Post on 16-Apr-2015
Álcool e Violência Urbana
Sugestões de Políticas Públicas
VII Congresso Médico de Campinas
20 de maio de 2002 - SMCC
Dr. Marcos RomanoEspecialista em Dependência Química pela
UNIFESP/EPMPresidente do Comitê de Políticas Públicas da
ABEAD
Pré-história do Álcool
• Fermentação natural de mel e tâmaras produzia um tipo de bebida alcoólica
• Artigo na NATURE de 1996 mostrou que desde 6.000 AC já se armazenavam bebidas alcoólicas
• Uso socialmente aceito: marcar festividades, rituais místico-religiosos
Desenvolvimento da Agricultura
• A partir do ano 6.000 AC começou-se a domesticar a uva, tornando-a mais doce e mais apropriada para fazer vinho
• A partir do ano 3.000 AC é documentada a produção de cerveja no Egito
Desenvolvimento da Agricultura
• As pessoas passaram a viver em pequenas aldeias. Não havia solução para o fornecimento de água limpa
• Mais seguro era consumir bebida alcoólica. Buscava-se sabor, matar a sede e a fome, facilidade para estocagem
• Mesmo a Bíblia fala mais de vinho do que água para beber. Velho Testamento condena intoxicação; Novo Testamento aprova consumo (água em vinho a transformação do pior no melhor)
Evolução histórica 1º período: primórdios até final do séc.
XVII• Aglomerações humanas pequenas
(vilarejos)
• Organização social mais simples
• Beber como atividade social
• Casos ocasionais de embriaguez, vista
como um defeito moral ou do caráter
• Controle social informal
• Bebida = néctar divino
A era da destilação
• Fermentação tolera até 16-17% de etanol
• A tecnologia da destilação já era conhecida pelos árabes. Uso medicinal: 1.100
• Mundo ocidental: Revolução Industrial• Destilados:
–Menor Preço–Mais Potente–Fácil Transporte–Mais disponível
Evolução histórica 2º período: séculos XVIII e XIX
• Embriaguez em uma escala nunca vista antes
• Disponibilidade• Acesso• Aumento da demanda• Enfraquecimento dos controles sociais
• Bebida = veneno, ou substância alienígena que transforma as pessoas
• Surgimento dos movimentos de temperança
• Tentativas de controle governamental
Primeiros alertas
• Médicos começam a observar um padrão de uso disfuncional no uso do álcool
• 1791 – Benjamin Rush:
–“Drinking began as an act of free will, descended into a habit and finally sank to a necessity”
Evolução histórica 3º período: Séc. XX – 1ª metade
• Movimentos de temperança levam à proibição do álcool (Lei Seca) nos EUA
• O consumo per capita nos EUA era 10 x maior que hoje. Abstinência X Moderação
• 1933 - Acaba a Lei Seca• 1935 – Surge o AA• O alcoolismo como uma doença – classe
médica e AA passam a partilhar mesma visão
• Foco: o “colapso moral” do bebedor crônico
Evolução histórica3º período: Séc. XX- 2ª metade
• Aumento global do consumo de álcool e outras drogas
• O alcoolismo visto como doença• O modelo do alcoolismo como doença
permite tratar apenas os bebedores pesados e crônicos
• Proposta de tratamento asilar• A resposta do Estado (tratamento e
prevenção) revela-se insuficiente• Problemas aumentam
Evolução históricaPeríodo atual: Anos 90’ em diante
Novos estudos, novas constatações:• A palavra alcoolismo não tem um
significado científico preciso• Os conceitos de “problemas relacionados ao
álcool” e “dependência do álcool” são mais precisos e mais úteis
• Os problemas decorrem não de um pequeno grupo de dependentes crônicos, mas dos hábitos de beber da população em geral
• A soma dos pequenos problemas às vezes é mais importante do que os grandes problemas
Problemas relacionados ao álcool
• Acidentes e violência:– Acidentes automobilísticos (50% dos casos
fatais)– Acidentes de trabalho (50% dos casos)– Violência doméstica (40-60% dos casos)– Abuso contra crianças (20% dos casos)– Agressões, mortes violentas e violência
interpessoal– Homicídios (50% dos casos)– Suicídios (60% das tentativas de suicídio)
• Adolescentes são mais vulneráveis
Problemas relacionados ao álcool
• Conseqüências sociais:– Problemas com a família (30% dos
divórcios), com os amigos e no trabalho– Problemas financeiros– Prisões/problemas com a polícia
• Problemas de saúde:– Câncer (trato digestivo)– Pressão arterial e acidente vascular cerebral– Problemas cardíacos (cardiomiopatia,
fibrilação atrial)– Cirrose hepática – 80% dos casos
Conclusões
• O álcool é a droga que gera o maior custo social
• Problemas X consumo de álcool:– Quanto mais elevado o consumo médio
de álcool numa população, maior a incidência de problemas relacionados ao álcool
• Tais problemas tornam o consumo de álcool uma questão de saúde pública
O que o governo tem a ver com isso?
• É papel do governo proteger a sociedade dos problemas relacionados ao álcool – é uma questão de INTERESSE PÚBLICO
• Diretrizes européias:– Todas as pessoas têm o direito a uma
família, comunidade e ambiente de trabalho protegidos de acidentes, violência e outras conseqüências negativas do consumo do álcool
– Todas as crianças e adolescentes têm o direito de crescer em um ambiente protegido das conseqüências negativas do consumo do álcool, e, na medida do possível, da promoção de bebidas alcoólicas
Como o governo pode fazer isso?
• Conferindo à questão do álcool a mesma importância que dá ao tabaco e outras drogas
• Tratando a questão do álcool com uma matéria de SAÚDE PÚBLICA
• Integrando diferentes setores do governo e da sociedade para abordar a questão através de POLÍTICAS ESPECÍFICAS para o álcool recomendadas pela OMS
Essas políticas devem...• Ser baseadas em evidências científicas,
com evidências de que funcionam• Exemplos de outros países
– não reinventar a roda
• Ter uma relação custo-efetividade vantajosa
• Aplicar bem o dinheiro público
• Ter consistência de ação, com metas claras• Ter transparência• Ter o apoio da comunidade• Contemplar a toda a população que bebe, e
não só aos bebedores pesados
Conceitos básicos É um problema de SAÚDE PÚBLICA O álcool é um produto que deve estar sujeito
a REGULAMENTAÇÃO GOVERNAMENTAL Deve haver uma COMPENSAÇÃO SOCIAL
pelos danos causados Medidas de prevenção que influenciam os
consumidores em geral também têm um impacto entre consumidores pesados ou problemáticos
Uma única modalidade de intervenção não é eficaz; uma SÉRIE DE POLÍTICAS que abordem a questão de diferentes maneiras é mais eficaz
Sugestões de políticas públicas
• Políticas de regulamentação do mercado varejista do álcool
• Políticas de mobilização da comunidade
• Políticas de redução do acesso ao álcool
• Políticas de redução de problemas específicos– Beber e dirigir
– Beber abaixo da idade mínima
– A responsabilidade de quem serve bebidas
Detalhando estratégias...
Para regulamentar o mercado:
• Implementação de um Sistema de
Licenças
– Compensação social
– Controle social do consumo
– Financiamento das políticas
Para implementar o Sis. de Licenças
Convencer a população de que o sistema é:– correto do ponto de vista técnico, pois é uma
recomendação da OMS– teria um impacto grande e rápido na diminuição
de uma grande parte dos problemas relacionados – criaria recursos para financiar programas de
prevenção
Convencer os políticos de que tal ação é:– politicamente adequada, pois é do interesse
público– tem o apoio popular– possível de ser implementada em nível municipal
Políticas de redução do consumo
• Redução do acesso– A influência do preço
• Aumentando as taxas• Diminuindo a concorrência
– A influência da disponibilidade• Horários e dias de funcionamento dos pontos
de venda• Zoneamento urbano
– Redução da densidade dos pontos de venda
• Restrições aos lugares onde se bebe (lugares de lazer públicos: parques, praças, praias)
Políticas de redução do consumo
• Campanhas educacionais (redução da demanda)– Desestimular o consumo excessivo– Diminuir a permissividade e a
tolerância em relação ao beber excessivo
– Estimular níveis seguros de consumo
Beber e dirigir
• Fiscalização freqüente e eficaz• Polícia treinada e equipada• Severidade da penalização
– Multa (menos eficaz)– Suspensão da carteira de habilitação
• Conscientização pública– Percepção do risco– Apoio da mídia
• Taxação e medidas de controle do acesso são também importantes aqui
A responsabilidade de quem serve bebidas
• Treinamento dos atendentes
• Obrigatório para obtenção da Licença
• Responsabilidade civil do atendente e do proprietário
• Punição: – Sanções criminais ou civis– Perda da Licença do estabelecimento
Beber abaixo da idade mínima
• Redução da idade mínima para se beber resulta em maior índice de acidentes automobilísticos no grupo etário afetado pela alteração, enquanto aumento da idade mínima reduz tais acidentes
• Fiscalização ativa e freqüente• Restrição do acesso a determinados
pontos de venda• Severidade da penalização
– Suspensão da Licença do estabelecimento
A mobilização da comunidade
• É necessária por várias razões:– Mudar o clima social de tolerância em relação
ao uso do álcool– Promover apoio em relação aos outros
componentes de prevenção a serem adotados– Conferir solidez às políticas a serem
implementadas, de tal forma que elas perdurem mesmo após mudanças de governo
• O marketing social e a “media advocacy”
Educação escolar, educação pública, rótulos de advertência
• Não há resultados de pesquisas atuais que possam apoiar a escolha dessas políticas ou que justifiquem o emprego de maiores verbas na educação baseada na escola, ou em campanhas de educação pública dos meios de comunicação de massa, a menos que estas sejam colocadas num contexto mais amplo de ação comunitária
Integração Poder Público-Comunidade e possíveis objeções
• Ambivalência do governo– Recolhimento de impostos
• Ambivalência da população– Benefícios do uso do álcool
• Conscientização e apoio– Líderes comunitários– Meios de comunicação– Formadores de opinião– Poder judiciário/ministério público
• Avaliação independente dos resultados
Resumindo tudo1
• Os problemas com o álcool sempre foram deixados ao fluir do mercado
• É papel do governo controlar esta tendência, no interesse público
• Não há uma política única– As políticas necessárias serão mais uma
mistura do que um golpe decisivo
• A viabilidade das políticas e a aceitação pública são de vital importância
• Por trás das estatísticas há sofrimento e altos custos; a prioridade política é plenamente justificada
1. Edwards, G. A Política do Álcool e o Bem Comum. Ed Artes Médicas, 1998
Agradecimentos
• Dr. Pedro Henrique M. Amparo – Presidente Depto Psiquiatria SMCC
• Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira– Prof. Depto.Psiquiatria UNIFESP/EPM