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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
AS FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS E O IMPEDIMENTO ÀS UNIÕES DÚPLICES.
ALEX FRANCISCO NOLLI
Itajaí (SC), novembro de 2008.
II
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
AS FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS E O IMPEDIMENTO ÀS UNIÕES DÚPLICES.
ALEX FRANCISCO NOLLI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em
Direito. Orientador: Professora Ma Luciana de Carvalho Paulo Coelho
Itajaí (SC), novembro de 2008.
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................... XII
INTRODUÇÃO .................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 4 DO DIREITO DE FAMÍLIA
1.1 NOÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA ............................ 4
1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA ............................................................. 12
1.3 CONTEÚDO DO DIREITO DE FAMÍLIA ........................................ 18
1.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA ........................................ 19
CAPÍTULO 2 ......................................... ............................................30
DAS ENTIDADES FAMILIARES EXPRESSAMENTE CONSTITUCIONALIZADAS
2.1 PREVISÃO CONSTTITUCIONAL .................................................. 30
2.2 CASAMENTO.............................................................................. 31 2.2.1 DA CAPACIDADE PARA CONTRAIR CASAMENTO ....................................................35 2.2.2 DAS CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS .............................................................38 2.2.3 DA PRÉVIA HABILITAÇÃO ...................................................................................45 2.2.4 DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO ......................................................................47 2.2.5 DAS PROVAS DO CASAMENTO............................................................................49 2.3 UNIÃO ESTÁVEL ......................................................................... 52 2.3.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ....................................................................52 2.3.2 REGULAMENTAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ANTES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002................53 2.3.3 A UNIÃO ESTÁVEL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ......................................................57 2.3.4 REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL .....................................58 2.3.4.1 Pressupostos subjetivos .................................................................................. 59 2.3.4.2 Pressupostos objetivos .................................................................................... 61
2.4 FAMÍLIA MONOPARENTAL ........................................................ 64
CAPÍTULO 3 ......................................... ............................................68 DAS ENTIDADES FAMILIARES NÃO CONSTITUCIONALIZADAS E A
POSSIBILIDADE DAS UNIÕES DÚPLICES
3.1 ENTIDADE FAMILIAR UNIPESSOAL ............................................. 68
3.2 UNIÃO DE PESSOAS DO MESMO SEXO .................................... 71
3.3 CONCUBINATO ......................................................................... 78
3.4 POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DAS UNIÕES DÚPLICES......................................................................................................... 85
3.4.1 DOUTRINAS E JURISPRUDÊNCIAS CONTRÁRIAS AO RECONHECIMENTO........................86 3.4.2 DOUTRINAS E JURISPRUDÊNCIAS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO ........................89
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................99
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...............................................102
CAPÍTULO 1
DO DIREITO DE FAMÍLIA
1.1 NOÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA8
A família, também chamada de base da sociedade, é
a peça fundamental na organização social. Desde os primórdios, foi ela a
geradora do ordenamento jurídico a que se submetiam os homens e
mulheres. 9
De acordo com os estudos históricos, o homem
inicialmente era um ser uno, não possuindo vínculos afetivos com outros
seres humanos. A relação entre homem e mulher era apenas sexual e tal
fato dava-se em razão de seus instintos. Portanto, não havia uma idéia de
união, sendo qualquer homem livre para relacionar-se com qualquer
mulher e vice - versa.10
Sobre esta época, ENGELS afirma que era:
[...] uma época primitiva em que imperava no seio da tribo,
o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher
pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a
todas as mulheres.11
8 A construção deste capítulo foi baseada, principalmente, na obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” do filósofo alemão Friedrich Engels. 9 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 34ª ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 01,06-07. 10 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 17ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p.31. 11 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 31.
5
Portanto, não havia distinção nem preconceito, sendo
possível e aceitável toda e qualquer relação. Não havia o sentimento de
repudio ao incesto, tampouco às questões de idade.
Conforme o homem foi adquirindo um maior
conhecimento sobre o ambiente que o cercava, começou a desenvolver
atividades que demonstravam raciocínio, e não apenas instinto (como na
pesca e caça), surgindo assim o fogo, os instrumentos de pedra, o arco e
flecha e a cerâmica. Com isso, o homem abandonava suas crias e as
deixava aos cuidados das mulheres, que passaram a se dedicar a prole. 12
O homem dedicando-se à caça e a mulher
dedicando-se aos filhos e ao lar, posteriormente, a agricultura e ao
pastoreio, tinha inicio uma nova fase na história, conhecida como
Barbárie. 13
Com o tempo, o ser humano passou a ter maior noção
de sociedade, surgindo as primeiras famílias.
Inicialmente, eram Famílias Consangüíneas. Em função
do instinto de preservação e perpetuação da espécie, o homem e a
mulher podiam se relacionar sem impedimentos. Uma vez que não havia
discriminação alguma (a não ser entre pais e filhos) e todos poderiam se
relacionar com todos, não havia forma de se estabelecer quem era o
progenitor, não existindo, portanto, a figura do Pai. Tinha-se apenas o
12 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 22-24. 13 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 24-28.
6
conhecimento de quem era a progenitora. Entretanto, não havia o
conceito atual de mãe, sendo apenas uma referência. 14
Segundo MORGAN a Família Consangüínea “fundava-
se sobre o inter-matrimônio de irmãos e irmãs, carnais e colaterais no
interior do grupo.” 15 Tal definição é confirmada por MELLO16.
Por ser a forma mais primitiva que se tem notícia, não
existem registros de culturas quem ainda mantenham este molde
familiar.17
Após esta fase, surgiram as Famílias Punaluanas. Nesta
espécie de família surgiu o primeiro impedimento quanto aos sujeitos que
poderiam relacionar-se. Não era permitida a relação entre irmãos.
Entretanto, a definição de irmão era dada de acordo com a progenitora.
Portanto, eram impedidos de se relacionar os filhos de uma mesma mãe.
Ainda não havia a figura do pai e conseqüentemente, a família era
matriarcal. Ainda era permitida a relação entre pais e filhas. 18.
MORGAN define a Família Punaluana como “o
casamento de várias irmãs, carnais e colaterais, com os maridos de cada
uma das outras, no interior de um grupo”.19
14 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 37-39. 15 MORGAN, L.H. Apud CANEVACCI, Massimo. Dialética da Família. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. p. 56. 16 MELLO, Luiz Gonzaga – Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 329. 17 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 39. 18 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 39-48. 19 MORGAN apud CANEVACCI. Dialética da Família. São Paulo. 1981, p. 56.
7
O homem casava com a mulher, porém, por
conseguinte, poderia se relacionar com as irmãs de sua mulher. Portanto,
a mulher poderia se relacionar com seu marido e com seus cunhados, não
havendo impedimento para tanto.
O sistema adotado pelas Famílias Punaluanas era o
totêmico. Cada família possuía um totem, que era o símbolo daquela
família. Normalmente era representado por um animal, entretanto, em
alguns casos, era um vegetal ou um fenômeno da natureza (chuva,
água...). Todos os membros daquela família deveriam respeitar e adorar o
totem, sendo impedidos de matá-lo ou destruí-lo. E apenas era permitida a
procriação com os devotos de um mesmo totem.20
Segundo Sigmund Freud21. “A relação [...] com seu
totem é a base de todas as suas obrigações sociais: sobrepõe-se à sua
filiação tribal e às suas relações consangüíneas.”
Portanto, o surgimento da Família Punaluana foi um
importante marco na história, uma vez que originou os primeiros
impedimentos significativos de casamento e iniciou a noção da
irregularidade do incesto. 22
Na seqüência, surgiram as Famílias Sindiásmicas, que
foram as primeiras famílias a abandonar a vida primitiva e passaram a
morar em casas. Entretanto, estas eram grandes casas comunais, servindo
de abrigo para vários casais. 23
20 FREUD, Sigmund. Totem e Tabu: Obras Completas de Sigmund Freud. V. 13. 2 ed. Trad. Jayme. Salomão. Rio de Janeiro : Imago, 1995. p. 49. 21 FREUD, Totem e Tabu, 1995. p. 49. 22 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 39. 23 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 48-66.
8
Para MORGAN, esta família “fundava-se sobre o
casamento entre casais individuais, mas sem obrigação de coabitação
exclusiva. O casamento prosseguia enquanto ambas as partes o
desejassem”. 24
Com a nova forma de coabitação, o homem e a
mulher passaram a ter uma relação mais parecida com as dos dias atuais,
ou seja, passaram a ter uma conexão maior. 25
Com a diminuição do tamanho da Família, cada
mulher passou a ter contato com menos homens, o que possibilitou uma
nova relação entre os homens e seus filhos. Apesar de ainda não serem
considerados pais, eles possuíam uma relação mais próxima que na
espécie familiar anterior.
As proibições das famílias consangüíneas e punaluanas
foram mantidas e ampliadas pelo totemismo. Ainda era possível o
relacionamento sexual de homens e mulheres com os parceiros de outros
casais, desde que não fossem desrespeitadas as proibições sanguíneas.
Ou seja, era possível a poliandria e poligamia. Sobre isso, ENGELS ensina:
[...] um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal
que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser
direito dos homens, embora a poligamia seja raramente
observada, por causas econômicas; ao mesmo tempo,
exige-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres, enquanto
dure a vida em comum [...]26
Esta Família ainda era matriarcal, sendo a mulher mais
velha da casa importante figura na sociedade. Ou seja, aparecia a figura
24 MORGAN Apud CANEVACCI, Dialética da Família, 1981, p. 57. 25 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 49. 26 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 49.
9
da sogra, mulher mais velha que servia de conselheira para seus filhos e
filhas. 27 Nesta mesma época, surgiu a proibição de coabitar com as
sogras.
Sobre o tema, explica FREUD:
Do lado da sogra, temos a relutância em abrir mão da
posse da filha, a desconfiança do estranho a quem esta é
entregue, um impulso de manter a posição dominante que
ocupou em sua própria casa. Do lado do genro, há a
determinação de não se submeter mais à vontade de
outrem, o ciúme de alguém que possuiu a afeição de sua esposa antes dele e, por fim, mas não em último lugar, a
resistência a algo que interfere na supervalorização ilusória
originada de seus sentimentos sexuais. A figura da sogra
geralmente causa essa interferência porque tem muitas
características que lhe lembram a filha e, não obstante,
carece de todos os encantos de juventude, beleza e frescor
espiritual que fazem da sua esposa uma pessoa atraente
para ele.28
Na Família Sindiásmica, os filhos ainda pertenciam à
mãe e sua gens, não possuindo o homem qualquer direito sobre sua prole.
29
Com o passar do tempo, o homem deixou sua posição
submissa em relação ao controle da sociedade e passou a controlar as
decisões do clã. Surgiam as Famílias Patriarcais.
MORGAN define a Família Patriarcal como sendo “o
casamento de um só homem com diversas mulheres; era geralmente
acompanhado pelo isolamento das mulheres”30 27 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 50-51. 28 FREUD, Totem e Tabu, Imago, 1995. [sem grifo no original] 29 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 59.
10
Já para ENGELS, a Família Patriarcal era uma
“organização de certo número de indivíduos, livres e não livres, numa
família submetida ao poder paterno de seu chefe.”31
Apesar de ser muito parecida com a Família
Sindiásmica, a Família Patriarcal era controlada pelo homem, sendo
permitido que este se relacionasse com outras mulheres. Entretanto, para
a mulher era proibida a relação com outros homens. 32
Portanto, era consentida a poligamia, mas não a
poliandria. A razão para tal impedimento é obvia: o homem desejava ter
o poder sobre sua prole e para isso, precisava ter certeza que só ele
mantinha relações sexuais com a mulher. Nascia a figura do Pai.
Finalmente, o homem passou a ter certeza de sua progênie.33
Além disso, o homem passou a coabitar com a sua
esposa. Entretanto, era permitido que houvesse outras mulheres. Logo,
poderia haver descendentes de mulheres diferentes. Além das mulheres e
dos filhos, era comum que houvesse subjugado ao poder patriarcal os
escravos. Estas pessoas eram tratadas como propriedade do homem,
devendo se submeter a todas as suas vontades. Não era incomum que as
escravas também servissem seus chefes sexualmente34.
Apesar de não mais haver a briga entre os homens
pela prole, ainda havia a discussão em relação ao patrimônio do homem
30 MORGAN Apud CANEVACCI, Dialética da Família, 1981, p. 57. 31 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p.61. 32 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 62,65. 33 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 60. 34 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 61-62, 67.
11
e sobre os direitos que cada mulher possuía em relação a este. Uma vez
que havia mais de uma mulher e que ainda era possível que o homem se
relacionasse e tivesse filhos com suas escravas, iniciou-se um
descontentamento em relação à valoração dada a cada mulher e a
cada filho.35
Na Família Patriarcal havia a figura da mulher principal
e esta se valia de sua situação para diminuir os direitos das outras mulheres
e seus respectivos filhos.
Com isso, era necessário que o homem abandonasse
sua posição poligâmica e passasse a coabitar e se relacionar com apenas
uma mulher. Aparecia a Família Monogâmica.
Segundo MORGAN, esta família é fundamentada
“sobre o casamento de casais individuais, com obrigação de coabitação
exclusiva.”36
Já para ENGELS, a Família Monogâmica:
De modo algum foi fruto do amor sexual individual, com o
qual nada tinha em comum, já que os casamentos, antes
como agora, permaneceram casamentos de conveniência.
Foi a primeira forma de família que não se baseava em
condições naturais, mas econômicas, e concretamente no
triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum
primitiva, originada espontaneamente.37
35 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 71-72. 36 MORGAN Apud CANEVACCI, Dialética da Família, 1981, p. 57. 37 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 70. [sem grifo no original]
12
Nas suas primeiras formas, era evidente o domínio do
sexo masculino sobre o feminino. A monogamia era, na verdade, exigida
apenas à esposa. Já o marido poderia relacionar-se sexualmente com
outras mulheres, desde que não violasse o domicilio conjugal. Ou seja, ao
contrário das Famílias Patriarcais, não era permitido ao homem tomar mais
de uma mulher como sua esposa, porém não havia empecilho que o
impedisse de se relacionar sexualmente com outras mulheres.38
Com o passar do tempo, a sociedade foi entendendo
ser condenável a poligamia do homem. Porém, tal condenação era
meramente “conceitual”, uma vez que tal prática era usual e tolerada.
Sobre tal contradição, ENGELS faz o seguinte apontamento:
Embora seja, de fato, não apenas tolerado, mas praticado livremente sobretudo pelas classes dominantes, ele é
condenado em palavras. E essa reprovação, na realidade,
nunca se dirige contra os homens que o praticam e sim,
somente, contra as mulheres que são desprezadas e
repudiadas, para que se proclame uma vez mais, como lei
fundamental da sociedade, a supremacia absoluta do
homem sobre o sexo feminino.39
A Família Monogâmica é a existente nos tempos atuais,
pelo menos em grande parte da civilização. Ainda que existam outros
países que, baseados em crenças religiosas, permitam a poligamia, a
Família Monogâmica é o padrão no Mundo Ocidental.40
1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA
38 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 66. 39 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 72. [sem grifo no original] 40 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 75.
13
Família, segundo a Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988, é “a base da sociedade”. Sobre tal ponto
não há duvidas, sendo esta uma verdade absoluta entre os doutrinadores.
Entretanto, o termo família é polêmico e complexo, por
admitir mais de uma significação, o que o torna facilmente tema de
discussão e contradição na Doutrina.41
A Doutrina divide a família, de acordo com seus
objetos, em três categorias: Amplíssima, Lata e Restrita.42
A categoria amplíssima é aquela que permite a livre
associação, tomando como membro familiar todos aqueles que sejam
ligados, seja por vínculo de consangüinidade, afinidade é até por
dependência. Esta última está prevista no artigo 1.412, §2º, do C.C.:43
Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus
frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua
família.
§ 2º As necessidades da família do usuário compreendem
as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu
serviço doméstico. [sem grifo no original]
Já a categoria lata é aquela que entende pertencer
ao grupo familiar os parentes em linha reta e colateral, o cônjuge ou
41 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1. 42 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume: Direito de Família. 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforme do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 09-10. 43 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007. p. 09-10; MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 03-04.
14
companheiro e seus filhos. Além disso, inclui no rol os parentes por
afinidade, ou seja, os parentes do cônjuge ou companheiro. 44
E por último, existe a categoria restrita. Esta categoria,
como o nome já diz, é a mais circunscrita. Faz parte da família o cônjuge
ou companheiro e a prole. Tal categoria sofreu modificações com a
CF/88, uma vez que, anteriormente só era considerado o cônjuge
proveniente do casamento, não estendendo o benefício ao
companheiro.45
TEPEDINO, em Novas Formas de Entidades Familiares,
afirma que família é:
[...] como ponto de referência central do indivíduo na
sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à
segurança que dificilmente pode ser substituída por
qualquer outra forma de convivência social.46
Para BEVILÁQUA família é:
[...] o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da
consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga,
ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outra
vezes, porém, designam-se por família somente os cônjuges
e a respectiva progênie. 47
44 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007. p. 09-10; MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 03-04. 45 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007. p. 09-10; MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p. 03-04. 46 TEPEDINO, Gustavo. Novas Formas de entidades Familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimonio. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 326. 47 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p.16.
15
PEREIRA48 ensina, em sentido genérico, que família “é o
conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum”. Já em
sentido estrito “a família é considerada o conjunto de pessoas unidas pelos
laços do casamento e da filiação. Durante séculos, fora ela um organismo
extenso e hierarquizado, mas sob a influência da lei da evolução, retraiu-
se, para se limitar a pais e filhos”.
Portanto, como se pode observar acima, o conceito
de família ora é tido como algo limitado, sendo de fácil análise, ora como
algo complexo, que pode ser observado de vários aspectos. E são
justamente estas diferenças de interpretação, não só entre doutrinadores,
mas também entre legislações, que torna mais polêmica a situação.
Se em algumas leis a definição de família é vaga ou
vazia, em outras ela é restrita, porém, ampliadora do rol dos enquadrados
por ela.
Como exemplo, cita-se a Legislação Previdenciária,
que segundo a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, assim determina:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência
Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de
qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou
inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v.5, p.13-14.
16
Tal definição é acompanhada pela Lei 8.742, de
07.12.1993, também conhecida como Lei Orgânica de Assistência Social-
LOAS, que em seu artigo 20, § 1º, assim estabelece:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia
de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que
comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como
família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o
mesmo teto. (nova redação dada pela Lei n.º 9.720/98). 49
Observa-se facilmente que as legislações supracitadas
não se utilizam do conceito limitado de família, mas sim, daquele mais
amplo possível, ainda que apresentem suas próprias restrições.
Nota-se, ao longo do tempo, que a conceituação de
família foi evoluindo e se transformando, deixando de ser somente a
família nuclear burguesa50 (pai, mãe e filhos) e passando a ser vista como
algo muito mais abrangente.
Atualmente, tem-se que a família é um vínculo por
afetividade, sendo imensamente valoradas as relações de sentimento e a
intensidade das relações pessoais de seus membros.51 E, portanto, podem
49 BRASIL. Lei nº 8.742, de 07.12.1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm>. Acesso em 29 set. 2008. [sem grifo no original]. 50 CARVALHO, Maria do Carmo Brandt (Org.). A Família Contemporânea em Debate. São Paulo: EDUC/Cortez, 1995. p.26. 51 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família./ José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz. 4º ed. 2004. Curitiba. Juruá. p. 169.
17
formar uma família “um homem e uma mulher e seus filhos biológicos, ou
uma mulher, sua afilhada e um filho adotivo, ou qualquer outro arranjo.” 52
Neste mesmo sentir, pronuncia-se ALBUQUERQUE FILHO:
A menção a entidade familiar é feita no sentido de núcleo
familiar, família no mais estrito sentido da palavra,
abrangendo os mais diversos arranjos familiares, dentro de
uma perspectiva pluralista, de respeito à dignidade da
pessoa humana, com o significado, segundo o nosso
entendimento, de unidade integrada pela possibilidade de
manifestação de afeto, através da (con)vivência, publicidade e estabilidade.53
Nesta mesma esteira, coleciona-se observação feita
por DIAS:
Inquestionável que a lei não consegue acompanhar o
desenvolvimento social cada vez mais acentuado, sendo as
relações afetivas as mais sensíveis à evolução dos valores e conceitos. Dada a aceleração com que se transforma a
sociedade, elas escapam ao Direito positivado, não tendo o
legislador condições de prever tudo que é digno de
regramento.54
Em tempo, cabe trazer a baila prudente lição de
CHANAN:
A família compreendida como entidade socioafetiva tem o
dever de afeto e cooperação entre seus membros. A
52 CARVALHO, Maria do Carmo Brandt (Org.). A Família Contemporânea em Debate, 1995, p.26. 53 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famílias simultâneas e concubinato adulterino. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/TEXTO.ASP?ID=2839&P=1 >. Acesso em 30 de outubro de 2008. [sem grifo no original]. 54 DIAS, Maria Berenice. União Estável Homoafetiva. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, nº20. out/nov 2003, p. 46.[sem grifo no original]
18
solidariedade e a criação de condições ao
desenvolvimento saudável do ser humano passam a ser valores importantes para a entidade familiar. No viés
constitucional, evidenciam-se a concretização do direito à
vida digna e o princípio da solidariedade (art.1, III, CF/1988).
Esses fatores vieram modificar o significado de entidade
familiar, ampliando o seu conceito. Surge a partir de então
uma nova função para a unidade familiar, com base na
realização da afetividade e da dignidade humana de cada
um de seus membros.55
Deste modo, percebe-se que a família dos dias de hoje
é formada por pessoas ligadas, inicialmente, pelo vínculo de afeto, sendo
este importante ponto de estruturação familiar. Há, portanto, foco na
qualidade das inter-relações, vez que se privilegia o melhor interesse da
pessoa humana.56
1.3 CONTEÚDO DO DIREITO DE FAMÍLIA
Ao tratar do Direito de Família, ensina DINIZ: 57
[...] o ramo do direito civil concernente às relações entre
pessoas unidas pelo matrimonio, pela união estável ou pelo
parentesco e aos institutos complementares de direito
protetivo ou assistencial, pois, embora a tutela e a curatela
55 CHANAN, Guilherme Giacomelli. As Entidades Familiares na Constituição Federal. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, nº42. junho/julho 2007, p. 47. [sem grifo no original] 56 DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter) secções do afeto e da lei. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Maria_berenice/familia.pdf >. Acesso em: 27 out. 2008; LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Paulo_Luiz_Netto_Lobo/Entidades.pdf>. Acesso em 30 de outubro de 2008. 57 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 4.
19
não advenham de relações familiares, têm, devido a sua
finalidade, conexão com o direito de família.
Neste mesmo sentido, BEVILÁQUA assim enuncia:
Constitui o direito de família o complexo de normas que
regulam a celebração do casamento, sua validade e os
efeitos que dele resultam, as relações pessoais e
econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a
união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo do
parentesco e os institutos complementares da tutela e
curatela.58
Portanto, Direito de Família é aquele que regula as
relações de amor, afinidade e parentesco entre as pessoas e protege os
direitos daqueles que provêm destas uniões. Não obstante, o Direito de
Família zela e protege a subsistência daqueles que não possam fazê-lo por
si mesmos.
Assim, o Direito de Família trata das questões
pertinentes ao casamento, à união estável, as relações de parentesco e
aos institutos de direito protetivo59.
Ainda que cada autor possua suas próprias definições
de Família e Direito de Família, todos são unânimes no fato de apontarem
a Família como base da Sociedade e de afirmar que o Direito
Constitucional é sem dúvida um dos pilares do Direito de Família.
1.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
58 BEVILÁQUA, Clovis. Código Civil comentado, 1ª ed., 1954, v.2, p.6. 59 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 05.
20
Assim como os demais ramos do Direito, o Direito de
Família é regido por princípios que determinam sua base e seus valores.
Importante destacar que as mudanças sociais, religiosas e econômicas
foram alterando os princípios básicos do Direito de Família.
Sobre tais mudanças sociais, GONÇALVES faz
importante apontamento:
O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se à evolução
social e aos bons costumes, incorporando também as
mudanças legislativas sobrevindas nas últimas décadas do
século passado [...] As alterações introduzidas visam
preservar a coesão familiar e os valores culturais,
conferindo-se a família moderna um tratamento mais
consentâneo à realidade social, atendendo-se às
necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou
companheiros e aos elevados interesses da sociedade.60
No atual momento, imperam no Direito de Família os
seguintes princípios61:
I. A Dignidade da Pessoa Humana:
Um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro, este
princípio é também a base do Direito de Família e está previsto
expressamente no artigo 1º da Carta Magna:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
60 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 4-5. [sem grifo no original] 61 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 17; GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 4-5.
21
Ressalta-se ainda, o contido no art. 226 do mesmo
diploma legal:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas.
Ensina DINIZ que a família:
[...] constitui base da comunidade familiar (biológica ou
socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a
afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de
todos os seus membros, principalmente da criança e do
adolescente.62
Sobre este princípio, TEPEDINO afirma que:
[...] a milenar proteção da família como instituição, unidade
de produção e reprodução dos valores culturais, éticos,
religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente
funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular
no que concerne ao desenvolvimento da personalidade
dos filhos.63
Entende-se que uma relação entre pessoas, seja ela
originada pelo afeto, sangue ou parentesco, deve sempre trilhar por
caminhos que honrem os envolvidos. Ou seja, a relação conjugal deve ser
62 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. 63 TEPEDINO, Gustavo. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 6. [sem grifo no original]
22
benéfica e saudável para ambos os conviventes, não apenas durante a
relação, mas também, quando esta atinge seu fim.64
II. Princípio da ratio do matrimonio e da união estável:
Também conhecido como Princípio da Afeição.
Sobre o referido princípio, assim explica DINIZ:
[...] o fundamento básico do casamento, da vida conjugal
e do companheirismo é a afeição entre os cônjuges ou
conviventes e a necessidade de que perdure completa
comunhão de vida, sendo a ruptura da união estável,
separação judicial e divórcio (CF, art. 226, §6º; CC, arts.
1.511 e 1.5.71 a 1.582) uma decorrência da extinção da
affectio, uma vez que a comunhão espiritual e material de
vida entre marido e mulher ou entre conviventes não pode
ser mantida ou reconstituída. 65
Em função da evolução da Família e as
transformações decorrentes, as relações pessoais não mais permitem
haver a união sem que esta seja satisfatória para ambos os conviventes.
Portanto, a afeição é o principio básico do casamento, da vida conjugal
e do companheirismo.66
Segundo a CRFB/88, o Código Civil de 2002, a doutrina
e a jurisprudência dominantes, tais relações afetivas só devem perdurar
64 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. 65 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 18. 66 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei No 10.406, de 10-01-2002– ed. – São Paulo: Atlas, 2002. p. 39.
23
enquanto houver o respeito e o afeto entre seus participantes, sob pena
de não atingir a comunhão plena de vida. 67
III. Princípio da Liberdade:
O princípio da Liberdade, como a sua própria
designação já assinala, é aquele que permite aos cidadãos tomarem as
decisões concernentes à construção e manutenção familiar. Ou seja, é o
poder de dispor, por seu livre arbítrio, da forma e planejamento que a
família seguirá. E nesta liberdade inclui-se aquela de contrair casamento,
constituir união estável ou mesmo de manter-se afastado destes
institutos.68
Sobre tal liberdade, assim manifestaram-se LAMARTINE
E MUNIZ:
[...] está presente em matéria matrimonial na liberdade de
casar-se, na liberdade de escolha do cônjuge, e também,
vistas as coisas pelo ângulo reverso, na liberdade de não se
casar. 69
Assegurando tais liberdades, cita-se o art. 226 da Carta
Magna:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o
67 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. 6ª. Ed. Atual. e ampl. – São Paulo: Editora Método, 2003. p. 44. 68 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. 69 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 126.
24
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas.
E o art. 1.513 do C.C. Brasileiro:
Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela
família.
Tem-se, respeitado os limites legais, um vasto leque de
possibilidades, assegurado pela liberdade de escolha sobre a criação e
manutenção da família.
IV. Princípio da Igualdade jurídica dos cônjuges e dos
companheiros:
Com base na igualdade dos sexos perante a nova
Constituição Federal, o poder familiar também foi recepcionado pelo
Direito de Família como sendo dever e poder de ambos os conviventes.
Sobre o tema, coleciona-se curioso apontamento de
MONTEIRO:
Os direitos de ambos os cônjuges são exatamente os
mesmos; apenas por questão de unidade na direção dos
assuntos domésticos, indispensável à boa ordem familiar,
entrega-se ao marido a autoridade dirigente, destinada a
coibir discórdias que fatalmente surgiriam com a dualidade
de orientações. 70
Contrariando o exposto acima e corroborada pela
Doutrina dominante, DINIZ afirma que:
70 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.124.
25
[...] desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe
de família é substituída por um sistema em que as decisões
devem ser tomadas de comum acordo entre convivente ou
entre marido e mulher [...] não mais justificando a submissão
legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo
que a responsabilidade pela família passa a ser dividida
igualmente entre o casal. 71
Portanto, não existe mais a figura do chefe de família
tampouco a expressão poder marital. Ambos os cônjuges, ou
companheiros, devem tomar as decisões de forma conjunta, não se
admitindo mais a submissão da mulher diante do homem. 72
V. Princípio da Igualdade jurídica de todos os filhos:
De acordo com a Carta Magna, o Código Civil de
2002 determinou não haver diferenciação entre os filhos. Portanto, gozam
dos mesmos direitos os filhos que surgiram do matrimônio, fora dele ou de
adoção. Todos eles possuem direito ao nome, alimentos e sucessão em
total igualdade de direitos. 73
Tal princípio está previsto no art. 227 da Constituição
Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
71 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 18-19. 72 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 40, 43. 73 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 21.
26
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação.
Corroborando o supracitado artigo, o C.C., em seus
artigos 1.596 a 1.629, consagra o impedimento de distinção entre os filhos.
Além de garantir a equiparação de direitos, a
legislação brasileira impede que seja feita qualquer diferenciação no trato
ou na designação dos filhos. Ou seja, é proibida a colocação de qualquer
termo, seja na Certidão de Nascimento, seja no Registro de Identificação,
que transmita a informação da origem da filiação.
Conclui-se, portanto, que desaparece do mundo
jurídico o termo filho ilegítimo, uma vez que tal desígnio é termo
discriminatório.74
VI. Princípio do Pluralismo Familiar:
É o reconhecimento, pelo Diploma Constitucional, de
entidades familiares não provenientes do casamento.75
Tais entidades, mais precisamente a união estável e a
família monoparental, encontravam-se à margem do direito. Porém, com
a promulgação da CF/88 (art.226, §3º e §4º) elas foram recepcionadas e
hoje gozam da proteção legal.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade
74 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 29. 75 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 21.
27
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
Entretanto, ainda que a Constituição seja do ano de
1988 e o atual código civil, de 2002, não há regra disciplinadora da família
monoparental. Tal instituto foi completamente esquecido pelo legislador.76
Gozando de um pouco mais de regulamentação,
denota-se que a união estável possui ordenamentos específicos e
separados (Lei 8.971/94 e Lei 9.278/96) não possuindo, porém, a mesma
receptividade no Código Civil de 2002, vez que se originou das reformas
aprovadas no Senado Federal.77
VII. Princípio da Consagração do Poder Familiar:
Em conformidade com os princípios da dignidade da
pessoa humana e igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, o
Princípio da Consagração do Poder Familiar atribui ao casal o controle da
família. Não mais existem mais as expressões poder marital ou poder
paterno.78
Procurando definir o poder/dever consagrado,
MONTEIRO afirma que “é o conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no
tocante à pessoa e bens dos filhos menores.” 79
76 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 21. 77 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 101-102. 78 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. 79 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.284.
28
Portanto, o dever poder é dividido entre os
conviventes, não havendo qualquer preferência ou favorecimento a
qualquer um deles.
VIII. Princípio da Monogamia:
Originado pelos ditames religiosos, a Monogamia é o
princípio jurídico que determina que uma pessoa pode casar80 ou manter
uma união estável com apenas uma outra pessoa.
Sobre a monogamia, MONTEIRO ensina que:
Em todos os países em que domina a civilização cristã, a
família tem base estritamente monogâmica, que, no dizer
de Clóvis, é o modo de união conjugal mais puro, mais
conforme os fins culturais da sociedade e mais apropriado à
conservação individual, tanto para os cônjuges como para
a prole. A monogamia constitui a forma natural de
aproximação sexual da raça humana. 81
O C.C., ao tratar dos direitos de ambos os cônjuges,
assim determina:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
Para DINIZ, tal dever consiste em “abster-se cada
consorte de praticar relações sexuais com terceiro.” 82
80 CAHALI, Yussef Said (coord.). Família e Casamento: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 302. 81 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p. 54. 82 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 127.
29
Já PEREIRA83 afirma que é “[...] princípio jurídico
ordenador da sociedade. Todo o Direito de Família está organizado em
torno desse princípio, que funciona, também, como um ponto-chave das
conexões morais.”
Sobre a recepção do citado princípio no Direito de
Família brasileiro, DINIZ afirma que “nossa ordem jurídica consagra a
monogamia, cuja violação autoriza a aplicação de duas sanções: a
nulidade do ato praticado e a pena ao violador.” 84
Este princípio é justamente o objeto principal de estudo
deste trabalho. Por haver grandes mudanças no entendimento sobre os
componentes familiares e sobre a estrutura da família, criaram-se
divergências entre os princípios norteadores da Família.
Ou seja, enquanto alguns princípios sugerem que a
família é mais do que o casamento e sim uma entidade que une pessoas
pelo seu afeto e respeito, há o princípio da monogamia afirmando que,
ainda que exista carinho, afeto e respeito entre vários conviventes, só é
aceita a união de uma pessoa com outra, não havendo a possibilidade
de aceitação de um terceiro (ou mais) convivente(s).
No Capítulo seguinte, realiza-se o estudo das formas de
famílias reconhecidas constitucionalmente.
83 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA (Coord.); Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código Civil. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.p.231. 84 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 43.
30
CAPÍTULO 2
DAS ENTIDADES FAMILIARES EXPRESSAMENTE CONSTITUCIONALIZADAS
2.1 PREVISÃO CONSTTITUCIONAL
Conforme já relatado, o Instituto da Família sofreu
diversas modificações durante os séculos. Em função delas o Direito foi
estabelecendo regras, direitos e deveres para a Sociedade, sempre
obedecendo às necessidades e carências de sua época. 85
Porém, conforme ficará demonstrado a seguir, essas
mudanças, por diversas vezes, foram realizadas tardiamente, quando a
situação vivida pela sociedade era insustentável e o clamor popular já
não podia ser simplesmente ignorado.
Neste contexto, sobre o estudo das Entidades
Familiares, deve-se primeiramente fazer distinção do que foi absorvido
pela CRFB/88 e do que não contemplado. Conforme o artigo 226 da
CRFB/88:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da
lei. 85 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do Concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 7-9; OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 12; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 6 ed. rev, atual e ampl -Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.12.
31
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
Logo, têm-se como figuras contempladas na
Constituição: o casamento civil, a união estável e a família monoparental.
Registra-se que o estudo das entidades familiares neste
capítulo não possui a pretensão de esgotar o tema referente a cada uma
delas, mas apenas destacar os aspectos mais relevantes que suscitam
interesse para o objeto principal da presente pesquisa.
2.2 CASAMENTO
O Casamento é a forma mais tradicional de
constituição de Família. Até a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, era a única forma legal de união familiar.
Com as mudanças advindas da nova Constituição, o casamento tornou-
se a figura familiar mais importante, porém deixou de ser figura única. 86
No Código Civil Brasileiro, o casamento está assim
definido:
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges. 86 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, p. 06; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p.37.
32
Importante ressaltar esta evolução no ordenamento
jurídico pátrio, que afastou a diferença entre os cônjuges. Anteriormente,
era nítida a distinção dos poderes, direitos e deveres entre o homem e a
mulher. Tanto era assim que cada um possuía um capítulo separado. Ao
marido era atribuída a figura de “chefe da sociedade conjugal”
enquanto à mulher era reservado o papel de “companheira, consorte e
colaboradora”. Conforme o artigo 1.565, do atual C.C., “homem e mulher
assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e
responsáveis pelos encargos da família”.87
Segundo AZEVEDO88, o casamento “nada mais é do
que um elo espiritual, que une os esposos, sob a égide da moralidade e
do direito”.
O casamento pode ser civil ou religioso. Inicialmente,
em virtude da pressão da Igreja Católica, o Estado admitia apenas o
casamento religioso. Era, portanto, a religião influenciando os atos
jurídicos. Tal situação perdurou até o surgimento da República, quando
finalmente criou-se a figura do Casamento Civil. 89
De acordo com CRFB/88, o casamento religioso tem os
mesmos efeitos que o casamento civil, conforme o § 2º do supracitado
artigo constitucional.
Para PEREIRA:
87 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 40. 88 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 21. 89 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 50; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 37.
33
O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de
sexo diferente se unem para sempre, sob a promessa
recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita
comunhão de vida.90
Já para BEVILÁQUA:
O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um
homem e uma mulher se unem indissoluvelmente,
legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a
mais estreita comunhão de vida e de interesses, e
comprometendo-se a criar e a educar a prole, que de
ambos nascer.91
Sobre o casamento civil, ensina OLIVEIRA:
O casamento civil é ato solene em que o Estado intervém
desde a habilitação, para controle da inexistência de
impedimentos, até a celebração por autoridade competente. Caracteriza-se como contrato, porque
resultante do necessário consentimento dos contraentes,
mas depende, ainda, da final declaração do celebrante,
de que se acham casados na forma da lei. Para ter eficácia
erga omnes, efetua-se o registro do casamento no Cartório
do Registro Civil das Pessoas Naturais, extraindo-se a
certidão que constitui prova do ato. 92
Assim como prudentemente salientou o Doutrinador, é
necessário que exista o registro para que seja efetivo o casamento. Nesta
mesma regra se enquadra o casamento religioso que, apesar de ter sua
90 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 22. [sem grifo no original] 91 BEVILÁQUA, Clóvis. Apud Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 23. [sem grifo no original] 92 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 37-38. [sem grifo no original]
34
garantia de reconhecimento como se civil fosse, exige sua habilitação e
registro no Registro Civil das Pessoas Naturais.93
Sobre o casamento religioso e seu caráter de
sacramento, PEREIRA assim aduz:
[...] um homem e uma mulher selam a sua união sob as
bênçãos do céu, transformando-se numa só entidade física
e espiritual (caro una, uma só carne) e de maneira
indissolúvel (quos Deus coniunxit, homo non separet).94
Em tempo, necessário é trazer a conceituação da
natureza jurídica do casamento.
São duas as correntes doutrinárias que definem a
natureza jurídica: a individualista e a supra-individualista.
A primeira corrente, também chamada de clássica ou
contratualista, afirma que o casamento é uma relação puramente
contratual.95
Segundo GONÇALVES:
Tal concepção representava uma reação à idéia de
caráter religioso que vislumbrava no casamento um
sacramento. Segundo os seus adeptos, aplicavam-se aos
casamentos as regras comuns a todos os contratos. Assim, o
consentimento dos contraentes constituía elemento
essencial de sua celebração e, sendo contrato, certamente
poderia dissolver-se por um distrato.96
93 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 141. 94 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 22. 95 MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 12. 96 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 24.
35
Nesta mesma esteira, PONTES DE MIRANDA afirma que
“casamento é o contrato de direito de família que regula a união entre
marido e mulher”.97
Já a segunda corrente doutrinária, a supra-
individualista, ou institucionalista, defende a idéia de que o casamento
não importa ao indivíduo, mas sim à sociedade. 98
MONTEIRO, citando SALVAT aduz que:
As pessoas que o contraem [...] têm liberdade de realizá-lo,
ou não; uma vez que decidem, porém, a vontade delas se
alheia e só a lei impera na regulamentação de suas
relações, A vontade individual é livre para fazer surgir a
relação, mas não pode alterar a disciplina estatuída pela
lei.99
Portanto, o casamento seria uma instituição, na qual o
cidadão teria apenas a faculdade de aderir, não possuindo poderes ou
direitos para mudá-lo ou alterá-lo.100
2.2.1 Da capacidade para contrair casamento
Como já relatado, o Casamento é a regra geral, tanto
no C.C. como na CRFB/88, possuindo requisitos, deveres e direitos.
Segundo o artigo 1.517 do C.C., a capacidade está
assim definida:
97 PONTES DE MIRANDA Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 24. 98 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 23; MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 13. 99 SALVAT Apud MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 13. 100 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 25.
36
Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem
casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus
representantes legais, enquanto não atingida a maioridade
civil.
A capacidade para contrair o casamento, para o
homem e para a mulher, inicia-se aos 16 anos, desde que devidamente
autorizados pelos seus pais. Portanto, tal capacidade é limitada. Somente
aos 18 anos, quando atingem a capacidade civil, é que se tornam
plenamente capazes para o ato, não necessitando de autorização
alguma.101
Apesar de ter evoluído nas questões de capacidade, o
atual Código Civil ainda apresenta sinais que demonstram a
preocupação do Legislador em manter a moral e os bons costumes.
Anteriormente, à luz do Código Civil de 1916, eram impedidos de casar a
mulher menor de 16 e o homem menor de 18 anos. Cabe aqui ressaltar
que a maioridade civil era de 21 anos. Com a nova legislação, o atual
Código Civil iguala o quesito idade para ambos os cônjuges, porém, faz a
ressalva de que:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para
evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em
caso de gravidez.
Ora, se o ilustre Legislador tornou criminosa
determinada atitude, como pode este mesmo Legislador considerar
afastada a criminalidade caso o outrora criminoso contraia núpcias com
a suposta vítima. Trata-se de pessoa que não possui idade suficiente para
101 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 47.
37
contrair núpcias, ou seja, possui idade inferior a 16 anos. Em tal idade, a
criança é completamente dependente de seus pais.102
Portanto, verifica-se que este artigo é nitidamente um
recurso para restaurar a honra, supostamente perdida. O casamento não
pode ser ferramenta de descriminalização tampouco de moralização. O
casamento deve ser fruto da vontade de ambos os nubentes, fruto de
amor e respeito mútuo.103 Logo, percebe-se que tal união teve um início
falho, com motivações diferentes daquelas que se julgam adequadas,
correndo grande risco de acabar em uma malfadada convivência.
Procurando solucionar tal problema, o legislador,
através da Lei 11.106, de 20.03.2005, revogou os incisos do artigo do
Código Penal que permitiam tal benesse. Eram eles:
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes
contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título
VI da Parte Especial deste Código;
VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes
referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real
ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o
prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no
prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração.
Como se pôde observar, o atual Código Civil, apesar
de ter sido concluído em 2002, ou seja, uma legislação considerada nova,
foi preciso uma nova Lei para impedir que flagrante inconstitucionalidade
perpetuasse em nosso ordenamento.
102 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 192. 103 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, p. 21.
38
2.2.2 Das causas impeditivas e suspensivas
Segundo DINIZ, o C.C.:
[...] subordina o matrimônio a certos requisitos, proibindo
quem não se encontrar nas condições nele arroladas de
convolar núpcias. Trata desse tema sob o nomen juris de
impedimento e de causa suspensiva, sem contudo defini-
los.104
Procurando definir os impedimentos, assim se
manifestou OLIVEIRA:
Consideram-se impedimentos matrimoniais certas condições
pessoais ou circunstâncias objetivas que vedam a
realização do casamento. São verificadas mediante o
processo prévio de habilitação (arts. 180 do CC/16 e 1.535
do NCC). 105
Apesar de haver mais impedimentos no código civil de
1916 (havia dezesseis impedimentos) o atual código civil está longe de ter
tornado menos rígidas as questões matrimoniais. Há impedimentos em
função do parentesco, de vínculo e de crime. 106
Tais impedimentos encontram-se no artigo 1.521 de
nosso C.C.:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco
natural ou civil;
104 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 64. 105 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 48. 106 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 67; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 48-49.
39
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais,
até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por
homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Desta forma, verifica-se um excesso de
regulamentação quando deveria haver, seguindo a mesma linha de
outros textos legais, uma maior autonomia e liberdade.
Quanto aos primeiros impedimentos, os de parentesco,
incisos I a V, segundo OLIVEIRA107, “advém das questões morais e
eugênicas”. Neste mesmo sentido manifestam-se LAMARTINE E MUNIZ108,
quando afirmam que “seu fundamento corresponde a sentimentos de
natureza ética, a valores culturais extraordinariamente vividos pela
humanidade. A consciência das considerações de ordem eugênica viria
posteriormente acrescentar suporte adicional a essas normas.”
PEREIRA, sobre o impedimento de casamento entre os
consangüíneos, faz importante apontamento:
A primeira lei de qualquer organização social é uma lei do
Direito de Família: a proibição do incesto. Esta é a lei básica
e estruturadora das relações sociais. E somente a partir
deste interdito que alguém pode tornar-se sujeito. É com
esta interdição primeira que se faz possível a passagem do
estado de natureza para a cultura e, conseqüentemente,
107 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 49. 108 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 169.
40
estabelecem-se as relações sociais e os ordenamentos
jurídicos.109
Além da razão moral, os impedimentos em função do
parentesco possuem razão médica. É o que sabiamente explica DINIZ:
A proibição do casamento em virtude de parentesco ou de
afinidade – tem-se em razão de ordem fisiológica, já que
matrimonio entre parentes próximos é desfavorável à
melhoria da raça [...] 110
Neste mesmo rol de impedimentos, apesar de não
terem relação de sangue, encontram-se também proibidos de casar os
parentes por afinidade (inciso II) e os por adoção (incisos III e V).111
Quanto ao impedimento em razão de vínculo, nada
mais é do que o impedimento que previne a bigamia em nosso sistema.112
Sobre o tema, ensina DINIZ:
Proibida está de se casar pessoa vinculada a matrimonio
anterior válido (CC, art. 1.521, VI). É óbvio que não é o fato
de já se ter antes casado qualquer dos consortes, mas o de
ser casado. Subsistindo o primeiro casamento válido, não se
pode contrair um segundo. 113
109 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito, Amor e Sexualidade.In:A Família na Travessia do Milênio, Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, Belo Horizonte, 2000, p. 53/59. Disponível em <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Rodrigo_da_Cunha/DireitoAmorSexo.pdf>. Acesso em 25 de outubro de 2008. 110 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 60. 111 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p.67-73; MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.50. 112 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p.73; MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.53. 113 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 73.
41
Já o último impedimento, em razão de crime, proíbe
de casar cônjuge sobrevivente com o homicida de seu consorte.114 Ora,
antes de possuir caráter patrimonial, o casamento possui caráter
afetivo.115 Portanto, ainda que estranho pareça aos olhos da sociedade,
se assim for o desejo de ambos, não deveria haver limitação legal.
Ressalta-se que neste impedimento, o Codex não faz
qualquer referência à participação ou conluio, simplesmente presumindo-
os.
Tendo sido gerado em função do conjugicídio, previsto
no decreto 181 de 1890 (art. 7º,§4º), o impedimento em função do crime
necessitava da condenação do cônjuge sobrevivente e da participação
do terceiro no crime. Sem a participação ou conluio, não havia
impedimento.116
Portanto, no texto legal de 1890 havia uma
especificação maior quanto ao impedimento, visando garantir, com
certeza, que não fossem realizadas injustiças.
Quanto às questões patrimoniais do falecido, estas
devem ser tratadas separadamente, não merecendo ser confundidas
com as questões do casamento. Sobre tal assertiva, cabe ressaltar
importante lição de DINIZ:
Porém é preciso deixar bem claro que o direito de família,
em qualquer uma de suas partes (direito matrimonial,
convivencial, parental ou tutelar), não tem conteúdo
econômico, a não ser indiretamente, no que concerne ao
114 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 75. 115 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 04. 116 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 184-185.
42
regime de bens entre os cônjuges ou conviventes, à
obrigação alimentar entre parentes, ao usufruto dos pais
sobre os bens dos filhos menores, à administração dos bens
dos incapazes, e que apenas aparentemente assume a
fisionomia de direito real ou obrigacional.117
Este impedimento afeta, diretamente, questões de
liberdade e foro íntimo, não possuindo o Estado poder de intervir em tais
assuntos.118
Entretanto, a doutrina se posiciona de forma a
preservar a moral e os bons costumes. Neste sentir, DINIZ, citando
BEVILÁQUA:
O homicídio ou tentativa de homicídio contra a pessoa de
um dos cônjuges deve criar uma invencível
incompatibilidade entre o outro cônjuge e o criminoso, que
lhe destruiu o lar e afeições, que deveriam ser muito caras.
Se esta repugnância não surge espontânea, é de supor
conivência no crime. Poderá ser ausência de sentimentos
de piedade para com o morto, ou estima para consigo
mesmo, mas em grau tão subido que, se a cumplicidade
não existiu, houve a aprovação do crime, igualmente
imoral. E, nesta hipótese, a lei não ferirá um inocente, quer
haja co- delinqüência, quer simples aprovação do ato
criminoso.119
BEVILÁQUA, que flagrantemente demonstra sua
repulsa aos casos impedidos em virtude de crime, foi autor do projeto que
deu origem ao Código Civil de 1916. Portanto, mais do que natural sua
posição favorável ao impedimento.120 Entretanto, tal código é o mesmo
que incluiu a ressalva que permitia o casamento de menores a fim evitar a
117 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 04-05. 118 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 269. 119 BEVILÁQUA, Clóvis. Apud DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 75. 120 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p.184-185.
43
imposição ou o cumprimento da pena criminal (CC/16 art. 240). Tem-se,
portanto, contrariedade e uma incoerência em relação aos pesos e
medidas dados as questões de moralidade.
Ainda, o C.C. traz causas que suspendem o Direito ao
casamento:
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido,
enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der
partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo
da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada
ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes,
ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa
tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Anteriormente chamadas de Impedimentos
Impedientes ou proibitórios (CC/16, art. 183, XIII, XVI), as causas suspensivas
são “determinadas circunstâncias pessoais, de caráter temporário, que
não impedem propriamente o casamento, enquanto não vencidos os
óbices ou na pendência de autorização judicial.” 121
LAMARTINE E MUNIZ afirmam que tais causas são
“relevantes como proibições de celebração do casamento, mas, se o
casamento vier a celebrar-se, não o tornam nulo ou anulável.” 122
121 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 51-52. 122 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 206.
44
Assim sendo, por não ter o mesmo poder de restrição
que os impedimentos, as causas suspensivas podem ser superadas.
No caso da viúva que possuir filho com falecido, esta
está impedida de casar caso não tenha sido realizado, ainda, o inventário
dos bens e a partilha aos herdeiros. Em caso de celebração, o novo
casamento terá como regime o da separação, sem a comunhão dos
aqüestos123 e será promovida hipoteca legal dos bens imóveis da viúva
em favor dos filhos.124 Entretanto, tal suspensão pode ser sanada se
comprovado não haver bens a inventariar, vez que tal previsão jurídica
visa proteger o direito dos filhos aos bens de seu pai.125
Já no caso previsto no inciso II do artigo 1.523, a
intenção do legislador é evitar a confusão de sangue (turbatio sanguinis).
Uma vez que a viúva, caso dê a luz a um filho, este pode ser filho do
falecido ou do novo cônjuge. Em razão disso, é proibido o casamento
neste caso. Entretanto, caso a viúva tenha um filho neste período, este
será, presumidamente, filho do falecido, por força do artigo 1.598 do
mesmo diploma legal.126
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido
o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair
novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do
primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a
contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o
nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o
prazo a que se refere o inciso I do art. 1597.
123 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 53. 124 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 76. 125 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p. 59; RT-Revista dos Tribunais, 141/609 – 158/797. 126 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 76-77.
45
Esta causa suspensiva pode ser afastada também pela
comprovação de inexistência de gravidez, vez que, novamente, a
intenção do legislador era o de proteger o direito do menor.127
Há ainda a suspensão do casamento no caso de não
ter sido, ainda, homologada ou decidida a partilha de bens do casal,
visando, portanto, evitar a confusão patrimonial das sociedades
conjugais.128
E por ultimo, é causa suspensiva do casamento o fato
de não ter cessado a tutela ou curatela quando do casamento do
tutelado ou curatelado com seu tutor ou curador, respectivamente e
enquanto não estiverem saldadas as respectivas contas. Nesta causa
ainda inclui-se os descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados e
sobrinhos. OLIVEIRA afirma que esta “proteção direciona-se aos menores
ou incapazes que possuam bens suscetíveis de eventual cobiça dos seus
representantes legais”.129
Além destes casos expressos no C.C., há ainda aqueles
previstos em legislações específicas, que determinam a necessidade de
autorização de terceiros para casar. Cita-se, a título de exemplo, o caso
dos militares da ativa e os da reserva convocados, que só poderão casar
com a autorização de seu superior130
2.2.3 Da prévia habilitação
127 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 52. 128 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 77. 129 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 52. 130 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 79.
46
Conforme anotado anteriormente, o casamento
pressupõe, primeiramente, que se faça a habilitação, nos moldes dos
artigos 1.525 a 1.532 do atual C.C..
Sobre a habilitação matrimonial, OLIVEIRA ensina que
“constitui providencia preliminar do casamento civil, para verificação da
inexistência de impedimentos.” 131
Determina, portanto, o artigo 1.525 do C.C.:
Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento
será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou,
a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os
seguintes documentos:
I - certidão de nascimento ou documento equivalente;
II - autorização por escrito das pessoas sob cuja
dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;
III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou
não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir
impedimento que os iniba de casar;
IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;
V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença
declaratória de nulidade ou de anulação de casamento,
transitada em julgado, ou do registro da sentença de
divórcio.
Conforme se observa no supracitado artigo, a vasta
gama de documentos solicitados demonstra o grau de formalidade que
possui o casamento.132
Após apresentado o requerimento ao Oficial do
Registro Civil, acompanhado dos documentos legais solicitados, será
131 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 53. 132 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 86.
47
realizada audiência com o Ministério Público e após, homologado pelo
Juiz, tudo conforme o art. 1.526 do C.C.:
Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial do
Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será
homologada pelo juiz.
Devidamente solucionadas as etapas anteriores, o
oficial “extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas
circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e,
obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver”, conforme o
art. 1.527 do mesmo diploma legal.
Tal edital serve para oportunizar a sociedade
apresentar impedimentos ou causas suspensivas, assim como suas provas.
Concluído este período e nada tendo sido apresentado, o Oficial do
Registro Civil extrairá o certificado de habilitação, válido por 90 dias a
contar desta data. 133
2.2.4 Da celebração do casamento
Devidamente habilitados, os cônjuges então devem
celebrar o casamento. Quando se fala que tal instituto é solene e formal é
porque o Legislador disponibilizou um capítulo inteiro do C.C. para tratar
da Celebração do mesmo. Os artigos 1.533 a 1.542 especificam como
deve ser a cerimônia e todos os demais requisitos.134
Sobre o tema, OLIVEIRA faz interessante resumo sobre o
tema:
133 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 94; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 54. 134 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 98.
48
Sem grandes alterações com relação ao Código Civil de
1916 (arts. 192 a 201), o NOVO CÓDIGO CIVIL cuida da
celebração nos arts. 1.533 a 1.542, com indicação das
formalidades: realização na casa das audiências (cartório),
ou em edifício particular, a portas abertas, sob a
presidência da autoridade (juiz de casamentos, ou juiz de
paz), presentes os contraentes (por si ou por procurador
com poderes especiais) e duas testemunhas, ou quatro, se
um dos contraentes não puder ou não souber assinar.
Ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar
por livre e espontânea vontade, o celebrante declarará
efetuado o casamento com as palavras rituais de praxe. 135
Após, será lavrado o assento no livro dos casamentos.
Novamente, o código atribui formalidades que devem ser respeitadas e
estas se encontram elencadas no art. 1.536 do C.C.:
Art. 1.536. Do casamento, logo depois de celebrado, lavrar-se-á o assento no livro de registro. No assento, assinado pelo
presidente do ato, pelos cônjuges, as testemunhas, e o
oficial do registro, serão exarados:
I - os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento,
profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges;
II - os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento ou de
morte, domicílio e residência atual dos pais;
III - o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior;
IV - a data da publicação dos proclamas e da celebração
do casamento;
V - a relação dos documentos apresentados ao oficial do
registro;
VI - o prenome, sobrenome, profissão, domicílio e residência
atual das testemunhas;
VII - o regime do casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura
135 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 54-55.
49
antenupcial, quando o regime não for o da comunhão
parcial, ou o obrigatoriamente estabelecido
Portanto, no assento deverá constar a assinatura do
presidente do ato, dos cônjuges, das testemunhas e do oficial de registro.
Constarão, ainda, informações sobre a qualificação dos cônjuges,
qualificação dos pais, qualificação das testemunhas, o regime de bens
adotados, informações acerca do nome adotado pelos cônjuges e
demais requisitos elencados no art. 1.536 do C.C..136
2.2.5 Das provas do casamento
Conforme o próprio C.C., a prova plena da ocorrência
do casamento é a certidão do registro. Tal critério é rigoroso, tanto o é
que, aquele que celebrou o casamento em outro país, deverá registrá-lo
em até 180 dias, a contar do retorno de um ou de ambos os cônjuges ao
Brasil, no cartório do domicílio do registrado ou, em sua falta, no 1º oficio
da Capital do Estado em que passaram a residir, para que este
casamento produza efeitos jurídicos no Brasil.137
Entretanto, o presente codex faz breves ressalvas,
atribuindo outras possibilidades àqueles que não mais possuem a certidão
de registro de casamento.
Primeiramente, o código aponta que é admissível
qualquer meio de prova. Tal benesse é aplicável nos casos de falta de
registro de casamento em função da perda ou extravio. Como bem
explica OLIVEIRA:
136 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 102. 137 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 102.
50
Não se trata, por obvio, da simples perda da certidão, que
há de ser substituída por segunda via, mas sim de
desaparecimento do próprio registro, seja do livro ou do
cartório onde efetuado o lançamento.138
Neste mesmo sentir, assim se manifesta AZEVEDO:
[...] desde que reste justificada a falta ou perda do registro
civil, por exemplo, em razão de uma guerra, de um
fenômeno natural ou de um incêndio, admite o legislador
que se comprove o casamento por qualquer outra espécie
de prova, inclusive testemunhal, evidenciando-se pela
posse do estado de casado. 139
Entretanto, as doutrinas e jurisprudências dominantes
afirmam que não resolve apenas a comprovação do estado de casado,
que são “pessoas efetivamente casadas, que ostentam publicamente
essa qualidade sem dispor de documento probatório” 140. Portanto, sugere
a Doutrina a apresentação dos seguintes requisitos:
• tratactus: que seria a atitude, de ambos os
cônjuges, de se tratarem em público como se marido e mulher fossem.141
• Fama: “consiste no trato afeiçoado à notoriedade,
e que levam todos a desenvolver, para com essas pessoas, as mesmas
138 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 56. 139 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p.128. 140 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 141 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57.
51
atitudes e consideração que dedicam às pessoas casadas, inspirando a
boa fé de todos”142
• Nomem: ostentação do nome do marido pela
mulher, pois, não sendo obrigatória, faz Indício de prova.143
Ainda, segundo o entendimento de alguns
doutrinadores, seria possível a utilização da comprovação more uxório nos
casos em que não mais é possível se extrair dos cônjuges sua expressão de
vontade, seja pela sua impossibilidade ou pelo seu falecimento, como
explica PEREIRA:
[...] nunca será dado considerar existente o status matrimonii
pelo fato de conviverem e coabitarem duas pessoas, e até
de terem filhos. Vale, porém, a prova da posse de estado
para sanar qualquer falha no respectivo assento. E vale,
ainda, em benefício da prole. Em principio, a posse do
estado somente pode invocar-se como prova matrimonial
em caráter de exceção. 144
Logo, a comprovação do casamento deve ir além da
mera comprovação de more uxório. Entretanto, quando houver prova de
casamento e esta apresentar incoerências ou outra falha qualquer, a
Doutrina admite que, nesses casos, a posse de estado de casado “sana
qualquer defeito de forma” 145
142 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 143 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 144 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Apud AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 133. 145 Anteprojeto de código civil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1963. In: AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 130.
52
Além deste, nos casos em que houver necessidade de
proteger o direito da prole, que nada deve comprovar, poderá ser
utilizada a mesma prova.146
Ressalta a Doutrina que nos casos em que houver vício
que invalida o casamento, não poderá ser utilizada a mera comprovação
de coabitação uma vez que tal situação não se sobrepõe aos direitos e
deveres assim garantidos em nosso ordenamento jurídico.147
2.3 UNIÃO ESTÁVEL
De todas as entidades familiares esta é sem dúvida a
que mais gera dúvidas e polêmicas, sendo, ainda, mal vista por grande
parte da população.148
2.3.1 Conceito e evolução histórica
O conceito de União Estável, apesar de próximo, não é
unânime entre os doutrinadores. Ao longo dos anos, a União Estável,
também chamada de Concubinato não adulterino ou puro149, foi sendo
recepcionada de formas diferentes pelos doutrinadores e legisladores.
Ainda com resquícios das definições clássicas de
família e casamento, Pinto Ferreira entendia que:
146 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 133. 147 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 58. 148 PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Concubinato e União Estável, 2001, p. 01-02; AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 268. 149 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 73-74.
53
[...] constitui União Estável a união prolongada do homem
com a mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem
vínculo pelos laços de casamento, revestindo-se porém, tal
união, de algum requisito como a notoriedade, fidelidade
da mulher e continuidade de relacionamento sexual. 150
Logo, verifica-se que havia, ainda nessa época (1980),
um sentimento muito próximo do que era a família patriarcal e as primeiras
famílias monogâmicas, sendo a fidelidade obrigação somente do sexo
feminino.
Já para PEREIRA união estável é:
[...] a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma
mulher, não-adulterina e não-incestuosa, com estabilidade
e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não,
constituindo família sem o vínculo do casamento civil. 151
Portanto, tem-se que a união estável é uma relação
afetiva próxima ao casamento, não sofrendo, porém, suas restrições
formais, mas ainda, mantendo certos requisitos em comum.152
2.3.2 Regulamentação da união estável antes do código civil de 2002.
Durante muito tempo, antes da promulgação da
CF/88, a união estável não possuía qualquer reconhecimento por parte do
150 FERREIRA, Pinto. Investigação de Paternidade, Concubinato e Alimentos. 1980, p. 113. 151 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 29. 152 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 368-369; AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 270.
54
ordenamento jurídico pátrio. Aliás, as poucas referências a sua existência
eram para atribuir restrições.153
Inicialmente, a União Estável passou a ser considerada
pela doutrina e pela jurisprudência. 154 Somente ganhou reconhecimento
legislativo com a promulgação da CF/88, sendo, portanto, incluída no
artigo 226, destinado a família e considerada como entidade familiar.155
Entretanto, não havia no Código Civil de 1916
dispositivos que regulamentassem a União Estável, sendo necessário,
portanto, que uma nova Lei infraconstitucional definisse seus parâmetros e
delimitações.156
Por esta razão, em 29 de dezembro de 1994, foi
promulgada a Lei 8.971, que regula o direito dos companheiros a
alimentos e à sucessão. Em seus artigos, esta Lei delimitava que “a
situação de companheiros, para fins dos direitos decorrentes da união
estável, à situação de convivência entre homem e mulher, solteiros,
separados judicialmente, divorciados, ou viúvos, por mais de cinco anos,
ou com prole dessa união.” 157
Ocorre que a supracitada Lei não tornou mais clara a
situação dos companheiros, visto que se limitou a conceituá-la e atribuir
direitos de alimentos e sucessão. Possuindo apenas 5 artigos, a Lei 8.971
153 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 74-75 e 87; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 97. 154 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 76 155 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 268. 156 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 540-541; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 74. 157 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 89.
55
deixou de esclarecer outras situações, como por exemplo, como seria
facilitada a conversão de União Estável em Casamento.158 Além disso,
atribuiu requisitos que não mereciam guarida, como o de prazo mínimo de
convivência, uma vez que a CF/88 não faz, em qualquer momento, essa
restrição. 159
Além disso, parte da doutrina faz críticas ferrenhas ao
texto legal, afirmando conter não só equívocos de escrita como de
técnica legislativa.160
Visando dar maior valor a União Estável, o Legislador,
menos de dois anos após a edição da supracitada Lei, promulgou novo
texto legal, Lei 9.278, de 10 de maio de 1996.
Seria de se esperar, portanto, que tal Lei viria de forma
definitiva salvaguardar os direitos dos companheiros e findar as dúvidas
sobre o instituto da União Estável. Entretanto, a Lei 9.278/96, foi publicada
com apenas 11 artigos, sendo que 3 deles foram vetados, não
satisfazendo as necessidades da sociedade. 161
Como conceito de União Estável, assim determinou o
legislador na Lei 9.278/96:
Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma
158 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 90. 159 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 91; 159 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 69-71,108. 160 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, 2002, p. 326; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 92. 161 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 96.
56
mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família.
Apesar de apresentar tal estrutura como entidade
familiar, fica evidente tratar-se do instituto da união estável, ainda que
tenha sido omitido o termo vislumbrado na CF/88. 162
Cita-se ainda que tal definição afastou os
impedimentos a que estavam sujeitos os companheiros na legislação
anterior. Não há mais a previsão legal de que tal união deveria ser única e
desimpedida.
Entretanto, a doutrina afirma que ‘Essa omissão no
texto, porém, não significa a aceitação de uniões múltiplas, uma vez que
o conceito de entidade familiar é restrito à união de “um homem e uma
mulher”.163
Além disso, a supracitada Lei define que:
Art. 2° São direitos e deveres iguais dos conviventes:
I - respeito e consideração mútuos;
II - assistência moral e material recíproca;
III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
Portanto, levando-se em conta o dever de respeito e
consideração mútuos, não seriam admitidas, em tese, as uniões múltiplas.
162 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 97; 162 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 112. 163 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 97; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 112.
57
Não obstante, a nova Lei sugeriu nova definição para
“companheiros”, utilizando o termo “conviventes”. Segundo PEREIRA “Não
há nenhuma explicação lógica ou fundamentação legal para tal
mudança. Talvez um simples capricho do Legislador.”164
Continuavam, portanto, havendo inúmeras brechas,
não sendo possível, pela Lei 8.971 ou pela Lei 9.278, resguardar todos os
direitos dos companheiros.
2.3.3 A união estável no código civil de 2002
Finalmente, em 2002, surgiu o Atual Código Civil, que
revogou, em parte, as matérias tratadas nas duas leis supracitadas. Além
disso, considerou a União Estável como sendo pertencente ao Direito de
Família, inserindo-a no Livro IV, Do Direito de Família.165
Sobre a definição de União Estável, o legislador optou
por novamente citar o termo união estável e reafirmar os impedimentos a
que ela esta sujeita.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência
do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada
de fato ou judicialmente.
164 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 69. 165 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 545; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 114.
58
Em um primeiro momento, se observa que o legislador
não determinou um prazo mínimo a ser comprovado, ficando o
reconhecimento da união estável sujeita conforme se apresentar o caso
concreto.166
Ainda, determinou que esta união deveria gozar de
publicidade, sendo notória, e que procurasse constituir família.
Além disso, o Atual Código Civil atribuiu,
expressamente, o regime que deverá ser adotado pelos companheiros:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que
couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Portanto, ainda que de forma sucinta, o C.C. atribui o
regime patrimonial a ser utilizado pelos companheiros, preenchendo esta
lacuna que, anteriormente, ficava livre ao critério da jurisprudência.
2.3.4 Requisitos para a caracterização da união estável
Conforme o art. 1.723 do C.C. e a doutrina, verifica-se
a necessidade de comprovar certos requisitos para o reconhecimento da
união estável.
Segundo VELLOSO, para que exista a caracterização
da união estável, é necessário haver:
166 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 545
59
[...] a sucessão de fatos e eventos, a permanência do
relacionamento, a continuidade do envolvimento, a
convivência more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de
fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico,
definem a situação.167
Elencam-se como pressupostos subjetivos: convivência
more uxório e a affectio maritalis. Já como objetivos: a diversidade de
sexos, a notoriedade, a estabilidade, a continuidade, a inexistência de
impedimentos matrimoniais e a relação monogâmica. 168
2.3.4.1 Pressupostos subjetivos
I.convivência more uxório
É a convivência como se marido e mulher fossem. Ou
seja, que se assemelha àqueles que são, de fato, casados.
Segundo PEDROTTI:
[...] com aparência de casados – more uxório - . Uxor quer
dizer esposa, mulher no casamento legítimo. Mos significa
modo, maneira. More uxório: À sua maneira, tal como
mulher em relação ao marido.169
Portanto, ainda que não sejam casados, é pressuposto
para o reconhecimento da união estável que assim pareçam, pois este é
“fator de demonstração inequívoca da constituição de uma família”.170
167 VELOSO, Zeno, Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 548. 168 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 549. 169 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato-União Estável. 4ª edição, São Paulo: Editora Universitária de Direito. 1999, p. 7. 170 VELOSO, Zeno. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 549.
60
II. affectio maritalis
É o ânimo ou objetivo de constituir família. Este
pressuposto é extremamente subjetivo. O animus deve estar
flagrantemente esposado.171
Com o intuito de comprovar a affectio maritalis,
OLIVEIRA enquadra como provas:
[...] a assistência emocional recíproca entre os conviventes,
a colaboração nas empreitas comuns, o esforço no mútuo
sustento, o compartilhar de mesa e leito, aqui se chegando
à prazerosa entrega sexual em clima de carinho, atenção e
gestos de amor, indispensáveis ao desenvolvimento digno
da personalidade e do caráter das pessoas e à realização
do sonho de uma feliz comunhão de vida.172
Ainda, sobre tal pressuposto, assim se manifesta
GONÇALVES:
Não se configuram união estável, com efeito, os encontros
amorosos, as viagens realizadas a dois ou o
comparecimento juntos a festas, jantares, recepções etc.,
se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma
família.173
Portanto, se torna difícil a comprovação da união
estável justamente por ser entidade familiar formada pela ausência de
formalidades, ficando então, sujeita a analise de cada caso concreto e
de acordo com os elementos constantes e comprovados nos autos.
171 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 551. 172 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 135. 173 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 551.
61
2.3.4.2 Pressupostos objetivos
I. diversidade de sexos
O texto da CF determina que a união estável é
formada pelo homem e pela mulher. Portanto, evidente a necessidade de
diversidade de sexos para a configuração da união estável.
GONÇALVES afirma que:
Por se tratar de modo de constituição de família que se
assemelha ao casamento, apenas com a diferença de não
exigir a formalidade da celebração, a união estável só
pode decorrer de relacionamento entre pessoas de sexo
diferente.174
Em tempo, cabe salientar que este tema será
trabalhado com maior amplitude no Capítulo 3, item 3.2.
II. notoriedade
Sobre a notoriedade, ensina PEREIRA que:
Há situações de aparente incompatibilidade, em que
conhecimento ou divulgação faz-se dentro de um círculo
restrito de amigos e pessoas da íntima relação de ambos.
Entretanto, não é também elemento essencial para a
caracterização do instituto e poderá perfeitamente, em
caso de necessidade, ser provada a relação por
174 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 552.
62
testemunhos de pessoas do circulo mais restrito e intimo de
amizade.175
Portanto, ainda que seja necessário comprovar a
publicidade e notoriedade da relação, esta não precisa ter um âmbito
geral, podendo ser comprovada que a união era de conhecimento de
um círculo restrito de amigos, parentes ou vizinhos.
III. estabilidade
O pressuposto de estabilidade, ou duração
prolongada, surgiu quando o legislador atribui prazo mínimo para sua
comprovação, que era de 5 anos, conforme a Lei 8.971/94.
Com a ausência de prazo legal, conforme o art. 1.723
do C.C., este pressuposto limitou-se a exigir a comprovação especifica no
caso concreto e também, se utilizando do prazo de 5 anos como
referência.
Neste sentir, PEREIRA aduz que:
Mesmo com essa revogação, o costume, já consagrado,
servirá como referencial à caracterização dessas uniões, ou
seja, o prazo de mais ou menos cinco anos será sempre um
referencial, ainda que subjetivo [...] não poderá ser jamais
elemento determinante.176
Portanto, sem existir um limite legal, é possível a
comprovação de união estável, tenha ela durado 1 ano ou 10 anos,
175 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 31.[sem grifo no original] 176 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 33.
63
desde que os elementos trazidos ao processo faça transparecer os demais
pressupostos.
IV. continuidade
Ao contrário do casamento, em que é notório seu
início e seu fim, a união estável não possui marcos temporais. Por isso, ela
deve ser contínua, sem interrupções.
Nesta mesma esteira, GONÇALVES afirma que:
Diferente do casamento, em que o vínculo conjugal é
formalmente documentado, a união estável é um fato
jurídico, uma conduta, um relacionamento. A sua solidez é
atestada pelo caráter continuo do relacionamento.177
Este pressuposto visa garantir a segurança jurídica,
impedindo que terceiros sejam lesados por esta instabilidade.
V. inexistência de impedimentos matrimoniais
Assim como tratado no item 2.2.2, a união estável
também sofre os impedimentos constantes no art. 1.521 do C.C.
Portanto, excetuando o impedimento de casamento
(caso esteja separado de fato ou judicialmente) será aplicada a união
estável os mesmos impedimentos a que está sujeito o casamento.178
VI. relação monogâmica
177 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 552. 178 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 138.
64
Assim como já tratado no rol de princípios do Direito de
Família (Cap1, 1.4), a monogamia é tida como base do casamento e é
estendida a união estável os seus efeitos.
Portanto, afastada a possibilidade de haver a
configuração da união estável quando já houver a configuração de outra
entidade familiar.179
Cabe ressaltar que este tema será mais bem estudado
quando tratarmos do concubinato e da possibilidade de reconhecimento
de famílias paralelas.
2.4 FAMÍLIA MONOPARENTAL
Se o instituo da União Estável é o mais controverso, o
da Família Monoparental é o mais desprovido de proteção do Estado.
Consta, no § 4º do art. 226 da CF/88, que:
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
Portanto, familiar monoparental é aquela formada por
um dos pais, seja ele solteiro, separado, divorciado ou viúvo, e seus filhos.
179 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 558.
65
Para LEITE, a família monoparental se configura
“quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem
cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças.” 180
Sobre o tema, coleciona-se o seguinte ensinamento:
Abandonando o texto constitucional a secular e exclusiva
proteção da família tida como instituição apenas
constituída pelo casamento, dirigindo sua tutela
individualizada a cada membro do grupo, sob o amparo,
sobretudo, do princípio da dignidade, eis que elegeu a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes à categoria de entidade familiar, conferindo-
lhe prestígio idêntico àquelas originadas pelo casamento e
pela união estável, conforme se depreende do art. 226 da
Constituição Federal em vigor. A esse grupo dá-se a
denominação de família monoparental ou unilinear,
expressão usada inicialmente na França, inobstante a
Inglaterra já lhe dedicar atenção especial desde a década
de 60, denominando-o de lone-parents families.181
Nesta mesma esteira, Viana afirma que:
Pese embora o inconformismo, o fato incontestável ao qual
se rendeu nossa Constituição, é que ao lado do casamento
constituíram-se outras entidades familiares, avultando das
estatísticas o número de mulheres e homens sem par,
criando isoladamente seus filhos.(...) A monoparentalidade é, em verdade, antítese real da família natural, mas que
clamava respaldo jurídico justamente para proteção dos
filhos expostos a toda série de discriminações nas relações
180 LEITE, Eduardo de Oliveira. Apud CHANAN, As Entidades Familiares na Constituição Federal, junho/julho 2007, p. 61. 181 BRAVO, Maria Celina; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. As entidades familiares na Constituição . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2665>. Acesso em: 27 out. 2008.[sem grifo no original]
66
públicas e privadas, ditadas pelo moralismo cristão
casamentário.182
Apesar de tratar com certo repúdio a instituição da
monoparentalidade, o doutrinador admitiu que havia um clamor popular
para que fosse reconhecido e resguardado tal instituto.
Em relação as famílias monoparentais, DIAS assim se
manifesta:
A Constituição Federal de 1988 alargou o conceito de
família, passando a integrá-lo as relações monoparentais:
de um pai com os seus filhos. Esse redimensionamento,
calcado na realidade que se impôs, acabou afastando da
idéia de família o pressuposto de casamento. Para sua
configuração, deixou de ser exigida a necessidade de
existência de um par, o que, conseqüentemente, subtrai de
sua finalidade a proliferação. 183
Entretanto, tal entidade ficou especificada apenas na
Constituição, não sendo mencionada, diretamente por outras legislações.
No C.C. não há qualquer artigo que conceitue ou atribua direitos e
deveres as famílias monoparentais.
Apesar deste abandono, se faz importante frisar que a
família monoparental, em função da sua própria natureza, é entidade
familiar que necessita do apoio e amparo do Estado. O rol de situações
vividas por estas famílias é extenso, citando, a título de exemplo, o direito
182 VIANA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (orgs.). Temas atuais de direito civil na constituição federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pags.31-32. [sem grifo no original] 183 DIAS, Maria Berenice. As famílias e seus direitos. Disponível em www.mariaberenicedias.com.br. Acesso em 30 de outubro de 2008. [sem grifo no original].
67
de pensão alimentícia, direito de guarda e de visita bem como os demais
problemas de ordem econômica.184
Coleciona-se ainda, o ensinamento de DIAS:
As famílias modernas ou contemporâneas constituem-se em
um núcleo evoluído a partir do desgastado modelo clássico,
matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado
e heterossexual, centralizador de prole numerosa que
conferia status ao casal. Neste seu remanescente, que opta
por prole reduzida, os papéis se sobrepõem, se alternam, se
confundem ou mesmo se invertem, com modelos também algo confusos, em que a autoridade parental se apresenta
não raro diluída ou quase ausente. Com a constante
dilatação das expectativas de vida, passa a ser
multigeracional, fator que diversifica e dinamiza as relações
entre os membros.185
Portanto, desprovido dos preconceitos, a família
monoparental deve gozar dos mesmos direitos que o casamento ou que a união
estável, vez que é protegida, em igual grau, pela Constituição da República,
devendo o Legislador atribuir, de forma clara e expressa, seus direitos e deveres.
184 CHANAN, As Entidades Familiares na Constituição Federal, junho/julho 2007, p. 62. 185 DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter) secções do afeto e da lei. Disponível em < http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Maria_berenice/familia.pdf>. Acesso em: 27 out. 2008. [sem grifo no original]