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AS SUBVENÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO
1. INTRODUÇÃO
O escopo da presente monografia é discorrer sobre os conceitos de subvenção e
seu tratamento normativo, doutrinário e jurisprudencial, a fim de propor uma interpretação
sistêmica adequada à real função do instituto que, por sua natureza metajurídica, demanda
aprofundamentos desse jaez.
Para isso, intentar-se-á proceder-se ao estudo das subvenções na legislação e
doutrina pátrias, com eventuais inserções das lições jurisprudenciais sobre o tema. Ao final, a
partir do que se propõe conceitualmente, propugna-se evidenciar o melhor entendimento para
utilização profícua dos conceitos.
2. O TRATAMENTO NORMATIVO DAS SUBVENÇÕES
As normativas federais que tratam do tema são diversas – leis gerais de natureza
financeira (Lei nº 4.320/68, Lei Complementar nº 101/00), leis específicas (leis de diretrizes
orçamentárias), decretos, instruções normativas.
2.1 – A LEI 4.320/68
A primeira normativa a ser citada é a Lei nº 4.320/68, que consigna as normas
gerais de direito financeiro a ser observadas em todos os níveis federativos1.
Com efeito, em seus arts. 12, § 3º e 16 a 192, a referida lei trata do tema de forma
tendencialmente conceitual, podendo-se extrair daqueles dispositivos os seguintes aspectos:
1 Art. 1º Esta lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços
da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o disposto no art. 5º, inciso XV,
letra b, da Constituição Federal. 2 Art. 12 (omissis)
§ 3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de
custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
I – subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural,
sem finalidade lucrativa;
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1. As subvenções dividem-se conceitualmente em sociais e econômicas.
2. As subvenções sociais destinam-se fundamentalmente à prestação de serviços
essenciais de assistência social, médica, educacional e cultural.
3. As subvenções sociais pressupõem que a atuação estatal direta seria mais
onerosa (princípio da economicidade).
4. As subvenções devem ser instrumento de atuação subdiária à ação estatal3. Esta
assertiva se fundamenta na expressão “suplementação de recursos” utilizada no caput do art.
16 e é ratificada pelo caput do art. 37 da atual LDO federal (Lei nº 12.309, de 9 de agosto de
2010).
Todavia, deve-se considerar que o conceito de subvenção é amplo, de sorte que o
Estado poderá subvencionar mesmo entidades integrantes de sua estrutura, ainda que de
natureza jurídica privada. É o caso, por exemplo, das fundações de direito privado integrantes
da Administração Indireta. Este, aliás, é o sentido primordial do conceito de subvenções
econômicas, previsto no art. 18. Tal amplitude conceitual está na base da complexidade de
tratamento e compreensão do tema.
5. O valor destinado às subvenções sociais deverá ser calculado com base em
unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados,
obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados – ou seja, deve ser
submetido a uma avaliação qualitativa (obediência a padrões mínimos de eficiência) e
quantitativa (definição de unidades de serviços) para sua definição. Tal diretriz poderá não ser
II – subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial,
agrícola ou pastoril.
.rt. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras a concessão de subvenções sociais visará a
prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de
recursos de origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais econômica.
Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será calculado com base em unidades de serviços
efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados obedecidos os padrões mínimos de eficiência
previamente fixados.
Art. 17. Somente à instituição cujas condições de funcionamento forem julgadas satisfatórias pelos órgãos
oficiais de fiscalização serão concedidas subvenções.
II) Das Subvenções Econômicas
Art. 18. A cobertura dos déficits de manutenção das empresas públicas, de natureza autárquica ou não, far-se-á
mediante subvenções econômicas expressamente incluídas nas despesas correntes do orçamento da União, do
Estado, do Município ou do Distrito Federal.
Parágrafo único. Consideram-se, igualmente, como subvenções econômicas:
a) as dotações destinadas a cobrir a diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda, pelo Governo,
de gêneros alimentícios ou outros materiais;
b) as dotações destinadas ao pagamento de bonificações a produtores de determinados gêneros ou materiais.
Art. 19. A Lei de Orçamento não consignará ajuda financeira, a qualquer título, a empresa de fins lucrativos,
salvo quando se tratar de subvenções cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial.
3 Cf. J.Teixeira Machado Jr., Heraldo da Costa Reis, “A Lei 4.320 Comentada”, 26ª edição, IBAM, 1995, p. 53
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utilizada (ou seja, o valor poderá ser desvinculado dessas referências), desde que existam
motivos razoáveis, devidamente justificados.
6. A concessão de subvenções sociais está sujeita a prévia análise de mérito da
instituição beneficiária.
7. As subvenções econômicas, à luz da Lei nº 4.320/68, têm eminente função de
controle/fomento econômico (fomento às empresas estatais ou intervenção direta na
economia).
8. Todavia, veda-se a concessão de subvenções econômicas a empresas privadas
(com fins lucrativos, portanto), ressalvadas as hipóteses de concessão legal (lei especial). Esta
norma, ver-se-á mais adiante, foi reforçada pela LRF.
9. Há ainda a norma constante do art. 33, d, que veda emendas a projeto de lei
orçamentária que visem a conceder dotação superior aos quantitativos previamente fixados
em resolução do Poder Legislativo para concessão de auxílios e subvenções. Trata-se de
norma de restrição no gasto com tais espécies de despesas.
José Roberto Oliveira Pimenta sugere, ainda, como caracteres comuns das
subvenções4:
a) a necessidade de prévia base orçamentária legal – trata-se de elemento ínsito
ao conceito legal de subvenção, que a vincula à lei orçamentária, diferentemente das
contribuições correntes, que são previstas em leis especiais;
b) a não lucratividade (o seu valor não poderá superar custo da atividade objeto
do fomento);
c) em sede de intervenção estatal sobre o domínio econômico, a inadmissibilidade
de utilizá-las como mera forma de afetar o princípio da livre concorrência (art. 170, IV, CF
88)
2.2 – AS LEIS DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS
As leis de diretrizes orçamentárias da União e do Estado de Pernambuco
comumente consignam disposições específicas denominadas “Das Transferências para o Setor
Privado” onde dispõem sobre as subvenções5.
4 in “Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros
Editores, 2006, p. 536.
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5
Lei nº 12.309, de 9 de agosto de 2010 – dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei
Orçamentária de 2011 e dá outras providências. “Seção III -Das Transferências para o Setor Privado
Subseção I - “Das Subvenções Sociais
Art. 32. A transferência de recursos a título de subvenções sociais, nos termos do art. 16 da Lei no 4.320, de
1964, atenderá as entidades privadas sem fins lucrativos que exerçam atividades de natureza continuada nas
áreas de assistência social, saúde e educação, prestem atendimento direto ao público e tenham certificação de
entidade beneficente de assistência social nos termos da legislação vigente.
Subseção II - Das Subvenções Econômicas
Art. 33. (VETADO)
(...)
Subseção V - Das Disposições Gerais
Art. 37. Sem prejuízo das disposições contidas nos arts. 32, 34, 35 e 36 desta Lei, a transferência de recursos
prevista na Lei nº 4.320, de 1964, a entidade privada sem fins lucrativos, nos termos do disposto no § 3o do art.
12 da Lei no 9.532, de 1997, dependerá da justificação pelo órgão concedente de que a entidade complementa de
forma adequada os serviços já prestados diretamente pelo setor público e ainda de:
I - omissis;
II - identificação do beneficiário e do valor transferido no respectivo convênio ou instrumento congênere;
III - execução na modalidade de aplicação 50 - entidade privada sem fins lucrativos;
IV - compromisso da entidade beneficiada de disponibilizar ao cidadão, por meio da internet ou, na sua falta,
em sua sede, consulta ao extrato do convênio ou outro instrumento utilizado, contendo, pelo menos, o objeto, a
finalidade e o detalhamento da aplicação dos recursos;
V - apresentação da prestação de contas de recursos anteriormente recebidos, nos prazos e condições fixados na
legislação, inexistência de prestação de contas rejeitada e pendência de aprovação de no máximo duas
prestações;
VI - publicação, pelo Poder respectivo, de normas a serem observadas na concessão de subvenções sociais,
auxílios e contribuições correntes, que definam, entre outros aspectos, critérios objetivos de habilitação e seleção
das entidades beneficiárias e de alocação de recursos e prazo do benefício, prevendo-se, ainda, cláusula de
reversão no caso de desvio de finalidade;
VII - comprovação pela entidade da regularidade do mandato de sua diretoria, além da comprovação da atividade
regular nos últimos 3 (três) anos, por meio de:
a) (VETADO); ou
b) declaração de funcionamento regular da entidade beneficiária, inclusive com inscrição no CNPJ, emitida no
exercício de 2011 por 3 (três) autoridades locais sob as penas da lei;
VIII - cláusula de reversão patrimonial, válida até a depreciação integral do bem ou a amortização do
investimento, constituindo garantia real em favor do concedente em montante equivalente aos recursos de capital
destinados à entidade, cuja execução ocorrerá caso se verifique desvio de finalidade ou aplicação irregular dos
recursos;
IX - manifestação prévia e expressa do setor técnico e da assessoria jurídica do órgão concedente sobre a
adequação dos convênios e instrumentos congêneres às normas afetas à matéria;
X - manutenção de escrituração contábil regular; e
XI - apresentação pela entidade de certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos
relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e à dívida ativa da União,
certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e de regularidade em face do
Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal – CADIN.
§ 1o A determinação contida no inciso I do caput deste artigo não se aplica aos recursos alocados para
programas habitacionais, conforme previsão em legislação específica, em ações voltadas a viabilizar o acesso à
moradia, bem como na elevação de padrões de habitabilidade e de qualidade de vida de famílias de baixa renda
que vivem em localidades urbanas e rurais.
§ 2o A exigência constante do inciso III do caput deste artigo não se aplica quando a transferência dos
recursos ocorrer por intermédio de fundos estaduais, do Distrito Federal e municipais, nos termos da legislação
pertinente.
§ 3o A destinação de recursos a entidade privada não será permitida nos casos em que agente político de
Poder ou do Ministério Público, tanto quanto dirigente de órgão ou entidade da administração pública, de
qualquer esfera governamental, ou respectivo cônjuge ou companheiro, bem como parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o segundo grau, seja integrante de seu quadro dirigente, ressalvados os casos em
que a nomeação decorra de previsão legal ou que sejam beneficiados:
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Através desta lei, a União instituiu, no ano corrente, algumas normas que
merecem destaque acerca do tema, a saber:
1. Remete à legislação tributária (Lei nº 9.532/97 – art. 12, § 3º) a definição do
que é uma entidade sem fins lucrativos: “a que não apresente superávit em suas contas ou,
caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à
manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.”
Observe-se que o conceito legal (entidade sem fins lucrativos) diverge do conceito
consagrado no Código Civil vigente (que menciona instituições sem fins econômicos), no que
andou bem, pois a interpretação do dispositivo civil tem rendido discussões acerca das
atividades econômicas dessas instituições.
a) o Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS, o Conselho Nacional de Secretarias
Municipais da Saúde – CONASEMS e o Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED;
b) as associações de entes federativos, limitada a aplicação dos recursos à capacitação e ao treinamento de
pessoal dos associados; ou
c) os serviços sociais autônomos destinatários de contribuições dos empregadores incidentes sobre a folha
de salários.
§ 4o O disposto nos incisos VII, X e XI do caput deste artigo não se aplica às entidades beneficiárias de
que trata o inciso VII do art. 36 desta Lei.
§ 5o Os Poderes e o MPU divulgarão e manterão atualizada na internet relação das entidades privadas
beneficiadas nos termos dos arts. 32, 34, 35 e 36, desta Lei, contendo, pelo menos:
I - nome e CNPJ;
II - nome, função e CPF dos dirigentes;
III - área de atuação;
IV - endereço da sede;
V - data, objeto, valor e número do convênio ou instrumento congênere;
VI - órgão transferidor; e
VII - valores transferidos e respectivas datas.
§ 6o Não se aplica a comprovação constante do inciso VII do caput deste artigo ao Comitê Organizador
dos Jogos Olímpicos – RIO 2016.
§ 7o As entidades qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP
poderão receber recursos oriundos de transferências previstas na Lei no 4.320, de 1964, por meio dos seguintes
instrumentos:
I - termo de parceria, caso em que deverá ser observada a legislação específica pertinente a essas
entidades, processo seletivo de ampla divulgação, não se lhes aplicando as condições constantes dos artigos 32,
34 e 36 desta Lei; e
II - convênio ou outro instrumento congênere, caso em que deverá ser observado o conjunto das
disposições legais aplicáveis à transferência de recursos para o setor privado.
§ 8o Aplica-se ao art. 33 o disposto no § 5
o deste artigo, ressalvadas disposições legais em contrário.
§ 9o Para a garantia da segurança dos beneficiários, as exigências constantes dos incisos II, IV e V do
caput deste artigo devem observar as especificidades dos programas de proteção a pessoas ameaçadas
executados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Art. 38. É facultativa a exigência de contrapartida para as transferências previstas na forma dos arts. 32,
34, 35 e 36, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. Não se exigirá contrapartida nas transferências de recursos às entidades com
certificação atualizada de entidade beneficente de assistência social nas áreas de saúde, educação e assistência
social.”
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Assim, o que pretende a legislação em tela é claramente atingir as instituições que
tenham como escopo apenas a realização dos fins sociais previstos em seus estatutos, excluída
a possibilidade de distribuição de lucros ou dividendos a seus membros; ou seja, apenas as
instituições que atendam exclusivamente a interesses de relevância social.
2. Acresce ao conceito legal, consagrado na Lei nº 4.320/68 acerca das
subvenções sociais, as seguintes características, no que concerne às instituições beneficiárias:
a) devem exercer atividades de natureza continuada;
b) devem prestar atendimento direto ao público; e
c) devem ter certificação de entidade beneficente de assistência social nos termos
da legislação vigente.
Tais características, do ponto de vista estritamente normativo, não se tornam
inerentes ao conceito de subvenção social, mas tão somente se destinam a regular aquelas
concedidas no âmbito federal.
Não obstante, ao menos as constantes dos itens “a” e “b”, supra, a despeito de não
constarem do conceito consagrado na Lei nº 4.320/68, afiguram-se como ilações lógicas a ser
atendidas em quaisquer casos de subvenções.
Isto porque não se concebe a concessão de subvenção social a instituições que não
tenham ânimo de atuação permanente, pois as instituições beneficiárias, por força da Lei nº
4.320/68 – mas também por decorrência lógica da função das subvenções, que é o de fomento
na forma de despesa corrente, em caráter supletivo - devem demonstrar sua capacidade (que
só se adquire em atividades permanentes ou com ânimo de permanência) para se tornarem
aptas ao benefício.
É importante, neste aspecto, esclarecer que as subvenções são enquadradas como
despesas correntes e, portanto, se a entidade não dispõe de condições para o atendimento de
suas finalidades precípuas, o instrumento devido de fomento estatal seria o auxílio.
Por outro lado, também é indispensável que atendam diretamente ao público, pois
é da natureza das subvenções a destinação de recursos para atendimento de interesses
socialmente relevantes e o atendimento direto ao público é consequência dessa vocação.
3 – Estabelece, em seu art. 37, II, o que pode parecer óbvio mas que tem sido
causa de frequentes questionamentos: a necessidade de firmar-se instrumento próprio,
convênio ou instrumento congênere.
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Assim, fica estabelecido que as subvenções serão consubstanciadas em
instrumentos negociais, sendo vedada a transferência direta. Tal norma traduz ideal de
transparência e formalidade, próprias dos negócios públicos.
Tal formalidade é, inclusive, reforçada pelo disposto no mesmo art. 37, em seu
inc. IX, o qual exige a “manifestação prévia e expressa do setor técnico e da assessoria
jurídica do órgão concedente sobre a adequação dos convênios e instrumentos congêneres às
normas afetas à matéria”.
No que tange à transparência, o inc. IV exige o “compromisso da entidade
beneficiada de disponibilizar ao cidadão, por meio da internet ou, na sua falta, em sua sede,
consulta ao extrato do convênio ou outro instrumento utilizado, contendo, pelo menos, o
objeto, a finalidade e o detalhamento da aplicação dos recursos”.
4- Também parece óbvio o disposto no inc. V, para a necessária “apresentação da
prestação de contas de recursos anteriormente recebidos, nos prazos e condições fixados na
legislação, inexistência de prestação de contas rejeitada e pendência de aprovação de no
máximo duas prestações”, mas o fato é que a ausência de norma dessa natureza em leis
estaduais teve o condão de fazer-se buscar na interpretação sistêmica o argumento para negar
o benefício a entidades inadimplentes.
Todavia, ainda se questionava a possibilidade de tal interpretação (que
fundamentava a denegação do benefício) por se tratar de ato ablativo de direitos;
questionamento este afastado pela consideração de que se tratava tanto de interpretação que
dava máxima efetividade a dispositivo constitucional (art. 70, parágrafo único, da CF88)
como também por ser pró-erário, fundamento hermenêutico de ponderação de interesses.
5- O dispositivo constante do inc. VI (“publicação, pelo Poder respectivo, de
normas a serem observadas na concessão de subvenções sociais, auxílios e contribuições
correntes, que definam, entre outros aspectos, critérios objetivos de habilitação e seleção das
entidades beneficiárias e de alocação de recursos e prazo do benefício, prevendo-se, ainda,
cláusula de reversão no caso de desvio de finalidade”) é importante e alvissareiro, pois
destina-se a regular, através de norma geral e abstrata (decretos ou resoluções) as condições
de habilitação e seleção das instituições beneficiárias.
Com efeito, embora a utilização das subvenções (e dos outros institutos
mencionados: auxílios e contribuições) não esteja, em tese, submetida a reserva de lei
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formal6, o fato de ser instrumento de fomento estatal, na seara das ações ampliativas,
necessariamente as coloca em condição de objeto de regulação normativa que garanta a
incidência de toda a axiologia constitucional pertinente à espécie. Vale dizer: a regulação
geral e abstrata das formas e requisitos atinentes à concessão das subvenções é condição de
constitucionalidade (aspecto normativo) e legitimidade (aspecto de atuação positiva) em sua
utilização7.
Defender-se o contrário seria alijar a atividade de fomento do arcabouço
normativo aplicável à atuação administrativa, negando-lhe o caráter de atividade
administrativa. Mais: seria conceder às subvenções uma espécie de “salvo conduto” aos
liames do Direito Público, numa clara ofensa ao Estado de Direito8.
6- O parágrafo terceiro do art. 37 contém norma de prevenção contra o nepotismo,
na esteira das edições anteriores; porém, estabelecendo exceções que se podem conceituar
como técnicas, uma vez que se destinam a preservar situações tais como nomeações
determinadas por lei ou subvenções que tenham como beneficiárias as instituições designadas
(conselhos, associações de entes federativos e serviços sociais autônomos).
7- As exigências relativas à documentação civil (comprovação pela entidade da
regularidade do mandato de sua diretoria, além da comprovação da atividade regular nos
últimos três anos), contábil (manutenção de escrituração contábil regular) e fiscal
(apresentação pela entidade de certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa
de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e à
dívida ativa da União, certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
– FGTS e de regularidade em face do Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor
Público Federal – CADIN) não se aplicam às instituições voltadas diretamente às atividades
de coleta e processamento de material reciclável, desde que constituídas sob a forma de
6 Há quem discorde dessa assertiva, asseverando, com fulcro no art. 26 da Lei Complementar Federal nº 101/00
(Lei de Responsabilidade Fiscal), que a concessão de subvenções estaria subordinada a reserva de lei formal
(autorização por lei específica). José Roberto Pimenta Oliveira (op. cit., pág. 534, nota 49) menciona o dissenso
doutrinário pátrio, informando haver autores que entendem ser o art. 26 da LRF aplicável apenas às subvenções
econômicas (Lino Pedro) e outros que não distinguem as espécies de subvenção, submetendo todas à restrição
normativa/exigência de lei autorizativa específica (Maria Sylvia Zanella di Pietro). Este assunto será abordado
mais profundamente adiante. 7 José Roberto Pimenta Oliveira afirma que “sem encontrar assento na axiologia constitucional, qualquer
fomento criado e implementado é mera prática velada ou explícita de arbítrio e de favoritismo, vedado pelo
arcabouço racionalizador do Estado de Direito.” – in “Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade
no Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros Editores, 2006, p. 520. 8 José Roberto Pimenta Oliveira esclarece que “não se pode rotulá-las como atos de liberalidade estatal, não
sendo também admissível, no atual Estado de Direito, a existência das denominadas subvenções puras, que
Garrido Falla define como outorgas graciosas, desacompanhadas de quaisquer cláusulas condicionais ou
modais.” – op, cit., p. 536.
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associações ou cooperativas integradas por pessoas em situação de risco social, na forma
prevista em regulamento do Poder Executivo. Já a exigência relativa à documentação civil
(comprovação pela entidade da regularidade do mandato de sua diretoria, além da
comprovação da atividade regular nos últimos três anos) não se aplica ao Comitê Organizador
dos Jogos Olímpicos – RIO 2016.
Tais regras isentivas são típicas das leis de diretrizes orçamentárias e destinam-se
justamente a consignar políticas fiscais e financeiras aplicáveis, com fins de fomento, a
determinados nichos de atuação considerados hipossuficientes no momento ou cujo objeto
social esteja alinhado com os interesses públicos almejados pelo planejamento estatal
consubstanciado nesta legislação.
8- O § 5º estabelece regra (manutenção, na internet, de relação de entidades
convenentes, com respectivos dados) para a Administração federal que dá efetividade ao
princípio da publicidade. Tal dispositivo já constava das últimas quatro edições da lei de
diretrizes orçamentárias da União.
9 – O § 7º, de escopo “pedagógico”, tem o condão de esclarecer o conjunto
normativo aplicável às hipóteses de relacionamento possíveis entre as OSCIP’S e o Poder
Público: termo de parceria ou convênio.
Assim, quando uma OSCIP mantém com o Poder Público um termo de parceria, é
a legislação que rege tal espécie relacional que incide na relação; ao passo que, se a relação é
estabelecida mediante convênio, incidem as normas constantes da LDO.
Questiona-se se é possível manter-se duas espécies de vínculo de fomento com a
mesma entidade, sem que isso gere dificuldades contábeis significativas.
É certo que as OSCIP’s são entidades que contemplam a mesma natureza de
qualquer outra entidade sem fins econômicos, diferenciando-se, tão-somente, pelo título que
ostentam (OSCIP é uma titulação, não uma forma jurídica, como se sabe).
E se “quem pode o mais, pode o menos” – ou seja, quem pode celebrar termo de
parceria (o “mais”) poderia celebrar também convênio (o “menos”) – não haveria problema
em que a mesma OSCIP pudesse ostentar termo de parceria e convênio com o mesmo ente
estatal, até porque cada instrumento tem escopo distinto – o termo de parceria
consubstanciaria fins de médio e longo prazo, correspondentes a seus objetivos sociais e o
convênio visaria a projetos específicos.
Assim, desde que a OSCIP cumpra os ditames legais de manejar recursos em
contas específicas, não enfrentará problemas de prestação de contas. É relevante observar que
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a forma de prestação de contas relativa aos termos de parceria é, em tese, menos exigente que
a forma atinente aos convênios, de sorte que a entidade beneficiária deverá ter isso em conta
ao celebrar instrumentos dessas naturezas de forma concomitante, com o mesmo ente
repassador.
10 – A LDO 2011 instituiu uma novidade na regulação das contrapartidas, até
então obrigatórias, ressalvados os casos de repasses a entidades de assistência social e saúde
registradas no Conselho Nacional da Assistência Social – CNAS.
O art. 38 tornou facultativa a exigência de contrapartida em qualquer das
hipóteses de transferências para o setor privado, tendo vedado tal exigência no que concerne
às transferências de recursos às entidades com certificação atualizada de entidade
beneficente de assistência social nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Tal dispositivo tornou, assim, discricionária a exigência de contrapartida,
facilitando as transferências que se destinem a custear a integralidade dos projetos por elas
contemplados.
No que tange às subvenções em seu sentido mais próprio (as destinadas às
entidades com certificação atualizada de entidade beneficente de assistência social nas áreas
de saúde, educação e assistência social), como se vê, passarão a ser integralmente custeadas
pelo Poder Público.
A consagração dessa discricionariedade merece alguma reflexão.
Há previsões normativas atinentes ao tema não apenas nas LDO’S, mas também,
em âmbito federal, no Decreto nº 6.170/07 e em Instruções Normativas (IN STN/MF nº 01/97
e Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 127/08).
A primeira instrução normativa trata dos convênios de forma geral (Ementa:
Disciplina a celebração de convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução
de projetos ou realização de eventos e dá outras providências).
A segunda estabelece normas para execução do disposto no Decreto nº 6.170, de
25 de julho de 2007 que, por sua vez, dispõe sobre as normas relativas às transferências de
recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outras providências.
Ambas as normativas remetem à LDO vigente a regulação da contrapartida910
,
donde a conclusão de que não há qualquer incongruência entre essas espécies normativas. Ou
9 IN STN/MF nº 01/97
“§ 2º A contrapartida, de responsabilidade dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, bem como das
respectivas entidades autárquicas, fundacionais ou de direito privado (empresas públicas ou sociedades de
economia mista), será estabelecida de modo compatível com a capacidade financeira do ente federativo
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seja, tais portarias admitem a hipótese de ausência de contrapartida sem qualquer esforço
interpretativo.
Já o Decreto n 6.170/07 não é tão claro a esse respeito, pois, ao contrário da
Portaria Interministerial Nº 127/08 – que utiliza a expressão “quando houver” para se referir à
contrapartida – seus termos não indiciam tal discricionariedade.
Seria o caso de resolvermos a questão pela hierarquia das normas, prevalecendo a
regra da LDO ? Ou tal redação do decreto indica o entendimento até então vigente de que a
contrapartida é a consequência lógica de uma relação de parceria ?
Há que se reconhecer que os convênios têm essa característica básica de ser
instrumentos de cooperação, em que todos os partícipes atuam em igualdade de propósitos11
.
Esta tem sido a diferença fundamental delineada pela doutrina pátria entre esses instrumentos
e os contratos administrativos.
Assim, exsurge a dúvida: poder-se-ia considerar parceria uma relação em que
apenas uma das partes aporta recursos para a consecução de seus objetivos ?
A resposta a tal questionamento não é de fácil solução e só pode ser obtida
casuisticamente.
Isto porque, em alguns casos, a despeito de uma das partes não aportar qualquer
recurso financeiro ou economicamente mensurável, ela dispõe de outros bens, tais como
expertise ou capacidade gerencial que podem ser considerados como elementos de uma
relação de parceria.
Somente a análise do objeto do convênio poderá determinar se, de fato, há uma
conjugação de esforços em prol de um objetivo comum ou não.
beneficiado, observados os limites (percentuais) e as ressalvas estabelecidos na lei federal anual de diretrizes
orçamentárias. IN STN nº 4, de 17.5.2007
§ 3º O ente federativo beneficiado deverá comprovar que os recursos referentes à contrapartida para
complementar a consecução do objeto do convênio estão devidamente assegurados, ressalvada a hipótese
prevista no inciso VII do § 1º do art. 116 da Lei nº 8.666, de 1993. IN STN nº 4, de 17.5.2007”. 10
Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU nº 127/08
“Art. 20. A contrapartida, quando houver, será calculada sobre o valor total do objeto e poderá ser atendida por
meio de recursos financeiros e de bens ou serviços, se economicamente mensuráveis.
§ 1º A contrapartida, quando financeira, deverá ser depositada na conta bancária específica do convênio ou
contrato de repasse em conformidade com os prazos estabelecidos no cronograma de desembolso.
§ 2º A contrapartida por meio de bens e serviços, quando aceita, deverá ser fundamentada pelo concedenteou
contratante e ser economicamente mensurável devendo constar do instrumento, cláusula que indique a forma de
aferição do valor correspondente em conformidade com os valores praticados no mercado ou, em caso de objetos
padronizados, com parâmetros previamente estabelecidos.
§ 3º A contrapartida, a ser aportada pelo convenente ou contratado, será calculada observados os percentuais e as
condições estabelecidas na lei federal anual de diretrizes orçamentárias.”
11 Confira-se, por todos, o capítulo referente aos convênios do livro “Parcerias na Administração Pública”, de
Maria Sylvia Zanella di Pietro, Ed. Atlas.
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Assim, ao contrário do que dispôs a LDO federal 2011, a regra deveria ser,
realmente, a exigência de contrapartida, com as exceções justificáveis.
Todavia, o legislador federal entendeu transferir para o executor do orçamento tal
decisão, de forma discricionária, o que, em princípio, propicia o aumento da “disposição” dos
recursos públicos “a fundo perdido”.
É bem verdade que a ausência de contrapartida não significa ausência de
compromisso, pois o ente beneficiário deverá demonstrar que a utilização dos recursos se deu
adequadamente, de acordo com o Plano de Trabalho aprovado.
O que ora se discute é se o custeio integral do projeto por uma das partes (Poder
Público) não ampliaria as hipóteses de malversação dos recursos públicos, na medida em que
o executor nada aporta ao projeto em termos materiais, restando-lhe apenas o esforço de
produzir o resultado almejado. A resposta a esta indagação começará a ser forjada na
execução das políticas públicas federais de 2011.
2.3 LEI COMPLEMENTAR Nº 101/00 – Lei de Responsabilidade
Fiscal.
Pela sua relevância, merecem transcrição os dispositivos da supramencionada lei
que versa especificamente sobre o tema “subvenções”:
“Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades
de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei
específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e
estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
§ 1º O disposto no caput aplica-se a toda a administração indireta, inclusive
fundações públicas e empresas estatais, exceto, no exercício de suas atribuições
precípuas, as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil.
§ 2º Compreende-se incluída a concessão de empréstimos, financiamentos e
refinanciamentos, inclusive as respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a
concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.”
(sem grifos no original)
A interpretação desse dispositivo, como já adiantado alhures, tem rendido
discussões acerca da necessidade de lei específica para a concessão de subvenções e o
significado da expressão “lei específica”.
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De fato, há diversas abordagens, a saber:
a) Há quem afirme que as restrições à concessão de subvenções se apliquem a
qualquer espécie de subvenção e que a concessão de subvenção deve ser
precedida de autorização por lei específica, entendida como lei que aprove, em
cada caso, a destinação dos recursos – cf. Maria Sylvia Zanella di Pietro12
;
b) há quem afirme só se aplicar às subvenções econômicas – Lino Pedro 13
, J.
Teixeira Machado Jr. E Heraldo da Costa Reis14
;
c) há quem entenda que a expressão “lei específica” significa qualquer lei que
crie programas que venham a utilizar-se de subvenções como instrumental ou
que, de qualquer outra forma delibere sobre o tema, de forma genérica15
.
Parece mais acertada a opção “b”. Com efeito, tendo em vista a natureza
metajurídica e equívoca da expressão “subvenção”, há que se ter em mente que o Poder
Público as utiliza em diversas frentes e não apenas como instrumento de repasse para o Setor
Privado. Assim, a Administração pode valer-se de subvenções para atender necessidades de
pessoas jurídicas integrantes de sua estrutura, por exemplo16
.
Isso significa que a utilização de subvenções nem sempre tem por escopo a
“cobertura de déficits de pessoas jurídicas”, como explicitado no art. 26 da LRF,
retrotranscrito.
12
“a) deverá ser autorizada em lei específica, ou seja, em lei que aprove, em cada caso, a destinação de recursos
às pessoas beneficiadas; o dispositivo impede que o legislador dê uma autorização genériaca ou um cheque em
branco ao Poder Executivo para fazer destinação a seu exclusivo critério” - In “Comentários à Lei de
Responsabilidade Fiscal” – Org. Ives Gandra Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento, Ed. Saraiva, São
Paulo, 2001, pp. 175-176 13
In “Comentários à Lei de Responsabilidade fiscal: Lei Complementar nº 101/2000”, p. 114 - citado por José
Roberto Pimenta Oliveira, op. Cit., p. 534/535. 14
“Artigo do mais alto significado na moralização da concessão de subvenções, devendo ser, na realidade,
combinado com o art. 17, embora este se refira expressamente às subvenções sociais, cabendo considerar a
exigência de lei especial e prévia à lei orçamentária para concessão das subvenções econômicas” - In “A Lei
3.320 Comentada”, 26ª edição, IBAM, Rio de Janeiro, 1995, p.57. Os autores comentam o art. 19 da Lei
4320/64. Há que se ressalvar, contudo, que tais comentários são anteriores à vigência da Lei de Responsabilidade
Fiscal – LC 101/00.
15 Carlos Maurício Figueiredo e outros.“Comentários à lei de responsabilidade fiscal.” São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2001. P. 173-174. 16
“A leitura atenta do art. 18 leva a crer que, ao utilizar a expressão empresas públicas, o legislador quis
generalizar, para todos os organismos que não são do Governo direto, tanto que enfatizou: empresas públicas, de
natureza autárquica ou não. Seria o caso de afirmar entidades públicas de Administração Indireta.” – Cf. J.
Teixeira Machado Jr. E Heraldo da Costa Reis, op. Cit., p. 56.
Cf. igualmente art. 12, § 2º da Lei 4320/64: “Classificam-se como Transferências Correntes as dotações para
despesas às quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para as contribuições e
subvenções destinadas a atender à manutenção de outras entidades de direito público ou privado”.
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E mesmo para entidades do setor privado, desde que sem fins lucrativos e atuantes
na área da prestação de serviços gratuitos de educação, saúde, cultura e assistência social, nem
sempre o objetivo é a alocação de recursos para suprir as necessidades dessas entidades.
Ao contrário, o escopo mais comum quando o Estado repassa recursos para essas
entidades é o estabelecimento de parceria para suplementação dos serviços. Aliás, essa
situação faz parte do próprio conceito de subvenção constante do art. 16 da Lei 4.320/64 !
Ou seja, a intenção do legislador complementar na redação do art. 26 da LRF era
impor condições restritivas ao repasse de recursos ao setor privado sempre que tal repasse
tivesse como escopo amparar tais entidades de alguma maneira. Tal amparo pode
eventualmente ser congruente com o interesse público primário, haja vista a escassez e
precariedade dos serviços, tanto públicos como privados, nas áreas próprias do âmbito
material das subvenções (educação, saúde, assistência social, cultura) – o que legitimaria o
repasse, mas não o faria prescindir das providências listadas no art. 26.
Não obstante, no campo das subvenções sociais, como antedito, o mais frequente
não é tal “amparo”, mas a parceria para a suplementação dos serviços, tanto que o próprio art.
16, parágrafo único, da Lei 4.320, estabelece sistemática de cálculo das subvenções baseada
em unidades de serviços prestados ou disponibilizados – ou seja, o que se quer é o fomento a
atividades de relevância social prestadas por pessoas privadas e, não, qualquer espécie de
“ajuda” às mesmas. É parceria com contraprestação em serviços.
Nestes casos – das subvenções sociais – a subvenção consiste em instrumento de
execução de políticas públicas na área restrita em que atuar (educação, saúde, cultura ou
assistência social) e, como tal, deve obedecer às diretrizes que o Poder respectivo determinar
– o Executivo, nomeadamente.
Não se pode, pois, conceber, à luz do princípio da separação de poderes -
mormente atentando-se para o aspecto da especialidade de cada Poder e considerando-se que
ao Executivo compete precipuamente a execução das políticas públicas - que o legislador
venha a ser chamado para atuar em cada ação do Executivo que utilize subvenções como
instrumento. Tal entendimento conflita, ademais, com a moderna compreensão do princípio
da legalidade que, em tempos pluralistas e com excesso de demandas sociais, lega ao
Legislativo funções mais sobranceiras.
Ainda que se pondere a eventual necessidade de intervenção do Legislativo como
salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos, à luz de uma interpretação de legalidade
estrita, tal raciocínio não prospera se se considera que a hodierna concepção do Estado de
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Direito contempla a noção de Estado de Juridicidade – e não mais de legalidade, pura e
simples – e que tal juridicidade pode, e deve, nestes casos, ser definida pelo Poder que tem a
competência para atuar – o Executivo – através de normas gerais e abstratas. Não é à toa que
as LDO’S federais têm contemplado dispositivo que estabelece tal dever, do Poder
respectivo17
, de normatizar as hipóteses de concessão18
.
Assim, justifica-se que o art. 26 somente se aplique às subvenções econômicas,
pois estas, por natureza, destinam-se ao amparo econômico; são instrumentos que desigualam
favoravelmente os beneficiários, de forma pontual, de sorte que se faz necessária a chancela
do Legislativo, própria do regime de freios e contrapesos.
Por outro lado, com a vênia devida, entende-se inviável a tese de que a
“autorização por lei específica” possa ser interpretada como a edição de qualquer lei que verse
sobre o tema a ser contemplado com subvenções.
Isto porque a expressão “autorização por lei específica” é geralmente utilizada
pelos legisladores em seu sentido mais literal, ou seja, para expressar chancela específica,
casuística.
Quando o legislador pretende remeter a regulamentação de qualquer tema para a
lei, utiliza-se da expressão “na forma da lei” ou congêneres.
3. O TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL DO TEMA
Não se pretende esgotar todos os aspectos abordados pela jurisprudência pátria,
mas abordar aqueles que tratem de aspectos abordados neste estudo.
O primeiro aspecto abordado pela jurisprudência diz respeito a aspectos
processuais relativos à competência de controle.
A tal respeito, observamos as seguintes decisões:
“SUBVENÇÃO SOCIAL. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. LEI Nº 4.320/64
E DEC. Nº 93.872/86. PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO APROVADA PELO
TCU.
I- Nos termos do art. 12, § 3º, da Lei nº 4.320/64, as subvenções sociais consistem
na transferência de recursos públicos para cobrir despesas de custeio de instituições
públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa.
17
Menciona-se “poder respectivo” porque, a despeito de tal atividade ser própria do Executivo, há na práxis
brasileira histórico de subvenções concedidas pelo próprio Legislativo e pelo Poder Judiciário. Contra tais
práticas, cf. Andrea Nunes, “Terceiro Setor – Controle e Fiscalização”, 2ª edição, Ed. Método, São Paulo, 2006,
p. 80. 18
Cf. inciso VI do art. 37 da LDO 2011, na nota de rodapé nº 5
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II- O recebimento de subvenções sociais submete a entidade recebedora à
comprovação de sua correta aplicação, nos moldes dos arts. 93, do Decreto-lei nº
200/67 e 66, do Decreto nº 93.872/86.
III- A opção de se utilizar a via judicial não substitui a obrigatoriedade da entidade
recebedora de subvenções sociais de prestar contas ao Tribunal de Contas da União,
mediante a apresentação de documentos hábeis a comprovar o destino das verbas,
ante o que dispõe o art. 66, § 2º, do Decreto nº 93.872/86.
IV- Apelação desprovida.” (sem grifo no original)
AC RJ 1999.51.10.758097-9 Relator(a): Juiz Federal Convocado MARCELO
PEREIRA/no afast. Relator, Julgamento: 21/09/2010 Órgão Julgador: OITAVA
TURMA ESPECIALIZADA, Publicação:E-DJF2R - Data::29/09/2010 -
Página::295/296
“ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL -
ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - DESVIO DE SUBVENÇÕES DA
UNIÃO - MATÉRIA OBJETO DE COMISSAO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO - TOMADA DE CONTAS ESPECIAL DO TCU - ÓBICES
SUMULARES - REEXAME DE MATÉRIA DE FATO.
1. Entidade de assistência social submetida à auditoria pelo Tribunal de Contas da
União, por meio de tomada de contas especial, decorrente de investigações de
Comissão Parlamentar de Inquérito.
2. Irregularidades detectadas pelo TCU, ao exemplo de ausência de notas fiscais,
infidelidade contábil, aplicação das subvenções no mercado financeiro e compra de
equipamentos para a entidade de ensino superior com dinheiro repassado pela
União.
3. Recurso especial formulado com deficiente fundamentação. Omissão em
prequestionar dispositivos federais. Fundamentos inatacados. Súmulas 282, 283 e
284/STF.
4. Acórdão fundado em tema constitucional. Súmula 126/STJ.
5. Impossibilidade de se reexaminar as conclusões do acórdão quanto às
irregularidades. Fundamento do decisório louvado em extensa apreciação da tomada
de contas especial. Súmula 7/STJ.
6. Referência, no agravo interno, a dispositivos não contidos no especial e na
decisão recorrida. Súmula 182/STJ. Agravo regimental improvido.” (sem grifo no
original)
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.018.137 - RJ (2007/0301287-8), Relator:
Ministro Humberto Martins, DJ: 24/11/2008
“APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
SUBVENÇÃO SOCIAL. FISCALIZAÇÃO. TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO. REGULARIDADE DA APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS.
ÔNUS DA PROVA. ART. 333, I , DO CPC.
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1- Diante do fato de ter recebido recursos públicos, no caso em tela, subvenção
social, a parte apelante tem o dever de prestar contas, com base nos arts. 70 e 71 da
CRFB/88 e, especificamente, nos termos do Decreto nº 93.872/86, que ao dispor
sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, regula, de forma
específica, o recebimento de subvenções em seu art. 66.
2- - Nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, caberia à
apelante demonstrar exatamente em que foram gastos os valores repassados e se
foram satisfeitas as finalidades previstas no Decreto nº 93.782/86, ou seja, através
dos documentos necessários deveria comprovar que foi feita, de maneira devida, a
aplicação das verbas recebidas pelo poder público.
3- Em que pese os argumentos lançados pela apelante, além das irregularidades
apontadas no Ofício nº 3105/97/CODIL/GTCON (utilização de parte dos recursos
em obras educacionais não previstas no Boletim de Subvenções Sociais do
Congresso Nacional e a falta de visto da autoridade pública local na prestação de
contas feita, nos termos do art. 66, § 1º, do Decreto nº 93.782/86), outras foram
apuradas ao longo da análise das contas apresentadas pela autora, que demonstram a
utilização irregular dos recursos públicos recebidos.
4- Diante do minucioso trabalho feito pelo Tribunal de Contas da União, com
base na auditoria realizada, e das conclusões lançadas no laudo pericial apresentado
em juízo, constata-se que não restou comprovada a regularidade da aplicação das
verbas públicas recebidas pela Apelante.
5- Recurso de apelação desprovido.” (sem grifo no original)
AC 199851010044797 RJ 1998.51.01.004479-7, Relator(a): Juiz Federal convocado
MARCELO PEREIRA/no afast. Relator, Julgamento: 29/09/2009, Órgão Julgador:
OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, Publicação: DJU - Data::07/10/2009 -
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De tais arestos se constata a preservação da competência constitucionalmente
atribuída aos Tribunais de Contas respectivos de processar e julgar as contas devidas por
todos quantos manejem verbas públicas, mantendo-se o Poder Judiciário alheio ao mérito das
mesmas, reservando à sua apreciação tão-somente aspectos de legalidade formal. Tais
decisões preservam o sistema constitucional de competências sem infringir o princípio de
proibição de non liquet.
Outro aspecto diz respeito ao reconhecimento da discricionariedade do Poder
Público quanto à concessão de subvenções.
“Apelação Cível. Ação de cobrança. Subvenção social. Sentença de
improcedência. Recurso voluntário da autora. Desprovimento de rigor.
Subvenção social que configura mera liberalidade, tornando-se
obrigatória apenas após sua inserção na lei orçamentária. Ausência de
norma local de caráter impositivo que permita à apelante exigir o
recurso público. Lei municipal de caráter meramente autorizativo,
restando sua aplicação sujeita a critérios de oportunidade e
conveniência da Administração. R. sentença mantida. Recurso
desprovido.”
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Apelação n. 9191729-84.2008.8.26.0000 – 6ª Câmara de Direito
Público - TJSP, Relator: Sidney Romano dos Reis, publicado em
15/06/2011.
Trata-se de ação movida por entidade contemplada por lei municipal autorizativa
de subvenção que acionou o Poder Público municipal alegando que, a partir da promulgação
da lei orçamentária, materializar-se-ia seu direito ao recebimento da verba.
A sentença julgou improcedente o pedido aludindo à natureza precária das
subvenções, as quais estariam no campo da liberalidade do Poder Público respectivo e
aduzindo que tal liberalidade somente se materializa e gera direito subjetivo a partir de sua
inclusão na lei orçamentária. Não logrando a instituição demonstrar a previsão de sua benesse
na lei orçamentária, descabida a pretensão de exigi-la da municipalidade.
O que se pode extrair da decisão supratranscrita é aquilo sobre que já se tratou
neste estudo acerca da relação subvenções vs. legalidade. Com efeito, firmou-se o
entendimento de que não seria necessário o beneplácito legislativo em todas as situações de
concessão de subvenção (social), cabendo ao Poder Executivo, em geral, a definição dessas
situações de concessão, ainda que mediante cuidados elencados nas leis de diretrizes
orçamentárias. Assim, considera-se discricionário o exercício dessa competência, própria do
Poder Executivo como executor das políticas públicas que se valem desse instrumento.
Todavia, sempre que o Legislativo definir prévia e expressamente tais
beneficiários, mediante sua inserção na lei orçamentária (hipótese frequente mediante a
interposição de “emendas parlamentares”), estará gerando direito subjetivo a favor da
entidade e restringindo, ipso facto, a discricionariedade do Poder Executivo.
Tais situações, embora comuns, suscitam questionamentos de ordem
constitucional, referentes à separação de poderes19
e à aplicação das normas tendentes à
preservação da isonomia e transparência que incidem quando da execução do orçamento
(nomeadamente as que estabelecem seleção de projetos ou motivação da escolha da entidade
beneficiária).
4. CONCLUSÕES
19
Cf. nota de rodapé 17. Naqueles casos, a concessão se dá a partir do orçamento do próprio Poder Legislativo ou Judiciário. Nestes, se faz mediante a imputação da verba orçamentária do Poder Executivo.
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4.1 – Subvenção, segundo o sistema jurídico brasileiro, consiste em uma transferência
corrente (destinação de recursos públicos para custeio da entidade) que pode ter
natureza social ou econômica.
4.2 As subvenções sociais destinam-se fundamentalmente à prestação de serviços
essenciais de assistência social, médica, educacional ou cultural por instituições sem
fins lucrativos.
4.3 As subvenções econômicas destinam-se a suprir necessidades de entidades com fins
lucrativos e, por isso, diferentemente das subvenções sociais, exigem autorização por
lei específica (art. 19 da Lei 4320/64 c/c art. 26 da LRF). Têm eminente função de
controle/fomento econômico (fomento às empresas estatais ou intervenção direta na
economia).
4.4 As subvenções destinadas a entes alheios ao corpo estatal devem ser instrumento de
atuação subdiária à ação estatal, mediante análise de economicidade.
4.5 As instituições beneficiárias devem exercer atividades de natureza continuada e
prestar atendimento direto ao público – elementos ínsitos ao conceito de subvenção.
No caso das beneficiárias de subvenções federais, deverão também ter certificação de
entidade beneficente de assistência social nos termos da legislação vigente (exigência
legal/LDO).
4.6 As subvenções deverão ser consubstanciadas em convênios ou instrumentos
congêneres, que serão objeto de apreciação pelos setores técnico e jurídico do
órgão/entidade concedente e deverão ter seus extratos publicados em meio de amplo
acesso ao público (princípios da formalidade e publicidade).
4.7 Embora não submetidas à reserva de lei formal, as subvenções deverão ser objeto de
regulação, pelo Poder respectivo, através de norma geral e abstrata.
4.8 A atual legislação federal não exige contrapartida nos convênios que instrumentalizam
subvenções; opção legislativa questionável face à condição do convênio como
instrumento de parceria.
4.9 O entendimento de que o art. 26 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de
Responsabilidade Fiscal) só se aplica às subvenções econômicas é o mais adequado,
tendo em vista o conceito nele expresso, que coincide com o conceito de subvenção
econômica (“destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades
de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas”).
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4.10 Outra razão para a interpretação do art. 26 da LRF nos termos acima é a
configuração das subvenções sociais como instrumentos de execução de políticas
públicas, afetas ao Poder Executivo (princípio da especialidade dos Poderes e da
juridicidade).
4.11 A jurisprudência pátria tem coordenado o princípio de proibição do non liquet
com a preservação da competência dos Tribunais de Contas estabelecendo que a
competência do Judiciário se adstringe à análise de legalidade formal, cabendo às
Cortes de Contas o julgamento material das contas apresentadas.
4.12 A jurisprudência reconhece a discricionariedade do Poder Executivo na
concessão de subvenções, ressalvadas as hipóteses de expressa contemplação da
entidade beneficiária na lei orçamentária.
5. BIBLIOGRAFIA
- Andrea Nunes, “Terceiro Setor – Controle e Fiscalização”, 2ª edição, Ed. Método, São
Paulo, 2006.
- Carlos Maurício Figueiredo e outros.“Comentários à lei de responsabilidade fiscal.” São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001
- Ives Gandra Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento (Org.), “Comentários à Lei de
Responsabilidade Fiscal” –Ed. Saraiva, São Paulo, 2001.
- J.Teixeira Machado Jr., Heraldo da Costa Reis, “A Lei 4.320 Comentada”, 26ª edição,
IBAM, 1995.
- José Roberto Oliveira Pimenta, “Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no
Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros Editores, 2006.
- Maria Sylvia Zanella di Pietro, “Parcerias na Administração Pública”, 2ª edição, 1997, Ed.
Atlas.