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Área de Competências-Chave
Cultura, Língua e Comunicação
RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário
Núcleo Gerador 4 – GESTÃO E ECONOMIA
DR3 – Tema: Sistemas monetários e financeiros
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Tema 3: Sistemas Monetários e Financeiros
COMPETÊNCIA: Agir de acordo com a compreensão do funcionamento dos sistemas
monetários e financeiros (como elemento de configuração cultural e comunicacional
das sociedades atuais).
Afirmação do neoliberalismo e globalização da economia
Na década de 70, o ciclo de prosperidade dos "Trinta Gloriosos" terminou, em consequência do
abrandamento económico e do aumento do preço das matérias-primas e dos produtos, provocado pelos
choques petrolíferos de 1973 e de 1979. A partir do segundo
choque de 1979, as políticas keynesianas deixaram de surtir
efeito.
Apesar dos esforços de regulação da atividade financeira,
a desordem monetária continuou nos mercados e a inflação
aumentou (o valor das moedas era flutuante e havia muita
especulação em torno do preço do petróleo). Por outro lado,
o desemprego cresceu. O resultado foi a persistência do fenó-
meno da estagnação, o aumento da despesa pública e o
agravamento do défice. Foi
neste contexto de crise que,
nos anos 80, a Grã-
Bretanha, com Margaret Thatcher (1925-2013), e os EUA, com Ronald
Reagan (1911-2004), implementaram um novo modelo político e
económico: o neoliberalismo. O modelo neoliberal foi também seguido
noutros países do mundo capitalista e defendido por organizações
internacionais, como o FMI e a OMC.
Na Grã-Bretanha, o neoliberalismo consolidou-se em 1979, durante o
período de domínio político do Partido Conservador, e com Margaret
Thatcher na chefia do governo, entre 1979 e 1993. A política adotada por
Thatcher implementou medidas de liberalização da economia e da
sociedade: privatização de empresas; diminuição do poder e influência dos
sindicatos; baixa de impostos; diminuição das despesas públicas na saúde,
na educação e na segurança social;
abrandamento da emissão de moeda, para lutar
contra a inflação; desregulação da atividade
financeira da “City".
Os governos de Margaret Thatcher
privatizaram empresas públicas, encerraram ou
reconverteram empresas não viáveis, o que
provocou o aumento do desemprego. A tensão
social cresceu não só devido ao desemprego,
mas também porque as medidas para limitar o
sistema nacional de saúde e de ensino foram
Margaret Thatcher, Primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990. Disponível na Internet:
http://www.colegioweb.com.br/historia/32-anos-da-reeleicao-de-thatcher.html
A Crise do estado Social- Disponível na Internet:
http://miradescritiques.blogspot.pt/2013/12/esta-en-riesgo-la-legitimidad-del.html
Ronald Reagan, Presidente dos USA entre 1980 e 1988.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ronald_
Reagan
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muito impopulares.
A política económica de Margareth Tatcher saldou-se na recuperação económica da Grã-Bretanha, à custa
do aumento das desigualdades sociais e do fim da solidariedade nacional.
Nos Estados Unidos, o neoliberalismo marcou a política americana, sobretudo a partir dos mandatos do
presidente Ronald Reagan (1980-1988). Continuou nas presidências de George Bush (pai) (1988-1992) e de
George Bush (filho) (2000-2008). A governação Reagan promoveu a baixa de impostos e a desregulação do
mercado (liberalização), baixou as despesas públicas, com exceção das despesas com armamento que, pelo
contrário, aumentaram. Consequentemente, a inflação diminuiu.
Fortes, Alexandra e outros. (2015) Linhas de História 12. Porto: Areal Editores
A aceleração do processo de globalização
Nos últimos trinta anos, temos testemunhado numerosas transformações com impactes sobre os
indivíduos, as sociedades e os territórios nem sempre fáceis de identificar e de compreender na totalidade.
Com a política de reestruturação (Perestroiko) e de
transparência (Glasnost), levada a cabo por Mikhail
Gorbachov na antiga URSS desde que chegou ao poder,
em 1985, a Guerra Fria terminou e os Estados Unidos
proclamaram-se vencedores. A queda do Muro de Berlim,
ocorrida em novembro de 1989, transformou-se no
acontecimento com maior simbolismo, marcando o fim
da Guerra Fria e da bipolarização das relações
internacionais.
A China comunista, por sua vez, que desde o final dos
anos 70 do século XX adotara uma política de reformas
visando a sua modernização, abriu-se em várias zonas especiais ao investimento e à implantação de
indústrias estrangeiras. Face à fragmentação da URSS e à abertura progressiva da China à economia de mer-
cado, a economia-mundo capitalista tornou-se hegemónica, não parecendo existir qualquer barreira
consistente ao processo de globalização em curso.
A globalização é um fenómeno económico, social, político e cultural que corresponde à etapa atual do
capitalismo.
O processo de globalização carateriza-se pela
difusão, a todo o planeta, de modelos económicos,
políticos e culturais de forte inspiração ocidental,
baseados na economia de mercado e na organização
social e política de tipo liberal, e traduz-se num fluxo
crescente de bens, pessoas, capitais, informações e
serviços comerciais à escala global.
A globalização em curso foi impulsionada pelo
desenvolvimento dos transportes, o que reduziu os
custos e o tempo de deslocação, e pela revolução nas
tecnologias de informação e comunicação (TIC), que
Queda do Muro de Berlim, 1989 Disponível na Internet:
http://noticias.r7.com/internacional/fotos/antes-e-depois-historias-surpreendentes-relembram-os-25-anos-da-queda-do-muro-de-berlim-
09112014#!/foto/1
Globalização económica Disponível na Internet: http://globalizacao.org/globalizacao-mundial.htm
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se traduziu na transmissão universal e instantânea de informações - surgindo a Internet como um dos meios
de comunicação cuja expansão foi mais rápida.
No plano económico e financeiro, a aceleração do processo de globalização resulta da crescente
liberalização dos mercados, dos movimentos de integração económica (na América do Norte, na Ásia e na
Europa) e do papel das empresas transnacionais (ETN), que têm intensificado a deslocalização de
segmentos do processo produtivo à escala global.
Fortes, Alexandra e outros. (2015) Linhas de História 12. Porto: Areal Editores
Neoliberalismo
O termo neoliberalismo designa o modelo político e económico, adotado desde o final dos anos 70, que
renova o liberalismo clássico do século XIX. Defende uma intervenção mínima do Estado nos assuntos
económicos e sociais, a adoção de políticas de austeridade
(redução das emissões monetárias e das despesas públicas).
O neoliberalismo valoriza o investimento privado e defende
uma política fiscal, assente na baixa de impostos. Promove a
desregulamentação do sistema financeiro e do mercado de
trabalho. Considera que o desenvolvimento económico se
consegue através da livre concorrência, da abertura dos mer-
cados e da livre circulação de capitais.
As políticas neoliberais de Thatcher e Reagan, com maior
ou menor aplicação, tiveram impacto em todo o mundo
capitalista, e privilegiaram as seguintes medidas:
. redução do papel do Estado na economia e no domínio da proteção social, da saúde, da educação e da
habitação, para tomá-lo mais eficiente, e libertá-lo de funções que, segundo os liberais, deveriam ser
privadas;
. diminuição dos investimentos e da despesa pública com vista a diminuir o défice;
. redução das emissões da massa monetária em circulação, para reduzir ou controlar a inflação;
. desregulamentação e flexibilização do mercado laboral, através de aprovação de legislação promotora
de uma maior mobilidade de mão de obra, da flexibilização dos
contratos de trabalho e da facilidade nos despedimentos, com a
consequente precariedade de emprego;
. aprovação de uma política de privatizações de empresas estatais;
. redução dos impostos e supressão do seu caráter progressivo;
.liberalização do mercado, com abo1ição de barreiras alfandegárias, e
assinatura de acordos de comércio, para facilitar a circu1ação de bens e
capitais;
. aprovação de legislação para facilitar a abertura da economia às
empresas multinacionais.
A globalização é, em parte, resultado do desenvolvimento do
capitalismo e do neoliberalismo à escala global, que se vinha já a
desenhar desde os anos 60 e 70. As políticas neoliberais promoveram a
diminuição das barreiras alfandegárias, a facilidade de circulação de
bens e de capitais, bem como a abertura das economias nacionais a
Crítica ao Neoliberalismo http://andergeo2012.blogspot.pt/2013/07/neoliberalis
mo_7002.html
Crítica ao Neoliberalismo http://andergeo2012.blogspot.pt/2013/07/neol
iberalismo_7002.html
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um mercado planetário, e, por, isso favoreceram e impulsionaram a globalização.
A globalização afirmou-se, sobretudo, no domínio económico, mas também noutros campos, uma vez
que promoveu a comunicação e as trocas entre várias sociedades e culturas, criando a chamada "aldeia
global".
As dimensões do processo de globalização
A globalização é um processo multidimensional através do qual as pessoas, os governos e as empresas
trocam ideias, realizam transações financeiras e comerciais e difundem aspetos culturais à escala
planetária.
Sob o ponto de vista económico, o fenómeno da globalização teve
origem no processo de transnacionalização da produção levado a cabo
pelas ETN, transformadas em atores principais de uma nova economia
mundial, e traduziu-se na emergência de uma nova divisão
internacional do trabalho (DIT).
As principais caraterísticas desta nova economia mundial são as
seguintes:
economia sustentada num forte crescimento do comércio
mundial e dominada pelo sistema financeiro e pelo
investimento à escala global;
processos de produção flexíveis e multilocais;
baixos custos de transportes e comunicações;
revolução das tecnologias de informação e de comunicação;
desregulação das economias nacionais;
domínio da chamada Tríade (EUA, União Europeia e Japão);
afirmação de novas potências económicas emergentes, como a China.
Na sua dimensão social, os efeitos do processo de globalização fizeram-se sentir sobre o mercado de
trabalho, na cultura e nos domínios da segurança, da inclusão e da coesão das famílias e das sociedades, nem
sempre com consequências positivas. Assiste-se à
flexibilização do emprego, ao aprofundamento das
desigualdades nos rendimentos e à fragilização dos
sistemas de proteção social.
A globalização deu, também, origem a uma nova
classe, que se reproduz socialmente à escala global
fora do controlo das organizações nacionais de
trabalhadores e dos Estados localizados na periferia
ou semiperiferia do sistema mundial: a classe
capitalista transnacional. Fazem parte desta elite os
administradores, gestores e acionistas das ETN, que
concentram uma parcela importante do rendimento
mundial.
Trabalhador da Microsoft em regime de teletrabalho Disponível na Internet:
http://blogs.msdn.com/b/govtech/archive/2012/11/12/microsoft-embraces-telework.aspx
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Na sua dimensão cultural, a globalização corresponde à convergência dos modos de vida em resultado
da difusão de uma cultura universal, através de marcas acontecimentos emblemáticos, facilitada pelo
desenvolvimento das TIC. A com nação das tecnologias
eletrónicas, especialmente da televisão, com os fluxos
migratórios em massa, está a gerar comunidades
transnacionais, as diásporas, uni em torno de universos
simbólicos transnacionais por sentimentos e identidade
comuns, partilhando gostos, prazeres e aspirações de
caráter coletivo e global.
Contudo, se há quem considere que as especificidades
das culturas locais e nacionais correm riscos perante a força
hegemónica em expansão, outros defendem que a
globalização tanto produz homogeneização como
diversidade.
No domínio financeiro, a globalização deu origem à criação de um mercado unificado de dinheiro a nível
global e promoveu fluxos de capital. Um conjunto de transformações nos sistemas financeiros, ocorrido a
partir das décadas de 80 e 90 do século XX, tornou possível a
globalização das poupanças: a liberalização da circulação de
capitais e da convertibilidade das moedas, o reforço da
intervenção dos mercados financeiros no financiamento das
economias, a internacionalização da gestão dos riscos, que
reforçam a integração dos mercados financeiros à escala global,
entre outros.
No que diz respeito às dimensões demográfica e religiosa, a
globalização está associada à intensificação dos fluxos
migratórios internacionais de trabalhadores, ao aumento dos
fluxos turísticos e ao crescente multiculturalismo e multietni-
cidade, resultante de uma maior diversidade cultural no interior
dos países mais desenvolvidos.
Do ponto de vista político, a nova divisão internacional do
trabalho, a visão “pró-mercado” da política económica e as
interações resultantes das práticas transnacionais reforçaram a
necessidade de aprofundar as relações interestatais.
Esta forma de organização política do sistema mundial
moderno e policêntrico carateriza-se pelo estabelecimento de
acordos políticos e comerciais interestatais (NAFTA - Acordo de
Livre Comércio da América do Norte, Mercosul - Mercado
Comum do Sul, UE - União Europeia) e pela constituição de novas organizações que reúnem igualmente os
chamados países emergentes que procuram afirmar-se em termos mundiais, como o G20 (que corresponde
A americanização do mundo
“Gigantes militares, económicos e financeiros,
os EUA constituem, também, uma poderosa
potência cultural, em resultado da difusão à
escala mundial do seu modelo de consumo. A
globalização recente corresponde a uma
ocidentalização ou, mesmo, a uma
americanização do mundo, "já que os valores,
os artefactos culturais e os universos simbóli-
cos que se globalizam são ocidentais e, por
vezes, especificamente norte-americanos,
sejam eles o individualismo, a democracia po-
lítica, a racionalidade económica, o utilita-
rismo, o primado do direito, o cinema, a
publicidade, a televisão, a Internet, etc..”
O dólar destronou a Iibra esterlina como meio
de pagamento internacional e moeda de
referência, enquanto 0 idioma inglês se
tornou a língua universal.
A sua supremacia militar tem sido criticada
por prestarem auxílio militar a países aliados
onde os direitos humanos nem sempre são
respeitados ou por recorrerem de forma
abusiva à intervenção militar em regiões onde
os seus interesses estão em jogo.”
Fonte: Santos, Boaventura de Sousa,..., 2001, p. 51
(adaptado).
Globalização cultural Disponível na Internet:
http://www.blogplanetacurioso.com.br/2013/05/o-lado-triste-da-globalizacao.html
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ao alargamento do antigo G8 e que integra as dezanove maiores economias do mundo e a UE) e os BRICS
(Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul).
Na sua dimensão jurídica, a globalização carateriza-se por um processo de desregulamentação dos
mercados de trabalho, de serviços comerciais e de capitais, entre outros, que vai ao encontro das pressões e
dos interesses das ETN e das instituições financeiras multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional
(FMI). Este fenómeno ocorre num contexto de enfraquecimento dos poderes do Estado e da correspondente
capacidade para regular os mercados nacionais, o que é aproveitado pelos novos atores transnacionais para
imporem as suas normas e estratégias.
Instrumentos da globalização da economia Liberalização das trocas
A progressiva liberalização do comércio, com a supressão de barreiras alfandegárias, possibilitou o
crescimento do comércio mundial, organizado entre países mais ricos da tríade (EUA, UE, Ásia-Pacífico) e as
áreas de comércio regional. A criação de espaços comerciais regionais, em várias zonas do mundo, constituiu
um estímulo para o dinamismo comercial. As
várias associações de comércio constituem-se
como espaços livres de barreiras alfandegárias. O
comércio internacional beneficiou da integração
da China nos mecanismos da economia capitalista,
da abertura dos países do Leste da Europa (queda
do Muro de Berlim) e da desagregação da URSS.
A transformação do mundo num mercado
global foi possível devido ao desenvolvimento das
vias de comunicação, diminuição dos custos e da
capacidade dos transportes, bem como das
tecnologias de informação e de comunicação. A
consolidação de uma economia à escala mundial
fomentou a maior oferta de bens e tomou os
gostos cada vez mais uniformes, o que beneficiou as grandes marcas globais que, com mais facilidade,
conseguiram implantar-se no mercado mundial.
Globalização
O termo Globalização designa o processo, ocorrido no final do século xx através do qual o mundo se
tornou numa comunidade global. Foi consequência do desenvolvimento das novas tecnologias, da
evolução da informação, à escala global e da redução dos custos das comunicações. A globalização
beneficiou também da redução dos obstáculos ao comércio internacional, o que facilitou a criação de um
mercado comum global.
A liberalização das trocas ganhou um
novo impulso com a criação da OMC
(Organização Mundial do Comércio), criada
em 1995, tendo como finalidade a
Imagem disponível em: https://16minionuomc2015.wordpress.com/author/16minionuomc2015/
page/4/
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"redução substancial dos direitos aduaneiros e de outros entraves ao comércio, bem como a eliminação do
tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais". A OMC contribuiu para a formação de
um "sistema comercial multilateral integrado" e agilizou a liberalização comercial.
Liberalização dos capitais
A globalização impôs-se no mercado de capitai Devido à desregulação financeira do neoliberalismo, os
obstáculos à livre circulação de capitais têm vindo ser reduzidos. O mercado bolsista cresceu dez em pouco
mais de 20 anos. A
criação de zonas e dos
chamados "paraísos
fiscais" favoreceu
capitais, atraídos pelos
lucros e isenções, para
os investidores, embora
sejam objeto de fortes
críticas devido à falta de
transparência das
operações financeiras.
O "dinheiro
eletrónico" e o sistema
financeiro formatizado
permitem que grandes
somas de dinheiro
sejam movimentadas diariamente, através nova "economia eletrónica global". Os mercados financeiros
estão cada vez mais interdependentes nesse sentido, as crises locais ou regionais, quando ocorrem, tornam-
se globais.
A expansão das multinacionais
O desenvolvimento das novas tecnologias, dos transportes e das comunicações permitiu às grandes
empresas (multinacionais ou transnacionais) deslocarem-se e internacionalizarem-se. As multinacionais
operam a uma escala global. Procuram localizar-se em zonas de mão de obra barata, com matérias-primas,
impostos vantajosos e flexibilidade legislativa,
relativamente aos direitos dos trabalhadores, à
ausência de obrigações de segurança social, ou às
menores exigências ambientais, para conseguirem
reduzir, de forma significativa, os custos de
produção.
As empresas transnacionais procuram dominar o
mercado global para obterem uma supremacia na
sua área de negócio, com vista a abrangerem o
maior número de consumidores possíveis e a
Paraísos fiscais - Imagem disponível em: http://cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt/53354.html
Multinacionais - Imagem disponível em: http://cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt/53354.html
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aumentarem os lucros. O modelo que rege estas empresas é descentralizado, pois a conceção dos produtos,
a sua produção e a comercialização não se realizam todas no mesmo local. Estas empresas estão dispersas à
escala global, com vista a aproveitarem as potencialidades específicas de várias regiões. As atividades que
exigem criatividade, maior tecnologia, marketing e publicidade são realizadas no país de origem, enquanto o
processo de fabrico é desenvolvido em países que asseguram a diminuição dos custos. As multinacionais
provêm de países ricos e as suas marcas impõem modelos de vida e uniformizam hábitos de consumo
ocidentais, contribuindo, sobretudo, para a "americanização" das sociedades.
A globalização: vantagens e desvantagens
O processo de globalização que se consolidou a partir do final da década de 90 é complexo.
Os seus defensores apresentam
como argumentos favoráveis:
- o acesso a um mercado livre
que beneficia os
consumidores;
- o maior número de bens e de
serviços, com redução dos
custos de produção;
- a generalização do uso de
novas tecnologias e sistemas
de comunicação, que facilitam
e aceleram o acesso à
informação;
- a promoção do desen-
volvimento económico,
mediante a criação de postos de trabalho, em zonas mais periféricas;
- o facto de os países menos desenvolvidos verem melhoradas as suas condições de vida, através da
partilha de conhecimentos e de tecnologia;
- o isolamento de muitos países e regiões foi atenuado, devido às tecnologias de informação e de
comunicação;
- o alargamento dos mercados e o aceso a matérias-primas mais baratas tornou as empresas mais
competitivas;
- as empresas transnacionais são vistas, nos países onde se implementam, como uma fonte de in-
vestimento estrangeiro, de introdução de novas tecnologias e de criação de emprego (retirando mão
de obra aos campos);
O consumo à escala global impulsionou a economia dos países produtores de matérias-primas, de bens e
de serviços; a mobilização da opinião pública para causas humanitárias tomou-se mais global e com maior
visibilidade.
Os críticos da globalização apresentam como argumentos contrários:
- a produção de efeitos negativos na economia contribui para enfraquecer os produtores e as indústrias
locais;
- o facto de gerar desemprego e de manter baixos os salários;
- a diminuição da diversidade produtiva e o aumento da dependência entre as economias;
- o facto de provocar e acentuar a desigualdade entre países ricos e pobres;
Aspetos negativos da globalização - Imagem disponível em: https://neccint.wordpress.com/2014/09/19/naomi-klein-the-price-of-free-trade-
is-unchecked-climate-change/
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- a facilidade na deslocalização das multinacionais aumenta a vulnerabilidade das regiões perante o
desemprego;
- a redução da soberania nacional, face aos interesses do lucro e
da livre concorrência;
- o facto de contribuir para a degradação do meio ambiente, para
o aumento do efeito de estufa, pondo em risco os recursos
naturais não renováveis;
- a uniformização e americanização dos hábitos e dos gostos criou
uma "cultura global", pondo em causa a identidade cultural e as
tradições locais.
Os críticos da globalização procuram alternativas para alcançar um
desenvolvimento mais sustentável da economia global. Condenam as
assimetrias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento,
defendem uma maior justiça e equidade. A face mais visível da crítica à globalização é o movimento
alterglobalização, que pretende acabar com os efeitos negativos da globalização económica, valorizar o am-
biente, a justiça económica, o comércio e os salários justos e, ainda, respeitar as culturas locais e a
heterogeneidade - assumindo-se como projeto alternativo, traduzido no slogan do Fórum Social Mundial
"um outro mundo é possível".
As dimensões do processo de globalização
A globalização é um processo multidimensional através do qual as pessoas, os governos e as empresas
trocam ideias, realizam transações financeiras e comerciais e difundem aspetos culturais à escala
planetária.
Sob o ponto de vista económico, o fenómeno da globalização teve origem no processo de
transnacionalização da produção levado a cabo pelas ETN, transformadas em atores principais de uma nova
economia mundial, e traduziu-se na emergência de uma nova divisão internacional do trabalho (DIT).
As principais caraterísticas desta nova economia mundial são as seguintes:
economia sustentada num forte crescimento do comércio mundial e dominada pelo sistema
financeiro e pelo investimento à escala
global;
processos de produção flexíveis e
multilocais;
baixos custos de transportes e
comunicações;
revolução das tecnologias de informação
e de comunicação;
desregulação das economias nacionais;
domínio da chamada Tríade (EUA, União
Europeia e Japão);
afirmação de novas potências
económicas emergentes, como a China. Globalização cultural
Disponível na Internet: http://www.blogplanetacurioso.com.br/2013/05/o-lado-triste-da-globalizacao.html
Imagem disponível em: ttp://queconceito.com.br/globalizacao
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Na sua dimensão social, os efeitos do processo de globalização fizeram-se sentir sobre o mercado de
trabalho, na cultura e nos domínios da segurança, da inclusão e da
coesão das famílias e das sociedades, nem sempre com
consequências positivas. Assiste-se à flexibilização do emprego,
ao aprofundamento das desigualdades nos rendimentos e à
fragilização dos sistemas de proteção social.
A globalização deu, também, origem a uma nova classe, que se
reproduz socialmente à escala global fora do controlo das
organizações nacionais de trabalhadores e dos Estados localizados
na periferia ou semiperiferia do sistema mundial: a classe
capitalista transnacional. Fazem parte desta elite os
administradores, gestores e acionistas das ETN, que concentram
uma parcela importante do rendimento mundial.
Na sua dimensão cultural, a globalização corresponde à
convergência dos modos de vida em resultado da difusão de
uma cultura universal, através de marcas acontecimentos
emblemáticos, facilitada pelo desenvolvimento das TIC. A com
nação das tecnologias eletrónicas, especialmente da televisão,
com os fluxos migratórios em massa, está a gerar comunidades
transnacionais, as diásporas, uni em torno de universos
simbólicos transnacionais por sentimentos e identidade comuns,
partilhando gostos, prazeres e aspirações de caráter coletivo e
global.
Contudo, se há quem considere que as especificidades das culturas locais e nacionais correm riscos
perante a força hegemónica em expansão, outros defendem que a globalização tanto produz
homogeneização como diversidade.
No domínio financeiro, a globalização deu origem à criação de um mercado unificado de dinheiro a nível
global e promoveu fluxos de capital. Um conjunto de transformações nos sistemas financeiros, ocorrido a
partir das décadas de 80 e 90 do século XX, tornou possível a globalização das poupanças: a liberalização da
circulação de capitais e da convertibilidade das
moedas, o reforço da intervenção dos mercados
financeiros no financiamento das economias, a
internacionalização da gestão dos riscos, que
reforçam a integração dos mercados financeiros à
escala global, entre outros.
No que diz respeito às dimensões demográfica e
religiosa, a globalização está associada à
intensificação dos fluxos migratórios internacionais
de trabalhadores, ao aumento dos fluxos turísticos e
ao crescente multiculturalismo e multietnicidade,
resultante de uma maior diversidade cultural no
A americanização do mundo
“Gigantes militares, económicos e financeiros,
os EUA constituem, também, uma poderosa
potência cultural, em resultado da difusão à
escala mundial do seu modelo de consumo. A
globalização recente corresponde a uma
ocidentalização ou, mesmo, a uma
americanização do mundo, "já que os valores,
os artefactos culturais e os universos simbóli-
cos que se globalizam são ocidentais e, por
vezes, especificamente norte-americanos,
sejam eles o individualismo, a democracia po-
lítica, a racionalidade económica, o utilita-
rismo, o primado do direito, o cinema, a
publicidade, a televisão, a Internet, etc..”
O dólar destronou a Iibra esterlina como meio
de pagamento internacional e moeda de
referência, enquanto 0 idioma inglês se
tornou a língua universal.
A sua supremacia militar tem sido criticada
por prestarem auxílio militar a países aliados
onde os direitos humanos nem sempre são
respeitados ou por recorrerem de forma
abusiva à intervenção militar em regiões onde
os seus interesses estão em jogo.”
Fonte: Santos, Boaventura de Sousa,..., 2001, p. 51
(adaptado).
Trabalhador da Microsoft em regime de teletrabalho Disponível na Internet:
http://blogs.msdn.com/b/govtech/archive/2012/11/12/microsoft-embraces-telework.aspx
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interior dos países mais desenvolvidos.
Do ponto de vista político, a nova divisão internacional do trabalho, a visão “pró-mercado” da política
económica e as interações resultantes das práticas transnacionais reforçaram a necessidade de aprofundar
as relações interestatais.
Esta forma de organização política do sistema mundial moderno e policêntrico carateriza-se pelo
estabelecimento de acordos políticos e comerciais
interestatais (NAFTA - Acordo de Livre Comércio da América
do Norte, Mercosul - Mercado Comum do Sul, UE - União
Europeia) e pela constituição de novas organizações que
reúnem igualmente os chamados países emergentes que
procuram afirmar-se em termos mundiais, como o G20 (que
corresponde ao alargamento do antigo G8 e que integra as
dezanove maiores economias do mundo e a UE) e os BRICS
(Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul).
Na sua dimensão jurídica, a globalização carateriza-se
por um processo de desregulamentação dos mercados de
trabalho, de serviços comerciais e de capitais, entre outros,
que vai ao encontro das pressões e dos interesses das ETN e das instituições financeiras multilaterais, como o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Este fenómeno ocorre num contexto de enfraquecimento dos poderes
do Estado e da correspondente capacidade para regular os mercados nacionais, o que é aproveitado pelos
novos atores transnacionais para imporem as suas normas e estratégias.
Os atores da globalização
O processo de globalização é o produto de interações complexas entre diversos intervenientes, entre os
quais se encontram: grandes empresas transnacionais (ETN), investidores, Estados, cidades e regiões
poderosas.
O comércio internacional, baseado na transação entre empresas nacionais, sediadas num território
nacional em que o Estado é soberano em questões funda-
mentais - direitos aduaneiros, taxas de câmbio e de juros,
emissão de moeda, impostos, etc. -, deu lugar a um sistema
de comércio caraterizado pela integração entre economias
nacionais e pelo papel cada vez mais influente das ETN, que
conduzem as suas estratégias sem terem em conta os
interesses dos países onde se localizam.
Estas empresas desenvolvem estratégias de
deslocalização e relocalização das atividades, podendo
implantar segmentos de um processo produtivo em di-
ferentes países, à procura das condições ótimas de produção
e dos mercados mais atrativos. Deste modo, o fenómeno de
Globalização e fluxos demográficos Disponível na Internet:
http://www.jornalismoeducativo.com.br/materias/redacao_teve_correcao_mais_criteriosa/
Empresas Transnacionais Disponível na Internet:
http://pt.slideshare.net/abnerdepaula/globalizao-13758169
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transnacionalização está intimamente relacionado com a crescente importância destas empresas no
funcionamento da economia mundial. As ETN são, por isso, os principais motores da globalização da
economia. Em alguns casos, o poder destas empresas
sobrepõe-se ao dos Estados, que vão perdendo
progressivamente o controlo sobre a ação das ETN.
Num cenário de aceleração das trocas comerciais,
facilitadas pela redução dos custos de transporte e pela
generalização das TIC, outros atores da globalização,
como a Organização Mundial de Comércio (OMC), têm
contribuído para organizar e incentivar as práticas
comerciais à escala planetária.
Enquanto a OMC arbitra o comércio mundial, trabalhando
para que todas as formas de protecionismo sejam eliminadas,
instituições financeiras multilaterais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial contribuem para garantir a regulação económica do sistema mundial
e viabilizam as transações financeiras internacionais.
Vários blocos económicos regionais, quase continentais, como a União Europeia (UE), o Acordo de
Comércio Livre da América do Norte (NAFTA), o Merca Comum do Sul (Mercosul) ou a Associação das
Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), constituem-se como elementos polarizadores das trocas comerciais a
nível mundial. Estas organizações são alianças económicas e políticas poderosas entre países, que
cooperam entre si com o objetivo de se tornarem mais fortes fé à competição económica mundial.
A União Europeia é a organização que apresenta um grau de integração mais elevado, o que lhe permite
competir com os EUA, o Japão e os BRICS como Polo do sistema-mundo.
Estas organizações económicas regionais apoiam-se territorialmente numa rede de grandes cidades,
chamadas cidades globais. Estas constituem os centros organizadores do sistema de relações interestatais e
dos fluxos de bens, pessoas, capitais e informação que se estabelecem entre os países que integram estas
organizações.
O G20, embora não seja considerado uma organização formal, representa a cúpula do poder mundial,
agrupando as vinte maiores economias mundiais. Desde 2008, o G20 passou a assumir uma função central
na regulação da economia mundial,
substituindo o papel até então
desempenhado pelo G8 - organização
constituída pelos 7 países mais
industrializados do mundo e a Rússia. Os
países mais ricos têm procurado concertar
estratégias de ação comuns visando a
estabilidade financeira internacional e a
definição de uma agenda mundial em
diversas questões que os preocupam:
liberalização do comércio, políticas
económicas, terrorismo, ambiente, crime internacional, etc.
Logo da Organização Mundial de Comércio Disponível na Internet: http://comex-
solutions.webnode.com/news/etapa-2-acordos-economicos-internacionais-e-seu-impacto-no-direito-brasileiro-/
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Tal como o G8, também o G20 tem ultrapassado as instituições vocacionadas para resolver certas
questões globais, como, por exemplo a
Organização das Nações Unidas (ONU), pondo
em causa a sua legitimidade.
Todos estes atores, à medida que
promovem a expansão do comércio
internacional, introduzem regras e fomentam
práticas que apenas se destinam a salvaguardar
os seus próprios interesses e a perpetuar ou a
consolidar o seu domínio. Por isso, os
opositores a esta forma de globalização
multiplicam-se, quer nos países mais pobres
quer nos países mais ricos, preocupados com o
aprofundar das desigualdades socioeconómicas.
Inúmeros movimentos transnacionais constituem-se com o objetivo de pressionar os outros atores da
globalização e alterarem as suas estratégias, demonstrando que existem percursos alternativos mais
sustentáveis e solidários. É a chamada globalização alternativa ou alterglobalização.
Entre estes movimentos encontram-se as organizações não-governamentais (ONG), que atuam com
grande eficácia, constituindo uma rede à escala mundial. Estas associações da sociedade civil trabalham de
forma independente relativamente aos governos, agindo em domínios diversos, como por exemplo: o
desenvolvimento (OIKOS, CIDAC), os direitos humanos (Human Rights Watch, Amnistia Internacional), a
ajuda humanitária (Médicos Sem Fronteiras), a saúde (Partners in Health) e o ambiente (Greenpeace).
Graças ao avanço tecnológico, nomeadamente no setor das telecomunicações e da informática, as
grandes empresas transnacionais, os novos atores da globalização, organizam a produção e estabelecem
estratégias empresariais à escala mundial, influenciando e
conduzindo a implementação planetária de padrões de
produção e de consumo homogeneizados. Neste contexto,
a dimensão nacional de uma visão do mundo tende a
relativizar-se e a subordinar-se a uma cultura global
marcada por uma nova lógica capitalista de espacialização
transnacional e global, apoiada na crescente mobilidade do
capital e na liberalização dos mercados. Esta nova lógica
organiza-se num sistema em rede, constituído por fluxos e
por nós, que se adensa nos espaços que prosperam e se
globalizam e que se rarefaz nos territórios que continuam
marginalizados ou excluídos desta dinâmica.
As ETN são as grandes responsáveis pelas crescentes
assimetrias de desenvolvimento entre as áreas
beneficiadas e as marginalizadas, pois estão na origem de uma perigosa concentração do investimento em
certas regiões em detrimento de outras. Sediadas nas grandes metrópoles globais, a maioria das ETN
Cartaz a anunciar o Forum Social Mundial de 2016, em, Porto Alegre, Brasil
Disponível na Internet: http://forumsocialportoalegre.org.br/2015/06/12/memoria-da-plenaria-do-comite-organizador-do-fstematico2016-forum-social-mundial-15-
anos/
As ETN são consideradas as grandes responsáveis pelas assimetrias do
desenvolvimento Disponível na Internet:
https://portogente.com.br/portopedia/globalizacao-73980
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contribui para a concentração da riqueza nestas áreas. Por sua vez, as cidades globais estabelecem entre si
relações preferenciais que reforçam o seu poder e a sua capacidade de controlar os grandes fluxos mundiais.
O que antes funcionava numa lógica de rede hierarquizada de cidades e respetivas áreas de influência
parece ter sido substituído por um sistema de nós (hubs) e de fluxos. As cidades globais constituem os nós de
um sistema hierarquizado que promove a exclusão de
vastos espaços, apenas atravessados pelos fluxos que
ligam os polos secundários às cidades principais.
A globalização, não só está a evidenciar as
desigualdades de acesso das regiões e dos indivíduos aos
recursos, como tem ajudado a aprofundar as assimetrias
na distribuição da riqueza. Deste modo, a globalização
pode ser
um fator
de unifor-
mização
ou de divisão, sinónimo de novas liberdades para uns e de
constrangimentos para outros, de integração e inclusão
para certos territórios, estratos sociais ou indivíduos e de
exclusão para outros.
A situação socioeconómica passou a ser um elemento
preponderante na divisão Norte-Sul.
Apenas um reduzido número de territórios e indivíduos
está a usufruir plenamente dos benefícios do
desenvolvimento proporcionado pela globalização. Entre eles
estão aqueles que possuem os recursos e dominam as
inovações tecnológicas. Os fluxos e os equipamentos de
telecomunicações estão concentrados nos países mais ricos,
os países do Norte. Por isso, embora possamos falar de um
“sistema de comunicações-mundo” e de acontecimentos
globais (Jogos Olímpicos, Live Aids, etc.), a expressão “aldeia
global” tem sido incorretamente utilizada.
Poderosas redes logísticas multimodais ligam entre si
territórios por vezes muito distantes. Mas esta ligação é sele-
tiva, pois depende da capacidade de cada país adquirir e
instalar infraestruturas modernas que exigem capital e
tecnologia.
O desenvolvimento das telecomunicações é dos principais
fatores impulsionadores da globalização (telefone, fibra ótica
de banda larga). Desde 2000, o número de telefones móveis
no mundo aumentou de 740 para 5300 milhões de
O mito da aldeia global
A expressão "aldeia global"foi introduzida em
1968 por Marshall McLuhan e pelo seu colega
Quentin Fiore, quando o mundo assistia à
primeira guerra em direto pela televisão, a
guerra do Vietname, e reflete o resultado dos
extraordinários progressos das tecnologias de
comunicação. Na realidade, passou a ser
possível a circulação de informação (voz, texto
e imagem) em tempo real através de sistemas
de comunicação, utilizando tecnologia via
satélite (o caso da televisão) ou as redes te-
lefónicas (no caso do fax), mais tarde reunidas
em sistemas telemáticos (computador-
modem-telefone), permitindo que
supostamente todo o mundo estivesse ao
alcance de todos.
Contudo, as barreiras geográficas podem ter
caído para as comunicações, mas novas
barreiras quase impercetíveis estão a surgir.
No que diz respeito à Internet, estas são
evidentes. O seu utilizador típico é do sexo
masculino, tem menos de 35 anos, uma
formação universitária e rendimento médio a
elevado, vive numa área urbana e domina o
inglês - é membro de uma elite minoritária em
todo o mundo. Assim, a sociedade, ao
organizar-se em rede, está a criar dois
sistemas paralelos de comunicações:
- um para os que têm rendimentos, educação
e estão"ligados”, acedendo ou trocando abun-
dante informação com rapidez e a baixo
custo, não só através da Internet, mas
também por fax, por satélite ou por
telemóvel;
- outro para os que, devido a carências de
rendimento e educação, e às limitações de
mercado interno de telecomunicações, nos
seus países, não estão ligados".
Fonte: PNUD, Relatório do Desenvolvimento Humano.
2005
A globalização aprofundou as desigualdades entre o Norte rico e o Sul pobre
Disponível na Internet: http://resistir.info/patnaik/sul_global_20jul14.html
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aparelhos. Em cinco anos, o número de utilizadores da Internet duplicou, representando 35% da população
mundial em 2011.
Apesar dos progressos, o fosso digital entre o Norte e o
Sul continua a ser uma realidade.
Os mercados financeiros tornaram-se globais com os
progressos tecnológicos e as políticas de
desregulamentação dos Estados. Bancos, companhias de
seguros, fundos de pensões e os fundos especulativos vão
deslocalizando os seus investimentos à procura em
encontrar o melhor rendimento nos mercados financeiros.
Cinco bolsas concentram 52% da capitalização de mercado
do mundo.
A lógica financeira e especulativa domina a
globalização. O stock de capital acumulado nos mercados
bolsistas representa 5 a 10 vezes o PIB mundial. A capitalização bolsista do mercado global aumentou sete
vezes em vinte anos. Os atores desta globalização financeira procuram tirar partido das diferenças existentes
entre territórios no que diz respeito às taxas de câmbio, taxas de juro, preços das ações, etc.). Este sistema
muito instável esteve na origem de vinte e quatro grandes crises, entre 1971 e 2008.
O sistema bancário global entrou em colapso durante a crise de 2008, especialmente nos principais países
desenvolvidos. A crise financeira tornou-se económica e social, levando os Estados e as organizações
internacionais (como o FMI) a intervirem. Foram efetuadas nacionalizações, concedidos empréstimos e
garantias financeiras, o que não impediu o contínuo aumento do endividamento externo. O desenvolvimento
dos principais países do Norte foi profundamente comprometido.
A massificação cultural
Os habitantes do planeta são considerados trabalhadores e consumidores do vasto mercado mundial,
independentemente das desigualdades de acesso à “cultura global”, aos mercados financeiros e a uma
“visão global” do mundo.
A globalização dos mercados
de consumidores intensificou os
fluxos de novos produtos de
acordo com padrões de
consumo cada vez mais
homogéneos. Deste modo, as
ETN que atuam como gestores
globais, sem quaisquer
responsabilidades sociais, veem
as suas estratégias compensadas
e os seus lucros a aumentar.
Nº Ano Filme Distribuidor Bilheteria (US$)
1 2009 Avatar 20th Century Fox 2 787 965 087
2 1997 Titanic Paramount Pictures/20th C. Fox 2 186 772 302
3 2012 Os Vingadores Walt Disney Pictures 1 518 594 910
4 2015 Velozes e Furiosos 7 Universal Pictures 1 511 527 910
5 2015 Vingadores: Era de Ultron Walt Disney Pictures 1 367 847 357
6 2011 Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 Warner Bros 1 341 511 219
7 2013 Frozen - Uma Aventura Congelante Walt Disney Pictures 1 274 219 009
8 2013 Homem de Ferro 3 Walt Disney Pictures 1 215 439 994
9 2011 Transformers: O Lado Oculto da Lua Paramount Pictures 1 123 794 079
10 2003 O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei New Line Cinema 1 119 929 521
A crise de 2008 que teve o seu epicentro em Wall Street, desencadeou uma série de protestos contra
a especulação financeira
Disponível na Internet: http://www.escolakids.com/a-crise-financeira-de-2008.htm
Disponível na Internet:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_filmes_de_maior_bilheteria
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Mas a “cultura global” que se está a difundir corresponde ao modelo americano, O American way oflife.
Nos domínios do lazer, dos hábitos alimentares, do
desporto e da música, os EUA estão a impor o seu
estilo de vida. Apoiados no domínio da língua inglesa e
na revolução das telecomunicações, os norte-
americanos estão a transformar os hábitos e os
costumes mundiais. Através do cabo e do satélite, uma
diversidade de canais temáticos globais de notícias,
cinema ou música transmite 24 sobre 24 horas. As
longas-metragens produzidas em Hollywood são
estreadas mundialmente. Milhares de restaurantes de
grandes cadeias norte-americanas, como a McDonald's,
a Burger King ou a Planet Hollywood, estão presentes em todo o mundo com os seus menus baseados em
hambúrgueres e em bebidas universais como a Coca-Cola. O vestuário é influenciado pelas empresas norte-
americanas do setor, como a Nike ou a Levi's. A Microsoft
monopoliza o mercado do software.
O desenvolvimento das tecnologias de informação e
comunicação possibilita, em qualquer parte do mundo,
observar as reportagens dos últimos acontecimentos
mundiais através das cadeias televisivas CNN e BBC, assistir
à última produção de Hollywood, utilizar o mesmo cartão de
crédito ou adquirir produtos de marcas mundiais.
A aculturação surge como inevitável face às estratégias de
marketing e à publicidade. O crescimento da cultura como
um bem económico contribuiu para a sua identificação como
mercadoria que pode ser vendida e negociada - artes, turismo, música, livros e filmes. Verifica-se uma
concorrência feroz para vender aos consumidores, em todo o mundo, com publicidade cada vez mais
agressiva, numa diversidade de produtos que pretendem dar resposta às tendências e aspirações de um
mercado mais massificado.
Embora a difusão de ideias e imagens enriqueça o mundo, há um risco de reduzir as questões culturais
às leis do mercado, negligenciando a comunidade, o costume e a tradição.
Aldeia global e aculturação
O desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação possibilitou, não só o aumento exponencial
das deslocações (migrações globais, turismo e trocas comerciais), como também os contactos e trocas de
informações a nível mundial. Daí a explosão de trocas sociais entre pessoas de culturas completamente
diferentes.
Os meios de comunicação ligam as pessoas em tempo real às notícias, às imagens e às informações,
tornando os indivíduos, os grupos e as nações cada vez mais interdependentes e transformando o mundo em
que vivemos naquilo que muitos autores designam por “aldeia global”.
Disponível na Internet:
http://www.mundoeducacao.com/geografia/globalizacao.htm
Disponível na Internet:
https://www.google.pt/search?q=cultura+globaliza.htm
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Este contacto entre povos diferentes, consequência do processo de globalização, leva a que estes se
conheçam melhor, modificando atitudes e representações sociais que Ihes foram transmitidas através do
processo de socialização, criando outras. Estas
transformações culturais correspondem ao processo de
aculturação.
Situações de aculturação sempre existiram ao
longo da história. Contudo, recentemente, este processo
tem vindo a acentuar-se.
Será, então, que se está a caminhar para uma
cultura global? Será que essa cultura é dominada pelos
produtos e valores da cultura ocidental?
Com efeito, a globalização está associada aos
produtos materiais (Coca-Cola, McDonald's, etc.) e
culturais (filmes e séries americanas) ocidentais.
Mas, em muitos casos, as marcas globais foram obrigadas a introduzir nos seus produtos elementos
mais adequados aos hábitos de consumo das populações locais.
Deste modo, também se poderá pensar que as identidades e os modos de vida estão a transformar-se e a
dar lugar a novas formas de cultura compostas por elementos de diferentes origens culturais, ou seja, em vez
de uma cultura está a de desenvolver-se uma pluralidade de formas culturais.
A rápida difusão da informação também tem aspetos positivos, nomeadamente gerando campanhas de
solidariedade internacional, por exemplo, quando ocorrem catástrofes naturais. Estes factos levam a que as
pessoas tomem consciência da sua responsabilidade social além-fronteiras, desenvolvendo ações que
implicam, por exemplo, intervenções de ajuda humanitária e assistência técnica ou apelos a favor da defesa
dos direitos humanos. A noção de cidadania alarga-se, passando os indivíduos a ser cidadãos do mundo.
Globalização, padrões de consumo e estilos de vida
A globalização está associada à aceleração das trocas comerciais, o que significa que podemos encontrar,
pelo menos nos países mais desenvolvidos, os mesmos produtos e das mesmas marcas.
Por outro lado, os meios de comunicação social
e, em particular, as campanhas publicitárias das
grandes marcas internacionais têm levado a uma
adesão ao consumo de alguns produtos, o que os
torna “produtos globais”.
Verifica-se, assim, uma tendência, pelo menos
nas sociedades mais desenvolvidas e com maior
poder de compra, para os hábitos de consumo
serem idênticos, isto é, para uma uniformização dos
padrões de consumo a nível mundial. Por exemplo,
certos tipos de consumo juvenil, ao nível do
vestuário, dos gostos musicais, da alimentação ou da
prática desportiva, são praticamente os mesmos em
Disponível na Internet:
http://ummundoglobal.blogspot.pt/2010/09/globalizacao-oportunidade-
ou-uma-ameaca.html
Contraste da globalização
Disponível na Internet: https://taboodada.files.wordpress.com/2011/03/g20-
protests2.jpg
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qualquer sociedade desenvolvida.
Contudo, a uniformização do consumo é relativa, pois existem desigualdades no consumo entre:
- países desenvolvidos e países menos desenvolvidos, nos quais grande parte da população não tem
possibilidades económicas de ter os padrões de consumo dos países mais ricos;
- os diferentes grupos sociais dos países desenvolvidos.
Nos países desenvolvidos, persistem as desigualdades sociais, não podendo os grupos sociais mais
desfavorecidos ter hábitos de consumo idênticos aos dos grupos mais privilegiados.
Também encontramos nos países desenvolvidos grupos sociais com estilos de vida diferentes, ou seja,
com modos de vida e práticas de consumo diferentes. Por exemplo, atualmente, surgem novos estilos de vida
associados à vida saudável, à defesa do meio ambiente, etc.
Os fenómenos de resistência à uniformização cultural
A globalização aumentou, de um modo sem precedentes, os contactos entre os povos, facilitando a
difusão dos seus valores, ideias e modos de
vida. As pessoas viajam com maior frequência
e percorrem distâncias mais longas.
Atualmente, a televisão chega a comunidades
que vivem nas áreas mais remotas da China,
difundindo um modelo civilizacional; é
possível ouvir música portuguesa em Tóquio
e ver filmes africanos em Banguecoque;
podemos encontrar Shakespeare na Croácia e
livros acerca da história do mundo árabe em
Moscovo; ou receber as últimas notícias do
mundo através da rede de televisão AI
Jazeera, diretamente do Qatar.
Para muitas pessoas, a globalização é estimulante, pois é sinónimo de novas oportunidades e de maior
diversidade cultural, ajudando a promover a constituição de uma sociedade mundial, com valores e
princípios éticos defendidos universalmente por todos os cidadãos. Outros receiam que os seus países
possam fragmentar-se e que os valores das culturas
locais estejam a perder-se, à medida que cada vez
mais imigrantes trazem novos costumes e que o
comércio internacional e os meios de comunicação
difundem, nas línguas mais faladas, um modelo
cultural ocidental.
A construção de uma sociedade mundial é uma
realidade para as elites dirigentes, mas a emergência
de uma elite mundializada não significa a
constituição de uma cidadania mundial. Muitas
comunidades e indivíduos não se reconhecem Cinema indiano resiste à globalização americana:
Disponível na Internet: http://imagefriend.com/bollywood-movies-
online.shtm
Globalização cultural Disponível na Internet: http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/a-globalizacao-
destroi-a-cultura/
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numa cultura mundial, que, embora fundada sobre os valores da modernidade ocidental como a liberdade,
os direitos humanos e a democracia, tem um caráter hegemónico e submete as identidades nacionais e
locais à sua lógica. A globalização
aparece-lhes, assim, como a negação de
um conjunto de valores e de referências
familiares, religiosas e culturais próprios.
É por isso que as alterações em curso
têm impactes que ultrapassam o campo
geopolítico e económico e se repercutem
nos modos de vida, pondo em causa a
tradição, as culturas e os costumes locais.
Segundo a Unesco, estima-se que uma
percentagem elevada das línguas do
mundo possa desaparecer no decurso do
presente século. Metade delas (entre 6 e
8 mil) é atualmente falada por menos de
10 mil pessoas, e calcula-se que a cada duas semanas desapareça uma. O crescimento das línguas veiculares,
particularmente o inglês, associado aos processos de globalização, acarreta consequências significativas para
as línguas de todo o mundo.
Embora o universalismo da cultura e dos valores esteja em plena expansão, é, simultaneamente, objeto
de grande contestação.
A resistência à globalização cultural ocorre com frequência em sociedades tradicionais, onde a religião
tem um papel social importante. Por esse motivo, os movimentos de contestação assumem, por vezes,
formas violentas e exclusivas que se baseiam no
nacionalismo e no fundamentalismo. No entanto, a
expansão deste tipo de movimentos que se opõem à
globalização não está só relacionada com o
renascimento de aspirações religiosas e nacionalistas;
na sua origem encontra-se também a generalização de
uma cultura de massas que impõe o “global” ao “Iocal”
e destrói as identidades territoriais.
Contudo, novos pontos de vista sobre os laços que
se tecem entre o global e o local emergiram, rompendo
com a ideia de que o domínio de uma monocultura
global é inevitável. A intensificação da circulação dos
fluxos culturais e a existência bem real de uma
tendência para a globalização da cultura não conduz à
homogeneização do planeta, mas leva à criação de um
mundo cada vez mais mestiço. As identidades nacionais
e locais parecem resistir aos fenómenos de aculturação
provocados pela globalização. As culturas locais aproveitam-se dos meios que o capitalismo globalizante
proporciona, afirmando-se pela diversidade, pela diferença.
Disponível na Internet: http://aslnguasabremcaminhos.blogspot.pt/2010/04/as-10-
linguas-mais-faladas-na-internet.html
Identidades locais ou património identitário
Significa o conjunto daquilo que os homens herdam ou
inventam, podendo também ser produzido a partir de
elementos físicos da paisagem, naturais ou construídos.
Estas identidades não surgem ao acaso. Resultam da pre-
sença permanente e do trabalho esforçado e meticuloso
dos indivíduos e das comunidades, ao longo da história.
Na formação deste património (identidades), assumem,
mais uma vez, papel de relevo as representações, as
crenças, os sistemas de ideias, os sonhos dos homens
que ocupam um determinado território.
Podem constituir elementos de identidade e recursos
específicos de uma comunidade ou território: a Iíngua ou
dialeto, a religião, a etnia, os costumes, as tradições, 0
saber-fazer, os artefactos relacionados com as atividades
económicas tradicionais locais, 0 património construído e
natural, etc.; uma identidade construída e natural, etc.;
uma identidade em contraste com outras comunidades e
territórios.
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Talvez por isso, as culturas nacionais e locais
estão a assumir um renovado vigor e significado,
lutando para preservar os elementos de
afirmação da sua identidade - a língua ou dialeto,
a religião, a etnia, os costumes, as tradições, os
artefactos, o património construído e natural,
etc.. Algumas são reativadas, como a cultura celta
ou crioula, através da língua, da música e da
literatura. O exemplo da Índia sublinha que as
especificidades nacionais e locais podem opor-se
à cultura global: O cinema indiano é o primeiro do
mundo em número de produções.
As novas ameaças e riscos
Os cenários históricos, políticos e económicos alteraram-se radicalmente nos últimos trinta anos. As
grandes decisões dos Estados e a organização das nações fazem-se a partir de condicionantes externas,
quase sempre mais determinantes do que as nacionais. O processo
está a marginalizar os mais pobres, não só os países como as
pessoas. As assimetrias sociais e a contestação estão, por isso a
progredir.
As ameaças ao desenvolvimento são muito diversas, podendo
ocorrer a um nível mais local, onde as desigualdades e as
inseguranças se refletem, não só nos rendimentos, mas também na
participação política (nas instituições, nos parlamentos e nos
governos locais) e nas condições sociais (educação, habitação e
emprego. Esses riscos podem ter, também, um caráter mundial,
como resultado do aumento do crime internacional (criminalidade
financeira, tráfico de crianças, de mulheres de órgãos) e das ações
de grupos terroristas, da expansão dos vírus da SIDA e ébola, da
proliferação do tráfico de droga, da crescente internacionalização
dos mercenários, da expansão da venda clandestina de armamento
perigoso (armas químicas, biológicas e nucleares) ou das alterações
sem precedentes no equilíbrio bioclimático do planeta, em resultado da ação humana.
Perante as novas ameaças e desafios que se nos colocam, várias analistas defendem que é necessário
construir um quadro de referência, de valores comuns considerados universais, que seja aceite por todos
os Estados e que dê resposta a questões à escala planetária - ambiente, direitos humanos, droga, SIDA,
terrorismo, etc. No entanto, para que esse cenário seja possível, é indispensável atender às desigualdades
de desenvolvimento que a globalização evidenciou e construir um espaço democrático de governação
global.
No essencial, o texto foi retirado de: Domingos, Cristina; Lemos, Sílvia; Canavilhas, Telma (sd) Geografia C12. Lisboa: Plátano Editora
Rancho Folclórico de Santa Maria da Reguenga (Santo Tirso)
Disponível na Internet: http://blog-do-pinhas.blogspot.pt/2011/02/encontro-de-
folclore-de-inverno_8831.html
O reforço da democracia global como resposta
às novas ameaças resultantes da globalização
Disponível na Internet:
https://pixabay.com/pt/globaliza%C3%A7%C3%A3o-
democracia-450599/
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A integração de Portugal na Europa e as suas consequências
A política externa portuguesa foi marcada quer pela aproximação à Europa, através das negociações para
a integração de Portugal na CEE, quer pelo reforço das relações com os EUA, mediante a renovação do
Acordo das Lajes e da participação de Portugal na NATO. Procurou ainda valorizar-se a posição de Portugal
no Atlântico Sul, como mediador entre a Europa e
os países de expressão portuguesa, beneficiando da
ligação com os novos países nascidos da
descolonização.
Em 1977, o 1.º Governo Constitucional, liderado
por Mário Soares solicitou o pedido de adesão de
Portugal à Comunidade Europeia. A 12 de junho, de
1985, foi assinado o Tratado de Adesão e, em 1 de
janeiro de 1986, Portugal tomou-se, juntamente
com Espanha, membro da CEE. Chegou ao fim um
período de longa e demorada negociação. Com
efeito, a política externa portuguesa, do período
constitucional (depois da aprovação da Constituição
de 1976 e da primeira revisão de 1982), fora, em
parte, dominada por esse objetivo, o que
possibilitou a Portugal assumir-se como país ocidental, europeu e atlântico.
Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal, assinou em Lisboa, no Mosteiro dos Jerónimos, o tratado
que fez de Portugal país membro da Comunidade Europeia. No mesmo dia, em Madrid, a Espanha assinou o
Tratado de Adesão à Comunidade Europeia. Estava assim constituída a Europa dos Doze.
A opção europeia foi, inicialmente, a preferida, pelos seguintes motivos:
. a necessidade de modernizar as estruturas e de aumentar a competitividade da economia;
. a necessidade de combater o desemprego e a inflação crescentes;
. fazer frente à dívida pública elevada, à redução das reservas financeiras e à falta de investimento;
. diminuir o desfasamento da economia portuguesa relativa mente aos países da Comunidade;
. garantir o papel de Portugal no sudoeste europeu e concreta mente na Península Ibérica;
. corresponder aos anseios dos emigrantes portugueses, que beneficiariam da abertura de fronteiras
e da liberdade de circulação dentro do espaço comunitário;
. reforçar internacionalmente a nossa cultura.
Em termos políticos, a adesão de Portugal concretizou-se num clima de estabilidade política interna, e
constituiu uma garantia de consolidação das instituições democráticas, pondo fim a derivas revolucionárias.
A situação periférica de Portugal, face à Europa, foi atenuada com a integração no projeto europeu, que lhe
conferiu uma maior centralidade e aproximação aos centros de decisão. Portugal passou a integrar os órgãos
europeus, através da eleição de deputados e da nomeação de comissários, a assumir rotativamente a
presidência, ou a promover iniciativas no quadro das Comunidades e do Parlamento Europeu.
Fortes, Alexandra e outros. Linhas da História 12.º ano. 2015. Porto: Areal Editores
Consequências económicas da integração europeia
A integração europeia permitiu a Portugal beneficiar de condições económicas favoráveis, especialmente em
virtude do afluxo de capitais, num contexto em que, desde 1984, a economia europeia registava sinais de
Mário Soares, à altura primeiro-ministro de Portugal, assina o Tratdo
de adesão de Portugal à CEE, em 12 de junho de 1985.
Disponível na Internet: http://martinhodarcada.blogspot.pt/2005/06/adeso-
de-portugal-cee.html
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vitalidade, sobretudo nos países de destino das exportações portuguesas e de proveniência das remessas dos
emigrantes.
O primeiro ano de adesão foi marcado por uma conjuntura externa especialmente favorável – queda dos
preços do petróleo, evolução favorável do dólar e descida das taxas de juro internacionais –, que surgiu na
sequência do reequilíbrio financeiro devido ao programa de estabilização implementado. Em consequência
da entrada na CEE, assistiu-se a um reforço das relações económicas de Portugal com os países da Co-
munidade, oque possibilitou uma
maior abertura ao mercado
internacional e facilitou a livre
circulação de pessoas, bens, serviços e
de capitais, promovendo o aumento
das importações e das exportações.
O país oferecia condições atrativas ao
investimento estrangeiro, sobretudo
em consequência dos baixos salários
praticados, da situação geográfica
privilegiada, bem como do processo de
privatizações iniciado e do mercado
bolsista em expansão.
A análise das grandes tendências de
evolução da economia portuguesa no
período de 1986-1991 permite situar o
contexto global em que se processou o
desenvolvimento e a modernização da economia e da sociedade portuguesa, impulsionado pelo "choque
externo" da adesão à Comunidade Europeia, bem como as suas insuficiências, desequilíbrios e limitações. A
integração europeia exigiu empenho dos agentes económicos portugueses, no sentido de modernizar a
agricultura, a pesca e a indústria, o que foi parcialmente conseguido, com o contributo dos fundos europeus.
A transferência de verbas dos fundos comunitários estruturais e de coesão (como o FEOGA, FEDER, 0 PEDAP
e PEDIP) permitiu a recuperação do atraso económico do país e a modernização da economia, apesar da
permanência de dificuldades e desequilíbrios.
Entre 1986 e 1991, os resultados globais foram positivos, com a abertura comercial e financeira, o
crescimento da produção e a diminuição do desemprego. O país cresceu com rapidez no período entre 1986
e 1991.
A partir de 1986, beneficiando de um ciclo de significativo crescimento económico, assistiu-se a um
período de expansão do emprego, que se refletiu numa significativa redução da taxa de desemprego.
Entre 1986 e 1991, a economia portuguesa conheceu um notável desenvolvimento, tendo crescido acima da
média europeia. Este movimento à escala nacional, de abertura e internacionalização da economia, inseria-
se no contexto do processo de globalização das atividades e dos mercados da "tríade" EUA-CEE/UE- Japão.
Apesar das dificuldades, o país ultrapassou as principais etapas com sucesso.
Os primeiros anos da adesão registaram progressos evidenciados, ao fim de cerca de 15 anos, no au-
mento do produto per capita, a convergir com a Europa. A mobilização de fundos comunitários (FSE - Fundo
Social Europeu) possibilitou a qualificação da mão de obra, com vista à especialização e melhoria da
produtividade e da qualidade dos serviços. Os fundos comunitários foram também aplicados num vasto
programa de construção de infraestruturas (rede de autoestradas, pontes, expansão da rede de
metropolitano, entre outros).
Disponível na Internet: http://www.europedirectpontedelima.pt/?pg=3&id_menu=83
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No setor terciário, assistiu-se à expansão e ao desenvolvimento do
turismo, uma importante fonte de receita. Implementaram-se algumas
reformas do Estado, da administração pública e de combate à inflação. A
diminuição do desemprego, a melhoria das regalias sociais e o crescimento
das remunerações possibilitou o aumento do consumo privado e a
melhoria do nível de vida dos cidadãos. A dívida pública decresceu e a
inflação diminuiu significativamente.
A conjuntura internacional do início da década de 90 foi marcada por
dificuldades. Os sinais de abrandamento fizeram-se sentir também na
Europa e a crise fez-se sentir, em Portugal, a partir de 1992. A situação de
prosperidade de Portugal abrandou com o PIB a desacelerar para valores
na ordem dos 2,3%, contrastando com a média de cerca de 4% dos anos
anteriores. As exportações declinaram,
o consumo interno privado caiu, o
investimento estrangeiro declinou e as
remessas dos emigrantes e as receitas
do turismo diminuíram. Apesar do
afluxo de capitais oriundos dos fundos
estruturais e de coesão, os problemas
estruturais em setores-chave
persistiram, como no caso da
agricultura, das pescas e da indústria,
na medida em que não se realizaram
reformas estruturais, com vista a
tornar o país mais competitivo no
quadro da economia europeia. A
recessão de 1992/93 deixou marcas e
Portugal viu a sua população
desempregada aumentar.
A recuperação da economia voltou
a sentir-se a partir de 1994. As
privatizações contribuíram para aliviar
as contas públicas e aumentar as
receitas do Estado. A inflação diminuiu,
as taxas de juro desceram de forma
significativa, os salários aumentaram, o
que estimulou a procura interna, ao mesmo tempo que as exportações
aumentaram, permitindo o crescimento do PIB. Este período foi marcado
pela corrida ao crédito barato por parte do Estado, das empresas e das
famílias. Assistiu-se ao desequilíbrio da balança comercial.
A partir de 1997, Portugal preencheu as condições de convergência
consideradas necessárias para a adoção da moeda única e, a 1 de janeiro
de 1999, iniciou-se uma nova era na História monetária de Portugal. O
escudo foi substituído pelo euro, abrindo-se uma nova fase na economia
portuguesa, europeia e internacional, com a criação de um espaço
A política monetária em 1990 desenvolveu-se num cenário de desaceleração económica, crise cambial e de transição sistémica para o sistema de controlo monetário indireto e de preparação da adesão ao Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC) do Sistema Monetário Europeu (SME). Na verdade, em 1990 tornou-se mais evidente o reduzido espaço de manobra da política monetária num ambiente de crescente liberalização dos movimentos de capitais.
O choque de oferta internacional referido, as expetativas geradas pela adesão à Comunidade Europeia e os importantes programas de obras públicas contribuíram para acelerar o crescimento económico que se manteve, acima dos 4%, desacelerando a partir daí, ao acompanhar o abrandamento cíclico das economias industrializadas. Apesar disso, o processo de convergência real com a Comunidade Europeia verificou-se em todo o período, permitindo uma aproximação à média europeia dos níveis de rendimento real per capita e dos padrões de consumo nacionais.
A partir de 1993, constatou-se que os estrangeiros optaram por desinvestir no território nacional: os países do Extremo Oriente e da Europa Central e Oriental passaram a ser preferidos pelos investidores.
A propósito da estagnação da economia portuguesa a partir de 2001, pode ser referido que a resposta a esta tendência da economia portuguesa está longe de ser única: a globalização e o efeito do aumento e diversificação da concorrência são certamente fatores a ter em conta, bem como a reestruturação e a deslocalização industrial, a ineficácia do sistema educativo ou o envelhecimento da população. Portugal tem sido afetado tanto pela globalização como pelo alargamento da União Europeia.
A concorrência de países como a Roménia e a Bulgária, onde a mão de obra é mais barata, e a competição de países corno a Eslováquia, A Hungria e a República Checa, que estão a desenvolver as componentes tecnológicas, criaram grandes dificuldades no setor têxtil e na indústria automóvel. Acrescem ainda os problemas de competitividade e os sucessivos desequilíbrios nas contas públicas, que a crise atual elevou a níveis preocupantes. A taxa de crescimento da economia portuguesa tem apresentado uma tendência descendente: nos anos 80, foi de 3,6%, nos anos 90, de 3,1% e no presente milénio de 0,6%. Por outro lado, o endividamento externo não tem parado de crescer: no ano de entrada no Euro (1999) representava 31,5% do PIB, em 2005 ultrapassou os 70%, e, em 2010, foi de 108,3%.
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monetário integrado, com políticas monetária e cambial únicas. Entre 1995 e 2000, a economia atravessou
um novo período de crescimento, agora
devido ao aumento da despesa pública.
No início do século XXI a crise começou a
comprometer a convergência com a Europa.
A partir de 2000, Portugal diverge da UE,
devido à falta de competitividade da
economia e à abertura da economia
europeia a outros mercados,
constrangimento que, aliás, se mantém
ainda hoje. Iniciou-se a década de maiores
dificuldades para a economia nacional entre
2003 e 2009. O fraco crescimento da
produtividade, a perda de competitividade,
o mercado interno como suporte do cresci-
mento, o investimento público em setores não produtivos, o aumento progressivo do consumo público e
privado, o défice da balança de transações correntes acima de 10% do PIB fizeram crescer o endividamento
do país. Acrescentaram-se alguns erros de gestão das Finanças públicas e o crescimento da economia
portuguesa praticamente estagnou. A taxa de desemprego aumentou, os salários reais sofreram uma queda,
o investimento declinou, o consumo privado ressentiu-se.
Um Estado demasiado pesado, um endividamento geral e a incapacidade política em proceder a reformas
estruturais na agricultura e na indústria dificultaram a situação económica do país. Portugal continuou a
mostrar-se pouco competitivo, com baixos níveis de especialização, uma capacidade produtiva diminuta,
empreendedorismo escasso e reduzidos índices tecnológicos e de inovação. A manutenção do acesso ao
crédito fácil provocou danos na economia. O endividamento particular passou, em 2003, para 110% do
rendimento disponível. O défice real, em 2004, situou-se acima dos 3% permitidos, oscilando entre os 4,7 e
os 5% do PIB.
Fortes, Alexandra e outros. Linhas da História 12.º ano. 2015. Porto: Areal Editores
Consequências socioculturais da integração europeia
A melhoria das condições de vida e do índice de desenvolvimento do país, sentidos a partir da adesão à
Comunidade Europeia, bem como a aproximação
à Europa fizeram de Portugal um país de
imigração.
Na década de 80, os brasileiros escolhem
Portugal como destino, em busca das melhores
condições de vida oferecidas por um país
recentemente integrado na Comunidade
Europeia. Nos Supermercado chinês, em Portugal.
O processo de litoralização e de urbanização,
em curso desde os anos 50 do século XX,
acentuou-se de forma muito significativa a partir
dos anos 80-90. A "grande Lisboa", o "grande
Disponível na Internet: http://www.ualmedia.pt/pt/conteudo-relacionado.asp?q=europa
Imagem recolhida aquando do encerramento da Expo 98 Disponível na Internet: http://www.ualmedia.pt/pt/conteudo-
relacionado.asp?q=europa
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Porto", Setúbal e o Algarve viram a sua população aumentar de forma exponencial. A integração europeia
também trouxe com ela o
despovoamento do interior continental,
marcado, essencialmente, pelo
envelhecimento populacional. Em
Portugal, a taxa de fecundidade
decresceu, a taxa de natalidade
diminuiu, o que causou a diminuição da
população jovem. A taxa de mortalidade
declinou e a esperança média de vida
aumentou, constituindo os idosos uma
parte muito significativa da população
portuguesa.
A integração europeia possibilitou a
transformação da estrutura social
portuguesa. A sociedade terciarizou-se e
as profissões intelectuais, científicas e
técnicas aumentaram; assistiu-se à
rápida integração e crescente afirmação das mulheres no mercado de trabalho, o que transformou,
significativamente, a sociedade portuguesa. Os níveis de escolarização aumentaram, a taxa de analfabetismo
diminuiu, e a mobilidade social ascendente
tem marcado os processos de
recomposição social, acentuados desde a
integração europeia.
Os fundos estruturais impuseram
prioridades ao nível da cultura, em especial
no domínio da defesa do património e do
incremento dos hábitos de leitura.
Edificaram-se grandes empreendimentos
culturais (como o Centro Cultural de Belém
e a Expo 98) e abriu-se caminho às estações
de televisão privadas e, depois, por cabo.
Os hábitos culturais modificaram-se: o
cinema perdeu espetadores; o bailado
entrou nos hábitos dos portugueses;
multiplicaram-se as visitas aos museus;
assistiu-se à diminuição do público de teatro e ao quase desaparecimento do teatro de revista; surgiram
novos jornais; abriram-se novos espaços e zonas de convívio e afirmam-se os festivais de música.
Fortes, Alexandra e outros. Linhas da História 12.º ano. 2015. Porto: Areal Editores
Consequências ao nível das mentalidades
Os valores e os espaços de sociabilidade transformaram-se. O visual dos portugueses foi mudando
progressivamente e deu lugar a uma imagem mais cuidada. O consumismo e o lazer tornaram-se práticas do
Infografia disponível na Internet em: http://www.sol.pt/noticia/397027/portugal-na-europa--o-antes-e-o-agora-em-n%C3%BAmeros-[infografia]
Infografia disponível na Internet em: http://www.sol.pt/noticia/397027/portugal-na-europa--o-antes-e-o-agora-em-
n%C3%BAmeros-[infografia]
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quotidiano, a que uma conjuntura económica mais favorável, consequência da integração europeia, permitiu
responder. Consumir e comprar tornaram-se objetivos individuais ou coletivos e os centros comerciais
tornaram-se nos novos "espaços de socialização
coletiva".
O casamento deixou de ser para a vida e o
número de divórcios aumentou, da mesma
forma que a sexualidade deixou de ser tabu. O
número de crianças nascidas fora do casamento
tem vindo a aumentar, revelando tanto o
surgimento de novas formas familiares, como o
aumento da secularização. Entre os casais, a
partilha de tarefas foi-se consolidando,
revelando a alteração dos papéis tradicionais do
homem e da mulher no casamento e na família.
As uniões de facto, o planeamento familiar, a
interrupção voluntária da gravidez e o
casamento entre pessoas do mesmo sexo
revelam as alterações ocorridas no domínio da
sexualidade e no modo como esta é
percecionada. A beleza e a juventude tornaram-
se determinantes e o medo de envelhecer levou a maiores cuidados com o corpo, a uma alimentação mais
saudável e à prática de desporto.
Fortes, Alexandra e outros. Linhas da História 12.º ano. 2015. Porto: Areal Editores
Difusão do património cultural, da língua portuguesa e a diáspora Lusitana.
Manter viva a identidade da cultura portuguesa no mundo, assegurar a continuidade das relações entre
as diferentes comunidades de língua portuguesa e incentivar o fortalecimento dos laços que as unem, tem
sido uma preocupação recorrente e prioridade de um conjunto de instituições com responsabilidades na
área cultural. A relação entre o investimento realizado neste domínio e os resultados obtidos não é
facilmente apurável. A
expressão "país mediterrânico
de vocação atlântica" aplicada
a Portugal traduz a ideia de
que o nosso país, por razões
de ordem histórica e até de
localização geográfica, pode
constituir no nosso continente
o elo de ligação privilegiado
entre a Europa, África e Brasil,
exatamente por manter
relações culturais privilegiadas
com um conjunto importante
de novos países, que têm numa
Infografia disponível na Internet em: http://iniciacaotedio.blogspot.pt/2013_02_01_archive.html
Falantes de Língua Portuguesa espalhados pelo mundo – Infografia disponível na Internet em: http://iniciacaotedio.blogspot.pt/2013_02_01_archive.html
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língua comum o seu principal esteio.
A difusão do património cultural e a
preservação da língua portuguesa aparecem,
neste contexto, como os veículos privilegiados
para o fortalecimento dos elos de ligação no seio
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
A sociedade da informação disponibiliza
tecnologias que podem, se convenientemente
exploradas, ser um excelente meio para contribuir
para a difusão do nosso património cultural a uma
escala outrora difícil sem investimentos avultados.
As entidades governamentais, as instituições
que intervêm no espaço cultural e os meios de
comunicação social devem aproveitar as
capacidades das novas tecnologias e passar a
promover o seu uso de um modo intenso. A
divulgação das oportunidades culturais, tais como
exposições, espetáculos, publicações, se disponibilizadas na WWW de um modo sistemático e alargado,
permitem a acessibilidade desta informação a estratos cada vez mais alargados da população representando
uma chamada de atenção significativa para a importância da cultura.
O nosso país dispõe de um valioso património arquitetónico, arqueológico e de itinerários culturais que
importa divulgar de um modo sistemático. No país e no estrangeiro nem sempre existe uma noção correta
do valor deste património. A divulgação deste património a uma escala global, com a correspondente criação
de conteúdos em línguas estrangeiras, poderá atingir camadas cada vez mais alargadas da população global,
contribuindo também para a atração ao nosso país de um turismo cultural.
Por outro lado, a oportunidade aberta pela existência de canais de difusão de televisão por satélite
permite chegar a territórios e núcleos distantes onde a cultura portuguesa implantou fortes laços culturais.
Há que produzir conteúdos culturais para televisão e promover a sua emissão com vista a contribuir para o
estreitamento e reforço das ligações culturais ancestrais.
A CPLP é um alvo prioritário dos esforços de divulgação da nossa cultura. Os produtos multimédia de
conteúdos culturais em língua portuguesa destinados a esse espaço, deverão ter sempre em conta a
diversidade e a especificidade sociocultural e económica de cada uma destas comunidades. A criação de
hábitos de convivência cultural pressupõe a eficácia da mensagem e implica a utilização de uma linguagem
abrangente que atinja as diferentes comunidades, inclusive as comunidades emigrantes (nos EUA, Canadá,
Europa, África do Sul, Venezuela), comunidades com forte implantação local que reproduzem os hábitos e os
modelos de organização do país de origem, Portugal.
A divulgação do património cultural português não se pode obviamente restringir à CPLP ou às
comunidades da nossa diáspora. Portugal deixou marcas culturais importantes em muitos outros países que
não se expressam em língua portuguesa, mas cuja história se encontra indelevelmente ligada à nossa,
nomeadamente na Índia e no Extremo Oriente. A troca de conhecimentos e a construção de projetos
comuns num espaço de diálogo na Internet contribuirá decisivamente para assegurar a permanência e
vitalidade da identidade e cultura portuguesas no mundo.
In Livro Verde para a Sociedade da informação em Portugal. Disponível na Internet em:
http://homepage.ufp.pt/lmbg/formacao/lvfinal.pdf
Disponível na Internet em: http://www.vortexmag.net/10-motivos-para-sentir-orgulho-de-portugal2/
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Potencial Económico da língua portuguesa
Os estudos sobre o valor económico das línguas têm sublinhado o seu valor em diferentes aspetos:
enquanto elemento do capital humano dos indivíduos com fluência num idioma; na correlação positiva entre
o seu valor e o número de
utilizadores; no seu impacto
nas relações com o exterior,
sendo o comércio externo o
mais estudado. Esses estudos
sugerem que a proximidade
linguística e a dimensão
demográfica e económica de
dois países favorecem o
comércio entre eles. (...)
Embora Portugal possa ser
considerado o país pioneiro
da globalização, a influência
da sua língua manteve -se
bastante aquém da de outros
idiomas de origem europeia,
como o inglês, o espanhol, o
francês, o alemão ou o russo.
Foi necessário esperar pelo
crescimento populacional e
pela afirmação económica do Brasil e das ex-colónias africanas, para que o português encontrasse o seu
lugar entre as línguas mais influentes na esfera internacional, logo a seguir ao inglês e ao espanhol.
Dado que os processos de globalização atuais ultrapassam em muito a vertente económica direta,
possibilitando e acelerando as trocas a todos os níveis, a língua pode ser hoje, para Portugal, um ativo valioso
no contexto internacional, a nível político, cultural e económico.
A expansão marítima dos séculos XV e XVI levou a que uma língua inicialmente falada por cerca de um
milhão de pessoas se estendesse por vários continentes, com particular incidência na América do Sul, África e
em alguns pontos da Ásia. Além de Portugal, o português tornou -se a língua oficial de Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné -Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor -Leste. O quadro 1.2 apresenta os valores
das populações desses países. Se bem que nem todos os naturais de alguns deles (nomeadamente os
africanos e de Timor) tenham o português como língua materna, os valores constantes do quadro 1.2
constituem uma boa aproximação geral ao universo falante, ou potencialmente falante, do português
enquanto língua principal.
Estes dados mostram que o conjunto de habitantes dos países de língua oficial portuguesa representa
3,66% da população mundial, enquanto o PIB destes países atinge 3,85% da riqueza total gerada no planeta.
Por outro lado, o conjunto dos países de língua oficial portuguesa ocupa uma superfície total de 10,8 milhões
de quilómetros quadrados, dimensão muito próxima, por exemplo, dos cerca de 12 milhões dos países de
expressão espanhola. A superfície total dos países de língua oficial portuguesa representa 7,25% dos cerca de
148,9 milhões de quilómetros quadrados da superfície terrestre do planeta.
É importante sublinhar que todos os países se localizam em zonas temperadas, tropicais ou equatoriais,
ocupando assim uma percentagem ainda maior da zona habitável, de onde haveria que excluir a Antártida e
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partes substanciais da Gronelândia, Rússia e Canadá. Em consequência, os recursos naturais deste espaço
são muito significativos, com
destaque para as reservas de
água doce e solo arável, ainda
largamente subaproveitados,
sobretudo em Angola e
Moçambique. Alguns falantes
nativos permanecem ainda
noutros pequenos territórios, tais
como Goa (Índia) e Macau
(China), para além dos
emigrantes portugueses que se
encontram um pouco por todo o
mundo, estimados
aproximadamente em cinco
milhões de pessoas. A estes
acrescem ainda os emigrantes
para fora do espaço lusófono provenientes do Brasil e dos países da África e da Ásia de língua oficial
portuguesa. É também interessante medir, embora de forma aproximativa, a riqueza da diáspora portuguesa
– o valor criado pelos emigrantes, assumindo que, em cada país hospedeiro, auferem um rendimento
equivalente à média desses países. Deste modo, a riqueza dos falantes de português – países de língua oficial
portuguesa, mais diáspora nacional – atinge 1 862 727 milhões de euros, ou seja, 3,9% do PIB mundial. A este
valor deveria acrescentar-se a riqueza das diásporas dos países de língua oficial portuguesa, à exceção da de
Portugal, já considerada.
Como atrás se viu, as diversas ordenações colocam o português como uma das línguas mundiais de maior
peso. A língua portuguesa inspirou também uma comunidade – a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa –, que reúne todos os países de língua oficial portuguesa. Esta associação tem semelhanças com
a “Commonwealth” (países falantes do inglês), com “La Francophonie” (países falantes do francês) ou com a
Liga de Estados Árabes (falantes do árabe). Outra dimensão importante à escala internacional diz respeito à
utilização da Internet, espaço em que a língua portuguesa tem vindo a registar um crescimento muito
acentuado.
Nesta década, o português tornou -se uma língua proeminente nos meios de comunicação emergentes
proporcionados pela Internet. Através das Estatísticas Mundiais da Internet (2008), verifica-se que o
português se encontra na oitava posição e em expansão – estando a ser objeto, aliás, de uma das mais
elevadas taxas de crescimento. A influência da língua portuguesa pode, por conseguinte, tender a expandir -
se, não só pela via do crescimento demográfico, mas também dos dispositivos tecnológicos e dos conteúdos
virtuais próprios da sociedade em rede, decisivos na era da informação e da economia baseada no
conhecimento. São processos que podem proporcionar crescentes efeitos de rede, a par dos efeitos
relacionados com os fluxos migratórios, comerciais e culturais. Nestas circunstâncias, o português tem hoje
possibilidades de evoluir de língua internacional de um bloco linguístico para uma efetiva língua de
comunicação global.
Para aprofundar o assunto poderá visualizar uma entrevista realizada a luís reto, coordenador do
trabalho “Potencial Económico da Língua Portuguesa”.
In Reto, Luís. Potencial Económico da Língua Portuguesa. Disponível na Internet em: http://pdf.leya.com/2012/Oct/portugal_economico_da_lingua_portuguesa_hmbv.pdf
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Quanto vale a língua portuguesa?
Quanto vale um idioma? Se a língua portuguesa estivesse na prateleira de um supermercado, estaria num
espaço vistoso ou esquecida a um canto? Estamos habituados a medir o valor económico dos objetos a que
um idioma dá nome, e não o idioma em si.
Mas um estudo solicitado pelo Instituto
Camões ao Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Portugal,
encarou o desafio de medir essa grandeza e
chegou à conclusão de que 17% do PIB do
país equivale a atividades ligadas direta ou
indiretamente à língua portuguesa.
É um percentual interessante e até
conveniente, por ter ficado ligeiramente
acima do que se apurou na Espanha
relativamente ao espanhol (15%)
recentemente.
O índice leva em conta a importância
relativa da comunicação e da compreensão
em diferentes campos da atividade económica. Privilegia, assim, as relações económicas que exigem uma
determinada língua. Põe de lado atividades que podem ser executadas por trabalhadores de outras
nacionalidade ou competências linguística. Por essa lógica, ramos como ensino, cultura e telecomunicações
são espaços onde por natureza a língua é o recurso-chave das atividades. Além dessas atividades que o ISCTE
denomina de "indústrias da língua", há as ligadas a fornecedores de produtos em português, como a
administração pública, e as que têm forte conteúdo de língua, como o setor de serviços, ou as que induzem
maior conteúdo de língua para a economia como um todo, da indústria do papel à dos eletrodomésticos.
Apesar de o estudo não visar o Brasil, a pesquisa indica que o fenómeno se repete em coeficientes aplicáveis
aos países lusófonos.
Línguas com muitos utilizadores fornecem mercado maior para bens culturais. O crescimento sustentado
da última década fez a língua portuguesa abrir-se aos olhos globais. O Brasil tornou-se protagonista das
relações comerciais mantidas entre os países lusófonos, mercado que movimenta um Produto Interno Bruto
que passou de 1,9 triliões de dólares americanos em 2009 para 2,3 triliões em 2010, segundo o Banco
Mundial. Já o PIB dos imigrantes de língua portuguesa noutros países andará à volta de 107 biliões em 2009.
O valor económico do idioma gerado pela dinâmica dos negócios fala por si. Estudo da Apex (Agência
Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos) de 2009 mostra que os negócios realizados em
língua portuguesa cresceram 534% nos cinco anos anteriores. O fluxo de comércio entre o Brasil e os sete
países lusófonos saltou de bilião de dólares em 1996 (quando a Comunidade de Países de Língua Portuguesa
foi formada) para 6,5 biliões em 2008. Muito desse avanço deve-se à estabilização política dos países, em
particular os africanos. A crise mundial não afetou de forma substancial o cenário: hoje há mais ênfase
diplomática e comercial entre as nações que falam português entre si.
Quanto maior o número de falantes, nativos ou não, maior a recompensa por dominar a língua, assim
como o poder de compra dos utilizadores. Segundo Mário Silva, do Instituto Camões, os investigadores
reconhecem que, no futuro, o peso de uma língua deverá ser avaliado principalmente pela força da
economia, do progresso científico, da qualidade institucional e não apenas pelo número de falantes.
In Língua Portuguesa, Guerreiro, Carmen e Junior, Luiz Costa Pereira. O Valor do Idioma. Disponível na Internet:
http://revistalingua.com.br/textos/72/o-valor-do-idioma-249210-1.asp
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O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990
A ortografia da língua portuguesa é determinada por normas legais. No início do século XX Portugal
estabeleceu-se pela primeira vez um modelo ortográfico de referência para as publicações oficiais e para o
ensino. No entanto, as normas desse primeiro Formulário Ortográfico não foram adotadas pelo Brasil. Desde
então, a ortografia da língua portuguesa foi alvo um longo
processo de discussão e negociação, com o objetivo de
instituir, através de um único tratado internacional,
normas comuns que rejam a ortografia oficial de todos os
países de língua portuguesa.
As tentativas iniciais materializaram-se num primeiro
acordo, assinado em 1931, que, no entanto, viria a ser
interpretado de forma diferente nos vocabulários
ortográficos nacionais entretanto produzidos: em Portugal,
o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1940;
no Brasil, o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa, de 1943, acompanhado de um Formulário
Ortográfico. A fim de eliminar estas divergências, foi
assinado por ambos os países um novo acordo ortográfico,
em 1945, mas este apenas foi aplicado por Portugal,
continuando o Brasil a seguir o disposto no Formulário
Ortográfico de 1943.
Nas décadas seguintes, houve várias tentativas de
chegar a novo consenso, mas, embora no início da década
de 1970 tenha havido revisões que aproximaram as duas
variedades escritas, não foi aprovada oficialmente uma
reforma que instituísse um documento normativo comum. Fruto de um longo trabalho da Academia
Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa, os representantes oficiais dos então sete países
de língua oficial portuguesa (além do Brasil e de Portugal, também Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique e São Tomé e Príncipe) assinaram em 1990 o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
ratificado também, depois da sua
independência em 2004, por Timor-Leste. O
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
(1990) entrou em vigor no início de 2009 no
Brasil e em 13 de maio de 2009 em Portugal.
Em ambos os países foi estabelecido um
período de transição em que tanto as normas
anteriormente em vigor como a introduzida
por esta nova reforma são válidas: esse
período foi de três anos no Brasil e de seis
anos em Portugal. Com exceção de Angola e
de Moçambique, todos os restantes países da CPLP já ratificaram todos os documentos conducentes à
aplicação desta reforma.
Para conhecer aqui o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990 - em vigor desde 2009
In Portal da Língua Portuguesa. Acordo Ortográfico. Disponível na Internet em: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/acordo.php (Adaptado)
Disponível na Internet em: http://esabelsalazar.pt/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=157:cartoons&catid=197:cartoons&Ite
mid=222
Disponível na Internet em: http://www.conexaolusofona.org/desde-o-dia-1o-novo-acordo-ortografico-e-obrigatorio-no-brasil/
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Acordo Ortográfico: “Correcto” ou “correto”?
A comunidade lusófona está dividida. Acordo Ortográfico gera controvérsia entre professores
catedráticos, linguistas e escritores.
O professor universitário, linguista e investigador,
João Malaca Casteleiro, é um dos principais rostos da
defesa da implementação do Acordo Ortográfica no
mundo lusófono.
Cláudio Moreno foi professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil. Atualmente,
é responsável pela área de Língua Portuguesa do
Sistema Unificado de Ensino e colunista da revista
“Mundo Estranho” e do jornal “Zero Hora”. O autor
brasileiro, com várias obras publicadas sobre língua
portuguesa, considera que a entrada em vigor do
acordo é “absurda” e “não tem sentido”.
Em entrevista ao JPN, os dois professores expõem
os seus pontos de vista e enunciam argumentos
favoráveis e desfavoráveis à aplicação prática do acordo. Para o professor João Malaca Casteleiro, a
aprovação portuguesa significa que “finalmente se compreendeu que é importante apresentar uma
ortografia, tanto quanto possível, unificada para a língua portuguesa”.
“Até agora, nas instituições universitárias estrangeiras onde se aprende o português, nas organizações
internacionais onde o português é língua de trabalho, há sempre que escolher entre duas ortografias: a
portuguesa e a brasileira. A partir do momento em que este acordo entra em vigor passamos a ter uma
ortografia unificada, o que é muito importante para a promoção da língua portuguesa no mundo e para a
coesão da lusofonia”, assegura o investigador.
Cláudio Moreno não concorda com Malaca Casteleiro e
garante que o acordo “não vai aproximar mais os dois
países” nem, tão pouco, tornar a ortografia “mais simples
e confortável”.
O professor recorre, mesmo, a uma metáfora para
ilustrar a sua visão do acordo: “o Brasil e Portugal, em
termos de ortografia, são como duas naves navegando
paralelamente a uns 20 metros uma da outra. Uma
enxerga a outra, há acenos de uma para a outra e a gente
vai navegando a mesma rota, mas em naves paralelas. Esta
reforma vai aproximar-nos de 20 para 18 metros. Assim, as
duas naves vão continuar a navegar paralelas, mas agora a
18 metros de distância. Ganhar esses dois metros não vale
todo o esforço, todo o gasto, que é gigantesco e toda a
despesa dos países para mudar a ortografia”.
A uniformização gráfica proposta por este acordo não é total, persistem acentuadas diferenças formais e
conceptuais no modo como os dois países usam a língua. Como refere o autor brasileiro, “mesmo que
fossem superadas as diferenças toleradas pelo acordo, mesmo que por um ‘milagre do espírito santo’, a
ortografia fosse toda igual, o vocabulário não é igual, as construções sintáticas não são iguais e não vai ser
possível mudar isso”.
Disponível na Internet em: https://eusouempreendedor.wordpress.com/2011/09/10/o-novo-
acordo-ortografico/
Disponível na Internet em: http://ilcao.cedilha.net/
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Malaca Casteleiro reconhece que a ortografia, atualmente vigente, engloba aquilo a que se pode chamar
“a norma culta ‘luso-afro-asiática’ e, por outro lado, a norma culta ‘luso-brasileira'”. Uma situação que
justifica com uma “guerra de ortografia que se arrasta há quase um século” e que gerou “diferenças dos dois
lados do Atlântico que já são intransponíveis”.
Contudo, salienta que, apesar da dupla grafia, “não
há problema quanto a essas pequenas diferenças”.
Cláudio Moreno contra-argumenta que
o objetivo principal deste acordo já falhou a priori.
“A intenção do acordo é que todo o mundo escreva
da mesma forma, mas com este acordo isso não vai
acontecer”.
O professor brasileiro recorre, mais uma vez, ao
uso da metáfora para explicar a sua análise
enquanto técnico: “este acordo dá a impressão que,
talvez tenha saído de uma base científica, mas com
tantos anos de discussão, tornou-se, como
chamamos no Brasil, ‘uma panela onde todo o
mundo mexe’: ficou uma confusão, parece que tem
concessões políticas e demagógicas e, como tal, não vai funcionar na vida real”.
“Se uma ortografia não funcionar, o povo rejeita”
Um dos maiores obstáculos a ultrapassar pelos defensores do acordo são as barreiras dos mais
resistentes e inflexíveis.
O investigador e linguista português reconhece que “fazer uma reforma ortográfica é sempre uma
questão polémica, qualquer que seja a alteração que se faça”, isto porque, norma geral, “os adultos reagem
mal à mudança”, uma vez que “têm memorizadas as imagens gráficas das palavras e mudar essa imagem
obriga-os a um esforço suplementar”. Mas Malaca Casteleiro não vê esta barreira como “intransponível”.
Uma opinião diferente tem Cláudio Moreno. O professor, a quem a vasta experiência de “sala de aula”
deu outra perspetiva da realidade, defende que “a ortografia é um problema sério de adesão” e funciona
como uma “lei intelectual e não uma lei de direito penal”.
Deste modo, acredita que “se as comunidades aderirem mesmo, há reforma ortográfica. Agora, se os
governos aprovarem, se o protocolo estipular uma data, não é isso que vai funcionar em termos de
ortografia”.
In Jornalismo Porto Net. Pinto, Sandra. Acordo Ortográfico: “Correcto” ou “correto”?
Publicado na Internet em 11 de abril de 2008.
Os pressupostos falhados do acordo ortográfico
O acordo ortográfico não unificou a escrita nem abriu um mercado único de edições. Serviu para quê?
Reacendeu-se na passada semana, por via de um encontro na Faculdade de Letras e de uma moção aí
aprovada, a querela ortográfica nacional. Querela que, a bem da verdade, nunca realmente se extinguiu.
O PÚBLICO, nascido no mesmo ano que é atribuído ao chamado Acordo Ortográfico de Língua
Portuguesa, vulgo AO90, partilhou-a ao longo destes 25 anos assumindo uma posição clara, rejeitando a sua
aplicação. Fê-lo logo em 1991, quando o seu primeiro diretor (e fundador) Vicente Jorge Silva assinou um
Disponível na Internet em: https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/movimento-de-
oposicao-ao-acordo-ortografico-cresce-em-varias-frentes-1533714
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texto conjunto com diretores de outras publicações (como Miguel Esteves Cardoso e Miguel Sousa Tavares,
numa iniciativa incentivada por Vasco Graça Moura) onde se referia que nas publicações que dirigiam o
AO90 não seria aplicado. Passado um quarto de século, é
legítimo perguntar se tal posição faz, ainda hoje, sentido.
Pois bem: os pressupostos do AO90, agora que ele se
encontra disseminado à força (embora sem ser, ainda, lei),
foram gorados na sua quase totalidade. Pretendia-se pôr fim
a uma “deriva ortográfica”, mas no lugar onde havia duas
ortografias de base geográfica bem determinada (a luso-
africana e a brasileira) existem agora três ortografias, as
anteriores e a do acordo, que conseguiu até o prodígio de
tornar diferentes mais de meio milhar de palavras que em
Portugal e no Brasil se escreviam da mesma maneira; além
disso, com a admissão de duplas grafias e facultatividades
perdeu-se a noção de ortografia, não sendo possível, em exames, alunos e professores entenderem-se
quanto às normas. Se ortografia “à vontade do escrevente” é admissível, a ortografia acabou. E qualquer
acordo será inútil.
Por outro lado, havia a miragem dos mercados. O governo de Sócrates, ao longo da sua existência,
recorreu a dois estratagemas para acelerar o acordo: aprovou, logo em 2005, o 2.º Protocolo Modificativo do
AO para que pudesse ser aplicado só com a ratificação de três países, dispensando o apoio dos restantes
signatários do tratado original; e, em 2011, já de saída do poder, antecipou em vários anos a sua aplicação no
Estado (para Janeiro de 2012) e nas escolas (no ano letivo de 2011/2012). Esta “pressa” tinha por objetivo
selar um acordo político entre Portugal e o Brasil,
dispensando o resto. Mas os que, dali, esperavam benefícios
rápidos esmoreceram. Não existe hoje um mercado
“comum” de edições, como falsamente se propagandeou. E
a confusão de grafias com as novas regras só tem estimulado
a “deriva” que se criticava, multiplicando os erros.
Malaca Casteleiro, um dos mentores do AO90, diz agora
ao PÚBLICO que “se não houvesse esta necessidade de um
acordo com o Brasil, não era necessário estar a mexer na
ortografia”. Pegando nas suas palavras, um exemplo prático:
o PÚBLICO, que não aderiu ao AO90, tem com o Brasil neste
momento várias parcerias efetivas (com edições, iniciativas
partilhadas e presença física no maior portal do Brasil, o
UOL) e sem mexer uma vírgula na chamada “anterior
ortografia”. É este o nosso “acordo”. Com a língua
portuguesa e com os leitores. Se outro acordo houver, que
seja digno, útil e não um atentado contra a inteligência.
Desta já se abusou, convenhamos, em demasia.
Publicado no Jornal Público em 20 de abril de 2014 da responsabilidade da Direcção Editorial. Disponível na Internet em:
https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/os-pressupostos-falhados-do-acordo-ortografico-1692915
Para saber mais sobre o Acordo Ortográfico consulte o artigo “Acordo Ortográfico” disponível
na Wikipedia.
Disponível na Internet em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/aberturas/acordo-ortografico-bem-
encaminhado/2062
Disponível na Internet em: http://saltitandocomaspalavras.blogspot.pt/2012/04/acor
do-ortografico-listinha-basica-para.htmlhttp://saltitandocomaspalavras.blogspot.pt/2012
/04/acordo-ortografico-listinha-basica-para.html
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Discutir os modelos de gestão dos bens culturais propriedade do Estado
É imaginável que se entregue a uma gestão privada a língua portuguesa, pilar da nossa identidade
nacional? Ou que o Estado abdique do controlo
dos equipamentos e infraestruturas que
garantem a Defesa Nacional?
E é então aceitável que se interdite o
acesso ao património cultural português a
quem pode menos?
Para o ICOMOS Portugal (Delegação
Portuguesa do Conselho Internacional de
Monumentos e Sítios) o debate sobre os
modelos de gestão dos bens culturais que são
propriedade do Estado, ou as virtualidades da
aplicação do modelo de “gestão privada” da
Parques de Sintra - Monte da Lua, SA, a outros
conjuntos patrimoniais públicos,
nomeadamente na área de Ajuda-Belém,
coloca-se, em primeiro lugar, ao nível das
ideias. Isto é, pressupõe que, antes de mais, se defina claramente para que “servem” os bens culturais,
designadamente os pertencentes ao Estado e que objetivos se pretendem alcançar com a sua gestão e
salvaguarda, sobretudo quando estes monumentos se encontram classificados como património mundial.
Importa definir se se pretende que os bens culturais património do Estado sejam geridos como qualquer
outro ativo patrimonial que deve ser rentabilizado ao máximo ou, pelo contrário, se se considera que estes
bens têm uma natureza própria que lhe advém da sua qualidade de “testemunhos com valor de civilização ou
de cultura” (Lei de Bases do Património Cultural), em virtude da qual, no caso dos monumentos nacionais, a
“respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, representa um valor cultural de significado para a
Nação” (idem), natureza essa que determina as possibilidades e os termos da sua gestão.
Importa também lembrar alguns factos, sobretudo quando parecem estar esquecidos compromissos do
Estado, assumidos internacionalmente, nesta matéria. A visão dos monumentos (de Sintra, de Ajuda-Belém
ou quaisquer outros) apenas como um ativo que é preciso rentabilizar ao máximo para os turistas
maioritariamente estrangeiros tem inconvenientes, desde logo, para portugueses de menores recursos. Por
exemplo, uma família composta por dois adultos e dois jovens paga 49 euros para visitar o Palácio da Pena,
num país em que só recentemente o salário mínimo ultrapassou os 500 euros. E como num modelo de
negócio exclusivamente assente em receita de
bilheteira deixa de fazer sentido o dia, ou meio-dia,
de entrada gratuita (que aliás já não existe no caso
dos monumentos geridos pela Parques de Sintra mas
que no caso do Palácio da Pena estava previsto
desde 1912), na prática o acesso é vedado a quem
não pode pagar.
O modelo agora proposto de uma gestão
“privada” mas com capitais públicos tem, por outro
lado, o inconveniente de apenas ser aplicável a
monumentos rentabilizáveis. A primeira condição
para a experiência empresarial da Parques de Sintra
ser replicável é o património a gerir ser de nível e
atração elevados. Posta a coisa cruamente, trata-se
de um modelo de negócio em que o sucesso é
Torre de Belém, Lisboa - Disponível na Internet: http://www.agendalx.pt/evento/conversas-volta-dos-500-anos-da-torre-de-
belem#.VuAZgvmLQdUhttp://www.diarioliberdade.org/mundo/laboral-economia/47014-nova-vaga-de-suic%C3%ADdios-na-france-telecom.html
Teatro Nacional de S. João, Porto - https://sites.google.com/site/jrgnoticias/teatro-nacional-sao-joao
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garantido se a clientela estiver assegurada à partida. Não é dada resposta ao problema (esse sim difícil), de
saber como são financiados os monumentos de escassa ou nula atratividade, ainda que do mesmo grau de
valor patrimonial. A quem entregar essa atividade ultra deficitária que é gerir os monumentos não
rentabilizáveis? Há a coragem de levar o modelo às últimas consequências e assumir explicitamente o seu
abandono? Se as receitas obtidas com as joias da coroa ficam todas para reaplicação nos “monumentos-
empresariais”, como financiar a conservação das outras centenas de bens situados em locais longínquos, que
nunca poderão aspirar ao estrelato turístico?
Importa ainda lembrar que a transferência
da tutela dos monumentos para entidades
empresariais, oferecendo menores condições
de estabilidade, tem como consequência
expectável que a maior parte do corpo técnico
e administrativo afeto à gestão desses
monumentos, prefira permanecer num
organismo do Estado. Assim, após anos de
investimento profissional e pessoal, aliena-se
o conhecimento e a experiência adquiridos,
libertando a nova entidade gestora de
vínculos laborais indesejáveis, criando
condições para contratos a prazo, flexibilidade
excessiva, remunerações mais baixas e
pessoal menos exigente e, consequentemente, muito menos livre para exercer a capacidade de operar e
julgar com autonomia crítica, fulcral para a resolução técnica dos problemas da salvaguarda e da
conservação. (…)
E se o modelo empresarial, ou outro, será, no limite, uma questão de opção ideológica, já a não
participação na respetiva gestão deste conjunto monumental, de valor nacional e mundial, dos organismos
públicos especializados em património cultural, organismos que são dirigidos por um governo, que emana de
um parlamento, que é eleito pelos cidadãos, perante os quais, responde politicamente, representa um
retrocesso cultural e científico de muitas décadas.
Aguiar, José; Silva, Maria João Torres; Maria Ramalho – COMOS - Portugal - Comissão Nacional Portuguesa do Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios (2014) “Discutir os modelos de gestão dos bens culturais propriedade do Estado” Jornal Público, 30 de outubro
Orçamento de Estado 2016: RTP com mais de metade do orçamento para a cultura
A RTP vai absorver 63,5% do orçamento da Cultura, com 244 dos 418,8 milhões de euros atribuídos
àquele setor, que voltou a ser ministério mas
passou a tutelar também a comunicação social. O
valor remanescente para os diferentes organismos
da Cultura fica assim perto dos 175 milhões de
euros, uma soma que, à partida, é inferior aos 219
milhões orçamentados para 2015.
O ministro diz que a comparação com os
números do Governo anterior só pode ser feita
somando, “em larga medida também, ao orçamento
da Ciência, da Educação e do Turismo”. O facto de,
Casa da Música, Porto - Disponível na Internet:
http://jonghoon7kim.blogspot.pt/2013/10/bim-casa-da-musica.html
Imagem disponível na Internet: http://musicportugal.blogs.sapo.pt/informacao-da-rtp-em-169-58575
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no Governo anterior, a SEC estar na dependência da Presidência do Conselho de Ministros dificulta a leitura
comparativa dos números globais dos dois orçamentos. Já mais fácil é cruzar as verbas setoriais dos
organismos dependentes do MC, onde é possível observar variações.
A mais notória surge na verba atribuída à Fundação Centro Cultural de Belém, 19 milhões de euros, quase
2,5 milhões a mais face a 2015. Também o Instituto do Cinema e do Audiovisual vê a dotação aumentada em
mais de um milhão de euros (20,76). Já a Direção-Geral do Património recebe menos 1,2 milhões (34,9
milhões). E o Fundo de Fomento Cultural vai também ter menos dinheiro: 29,1 em vez de 29,4 milhões.
Verbas idênticas às de 2015 vão receber o Opart - Organismo de Produção Artística, que gere o São Carlos e a
Companhia Nacional de Bailado (19,2 milhões); a Cinemateca Portuguesa (3,7 milhões); e o Teatro Nacional
São João (4,6 milhões).
Apesar de a RTP ficar com mais de metade do orçamento, a verba que lhe está atribuída — 244 milhões
— é inferior em 20 milhões à dotação de 2015.
A Lusa nota que o Governo vai manter em 2,65 euros o valor mensal da contribuição para o audiovisual,
que continuará a ser cobrada indiretamente através da fatura da eletricidade.
Andrade, Sérgio C., in Jornal Público. Publicado em 5 de fevereiro de 2016
A Cultura e o Orçamento do Estado
O Orçamento do Estado (OE) para a cultura em 2016 representa praticamente 0,5% da sua despesa total
ao incluir a RTP, que fica sob a tutela pela primeira vez (1). A inclusão da RTP foi uma boa notícia, pois a
televisão pública é uma ferramenta essencial para o
desenvolvimento de uma política cultural, mas
aparentemente esta é a única inovação do novo
Ministério da Cultura. Se não contarmos com o bolo da
RTP, que na verdade é pago diretamente pela Taxa sobre
o Audiovisual, o orçamento para a Cultura fica reduzido a
uns meros 0,2% do OE. O investimento no setor
mantém-se aos seus níveis mais baixos das últimas duas
décadas e não se anteveem melhorias no fomento da
criação nem nenhuma nova estratégia para um sector
que foi totalmente menorizado pelas políticas de
austeridade.
É verdade que a questão do financiamento pode não
ser determinante, como tem vindo a dizer o Ministro Dr.
João Soares, porque existem de facto muitas iniciativas
necessárias na área da cultura que não dependem
estritamente do OE, mas a manutenção do
desinvestimento é um primeiro indicador fundamental
da falta de estratégia, além de limitar diretamente as capacidades de intervenção.
Na nota explicativa que o Ministério da Cultura anexa ao OE, as prioridades destacadas remetem para a
preservação do património cultural. A manutenção e a valorização do património são fundamentais, mas é
apenas o nível zero de qualquer política para a cultura, não diferindo da ação levada a cabo nos últimos anos.
Nos outros campos, como os setores da criação, verifica-se no documento a existência de numerosas boas
Cartaz reivindicativo de 1% do Orçamento de estado para a
cultura, 2012. Imagem disponível na Internet: http://marionetasportugal.blogspot.pt/2012/08/em-defesa-
da-cultura-e-pela.html
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intenções e desejos de repensar setores ou valorizar determinadas áreas, mas nem nele nem nas declarações
de João Soares até à data deram-nos alguma ideia inovadora ou proposta de fundo que revelem uma visão
para o setor apesar de um orçamento tão reduzido.
O Ministro da Cultura tem tido aparições públicas regulares desde a sua tomada de posse, afirmando até
já ter visitado todos os equipamentos espalhados pelo país que dependem do Ministério ou que estão em
articulação com as autarquias. Conhecer o terreno e ir ao encontro dos criadores e dos seus espaços é um
sinal positivo, mas apesar de tanta visibilidade, não tivemos oportunidade de entender qual era o seu projeto
político.
Não se vislumbra nenhum projeto para a cultura por parte do novo ministério, e mesmo entre os
criadores a questão das políticas culturais limita-se muitas vezes à crítica dos baixos orçamentos e da
repartição dos escassos financiamentos. A questão da subsistência tornou-se na verdade o centro das
preocupações da maior parte dos profissionais porque a sua grande maioria vive de forma precária, sem
trabalho contínuo e a recibo verde, mesmo quando inseridos numa estrutura de trabalho como em
companhias de teatro ou dança, orquestras,
filmes e telenovelas.
A regulamentação das condições de trabalho
e melhoria da estabilidade dos trabalhadores
das artes foi a base para uma política pública
em outros países que permitiu desenvolver um
fortíssimo tecido cultural e uma atividade
pujante. Por força da pressão das organizações
profissionais, existe já uma lei que facilita o
acesso ao subsídio de desemprego por parte de
trabalhadores do setor que tenham contratos
de trabalho, mas o reconhecimento e a
realização de contratos de trabalho não têm
estado na ordem do dia. Mesmo na televisão
pública o nível de precarização é elevado,
denunciado regularmente pela sua comissão de
trabalhadores. Na verdade, a precariedade tem
sido regra na generalidade das produções de
espetáculo e de audiovisual. Uma política para
o fomento da contratação, do
reconhecimento de condições de trabalho e
acesso à segurança social implica uma
intervenção de fundo tanto no domínio público como privado. Estará o novo Ministro preparado para
regulamentar a lei e tomar medidas efetivas neste campo?
A valorização das condições de trabalho seria um primeiro passo determinante, e em muitos outros
campos do setor novas estratégias poderiam marcar a diferença. Para marcar um novo rumo para a política
cultural, estas intervenções podem abalar interesses estabelecidos e implicar uma forte confrontação, mas
só com um projeto e ações fortes é que a existência de um Ministério com um orçamento tão pequeno pode
ganhar algum sentido.
(1) aconteceu uma outra vez episodicamente por motivos circunstanciais durante alguns meses 2001-2002 ver PÚBLICO 25.11.2015
Moraes, Cabral Bruno * Publicado no Jornal Público em 12 de março de 2016. Disponível na Internet em:
https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-cultura-e-o-orcamento-do-estado-1725892 *Realizador, Dirigente do CENA – Sindicato dos Músicos, dos profissionais do Espetáculo e do Audiovisual e da PRO NÓBIS – Cooperativa de Atividades Artísticas
Imagem disponível na Internet: http://p3.publico.pt/actualidade/economia/3302/profissionais-da-cultura-
eles-sao-precarios-intermitentes-e-lutam-contra-o
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As artes e a cultura no fio da navalha
(…) Por que nunca se conseguiu um consenso para o investimento nas políticas para as artes e cultura?
Provavelmente não só pela
falta de reconhecimento político
da importância desta área de
atividade como pela pouca
capacidade de concertação e
afirmação dos agentes. A cultura
e as artes podem ser elemento
necessário, se bem que não
suficiente, para a melhoria de
condições de vida dos
portugueses. Cidadãos mais
esclarecidos e, como tal, mais
livres são mais exigentes e
críticos, não só com os outros,
também consigo próprios – este é um desafio e um propósito primeiro das democracias. (…)
Na dificuldade que se vive, os agentes culturais, que, na maioria dos casos têm um nível de literacia,
formação escolar e cosmopolitismo muito superior à média da população, precisam de reinventar a sua
posição: maior horizontalidade nas relações com os públicos (nomeadamente, os mais desfavorecidos) e
outros parceiros, como fundações, empresas, organizações comunitárias; maior circulação internacional;
maior trabalho em rede; maior articulação com serviços educativos; maior trabalho online; maior capacidade
de gerar receitas e envolver financiadores e de cortar despesas; maior profissionalismo na gestão e
polivalência e capacidade de aprendizagem nas tarefas desempenhadas. Mesmo assim, nos próximos anos
vários agentes ficarão pelo caminho, pois, cruamente, não há trabalho para todos. Em referência a alguns
centros urbanos mais populosos, esta situação era de prever, atendendo ao excesso de oferta.
Vivemos uma época em que alguns dos “males” planetários são “culturais” – o racismo, a xenofobia, os
fundamentalismos políticos e religiosos – tornando a cultura uma “arma mortal”. Mas mais mortal do que a
presença da cultura e das
artes é a sua ausência,
pois, face à ausência de
produção cultural e de
geração/actualização de
identidades de pertença,
ocorrerá a afirmação de
outros. Pode acontecer-
nos, em Portugal e no
Ocidente, na falta de
acção/política cultural,
acordar com a imposição
de um Outro nada
desejado (os extremistas,
os ignorantes, os
fundamentalistas,) pois,
também aqui, o Poder tem Despesas das famílias em cultura - Fonte: Statistical Portrait of European Union
2008: Eurostat
Orçamento do Ministério da Cultura por ano Fonte: MC/SG (1995-1996 e 2002); Me/DGO Relatório OE (restantes anos). Nota: nos anos de 2001 e 2002
excluem-se os valores relativos ao setor da Comunicação Social
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horror ao vazio.
Somerset Maugham idealiza o sentido de uma comunidade – a comunidade dos compatriotas. Bem sabemos
que hoje a nossa Pátria identitária são pátrias: à
pertença nacional adicionamos uma série de
outras pertenças (ideológicas, políticas,
sentimentais, etc.). Mas a Pátria, ela própria
continua a ter um sentido material e simbólico
e só esse(s) sentido(s) justifica(m) a existência
de políticas nacionais e a afirmação de pertença
a uma comunidade, com os direitos e
obrigações inerentes. Se aceitarmos esta
premissa, saberemos que mesmo andar no fio
da navalha implica escolher a própria navalha e
a sua lâmina.
A imagem convocada por uma lâmina traz
consigo a potência da ameaça, da dor, da
violência. Mas também é possível perceber a
alegoria noutros termos – o risco do mundo
depende do equilíbrio do sujeito.
Como deuses ou seus próximos, podemos
insuflar as artes e a cultura com o sopro da
vida ou apagar as palavras antes inscritas e
tudo transformar em pó. Os golems são, afinal, criaturas com o reflexo das nossas capacidades e medos. (…)
Xavier, Jorge Barreto. As Artes e a Cultura no fio da Navalha. (2012). Disponível na Internet: http://www.ffms.pt/xxi-
ter-opiniao/artigo/396/as-artes-e-a-cultura-no-fio-da-navalha
Deverá o Estado subsidiar a cultura?
(...) Nestes últimos anos, de que modo é que o processo da austeridade afetou a área da cultura?
Afetou-a grandemente. Por um lado, porque grande parte das atividades culturais não são
autossustentáveis, e não é possível que o mercado as viabilize sozinho. ( ...)
Há uma tradição da direita — quer francesa, quer até inglesa — de considerar que uma nação também é
civilizada por causa da sua cultura; de que a cultura tem necessidades económicas que não correspondem
necessariamente à lei da oferta e da procura. Nesse sentido, o
Estado tem um papel na cultura. Agora, também há outra
dimensão: é que no esquema antropológico das coisas,
digamos assim, a cultura não é um bem de primeira
necessidade, comparada com a alimentação ou com a saúde.
Há quem reclame porque não se subsidia o preço das batatas
mas subsidiam-se os bilhetes para a ópera.
Não se podem subsidiar as batatas porque vivemos num
mercado em que já não há protecionismo. Desse ponto de
vista, é muito fácil argumentar duas coisas: em primeiro lugar,
que a cultura não está no primeiro patamar das necessidades
Relevância dos consumos culturais na UE-27 em 2007 (percentagem) Fonte: European Cultural Values. Social
Eurobarometer 276, European Commission
Pedro Mexia - Imagem disponível na Internet:
https://www.youtube.com/watch?v=lS1fGA8pknE
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de sobrevivência; e, em segundo lugar, que há uma parte significativa das pessoas que não tem interesses
culturais, portanto essas pessoas sentem-se num certo sentido dispensadas de se preocuparem com isso.
Ora, eu sou peão e não estou isento de contribuir para as autoestradas.
Mas também beneficias das autoestradas se fores de autocarro.
Sim. Vou mais à boleia. Talvez este seja então um exemplo melhor: eu contribuo para a iluminação pública
de uma cidade qualquer — não vou referir nenhuma em concreto — aonde nunca fui nem quero ir; acho
bem que haja iluminação pública nessa cidade. Isso não me diz respeito a mim, e, no entanto, diz respeito ao
todo nacional. Há uma lógica dos impostos que é diferente da lógica das taxas. A lógica dos impostos é que o
dinheiro vai para um bolo para as necessidades básicas.
É pacífico para ti que o Estado contribua para a cultura enquanto necessidade básica?
É pacífico, mas gostava que as pessoas para quem isso não é pacífico o dissessem preto no branco. E honra
seja feita, algumas dizem-no. Que, perante um cenário sem a intervenção do Estado, digam: “Então pronto,
então não haverá ópera, cinema, teatro e bailado.” Uma pessoa que diz isso é um bárbaro.
O Vasco Pulido Valente diz que o Estado deve intervir apenas para preservar o património.
Mas o património é a parte em que toda a gente está de acordo.
Apenas.
Sim, há pessoas que acham que é só isso. Eu reconheço que há problemas na relação do Estado com a
cultura, que há problemas de favoritismo, de funcionamento de júri, de política de gosto. Reconheço todas
essas críticas. Mas do outro lado está a morte cultural. Sou defensor da biodiversidade cultural, e essa
biodiversidade num país como Portugal só existe porque o Estado intervém. O cinema é um caso flagrante.
Não havendo outra alternativa, a única alternativa é a alternativa Átila, o Huno. Acaba-se com isto. Acabou o
bailado, acabou o cinema. Tudo bem, há pessoas que dizem isso. Fica-lhes bem assumir. Mas é arrepiante.
(...)
Excerto da entrevista feita a Pedro Mexia (*), e publicada no Jornal Público no dia 13 de março de 2016
(*) Assessor do Presidente da República para a área da Cultura
A Cultura como bem económico, quem paga?
Revisitar os princípios para inspirar as políticas. É este o desafio para avaliar quem deve pagar a fatura
da cultura. Relacionando o que nos ensina a teoria económica com a realidade que conseguimos ver
através das estatísticas e das opiniões é possível concluir que promover a procura faz mais pela cultura do
que subsidiar a oferta.
Deve o Estado pagar com os impostos a cultura?
Todas as atividades? Só algumas? E como escolher para
maximizar a eficiência e a equidade?
O que nos ensina a teoria económica.
Comecemos por revisitar os princípios. Um exercício
que nos permite pela sistematização e abstração
perceber o que estamos a escolher e se estamos a fazer
as melhores escolhas. Cena de "La Traviata", de Giuseppe Verdi, na Metropolitan
Opera em Nova Iorque.
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A primeira constatação geral e que se aplica a toda a economia é: o mercado não é totalmente e puramente
livre. O mercado livre, na sua pureza, não existe, em nenhuma
atividade. Os graus de liberdade são politicamente definidos. Pode
parecer absurdo, mas se o mercado fosse livre, sem atrito, sem
restrições, hoje existiria trabalho infantil - quando se iniciou a sua
proibição começou-se com crianças de 9 anos e gerou grande
controvérsia no Reino Unido - assim como seria livre a escravatura, o
comércio de droga ou de órgãos humanos.
A primeira restrição ao mercado livre é o conjunto de valores
éticos e morais de uma sociedade, em permanente mudança, e que
se são refletidos nas leis e regulamentos de um Estado. O
provisionamento de bens culturais, quanto se produz começa desde
logo por estar limitado pelas fronteiras dos valores de uma sociedade.
A segunda restrição à liberdade do mercado está relacionada com a
natureza do bem oferecido. Há bens que gozam de "externalidades",
efeitos, positivos ou negativos, que não se conseguem internalizar no valor económico do bem. O exemplo
mais popular é o da utilização da água do rio por uma indústria, que o polui, mas que não internaliza esse
efeito nos seus custos e, como tal, também não o reflete no preço.
As "externalidade" positivas dos bens culturais são os argumentos mais usados para justificar a presença
do Estado como produtor, distribuidor e financiador das atividades culturais. Muito simplificadamente o
argumento é este (muito semelhante ao da educação ou da saúde): quando uma pessoa beneficia de um
bem cultural, toda a sociedade ganha com isso. Se eu comer uma maçã, sou eu, e apenas eu, que retiro disso
benefícios, se eu for a um museu todos ganham por eu saber mais sobre a herança cultural do país, fomenta
a unidade cultural. Ou ainda outras atividades económicas, como o turismo, ganham por existir o museu, o
teatro, a dança. São as externalidades que tendem a ser usadas como argumentos para ser o Estado a
fornecer todo o tipo de bens culturais. Mas esse atributo não chega para se concluir que tem de ser o Estado
a produzir, pagar e distribuir.
Temos de revisitar o conceito de bem público, um caso particular de externalidade. Nos bens públicos não
se verifica nem a possibilidade de apropriação da utilidade que oferece - ou seja, não se conseguem excluir
os consumidores que não pagam - nem se reduz a oferta pelo consumo - ou seja, o facto de uma pessoa
consumir não elimina a possibilidade de outros
o fazerem como acontece por exemplo com
uma maçã que só pode ser comida uma vez. A
defesa ou a iluminação pública são os
exemplos mais intuitivos de bens públicos.
São estas características de "não expulsão"
e "não rivalidade" desses bens que justificam
que seja o Estado a pagar, com os impostos, o
seu provisionamento. O Estado, em princípio e
tendo já como referência os valores da
sociedade, só deve chamar a si o
provisionamento de bens públicos.
Finalmente, e mantendo-nos no universo
determinado pelos valores da sociedade e a
característica do bem cultural é preciso agora
Imagem disponível na Internet em: http://www.voxlaci.com/index.php/servicos/do
accoes
Imagem disponível na Internet em:
http://www.avante.pt/pt/1994/argumentos/118726/
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dissecar as diversas fases de provisionamento de bens e serviços culturais - o investimento, a produção e a
distribuição - para avaliar se é o Estado, com os impostos dos cidadãos que deve estar e pagar todos os
produtos e em todas as fases.
Em conclusão diria que a decisão
de provisionamento de bens e
serviços culturais nas vertentes de
"quem investe, quem produz e quem
distribui", o Estado ou os privados,
deve ser tomada tendo como
referência três princípios
orientadores:
1. Os valores da sociedade
expostos pelas preferências
reveladas pelo consumo de bens
culturais e que pode e deve ser
desenvolvida pela educação;
2. As externalidades: gera a atividade efeitos externos positivos que justifiquem a presença do Estado
como produtor e/ou financiador?
3. A característica do bem: é ou não um bem público e, sendo um bem público, é possível, através da
regulamentação, corrigir essa sua característica (assim aconteceu com as estradas).
E este quadro de análise deve ser usado para decidir pela presença ou ausência do Estado nas três fases
de provisionamento de bens culturais: o investimento, a produção e a distribuição. Porque na esmagadora
maioria dos casos o Estado pode ter de pagar o investimento, mas a produção e distribuição dos bens podem
ser realizadas pelo setor privado. Dependendo dos casos, através de contratos de concessão. (Não é popular
falarmos em concessões nos dias que correm mas não há princípios que se possam aplicar se um Estado é
fraco e se deixa capturar por interesses privados, em vez de defender o interesse público). (...)
Quanto pesa a economia da cultura?
Em 2009, a cultura representava cerca de 1,7% do emprego total na UE, em Portugal 0,9%. E a UE exporta
mais do que importa bens culturais: em 2009 as exportações foram 1,4 vezes as importações. Não é o caso
de Portugal: as exportações representavam 30% das importações (0,3 vezes). Os livros representavam quase
80% dos bens culturais exportados por Portugal e os jornais lideravam as importações.
A cultura potencia o turismo (ou a externalidade objetiva)?
Ainda de acordo com o Eurostat, que usa o Eurobarómetro, a cultura é apontada como o segundo motivo
de atração turística. Confrontados com a necessidade de poupar nas férias, os europeus da UE preferem
cortar nos restaurantes e nas
compras do que nas atividades
culturais.
O que se retira da teoria e dos
factos? Eis as conclusões
possíveis:
1. Educação, educação e
educação… Se estamos num tempo
de recursos financeiros públicos
escassos que impõem escolhas
difíceis, o Estado deve orientar os
impostos dos cidadãos para a
Imagem disponível na Internet em: http://redeapl.ibict.br/blogs/b73b55cf-0f52-4dff-
8037-53d00ca22e84/date/201406?lang=pt
Museu “Casas das Histórias” Paula Rego, Cascais. Imagem disponível na Internet em:
http://portugalconfidential.com/2011/03/casa-das-historias-paula-rego-contemporary-art-
in-cascais/
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educação. O investimento na educação em geral e no domínio das artes em particular (educação
musical visual) altera as preferências dos cidadãos levando-os a valorizar mais a cultura. Daqui resulta
não só a maior disponibilidade dos cidadãos em
verem os seus impostos aplicados em atividades
culturais como em pagarem pela cultura.
2. Investir no que garante maiores externalidades
positivas: numa fase de menor desenvolvimento
e elevada restrição financeira o dinheiro dos
contribuintes deve ser usado nas atividades que
garantem externalidades objetivas, como a
atração de turistas, a redução do défice externo
vias exportações (o que o turismo também faz) e
a educação.
3. O Estado deve ficar apenas onde tem de ficar.
O investimento em museus, monumentos ou arquivos pode ter de ficar no Estado, mas a exploração
pode ser concessionada a privados avaliando-se pelo seu custo e benefício se se justifica uma
compensação.
4. Nunca permitir que se considere que há almoços grátis: mesmo quando subsidia ou compensa o Estado
deve exigir uma prestação de serviço em troca.
Termino com uma pequena história: há uns anos um amigo recebeu um subsídio para fazer um filme de
animação. Fez o filme, passou-o entre especialistas e por aqui se ficou. Perguntei, mas o Estado não te pediu
para pelo menos fazeres um circuito pelas escolas mostrando o filme e explicando como se faz? Não. Isto são
almoços pagos pelos contribuintes, investimentos sem retorno.
*Chang, Ha-Joon, "Things they don't tell you about capitalism'
** Cultural Statistics 2011, Eurostat Pocket Books, http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-32-10-374/EN/KS-32-10-374-EN.PDF
GARRIDO, HELENA. In Negócios.pt. Publicado em 28 Março 2013. Disponível na Internet em :
http://www.jornaldenegocios.pt/economia/cultura/detalhe/a_cultura_como_bem_economico_quem_paga.html
Orçamentos autárquicos não poupam Cultura
Praticamente sem exceção, os orçamentos dos executivos autárquicos para 2014 aprovados antes do final
do ano sofreram cortes significativos e, de uma
forma ainda mais acentuada, na área da Cultura. É
sabido que, quando se enfrenta uma crise com esta
magnitude, é preciso reduzir despesas de forma
generalizada, mas também é indispensável que se
saiba hierarquizar a importância daquilo que se
corta.
Se um executivo autárquico está convicto de
que a atividade cultural pode contribuir para criar
mais emprego, para ajudar o setor turístico e o da
restauração e pode ainda contribuir para atrair
visitantes nacionais e estrangeiros, deverá ser
cauteloso nos cortes, já que eles podem afetar uma
Sessão de Poesia em Santo Tirso, 2016 - Imagem disponível na
Internet:
https://www.facebook.com/CMSantoTirso/photos/pcb.564523140384436/5645
22503717833/?type=3&theater
Museu de Serralves, Porto. Exposição da obras de Nedko Solakov,
2012 – Imagem disponícel na Internet em: http://lgb-
foto.blogspot.pt/2015/01/arte-serralves.html
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área de potencial estratégico. Tenho presentes vários concelhos portugueses que nos dois últimos anos
souberam utilizar a oferta cultural com criatividade e inteligência, organizando festivais e vários eventos
originais que se traduziram no encaixe de receitas nada desprezíveis.
Trata-se de uma questão de opção e de mentalidade que nos remete para uma situação passada com
Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial. Quando deputados da oposição e alguma imprensa o
criticaram por, investindo na Cultura e nas Artes, poder estar a afetar o esforço de guerra, ele responder algo
parecido com isto: “Se não lutarmos por isto, lutamos porquê?” Queria o grande estadista enfatizar a ideia
segundo a qual, ante a barbárie em marcha, é preciso defender os valores da cultura e da civilização, que são
também os da liberdade.
Para se defender a capacidade material que o setor da Cultura tem de avançar com iniciativas, é preciso
ter coragem, sentido estratégico e uma consistente visão cultural. Dir-se-á que quando se fazem
significativos cortes na Ação Social e na Educação não é possível poupar a Cultura à lâmina aguçada do
emagrecimento orçamental. Mas a verdade é que as bibliotecas da rede de leitura pública não podem
abdicar de fazer as suas aquisições e que há muitas outras rubricas do mesmo setor que não podem ficar em
estado de carência.
Basta pensar que, segundo estatísticas muito
recentes, os cinemas portugueses perderam nove
milhões de euros de receita de bilheteira e cerca de
1,4 milhões de espetadores comparativamente com
os valores apurados em 2012.
Isto significa que há menos dinheiro para se ir ao
cinema, mas também que há menos salas para se
ver cinema em vários pontos do país e que este
constitui um público potencial para corresponder a
outras formas de oferta local, que também podem
passar pelo cinema. Toda esta situação deverá ser
vista de uma forma articulada e, de preferência,
estudada pelos organismos estatais que dispõem de
verbas para efetuar estas análises e estudos
comparativos.
Museu Abade Pedrosa e sede do Museu de Escultura de Santo Tirso. Imagem disponível na Internet em: http://www.porto24.pt/cultura/santo-tirso-museu-desenhado-por-siza-vieira-fica-pronto-em-junho/
Atividade Musical no âmbito do projeto Poesia Livre, Santo Tirso,
2016 - Imagem disponível na Internet:
https://www.facebook.com/CMSantoTirso/photos/pcb.56452314038
4436/564522503717833/?type=3&theater
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De forma recorrente tenho referido o exemplo da Irlanda, agora regressada aos mercados, que acreditou
no potencial regenerador da Cultura, contribuindo desse modo para que houvesse menos gente a emigrar e
muito mais gente, nacional e estrangeira, a encher as salas de cinema, os museus e as galerias.
Em Portugal não faltam imaginação e criatividade para se conceberem programas inovadores e
apelativos. O que há, frequentemente, é falta de vontade e de coragem política. E isso está patente na
asserção inicial: o setor cultural sofreu cortes nos orçamentos municipais para 2014 que podem
comprometer muito boas ideias, iniciativas e projetos. É pena que assim aconteça. Mas, também por isso, é
urgente rever as políticas de
captação de patrocínios e toda a
lógica do mecenato, sobretudo se
lhes for demonstrado que
Portugal, apesar da dureza da
crise, está na moda, como
milhares de turistas de estada
curta a demandarem o nosso país.
Quem não perceber esta nova
realidade, terá muita dificuldade
em perceber as outras, também
por falta de perspetiva cultural.
E, já agora, tenha-se presente
que a oferta cultural deve sempre
ser diversificada, criativa e até surpreendente, não caindo no seguidismo de assentar apenas em quem está
na moda, só porque aparece na televisão e se pode gabar de boa imprensa. Há outros mundos e propostas
para além desses. E só ganhará, a médio e longo prazo, quem for criativo e corajoso. O tempo nos dará
razão.
Letria, José Jorge Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores. Publicado no jornal Público em 6 de janeiro de 2014
Do Ecossistema Cultural: o Porto como Laboratório
Importa falar de cidade enquanto se fala de cultura e falar de cultura enquanto se fala de cidade. A
cultura que acontece no Porto não é só da cidade, mas caracteriza a cidade e dá-lhe um rosto que vai para
além e dá sentido ao património.
Lino Miguel Teixeira é consultor de comunicação com
particular incidência no setor cultural. Já desenvolveu este tipo de
atividade em/para diversos projetos e instituições, como a
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, o Politécnico
do Porto, a Porto Lazer, o Município de Paredes, a Fundação
Museu do Douro e Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura.
Atualmente colabora com o Theatro Circo, Coliseu Porto, Livraria
Lello, Cooperativa Árvore, Capital do Móvel, Festival Semibreve,
Encontros da Imagem e Porto/Post/Doc.
Nesta “reentrada” a cultura situa-se numa conjuntura de
Escultura em Santo Tirso integrante do Museu Internacional de escultura- Imagem disponível
na Internet: http://iporto.amp.pt/eventos/arte-publica-lugar-contexto-participacao-
conferencia-internacional-1?theme=/temas/iporto/etc
Logótipo da Porto Capital Europeia da Cultura.
Imagem disponível na Internet:
http://www.notapositiva.com/pt/trbestbs/historia
/12portugal_novo_quadro_intern.htm
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paradoxo porque trágica e, simultaneamente, otimista.
Trágica, porque estamos já para lá de meio de 2015, na Europa do Sul, em Portugal e na segunda cidade
deste país, uma das que mais sofreu o impacto da depressão que nos habita e que nos pretende fixar numa
luta pela sobrevivência material, onde qualquer discurso ou ação para além desta são vistos como
excêntricos, senão contraproducentes dos esforços pátrios anunciados como disciplinadores da nação.
Otimista, porque as pessoas persistem
em procurar cultura (gratuita e paga, em
espaço público e em sala, na net e na
cidade); os autores e atores culturais
parecem provar que quanto mais
emergentes são mais frequente é a criação;
e as instituições culturais sobrevivem
enfrentando a dupla tenaz dos cortes no
financiamento público e privado, do estado
“walking dead” do novo quadro comunitário
de apoio que devia ter começado a sua
execução há, pelo menos, ano e meio, e não
menos importante da irreprimível atração
centralizadora que o sul de Alverca sobre
ambos exerce.
Desde que a câmara voltou a ter o nome da “coisa” no seu executivo tem cabido à autarquia duas funções
que mais ninguém por ela pode assumir e que são essenciais para que a sobrevivência cultural se assuma
agora como vivência de cidade. São elas as funções de ativação e ligação do ecossistema cultural da cidade.
Ativação, porque é à autarquia que, depois de um silêncio demasiado longo, reafirmar para que quer a
cidade os equipamentos culturais que tutela – e que vão muito para além do Rivoli – e como enquadrará o
que se convencionou chamar animação e que mais não é do que a convocação da cidade e dos cidadãos (e
visitantes) para viver momentos de partilha abertos a todos os públicos, a todos aqueles que queiram ser
público.
Ligação, porque importa falar de cidade enquanto se fala de cultura e falar de cultura enquanto se fala de
cidade. A cultura que acontece no Porto não é só da cidade, mas caracteriza a cidade e dá-lhe um rosto que
vai para além e dá sentido ao património, seja este o do postal ilustrado, ou o que enquanto munícipes,
profissionais ou cidadãos habitamos.
O Porto tem agora todas as condições para ser o primeiro laboratório territorial com impacto
metropolitano e regional onde se prove que a transição de uma política autárquica sem a palavra cultura
para outra que a inscreve no seu léxico é um instrumento de construção de uma ideia diferenciadora para
quem cá está e para quem cá vem, porque integra os seus diversos agentes – sejam eles de tutela nacional,
municipal, privada ou livremente sem tutela – num mesmo ecossistema que se reconhece e interpela e,
numa narrativa de cidade que adiciona rostos imateriais à cidade material já conhecida. É, no mesmo
movimento, um instrumento precioso de emancipação da tenaz económica e centralista e de convocação de
toda uma região para um destino comum que, como na Cultura sucede em relação aos criadores e criações,
também excede largamente a soma aritmética das partes que a compõem.
In Porto 24. Texto de Lino Miguel Teixeira. Disponível na Internet em: http://www.porto24.pt/opiniao/ecossistema-cultural-o-porto-
como-laboratorio/
Imagem disponível na Internet: http://www.porto.pt/noticias/a-cultura-
portuense-em-destaque-na-revista-de-bordo-da-sata