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A NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO ESTADO1
ANDRÉ MARINHO MARIANETTI BRAGA2
YANNA FERNANDES AMORIM3
RESUMO:
Com o parâmetro do entendimento de autores de escol do Direito Internacional, é premente o
dever científico de realizar reflexão sobre a natureza jurídica do instituto da responsabilidade
internacional do Estado. Este artigo apresenta a discussão sobre a índole da reposta a uma
conduta estatal recalcitrante em face de uma obrigação internacional. Sobrevém, igualmente,
o debate sobre o conceito de soberania no âmbito da cooperação internacional. Destaca-se a
necessidade de reinterpretação do instituto da responsabilidade internacional do Estado sob os
cânones das normas internacionais investidas do propósito da mútua colaboração.
PALAVRAS-CHAVE: RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO –
NATUREZA JURÍDICA – SANÇÃO
1 Título: A natureza jurídica do instituto da responsabilidade Internacional do Estado2 Palestrante: André Marinho Marianetti Braga. Acadêmico de Direito da Faculdade Nobre. E-mail:
andremmb@ig.com.br3 Palestrante: Yanna Fernandes Amorim. Especialista em Direito Público e Mestranda em Direito pela Universidade
Estácio de Sá. Advogada e Professora
Introito
O artigo que se inicia aduz reflexões acerca do instituto responsabilidade
internacional do Estado. O principal escopo deste trabalho se traduz na necessidade de
identificação da natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado.
O jusinternacionalista Dupuy (1984 apud ARANTES NETO, 2007, p. 21)
preconiza que a responsabilidade representa o epicentro de todo sistema jurídico. Assim
sendo, é um dever inadiável investigar a natureza jurídica da responsabilidade internacional
do Estado no contexto da jurisdicionalização do Direito Internacional.
No que se refere à jurisdicionalização do Direito Internacional, Camilla
Capucio (2011), em artigo publicado nos Anais do 9º Congresso Brasileiro de Direito
Internacional, promovido pela Academia Brasileira de Direito Internacional, prenuncia que:
[...]a crescente institucionalização do Direito Internacional tem se
explicitado na criação de Tribunais Internacionais, que embora
sejam instituídos para dirimir conflitos de um ramo específico do
Direito Internacional, estão inseridos em um mesmo contexto de
solução pacífica de controvérsias e inclusive de acesso à justiça no
plano internacional. (CAPUCIO, 2011, p. 205)
Este fenômeno viabilizou a constituição de tribunais internacionais, que,
consoante Romano (1999), incrementou-se ao fim do século passado em decorrência (i) do
fim da Guerra Fria e da preterição às interpretações Marxistas e Leninistas sobre as relações
internacionais; (ii) da expansão do Direito Internacional, principalmente com o grande
número de acordos comerciais, que, em regra, preconcebem a solução de controvérsias
internacionais; e (iii) do surgimento de novos atores na sociedade internacional.
Ante o recente boom dos julgamentos internacionais, haja vista que, conforme
Alter (2002 apud LAGE, 2009, p. 115) “apesar de existirem há mais de um século, sessenta e
três por cento de toda a atividade das cortes internacionais ocorreu nos últimos doze anos” –
resta imperioso refletir acerca do instituto da responsabilidade internacional do Estado.
No âmbito das reflexões sobre a responsabilidade internacional, vê-se a
“unidade do Direito Internacional, que passa por uma reafirmação, em todos os diferentes
ramos especializados, dos fundamentos e valores essenciais da disciplina, concomitante a uma
valorização do homem como sujeito e fim último do Direito Internacional”, (CAPUCIO,
2011, p. 213).
Portanto, a seguir serão propostas reflexões sobre a natureza jurídica da
responsabilidade internacional do Estado, de modo a ser analisado o caráter deste instituto sob
a ótica dos princípios do Direito Internacional.
O artigo será divido em três partes principais. A primeira versará sobre a
distinção entre a ideia de conceito e a noção de natureza jurídica, bem como será
desenvolvida a conceituação da responsabilidade internacional do Estado. Em seguida, ver-se-
á o aprofundamento da análise sobre a natureza jurídica do instituto da responsabilidade
internacional do Estado, com o artifício do confronto entre entendimentos de titãs do Direito
Internacional Público sobre a matéria. Por fim, a terceira seção proporá a prevalência de
determinado dispositivo que responda ao problema motivador da confecção deste artigo, a
saber, qual a natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado?
1 Responsabilidade internacional do Estado: conceito e natureza jurídica
Antes de analisar o mérito deste artigo, qual seja, a natureza jurídica da
responsabilidade internacional do Estado, é de bom alvitre seja clarificada a distinção entre
conceito e natureza jurídica. De acordo com Câmara (2005, p.144), o Direito consiste em uma
ciência organizada por muitos institutos, que são reunidos em categorias jurídicas mais
amplas, conjugados entre espécie e gênero. A natureza jurídica corresponde à “categoria
jurídica” em que um instituto está inserido, ou seja, o gênero de que tal instituto jurídico é
espécie.
Em paralelo, ainda conforme Câmara, o conceito consiste na definição de uma
ideia por meio de palavras. Assim, por exemplo, o instituto da “locação tem natureza jurídica
de contrato, e se conceitua como o contrato através do qual uma pessoa (locador) cede a outra
(locatário) o uso e fruição de um bem, mediante remuneração (aluguel)” (Câmara, 2005, p.
144).
1.1 Conceito de responsabilidade internacional do Estado
No tocante à responsabilidade internacional, notável segmento doutrinário
sustenta que este instituto recaia também sobre indivíduos e organizações internacionais como
sujeitos ativos ou passivos em uma relação jurídica. No entanto, este artigo concentra suas
atenções sobre a responsabilidade internacional do Estado.
Em que se refere ao conceito do instituto da responsabilidade internacional do
Estado, Accioly nos ensina que:
A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico
que visa responsabilizar determinado Estado pela prática de um ato
atentatório (ilícito) ao Direito Internacional perpetrado contra os
direitos ou a dignidade de outro Estado, prevendo certa reparação a
este último pelos prejuízos e gravames que injustamente sofreu.
(ACCIOLY, 1959, p. 349-441 apud MAZZUOLI, 2012. p. 572).
Como resta manifesto, essa definição considera somente os Estados e o dever
de restabelecimento do equilíbrio na relação jurídica interestatal.
Mais aprofundadamente, Arechaga (1980 apud PINHEIRO, 2007, p. 71)
defende que, quando se infringe uma obrigação internacional, nasce imediatamente uma nova
relação jurídica, a qual é travada entre o sujeito ao qual o ato é imputável, que deve reparar o
dano, e o sujeito que tem o direito de exigir a reparação.
Amaral Jr. (2013) vaticina que a doutrina majoritária vislumbra a
responsabilidade como o dever de reparar os prejuízos causados. O doutrinador prossegue seu
raciocínio ao afirmar que “a responsabilidade internacional do Estado surge com o dever de
indenizar em virtude da violação do dever geral de não causar dano”, (AMARAL JR., 2013,
p. 329).
Treves (2005) dispõe que o pressuposto da responsabilidade internacional do
Estado consiste em uma conduta estatal em contraste com uma obrigação internacional. O
mesmo doutrinador ilustra sua explanação sobre o tema com o princípio afirmado pelo
Tribunal Permanente de Justiça Internacional na sentença da controvérsia sobre a fábrica de
Chorzów, de 1927, segundo o qual a violação de uma obrigação implica a obrigação de
indenizar na forma adequada; ou seja, a indenização é, por conseguinte, o complemento
indispensável de um descumprimento de dever internacional.
Enfim, pode-se definir o instituto da responsabilidade internacional do Estado
como o corolário, a consequência necessária do fundamento do próprio Direito Internacional,
qual seja, o princípio do pacta sunt servanda, que “impõe aos Estados o dever de respeitar a
sua palavra e de cumprir com a obrigação aceita no livre e pleno exercício de sua
soberania”(WHITTON, 1934, p. 147-276 apud MAZZUOLI, 2012, p. 109).
1.1.1 Codificação da responsabilidade do Estado por ato internacionalmente ilícito pela
Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas
Ainda no âmbito da conceituação do instituto da responsabilidade internacional
do Estado, é necessário abordar a questão de sua codificação. Treves (2005) proclama que a
responsabilidade internacional é um direito essencialmente consuetudinário. Contudo, em
2001, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas legitimou o Projeto de
Codificação da Responsabilidade dos Estados por Atos Internacionalmente Ilícitos.
Embora não consista em um tratado e, em decorrência disto, seja desprovido de
cogência, o Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas representa um
feito de aprimoramento do direito internacional consuetudinário que aponta para as tendências
hodiernas do entendimento sobre a matéria da responsabilidade internacional, (ARANTES
NETO, 2007, p. 41).
2 A natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado
Após haver esclarecido a distinção entre natureza jurídica e conceito, e
realizada a expressão em palavras sobre o que vem a ser a responsabilidade internacional do
Estado, pode-se dizer que foram lançadas as premissas para o desenvolvimento deste trabalho.
Doravante, resta imprescindível para a consecução do objetivo principal deste artigo a solução
do seguinte questionamento: qual é a natureza jurídica do instituto da responsabilidade
internacional do Estado? Ou seja, seguindo as recomendações de Câmara (2005), de que
gênero tal instituto é espécie?
Para afrontar essa questão, é impreterível fazer menção às lições de Rezek:
Sobre o pressuposto de haver sido responsável por ato ilícito
segundo o direito das gentes, o Estado deve àquela outra
personalidade jurídica internacional uma reparação correspondente
ao dano que lhe tenha causado. Essa reparação é de natureza
compensatória.(REZEK, 2011, p. 332).
Rezek (2011) justifica a atribuição da natureza jurídica compensatória ao
instituto da responsabilidade internacional do Estado, porquanto a marca da descentralização
da sociedade internacional inviabilizaria o posicionamento do Estado em uma relação jurídica
na condição de réu. Nesta senda, Rezek prossegue seu raciocínio alegando que “o contencioso
internacional é ainda hoje um contencioso de compensação, não um contencioso punitivo”,
(ROUSSEAU, s.d., p. 129 apud REZEK, 2011, p. 332).
No demais, Rezek (2011, p. 332) conclui sua proposição moderando sua
opinião ao sustentar que, malgrado um Estado violador de obrigação internacional deva ser
responsabilizado por via da compensação, “não significa que todo e qualquer ilícito
internacional seja reparável sob forma estritamente pecuniária ou indenizatória”.
Sobre a compreensão do problema da natureza jurídica da responsabilidade
internacional do Estado aduzida por Rezek, resta manifesto que o doutrinador enquadra tal
instituto como espécie do gênero jurídico da compensação. Sendo assim, ao cauto pesquisador
não seria molesto examinar as idiossincrasias do instituto da compensação, a fim de verificar
a sinergia epistemológica do instituto da responsabilidade internacional do Estado como
espécie do gênero jurídico da compensação.
2.1 A compensação como natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado
Topograficamente, o legislador alocou o instituto da compensação quando quis
tratar do adimplemento e da extinção das obrigações no art. 368 do Código Civil. Tartuce
(2012) se refere ao instituto da compensação como modalidade de pagamento indireto, que
necessita ao menos duas expressões volitivas, consistindo, portanto, em um negócio jurídico.
Pereira (2010, p. 244), por sua vez, conceitua a compensação “como a extinção das
obrigações quando duas pessoas forem, reciprocamente, credora e devedora”.
Da leitura do art. 368 e seguintes do Código Civil, depreende-se que a
compensação requer a existência de dívidas “certas quanto à existência, e determinadas
quanto ao valor (líquidas); vencidas ou atuais, podendo ser cobradas; constituídas por coisas
substituíveis (ou consumíveis, ou fungíveis), como, por exemplo, o dinheiro”, (TARTUCE,
2012, p. 373).
Sem o ânimo de ir além do imprescindível para a sua definição, e, assim, não
tendo o pudor de preterir nuances mais específicas, como suas modalidades legal,
convencional e judicial, a compensação, portanto, se revela como um instituto de direito civil
dotado da finalidade de extinguir obrigações quando houver reciprocidade de créditos sobre
dívidas fungíveis e homogêneas entre si.
Nessa toada, deve-se, então, analisar a opinião de Rezek no que diz respeito à
natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado, de modo a investigar a sintonia
entre os institutos da compensação e da responsabilidade internacional do Estado. Será
mesmo o instituto da responsabilidade internacional do Estado uma espécie do gênero jurídico
da compensação? Não é intrigante que um instituto emblemático do Direito Obrigacional
respalde outro instituto típico do Direito Internacional?
Para confrontar esse questionamento se faz mister revisitar os conceitos e
fundamentos do Direito Civil e do Direito Internacional.
Na preleção de Amaral (s.d. apud FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 30), o
Direito Civil “é o conjunto de princípios e normas que disciplinam as relações jurídicas
comuns de natureza privada.[...]é o direito que regula a pessoa, na sua existência e atividade, a
família e o patrimônio”.
A partir da concepção, isto é, antes mesmo do nascimento, até depois da morte,
o Direito Civil é orientado a disciplinar a vida da pessoa nas relações jurídicas em que esteja
ausente o interesse do Poder Público. Portanto, trata-se do segmento da Ciência do Direito
que regula a vida privada, (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 31).
Malgrado a publicização do Direito Civil, advento da redemocratização do
Brasil, em 1988, que promoveu uma releitura de conceitos e institutos jurídicos tradicionais,
tais a propriedade e o contrato, elevando a Constituição à condição de fonte primária do
Direito Civil (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 31) a ciência civilista continua apontando
seus holofotes para o regramento da vida privada das pessoas.
Por outro lado, a lição de Mazzuoli é salutar para o propósito supra firmado no
sentido de contrapor os conceitos que a doutrina lança sobre o Direito Civil e sobre o Direito
Internacional:
O Direito Internacional Público poder ser conceituado como o
conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e
convencionais) que disciplinam em regem a atuação e a conduta da
sociedade internacional (formada por Estados, pelas organizações
internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos),
visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em última
análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações
internacionais. (MAZZUOLI, 2012, p. 66).
Lafer (1999), por sua vez, refina a definição do Direito Internacional no sentido
de identificar o momento histórico de seu nascimento no âmbito da Paz de Vestfália (1648),
sob os cânones das “normas de mútua abstenção” regidas pelo princípio da não-intervenção.
Em seguida, a partir do século XIX, com desenvolvimento tecnológico e o recrudescimento
do comércio transfronteiriço, a necessidade da cooperação internacional faz que o Direitos das
Gentes abandone o velho paradigma das “normas de mútua abstenção” e adote o primado das
“normas de mútua colaboração”.
Definições postas, é chegado o momento de se refletir acerca da seguinte
questão: por qual motivo um instituto (a responsabilidade internacional do Estado) peculiar a
determinado ramo do direito (Direito Internacional) seria espécie de um gênero jurídico
(compensação) pertencente a outro ramo da Ciência Jurídica (Direito Civil)?
Nos parece uma incongruência. Embora a teoria voluntarista, que busca propor
o fundamento do Direito Internacional no consentimento (vontade) dos Estados, apresente
semelhanças em relação ao Direito Civil, vez que ambos focalizam a expressão volitiva – e
talvez este seja o motivo do imbróglio epistemológico, haja vista a pulsante veia voluntarista
de Rezek – não há que se miscigenar institutos. Por rigor, pode-se atestar a vocação
voluntarista do autor em questão quando, por exemplo, o mesmo sustenta que o
consentimento é o fundamento do Direito Internacional Público (REZEK, 2011, p. 27); ou,
também, quando afirma inexistir hierarquia entre as normas de Direito Internacional Público
(REZEK, 2011, p. 26); ou, ainda, é possível entrever a opção voluntarista do doutrinador ao
se referir às normas imperativas do direito internacional geral como “desconcertantes”
(REZEK, 2011, p. 154) e avessas ao fundamento do Direito Internacional Público, a saber, em
sua visão, o consentimento, (REZEK, 2011, p. 147).
A teoria voluntarista, contudo, tende a fenecer, porquanto é incapaz de
compreender o fato de um novo Estado poder estar vinculado a tratado internacional, costume
ou princípio geral do direito que foram constituídos sem que o Estado recém-nascido
houvesse expressado sua anuência, (MAZZUOLI, 2012, p. 107).
Por outro lado, a teoria voluntarista se destina a ser superada, visto que atribuir
o fundamento da obrigatoriedade do Direito Internacional a vontade coletiva dos Estados
representa um alto risco à sociedade internacional. É suficiente que um Estado, por uma
vicissitude qualquer, mude os rumos de sua política externa e altere seu consentimento para
que a validade do Direito Internacional reste viciada, (MAZZUOLI, 2012, p. 107).
Além do mais, o instituto da compensação não pode ser reconhecido como a
natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado, pois apresenta requisitos bem
particulares que não estão presentes na relação jurídica em que a o instituto da
responsabilidade internacional do Estado é aplicável, a começar pela reciprocidade de
créditos. Quando um Estado descumpre uma obrigação internacional, é bem claro o
desequilíbrio da relação jurídica que pende injustamente para um lado. Não é o caso, como
preconiza a doutrina civilista, de duas personalidades que figuram como credor e devedor ao
mesmo tempo.
Não se pode sentir pudor ao afirmar ser uma atecnia a elaboração que sugere a
responsabilidade internacional do Estado ter natureza compensatória, pois constitui
prerrequisito da compensação a fungibilidade das dívidas. Quanto a este particular, o próprio
Rezek (2011, p.332) oscila na sustentação da tese da compensação como natureza da
responsabilidade internacional do Estado, ao declarar que nem todo ilícito internacional é
reparável exclusivamente por meio de pecúnia ou indenização.
Dessa arte, resta patente o desacerto da tentativa de compreender a natureza
jurídica do instituto da responsabilidade internacional do Estado ao associá-lo com o instituto
da compensação. Se não foi a intenção de Rezek (2011, p.332) referir-se ao instituto do
direito obrigacional da compensação, quando mencionou a palavra “compensatória” à
natureza da responsabilidade internacional do Estado, cabe atestar a fragilidade de sua
argumentação, vez que cada ciência possui seu jargão próprio, e a compensação tem um
significado muito preciso no âmbito da Ciência do Direito, como já descrito supra.
Fulminada a hipótese de a compensação consistir na natureza jurídica da
responsabilidade internacional do Estado, subsiste o problema central deste artigo. Em
seguida, desenvolver-se-á uma segunda hipótese para a solução da pergunta essencial sobre
que se busca refletir neste trabalho, a saber, qual a natureza jurídica da responsabilidade
internacional do Estado?
2.2 Comentários sobre a responsabilidade internacional do Estado
Doravante serão aduzidas concepções que simbolizam o estágio atual da
evolução do entendimento sobre a responsabilidade internacional do Estado, que certamente
enriquecerão o debate proposto neste artigo e aventarão a resposta idônea para o problema
ainda não solucionado.
Ago (1970 apud ARANTES NETO, 2007, p. 39) considera que o
descumprimento de uma obrigação internacional pode gerar o dever do Estado faltoso de
reparar o Estado prejudicado, ou engendrar também um direito do Estado ofendido de aplicar
uma sanção ao Estado recalcitrante. Conforme Ago, a sanção consiste na punição, embora a
praxe dificulte o discernimento entre a sanção punitiva e a execução forçada.
Mello (1995 apud ARANTES NETO, 2007, p. 39) adverte que as novas
tendências sobre a responsabilidade internacional levam a crer que este instituto se torne cada
vez mais semelhante à sanção.
Amaral Jr. (2013, p. 329) avigora a índole sancionatória da responsabilidade
internacional do Estado ao alegar que “as últimas décadas indicaram a crescente importância
do caráter punitivo da responsabilidade internacional do Estado, que não mais se confina
unicamente ao aspecto reparatório”.
O clímax da identidade entre a sanção e o instituto da responsabilidade
internacional do Estado pode ser representado quando a Comissão de Direito Internacional
das Nações Unidas contemplou as sanções no Projeto de Codificação da Responsabilidade
dos Estados, sob a forma de represálias, contramedidas e retorção, (PINHEIRO, 2007, p.
155).
Mello (1995 apud PINHEIRO, 2007, p. 156) considera adequado denominar de
sanção “as medidas aplicadas por organizações internacionais e 'contramedidas' para as que
forem aplicadas pelos próprios Estados”.
Portanto, delineada está a natureza jurídica do instituto da responsabilidade
internacional sob a feição sancionatória. À próxima seção deste artigo competirá analisar os
pormenores da figura jurídica da sanção e a compatibilidade científica do caráter
sancionatório da responsabilidade internacional do Estado.
3 A sanção como natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado
Reale (2009, p. 72) define sanção como o meio de garantia do respeito e da
obediência das regras. O doutrinador sustenta que a sanção jurídica é atribuída pela sua
predeterminação e organização. É dizer, a sociedade se organiza contra o transgressor
mediante, precipuamente, o Poder Judiciário. A sanção jurídica é organizada, pois, desde a
apuração do fato ensejador da sanção, passando pelo seu julgamento, até o momento da
cominação da pena, verifica-se uma divisão de funções muito bem definida, (REALE, 2009,
p. 74).
Quanto à predeterminação da sanção jurídica, a pessoa prejudicada em seus
direitos é ciente previamente que tem a possibilidade de valer-se do acesso à Justiça, para
pleitear o reequilíbrio da relação jurídica em que se viu lesado, (REALE, 2009, p. 75).
Bobbio (2005, p. 160) preconiza que a sanção jurídica é externa, por
representar uma reação da sociedade contra o transgressor, e é institucionalizada, visto que se
regula pelo mesmo parâmetro normativo que disciplina as regas primárias, ou seja, aquelas
que, se violadas, engendram a sanção.
Amaral Jr. (2007 apud Amaral Jr. 2013, p. 309) proclama que a sanção tem
natureza coercitiva, tem como objeto a supressão de um bem jurídico e quem a inflige precisa
ser legitimado por uma norma válida.
No contexto das relações internacionais, a sanção corresponde à coerção
legitimada pelo direito internacional, em decorrência da conduta renitente ante a
desobediência de uma obrigação internacional por parte de um Estado, (AMARAL JR., 2013,
p. 310). A aplicação de sanções por organizações internacionais demonstra utilidade, seja para
robustecer seu status e legitimidade frente aos Estados, seja para preservar a eficácia da ordem
jurídica, (AMARAL JR., 2013, p. 310).
Durante o século XX, foram assinados tratados que estabeleceram limitações
comerciais cominadas com o desrespeito a obrigações assumidas. Pode-se ilustrar com os
exemplos do Pacto da Liga das Nações, que estipulava a obrigatoriedade de rompimento das
relações comerciais com o Estado que declarasse a guerra; ou o caso do tratado constitutivo
da OIT, que autorizou o implemento de medidas econômicas punitivas contra o Estado que
descumprisse um pacto já ratificado, (AMARAL JR., 2013, 311).
Mais além, a Carta de São Francisco, que lança os mandamentos legais para a
fundação da Organização das Nações Unidas, em seus artigos 41 e 42, vaticina muito
claramente no sentido de legitimar sanções internacionais tanto de natureza econômica quanto
militar em favor da efetivação das decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
(AMARAL JR., 2013, 311).
Sendo assim, subsiste com resiliência científica a noção de que a possibilidade
da sanção, no âmbito da sociedade internacional, é de fato uma realidade derivada do
comportamento recalcitrante de um Estado perante uma obrigação internacional. Contudo,
pode-se elaborar um questionamento acerca da legitimidade da sanção internacional ante o
atributo estatal da soberania. Ora, em que medida estaria o Estado soberano submetido aos
desígnios de uma norma internacional sancionatória?
3.1 A legitimidade da sanção internacional perante a soberania
Pinheiro (2007, p. 39) leciona que o Direito Internacional Público egresso do
fim da Guerra Fria possui o enfoque de suas normas sobre a regulação da coexistência e
cooperação entre Estados soberanos. Portanto, o atual estágio da evolução do Direito
Internacional aponta para a reformulação do conceito de soberania, preterindo aquela noção
clássica derivada do Tratado da Paz de Vestfália (1648), que conduz à noção absoluta da
soberania estatal, sob a égide do princípio da não-intervenção.
Aliás, como já foi referido neste artigo quando se tratou de conceituar o Direito
Internacional, Lafer (1999) dicotomizou a orientação do Direito Internacional Clássico, que se
baseava em “normas de mútua abstenção”, e a nova roupagem do Direito Internacional, que
segue os cânones das “normas de mútua colaboração”.
É emblemático o pensamento de Weeramantry (1995 apud BRANT, 2002,
apud PINHEIRO, 2007, p. 39) ao defender a necessidade de reinvenção do conceito de
soberania, afirmando que “as concepções individualistas da Soberania Estatal estão também
se rendendo às concepções coletivistas. Assim, o Direito internacional se adapta às
necessidades de um mundo coletivista”.
Pinheiro (2007, p.39) apregoa que a soberania jamais deve servir de pretexto
para um Estado se esquivar de suas obrigações. Prossegue a doutrinadora sustentando que, no
âmbito de uma jurisdição internacional, a soberania resta limitada pelas regras do processo
internacional. Portanto, o novo conceito de soberania consagra que o Estado seja vocacionado
à cooperação, a qual legitima, quando da ocorrência de um ilícito internacional, a medida da
sanção, como obrigação secundária que garante o cumprimento normativo.
Considerações finais e resposta ao problema central do artigo
O presente artigo alcança seu desfecho buscando uma solução para o problema
motivador de sua execução. Desde o início deste trabalho, buscou-se investigar a natureza
jurídica do instituto da responsabilidade internacional do Estado, sendo apresentada e refutada
a hipótese da índole compensatória, e, por outro lado, desenvolvida e confirmada a tese da
natureza sancionatória da responsabilidade internacional do Estado.
Como ensina Reale (2009, p. 72), não há norma ou obrigação que não traga
consigo o dever de seu cumprimento, e a sanção é, justamente, a garantia de sua obediência.
A responsabilidade internacional do Estado tem natureza sancionatória, visto que é
organizada seja pelos dispositivos específicos dos tratados quando se referem à hipótese do
seu inadimplemento, seja pelos pactos constitutivos de tribunais internacionais, que
parametrizam a intensidade da sanção, ou, até mesmo, seja pelo Projeto de Codificação da
Responsabilidade Internacional dos Estados assinado pela Comissão de Direito Internacional
das Nações Unidas.
A natureza jurídica do instituto da responsabilidade internacional do Estado é
sancionatória, porquanto é presente o atributo da predeterminação, haja vista o fenômeno da
jurisdicionalização do Direito Internacional, que constitui as jurisdições internacionais
preestabelecidas para o deslinde de querelas interestatais.
A responsabilidade internacional do Estado possui caráter de sanção jurídica,
pois, seguindo os parâmetros de Bobbio (2005, p. 160), trata-se de sanção externa, vez que
representa a reação da sociedade internacional contra o Estado violador em benefício da
preservação da eficácia das obrigações internacionais.
Por fim, mas não menos importante, é com o rigor da ciência jurídica que se
pode atribuir à responsabilidade internacional do Estado a índole sancionatória, visto que a
responsabilidade é uma sanção institucionalizada, pois nasce do mesmo regramento que
disciplina a obrigação primária, ou seja, aquela que, se violada, enseja a coerção.
Assim, se encerra este trabalho com a elaboração científica que responde ao
problema central deste artigo ao justificar o enquadramento do instituto da responsabilidade
internacional do Estado como espécie do gênero jurídico da sanção, conforme teoriza Câmara
(2005, p.144) sobre a definição de natureza jurídica.
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