto marcado pelo
coronelismo da primeira República. E uma vez se destacando como próspero
comerciante e fazendeiro, recebeu – conforme as práticas da época estipulavam – o
título de coronel, do qual gozou as vantagens e exerceu as práticas que,
respectivamente acompanhavam e caracterizavam este título. É nesse contexto da
política nacional que temos que compreender o coronelismo na Bahia, e mais
especificamente em Feira de Santana.
Como foi aludido anteriormente, Agostinho já transitava na política antes
de receber a patente de Coronel, e parece bastante compreensível e nem um pouco
precipitado afirmar que, uma vez coronel, Agostinho tenha alavancado sua carreira
política em Feira de Santana. Mas quando se deu definitivamente a concessão da
patente? Conforme a Carta Patente [VER ANEXO M], expedida em 14 de Setembro
de 1903, “foi nomeado o Tenente Coronel Agostinho Fróes da Motta para o posto de
Coronel Comandante da 42ª Brigada de Infantaria da Guarda Nacional da Comarca
da Feira de Sant’Anna, no Estado da Bahia...”. Alguns dados podem auxiliar a
314 LEAL, 1986, p. 252. 315 Carvalho Júnior, 2000, p. 177.
140
compreensão sobre como Agostinho foi promovido de Tenente-Coronel a Coronel.
Mais uma vez recorremos aos registros feitos por Arnold Silva, em sua já
mencionada coluna. Arnold informa que o Dr. Paulo Guimarães – presidente da
Câmara dos Deputados – respondeu a um telegrama que o Cel. Tito Rui Bacelar lhe
enviara o dia 29 de Agosto de 1903, na qual solicitava que Agostinho Fróes da Motta
fosse nomeado Coronel da 42ª Brigada. Tal resposta foi expedida em duas cartas, a
primeira carta, de 1º de Setembro do ano em questão, afirmava precisamente o
seguinte: “em reposta à sua carta de 29 do mês findo, tenho a santificação de
declarar que o seu recomendado, Agostinho Fróes, vai ser nomeado Coronel.” Na
segunda carta, do dia 10 do mesmo mês, ele reitera a iminente nomeação; que por
sua vez, ocorreria quatro dias depois 316.
Não restam dúvidas de que dois fatores contribuíram – a princípio – para
a nomeação de Agostinho: primeiro, as relações de amizade estabelecidas com
sujeitos que circulavam no cenário político de Feira de Santana, como o Cel. Tito Rui
Bacelar; e, segundo, a própria atuação pública de Agostinho como conselheiro
municipal. Sobre a amizade com o mencionado Cel. Bacelar é oportuno tecer
algumas considerações. O Cel. Rui Bacelar já era uma figura de relevância política
em Feira de Santana e na Bahia da época, assumira a Intendência da cidade entre
Janeiro de 1904 e Abril de 1907, afastando-se do cargo após ser eleito Deputado
Estadual317. Tal prestígio parece que se estendia a círculos políticos mais amplos,
como é o caso do Presidente da Câmara dos Deputados Dr. Paulo Guimarães, que
nas mesmas cartas citadas acima, apresentou-se como parente e amigo318 do Cel.
Bacelar. Este coronel foi fundador e proprietário do Jornal Folha do Norte319, e em
várias de suas edições – entre as diversas notícias por ele veiculadas – a expressão
316 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 4, página 195, Ano de referência 1903, nº 2095, 3 de Setembro de 1949]. 317 ALMEIDA, 2000, p. 65. 318 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 4, página 195, Ano de referência 1903, nº 2095, 3 de Setembro de 1949]. 319 Este periódico – o mais antigo em circulação em Feira de Santana – foi fundado em 1909, cuja primeira edição foi publicada em 1º de Setembro de 1909. Permaneceu como propriedade do Cel. Tito Ruy Bacelar até seu falecimento em março de 1922, quando sua viúva Dona Rufina dos Passos Bacelar, o vendeu para Arnold Silva em 5 de Abril do mesmo ano. In. Museu Casa do Sertão/BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 625, sábado, 8 de Abril de 1922, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1922 033]. A título de informação a propriedade do Jornal Folha do Norte foi avaliada em 5:500$000 de reis. In. CEDOC, Cíveis, Inventário de Tito Ruy Bacelar, Feira de Santana, 1922.
141
“amigo e correligionário” – dirigida a Agostinho Fróes da Motta, aparece com certa
frequência.
Mas para além da amizade com o Cel. Bacelar é importante lembrar –
como já foi apontado acima – que Agostinho já se destacava no Conselho Municipal,
situação que vem à tona justamente no ano de sua nomeação a coronel. Em
meados de 1903, o Cel. José Freire de Lima, Intendente em exercício, falece e não
completa o mandato, e Agostinho o substitui interinamente de Julho a Dezembro do
referido ano320. Diante de tal circunstância, teria o Cel. Bacelar concluído que
conferir o título de Coronel a Agostinho seria um ato de reconhecimento à atuação
daquele como conselheiro municipal? O fato de já ser um importante comerciante –
de longa data e experiência – teria também contribuído para que o Cel. Bacelar
solicitasse a nomeação de Agostinho como Coronel? É difícil não responder
afirmativamente estas questões. Não restam dúvidas de que as razões apontadas
acima se configuram em motivações suficientemente para a solicitação do Cel.
Bacelar. Enfim, os motivos que levaram Cel. Bacelar a solicitar o título de coronel
para Agostinho provavelmente foram os mesmos que levaram o já mencionado
Intendente José Freire de Lima isentar Agostinho do pagamento de um imposto
urbano cobrado sobre os imóveis da cidade. Vejamos a resolução propriamente dita
sancionada em 4 de Setembro de 1902:
Intendência Municipal da Cidade de Feira de Sant” Anna, 1º de Setembro de 1912. Srs. Membros do Conselho Municipal. Levo ao vosso conhecimento, para os devidos fins, que fiz publicar e cumprir as resoluções seguintes: Nº 69, em data de 15 do mês transato321, aprovando as contas da receita e despesa deste Município; Nº 70, a fazer aquisição de um terreno, no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, para jazigo perpetuo do Doutor Remédios Monteiro; Nº 71, em 18 ainda do referido mês, concedendo ao tenente-Coronel Agostinho Fróes da Motta, isenção do imposto de décima, por dez anos, para umas casas pelo mesmo edificadas às ruas General Pedra, uma no fim da mesma rua e mais duas à rua 24 de Maio. Saúde e Fraternidade.322
320 POPPINO, 1968, p. 149. 321 Transato. Que já deixou de existir, que já passou; passado, pretérito, anterior ao atual. In. Dicionário eletrônico Houaiss de língua portuguesa 3.0. 322 APMFS, Atos da Intendência, Livro 4, Ato nº 25, Setembro de 1902. 318 APMFS, Livro de Décimas, Livro 3, 1903, folhas 3V-8R. Não foi possível indicar quanto mil reis Cel. Fróes da Motta deixou de pagar durante os dez anos que permaneceu isento da décima urbana, pois não foram indicadas quais casas nas ruas General Pedra e 24 de Maio foram contempladas com a isenção do dito imposto.
142
Tal isenção, confirmada com o seu registro no Livro Três de lançamentos
da Décima Urbana (1903)318, demonstra que Agostinho Fróes da Motta gozava de
respeito e reconhecimento no círculo político do governo municipal323. É certo que o
Ato do Intendente Cel. Freire não foi revogado pelo Intendente que o sucedeu, já
que este foi justamente o Cel. Tito Rui Bacelar, que – como já foi pontuado – era
amigo declarado de Agostinho. No governo do Cel. Abdon Alves de Abreu, que
assumiu a intendência em 1908, em meio a divergências e disputas políticas, não foi
encontrado nenhum ato de revogação. É possível afirmar, portanto, que o Cel.
Agostinho tenha realmente deixado de pagar tal imposto durante os dez anos
indicados no Ato da Intendência. Levando a crer que a atuação do Cel. Fróes da
Motta na política local foi acompanhada de prestígio e privilégios – senão do começo
da trajetória, pelo menos a partir da época em questão.
No entanto, independentemente da amizade com outros chefes políticos
da cidade, é fundamental lembrar que Agostinho também já se enquadrava nos pré-
requisitos necessários para obtenção do título de Coronel. Era um comerciante em
ascensão econômica e vinha se destacando na política local. Tinha influência
política e condições financeiras para comprar a patente, prática que era usual e
comum no Brasil aos que desejavam obter tal posto na Guarda Nacional. Segundo
Moiseis Sampaio, desde quando fundada, os comandantes da Guarda Nacional
“eram escolhidos dentre aqueles que mantinham melhores relações com as autoridades da província através de nomeações provinciais. Com o tempo as patentes eram vendidas. O acesso aos postos de comando excluía aqueles que não fossem possuidores de altos rendimentos324.
O recém Coronel Agostinho Fróes da Motta, portanto passou a integrar e
ampliar o rol de coronéis de Feira de Santana, que por sinal era formado por muitos
homens de prestígio. Segundo registro feito por Arnold Silva, o extinto jornal O
Progresso noticiou em 1905, que a revista “O Malho” do Rio de Janeiro, dedicou
uma de suas edições ao estado da Bahia, destacando “elogiosas referências” à
Feira de Santana, chamando-a de “terra de coronéis”, citando e enumerando alguns
323 Mais uma vez as relações entre o público e o privado marcaram a trajetória de vida de Agostinho. A isenção do imposto da Décima Urbana se caracteriza com o mesmo teor patrimonialista que Agostinho mantinha com o poder judiciário local. 324 SAMPAIO, 2009, p. 51.
143
dos que atuavam nesta cidade325. A relação dos coronéis citados pela revista em
questão, foi a seguinte:
José Freire Lima, Abdon Alves de Abreu, Tito Ruy Bacelar, Agostinho Fróes da Motta , Quintiliano Martins da Silva, João Manoel de São Boaventura, José Antunes Guimarães, José Pedro de São Leão, João Mendes da Costa, Macario Joaquim da Silva Lima, Antonio Alves de Freitas Borja, Anibal José Pereira Borges...326
Além desses, podem ser também arrolados outros coronéis, como
Bernardino da Silva Bahia, Tertuliano José de Almeida, Epiphanio José de Souza,
Antonio Silvany Ribeiro Sampaio, Manoel Ribeiro de Macêdo, Álvaro Simões
Ferreira entre outros327. Não se pretende nesse estudo listar todos os coronéis de
Feira de Santana na época de Agostinho, mas apontar apenas para a quantidade
relativamente volumosa de indivíduos possuidores dessa patente; como também,
outros tanto sujeitos que possuíam patentes inferiores, como as de Tenente-coronel,
Major e Capitão, e que esperavam receber o título de Coronel, da mesma forma que
os citados acima. Mas por que havia tantos coronéis em Feira de Santana? Enfim,
qual o lugar e função destes indivíduos na cidade?
Quanto à primeira pergunta Eul-Soo Pang esclarece que qualquer
candidato desejoso de algum cargo, seja em esferas estaduais como federais, via-se
obrigado a requerer apoio eleitoral de chefes políticos nas diversas localidades de
suas respectivas regiões e Estados. De forma que a “concessão de títulos da
Guarda Nacional era frequentemente um meio positivo de obter apoio328”. Na sua
pesquisa, em livros de registros de patentes de oficiais, entre os anos 1869 e 1918,
Pang identificou que entre “1902 e 1914, o governo federal distribuiu 11.269 postos
entre os baianos329”. Diante dessa constatação, se evidencia mais um motivo para o
Cel. Tito Ruy Bacelar ter solicitado e conseguido a concessão da patente de coronel
para o Tenente-Coronel Agostinho Fróes da Motta. Aquele, após ocupar a
Intendência entre 1904 e 1907, candidata-se e conquista o cargo de Deputado
325 BSMG, Coluna Vida Feirense [Livro 1, página 69, Ano de referência 1905, nº 1520, 27 de Agosto de 1938]. 326 Idem. 327 Esses nomes de coronéis foram localizados em fontes documentais e bibliográfica diferentes. Como a própria Coluna Vida Feirense; alguns inventários do CEDOC e o Dicionário Personativo, Histórico e Geográfico de Feira de Santana, de Oscar Damião de Almeida. 328 PANG, 1979, p. 30 329 Idem.
144
Estadual antes de encerrar a gestão da Intendência. Indubitavelmente, ele não teria
alcançado tal cargo sem o apoio dos coronéis de Feira de Santana e região, sejam
os que tinham sido nomeados recentemente e daqueles nomeados em anos
anteriores. E é justamente neste rol de novos coronéis que Agostinho está
circunscrito. Nada mais coerente com a política da época do que o recém Cel. Fróes
da Motta, apoiar seu “padrinho político” na candidatura a Deputado Estadual.
Quanto à segunda pergunta novamente Pang nos fornece uma pista para
esboçarmos uma resposta plausível. Entre os vários tipos de coronel que este autor
classifica está o coronel ocupacional. E uma das ocupações frequentes entre os
coronéis no Brasil é o comércio. Portanto, de acordo com Pang
O costume luso-brasileiro de coroar o sucesso econômico tornando-se proprietário de terras ainda prevalecia na Primeira República, porém nas capitais e nas cidades costeiras e do interior o poder político dos comerciantes começou a superar o da classe dos proprietários de terras. Nas capitais de estado, assim como nas cidades do interior, tais como Juazeiro e Feira de Santana, na Bahia, Petrolina, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba, os comerciantes, e não os proprietários de terras dominavam a política330.
Em Feira de Santana, especificamente no período em questão (1900 a
1922), é possível confirmar que de fato os comerciantes detinham o controle político
da cidade, quer ocupando a maioria das cadeiras no Conselho Municipal quer
ocupando o cargo de Intendente. Como exemplos reais desse tipo de coronel em
Feira de Santana, basta citar os coronéis Manoel Ribeiro de Macêdo, Álvaro Simões,
Epiphanio Souza, e os próprios Bernardino Bahia e Agostinho Fróes da Motta. Estes
dois em particular, ocuparam sozinhos a intendência da cidade durante quase dez
anos (1912 a 1920), destacando-se exclusivamente por causa do comércio. O
primeiro no comércio de gado, juntamente com seu irmão Amado Bahia atuante na
capital baiana; e o segundo, como já foi abordado no Capítulo II, principalmente no
comércio de fumo, embora também transitasse no lucrativo comércio de gado.
Agostinho Fróes da Motta foi, portanto, um coronel comerciante. Mas
outro elemento definidor precisa ser analisado e devidamente exposto. Agostinho
também era um “homem de cor”, e sua condição étnica lhe insere em outra tipologia
de coronel que surge na Bahia, e provavelmente em outras regiões e Estados
330 PANG, 1979, pp. 57-58.
145
brasileiros: a de coronel com ascendência negra e escrava. É claro que não existem
ainda muitas pesquisas acerca de coronéis mestiços, negros ou “de cor” na Bahia, a
ponto de se convencionar uma nova tipologia de coronel, mas é possível sugerir que
novas pesquisas possam fornecer maior respaldo para a discussão sobre coronéis
negros ou mestiços. Por enquanto, apenas dois trabalhos discorrem sobre o tema,
inclusive em torno do mesmo indivíduo, o Coronel Francisco Dias Coelho, “filho e
neto de negros agregados da Fazenda Gurgalha” na região da Chapada Diamantina,
entre os anos 1864 e 1919.
O primeiro trabalho, é a dissertação de Moiseis de Oliveira Sampaio, se
ocupa em abordar a trajetória de vida do Coronel Dias Coelho, destacando sua
proeminente atuação política no sertão da Chapada Diamantina, em específico na
cidade de Morro do Chapéu, durante os últimos anos do século XIX e os primeiros
anos do século XX331. O segundo trabalho, também outra dissertação, de Jedean
Gomes Leite, se preocupa não necessariamente em investigar a trajetória de vida do
Coronel Dias Coelho, mas os resquícios do legado político deste coronel e as
disputas políticas que ocorreram na cidade de Morro de Chapéu após seu
falecimento em 1919332.
Pelo seu caráter biográfico, o trabalho de Moisés Sampaio, oferece várias
discussões pertinentes e mais específicas quanto à trajetória do Cel. Agostinho
Fróes da Motta. Sampaio defende que o Coronel Dias Coelho, estabeleceu um
coronelismo diferente do “coronelismo branco” que dominava geralmente nas
cidades e pequenas localidades como Morro do Chapéu. Este coronelismo era
caracterizado como elitista, culturalmente agrário e conservador, que usava – sem
escamotear - de violência física e abusava das eleições fraudulentas para exercer e
perpetuar seus círculos de dependência e domínio333. Já o coronelismo de Francisco
Dias Coelho foi pautado pelas estratégias políticas334 que usou para chegar e
manter-se no poder em Morro do Chapéu, assim também como pela composição do
331 SAMPAIO, Moiseis de Oliveira. O coronel negro: coronelismo e poder no norte da Chapada Diamantina (1864 – 1919), 2009. 146f. Dissertação (Mestrado em História Regional e Local), Universidade do Estado da Bahia, Santo Antonio de Jesus, 2009. 332 LEITE, Jedean Gomes. “Terra do frio”, coronéis de “sangue quente”?: política, poder e alianças em morro do chapéu (1919-1926), 2009, 167f. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana , 2009. 333 SAMPAIO, 2009, pp. 14-15. 334 Estas estratégias serão abordadas num exercício de comparação ao longo dos próximos subtítulos deste capítulo.
146
grupo político formado e liderado por ele nesta cidade. Tais estratégias podem ser
resumidas nas seguintes ações: construção política e ideológica da própria
imagem335, discurso progressista acompanhado pela integração desta cidade com
os distritos, realizações (obras) no espaço público de Morro do Chapéu336 e
promoção da alfabetização das camadas populares com objetivos claramente
eleitorais337
O ingresso de Agostinho Fróes da Motta e de Francisco Dias Coelho no
rol de coronéis baianos apresenta – como se pode notar – algumas semelhanças,
além da ancestralidade negra e escrava. Os dois eram comerciantes que se
enriqueceram a partir de seus respectivos ramos comerciais (Agostinho com o fumo
e Francisco Dias Coelho com o carbonato338) durante os dois últimos decênios do
século XIX. E justamente esta prosperidade econômica permitiu para que ambos
fossem indicados ou pudessem comprar a patente de coronel da Guarda Nacional.
Segundo Sampaio,
a distinção de cor não cessa com a instituição e nem nas fileiras da Guarda Nacional. Esta instituição tinha as suas mais altas patentes formadas pela elite branca e tradicional. Entretanto, abria espaço para que indivíduos não brancos e que ascenderam economicamente pudessem ocupar postos importantes dentro da instituição. Esta provavelmente seria uma das poucas possibilidades de um negro ascender socialmente no meio político da Chapada Diamantina no Século XIX. A patente de tenente-coronel da Guarda Nacional era evidência da ascensão econômica de Dias Coelho339.
Para Francisco Dias Coelho, o título de Coronel foi fundamental para sua
trajetória política, que tomava fôlego a partir daquele momento. Os obstáculos da cor
foram superados pela sua fortuna e reconhecimento público. Agostinho Fróes da
Motta – embora tenha recebido o título de coronel bem mais tarde que Dias
Coelho340 – já mantinha uma trajetória política como conselheiro municipal, de forma
que as mesmas prerrogativas de coronel, diferentemente de Francisco Dias Coelho,
serviram mais para ampliar o prestigio e alavancar sua força política em Feira de
335 Idem, p. 76-82. 336 Idem, pp. 96-115. 337 Idem, p. 88. 338 Idem, p. 47-48. 339 Idem, pp. 49-50. 340 Francisco Dias Coelho já assinava como coronel desde 1892 (SAMPAIO, 2009, p. 49) e Agostinho Fróes da Motta, conforme já mencionado anteriormente, tornou-se coronel em 1903.
147
Santana. Muito provavelmente o elemento étnico presente nitidamente na cor de sua
pele foi “superado” de forma semelhante a Francisco Dias Coelho; isto é, o fato de
ser um abastado comerciante e também lograr da posição de coronel foi suficiente
para que sua ancestralidade negra não permanecesse no foco das atenções.
Entretanto, isso não significou necessariamente que não se enxergasse ou não se
percebesse sua condição de “homem de cor”, por trás do respeitado comerciante e
coronel. Tal situação fica evidente na atuação de Agostinho Fróes da Motta tanto
nas relações políticas como no governo do município.
Por fim, vale ressaltar que o coronelismo atuante em Feira de Santana
durantes as duas primeiras décadas do século XX apresentou algumas diferenças
do coronelismo tradicional. Enquanto este se caracterizou por necessariamente
ruralizado, familiocrático, centralizado na figura de um único coronel que controlava
a vida de todos na localidade e região de origem e atuação, e procurava manter-se
no poder através das fraudes eleitorais e da violência. Em Feira de Santana, não
existiu um coronel que se destacasse, mas sim, vários coronéis que se mantinham
vinculados ao Partido Republicano da Bahia sem maiores divergências, exceção
para o período marcado pela disputa acirrada e violenta entre o grupo liderado pelo
Cel. Abdon de Abreu e o grupo encabeçado pelos Cel. Tito Ruy Bacelar e Cel.
Bernardino Bahia, por volta de 1907 e 1912. Este momento em particular, bem como
a atuação política do Coronel Fróes da Motta serão abordados a seguir.
3.2 - A política em Feira de Santana na época do Ce l. Fróes.
Para entender melhor o papel do Cel. Fróes no cenário político de Feira
de Santana, se faz necessário contextualizar a atuação do governador José Joaquim
Seabra e sua política de submissão dos coronéis. Segundo Jedean Gomes Leite
Desde sua primeira gestão no executivo estadual, a relação entre ele e muitos coronéis do interior ficou um tanto estremecida. Seabra, no intuito de assegurar a eleição do seu sucessor, Antonio Muniz, apresentou uma nova lei eleitoral. Aprovada, definiu que os intendentes municipais passariam a ser nomeados pelo governador. Na prática, esta iniciativa merece destaque na empreitada centralizadora desencadeada por J. J. Seabra em seu
148
primeiro governo. Isso caracterizou de forma mais objetiva os ferozes ataques aos poderes locais dos coroneis do interior341.
Segundo Pang, Seabra já no fim do seu governo, pretendia manter o
Estado sob o seu próprio controle, mesmo a Constituição Federal não permitindo
que ele pudesse ser seu próprio sucessor. Indicando os intendentes – a depender
deste, o intendente permaneceria ou não no cargo – Seabra teria o controle além do
apoio dos grupos locais do interior do Estado e garantiria a continuidade de sua
política elegendo seu candidato Antonio Muniz. Sendo assim, Seabra, nos “quatros
últimos meses do seu governo (dezembro de 1915 – março de 1916), aproveitou
todas as vantagens da lei da reforma, nomeando 135 intendentes (de um total de
141)”342 e garantiu apoio necessário para eleger o sucessor. Mas bem antes de
governar a Bahia, ainda como ministro da Justiça e dos Negócios Interiores no
governo do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), exerceu – entre várias
atribuições do cargo – “a concessão de patentes da Guarda Nacional, função que
lhe renderia preciosos aliados, especialmente, entre grandes proprietários rurais.”343
Sem dúvida alguma o Cel. Fróes, que conforme Pang, estava entre os
cinquenta dos coronéis mais “ativos” da Bahia no período344, foi um dos intendentes
estrategicamente nomeados por Seabra. E fazendo isto, Seabra forçava os
intendentes a serem mais dependentes do governador; e uma vez ampliada essa
dependência, os coronéis, inclusive Agostinho, estariam politicamente sob seu
controle, mesmo que durante os quatro anos seguintes, o governo do Estado fosse
ocupado por Antonio Ferraz Moniz de Aragão, apadrinhado político de Seabra345.
Esse controle sobre os intendentes, o que representava um significativo
poder sobre a maioria dos municípios, teve uma relevante aceitação pelo novo corpo
legislativo feirense eleito em 1915 e que tomou posse em janeiro de 1916. Segundo
consta, na já menciona Ata da sessão solene, um dos membros do novo Conselho
Municipal, o Sr. Dr. Auto Reis enaltece a figura do Intendente [Cel. Fróes], “ao qual
ligará laços de grande estima e alta consideração”, e felicita a justa escolha do
341 LEITE, 2009, p. 96. A lei em questão foi a Lei nº 1.102, de 11 de agosto de 1915, conhecida como Lei de Organização Municipal. 342 PANG, 1979, p. 124 343 CUNHA, 2011, p. 90. 344 Idem, p. 246. 345 Idem, p. 128.
149
Governador de Estado em nomear o referido intendente. E para selar
definitivamente o evidente apoio do poder legislativo local, na mesma ata é relatada
a votação – seguida de unânime assinatura do Conselho – de “uma moção de inteira
solidariedade ao Exmo. Dr. Governador do Estado [Seabra] e outra de
congratulação ao Exmo. Dr. Antonio Moniz governador eleito” 346.
Seabra, provavelmente movido pelo resultado de sua estratégia política,
deve ter realizado visitas, senão a todos, pelo menos a alguns municípios de maior
expressão e relevância. Em Feira de Santana ao menos, ele esteve no seu último
mês (março de 1916) como governador347. Na mesma ocasião da posse de
Agostinho como Intendente indicado pelo Governador, há uma alusão explícita ao
canário político de Feira de Santana nos quase oito anos que antecederam este
momento. Geralmente, em ocasiões solenes como a posse de novos representantes
do poder legislativo e executivo, quaisquer divergências existentes entre os sujeitos
de maior relevância no cenário político onde ocorrem tais eventos, são brevemente
prescindidas em nome do decoro parlamentar que tais situações públicas exigem.
No entanto, parece que o momento político que o município de Feira de Santana
vivia indicava uma aparente ausência de grandes conflitos políticos locais. Pelo
menos, a partir da posse do Cel. Agostinho no cargo de Intendente, se anunciaria
uma época sem as pendengas políticas que marcaram o período anterior. Quando o
Cel. Fróes, segundo o relator de suas palavras, afirma que “no seu governo não
accomodará, também, [...] conveniencias antipatrióticas e de politiquice”348, pode se
supor a princípio que existia em seus projetos de governo, uma pretensão de
continuar zelando pelo bem público da cidade e não se envolver em maiores
embates políticos,
Sobre o significado da “politiquice” é possível levantar as seguintes
considerações. Segundo Aldo José Moraes Silva, o quadro político feirense no início
do regime republicano continuou apresentando uma relativa homogeneidade, que se
346 APMFS, Atas do Conselho, Pacote nº 84. 347 Esta visita é mencionada por um comunicado do Intendente Fróes ao Conselho Municipal, datado de 29 de abril de 1916, Atos da intendência, Pacote 148, Doc. s/nº, APMFS. 348 Na discussão feita nesse subtítulo serão mencionados três Intendentes de Feira de Santana, além é claro do Cel. Fróes. Por isso, para facilitar a compreensão sobre o período de governo de cada um deles, se torna oportuno registrá-los nesse espaço, obedecendo a uma ordem cronológica. Cel. Tito Ruy Bacelar (01/01/1904 a 22/05/1907); Abdom Alves de Abreu (01/01/1908 a 15/101912); Cel. Bernadino da Silva Bahia (1º mandato de 15/10/1912 a 01/01/1916 e o 2º mandato de 11/01/1920 a 01/01/1924) e Cel. Agostinho Fróes da Motta (01/01/1916 a 11/01/1920). POPPINO, Rolie E. Feira de Santana, Salvador: Itapoá, 1968, p. 149.
150
caracterizava pela alternância de grupos políticos ligados geralmente a atividades
econômicas comuns. Essa uniformidade política é rompida, conforme este autor, por
uma divergência ocorrida por volta do ano de 1905, protagonizada pelo Intendente
Cel. Tito Ruy Bacelar e seu ex-apadrinhado político, o senhor Abdom Alves de
Abreu. Este, de acordo com um dos periódicos pesquisados349 e citados por Aldo
Silva, teria se insurgido contra seu padrinho ao manifestar “suas aspirações à
intendência nas eleições que se realizariam dali a mais três anos”350. Isso gerou um
clima de mal-estar no grupo político tradicional, representado pelo Cel. Tito Bacelar
e grupo dissidente liderado por Abdom de Abreu. Tal clima se agravou ainda mais
quando este assume a Intendência sucedendo o seu antigo mentor351. E pelo que
afirma Clóvis Oliveira, a partir do Jornal Folha do Norte, o cenário político não era
dos mais amistosos, pois o novo Intendente “o Cel. Abdom de Abreu tomou posse
na Intendência municipal ‘assessorado’ por uma tropa da força pública estadual e
vários correligionários armados até os dentes”352.
Sobre este episódio, o Jornal Folha do Norte, relata o seguinte, anos mais
tarde:
Esses homens que, a 28 de dezembro de 1907, mancharam de lama as páginas de nossa história, assaltando, vergonhosamente à mão armada, o paço municipal – o que constituiu a maior prova de desprestígio – esses homens devem penitenciar-se do grande pecado, que marcou o início do seu governo. 353
A “politiquice” a que se refere Agostinho Fróes da Motta na posse da
Intendência corresponde precisamente ao período em Feira de Santana foi
governada pelo Cel. Abdon Alves de Abreu. Seu governo foi marcado pela
contundente oposição assumida pelo grupo formado e liderado tanto pelo Cel. Tito
Ruy Bacelar como pelo Cel. Bernardino Bahia. Tal oposição caracterizou-se
inclusive por boicotes a pagamento de impostos354e se estendeu durante todo o
governo de Abdom de Abreu.
349 Jornal O Progresso, nº 308, de 24 de dezembro de 1905. Cf. SILVA, Aldo J. Moraes. Natureza Sã, civilidade e comércio em Feira de Santana – Elementos para o Estudo da Construção de Identidade Social no Interior da Bahia (1833 – 1937), 2000, mpp. 164-165. 350 SILVA, Aldo J. Moraes, 2000, p. 165. 351 Idem, p. 167. 352 OLIVEIRA, 2000, p. 63. 353 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 66, Domingo, 22 de Janeiro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 009]. 354 OLIVEIRA, 2000, p. 64.
151
Mas para entender melhor o caráter das disputas políticas feirenses na
época em questão, vale pontuar um esclarecimento – mesmo que brevemente –
sobre a história e o perfil político de alguns jornais que circulavam em Feira de
Santana. Dois periódicos se destacam: O Progresso e A República. O primeiro
apoiava o Cel. Tito Bacelar; e o segundo apoiava Abdom de Abreu. Ambos
periódicos teciam críticas recíprocas, e só não continuaram se agredindo a “bico de
pena” porque saíram de circulação. O A República foi o primeiro, logo em 1906, e O
Progresso, provavelmente em 1909355.
No mesmo ano de 1909, em 17 de setembro, o Ex-Intendente Cel. Tito
Ruy Bacelar funda o Jornal Folha do Norte. E como este coronel também era o seu
redator (editor), o referido jornal obviamente assumiria a tarefa de divulgar as ideias
e opiniões do seu fundador. Dessa maneira, o recém-criado jornal sucede
politicamente o Jornal O Progresso e prosseguiu nas críticas ao governo de Abdon
de Abreu, como veremos mais adiante. Mas parece que o Sr. Abdom também tinha
um periódico a fornecer-lhe voz e apoio, durante o governo deste intendente: o
Jornal O Município, fundado (1908). Tal jornal surge “como um instrumento de
defesa do intendente em meio a um confronto generalizado” 356.
O jornal O Município, em suas primeiras edições já demonstra os
objetivos de sua fundação: defender os interesses e a imagem do novo intendente, o
Cel. Abdon Alves de Abreu. Pois bem, na sua sexta edição, este jornal apresenta um
longo artigo de primeira página contendo críticas ferrenhas à administração do
intendente anterior – o Cel. Tito Ruy Bacelar – acusando-o não só de deixar o
município falido, sem os recursos previstos em caixa, mas também de contrair e não
saldar dívidas por empréstimos. Além disso, denuncia também o boicote que os
aliados do seu antecessor estavam fazendo ao pagamento de impostos. O trecho a
seguir explicita bem o clima intempestivo que imperava na política de Feira de
Santana durante a gestão do Cel. Abdon de Abreu.
O sr. coronel Abdon, não encontrou um só real do exercício anterior, quando era de presumir-se a existência de um saldo superior a 6:000$000, nem também os livros de lançamentos dos foros e da décima urbaba, encontrando, entretanto, afixado na porta do paço municipal a prova inconcussa da falência do município, a qual era um deprimente edital a
355 SILVA, 2000, pp. 164-169. 356 OLIVEIRA, 2000, p. 64.
152
requerimento dos prestamistas Moraes & C. e Almeida Castro & C., que alegavam não ter a intendência anterior feito o pagamento da prestação do empréstimo de 100:000$000, vencida em novembro, e pediam a intimação dos contribuintes dos impostos de rezes abatidas para o consumo e dos de exportação para não pagarem à mesma intendência e sim a eles prestamistas em virtude de uma das clausulas do contrato, que exibiram. [...] não tem conseguido receber o imposto de gado nem os que ilegalmente foram dados em garantia do referido empréstimo, e que tem encontrado as maiores dificuldades na arrecadação dos outros, já pela má vontade dos contribuintes seus adversários e dos mal aconselhados por estes357.
As críticas à gestão do Cel. Tito Ruy Bacelar continuaram veiculadas nas
edições seguintes do Jornal O Município, bem como as denúncias contra o boicote
ao pagamento de determinados impostos municipais por parte de seus opositores
durante o primeiro ano (1908) de governo do Cel. Abdon de Abreu358. As
divergências entre o grupo liderado por Abdon de Abreu e Tito Ruy Bacelar não se
restringiu apenas às suas diferenças em âmbito local, mas estavam também
circunscritas ao cenário mais amplo da política baiana e nacional. Por isso se faz
necessário abordar alguns episódios nos dois palcos políticos: o estadual e o
federal.
Para início de conversa, não se pode afirmar com certeza se a cisão do
Partido Republicano Baiano (PRB), em abril de 1907359, protagonizada pelo então
governador José Marcelino de Souza e o líder do partido, Severino Vieira tenha
357 BSMG, Jornal O Município, edição nº 6, 30 de Junho de 1908, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo O Município 1908 019]. É necessário informar os exemplares do jornal O Município, consultados neste trabalho estão disponíveis no acervo digital do Museu Casa do Sertão, cujo consulta pública pode ser realizada na Biblioteca Setorial Monsenhor Renato Galvão (BSMG). As edições deste periódico – presentes no mencionado acervo – correspondem aos anos 1908, 1909, 1910 e 1911. Por diversos motivos existem lacunas entre as edições produzidas nesses quatro anos, mas independente de tais lacunas, foi possível traçar um exercício de comparação entre as notícias do O Município e do Jornal Folha do Norte entre os anos de 1909 e 1911. 358 Edições nº 7 (19 de Julho); nº8 (9 de Agosto); nº 9 (23 de Agosto) só para citar alguns. É oportuno informar que os nomes dos coronéis Quintiliano Martins, Tertuliano Almeida, Bernardino Bahia e do próprio Agostinho Fróes da Motta aparecem na lista de devedores do imposto de gado. Seus nomes formam o grupo político que vence as eleições de 1912 contra o grupo político liderado pelos Cel Abdon de Abreu. 359 José Marcelino, que foi indicado por Severino Vieira a sucedê-lo no Governo da Bahia em 1903, ao se aproximar do fim de seu mandato, indica – como a tradição política do estado – para seu sucessor o nome de José Ferreira de Araújo Pinho, o que contrariava as intenções de Severino Vieira; que por sua vez, não conferiu apoio ao candidato marcelinista. Este e outros episódios da história política da Bahia e do Brasil no período entre 1907 e 1912 – que serão abordados neste capítulo – são objeto de discussão de alguns trabalhos. Os trabalhos que serviram de fundamentação teórica foram os seguintes: SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia : J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana da Primeira República, 2009, 143 f, Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009; SAMPAIO, Moiseis de Oliveira. O coronel negro: coronelismo e poder no norte da Chapada Diamantina (1864 – 1919), 2009. 146f. Dissertação (Mestrado em História Regional e Local), Universidade do Estado da Bahia, Santo Antonio de Jesus, 2009; CUNHA, Joaci de Souza. O fazer político da Bahia na República Velha, 317 f. Tese (Doutorado), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011, e o SAMPAIO, Consuelo Novais. Os Partidos Políticos da Bahia na Primeira República. Salvador: Edufba, 1978.
153
influenciado diretamente a cisão local entre Abdon de Abreu e Tito Ruy Bacelar.
Mas, certamente, desencadeou uma série de eventos políticos que – uma vez
concatenados com o contexto político nacional – foram decisivos para a política
feirense na época. O rompimento político entre José Marcelino e Severino Vieira, foi
vantajoso – por exemplo - para J. J. Seabra, porque permitiu a si próprio e ao grupo
seabrista ganharem força na política baiana ao apoiar o candidato de José
Marcelino, que governou a Bahia entre 1908 e 1911. A vitória de Araujo Pinho nas
eleições governamentais garantiu a Seabra sua candidatura vitoriosa como
Deputado Federal em 1909360. Mas sua eleição a Deputado Federal, não foi o
bastante para satisfazer os interesses desse político baiano.
Nas eleições presidenciais ocorridas em 1909, diferentes grupos políticos
se dividiram em torno dos dois candidatos concorrentes, o marechal Hermes da
Fonseca e o Senador Ruy Barbosa. Segundo Sarmento “Pela primeira vez na
República, duas candidaturas presidenciais apresentavam-se ao confronto com
certo peso político.”361 Apoiando o conterrâneo Ruy Barbosa, estavam o governador
Araujo Pinho e seu antecessor José Marcelino, e declarando apoio a Hermes da
Fonseca, estavam outros dois políticos baianos, Severino Viana e J. J. Seabra.
Embora apoiassem o mesmo candidato presidencial e fossem opositores ferrenhos
de um político local, Seabra e Vieira nunca se aliaram. É inserido nessas
circunstâncias que Seabra amplia sua força política, pois com a vitória de Hermes da
Fonseca (1º de Março de 1910), a balança começa a pender para seu lado. Enfim,
era “o marechal Hermes quem comandaria a política brasileira nos anos seguintes,
para grande satisfação e esperança dos que apoiaram sua candidatura na Bahia,
como o deputado federal J. J. Seabra.”362 Não perdendo tempo, Seabra fundou no
dia 15, do mesmo mês e ano, uma nova agremiação política, o Partido
Democrata363, com a qual pretendia claramente desferir saltos mais longos na
política baiana.
O posicionamento dos governistas baianos José Marcelino e Araujo Pinho
em se oporem a Hermes da Fonseca, candidato que mais agradava o então
360 SARMENTO, 2009, pp. 77-78. 361 Idem, p. 81. 362 Idem, p. 87. 363 Idem, p. 88.
154
presidente Nilo Peçanha, foi equivocado, considerando as estratégias utilizadas no
jogo político entre o governo federal e os estados.
essa inobservância da regra de ouro da Política dos Estados, os detentores do poder estadual [José Marcelino e Araujo Pinho 364] foram lançados na contracorrente do bloco hegemônico de sustentação do mandato presidencial do Mal. Hermes da Fonseca, vencedor do pleito. Além disso, o líder da oposição local, J. J. Seabra foi elevado à condição de ministro e candidato natural a ocupante do Palácio Rio Branco, num contexto de crescente reação dos militares às chamadas oligarquias regionais365.
Como único representante baiano a compor o conjunto de ministérios do
governo de Hermes da Fonseca, quando este tomou posse em novembro de 1910,
Seabra – agora ministro da Viação e Obras Pública – se aproximava cada vez mais
de seu maior objetivo: o governo do seu estado de origem. A projeção política que
Seabra alcançou a partir dessa nomeação repercutiu também na política feirense.
O Cel. Abdon de Abreu foi acusado pelos seus opositores de manter
durante toda sua trajetória política uma postura oscilante em relação à política
estadual. Seus adversários, através do Jornal Folha do Norte chegam a declará-lo
como traidor de quem sempre lhe apoiava. Como por exemplo, a Seabra, quando
este era ministro do Interior do Governo de Rodrigues Alves. Conforme artigo
publicado na edição nº 31 do supracitado jornal, o Cel. Abdon de Abreu, mesmo
depois de receber favores do ministro Seabra, votou “nos candidatos do Partido
Republicano, chefiado pelo senador Severino Vieira”; ou quando “amava
platonicamente” o então governador Luiz Viana, e o renegou para apoiar seu
sucessor Severino Vieira; ou quando apoiando José Marcelino, candidato à
sucessão, “que lhe deu a posição [Intendente 366] que de fato ocupa”; e na
sequência dos fatos, quando obrigatoriamente teve que apoiar o candidato deste,
Araujo Pinho, atual governador; decide traí-lo, “simulando solidariedade, conquanto
364 Grifo do autor 365 CUNHA, 2011, p. 65. 366 Grifo do autor.
155
por intermédio do sr. Mendes367 vai arranjando seu lugar nas fileiras do
Democrata”368.
O grupo de Tito Ruy Bacelar deixa bem claro que seguia as diretrizes do
Partido Republicano da Bahia, liderado pelo Senador Severino Vieira. Tal afirmação
político-partidária é transmitida em outro artigo denunciando o fechamento do prédio
onde ocorreria a 1ª seção eleitoral para os candidatos a deputados e senadores, fato
ocorrido no dia 8 de janeiro de 1911. Após extenso artigo se seguiu um também
extenso semelhante abaixo-assinado com os nomes dos eleitores que deixaram de
votar no fatídico dia. E entre os quatro primeiros nomes que encabeçam esta lista
estão – por ordem de assinatura – os coronéis Bernardino da Silva Bahia, Agostinho
Fróes da Motta e Tito Ruy Bacelar369. No mês seguinte, o próprio senador Severino
Vieira em visita a Feira de Santana, foi recebido e hospedado na residência do Cel.
Tito Ruy Bacelar370 As divergências políticas entre os dois grupos rivais cederiam
lugar a uma trégua após meses marcados por trocas de acusações veiculadas pelos
367 Na época em que Abdon de Abreu era Intendente, João Mendes ocupava o cargo de vice-presidente do Conselho Municipal. 368 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 31, Sábado, 16 de Abril de 1910, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1910 061]. Tais acusações, veiculadas pelo Jornal Folha do Norte, prosseguem nos anos seguintes. Em edição nº 71 (26 de fevereiro de 1911), no artigo, “Situacionistas ou Democratas”, mais uma vez os opositores do Cel. Abdon desferem críticas contundentes ao seu posicionamento político. Mais uma vez as críticas giraram em torno do apoio que Abdon Alves de Abreu e seu aliado João Mendes da Costa declaravam abertamente ao seabrismo, mas ocupando cargos públicos anteriormente confiados pelo governador do Estado, desafeto político de Seabra. Fica claro pelas palavras do artigo que Abdon de Abreu é acusado de atuar segundo as conveniências do momento político. Se o vento soprasse em favor do governo, Abdon de Abreu e João Mendes se manteriam ao lado deste; mas se, o vento deslocasse o navio para o seabrismo, logo se veria o “sr. Abdon e todo o seu séquito bandearem-se para o pronobis com a mesma sem-cerimônia que apresentaram na escalada vergonhosa dos poderes públicos nesta linda mas infeliz terra da Feira de Sant’ Anna.”368. BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 71, Domingo, 26 de Fevereiro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 027]. A réplica em defesa do Intendente Abdon veio uma semana depois, na edição nº 131 (4 de março de 1911) do Jornal O Município, na qual as acusações tiveram o mesmo conteúdo e tom. O grupo do Cel Tito Ruy Bacelar também foi acusado de se bandear para o lado que lhe conviesse conforme o tom da música que fosse tocada. Mais precisamente apontando críticas ferrenhas ao líder do Partido Republicano Severino Vieira, com os seguintes termos: “E, como mais tarde, esse mesmo malsinado [...] chefe baldeou-se para o candidato contrário com toda a imbecil tripulação do seu infeliz chaveco”368. BSMG, Jornal O Município, edição nº 131, Sábado, 4 de Março de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo O Município 1911 021]. Independentemente, de quem estivesse afirmando a verdade dos fatos, fica evidente que ambos os grupos políticos de Feira de Santana na época em questão levavam a efeito uma nítida “política de acomodação”, tal como a abordada por Consuelo Novais, na qual manobras e acontecimentos políticos se misturam a conveniências e adaptações, conchavos e acordos ligados muito mais aos líderes locais do que à identidade político-partidária368. SAMPAIO, 1978. 369 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 68, Domingo, 5 de Fevereiro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 017]. Na edição seguinte do Jornal Folha do Norte, é noticiada a visita do próprio Severino Vieira à cidade, onde ficou hospedado na residência do Cel. Tito Ruy Bacelar. In. edição nº 69, Domingo, 12 de Fevereiro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 021]. 370 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 69, Domingo, 12 de Fevereiro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 021].
156
periódicos dos respectivos grupos e depois do criminoso incêndio da tipografia do
Jornal Folha do Norte ocorrido em maio de 1911371. Em 17 de setembro do mesmo
ano foi estabelecido um acordo entre os dois grupos, acordo que teve destaque nas
primeiras páginas dos jornais de ambas facções políticas, o grupo denominado
“situacionista”372 e o grupo vinculado oficialmente ao Partido Republicano da Bahia
(PRB). O Jornal Folha do Norte, em primeira página, apresentou o evento com as
seguintes palavras:
Um acordo foi realizado entre as forças políticas deste município, representadas de um lado pelo nosso distinto, leal e querido correligionário o Coronel Agostinho Fróes da Motta e de outro lado o ilustre Coronel Abdon Alves de Abreu. Por este acordo solene, que dignifica a ambas as partes, pelo desprendimento e abnegação de quaisquer interesses pessoais, pois unicamente visa o levantamento deste município373
Por seu lado, o jornal O Município noticiou da seguinte forma:
Temos gratíssima satisfação de tornar publico que, por acordo solene e elevado, honroso para todos, acaba de ser consolidada a politica do futuro e importantíssimo município da Feira de Sant’ Anna, tão rico, vasto e populoso, que lembra como que pequeno Estado de Federação. Os elementos mais importantes e prestigiosos da política local, naturalmente aproximados no atual momento em que as forças para a defesa vitoriosa e brilhante da nossa autonomia estadual, elementos a frente dos quais, sem exclusões de merecimentos outros, devemos colocar o ilustre, honrado, distinto cavalheiro e antigo e prestigioso político que é o nosso dedicado e abnegado amigo exmoº sr. coronel Abdon Alves de Abreu, uma das legitimas tradições políticas da Feira de Sant’ Anna é o abastado, honesto, desinteressado sr. coronel Agostinho Fróes da Motta, prestigioso filho dessa abençoada terra, um self made man , na acepção mais honrosa dessa frase, uma individualidade querida, respeitada pela sua intransigente lealdade, pelo seu culto inquebrantável do dever, pelo amor ao trabalho honesto e pelo seus grandes sentimentos de afetos ao município de seu berço374
Pelo acordo firmado entre os dois representantes de toda a maioria do
eleitorado feirense, os dois grupos dividiriam o poder de forma equânime e 371 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 80, Quinta-feira, 10 de Agosto de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 063]. O jornal Folha do Norte ficou sem publicar por pouco mais de três meses. 372 O termo “”situacionista”, foi apresentado pelo Jornal Folha do Norte, para designar o grupo liderado pelo Cel. Abdon Alves de Abreu. In. BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 86, Domingo, 24 de Setembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 087]. 373 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 86, Domingo, 24 de Setembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 087]. 374 BSMG, Jornal O Município, edição nº 156, Domingo, 24 de Setembro de 1911, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo O Município 1911 157].
157
equitativa. Especificamente o grupo do Coronel Abdon ocuparia seis vagas do
Conselho Municipal e o grupo do Coronel Fróes da Motta assumiria as cinco vagas
restantes além da Intendência preenchida pelo próprio Cel. Fróes. A lista com os
nomes dos candidatos de ambos os grupos foi divulgada pelos dois periódicos em
datas diferentes, apresentando semelhanças e algumas diferenças [VER QUADRO 9].
Parece que o nome de Agostinho Fróes da Motta surgiu como opção para
o cargo de Intendente por conseguir o apoio comum dos dois grupos adversários,
principalmente do Cel. Abdon de Abreu, mesmo que Agostinho não tenha
necessariamente mantido alguma neutralidade política durante a intendência do Cel.
Abdon. As palavras elogiosas que o Jornal O Município direcionou ao Cel. Fróes
podem demonstrar certa admiração e respeito que, tanto o Cel. Abdon de Abreu
como seus aliados, tinham por Agostinho; embora também possam representar
apenas o intuito conveniente de manter a aparente satisfação pela aliança política
firmada entre os dois grupos. Intenções sinceras ou não, o fato é que, entre as
qualidades apontadas no periódico em questão, destaca-se a expressão self made
man375. Tal expressão chama a atenção pela propriedade com que qualifica a
trajetória e o perfil de Agostinho Fróes da Motta abordada no decurso deste trabalho.
O Coronel Agostinho Fróes da Motta conseguira até aquele momento em Feira de
Santana construir uma imagem pública de homem que – individualmente, com
empenho e esforços pessoais, conquistara fortuna, prestígio social e respeito político
entre seus pares. E tais qualidades eram reconhecidas tanto por seus amigos e
correligionários como por seus adversários políticos. É fundamental salientar que o
grupo local do PRB tinha escolhido o Cel. Bernardino Bahia como primeiro nome
para candidato ao posto de Intendente na chapa eleitoral, mas como este - “no rasgo
de abnegação e desprendimento376”– conseguiu convencer o grupo partidário a
aceitar o nome de Agostinho para o referido cargo eletivo. E com a mesma ovação
proferida pelo jornal O Município, os aliados de Agostinho teceram as seguintes
palavras na ocasião do lançamento da chapa eleitoral composta pelos dois grupos
políticos.
375 Self made man. Um homem que se fez por si próprio, com suas próprias forças e empenho. [Tradução livre]. 376 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 91, Domingo, 29 de Outubro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 105]. O Cel. Bernardino Bahia registrou sua renuncia à candidatura e a defesa do nome do Cel. Fróes da Motta para Intendente de Feira de Santana, publicando em 13 de Setembro de 1911, o artigo “Ao eleitorado feirense” no Diário de Notícias, de Salvador, transcrito no Jornal Folha do Norte, edição nº86, 24 de Setembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 087].
158
À frente dos futuros negócios municipais irá, talvez, se encontrar um ilustre filho da Feira, um campeão jamais excedido no trabalho honesto e fecundo, uma vontade que se não desloca quando esposa a causa da razão e da justiça; um braço forte acostumado a vencer sem tripudiar sobre os vendidos. Independente e honrado, esse cidadão que é nosso dedicado amigo e correligionário intransigente, Coronel Agostinho Fróes da Motta, muito virá lucrar a Feira de Santana sulfragando nas urnas o seu nome377.
Ciente do reconhecimento e da aceitação que seu nome possuía entre os
líderes da política em Feira de Santana, o Cel. Agostinho Fróes da Motta, decide
iniciar sua campanha eleitoral para Intendente, publicando o texto “Eleição municipal
- aos meus conterrâneos”, no Jornal Folha do Norte as suas intenções e propósitos
para o cargo que almejava ocupar.
Os interesses vitais do município da Feira de Sant’ Anna reclamam da há muito um patriótico movimento convergente de todos os esforços em prol do bem comum. Existe a necessidade real, imprescindível do concurso de todas as vontades para este nobre escopo, que deve ser o de todos os filhos d’esta querida terra e todos os que n’ela residem. Indicado para o cargo de intendente municipal, em honroso acordo pelas duas grandes facções políticas d’este município em comunhão de vistas com os próceres dos partidos baianos, que têm como chefes os senadores Severino Vieira e José Marcelino de Souza e o dr. Araújo Pinho, venho pedir ao leitorado d’este município, especialmente aos meus conterrâneos os seus dignos sufrágios. Eleito que seja, todo o meu empeno consistirá em dirigir este movimento sineógico pela causa pública, pelo progresso de minha terra. Não apresentando programa, anuncio apenas o pensamento geral de minha administração, caso me caiba a honra do voto de meus conterrâneos, de meus amigos e de todos os que amam a feira de Sant’ Anna. Sem preferências exclusivistas, procurarei impulsionar esta força latente de que dispõe o município para viver desafogadamente ao lado dos mais prósperos municípios da Bahia. É confiante no desejo geral de elevar este delicioso torrão baiano, que me apresento ao eleitorado. Ele julgará si mereço tão elevada investidura.378
Fica evidente a lealdade do Cel. Fróes da Motta ao Partido Republicano
da Bahia e aos três líderes deste partido, mas fica também nítida a lealdade que o
próprio coronel declarou dispensar aos seus conterrâneos e à terra que o acolheu e
na qual construiu sua trajetória como prestigioso comerciante e cidadão. Sua
377 Idem. 378 O texto de Agostinho foi publicado nas edições nº 90, nº 91, nº 92 e nº 93, publicadas respectivamente nos dias 22 e 29 de Outubro, 4 e 11 de Novembro.
159
perspectiva quanto ao desejo dos seus conterrâneos se confirmou no dia 12 de
novembro, quando ocorreram as eleições municipais. As eleições transcorreram
para todos os efeitos na maior normalidade, pelo menos não houve notícia de
conflitos nem de balburdia alguma durante a realização do pleito eleitoral379.
Quadro 9 Listas de candidatos das eleições municipais em Fei ra de Santana (1911)
Lista publicada pelo jornal O Município380
Lista publicada pelo jornal Folha do Norte381
Intendente
Cel. Agostinho Fróes da Motta
Conselheiros Cel. Abdon Alves de Abreu** Cel. João Mendes da Costa** Major Antonio dos Santos Rubem** Dr. Symphronio Olympio da Costa** Cap. José Ribeiro Falcão** Cap. João Ferreira de Almeida** Cel. Bernardino da Silva Bahia* Cel. José Antunes Guimarães* Dr. Joaquim Raul dos Reis Gordilho* Major Silvino dos Santos Ramos* Cel. Epiphanio José de Souza* **Candidatos do grupo situacionista * Candidatos do Partido Republicano da Bahia
Intendente
Cel. Agostinho Fróes da Motta
Conselheiros Cel. Abdon Alves de Abreu** Cel. Tito Ruy Bacelar* Cel. José Antunes Guimarães* Cap. Antonio dos Santos Rubem** Dr. Joaquim Raul dos Reis Gordilho* Dr. Symphronio Olympio da Costa** Major Silvino dos Santos Ramos* Cap. José Ribeiro Falcão** Cap. João Ferreira de Almeida** Cel. Epiphanio José de Souza* **Candidatos do grupo situacionista *Candidatos do Partido Republicano da Bahia
Fonte: Jornal Folha do Norte, edição 91, de 29 de Outubro de 1911; Jornal O Município, edição 161, de 26 de Outubro de 1911.
Na véspera da eleição, o jornal Folha do Norte – no artigo “Às urnas,
concidadãos” – convida os eleitores feirenses ao cívico direito de votar, declarando
que nas urnas é que serão “sufragados os que sinceramente desejam a felicidade
pátria delas é que poderão sair os abnegados, que sabem esquecer os interesses
379 Os fatos narrados a partir deste ponto da discussão sã analisados com base no que é noticiado apenas pelo Jornal Filha do Norte. As edições do Jornal O Município posteriores a 26 de Outubro (Ed. nº 161) não foram digitalizadas pelo Museu Casa do Sertão. Tal situação impediu a análise dos fatos narrados sob o ponto de vista do grupo político do Cel. Abdon de Abreu. 380 BSMG, Jornal O Município, edição nº 161, Quinta-feira, 26 de Outubro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo O Município 1911 117]. 381 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 91, Domingo, 29 de Outubro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 105]. Parece que a recusa do Cel. Bernadino Bahia como candidato a intendente também se estendeu à qualquer outro cargo eletivo, pois seu nome não
160
em prol da coletividade”.382 E passada uma semana, o mesmo jornal divulga o
resultado das eleições, mas não sem abrir mão de opinar entusiástica e
elogiosamente o evento político do domingo anterior. No artigo “Falaram as
urnas”383o grupo político ligado ao Cel. Fróes teve a oportunidade de declarar sua
satisfação pela eleição vitoriosa que conquistou, cujos resultados podem ser
observados no quadro 10.
A vitória de Agostinho e do grupo local do Partido Republicano da Bahia
fica evidente pela quantidade de votos que os seus candidatos a conselheiros
municipais obtiveram. Com exceção do próprio coronel Abdon de Abreu, os cinco
candidatos do PRB receberam mais votos que os outros cinco quatro candidatos do
grupo situacionista que compunham a mesma chapa. Mas, além disso, o que mais
agradou aos partidários do PRB foi a derrota do Cel. João Mendes da Costa,
candidato seabrista ao cargo de Intendente - que obteve os ínfimos 27 votos - e de
seus candidatos a conselheiros, que obtiveram votação igualmente. Tal derrota foi
motivo de escárnio publicado no Jornal Folha do Norte, chegando a afirmar que
“numa eleição livre e verdadeira, rigorosamente fiscalizada por si próprio [...], o archi-
celebre Sr. Mendes alcança, neste município da Feira de Sant’ Anna – 27
VOTOS!”384. O teor da crítica – carregado de deboche e sarcasmo – mostrava como
o grupo seabrista era execrado pelo PRB feirense, no qual o Cel. Agostinho Fróes
da Motta estava inserido. Enfim, tal resultado representava para referido partido uma
vitória local na disputa partidária contra o grupo seabrista que se fortalecia no
cenário político baiano.385 Um mês depois das eleições, ocorreu no dia 12 de
Dezembro a verificação de poderes aos candidatos diplomados ao novo Conselho
Municipal, e em seguida no dia 16, na segunda sessão do Conselho Municipal
presidida pelo Cel. Abdon de Abreu – candidato a conselheiro mais votado –
proclamou eleitos para o período de quatro anos os novos conselheiros e que no
382 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 93, Domingo, 11de Novembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 113]. 383 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 94, Domingo, 18 de Novembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 117]. 384 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 94, Domingo, 18 de Novembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 117]. Nesta mesma edição, folha 2 [1911 118] foi publicado pelo um telegrama enviado pelo Diário de Noticias, periódico da capital, denúncias de fraudes e politicagens contra o grupo seabrista. Em um dos trechos do telegrama é declarado que o Jornal A Gazeta – “órgão seabro-vianista” por rotular “o povo com cargos eletivos”, açabarcando “sufrágios eleitorais”. 385 SARMENTO, 2009; CUNHA, 2011.
161
próximo dia 1 de janeiro de 1912 ocorreria a posse do novo Intendente e dos
conselheiros.386
Quadro 10 Resultado das eleições municipais em Feira de Santa na (1911)387
Fonte: Jornal F. do Norte, ed. 94, 18 de Novembro de 1911.
O desenrolar dos fatos demonstravam que a mencionada posse
realmente ocorreria e que Feira de Santana iniciaria um novo momento de
arejamento político. Contudo, a situação política da cidade, que não estava
desconectada da situação política baiana, não tardou a sentir as repercussões dos
embates políticos que aconteciam na capital e que influenciariam a sucessão
governamental do Estado da Bahia; que por sua vez, alteraram os rumos da
sucessão da Intendência em Feira de Santana.
Mas vamos aos fatos. As tumultuadas eleições municipais de Salvador
ocorridas no mesmo dia 12 de Dezembro, foram marcadas por violência promovida
pelos dois grupos rivais, sejam governistas sejam seabristas. Segundo Sarmento, os
dois grupos proclamaram “seu próprio intendente e Conselho Municipal,
386 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 98, Domingo, 17 de Dezembro de 1911, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 130]. 387 Idem. Os conselheiros listados no Quadro 10 foram os onze mais votados, e que ocupariam as 11 vagas previstas do Conselho Municipal.
Cargo e Candidatos Votos Intendência Agostinho Motta* João Mendes** João Ribeiro Dr. Macário Cerqueira
1460 27 21 1
Conselho Municipal Abdon Alves de Abreu** Tito Ruy Bacelar* Rozendo Lopes Silvino Ramos* José Antunes Guimarães* Dr. Raul Gordilho* Epiphanio José de Souza* Antonio Rubem** Dr. Symphronio Costa** João Almeida** José Ribeiro** **Candidatos do grupo situacionista * Candidatos do Partido Republicano da Bahia
1215 1186 1028 1025 1022 1010 1009 924 844 784 784
162
configurando uma ‘duplicata’”388; pressionado, o governador Araújo Pinho (22 de
Dezembro) se viu forçado a renunciar389. Tal renuncia foi engendrada a partir de um
plano estrategicamente articulado por Ruy Barbosa para manter a autonomia do
Estado frente à ameaça de intervenção federal. O plano consistia em transferir a
Assembleia Estadual para a cidade de Jequié, distante “dos canhões e navios de
guerra, sob o controle de chefes aliados locais, com seus jagunços”390. Na
sequência dos fatos, o vice-governador Aurélio Rodrigues Viana, convoca então a
Assembleia Estadual para Jequié a ocorrer no dia 15 de Janeiro de 1912”391.
Contudo, o fracasso deste plano se deu por conta da reação dos seabristas, que
cresciam em número em razão força política de seu chefe, todo poderoso ministro
da Viação e Obras Públicas. Este grupo, que desejava manter a Assembleia
Estadual em Salvador, após disputa judicial para forçar a abertura do prédio da
Câmara, marcou uma reunião da Assembleia à revelia da decisão governamental,
como o prédio continuava fechado, recorreram ao general Sotero de Meneses – seu
aliado político – que exigisse a abertura da Câmara; como isso não ocorreu, este
general deflagrou o trágico bombardeio da capital baiana (10 de Janeiro)392. As
turbulências políticas que aconteceram a partir deste bombardeio só cessaram
quando Seabra – em 28 de Março – enfim, assumiu o governo da Bahia, cargo que
tanto desejava393.
Os eventos políticos acima estimularam decisões controversas em Feira
de Santana, pois ainda no dia 30 de Dezembro de 1911, o coronel Abdon de Abreu
reunira-se em sua residência com o grupo de aliados derrotados nas eleições
municipais e arquitetara com estes a manutenção de seu mandato como intendente,
“arrastando o secretariado da intendência a funcionar em um ato ilegal”394. Em
Janeiro de 1912, o Jornal Folha do Norte denuncia que o Cel. Abdon rompeu o
388 SARMENTO, 2009, p. 97. 389 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 99, Sábado, 23 de Dezembro de 1911, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 134]. 390 Sarmento, 2009, p. 98. 391 Sarmento, 2009, p. 98; BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 100, Sábado, 03 de Dezembro de 1911, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1911 137]. 392 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 102, Sábado, 13 de Janeiro de 1912, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 006]. 393 Sarmento, 2009, p. 99; BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 113, Sábado, 30 de Março de 1912, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 050]. 394 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 101, Sábado, 6 de Janeiro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 001].
163
acordo realizado com grupo governista, representado pelo Cel. Fróes, e num ato de
clara traição bandeia-se ao seabrismo395. Fica nítido o oportunismo do Cel. Abdon
quando – percebendo o vento soprar para o lado de J.J. Seabra – decide manter-se
na Intendência à revelia da decisão eleitoral do ano anterior. Acreditava, portanto,
que teria apoio e respaldo por parte do seabrismo; e tudo pareceu levar a crer que
realmente obteve tal apoio, pelo menos não explicitamente firmado. Dessa forma
Abdon manteve-se como intendente até outubro de 1912, quando o novo intendente
tomara posse do cargo396. Durante os últimos meses de sua irregular gestão como
intendente, Abdon tentou assegurar o apoio do governador. Inclusive declarando,
por exemplo, o desejo de não mais substituir nome da “Avenida Araújo Pinho” para
“Avenida Seabra”; mas de abrir um nova avenida, batizando-a com o nome “Avenida
Seabra”397. Com ou sem apoio oficial, as eleições municipais foram convocadas pelo
governador para o dia 15 de setembro do corrente ano. Tal decisão foi recebida com
satisfação pelo grupo do Cel. Agostinho, que declarou no Jornal Folha do Norte as
seguintes palavras:
Ao que nos consta e podemos afirmar, o Governo do Estado, de acordo com os próceres de seu partido, acaba de resolver definitivamente a situação angustiosa da política da Feira, deslocando a tão debatida luta pela supremacia do poder local para o terreno mais nobre e elevado das urnas [...] Apelando para o veredictum das urnas, anuladas como foram as últimas eleições, aqui procedidas para a recomposição do governo local, bem certo é que esta medida vem trazer para muitos uma desilusão, mas é verdade também que este era o único critério, dentro das raias da moral política, de que poderia o governo lançar mão para trazer paz entre os seus amigos e concorrer para o levantamento deste município, lhe entregando os seus destinos aos eleitos de sua vontade398.
É necessário salientar alguns pontos levantados nesta notícia acima. O
grupo liderado pelos coronéis Tito Ruy Bacelar, B. Bahia e Fróes da Motta, felicitou a
decisão do governo, embora deixasse claro que não se filiava ao seabrismo nem se
395 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 102, Sábado, 13 de Janeiro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 005]. 396 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 141, Sábado, 19 de Outubro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 161]. 397 Idem. 398 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 129, Sábado, 27 de Julho de 1912, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 114].
164
apresentava anti-seabrista399. Evidencia-se a crítica sútil à atitude do Cel. Abdon de
desrespeitar e anular o resultado das eleições passadas ao se manter na
intendência, assim também como o reconhecimento da validade das eleições como
único instrumento legítimo para resolver os embates políticos em Feira de Santana.
Uma vez convocadas as eleições, os dois grupos adversários
apresentaram seus candidatos a Intendência e ao Conselho Municipal. O candidato
do grupo situacionista foi o Cap. Abílio Antunes Guimarães e o Cel. Bernadino Bahia
foi o candidato do grupo opositor400. O governo declarou que respeitaria o resultado
das eleições401, talvez por isso tenha comissionado e enviado um grupo de políticos,
deputados e senadores situacionistas para assistir o pleito em Feira de Santana,
onde para cada distrito seguiria um desses políticos402. Além da comitiva
situacionista, também veio para Feira de Santana o Sr. Alvaro Cova, chefe de polícia
do Estado, a fim manter a ordem e tranquilidade durante a realização das eleições, e
algo que chama a atenção sobre a presença do Sr. Alvaro Cova foi o fato dele ter
passeado pela cidade – na manhã de 14 de Setembro – em carro disponibilizado
justamente pelo Cel. Agostinho Fróes da Motta403. Não se pretende afirmar nem
insinuar que houvesse uma intenção claramente política por trás do gesto do Cel.
Fróes, mas o que fica latente é como ele sempre se destacou em determinadas
situações e eventos de Feira de Santana, e neste caso em particular, por ser talvez
o único cidadão feirense com um carro disponível naquela oportuna manhã, a
serviço do eminente chefe de polícia.
399 Na edição nº 134, de 31 de Agosto de 1912, o grupo de Tito Ruy Bacelar, publicou no Jornal folha do Norte sua resposta a um artigo do Cap. Abílio Antunes Guimarães – candidato da Chapa adversária às eleições na época – publicado no Diário de Notícias, da capital. Nesta réplica, se afirmou que era equívoca a insinuação do Sr. Antunes de que o grupo de Tito Bacelar tenha declarado ser seabrista por tê-lo convidado a compor a Chapa daquele grupo, além de lembrar que o mesmo grupo tenha feito campanha contra a candidatura do atual governador do Estado no ano anterior. Neste texto, Tito R. Bacelar deixou claro que o seu grupo político não é necessariamente seabrista, mas se mantem afinado com o governo em sua decisão de convocar as eleições; e principalmente, se o pleito eleitoral fosse “como dizem que será – a lídima e para expressão da vontade do povo”. folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 133]. 400 Por não localizar em outros periódicos os nomes dos candidatos a conselheiros que compunham a Chapa situacionista do Cap. Abílio Antunes Guimarães, só foi possível identificar os nomes dos candidatos da Chapa rival, liderada pelo Cel. B. Bahia. Os onze candidatos foram Cel. Agostinho F. da Motta, Dr. Aruto Reis, Maj. Juvencio Erudilho, Pharm. José Alves, Maj. Silvino Ramos, Cel. João Mendes, Cel. Quintiliano Martins, Maj. Celso Valverde Martins, Maj. Manoel Portugal, Cap. Joel Barbosa e Maj. Valetim de Souza. 401 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 135, Sábado, 7 de Setembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 137]. 402 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 136, Sábado, 14 de Setembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 141]. 403 Idem.
165
Independente de gentilezas dispensadas por Agostinho, o pleito eleitoral
no dia 15 de Setembro ocorreu com a tranquilidade esperada por muitos, pelo
menos assim o foi para o grupo que sustentou a candidatura do Cel. Bernardino
Bahia. Principalmente por conta dos resultados das eleições que foi favorável a este
grupo [VER QUADRO 11].
Os coronéis Bernardino Bahia e Agostinho Fróes da Motta foram os
grandes vitoriosos nestas eleições. O Cel. Bernardino Bahia obtive a maioria dos
votos em quase todas as 11 seções eleitorais que compunham o município de Feira
de Santana, excetuando a seção eleitoral do distrito de Humildes onde o candidato
Abílio Guimarães possuía mais adeptos e onde nascera 404, além dos poucos votos
alcançados nas duas seções da cidade e em mais duas seções distritais. Algo que
chama a atenção nos resultados nestas eleições foram os votos que o Cel.
Agostinho Fróes obteve, superando o candidato Abílio Guimarães nas mesmas
seções que o seu aliado Bernardino Bahia também vencera. Tal situação deixava o
grupo ligado ao Cel. Abdon numa condição bastante vexatória, pois um dos
candidatos da chapa adversária superara em muito o número de votos de seu
candidato a Intendente. E, além disso, a aceitação da chapa encabeçada pelos dois
coronéis foi tão expressiva que os outros dez candidatos ao Conselho Municipal
conseguiram quantidade de votos suficientes para se elegerem como conselheiros
municipais. Dessa forma, com base nesses resultados, o comando do governo
municipal de Feira de Santana recaia enfim nas mãos do grupo ligado ao Cel. Tito
Ruy Bacelar, com o Cel. Bernardino Bahia ocupando a Intendência municipal e
todos os seus dez candidatos a conselheiros eleitos e ocupando as dez vagas do
Conselho Municipal. E como o Cel. Agostinho Fróes da Motta foi o conselheiro mais
votado, a ele foi garantida a presidência da casa legislativa do município. Cuja posse
ocorreu no dia 15 de Outubro, dia marcado por entusiasmados festejos,
protagonizados e liderados pelo grupo vencedor. Ao fim da tarde do mesmo dia
formou-se um “numeroso préstito”405 que seguiu ao som de bandas em direção da
residência onde foi servido “abundante copo d’água fazendo-se ainda algumas
saudações”. Em seguida, o mesmo séquito seguiu para o palacete do Cel. Fróes da
404 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 137, Sábado, 21 de Setembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 145]. 405 Préstito. Procissão, séquito. In Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 3.0.
166
Motta, onde por sua vez, foi servido champagnee desta residência, se dirigiu às altas
horas da noite para as residências de outros conselheiros eleitos406.
A vitória da chapa liderada por Bernardino Bahia, não é aceita
tranquilamente pelo candidato Abílio Guimarães. Este insatisfeito candidato e seus
amigos foram denunciados no Jornal Folha do Norte dpor tentar fraudar as eleições
ao publicar uma falsa duplicata eleitoral que lhes conferia a condição de eleitos407. E
numa tentativa desesperada, a “petizada”408telegrafou para dois jornais seabristas
da capital, informando uma apuração de votos que lhe garantiram a vitória nas
eleições em Feira. Nesta suposta apuração, denunciada pelo Folha do Norte, o
grupo do Sr. Abílio Guimarães conquistara 7311 votos contra 5521 votos do Cel.
Berbardino Bahia, somando um total de 12832 votos. Tal resultado foi –
sarcasticamente – criticado, pois o eleitorado total de Feira de Santana na época era
composto por pouco mais de 2000 eleitores “incluindo mortos e ausentes!”409 Foram
inúteis as tentativas de fraudar e anular o resultado dos votos, o grupo derrotado foi
obrigado a aceitar o Cel. Bernardino Bahia e o Cel. Fróes da Motta assumirem juntos
– respectivamente como Intendente e Presidente do Conselho – as rédeas da
administração municipal, principalmente depois que a comissão de recursos
eleitorais, no dia 26 de Outubro de 1912, expediu um parecer reconhecendo a
legitimidade das eleições e opinando que o senado considerasse e proclamasse
eleitos os candidatos vitoriosos410.
406 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 141, Sábado, 19 de Outubro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 161]. 407 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 138, Sábado, 28 de Setembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 149]. 408 Termo que o Jornal Folha do Norte utilizava para designar o grupo de Abílio Guimarães. 409 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 139, Sábado, 05 de Outubro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 153]. 410 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 143, Sábado, 02 de Novembro de 1913, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 161].
167
Quadro 11
Resultado das Eleições Municipais de Feira de Santa na (Setembro de 1912) 411
Durante sua atuação como presidente do Conselho Municipal o Cel.
Fróes da Motta manteve uma relação harmoniosa com o Intendente Bernardino
411 Os dados eleitorais apresentados foram coletados das seguintes edições do Jornal Folha do Norte: edições nº 137, 138 e 139. *Os candidatos que compunham a chapa encabeçada por Bernardino Bahia, conforme a edição nº 132. ** Total geral dos votos que apresentaram alterações nas edições do Jornal Folha do Norte, acima mencionadas. Por exemplo, na edição 137, Agostinho aparece com 999 votos no resultado da 1ª apuração, mas na apuração posterior registrada ao longo das três edições seguintes do mesmo periódico, Agostinho aparece com 1006 votos. É importante ressaltar que essa diferença no computo geral dos votos referentes aos candidatos grifados, não significou prejuízo para eleição dos candidatos em geral. Todos os candidatos grifados foram eleitos e diplomados (Jornal Folha do Norte, ed. nº 140), com uma margem muito superior de votos em relação aos candidatos derrotados. As edições citadas do Jornal Folha do Norte, se encontram no Museu Casa do Sertão/UEFS, nº 132, 17 de Agosto de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 125]; nº 137, 21 de Setembro de 1912, folhas 1e 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 145]; nº 138, 28 de Setembro de 1912, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 150]; nº 139, 5 de Outubro de 1912, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 154]; nº 140, 12 de Outubro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1912 157]. 412 As Seções Eleitorais indicadas no quadro correspondem aos seguintes distritos: 1ª e 2ª Seções – Distrito da Cidade de Feira de Santana; 3º Seção – São José das Itapororocas; 4ª e 5ª Seções – Santa Barbara; 6ª Seção –Tanquinho; 7ª Seção – Bom Despacho; 8ª Seção – Almas; 9ª Seção – Bomfim; 10ª Seção – Gameleira; 11ª Seção – Humildes.
Cargo e Candidatos Seções Eleitorais 412 Intendência 1ª e 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª Total
Bernadino Bahia 215 110 110 102 86 81 97 103 100 65 1077 Abilio Antunes 81 ----- ----- 2 ---- ---- ---- ---- 1 85 169
Conselho Municipal 1ª e 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª Total Cel. Agostinho Fróes * 210 110 109 102 82 55 97 103 77 71 1006** Dr. Auto Reis* 204 110 109 100 80 49 80 103 75 71 981 Maj. Silvino Ramos* 210 110 109 101 66 54 80 103 73 71 977 Cel. João M. da Costa* 195 110 109 100 63 50 80 103 68 70 950** Cel. Quintiliano Martins* 202 110 109 97 56 53 77 103 65 70 952** Cap. Celso Martins * 185 45 20 92 52 50 60 53 60 71 698** Pharm. José Alves* 187 45 19 90 70 ---- 80 53 70 71 731 Maj. Juvencio Erudilho* 188 45 20 92 76 48 80 53 71 ---- 673** Maj. Manoel Portugal 36 65 92 34 50 81 51 50 86 ---- 545** Maj. Valentim Junior * 39 65 92 31 45 81 50 50 78 ---- 534 Cap. Joel Barbosa* 26 65 92 33 48 81 51 50 82 ---- 540** Cap. R. Cavalcante 82 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 81 163 José Araujo 82 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 81 163 Cap. Antonio Ferreira 81 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 82 163 Cel. Salvador Mendes 81 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 81 162 João Assis 68 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 81 149 Francisco Andrade 81 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 60 141 Pedro Brito 80 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 58 138 Joaquim Pitombo 76 ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 60 136 Cel. João Andrade ----- ----- ----- ----- ---- ---- ---- ---- ---- 21 21 Joaquim A. Moraes ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 21 21 Anacleto Victoria ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 21 21 B. Bahia ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 1 1
168
Bahia. Assumiu interinamente a intendência em duas ocasiões diferentes devido a
ausência do Cel. Bahia413. Ambos dividiram a responsabilidade por iniciar um
período de progresso para o município, marcado pela preocupação em garantir a
realização de obras e serviços públicos, que não foram contemplados nem
realizados pelo governo anterior do Cel. Abdon. Inclusive, este discurso pontuado
pela necessidade de melhoramentos urbanos que não eram realizados em Feira de
Santana desde a Intendência passada, foi explicitado quando o governo estadual
aprovou, em 25 de Abril de 1914, a planta de um prédio escolar na cidade, bem
como a autorização para sua construção. Na ocasião, o Jornal Folha do Norte,
declarou as seguintes palavras:
Nunca mais, temos fé, a Providência que castiga e premia, consentirá em que este torrão amado passe por tão rudes e longas provações, como foram os 5 anos do nefando desgoverno do infeliz Sr. Abdon de Abreu. [...] que este então governante protelou, por inconfessáveis e subalternos interesses, a edificação de um prédio escolar, por conta do governo, na terra seu berço !!! 414.
Além da aprovação da planta e da autorização da construção, o governo
do Estado também nomeou tanto o Cel. Berbardino Bahia e o Cel. Agostinho Fróes
da Motta como membros da comissão construtora. Esta atuação efetiva de
Agostinho, auxiliando o governo de Bernardino Bahia, certamente o estimulou e lhe
forneceu a experiência necessária para assumir a Intendência do município, como
de fato ocorreu – por indicação prévia do governador do Estado – em janeiro de
1916. Sua gestão como Intendente foi marcada pelo compromisso de continuar
garantindo para o município de Feira de Santana as melhorias que tanto
necessitava. E para esclarecer suas intenções, o Cel. Agostinho Fróes da Motta, no
discurso de posse para Intendente deixa claro que não aceitaria a “politiquice” que
outrora caracterizou o governo do Cel. Abdon de Abreu, que foi se extinguindo
durante o governo de seu antecessor e que não voltaria existir em sua atuação
como Intendente.
413 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 195, Sábado, 08 de Novembro de 1912, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1913 170]; BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 228, Sábado, 05 de Julho de 1914, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1913 103]. 414 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 219, Sábado, 03 de Maio de 1914, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1914 070].
169
Por fim, a falta de “politiquice” no governo de Bernadino Bahia pode ser
confirmada pela postura que o Jornal Folha do Norte, segundo Silva, demonstrou
assim que este coronel assumiu a Intendência. As críticas ferrenhas dirigidas por
esse periódico às condições em que se encontrava a cidade durante o governo de
Abdom de Abreu cessam e são alteradas no seu teor; ou seja, passam a evidenciar
o empenho que o novo governo teria para trazer os melhoramentos que a cidade
urgentemente necessitava415. Tal postura sobre o governo de Bernadino Bahia
parece que foi compartilhada e publicamente reconhecida por Agostinho Fróes da
Motta na ocasião em que foi empossado como Intendente, cujo governo será
abordado detalhadamente na seção a seguir.
3.3 - O Intendente Cel. Fróes da Motta
É fundamental iniciar a abordagem sobre a Intendência do Cel. Fróes da
Motta, apontando para o fato de que seu governo estava inserido num momento em
que ocorria o processo de sucessão no governo do Estado. Seara o havia nomeado
Intendente por conta da Lei nº 1. 102, já mencionada anteriormente, com o claro
objetivo de cooptar o apoio de coronéis, como Agostinho. E que no caso de Feira de
Santana, parecia ser a indicação mais acertada, pois os conterrâneos do Cel. Fróes
reconheceram a importância do “feliz acerto” que tal nomeação representava para
Feira de Santana.416 É neste contexto que precisamos visualizar a atuação de
Agostinho como intendente.
É possível analisar o perfil político de um governante através dos
discursos e as realizações públicas respectivamente, proferidos e empreendidas por
ele. Os historiadores locais de Feira de Santana quando abordam o Cel. Agostinho
Fróes da Motta, evidenciam as obras públicas por ele realizadas. O jornalista Carlos
Mello, por exemplo, nos informa o seguinte sobre o Cel. Fróes:
Prestou, então, notáveis e inesquecíveis serviços a Feira de Santana, orientando sabiamente suas lideranças e introduzindo nela extraordinários melhoramentos, bem como o ajardinamento e o coreto da Praça de Santana. O calçamento, a arborização e o coreto da Praça General Argolo (atual Praça Fróes da Motta), calçamento a paralelepípedos das ruas Dos
415 SILVA, 2000, pp. 176-179. 416 APMFS, Atas do Conselho, Pacote nº 84.
170
Remédios (atual Monsenhor Tertuliano Carneiro) e Conselheiro Franco. Reformou também o calçamento da Rua Dr. Manuel Vitorino (atual Marechal Deodoro) e promoveu a abertura de poços tubulares destinados ao abastecimento de água, com instalações de bombas manuais e construções de algumas escolas na sede e nos distritos, nas quais estão incluídas a Escola Maria Quitéria e Escola João Florência (hoje: Arquivo Público Municipal) 417.
Não permanecendo somente no registro das obras realizadas, o mais
importante é analisar o discurso político que orienta tais realizações, bem como
compreender em qual contexto esse discurso está inserido. Em seu primeiro ano
como Intendente, o Cel. Agostinho Fróes da Motta já evidencia um discurso
modernizador em seus comunicados. Num deles, se refere à necessidade da
construção de escolas e outros temas que aparecem na citação a seguir:
É intento da minha administração, atender, quanto possível, a locação do ensino Municipal em edifícios apropriados, esparsos, em pontos convenientes, onde a população escolar, principalmente a menos abastada, possa, sem necessidade de fazer grande percurso, atingir a escola. 418
Nota-se, de imediato, que a justificativa para a construção de escolas no
município, era pautava na alegação de facilidade de acesso ao ensino público para a
população pobre habitante no perímetro municipal. Mas, as justificativas do Cel.
Fróes não se limitavam apenas a esta, como se pode perceber, na citação a seguir,
também se concentrava em dois princípios básicos: o estético e o econômico.
Sobre o aspecto econômico, vejamos o que o Cel. Fróes afirma que
Pelo lado econômico, o Município enriquece o seu patrimônio em edifícios adequados as suas necessidade e deveres, propondo-se ao pagamento de alugueis de casas, sem as condições mais rudimentares de conforto para o fim em que são empregadas. Na rua dos remédios os casebres de números 17, 19, 21, 23 e 25 que podem ser desapropriadas com pequeno dispêndio para o Município, visto as condições decadentes em que se acham, e deixariam uma área espaçosa e conveniente para a edificação do primeiro prédio escolar do Município419
417 MELLO, Carlos. “Cel. Agostinho Fróes da Motta um homem que amou Feira”, In. Jornal Folha do Norte, nº 5.672, de 17 de setembro de 2006, p. 3. 418 Comunicados da Intendência, de 6 de maio de 1916, doc. nº 50, Pacote 127-128, APMFS. Sobre este projeto de melhorias do espaço urbano Sidnei Oliveira dedica quase todo o segundo capítulo de sua monografia (2006). 419 Idem.
171
Como bem se pode notar, o Intendente Cel. Fróes procura mostrar que a
despesa seria relativamente reduzida, e garantir que o Município enriqueceria o seu
conjunto arquitetônico, além de possibilitar a locação de casas, gerando recursos
para os cofres públicos da cidade. E quanto ao aspecto estético, ele aponta que tais
construções, encaradas sob dois principais aspectos – embelezamento da cidade, e construção relativamente pouco dispendiosa, atendendo o nosso sistema de edificações, que satisfaz perfeitamente as nossas necessidades420.
O Intendente Cel. Fróes alega que a construção do novo prédio escolar
garantiria o “embelezamento da cidade”; e para tanto, seria preciso efetivar a
desapropriação de alguns casebres em “condições decadentes”, deixando um
espaço amplo e adequado para a edificação do aludido prédio. A desapropriação
implicaria necessária e provavelmente no desabamento dos ditos casebres,
retirando assim, do cenário urbano, prédios inadequados a uma paisagem moderna
e civilizada. Quanto a esta medida pública, vale lembrar a narrativa feita por Sidney
Chalhoub, sobre o despejo dos moradores do cortiço Cabeça de Porco e a
subseqüente demolição dos seus casebres, na cidade do Rio de Janeiro, no 1893421.
Tanto em Feira de Santana como no mencionado cortiço carioca, a iniciativa do
governo local orienta-se pela associação de beleza com civilidade.
Mas além dos motivos econômicos e estéticos, bem como dos pessoais
abordados no Capítulo I, é possível apontar outra razão para o desejo de construir
escolas na cidade. Os esforços do Intendente Fróes, pelo que parece, não se
restringiram em convencer seus colegas do legislativo apenas sobre as
modificações pertinentes no espaço físico da cidade, mas também em sensibilizá-los
quanto à necessidade de tomar as medidas cabíveis para promover um efetivo
“combate ao analphabetismo”, garantindo para isso, a construção de mais escolas
em lugares que possibilitem o fácil acesso à instrução pública, às crianças
desprovidas de recursos422. Para melhor ilustrar tal solicitação, vejamos o que ele
afirma em outro comunicado ao Conselho Municipal:
420 Idem. 421 CHALHOUB, 1996. 422 Sobre a construção de escolas é importante ressaltar que tanto servia para o supracitado “combate ao analphabetismo”, como para o “embellezamento da cidade”, já abordado anteriormente.
172
Apesar do avultado número de escolas públicas estaduais e municipais nesta cidade, todas com frequência regulamentar, ultrapassada mesmo em algumas, observa-se nos subúrbios grande quantidade e crianças em idade escolar que não as frequentam, ordinariamente pela escassez de recursos reunida a negligencia de pais menos favorecidos e ignorantes. Cogita esta Intendência de obviar tais inconvenientes, prestando assistência espiritual mais pronta e mais eficaz a esses nossos concidadãos, secundando os patrióticos esforços de beneméritos patrícios, dando franco combate ao analfabetismo. O Município, na medida de seus recursos no cumprimento de um dos seus deveres primórdios, pode promover a efetividade de medidas atinente a esse nobilíssimo fim.423
O combate ao analfabetismo e a promoção do ensino público já faziam
parte da agenda dos governos provinciais no Império. E certamente tais
necessidades se estenderiam no decorrer da Primeira República, que tanto estimava
demonstrar civilidade nos costumes e hábitos de seus cidadãos. Segundo Ione
Sousa, na passagem do século XX, a intenção de garantir escolarização para tornar
a sociedade o mais moderna possível, era um objetivo das autoridades públicas, e
defendida pela imprensa local, como foi o caso do Jornal Diário da Bahia, citado pela
autora ao afirmar que:
Se o analphabetismo é danoso e prejudicial a qualquer colectividade humana, mesmo sob o regimen ferreo do despotismo, de consequencias ainda mais terríveis será para a que apparece, no conserto das nações civilizadas com o rotulo de democracia.424
A autora deixa claro que na época em questão, seria inconcebível para
uma nação que galgava ingressar no rol de países considerados civilizados,
apresentar ainda em seu seio, indivíduos sem o domínio de condições mínimas de
letramento, que por sua vez, constituía num instrumento fundamental para a
participação política dos cidadãos numa nação democrática, como o Brasil pretendia
ser e demonstrar. Contudo, como a própria autora faz questão de ressaltar, tal
instrução e sua subsequente participação política não se estendiam a todos os
brasileiros425.
423 Comunicados da Intendência, de 16 de novembro de 1916, pacote 127-128, doc. nº 119, APMFS. 424 SOUZA, 2006, p. 70. 425 Idem, p. 71.
173
Combater o analfabetismo e simultaneamente promover a instrução da
população certamente pode se configurar como uma das condições básicas para
qualificar uma cidade de moderna. Embora o discurso modernizador não esteja tão
explícito neste comunicado do Intendente Agostinho, como estava nos demais que
se referiam ao espaço urbano, se pode concluir que o desejo de modernizar a
sociedade feirense através da escolarização, foi uma das bandeiras levantadas por
este intendente, que ainda em seu governo conseguiu realizar tais objetivos.
Neste ponto, se faz oportuna mais uma comparação entre as trajetórias
políticos dos coronéis Agostinho Fróes da Motta e Francisco Dias Coelho.
Respeitando, as peculiaridades de cada um, é possível identificar outras
semelhanças eles no que se refere à atuação política de ambos. Os dois ocuparam
o cargo de intendente na mesma época, embora Dias Coelho exercesse o mandato
interinamente por mais tempo (1910 e 1919) e Agostinho entre 1916 e 1919. Mesmo
antes de ocupar o cargo de intendente, Dias Coelho e o grupo político que liderava
em Morro do Chapéu, ampliaram o número de escolas e de professores, de forma
que em 1911, já existiam neste município “sete escolas e oito professores”, e
quando Dias Coelho assume de fato a Intendência, este número aumenta para dez
escolas e a quantidade de professores duplicou426. Segundo Sampaio, mesmo
repercutindo favoravelmente nas urnas, não houve uma relação necessariamente
direta e obrigatória entre o investimento na alfabetização empreendida por Dias
Coelho (número de escolas e professores) com a quantidade de eleitores, já que o
número de eleitores era consideravelmente menor que o de jovens alfabetizados na
época em que governou Morro de Chapéu. Parece que as intenções de Dias Coelho
visavam garantir à população deste município os benefícios que a alfabetização
fornecia.427
Portanto, salvo as condições políticas peculiares que respaldaram a
atuação do Cel. Dias Coelho, é possível afirmar que as suas intenções fossem muito
parecidas com as motivações que levaram o Cel. Fróes da Motta apresentar seu
projeto de construção dos prédios escolares em questão [FIGURAS 3 E 5]. Que
foram concluídos e inaugurados na manhã do dia 01 de Janeiro de 1918, com toda a
pompa e circunstâncias, como a cerimônia religiosa de benção dos prédios,
426 SAMPAIO, 2009, p. 89-90. 427 Idem, p. 91-92.
174
homenagens ao Intendente, com direito à placa, discursos do prof. Germiniano
Costa e do Sr. Juiz Jacinto Ferreira428.
Seja o reduzido custo das obras como o embelezamento da cidade; seja
o combate ao analfabetismo como também as razões pessoais do Cel. Agostinho,
todas estas motivações para construir os dois prédios escolares mencionados
acima, evidenciam uma influência clara do fenômeno modernizador conhecido como
Belle Époque, que se ocorreu aproximadamente na entre a última década do século
XIX e as duas primeiras do século XX que, no caso brasileiro, acompanhou a
implantação e os primeiro anos de regime republicano429. Este fenômeno político e
cultural que repercutiu no espaço urbano, orientou a realização das obras públicas
de vários governos municipais no Brasil, principalmente de cidades como Rio de
Janeiro e Salvador.
No que se refere à capital baiana, Rinaldo Leite, aborda a noção de
civilização contextualizada pelo processo de modernização urbana da cidade de
Salvador durante o governo de J. J. Seabra (1912-1916). Sobre o programa
civilizador empreendido pelo mencionado governador do Estado da Bahia, este autor
afirma o seguinte:
A ascensão de J. J. Seabra ao governo do Estado, com seus projetos modernizadores da cidade, permitiu que se vislumbrasse uma nova possibilidade, dando ele início a várias obras de remodelamento. Os melhoramentos físicos, motor inicial de uma série extensiva de transformações que deveriam processar-se na cidade, estenderiam-se, paulatina e concomitantemente, para os serviços urbanos, a ordem urbana, a assistência pública, os hábitos e costumes da população, que, também, seriam melhorados. Desta forma, o implemento ativo das reformas urbanas
428 No mesmo dia à tarde ocorreu a sessão de posse do Conselho e do Intendente (nomeado para um segundo mandato de dois anos, como previsto), que uma vez, empossado, seguiu em visita aos novos prédios recém-inaugurados. Os dois prédios foram construídos na Praça General Argolo (atual Praça Fróes da Motta, onde se localizava também o Palacete do Cel. Agostinho) e na Rua Barão de Cotegipe (atual Avenida Senhor dos Passos. In. BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 406, Sábado, 05 de Janeiro de 1918, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 001]. 429 Sobre a Belle Époque no Brasil e o seu o projeto de tornar a sociedade brasileira mais civilizada existem estudos pertinentes que dão conta de ilustrar como tal fenômeno foi divulgado e aplicado em algumas cidades brasileiras em períodos diferentes. O trabalho de João José Reis mostra como o poder público não poupou esforços para empreender práticas civilizadoras que alterassem o espaço urbano a fim de torná-lo mais higiênico. Em particular no episódio conhecido como Cemiterada (1836), quando a proposta de criação de cemitérios distantes dos centros urbanos, forçou a conseqüente extinção do costume de sepultar os mortos dentro das igrejas (REIS, 1991). Da mesma forma se pode mencionar o estudo que Sidney Chalhoub elaborou sobre o tratamento dispensado pelas autoridades políticas da corte imperial, cujo objetivo principal correspondia em controlar a proliferação dos cortiços que existiam na cidade do Rio de Janeiro; e assim solucionar os problemas de higiene que atingiam esta cidade e que a impediam de trilhar o “caminho da civilização” (CHALHOUB, 2006, p.35), tão necessário e desejado na época.
175
verificadas na capital baiana a partir daquela data, acompanhado das mudanças dos demais aspectos, alimentou as esperanças de que a civilização fizesse aqui a sua entrada definitiva (LEITE, 1996, p. 52).
E na ocasião em finalizava seu mandato como Governador, J.J. Seabra
visitou a Feira de Santana no dia 12 março de 1916 – juntamente com o seu
sucessor recém eleito, o Sr. Antonio Moniz – com o objetivo de inaugurar a
construção do prédio onde funcionaria o “Grupo Escolar J. J. Seabra.430” Tal prédio
escolar, como já foi mencionado na seção anterior, foi construído sob a orientação
de uma comissão de obras liderada pelos coronéis Bernardino Bahia e Fróes da
Motta, oportunamente inaugurado na intendência deste, mas com o mérito da obra
direcionado aos dois [CONFORME FIGURA 8]. Provavelmente, este grandioso
prédio escolar também tenha incentivado o Cel. Fróes da Motta aconvencer seus
colegas do Conselho Municipal a construir os outros dois prédios escolares citados
acima.
Essa modernização se caracterizava pragmaticamente, entre outras
medidas, pela alteração do espaço urbano, mais precisamente com abertura e
ampliação de ruas, implantação de saneamento básico, demolições de casebres e
outras obras afins. Medidas como essas foram constantes na Bahia e logicamente
em Feira de Santana, sempre visando atender os objetivos “do projeto burguês de
internalização do capitalismo no país”.431
O Intendente Cel. Fróes demonstra um forte interesse de prosseguir a
política de tornar a cidade mais “formosa”. Isso fica evidente em outro comunicado
dirigido por ele ao Conselho Municipal. “Desejando concorrer individualmente para o
aformoseamento da cidade, solicito do ilustre Conselho autorização para erigir um
coreto permanente na Praça General Argolo.”432
Em outro comunicado ao Conselho Municipal, O Intendente Cel. Fróes
reforça suas intenções modernizadoras:
430 Esta visita é mencionada por um comunicado do Intendente Fróes ao Conselho Municipal, datado de 29 de abril de 1916, Atos da intendência, Pacote 148, Doc. s/nº, APMFS.. Dois anos depois, em Agosto de 1918, foram inaugurados dois pavilhões anexos do mesmo prédio escolar J. J. Seabra. In. BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 438, Sábado, 24 de Agosto de 1918, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 105]. 431 Sobre esse assunto é relevante conferir o capítulo IV da Dissertação de Mestrado de Aldo Silva, em específico, o subtítulo “Feira de Santana no contexto da Belle Époque”, pp. 143-157. 432 Comunicados da Intendência, de 16 de novembro de 1917, pacote 127-128, doc. nº 72, APMFS.
176
Motivos que julgo da maior importância levaram-me a usar da atribuição que me confere a lei, convocando extraordinariamente o ilustríssimo corpo deliberativo do Município. Como está constatado pelo edital de convocação e pelas cartas que vos foram dirigidas em 17 do corrente, o fim exclusivo dela é ser esta Intendência habilitada a abrir concorrência pública no Município, fora dele ou mesmo do Estado para introdução dos serviços de abastecimento d’ água, instalação de iluminação por sistemas aperfeiçoados e esgotos.
[...] Está no vosso conhecimento que para exploração dos serviços de luz tem surgido pretendentes à introdução deles, mas ainda não parecia conveniente aos interesses gerais naquelas oportunidades433.
Abastecimento de água e sistema de esgoto, como já foi mencionado
antes, além da instalação de iluminação pública, constituíam também o conjunto dos
principais serviços que os municípios modernos deveriam fornecer e garantir aos
seus cidadãos. Como se pode notar, o Intendente Cel. Fróes procura convencer os
membros do Poder Legislativo local apresentando algumas razões. Além de lembrar
sobre a existência de dispositivo legal que habilita a Intendência abrir “concorrência
pública”, ele faz questão de lembrar que as circunstâncias históricas em que se
encontram são significativamente oportunas para tal intento. Além disto, ele procura,
em sua justificativa, mostrar que tais melhoramentos são necessários porque
estavam inseridos numa conjuntura mais ampla de transformações modernas que
aconteciam no Estado. Isto fica evidente quando se refere ao projeto de lei – em
discussão no legislativo estadual na época – que visava autorizar a instalação de
uma linha férrea entre a Capital e Feira de Santana estava. Eis o que ele afirma:
Agora, porém o caso muda de feição em virtude do projeto de lei, ora em discussão na Assembleia Geral do Estado, autorizando a ligação da capital a esta cidade por uma ferrovia a entroncar-se em Buranhem ou outro local que seja mais convenientes na linha CentroOeste. Tudo leva a crer que dentro de pouco tempo será esse projeto uma realidade e que a sua execução será presto levado a efeito434.
A existência de uma ferrovia na cidade, segundo a perspectiva
modernizadora do período, exigiria do governo municipal, medidas que permitissem
– conforme as palavras do próprio Cel. Fróes, “aparelharmos nosso Município de 433 Comunicados da Intendência, de 27 de junho de 1916, pacote 127-128, doc. nº 69, APMFS. 434 Idem.
177
melhoramentos indispensáveis aos centros populares”. Tais melhoramentos, uma
vez realizados efetivamente, trariam “o grão de desenvolvimento e prosperidade”, e
progresso que estavam reservados à municipalidade feirense, e que o Intendente
Cel. Fróes estava realmente convencido de que iria ocorrer num período de não
mais de quatro anos 435.
Em outro trecho do mesmo comunicado, o Intendente Fróes não abre
mão de se referir a garantias técnicas que assegurem a viabilidade da instalação de
um sistema de abastecimento d’água na cidade, a fim de convencer o Conselho
Municipal sobre a urgência de tal obra pública.
Estou convencido de que o principal fator do nosso progresso será o abastecimento d’água, e, provavelmente não será esse problema inexeqüível, tanto mais que sobre o assumpto existem estudos na Secretária da Agricultura e Obras Públicas do Estado, e ultimamente outro feito pelo Sr. Dr. Alexandre Goés, engenheiro de reputação [...] como profissional competente. 436
Além de melhoramentos na arquitetura e na infraestrutura (abastecimento
de água, sistema de esgoto e iluminação), o Intendente Agostinho também se
preocupou na reforma de algumas ruas e praças, como o remodelamento do
calçamento da rua General Osório entre a Praça dos remédios, na rua Conselheiro
Franco, na Praça General Argolo; ou como na continuação do calçamento da rua Dr.
Manuel Vitorino e o nivelamento e calçamento da rua 24 de maio e a Praça de
Sant’Anna [FIGURA 15], além da rua dos Remédios437 Sobre a rua dos Remédios e
a praça General Argolo, em particular é possível perceber o empenho do Cel.
Agostinho em obter mais verbas para completar os custos e concluir a realização do
calçamento nos mencionados logradouros438.
435 Idem. 436 Idem. 437 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 360, Sábado, 3 de Fevereiro de 1917, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1917 013]; edição nº 378, Sábado, 16 de Junho de 1918, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1917 083]; Atas do Conselho Municipal, Ata da 3ª Sessão ordinária da 1ª reunião periódica do Conselho Municipal, de 23 de fevereiro de 1916, Pacote nº 87-88, APMFS; Atas do Conselho Municipal, Ata da 5ª Sessão ordinária do Conselho Municipal, de 26 de fevereiro de 1916, Pacote nº 87-88, APMFS. É possível conferir a preocupação de Agostinho Sobre estas melhorias também analisar o Ato nº 47 da Intendência, de 20 de junho de 1917 438 APMFS, Atos da Intendência, Ato nº 47, de 20 de Junho de 1917, Livro 7.
178
FIGURA 19
LANÇAMENTO DA PEDRA FUNDAMENTAL DO CORETO DA PRA ÇA DA MATRIZ 439
Fonte: GAMA, Raimundo. (Coord.) Memória Fotográfica de Feira de Santana, Fundação Cultural de Feira de Santana, F. de Santana, 1994, p. 36.
Como se pode verificar no inventário de Dona Maximiana de Almeida
Motta, primeira esposa do Cel. Fróes, alguns imóveis que foram adquiridos por este
por direito de meação - haja vista que ambos eram casados sobe o regime de
comunhão de bens - merecem uma atenção em particular devido à sua localização
na cidade e sua relação com as alterações que o espaço urbano feirense recebeu
durante a gestão do Intendente Fróes [VER QUADRO 12].
Levando-se em conta as reformas do espaço urbano feirense, citadas
neste capítulo, que foram solicitadas ao Conselho Municipal e realizadas na gestão
do Intendente Fróes, pode-se afirmar que foram empreendidas em ruas e numa
praça em que se encontravam propriedades particulares que faziam parte do seu
patrimônio. Não se pretende com essa informação, negar que o referido Intendente
não estivesse imbuído de toda perspectiva modernizadora do período, porém da
mesma forma não pode negligenciar que tais realizações não tenham
propositalmente lhe garantido benefícios significativos. Na verdade, ambas as
motivações podem muito bem estarem associadas, pois o fato do Cel. Fróes ser um
comerciante implicou que seus interesses pessoais coincidiram historicamente com
439 O Cel. Agostinho Fróes da Motta aparece ao centro da foto, atrás do altar. Esta cerimônia ocorreu em 1916, não se sabe ao certo em que dia e mês.
179
o discurso de progresso e modernidade tão disseminados no momento. Isso
confirma ainda mais a intrínseca relação entre comércio e espaço urbano que já foi
abordada anteriormente. Portanto, é possível inferir uma conclusão razoável a
respeito de tudo o que foi discutido até agora. As obras públicas que alteraram a
urbanidade feirense durante o governo do Intendente Agostinho Fróes da Motta,
podem ter sido intencionada exclusivamente para atender, seja a perspectiva
modernizadora da época; seja a necessidade de adaptar o espaço urbano às
exigências de um comércio em rápida ascensão; seja pelo simples objetivo de
favorecer e valorizar ainda mais os 49 imóveis que possuía convenientemente nos
lugares reformados; ou foram efetivadas, como parece ser mais convincente, pela
combinação das três motivações.
QUADRO 12440
Lista de alguns dos imóveis adquiridos pelo Cel. A gostinho Fróes da Motta.
Quantidade Imóvel Localidade
2
2
7
30
1
7
3
Total: 49
Casa
Casa
Casa
Casa
Posse de terra
Casas
Casas
Praça General Argolo
Rua Manuel Victorino
Rua general Osório
Rua Vinte Quatro de Maio
Rua Vinte Quatro de Maio
Rua dos Remédios
Rua Conselheiro Franco
Fonte: Inventário de Maximiana de Almeida Motta, 1918-1919, folhas 213-218.
Um último aspecto que se revela imprescindível para entender as obras
realizadas pelo Cel. Fróes da Motta, é a relação daquele discurso modernizador com
o comércio. Como afirma Aldo Silva:
O desenvolvimento do processo de construção do ideal de cidade sã, em Feira de Santana, é um fenômeno que está inserido no contexto mais
440 Todos os dados expostos foram coletados no Inventário de Maximiana de Almeida Motta. Considerando a data de conclusão do dito inventário (1919), e o período (1916-1918) em que os melhoramentos nas mencionadas localidades foram realizados, pode-se concluir que o Cel. Fróes da Motta foi indubitavelmente beneficiado com tais obras.
180
amplo dos interesses locais, ou, se quisermos ser mais precisos, dos grupos ligados à condução da política e, sobretudo, da sua mais importante atividade econômica, o comércio441.
Em outras palavras, a sobrevivência do comércio em cidades como Feira
de Santana dependia em muito do tratamento urbanístico e sanitário que recebesse
por iniciativa dos poderes públicos municipais. Enfim, as modificações do espaço
urbano estavam necessariamente vinculadas e associadas à economia da cidade,
ou ainda melhor, eram viabilizadas para incrementar a atividade econômica que lhe
caracterizava e sustentava. E que no caso de Feira, como bem sabemos, era o
comércio.
Essa relação entre espaço e comércio, certamente influenciou homens
que atuavam nesta atividade; e que, estratégica e convenientemente, ocupavam
cargos públicos – seja no poder executivo, seja no legislativo – locais. Como
administradores municipais, os intendentes com o apoio dos Conselhos ou
Câmaras, dedicariam os maiores esforços para alterar o espaço urbano em
benefício da atividade comercial, principalmente quando estes eram
simultaneamente comerciantes, como o foi o Cel. Agostinho Fróes da Motta. É
nesse contexto; enfim, que o Cel. Agostinho Fróes da Motta estava circunscrito, seja
antes ou durante a sua gestão na Intendência. As obras públicas, realizadas durante
sua atuação na Intendência, permitem enquadrá-lo no rol de intendentes que
colocaram em prática a já mencionada política modernizadora.
Mesmo que não estivesse como responsável direto pela realização de
determinadas obras públicas, o nome do Cel. Agostinho Fróes da Motta estava
incluído na lista de homens ligados indiretamente com tais obras. Um exemplo disso
foi a inauguração da “Ponte do rio Branco” ocorrida no dia 18 de Marco de 1917.
Conforme declarou o Jornal Folha do Norte na véspera deste solene evento
essa ponte favorece particularmente este município nas suas relações comerciais com o centro do Estado, facilitando e garantindo também a passagem de gado que procede das pastagens de Monte Alegre, Mundo Novo, Baixa Grande e terras circunvizinhas442.
441 SILVA, 2000, p. 75. 442 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 366, Sábado, 17 de Março de 1917, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1917 037]
181
FIGURA 20 INAUGURAÇÃO DA PONTE DO RIO BRANCO (1916)
Fonte: GAMA, Raimundo. (Coord.) Memória Fotográfica de Feira de Santana, Fundação Cultural de Feira de Santana, F. de Santana, 1994, p. 97.
Com base nas informações contidas nas fontes, sem prescindir as
influências sociais, políticas e econômicas que já foram discutidas anteriormente,
pode-se concluir que Agostinho Fróes da Motta realmente se enquadra no rol de
governantes locais preocupados em modernizar o cenário urbano das cidades que
administram. Contudo, é de grande pertinência acrescentar alguns dados que
permitem estabelecer outra leitura sobre esta tão afamada e notória dedicação ao
bem público do mencionado intendente.
E mais uma vez, a comparação com o Cel. Dias Coelho se faz
necessária. Este coronel, quando Intendente, intensificou diversas realizações
urbanas, como construção de pontes, estradas de chão e de ferro, que permitiram
uma maior circulação de mercadorias, bem como uma estreita integração entre as
diversas localidades em torno de Morro de Chapéu. Como comerciante que era, e
atento à urgência de fortalecer e ampliar o comércio do município que governava, o
182
Cel. Dias Coelho não prescindiu daquelas obras de infraestruturas443. Enfim, tanto o
Cel. Fróes da Motta, em Feira de Santana como o Cel. Dias Coelho, em Morro de
Chapéu, realizaram obras públicas que também contribuíssem para o
desenvolvimento do comércio em seus respectivos municípios de origem.
Durante os seus dois últimos anos como intendente, o Cel. Agostinho
Fróes da Motta prosseguiu realizando obras e garantindo serviços públicos à cidade
de Feira de Santana, como na ocasião em que – combinado seu traquejo como
comerciante com sua autoridade de intendente – “conseguiu obter o kerosene
necessário à iluminação pública desta cidade e abastecimento da população, ao
mínimo preço atual, que é de 900 réis o litro, como na capital444”, e exigiu que os
comerciantes retalhistas a quem forneceu o dito combustível não vendessem por
preço maior do que o estipulado, sob pena de ser cassado o fornecimento.
Todas estas realizações de Agostinho receberam elogios tanto durante
como depois de sua gestão na Intendência. Elogios que lhe eram dirigidos tanto pelo
próprio Conselho Municipal assim como outros conterrâneos445. Elogios também lhe
eram dispensados por outras pessoas, como o Sr. Cincinnato França que teceu
rasgados elogios ao Cel. Agostinho por ser tão “brioso e cônscio de seu papel” de
intendente (janeiro de 1918); ou o Capitão João Macário Guimarães Cova
(Novembro de 1920) em carta endereçada ao Cel. Ruy Bacelar; ou mesmo do
conhecido Engenheiro Teodoro Sampaio, em Artigo publicado no jornal “A tarde”, e
transcrito no Jornal Folha do Norte446.
Estes e outros elogios surgiram até o fim do seu mandato em dezembro
de 1919, quando o Cel. Agostinho sai de cena no palco político de Ferira de
Santana. Não se tem registro dos motivos que o fizeram tomar tal decisão. Esta
saída é evidenciada, no entanto, por conta da ausência de seu nome na lista de
candidatos ao Conselho Municipal em vista das eleições municipais que ocorreriam
443 SAMPAIO, 2009, p. 97-99. 444 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 440, Sábado, 7 de Setembro de 1918, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 114] 445 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 403, Sábado, 15 de Dezembro de 1917, folha 2, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1917 072]; Feito por Manoel Daltro Pedreira França. In. BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 498, Sábado, 18 de Outubro de 1919, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1919 089] 446 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 409, Sábado, 26 de Janeiro de 1918, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1918 013]; edição nº 554, Sábado, 20 de Novembro de 1920, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1920 149]; edição nº 577, Sábado, 30 de Abril de 1921, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1921 013]
183
no dia 09 de Novembro.447 Sua saída da política foi acompanhada meses depois por
um rompimento de relações com o Cel. Bernardino Bahia, motivado por divergências
comerciais. Tal rompimento foi deflagrado por um Artigo do Cel. Agostinho no Diário
de Notícias, acusando o escritório do Cel. Francisco Amado da Silva Bahia – irmão
do Cel. Bernardino Bahia – de pressionar a cotação da carne verde na capital. A
resposta do Cel. Bernardino Bahia deu o tom do rompimento, pois além de refutar as
acusações do Cel. Agostinho, afirmando que este “não provou, não provará as
alegações que avançou com inflexão de leviandade, ficando no prestígio de uma
idade em que não ficam bem, antes ficam muito mal, umas tantas coisas
pequenas.”448 Não foi possível identificar a repercussão desse desentendimento
entre os dois respeitados políticos de Feira de Santana, pois o Jornal Folha do Norte
não deu mais cobertura ao caso. No entanto, curiosamente foi possível notar que
nas edições seguintes deste periódico, especificamente as publicadas entre os anos
de 1920 e 1922, houve uma gradativa redução de notícias que gravitassem sobre a
vida pessoal do Cel. Agostinho. Salvo aquelas que deram notícia – em reduzidas
notas de primeira página – tanto da enfermidade que o acometeu em Dezembro de
1921449, a rápida convalescência450e o falecimento451. As festas de aniversários do
Cel. Agostinho, as solenidades religiosas e tantos outros eventos que eram
marcadas pela presença obrigatória do ilustre cidadão desapareceram ou deixaram
de ser merecedoras de notícias.
Por fim, após esta extensa análise da vida de Agostinho, pretendeu-se
apresentar várias possibilidades de investigação sobre a trajetória e a atuação
política dele, procurando oferecer mecanismos que tornasse fácil visualizar e
compreender breves nuanças do cenário político de Feira de Santana.
447 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 500, Sábado, 01 de Novembro de 1919, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1919 093]. 448 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 529, Sábado, 29 de Maio de 1920, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1920 065]. 449 BSMG, Jornal Folha do Norte, edição nº 612, Sábado, 31 de Dezembro de 1921, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1921 120]. 450 Idem, edição nº 614, Sábado, 21 de Janeiro de 1922, folha 1, Acervo Digitalizado [Pasta Arquivo F. do Norte 1922 005]. Idem, edição nº 624, 01 de Abril de 1922, Folha 1 a 3. In. CEDOC, Ação Cível, Ação Ordinária, Alberto de Almeida Motta e Eduardo Fróes da Motta, Feira de Santana, (1922), folha [Estante , Caixa Documento ]
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos dia 4 de maio de 1956 a cidade de Feira de Santana estava
envolvida nas comemorações do centenário de nascimento do Cel. Agostinho Fróes
da Motta. Logo pela manhã, por volta das nove horas, a Igreja Matriz encontrava-se
repleta de pessoas, além dos familiares e amigos da família Fróes da Motta, o
Prefeito – na época o Sr. João Marinho Falcão -, vereadores e demais pessoas que
se afluíram ao templo religioso para celebrar a Missa solene, que uma vez
encerrada com todas as ovações comuns em ocasiões com esta, segui-se o séquito
de admiradores em direção ao túmulo do homenageado a fim de prestar-lhe outras
devidas homenagens. À tarde a festa prosseguiu com nova homenagem com a
colocação de uma placa nas “Escolas reunidas Cel. Agostinho Fróes da Motta” e
com a “inauguração do busto de bronze do benemérito feirense, na Praça Cel. Fróes
da Motta, obra do escultor baiano professor Ismael de Barros.”452
A narração acima – adaptada do artigo do Jornal Folha do Norte – traz à
tona um algo que a simples narração do acontecimento não conseguiria evidenciar.
O fato é que a mencionada praça que ainda possui o nome do Cel. Fróes da Motta
onde ainda se localiza o mesmo busto de bronze, durante o muito tempo transmitiu –
e talvez ainda transmita – uma imagem incompleta da pessoa, cujo nome lhe serve
de título. A Imagem em questão corresponde ao próprio busto que foi esculpido para
perpetuar a memória do Cel. Fróes da Motta [VER FIGURA 21].
Comparando a imagem esculpida no busto com as fotografias do Cel.
Fróes da Motta [VER FIGURAS 22 e 23] nota-se uma diferença clara. Os traços
fisionômicos que marcam a condição de “homem de cor” ou de negro, na qual o Cel.
Fróes da Motta se enquadra, não são tão evidentes como nas fotografias. Não se
pretende afirmar que o escultor do busto estivesse necessariamente intencionado
em ocultar a ancestralidade negra do Cel. Fróes, mas também não se pode afirmar
essa possibilidade não tenha existido ou sido praticada com outras tantas
personagens negras e mestiças, que tendo se destacado em vida nas cidades onde
atuaram, receberam homenagens como esta dispensada ao Cel. Fróes.
452 Jornal Folha do Norte, edição Especial, Sexta-feira, 21 de Novembro de 2008. Acervo pessoal do autor.
185
Figura 21 BUSTO DO CEL. FRÓES DA MOTTA
Fonte: GAMA, Raimundo. (Coor.) Memória Fotográfica de Feira de Santana, p. 45.
Figura 22 Figura 23 CEL. FRÓES DA MOTTA CEL. FRÓES DA MOTTA
Fonte : GAMA, Raimundo. (Coord.), 1994, p. 46.
Fonte: Jornal Folha do Norte, nº 5.672, de 17 de Setembro, de 2006, folha 3.
186
O caso do Cel. Agostinho se difere um pouco do caso do Cel. Dias
Coelho. A imagem desse coronel foi, segundo Sampaio, paulatinamente submetida
a um “processo de desmobilização da memória453” que foi construída enquanto
estava vivo. Não ocorreu o mesmo com a imagem do Cel. Fróes, mas pode ter
ocorrido um processo parecido, de resignificação de sua memória, retirando-lhe seu
passado escravo e negro, de “homem de cor” que foi. Seria precipitado e talvez
leviano atestar categoricamente que esta perspectiva realmente estivesse
declaradamente presente nas intenções do escultor e também as autoridades
públicas que promoveram a homenagem. Mas não se pode negar que há elementos
irrefutáveis de um processo de branqueamento de Agostinho Fróes da Motta. Um
branqueamento que representasse uma extensão do que ele muito provavelmente
tenha estimulado quando conseguiu ingressar na elite da sociedade feirense da
época e assumir o perfil que se esperava de um egresso naquele tipo de sociedade.
Agostinho Fróes da Motta conseguiu sufocar – em vida – o elemento
étnico nítido em sua epiderme. O mesmo não se pode afirmar de seus filhos, pelo
menos de Eduardo Fróes da Motta. Este filho de Agostinho, anos mais tarde, foi alvo
de comentários pejorativos lançados por adversários políticos e desafetos pessoais,
que não lhe pouparam alusões a um passado escravo, referindo-se precisamente ao
fato dos evidentes traços negros presentes na figura de seu pai e na sua própria
pessoa454.
O que fica latente na presença deste busto na mencionada praça é a
memória que se perpetuou no imaginário da população ao longo dos anos. Quando
– em diferentes ocasiões – tive a oportunidade de apresentar as discussões
realizadas por minha pesquisa sobre o Cel. Fróes percebia uma curiosa e até
também previsível [não posso mentir] atitude de estranheza, e em alguns casos de
total perplexidade, por parte das pessoas quando informadas do que o Cel.
Agostinho Fróes da Motta era negro. Diante dessa atitude é possível apontar
algumas conclusões, mesmo que precise coerentemente abrir mão de apresentá-las
como definitivas.
453 SAMPIO, 2009, p. 125. 454 Maiores detalhes sobre este fato que marcou a trajetória de Eduardo Fróes da Motta pode ser analisado no Processo Crime envolvendo Hugo Navarro e Eduardo Fróes da Motta. In. CEDOC, Processo Crime, Feira de Santana, 1963. [Estante 05, Caixa 128, Documento 2504].
187
A única fotografia [FIGURA 22] do Cel. Fróes exposta ao público feirense
a fim de que este pudesse visualizar sua ancestralidade negra encontra-se restrita
numa sala do prédio do Arquivo Público do Município de Feira de Santana. O
cômodo em questão funciona a sala de pesquisa do referido arquivo, poucas
pessoas – além dos funcionários e pesquisadores – frequentam e circulam por ela.
Considerando esta situação, é fácil concluir que poucas pessoas fazem qualquer
inferência a respeito do fato do Cel. Fróes ter sido um homem, a o menos mestiço,
quiçá negro.
Além da imagem propriamente dita do Cel. Agostinho Fróes da Motta,
outro elemento que lhe caracteriza parece ter recebido um tratamento específico,
agora por parte de seus descendentes, em particular do seu filho Eduardo. Este, que
se sentia e provavelmente se apresentava como guardião da memória do pai, fez
questão de perenizá-la exigindo que seus filhos mantivessem o sobrenome “Fróes
da Motta” em suas proles. O que de fato ocorreu, pois as gerações seguintes – pelo
menos a partir de Eduardo Fróes da Motta – registraram o “Fróes da Motta”, mesmo
que para isso tivessem que estender o próprio sobrenome455, por conta dos
sobrenomes de outras famílias que se agregavam à “dinastia” Fróes da Motta.
Por fim, teço as seguintes considerações. O diálogo incansável com as
fontes, procurando extrair delas elementos que me permitissem apresentar o Cel.
Fróes como de fato foi realizado ao longo do texto dissertativo, foi meu grande
desafio e empenho. Não tenho dúvidas que deixei limites e lacunas – percebidas ou
não por mim – a respeito da trajetória de vida desse coronel; porém também a
certeza de que o presente trabalho foi resultado de muito empenho desprendido a
fim de preencher todas as arestas da vida desse indivíduo, cuja trajetória instiga e
aguça a curiosidade de quem se propor pesquisá-lo. E para os futuros
pesquisadores, que desejarem ampliar e acrescentar novas discussões acerca de
Agostinho Fróes da Motta, acredito que a dissertação que ora concluo possa servir
como material bibliográfico e documental em suas pesquisa.
455 MOTTA OLIVEIRA, Mª Marta Fróes. Árvore Genealógica da Família Fróes da Motta (mimeo), 1991.
188
FONTES
FONTES IMPRESSAS LEI Nº 2040 de 28 de Setembro de 1871 (LEI DO VENTRE LIVRE) Disponível em: Acesso em: 3 mar. 2012 CÓDIGO PHILIPINO OU ORDENAÇÕES E LEIS DO REINO DE P ORTUGAL . Disponível em: <www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>. Acesso em: 3 mar. 2012. CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 1916. (obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Wundt e Lívia Céspedes). 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002. PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO Arquivo Público Municipal de Feira de Santana (APMF S)
• Atos da Intendência
Ato nº 25, Setembro de 1902. Livro 4, Ato s/n, 29 de Abril de 1916, Pacote 148 Ato nº 47, 20 de Junho de 1917, Livro 7
• Atas do Conselho Municipal
Ata da 4ª sessão ordinária da 2ª reunião periódica do Conselho Municipal, em 28 de julho de 1902 [Pacote 87-88]. Ata da Sessão solene dos membros eleitos do Conselho Municipal e do Intendente, de 1º de janeiro de 1916 [Pacote nº 84]. Ata da 3ª Sessão ordinária da 1ª reunião periódica do Conselho Municipal, de 23 de fevereiro de 1916, [Pacote nº 87-88]. Ata da 5ª Sessão ordinária do Conselho Municipal, de 26 de fevereiro de 1916, [Pacote nº 87-88].
• Comunicados da Intendência Comunicado de 6 de maio de 1916, Pacote 127-128, doc. nº 50 Comunicado de 27 de junho de 1916, Pacote 127-128, doc. nº 69.
189
Comunicado de 16 de novembro de 1916, Pacote 127-128, Doc. nº 119. • Livros de Décimas
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• Processos Cíveis Testamento de Agostinho Fróes da Motta , 1922, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2573]. Inventário de Agostinho Fróes da Motta , Feira de Santana, 1922, [Estante 6, Caixa 175, Documento 2887]. Testamento de Maximiana de Almeida Motta , Feira de Santana, 1918-1919, [Estante 6, Caixa 166, Documento 2569]. Inventário de Maximiana de Almeida Motta , Feira de Santana, 1918-1919, [Estante 9, Caixa 240, Documento 5094]. Inventário de João Galdino de Carvalho , 1900-1921, [Estante 4, Caixa 107, Documento 1385]. Inventário pós-Desquite (Albertina Motta e Antonio Barreto), Feira de Santana, 1922, [Estante 1, Caixa 23, Documento 241]. Inventário de Tito Ruy Bacelar , Feira de Santana, 1922, [Estante , Caixa , Documento ]. Inventário de Tertuliano José de Almeida , Feira de Santana, 19, [Estante , Caixa , Documento ]. Ação Sumária Agostinho Fróes da Motta / Cantianilla Simões de Carvalho , Feira de Santana, 1906-1907, [Estante 9, Caixa 247, Documento 5226]. Ação Ordinária de Deserdação Agostinho e Maximiana Motta / Amália F. da Motta , 1906, [Estante 9, Caixa 236, Documento 5022]. Ação Executiva de Verificação de Contas (Agostinho F. da Motta/ Augusto F. de Oliveira , Feira de Santana, 1904, [Estante 11, Caixa 293, Documento 6463]. Falência – Verificação de Contas (Agostinho F. da M otta/ Concórdio Campos) , Feira de Santana, 1910-1912. [Estante 9, Caixa 237, Documento 5035].
190
Ação Ordinária (Eduardo Fróes da Motta / Alberto de Almeida Motta) , Feira de Santana, 1922-1927. [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766]. Instrumento de Agravo (Alberto de Almeida Motta / E duardo Fróes da Motta) , Feira de Santana,1922. [Estante 10, Caixa 256, Documento 5370]. Instrumento de Agravo (Maximiana de Almeida Motta / Constantino Fashomy e sua esposa Amália Motta Faskomy) , Feira de Santana,1922, [Estante 13, Caixa 348, Documento 7974]. Ação Executiva (Augusto e Arthur Fróes da Motta) , Feira de Santana, 1922-1924, [Estante 10, Caixa 255, Documento 5366]. Ação Ordinária de Desquite (Albertina Motta e Anton io Barreto) , Feira de Santana, 1919-1922, , [Estante 3, Caixa 65, Documento 753]. Processo Crime, Hugo Navarro e Eduardo Fróes da Mot ta, Feira de Santana,1963. [Estante 05, Caixa 128, Documento 2504]. ACERVO DIGITAL - DOC. AGOSTINHO FRÓES DA MOTTA (CEDOC)
• Minuta de Balaço da firma Motta & Souza, 1920. • Conta Corrente de Agostinho no Brasilianische Bank f¨r Deutschland,
1910-1916 • Contrato de Sociedade Mercantil entre Agostinho F. da Motta e Eduardo
F. da Motta, 1919. • Recibos e Notas Promissórias (1886-1908) • Corespondências entre Agostinho e Eduardo Fróes da Motta (1906-1909)
COLUNA VIDA FEIRENSE (BSMG/Museu Casa do Sertão/UEFS)
• Livros 1, 4 e 6 DOCUMENTOS ECLESIÁSTICOS Livro de Registro de Batismo 5b (1871-1881), Secretária do Arcebispado de Feira de Santana, folhas. 15V, 24R e 34V.
191
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1922 Ed. nº 614, 21 de Janeiro; Ed. nº 624, 01 de Abril; Ed. nº 625, 08 de Abril.
• Jornal Folha do Norte (Acervo Impresso – Acervo Pes soal do Autor) Jornal Folha do Norte, Especial 97 anos, Feira de Santana, nº 5.672, de 17 de setembro de 2006. (exemplar em acervo pessoal do autor). Jornal Folha do Norte, Caderno Especial, Feira de Santana, Fundação Senhor dos Passos, s/n, de 21 de novembro de 2008. (exemplar em acervo pessoal do autor).
• Jornal Folha do Norte (Exemplar – CEDOC) In.: Jornal Folha do Norte, nº 624, de 01 de abril de 1922. Esta edição encontra-se nos auto da Ação Ordinária (1922-1924), (Estante. 13 / Caixa. 339 / Documento 7766), Centro de Documentação e Pesquisa – CEDOC, UEFS.
• Jornal O Município (Acervo Digital) 1908 Ed nº 6, 30 de Junho; Ed nº 7, 19 de Julho; Ed nº 8, 09 de Agosto; Ed nº 9, 23 de Agosto;
1911 Ed. nº 131, 04 de Março; Ed nº 156, 24 de Setembro; Ed. nº 161, 26 de Outubro;
193
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197
• Relatórios técnicos
REIS, Francemberg Teixeira. Fazendeiros modestos e roceiros: padrões da propriedade, da produção rural e do mercado em Feir a de Santana (1890-1920), Feira de Santana: UEFS, 2010.
ANEXOS
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ANEXO A
CARTA Nº 1
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Eduardo .
Recebi tua carta que respondo.
Visto não haver exames poderá vir no sabbado próximo. Para teu
transferimento, junto a esta 15$000 que só será aplicado na despeza de viagem.
Pelo vapor de 4ª feira escreverei ao Dr. Carneiro sobre tua vinda, cuja carta
seguirá pelo correio.
De teu Pai
12 de 9bro de 1905 Agostinho Fróes
199
ANEXO B
CARTA Nº 2
CARTA Nº 3
Feira, 20 de Janeiro de 1906 Snr. Eduardo . Bahia .
Amº e Snr. . A não ser por uma carta que li sua dirigida ao Snr. Epiphanio
nenhuma noticia tenho sua a não ser os pedidos repetidos de dinheiro os quaes tenho
mandado de accordo com sua vontade. Peço [ILEGÍVEL] tomar nota de tudo quanto
gastar com o devido esclarecimento para que posso conhecer a aplicação do produzido
de meu suor. Espero que [TRECHO DANIFICADO E ILEGÍVEL] acompanahdo dos
respectivos sertificados, estes de forma que possão servir de documentos na Bahia.
Neste ponto não quero desculpa, traga todos relativo aos exsames prestados. Com suas
despezas tem [rasura] feito com que eu vá abusando da bondade do Snr. Isac, sacando
sempre contra elle sem direito para isto. Veja que nota deixou ahi pendente de seu
comportamento, lembre-se que o nosso também tem deveres a comprir perante a
sociedade, portanto queira não seguir os desvarios de outros e não leve ninguém para
Caza do Snr. Isac, quando tiver de receber fineza d’elle em sua Casa vá sozinho e
quando sahir d’ahi e chegar na Bahia venha logo para aqui.
Quanto tiver pronto telegraphi assim (prestei tantas matérias)
Agostinho Fróes da Motta
MOTTA E C.IA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 3 – Praça do Commercio – 3
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
200
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
ANEXO C
CARTA Nº 3
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Feira, 12 de Outubro de 1906
Snr. Eduardo
Bahia .
Amº e Snr. , Recebi seu postal que respondo.
Deixa ficar em teu poder os papeis que Thuca te entregou até que vá ahi o que
será breve.
Diga me alguma couza com serteza sobre os exsames por que se não houver
ahi e esteja preparado hirei contigo a Alagoas para os prestar lá pois não convem perder o
anno sobre isto [danificado] com o Dr. Carneiro e responda-me.
Também vou escrever a elle no Domingo consultando sobre sua competência
para exsames e qaues as matérias que pode prestar pois não quero fazer despezas e ter
incommodo de viagem sem proveito.
Todos estão bons.
De teu Pai
Agostinho Fróes
AGOSTINHO FRÓES MOTTA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 28 – Rua dos Remédios – 28
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
201
ANEXO D
CARTA Nº 4
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Feira, 20 de Novenbro de 1906
Snr. Eduardo
Amº e Snr. , Recebi teu postal que respondo.
Atendendo o teu desejo vai o Snr. Epiphanio para seguir com tigo para Alagoas afim de
prestar os exsames para os quaes dizes estar preparado desejando que sejas feliz. O Snr.
Epiphanio vai como se eu próprio fosse portanto tens que cumprir o que elle ordenar sem
[danificado] da viagem pois qualquer incidente por menor que seja será motivo para muito
desgosto. Logo que preste exsames volte para Bahia e quando ahi chegar arrume tudo
quanto for seu e volte para aqui empenhando-se para deixar roupa a qual será aqui
[ilegível] por mim.
Boa viagem
De teu Pai
Agostinho Fróes da Motta
MOTTA E C.IA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 28 – Rua dos Remédios – 28
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
202
ANEXO E
CARTA Nº 5
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Feira, 16 de Junho de 1907 Snr. Eduardo .
Amº e Sn r.
Não tendo recebido carta tua depois do meu telegrama aconselhando-te ficar
ahi para aproveitar o curso particular pelo que vejo não foi teu agrado este conselho por
isso nem mesmo a Filuca não escreveste mais.
Querendo venha no sábado 22 do corrente passar o S. João bem sei que minha
opinião de Pai é sempre má recebida e por isso não escrevestes.
De teu Pai
Agostinho Fróes
Agostinho Fróes da Motta e Companhia
e COMMISSÕES E CONSIGNAÇÕES
de
fumos, couros e outros genros do Paiz FEIRA DE SANTANA
----- * ----- Endereço telegraphico
AGOSTINHO --------------- * ---------------
203
ANEXO F
CARTA Nº 6
CARTA Nº 7
Feira, 30 de Setembro de 1907
Snr. Eduardo .
Amº e Snr.
Recebi tua carta que levou suspender os reparos que eu fazia por ao receber não
noticias tuas. Filuca continua no mesmo estado parecendo para um período de boas
melhoras, porem tendo se acabado o remédio do Snr. Julio único que ella tem uzado, tenho
precizão de obter mais duas garrafas ou mesmo quatro, para isso junto duas cartas que
mandará entregar aos donos, podendo entregar mesmo a do Júlio ao Snhr. Genezio se outro
portador não houver de prontidão. Ellla está bem melhorada porem a febre não atem deixado
uma só noite entre 371/2 e 38.
Quanto aos exsames espero que possa prestar as matérias relativas ao 1º Anno
pois é d’esta forma que o estudante caprixado inicia sua carreira, não só justifica o interesse
que tem. Como ainda prova, que tem competência, por tanto se compreendendo o que lê e o
que ouve chegue a fim.
Creio breve chegar ahi embora demore-me pouco.
Por aqui muita seca acompanhada de sérios prejuízos os quaes ainda hirão longe,
[ilegível] apesar das noticias apregoadas por meia dúzia de insensatos menos escrupulosos
que sem responsabilidade visam e nutrem-se da lucta alheia nenhum tenho [ilegível]
procedente d’aqui.
Para reparar estas faltas temos que reduzir a despeza por meio de economia bem
entendida, por tanto trata de só gastar o necessário, esquecendo-se de tudo que julgar
supérfluo ou, de luxo.
Peça a Snr. Genézio para conseguir que a carta seja logo entregue ao Snr. Julio
acompanhada de outra d’ella para que não falte o remédio
De teu Pai
Agostinho Fróes
AGOSTINHO FRÓES MOTTA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 28 – Rua dos Remédios – 28
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
204
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
ANEXO G
CARTA Nº 7
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Feira, 07 de Abril de 1908 Snr. Eduardo .
Amº e Snr. Saúde é o que desejo-lhe.
Aqui todos vão sem novidades.
Filuca continua sempre melhor.
Sem xiado, está muito bonito, já come banana, farinha e finalmente toda comida,
quando chora elle dorme dentro de caza, por tanto não pense nelle pois tenho muito cuidado.
Mande dizer si já podemos saber notícias exatas de Augusto ao homem que [ilegível] dizer
que ia procurar para melhor lhe informar. Nininha segue hoje com o Snr. Jusiano si por
acaso a mãe della não estiver esperando-a era na ponte si incumba de a procurar, pois elle
não sabe onde ela mora, e mesmo que elle vai a seus negócios, e não terá tempo para isso.
Filuca Saphira e [ilegível] mandão lhi muita lembrança.
Aceite uma benção de tua mãe Maximiana
De teu Pai
Agostinho Fróes
AGOSTINHO FRÓES MOTTA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 28 – Rua dos Remédios – 28
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
205
ANEXO H
CARTA Nº 8
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Feira, 02 de Maio de 1908 Snr. Eduardo .
Amº e Snr.
Compre e remeta-me 50 cestinhos próprios para mudas de flores rozeiras,
os cestinhos é de uns que, os jardineiros ahi fazem mudas para vender e deve custar cem reis
mais ou menos – procure o lugar próprio de os vender para compralos mais barato - estando
que precizo dellas com urgência. O Snr. Epiphanio estará ahi 4ª Feira poderar tomar a elle o
dinheiro para os cestos e mandalos mesmo por elle recomenando-lhe que elle mesmo não os
deixe em Cachoeira esquecidos, como é de costume elle fazer com as encommendas, e você
não venha dizendo ignora o que seja os cestos e onde os encontra.
Estabeleça uma quantia sertã por mez para extraordinári lavagem e goma de
roupa e mande dizer com a devida lealdade quanto preciza.
AGOSTINHO FRÓES MOTTA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 28 – Rua dos Remédios – 28
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
206
ANEXO I
CARTA Nº 9
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Feira, 05 de Maio de 1908
Snr. Eduardo .
Amº e Snr. Recebi sua carta pelo Snr. Deoclecio mandando entregar a quantia
de cincoenta mil reis as quaes entregou. Peço lhe dizer-me a quantia que lhe precizar para
despeza de cada mez para auctorizar lhe a entrega delle ahi para não ser precizo venha
andar em dificuldades e [danificado] pensão e despezas miúdas serão bastante e quando
não chegue é o que posso dar.
Também reanimando lhe não aceite almoços nem jantares de pessoas
conhecidas nem pagar para ninguém, trate de seus estudos e deixe a companhia de
quantos aparecem ahi idos d’aqui. Escreva-me firmando a quantia para suas despezas
porque quero evitar que todo o dia que o Snr. Epiphanio ahi chegue que precise de dinheiro.
Depois de sua conta ordenarei ahi entregar-lhe o dinheiro. Tome ao Snr
Epiphanio a importância dos cestinhos.
Agostinho Fróes da Motta
AGOSTINHO FRÓES MOTTA ----- * -----
FEIRA DE SANTANA 28 – Rua dos Remédios – 28
----- * ----- ENDEREÇO TIPOGRÁPHICO
MOTTA
207
ANEXO J
CARTA Nº 10
Fonte: CEDOC, Acervo Digital, Doc. Agostinho Fróes da Motta, Correspondências.
Eduardo .
Eduardo recebi sua carta e conforme seu pedido enumera-lhe a quantia de vinte
mil para sua viagem, chegando na Cachoeira e tendo de dormir procure a caza do Snr.
Epiphanio.
De seu Pai
Agostinho Fróes da Motta
Em 26 de maio de 1908
208
ANEXO K Cartas de Agostinho para o filho Alberto
Carta 1
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, 1922-1927, Feira de Santana, folha 22, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766].
Carta 2
Doc, nº 7 Feira, 18 de Abril de 1916
Alberto
Vai 50 reis que sua mãe manda para comprar vinte pés de laranjeiras que sejam bem desenvolvidos e bem pegados. Mas que sejam comprados a pessoas conhecidas e que sejam laranjas de umbigo. Prevenindo-se para não ser enganado, tendo tudo pronto para vir por mim na próxima semana quando ahi estarei.
Do seu pai
Agostinho Fróes da Motta
Agostinho Fróes da Motta e Companhia e
COMMISSÕES E CONSIGNAÇÕES
de fumos, couros e outros genros do Paiz
FEIRA DE SANTANA ----- * -----
Endereço telegraphico AGOSTINHO
--------------- * ---------------
Doc, nº 5 Feira, 02 de Maio de 1916
Alberto
Por seu telegrama vejo que a febre ainda não deixou-lhe, peço que veja o Dr. Julio Adolpho para continuar medicar-lhe e vá telegrafando diariamente seu estado porque não havendo melhora radical terá que vir para aqui a que possa fazer ouvido o médico, independente de ordem minhas.
Amanhã 4ª feira espero telegrama seu. Remeto-lhe cento e cincoenta mil reis da sua mesada.
Do seu pai
Agostinho Fróes da Motta
Agostinho Fróes da Motta e Companhia e
COMMISSÕES E CONSIGNAÇÕES
de fumos, couros e outros genros do Paiz
FEIRA DE SANTANA ----- * -----
Endereço telegraphico AGOSTINHO
--------------- * ---------------
209
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, 1922-1927, Feira de Santana, folha 20, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766].
Carta 3
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, 1922-1927, Feira de Santana, folha 23, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766].
Carta 4
Doc, nº 8 Feira, 09 de Maio de 1916
Alberto
Recebi suas cartas pelas quais vejo achar-se melhorado devendo avizar-me se está radicalmente curado
Preciso de uma casa ai para Albertina e Amália passar uns tempos [ILEGÍVEL] tratamento médico, peço que veja se encontra alguma no Largo de Nazaré ou nas proximidades, mas que contenha água e luz e que seja boa, nunca superior a que tivemos alugada. Durante os tempos que elas estiverem ai ficará com elas, não precisando de tomar pensão como deve, peço que encontrando casa que sirva atendendo as condições expostas telegrafe ou escreva para ir até ai regularizar o aluguel e providências sobre tratos para a locação, quando avisar diga o preço do aluguel. Tendo urgência na solução da casa, peço tomar logo as providências
Agostinho Fróes
Agostinho Fróes da Motta e Companhia e
COMMISSÕES E CONSIGNAÇÕES
de fumos, couros e outros genros do Paiz
FEIRA DE SANTANA ----- * -----
Endereço telegraphico AGOSTINHO
--------------- * ---------------
Doc, nº 6 Feira 30 de Maio de 1916
Alberto
Recebi as laranjeiras Continuo aguardando sua decisão sobre a casa que tenho urgente
necessidade. O inverno continua muito bom, peço que veja se consegue alguns inchertos de
mangas e mesmo de lima de umbigo.
Agostinho Fróes da Motta
210
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, 1922-1927, Feira de Santana, folha 21, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766].
ANEXO L Correspondências de Eduardo para o Alberto
Correspondência 1 (cartão postal)
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, 1922-1927, F. de Santana, folha 30R, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766].
Correspondência 2 (cartão postal)
POST CARD Saudosa lembrança Sr, envia o irmão e Alberto Motta amigo “Gynnazio N. S. Victorias” Eduardo Bahia Bordo do “Alanza” 24-5:913.
BILHETE POSTAL Carta Postale Correspondência Endereço Alberto Motta “Gynnazio N. S. Victorias” (Maristas) . Bahia .
Presado mano e amigo Alberto.sem noticias tuas há muito,faço-te este hoje comunican- do-te ignaugurado hontem o meu gabinete e residência,dispondo aqui de uma modesta choupana. Como vaes de esta- dos? Adeus. Abraço-te o mano e amigo. Eduardo
2-11-913
211
Fonte: CEDOC, Cíveis, Ação Ordinária, 1922-1927, Feira de Santana, folha 30R, [Estante 13, Caixa 339, Documento 7766].
Correspondência 3 (carta)
Feira de Santana, 17 de Junho de 1918
Alberto
Recebi hontem o velocipede de minha encomenda. De conformidade com sua carta, fiquei sciente de não ter chegado em que poder o que lhe escrevi enviando juntamente a medida da faixa. Assim pois, deverá comprar uma de tamanho 105 centimetros, isto é medidas
CARTA
Fonte: Cópia cedida gentilmente pelo Sr. Carlos Melo da original em poder do Sr. José Fróes da Motta.
ANEXO M PATENTE DE CORONEL DE AGOSTINHO
APÊNDICES
Cópia cedida gentilmente pelo Sr. Carlos Melo da original em poder do Sr. José Fróes da Motta.
212
PATENTE DE CORONEL DE AGOSTINHO
Cópia cedida gentilmente pelo Sr. Carlos Melo da original em poder do Sr. José Fróes da Motta.
213
ANEXO N ATA DA SESSÃO SOLENE DE POSSE DOS SENHORES ELEITOS DO
CONSELHO MUNICIPAL E DO INTENDENTE, EM 1º DE JANEIR O DE 1916
Ao primeiro dia do mez de janeiro de mil novecentos e desesseis, nesta cidade da Feira de Sant’Anna, no Paço Municipal, na sala das sessões, as treze horas, presentes os senhores Conselheiros ilustres Coronel Bernadino da Silva Bahia, Dr. Auto Esmeraldo dos Reis, Major Leolindo dos Santos Ramos, Dr. Macário Gomes de Cerqueira, Major Celso Valverde Martins, Coronel João Mendes da Costa, Major Juvêncio E. da Silva Lima, Coronel Antonio Silvany Ribeiro Sampaio, Coronel João Lúcio de Oliveira e Major Manoel Portugal dos Santos, grande número d pessoas gradas, Exmas. Senhoras, e Senhoritas, autoridades civis, policiaes, eclesiásticas, funccionarios públicos, representantes do foro e da imprensa local, commissões de diversas associações, o primeiro dos nomeados na qualidade de presidente da mesa provisória, secretariada pelos senhores Erudilho e Leolindo Ramos declaram aberta sessão de posse, nomeando uma commissão composta dos senhores Auto Reis, Leolindo Ramos e Celso Martins para dar ingresso ao novo Intendente, presidente do Conselho anterior, Cel. Agostinho Fróes da Motta e as demais pessoas gradas que por ventura se achassem na antesala. Todos no recinto, este na qualidade de presidente do Conselho transacto, ocupa a cadeira, convida o senhor Coronel Bernadino da Silva Bahia, presidente da mesa provisória a prestar o juramento na forma do Regimento Interno, o que fez a sua Excia. com a mão direita sobre o Evangelho, occupando em seguida a cadeira da presidência. Observadas as mesmas formalidades, o senhor presidente outorga o juramento aos demais membros, senhores conselheiros, Dr. Auto Reis, Dr. Macário Cerqueira, Cel. João Mendes, Major Celso Martins, Leolindo Ramos, Juvêncio Erudilho, Silvany Sampaio, João Lúcio e Portugal dos Santos, que são empossados. Por se acharem ausentes não são juramentados os eleitos senhores Pharmaceutico José Alves Boaventura e Coronel Tertuliano José de Almeida. Acto continuo tem lugar o juramento do [ ? ] Intendente nomeado o Cel. Agostinho Froés da Motta, que empossado no cargo toma assento a direita da mesa. A Philarmonica “25 de Março” que se achava na ante-sala atacou vibrante marcha. O Sr. Cel. Bahia, ergue-se da cadeira e, entre outras palavras referentes a magnicência do dia, agradece a colaboração afficaz do Conselho, cujo mandato finda como seu, na qualidade de Intendente, aos atos de sua administração, e do funcionalismo pelo recto cumprimento de seus deveres, augurando ao novo governo do município, em boa hora recahido num exforçado e digno filho desta terra, todas as propriedades para leval-a à altura do seu merecimento. O Sr. Cel. Fróes, em frases consizas e singellas, enaltece a brilhante, desenteressada e patriótica administração do cel Bahia; não accomodará, também, no seu governo, conveniências antipatrióticas e de politiquice, procurando como de seu dever, vellar pelos mais vitaes interesses do município para cujo desideratum espera contar com as luzes e patriotismo do legislativo municipal para o bom desempenho de sua árdua tarefa, e muito confia na boa vontade e civismo dos seus conteranios e de todos em geral para que possa seguir sua trajetória dentro dos preceitos da lei, e só assim, amenisar os dilacerantes espinhos de que é tecida a coroa do poder. O Sr. Dr. Auto Reis, no uso da palavra, [ ? ] e salienta as demasias do actual processo de incodicionaes [ ? ] precisando a sua insuspeição no se referir ao Sr. Cel. Intendente ao qual ligará laços
214
Fonte: Arquivo Público Municipal de Feira de Santan a, Pacote 128.
Justifica o feliz acerto do Sr. Governador do Estado na escolha do nomeado ao qual se refere com os conceitos mais alevantados, partindo de pontos philosophicos justificativas do estado psichologico em largos traços evidenciados. [ ? ] sobre a (s) nupcia do progresso material da feira com o progresso moral para mehor brilhantura do novo quatriênio, chamando a Feira a – “bello” torrão de ouro engastado no solo fecundo da “bahia”. Em seguida, o jovem talentoso acadêmico de direito Mario Portugal, leu substancioso e longo discurso, no correr do qual estudou o governo através dos tempos e das sociedades; oração brilhante que, como as demais, foi calorosamente applaudida. Assignada por unanimidade, o Conselho votou uma moção de inteira solidariedade ao Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado e outra de congratulação ao Exmo. Dr. Antonio Muniz Governador eleito. A banda da “25 de Março” tocou em todos os actos. O sr. Presidente declara que a primeira sessão ordinária do corrente anno será na formado Regimento Interno e anuncia como encerrada a sessão de posse. E para constar lavrou-se a presente acta. Está conforme. Eu Leolindo ramos 2º secretário o fiz escrever e subescrevo.
215
APÊNDICES
216
APÊNDICE 1 – PROCURAÇÕES DOS CREDORES DE CONCÓRDIO CAMPOS
(Falência, 1910-1912)
,
Folha 111 Procuração Pela presente procuração por um de nós escripta e assignada, constituimos nosso bastante procurador na Feira de Sant’ Anna, o Sr. Cel. Agostinho Fróes da Motta, para o fim especial de cobrar amigavel ou judicialmente, do Sr. Concordio Campos, negociante n’aquela cidade, a importancia que nos é devida conforme conta apresentada, podendo usar de todas os meios em direito permittidos e substabelecer. Bahia, 19 de Agosto de 1910 Carvalho, Filhos & Cia. Substabeleço a presente aos Ilmo. Dr. João Ribeiro de Oliveira e Aloysio Henrique de Barros Porto Feira 17 de setembro de 1910 Agostinho Fróes da Motta
Folha 110 Apresentação de créditos dos credores Dizem Carvalho, Filhos & Cia. ; Hasselman & Cia.; Drumond, Moraes & Cia; Agostinho Fróes da Motta & Cia. e José Antonio Torres, por seu advogado infra assignado, que, tendo sido convocados os credores do fallido Concordio da Silva Campos para apresentarem seus creditos em juízo, vêm fasel-o em tempo e na forma da lei; pelo que requerem a V. Excia. Se digne de ordenar sejam as contas e procurações ora apresentadas unidas aos autos de fallencia de seu devedor Concordio Campos. P. deferimento Feira de Sant’ Anna, 26 de setembro de 1910 Aloysio Henrique de Barros Porto Adv.
217
Folha 112 Procuração Pela presente procuração por nós feita e assignada, constituimos nosso bastante procurador ao Sr. Coronel Agostinho Fróes da Motta, na cidade de Feira de Santa Anna, especialmente para cobrar do Sr. Concordio Campos alli residente, amigavel ou judicialmente, a quantia de seis centos oitocenta e sete mil reis (Rs: 680$000) que o mesmo Sr. nos é devedor, conforme a conta que anexa fornecemos; e para o que lhe concedemos plenos poderes permittidos por lei, podendo acceitar accordos e concordatas, dar quitação, substabelecer a presente e fazer tudo mais que fôr a bem dos nossos interesses. Bahia, 5 de setembro de 1910 F. A. HASSELMANN Substabeleço a presente aos Ilmo. Dr. João Ribeiro de Oliveira e Aloysio Henrique de Barros Porto Feira 22 de setembro de 1910 Agostinho Fróes da Motta
Folha 113 Drumond, Moraes & Compa., negociantes matriculados na Meritissima Junta Commercial desta Cidade de S. Salvador Procuração Pela presente, constituimos nossos bastantes procuradores aos Srs. Garrido & Irmão, a quem concedemos plenos poderes para receber do nosso devedor Concordio Campos o valor de seu debito para com nosco, podendo tranzigir e dar quitação, bem assim praticar todos os actos necessários a bem de nossos interesses e substabelecer os poderes da presente, o que tudo daremos por firme e valioso Bahia, 8 de Agosto de 1910 Drumond, Moraes Cia. Substabelecemos a procuração aos supra Dr. João Ribeiro de Oliveira e Aloysio Henrique de Barros Porto Feira 16 de setembro de 1910 Garrido & Irmão
218
Folha 114 Procuração Pela presente, constituimos nossos bastantes procuradores aos Drs. João Ribeiro de Oliveira e Aloysio Henrique de Barros Porto, especialmente para cobrar do Snr. Concordio da Silva Campos, amigável ou judicialmente, a quantia de Rs. 69$000 que o Snr. nos é devedor, conforme a conta annexa que fornecemos; e para o que lhes concedemos plenos poderes permittidos por lei, podendo acceitar accordos e concordatas, dar quitação substabelecer a presente e fazer tudo mais que for a bem dos nossos interesses, o que damos tudo por firme e valioso. Bahia, 24 de Setembro de 1910 Agostinho Fróes da Motta
Folha 115 Procuração Pela presente procuração do meu próprio punho feita e assignada constituo meus bastantes procuradores na cidade da Feira de Sant’ Anna e em geral aos Doutores Aloysio Henrique de Barros Porto e João Ribeiro de Oliveira especialmente para que possa [?cobrar] do negociante Concordio da Silva Campos a quantia de quatrocentos e três mil oitocentos e noventa e quatro reis da qual me deve o dito negociante, e para este fim concedo aos meus ditos procuradores todos os poderes por direito permitido, para que em meu nome como se presente fosse possa requerer allegar e defender o meu direito e justiça em qualquer assunto, digo acção e tudo quanto for necessário a bem de meu direito e justiça inclusive substabelecer esta a que tudo fosse por firma e [ ? ]. Cachoeira, 20 de setembro de 1910 José Antonio Torres.
219