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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA
ENGENHARIA QUÍMICA
LORENA MARCÃO
Avaliação da presença de agrotóxicos em produtos derivados de leite
LORENA – SP 2015
LORENA MARCÃO
Avaliação da presença de agrotóxicos em produtos derivados de leite
Projeto de monografia apresentado à Escola de Engenharia de Lorena – Universidade de São Paulo como requisito parcial para conclusão de Graduação do curso de Engenharia Química. Orientador: João Paulo Alves Silva
LORENA – SP 2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIOCONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Automatizadoda Escola de Engenharia de Lorena,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Marcão, Lorena Avaliação da presença de agrotóxicos em produtosderivados de leite / Lorena Marcão; orientador JoãoPaulo Alves Silva. - Lorena, 2015. 58 p.
Monografia apresentada como requisito parcialpara a conclusão de Graduação do Curso de EngenhariaQuímica - Escola de Engenharia de Lorena daUniversidade de São Paulo. 2015Orientador: João Paulo Alves Silva
1. Agrotóxicos. 2. Laticínios. 3. Processamento. I.Título. II. Silva, João Paulo Alves , orient.
À minha família, que com muito carinho e
apoio, não mediu esforços para que eu conquistasse
meus objetivos.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Maria Luiza da Silva, e meu irmão, Rafael, por todo o
apoio, amor e compreensão e por todo o esforço que dedicaram para que eu
pudesse conquistar meus objetivos. Ao meu pai Ariel, por me inspirar a ser
sempre meu melhor.
Ao meu orientador João Paulo Alves Silva pelo suporte, incentivo e
tempo dedicados a esse trabalho.
Às minhas amigas Bruna Curry e Ana Karine Furtado pela paciência,
ajuda e amizade nos anos de convivência.
Aos meus amigos Fernanda Di Giaimo, Camila Fontan, Rafael Coelho,
Marcela Borges, Mariana Bazzeggio, Julia Góes, Talita Caravana e Maurício
Ornellas pelos anos de amizade, pelo apoio e carinho.
Ao meu namorado Enrico Teixeira por toda ajuda, apoio e paciência
durante a elaboração desse trabalho e pelo carinho e amizade em todos os
momentos.
À Escola de Engenharia de Lorena por todas as oportunidades
oferecidas e pelo conhecimento que me proporcionou adquirir.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação
e contribuíram para esse trabalho.
“A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar,
não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo.”
Albert Einstein
RESUMO
MARCÃO, L. Avaliação da presença de agrotóxicos em produtos derivados de leite. 2015. 32 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Engenharia Química) – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2015.
Devido à importância dos laticínios na economia e na dieta da população
brasileira e à periculosidade da exposição excessiva a agrotóxicos à saúde, este
trabalho tem por objetivo demonstrar a relevância do estudo dos níveis de resíduo
de agrotóxicos nos derivados do leite e a necessidade de se estabelecerem
políticas de regulação e programas de monitoramento pelos órgãos públicos
brasileiros. O projeto foi desenvolvido pela metodologia de pesquisa bibliográfica,
realizando-se o levantamento dos estudos científicos que abordaram essa
questão. Os trabalhos estudados apontaram contaminação por agrotóxicos em
leite, queijo, manteiga e iogurte, demonstrando que há transferência de resíduos
na cadeia produtiva de derivados do leite. Queijo e manteiga foram
recomendados como potenciais indicadores de contaminação ambiental, por
terem apresentado associação entre seus níveis de resíduo e os detectados em
matrizes ambientais. Processamentos térmicos exibiram potencial para reduzir os
níveis de resíduos, apesar de não os remover completamente. A utilização de
bactérias ácido-lácticas de alta produção de fosfatase se apresentou como um
meio eficiente na dissipação de organofosforados e carbamatos na produção de
iogurtes, assim como algumas culturas de iniciadores. Os resultados acerca do
processamento para produção de queijo foram divergentes, apontando dissipação
de resíduos em alguns casos e nenhum efeito em outros. Ficou evidente a
necessidade de regulamentação e monitoramento de resíduos em produtos
lácteos, devido ao seu potencial de contaminação. A carência de estudos sobre a
transferência de resíduos na cadeia produtiva do leite e sobre a presença de
contaminantes em derivados amplamente comercializados no país indicou a
necessidade do desenvolvimento dessa área de pesquisa.
Palavras-chave: Agrotóxicos, laticínios, processamento.
ABSTRACT
MARCAO, L. Assessment of presence of agricultural pesticides residues in dairy products. 2015. 32 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Engenharia Química) – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena, 2015.
Due to the importance of dairy products on Brazilian economy and population diet
and the harmfulness to health of excessive exposure to pesticides, this work aims
to demonstrate the importance of studies about pesticides residue levels on dairy
products and the necessity of establishment of regulatory policies and monitoring
programs by the Brazilian government. The project was developed according to
bibliographic research methodology, carrying out a survey of scientific studies that
have addressed this issue. The studies indicated contamination by pesticides in
milk, cheese, butter and yogurt, demonstrating residues transfer along the
production chain of dairy products. Cheese and butter were suggested as potential
indicators of environmental contamination, due to the association of its residue
levels and the ones detected in environmental matrices. Heat treatments exhibited
potential to reduce the amount of residues, although not being capable of
removing them completely. The utilization of lactic-acid bacteria of high
phosphatase production was presented as an efficient dissipation method of
organophosphates and carbamates in yogurt production, just like some yogurt
starters. Results regarding processing for cheese production diverged, varying
from residues dissipation to no influence. The necessity of establishment of
regulatory policies and monitoring programs on dairy products became evident,
due to its contamination potential. The lack of studies about residues transfer on
milk production chain and about pollutants present in dairy products extensively
sold in the country indicated the need of further studies in this research area.
Keywords: Pesticides, dairy products, processing.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Classes toxicológicas .......................................................................... 16
Quadro 2 - Quadro resumo de resíduos de agrotóxicos em leite. ......................... 36
Quadro 3 – Quadro resumo de resíduo de agrotóxicos em derivados de leite. .... 41
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Consumo nacional anual de agrotóxicos e afins por área plantada em comparação ao crescimento das vendas desses produtos e da área plantada nacional. Brasil 2000-2013. ................................................... 19
Figura 2 - Exemplo de curvas de degradação em diferentes matrizes. Concentração de resíduos em função do intervalo antes da colheita. . 22
Figura 3 - Distribuição média percentual de irregularidades identificadas por cultura. PARA 2009-2012. .................................................................... 24
Figura 4 - Ingredientes ativos insatisfatórios constatados para a cultura do pimentão. PARA 2009. ......................................................................... 25
Figura 5 - Resíduos de fipronil - quantidade ingerida por meio de ração e quantidade excretada no leite. ............................................................. 33
Figura 6 - Percentual de amostras contaminadas com diferentes organoclorados. ............................................................................................................. 40
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
MS Ministério da Saúde
I.D.A. Ingestão diária aceitável
L.M.R. Limite máximo de resíduo
I.A. Ingrediente ativo
I.D.M.T. ingestão diária máxima teórica
MP Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MMA Ministério do Meio Ambiente
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
E.P.I. Equipamento de proteção individual
PNCRC Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes
PARA Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos
ABIA Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação
OC Organoclorados
OF Organofosforados
CB Carbamatos
DDT Diclorodifeniltricloroetano
β-HCH β-hexaclorociclohexano
HCB Hexaclorobenzeno
SUMÁRIO
1 Introdução ....................................................................................................... 12
1.1. Contextualização ...................................................................................... 12
1.2. Objetivo Geral .......................................................................................... 14
1.3. Objetivos Específicos ............................................................................... 14
2 Revisão da Literatura ..................................................................................... 15
2.1. Agrotóxicos ............................................................................................... 15
2.1.1. Registro e liberação de comercialização .................................................. 15
2.1.2. Impacto na Saúde .................................................................................... 17
2.1.3. Controle e Monitoramento ........................................................................ 22
2.1.3.1. Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes ..................... 23
2.1.3.2. Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos ............ 23
2.2. Indústria Brasileira de Laticínios ............................................................... 26
2.2.1. Transferência de resíduos na cadeia produtiva ........................................ 26
2.2.2. Influência do processamento nos níveis de resíduo ................................. 27
3 Metodologia .................................................................................................... 30
3.1. Método de pesquisa ................................................................................. 30
4 Resultados e discussão .................................................................................. 32
4.1. Transferência de contaminantes para o leite ............................................ 32
4.2. Presença de resíduo de agrotóxicos em produtos derivados de leite ...... 37
4.3. Efeitos do processamento de laticínios nos níveis de resíduo ................. 41
5 Conclusão ....................................................................................................... 47
Referências ........................................................................................................... 49
12
1 INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização
Desde 2008 o Brasil ocupa a posição de maior consumidor mundial de
agrotóxicos. Nos últimos onze anos mais de mil e quatrocentos novos produtos
foram registrados no país e o consumo por área plantada praticamente duplicou.
Os agrotóxicos são substâncias capazes de alterar a fauna ou a flora
com a finalidade de preservá-las da ação de seres vivos considerados nocivos,
assim como agentes dessecantes, desfolhantes e estimuladores ou inibidores de
crescimento. As moléculas responsáveis pela eficiência dos agrotóxicos são seus
ingredientes ativos e podem ser utilizadas isoladamente ou em conjunto na
formulação desses produtos.
Desde 1950, com a “Revolução Verde”, essas substâncias fazem parte
do agronegócio, incorporadas juntamente com outras tecnologias para suportar o
avanço desse setor. Máquinas agrícolas, modificações genéticas, agrotóxicos e
fertilizantes desde então passaram a fazer parte do sistema produtivo agrário
proporcionando um grande aumento de produtividade e consequentemente maior
oferta de alimentos à população. Além disso, foi possível controlar ou eliminar
pragas agrícolas, aumentar o tempo de prateleira e oferecer maior variedade de
alimentos aos consumidores. Os países em desenvolvimento, com grande parte
de sua economia baseada na produção agrária, tornaram-se os maiores
consumidores dessas tecnologias.
Contudo, novos riscos foram incorporados aos alimentos, provenientes
em grande parte dos agrotóxicos utilizados. Muitas dessas subtâncias pertencem
a classe de desreguladores endócrinos, compostos capazes influenciar
negativamente o sistema hormonal de diversas maneiras, podendo ativar
respostas do organismo sem real necessidade, bloquear o funcionamento de
hormônios e interferir no sistema reprodutivo, imunológico e nervoso.
Devido a sua toxicidade, os agrotóxicos precisam de cuidados
especiais em sua manipulação e administração, para garantir a segurança dos
consumidores e dos trabalhadores rurais. Apesar dos perigos da exposição direta
serem conhecidos e estudados, a conscientização da população rural nos países
em desenvolvimento ainda é pequena.
13
Os consumidores, por sua vez, estão expostos a pequenas doses dos
agentes químicos utilizados no campo, presentes de forma residual nos
alimentos. Segundo estudos iniciais, essa exposição não é prejudicial à saúde,
desde que dentro dos limites estabelecidos pelos órgãos reguladores. Os efeitos
da exposição em longo prazo, contudo, ainda estão sendo estudados, e não é
possível afirmar que não impactem negativamente a saúde. Deste modo, é
importante garantir que os níveis de resíduos nos alimentos sejam mínimos e que
sua ingestão diária não seja maior que a recomendada.
O monitoramento de resíduos no Brasil é realizado por programas da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA). Diversas matrizes vegetais são analisadas,
para identificação e quantificação de resíduos de agrotóxicos e outros
contaminantes. O escopo analítico é definido a cada ano e os testes conduzidos
em alimentos in natura, coletados em centros produtores, de beneficiamento ou
de distribuição. No entanto, o controle ainda não é realizado para produtos de
origem animal, embora a transferência de resíduos na cadeia produtiva seja
comprovada.
O monitoramento nessas frações é importante para que os cálculos de
exposição dietária dos consumidores forneçam resultados que refletem o
consumo real da maneira mais próxima possível. A Organização Mundial da
Saúde recomenda que os países estudem a composição da dieta de sua
população e os contaminantes presentes nos alimentos mais consumidos.
A indústria de laticínios está entre as maiores do setor de alimentação
brasileiro, sendo muito importante para a economia do país. Devido a seu alto
valor nutritivo, esses produtos fazem parte da alimentação diária da maioria dos
consumidores, na medida em que são constituintes importantes da dieta,
principalmente nas primeiras fases de desenvolvimento.
Os derivados lácteos merecem uma atenção especial na análise de
resíduos. Isso se deve as modificações físicas ou químicas que ocorrem durante
o processamento dos alimentos, capazes de alterar também os níveis de resíduo,
que podem tanto ser degradados como concentrados. A quantificação desses
contaminantes em produtos processados é crítica para garantir que o consumidor
não seja exposto a níveis maiores que os aceitáveis.
14
Considerando-se que o público infantil é um dos maiores consumidores
desse setor e que o processamento do leite pode levar ao aumento do teor de
contaminantes, o estudo dos níveis de resíduo nos produtos derivados de leite é
criticamente importante para garantir alimentos de qualidade e a segurança dos
consumidores.
1.2. Objetivo Geral
Este trabalho tem como principal objetivo demonstrar a importância do
estudo e regulamentação dos níveis de resíduo de agrotóxicos nos derivados do
leite, com base em uma revisão de dados disponíveis na literatura.
1.3. Objetivos Específicos
x Realizar uma breve busca de informações bibliográficas sobre
a transferência de contaminantes para o leite;
x Realizar um breve levantamento na literatura sobre a
influência dos processamentos de produção de leite e derivados nos níveis de
resíduo de agrotóxicos;
x Desenvolver um levantamento de dados da literatura sobre
níveis de resíduos de agrotóxicos em derivados do leite;
x Analisar, com base nos dados obtidos, quais os produtos
lácteos mais seguros para consumo e quais os com maior tendência a apresentar
irregularidades;
x Analisar, com base nos dados obtidos, quais os processos
apresentaram capacidade de redução de resíduos e quais contribuíram para sua
concentração.
15
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Agrotóxicos
A Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, que regulamenta o uso de
agrotóxicos no país e a base de todas as legislações a respeito desses produtos
no Brasil, define agrotóxicos e afins como:
a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou
biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no
armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens,
na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros
ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais,
cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de
preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;
b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes,
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.
Os agrotóxicos devem obedecer ainda a decretos e leis
complementares publicados posteriormente, e às normas estabelecidas por
órgãos responsáveis pelo controle e regulação desses produtos no país, como os
Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura.
Nenhum agrotóxico pode ser utilizado, produzido ou comercializado,
exportado ou importado no país antes de ser registrado junto aos órgãos
governamentais competentes (BRASIL, 1989); em proteção e benefício aos
consumidores e ao meio ambiente.
2.1.1. Registro e liberação de comercialização
Devido à alta complexidade das moléculas de agrotóxicos e dos
substratos com os quais interagem, seu comportamento não pode ser previsto,
precisa ser concluído experimentalmente. A toxicologia, eficácia agronômica e o
perfil físico-químico e ambiental da molécula devem ser determinados e
reportados para obtenção de registro e liberação de novos produtos junto ao
MAPA (MAPA, 2015a). Os estudos devem ser conduzidos em laboratórios
16
certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
(INMETRO). Com base nos resultados apresentados, a possibilidade da entrada
da substância no mercado brasileiro é analisada (BRASIL, 2002).
O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) classifica a molécula
quanto ao seu potencial de periculosidade ambiental, baseando-se em dados
físico-químicos e resultados toxicológicos em organismos não alvo de variados
níveis tróficos (IBAMA, 1996).
Ao Ministério da Saúde (MS) cabe a avaliação dos riscos à saúde
humana, a partir do perfil toxicológico da substância e definição de informações
referentes aos limites de resíduo. Com base nos resultados referentes à
toxicologia aguda, o produto é enquadrado em uma das quatro classes
toxicológicas (QUADRO 1), não sendo concedido registro aos agrotóxicos que
comprovarem efeitos mutagênicos, carcinogênicos ou teratogênicos (BRASIL,
1989). Quadro 1 - Classes toxicológicas
Classe Descrição
I Extremamente Tóxico
II Altamente Tóxico
III Medianamente Tóxico
IV Pouco Tóxico
Fonte: ANVISA, 2015
O MS por meio da ANVISA, também determina a ingestão diária
aceitável (I.D.A), o limite máximo de resíduo (L.M.R.) e o intervalo de segurança
para cada cultura. Para estabelecimento das culturas que serão autorizadas para
aplicação do ingrediente ativo (I.A.), a Agência calcula ainda a Ingestão Diária
Máxima Teórica (I.D.M.T.), parâmetro que permite avaliar o impacto na exposição
dos consumidores e assim delimitar o uso do produto (ANVISA, 2014).
A I.D.A. refere-se à quantidade máxima que se pode ingerir
diariamente de determinada substância, durante longos períodos ou toda a vida,
sem que haja danos à saúde, de acordo com o conhecimento científico
disponível. É expressa em mg do agrotóxico por kg de peso corpóreo (mg / kg
17
p.c.) (MS, 1992). Esse parâmetro pode ser modificado posteriormente caso novos
estudem apontem para uma periculosidade maior do que se havia estimado.
O L.M.R. e o intervalo de segurança são específicos de cada cultura
para qual o produto é indicado. O limite máximo de resíduo é determinado pela
ANVISA como o limite máximo no qual um agrotóxico pode estar presente nos
alimentos produzidos. É estabelecido a partir da avaliação dos estudos de campo
apresentados pelas empresas pleiteantes ao registro (ANVISA, 2014). O Intervalo
de segurança ou carência é o tempo entre a aplicação do produto e a colheita ou
a comercialização (MS, 1992). Nesse período, o composto sofre degradação e
diminui sua concentração no alimento.
A I.D.M.T. é a estimativa teórica da quantidade máxima de agrotóxicos
que um indivíduo ingere diariamente pela alimentação. É calculado pela razão
entre o somatório do consumo médio per capita de cada alimento multiplicado por
seu respectivo L.M.R. e o peso corpóreo (Equação 1) (ANVISA, 2014).
A viabilidade e eficiência de uso agrícola também devem estudadas e
reportadas ao Ministério da Agricultura para avaliação agronômica (MAPA,
2015a). No caso da aprovação de todos os relatórios técnicos pelos órgãos
competentes o produto é registrado pelo MAPA e pode ser produzido,
comercializado e utilizado no país (IBAMA, 2011).
2.1.2. Impacto na Saúde
A indústria de agrotóxicos movimentou U$ 12,249 bilhões em 2014. Os
inseticidas foram os responsáveis por 39,9% das vendas, seguido dos herbicidas
(31,9%) e dos fungicidas (23,7%), o restante foi composto por acaricidas e outras
classes (SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DE PRODUTOS PARA
DEFESA VEGETAL, 2015). Desde 2008 o país ultrapassou os Estados Unidos,
tornando-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos (CARNEIRO et al., 2015).
O gráfico da Figura 1 mostra a evolução do consumo anual nacional
de agrotóxicos e afins de 2000 a 2013 em comparação ao crescimento das
18
vendas desses produtos e da área plantada nacional. É possível observar que as
vendas no período cresceram significativamente, enquanto a área plantada quase
não sofreu variação, o que resultou em um aumento de aproximadamente 100%
do consumo de agrotóxicos por hectare.
O número de agrotóxicos introduzidos no mercado também cresceu
significativamente, atingindo 1469 produtos registrados nos últimos 11 anos
(MAPA, 2015b). Entretanto, os estudos na área de toxicologia não tiveram o
mesmo avanço. As moléculas com maior histórico de utilização são o foco da
maioria das pesquisas na área, sendo limitado o conhecimento em relação a
novos produtos (EDDLESTON; BATEMAN, 2007).
Um grupo de compostos que vem sendo amplamente estudado e que
diversos agrotóxicos estão inseridos é o dos desreguladores endócrinos.
Qualquer substância que altere o funcionamento do sistema endócrino de
qualquer ser vivo é considerado um desregulador endócrino, devido a isso muitos
agrotóxicos estão inseridos nessa classe (MNIF et al., 2011). Esses compostos
tem sido muito estudados, pois podem influenciar negativamente o sistema
hormonal de diversas maneiras. Podem atuar como falso hormônio e ativar
respostas do organismo sem real necessidade, estimular ou inibir a produção de
hormônios de maneira indesejada, assim como causar malformação, interferir no
sistema reprodutivo, aumentar o risco de câncer ou perturbar as funções do
sistema imunológico e nervoso (ESTADOS UNIDOS DA AMERICA, 2015).
O impacto do contato com agentes tóxicos na saúde humana pode ser
dividido em duas classes de intoxicação, aguda e crônica. A primeira refere-se à
exposição excessiva a uma substância em um curto intervalo de tempo, até 24
horas, provocando efeitos adversos de modo rápido ou imediato. A segunda se dá
pelo contato recorrente com pequenas doses da substância em longos períodos
de tempo ou toda a vida, e tem por consequência quadros clínicos de difícil
definição, muitas vezes irreversíveis (MS, 2006).
19
Figura 1 - Consumo nacional anual de agrotóxicos e afins por área plantada em comparação ao crescimento das vendas desses produtos e da área plantada nacional. Brasil 2000-2013.
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) (2010, 2015); Ministério do Meio Ambiente (MMA) (2014).
Os efeitos por exposição aguda são mais fáceis de serem estudados
por seu caráter imediato (GRISOLIA, 1995; KAMANYIRE, 2004). Os resultados
obtidos sobre o impacto na saúde durante os estudos para registro de produtos
são descritos na bula dos produtos comercializados (BRASIL, 2002). Dessa
maneira, esse tipo de contaminação é mais fácil de ser monitorada. Entretanto,
segundo o Ministério da Saúde (2006), os casos de intoxicação aguda
oficialmente registrados no país não refletem a realidade. Não há registro de
dados de exposição de maneira sistemática por parte dos agricultores, tampouco
um sistema unificado para registro das ocorrências. A dispersão, desorganização
e carência de informações tornam os índices disponíveis fontes não confiáveis.
Contudo, é possível estimar que o número de acidentes com
agrotóxicos no campo seja bastante elevado. Segundo o Censo Agropecuário
2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 21,3% dos
estabelecimentos entrevistados não utilizavam nenhum equipamento de proteção
individual (E.P.I.) durante a aplicação, a grande maioria (70,7 %) relatou utilizar
pulverizador costal, forma de aplicação que mais expõe os usuários ao produto
aplicado e apenas 21,1% dos entrevistados afirmou ter recebido informações
3,3 3,1 2,7 2,9
3,4 3,3 3,3
4,6
6,0 6,2 6,7 6,5
0
100
200
300
400
500
600
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
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a)
Consumo por área plantada (kg de I.A./ha) Vendas (mi kg I.A.) Área plantada (mi ha)
20
técnicas regularmente. A baixa escolaridade dos responsáveis pelos
estabelecimentos pesquisados também é preocupante, 77,6% possuíam apenas
ensino fundamental incompleto (MP, 2012).
Peres e Rozemberg (2003) consideram o caráter científico das
informações sobre toxicologia e periculosidade nos produtos e informativos
oferecidos à população rural como uma das principais razões do grande número
de casos de intoxicação envolvendo agrotóxicos. A maioria dos agricultores que
os pesquisadores entrevistaram não foi capaz de interpretar de maneira correta
as informações de segurança contidas nas bulas dos produtos, assim como
entender e avaliar o conteúdo da cartilha de apresentação de um fungicida. A
transmissão de informações entre os fabricantes/ comerciantes e os produtores –
outro meio importante de informação e instrução – segundo a pesquisa, é falha e
tendenciosa, de modo a evidenciar somente os aspectos positivos dos produtos,
em benefício das vendas e detrimento do consumidor. Nesse cenário, é muito
provável que a utilização dos produtos seja imprópria.
Quando as orientações dos fabricantes não são respeitadas o nível de
resíduo final nos alimentos disponíveis para consumo pode ser muito maior que o
L.M.R., devido à dinâmica de degradação das moléculas na cultura tratada. Após
a aplicação, há um intervalo de segurança antes que a colheita possa ser
realizada, que corresponde ao tempo necessário para degradação das moléculas
e diminuição de seu nível de resíduo. Se esse intervalo não é respeitado ou a
concentração inicial for maior que a recomendada, quando o alimento for colhido,
a quantidade de agrotóxico será maior que a recomendada para consumo
(ADEGBOLA et al., 2012).
Outro fator importante na dissipação dos ingredientes ativos é a
interação com o substrato. Além de sofrer influência de fatores externos, cada
substância se comporta de maneira particular em diferentes matrizes, portanto
sua degradação precisa ser estudada para cada caso de aplicação (WALTER;
FREHSE, 1995). Quando um ingrediente não é autorizado, não há estudos que
garantam diminuição suficiente da concentração da molécula até a colheita.
A Figura 2 mostra exemplos de curvas de degradação de um mesmo
ingrediente ativo (Clorpirifós) em diferentes matrizes e partes diferentes de uma
mesma matriz (LU et al., 2014). É possível observar que o perfil de degradação
do composto pode ser semelhante em alguns alimentos, como a berinjela e o
21
pimentão, assim como apresentar diferenças significativas em outros – o aipo em
relação à alface aspargo, por exemplo. Devido a essas diferenças, a carência de
uma substância em determinada cultura não pode ser extrapolada a outras.
Mesmo quando o resíduo final no alimento se apresenta em níveis
bastante reduzidos a situação é problemática. Isso porque essas culturas não são
incluídas nos cálculos de I.D.M.T. (ANVISA, 2014). Assim, a utilização em outras
matrizes pode resultar em uma ingestão diária acima da aceitável.
Esse consumo, ainda que excessivo, é muito baixo e é provável que
não cause danos perceptíveis em curto prazo (ANVISA, 2006). Os efeitos podem
ser a nível molecular a cada ingestão, tornando-se notáveis somente após longos
períodos. Devido a isso, as causas não são facilmente identificáveis (PERES;
MOREIRA; DUBOIS, 2003). Essa dificuldade de associação é o maior obstáculo
nos estudos de toxicologia de agrotóxicos, principalmente quando há exposição a
diversos compostos simultaneamente (MS, 2006). A escassez de estudos nessa
área ainda é muito grande e dificulta o diagnóstico dos problemas associados ao
uso inadequado dos agrotóxicos (ANVISA, 2006).
22
Figura 2 - Exemplo de curvas de degradação em diferentes matrizes. Concentração de resíduos em função do intervalo antes da colheita.
Fonte: LU et al. (2014).
2.1.3. Controle e Monitoramento
Além da regulamentação, o governo também é responsável pelo
controle e monitoramento dos produtos utilizados no país. Os Ministérios da
Saúde e da Agricultura devem monitorar os resíduos de agrotóxicos nos produtos
de origem vegetal, e o MS deve ainda fiscalizar os produtos de origem animal
(BRASIL, 2002).
23
2.1.3.1. Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes
O MAPA instituiu o Plano Nacional de Controle de Resíduos e
Contaminantes (PNCRC) para inspecionar e fiscalizar as cadeias produtivas de
alimento em âmbito nacional. O objetivo do programa é analisar a presença e os
níveis de resíduo de produtos de uso veterinário, contaminantes químicos e
agrotóxicos ou afins para verificar se os princípios de boas práticas agropecuárias
e de fabricação estão sendo atendidos e garantir a qualidade e segurança dos
alimentos que chegam até os consumidores (MAPA, 2015c).
O PNCRC é dividido em duas categorias, animal e vegetal. A primeira
tem como objetivo principal o monitoramento de resíduos provindos da utilização
de medicamentos veterinários e de alguns contaminantes químicos, em produtos
de origem animal, como carnes, leite, mel e pescado (MAPA, 1999). A segunda,
fiscalização de agrotóxicos e contaminantes químicos e biológicos em produtos
de origem vegetal, como grãos e frutas (MAPA, 2015d).
O PNCRC/Vegetal tem analisado em média 17 culturas por ano-safra
para diversos ingredientes ativos; o escopo analítico é variável e publicado a cada
ano. Contudo, o número de amostras é bastante reduzido e poucos estados são
incluídos no monitoramento (MAPA, 2010, 2011, 2013a, 2013b, 2015e). O
programa é uma iniciativa de controle importante, mas ainda precisa de maior
desenvolvimento para produzir resultados que representem a qualidade real dos
alimentos no país.
2.1.3.2. Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos
(PARA), instituído pela ANVISA, desde 2001 também monitora os resíduos de
agrotóxicos em produtos de origem vegetal. As culturas com maior consumo
médio per capita, a partir de 2011, passaram a ser monitoradas todos os anos,
enquanto as menos consumidas são analisadas alternadamente em cada triênio.
Dessa maneira, a Agência pretende fiscalizar os alimentos mais importantes para
o consumo da população a cada três anos (ANVISA, 2013).
Os resultados obtidos são utilizados para o refinamento da avaliação
de exposição dietética da população e definição do risco à saúde, possibilitando
24
análises mais próximas à realidade. O programa permite ainda identificar os
ingredientes ativos que precisam ser reavaliados para adoção de medidas
restritivas ou banimento de seu uso, no caso de elevado número de
irregularidades relacionadas à sua utilização (ANVISA, 2013).
De 2009 a 2012 o programa detectou em média 28% de amostras
irregulares entre as analisadas. O uso em culturas não autorizadas é o principal
responsável pelas não conformidades. O gráfico apresentado na Figura 3 mostra
a distribuição da média percentual de irregularidades identificadas por cultura, de
2009 a 2012. Figura 3 - Distribuição média percentual de irregularidades identificadas por cultura. PARA 2009-2012.
Fonte: ANVISA (2010a, 2011, 2013, 2014).
Os piores resultados foram para alimentos considerados de baixo
retorno econômico pelas empresas produtoras de agrotóxicos, como pimentão,
pepino e morango. Isso porque poucos pleitos de registro são feitos para essas
culturas, tornando seu suporte fitossanitário insuficiente. Nesses casos, muitos
agricultores utilizam indevidamente produtos autorizados para culturas
semelhantes, o que pode ser observado pela presença de diversos ingredientes
ativos irregulares em uma mesma cultura (ANVISA, 2014). O gráfico da Figura 4
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Amos
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tória
s (%
)
Cultura
25
mostra a diversidade de ingredientes impróprios detectados nas amostras de
pimentão em 2009 – o índice de não conformidade foi de 80%.
Outro dado alarmante reportado pela ANVISA (2013) é o maior número
de violações deverem-se ao uso de organofosforados. Essa classe de compostos
tem alta toxicidade (PERES; MOREIRA; DUBOIS, 2003) e seu uso não é
autorizado em aplicador costal, agravando o risco de exposição dos agricultores.
O uso de produtos proibidos e sem registro no país também foi identificado, outro
fator que põe em risco a segurança dos trabalhadores e consumidores.
Fonte: ANVISA (2010b, p. 30). Nota: N.A. – Não autorizado para aplicação nesta cultura; >LMR –
Acima do limite de resíduo permitido.
Os resultados do programa mostram que há necessidade de
conscientização e treinamento dos trabalhadores rurais quanto ao uso correto de
agrotóxicos (ANVISA, 2014). Os pequenos produtores são os que mais
necessitam dessa assistência, tanto para melhorar a qualidade dos alimentos que
produzem como para diminuir o risco ocupacional a que estão expostos (PERES;
ROZEMBERG, 2003).
O último refinamento da avaliação de risco dietético realizado pela
ANVISA utilizando os dados do PARA de 2009 a 2011 não indicou extrapolação
da I.D.A. para nenhum dos produtos avaliados (ANVISA, 2013). Entretanto, a
Figura 4 - Ingredientes ativos insatisfatórios constatados para a cultura do pimentão. PARA 2009.
26
abordagem utilizada foi pouco abrangente, levando em consideração apenas o
consumo diário dos resíduos presentes em alimentos de origem vegetal, o que
não permite descartar o risco à saúde. Métodos mais complexos levam em
consideração os efeitos e mecanismos de ação das moléculas, considerando sua
exposição cumulativa, ou ainda a exposição agregada, incluindo nos cálculos
também os produtos de origem animal, água e demais formas de exposição.
Os produtos de origem animal representam grande parte da dieta e são
muito importantes para permitir uma avaliação de risco mais próxima à realidade.
A análise de resíduos de agrotóxicos nos alimentos mais consumidos pela
população é extremamente necessária tanto para identificar a qualidade dos
alimentos levados ao consumidor como para avaliação do risco à população da
utilização de agrotóxicos (WHO, 2005).
2.2. Indústria Brasileira de Laticínios
A indústria de laticínios movimentou R$ 55,2 bilhões em 2014, segundo
a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA) (2015), ocupando a
posição de terceiro maior setor da indústria de alimentos. Devido à facilidade de
entrada no mercado, o número de produtores no setor é bastante elevado, em
2006 havia 1,35 milhões, a maior parte pequenos produtores (MP, 2006).
O leite e seus derivados, ricos em micro e macronutrientes, são de
essencial importância no desenvolvimento e na nutrição humana, especialmente
na infância (MUEHLHOFF; BENNETT; MCMAHON, 2013). Na dieta dos
brasileiros, os laticínios estão entre os principais componentes, segundo dados da
Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE de 2008, são o segundo grupo de
alimentos mais consumidos anualmente, sendo o primeiro de alto valor nutritivo.
2.2.1. Transferência de resíduos na cadeia produtiva
A ampla possibilidade de contaminação durante o processo produtivo,
contudo, torna o leite uma fonte potencial de contaminantes na alimentação.
Produtos de uso veterinário e aditivos irregulares são os problemas mais comuns
e mais controlados. Entretanto, agrotóxicos também são transferidos, tanto pela
27
alimentação animal como pelo contato com ambientes contaminados (KAN &
MEIJER, 2007).
Diversos estudos reportaram a transferência de resíduos da
alimentação para o leite das vacas. Os mecanismos de interação entre as
moléculas e o organismo animal, entretanto, ainda não são conhecidos (KAN-
MEIJER, 2007). Nag et al. (2007) e Le Faouder et al. (2007) estudaram a
transferência de resíduos de contaminantes da alimentação para o leite de
animais lactantes. A presença de agrotóxicos no leite foi proporcional ao
consumido em alimentos contaminados, mas em menor quantidade. Esses
estudos demonstram a importância da qualidade da alimentação animal para
garantir a segurança do leite produzido.
No Brasil estudos detectaram a presença de agrotóxicos em amostras
de alimentação animal e leite cru. Fagnani et al. (2011) reportaram a presença de
resíduos de carbamatos e organofosforados em amostras de leite, alimento e
água coletadas em Pernambuco. Os resultados indicam além da transferência de
resíduos na cadeia produtiva, a contaminação ambiental causada pelo uso
desses agrotóxicos. Silva et al. (2014) também detectaram a presença de
organofosforados em amostras de leite e alimento de bovinos coletadas no norte
do Paraná. Mesmo que em ambos os estudos não seja possível garantir qual a
fonte das contaminações, a presença de agrotóxicos no leite foi comprovada.
Dessa maneira, os problemas encontrados na utilização de agrotóxicos
na produção vegetal se estendem aos produtos de origem animal (LEDOUX,
2011). O uso extensivo de diversos agrotóxicos, principalmente em pequenas
propriedades, associado à falta de instrução dos proprietários, dá indícios de que
outros agrotóxicos podem estar presentes no leite brasileiro.
2.2.2. Influência do processamento nos níveis de resíduo
O leite é utilizado como matéria prima para produção de diversos
derivados que também são componentes importantes da dieta. Durante o
processamento os níveis de resíduo podem variar, de acordo com as operações
realizadas na matéria-prima, devido a processos de degradação, concentração ou
deslocamento para frações de maior afinidade (KAUSHIK; SATYA; NAIK, 2009).
28
Diversas pesquisas estudaram a influência do processamento na
concentração de resíduos em alimentos. Tratamentos como lavagem, cozimento
e estocagem mostraram grande efetividade na redução da concentração de
resíduos nos alimentos (CABRERA et al., 2014; HOLLAND et al., 1994;
KAUSHIK; SATYA; NAIK, 2009; SAKA et al., 2008). Em procedimentos como
moagem, descascamento e produção de bebidas também se observou a redução
dos resíduos, que ficaram acumulados nas frações de subprodutos dessas
operações (BENGSTON et al., 1983; LI et al., 2011; ROSE; LANE; JORDAN,
2009; SGARBIERO, 2001).
Sgarbiero (2001) estudou os resíduos de pirimifós-metil em grãos de
trigo e milho e seus produtos processados. Em relação aos grãos inteiros, houve
aumento de concentração do resíduo no farelo de trigo e diminuição na farinha
branca e no pão preparado a partir dela. Resultados semelhantes foram
encontrados por Bengston et al. (1983) para os compostos deltametrina,
fenvalerato, permetrina e fenotrina. Segundo Holland et al. (1994) em geral, os
resíduos ficam contidos em grande quantidade na parte externa do grão, matéria-
prima para produção de farelo, devido a isso os níveis residuais são bastante
elevados no farelo, em relação ao trigo.
O estudo conduzido por Li et al. (2011) em laranjas constatou
resultados semelhantes em relação à concentração dos resíduos nas camadas
externas. A maior parte dos resíduos encontrados nas frutas estava concentrada
na casca. A transferência para o suco foi mínima (1-4,5% do total), sendo ainda
menor após a filtração. Já para o bagaço úmido quatro dos produtos estudados
resultaram em altas taxas de transferência de resíduos (46-94,7%). No óleo
houve concentração dos resíduos para três dos cinco agrotóxicos analisados, que
pode ser devido à afinidade desses compostos com o solvente de extração
utilizado na fabricação de óleo.
O farelo de trigo e o bagaço de laranja são subprodutos importantes da
indústria de alimentos. Ambos, ricos em nutrientes, são fontes energéticas
alternativas utilizadas na alimentação do gado leiteiro (MARTINEZ, 2007, 2008).
As altas concentrações de agrotóxicos nessas frações aumentam o risco à
qualidade do leite produzido e a necessidade de monitoramento dos níveis de
resíduo nos produtos lácteos.
29
Além disso, os processamentos para produção de leite não foram muito eficientes na remoção de agrotóxicos em estudos realizados em organoclorados (KAMPIRE et al., 2011), apenas para esterilização foi observada degradação de parte dos compostos estudados (LISKA, 1968; Nath et al.1, 1997 apud KAUSHIK; SATYA; NAIK, 2009, p. 32). Redução significativa nos níveis de resíduo em relação ao teor de gordura foi obtida somente nos processos de produção de leite em pó integral (LISKA, 1968).
A influência dos processos de fabricação de queijo e iogurte nos níveis de lindano e seus metabólitos foi estudada por Abou-Arab (1999). Em relação ao teor de gordura, houve pequena redução no total de resíduos (<10%) para os produtos frescos. Somente para o queijo do tipo ras2, após seis meses de armazenamento, ocorreu uma diminuição mais significativa (36,7%); que pode ter se dado pela ação dos microorganismos responsáveis pela maturação. Langlois, Liska e Hill3 (1964, 1965 apud LISKA, 1968) estudaram os resíduos de organoclorados no processamento de manteiga, queijo e leite e também não observaram mudanças significativas em relação ao teor de gordura, indicando que não ocorreu degradação ou remoção desses compostos. Entretanto, é importante observar que ocorre aumento dos níveis de resíduo em relação à massa total para produtos que possuem teor de gordura superior ao do leite.
Apesar dos estudos terem sido feitos apenas para organoclorados, resultados obtidos em outras matrizes indicam comportamento similar de novas moléculas com uso permitido na agricultura brasileira. O acúmulo dos agrotóxicos estudados por Li et al. (2011) no óleo de laranja demonstra que mesmo produtos mais modernos podem ser acumulados em grandes quantidades em frações lipofílicas.
É possível observar a importância do estudo e monitoramento dos níveis de resíduo de agrotóxicos no leite e em seus derivados, para avaliar a exposição dos consumidores a essas substâncias, assim como identificar os processos mais eficientes na remoção de resíduos. E, desse modo, proporcionar alimentos de maior segurança aos consumidores e possibilitar medidas corretivas aos problemas identificados. 1 SURENDRA NATH, B. et al. Effect of processing on some organochlorine pesticide contents of milk and milk products. Indian Journal of Dairy and Biosciences, v. 8, p. 2-9, 1997. 2 Queijo egípcio amarelo, duro, feito de leite de vaca, de búfala ou uma de mistura de ambos. 3LANGLOIS, B. E.; LISKA, B. J.; HILL D. L. The effects of processing and storage of dairy products on chlorinated inceticide residues: I. DDT and Lindane. J. Milk and Food Technol., 27:264, 1964. LANGLOIS, B. E.; LISKA, B. J.; HILL D. L. The effects of processing and storage of dairy products on chlorinated inceticide residues: II. Endrin, dieldrin and heptachlor. J. Milk and Food Technol., 28:9, 1965.
30
3 METODOLOGIA
3.1. Método de pesquisa
Esse projeto foi desenvolvido pela metodologia de pesquisa
bibliográfica, realizando-se o levantamento de dados sobre a presença de
agrotóxicos em produtos derivados de leite publicados em materiais científicos e
relatórios oficiais. O desenvolvimento do projeto se deu segundo as etapas
propostas por Gil (2002):
x Escolha do tema: delimitação do assunto geral sobre o qual o
projeto será desenvolvido.
x Levantamento bibliográfico preliminar: breve estudo do tema
proposto, para proporcionar maior familiaridade com o assunto de modo a
possibilitar a delimitação da área de estudo e a definição do problema.
x Formulação do problema: especificar de forma clara, precisa e
objetiva o que se pretende estudar.
x Elaboração do plano provisório de assunto: definir a estrutura
e organizar as partes que irão compor o projeto final de maneira sistemática, com
base nos conhecimentos preliminares no assunto, para orientar o processo de
pesquisa. Ao longo do projeto essa estrutura pode ser reformulada.
x Busca das fontes: levantamento do material bibliográfico
relacionado ao assunto. Pesquisa de artigos de periódicos, revistas científicas,
livros, teses, etc. em bases de dados eletrônicas e mecanismos de busca.
x Leitura do material: seleção do material que de fato se adéqua
à pesquisa; identificar e analisar a consistência das informações e dos dados no
material de interesse; relacioná-los ao problema proposto; destacar e tomar notas
dos pontos relevantes.
x Fichamento: Registrar as informações principais de cada fonte
e comentários, de maneira sintética e organizada.
x Organização lógica do assunto: estruturar logicamente o
trabalho, de modo que o assunto possa ser desenvolvido com clareza e coesão.
x Redação do texto: finalização do projeto pela escrita do
relatório.
31
Na fase de pesquisa bibliográfica o foco foram os materiais que
apresentaram resultados sobre a análise de resíduos de agrotóxicos nos
derivados do leite, embora materiais sobre a transferência de resíduos na cadeia
produtiva do leite e a influência do processamento de produção nos níveis de
resíduos também tenham sido pesquisados. Desse modo, pretendeu-se construir
uma estrutura lógica clara para descrição e discussão dos resultados.
A análise crítica do material coletado teve como objetivo o
levantamento dos alimentos de maior segurança para consumo, assim como
verificar os de maior tendência a apresentar problemas, que seriam foco prioritário
em ações de controle. Foi constatada ainda a influência dos diferentes tipos de
processamento nos níveis de contaminantes, apontando-se quais os processos
apresentaram capacidade de redução de resíduos e quais contribuíram para sua
concentração.
32
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. Transferência de contaminantes para o leite
Diversos fatores interferem no processo de transferência de
contaminantes para o leite, como a quantidade ingerida, absorvida e excretada, e
o mecanismo de metabolismo da molécula (KAN & MEIJER, 2007). Apesar de
seus resultados não poderem ser generalizados, alguns estudos constataram a
transferência de resíduos do alimento do gado para o leite (NAG et al., 2007; LE
FAOUDER et al., 2007) e são indicativos de que a alimentação animal é uma
fonte potencial de contaminação.
Nag et al. (2007) estudaram a transferência de endosulfan presente na
alimentação de cabras para o leite produzido por elas. O estudo foi conduzido
durante 25 dias por meio de alimentação controlada, em dois níveis diferentes, e
constatou a transferência do agrotóxico da alimentação para o leite das cabras,
proporcional à quantidade ingerida, mas em nível bastante inferior. A taxa de
declínio nos resíduos após o tratamento foi similar para ambas as condições
estudadas.
Le Faouder et al. (2007) detectaram comportamento análogo ao
estudar a transferência de resíduos de fipronil da ração para o leite de vacas. Um
dos metabólitos, a fipronil sulfona, estava presente em todas as amostras de leite
durante os três meses de alimentação dos animais com silagem tratada. A
excreção da substância no leite foi proporcional à sua ingestão, mas em menor
extensão. Após o reestabelecimento da alimentação não tratada ocorreu o
declínio das concentrações de resíduo até sua detecção abaixo do limite de
quantificação, aproximadamente um mês após a interrupção do tratamento, o
comportamento descrito pode ser visualizado no gráfico apresentado na Figura 5.
Ambos os estudos mostram a necessidade do controle da qualidade da
alimentação animal, que deveria apresentar o mínimo de contaminantes possível
para minimizar ou anular a transferência de agrotóxicos para o leite. Contudo,
essa não é a única fonte possível de contaminação, é importante observar fatores
ambientais, como água, solo e ar e a utilização de tratamentos contra
ectoparasitas.
33
Diferenças sazonais também podem ser responsáveis pela variação
nos níveis de resíduos. John, Bakore e Bhatnagar (2001) quantificaram os níveis
de organoclorados (OC) em leite de búfala e vaca da cidade de Jaipur, India. As
amostras foram coletadas de 1993 a 1996 e agrupadas de maneira sazonal entre
verão, inverno e estações chuvosas. Os pesquisadores observaram variação nos
níveis de resíduo encontrados em cada estação. Durante o inverno foram
detectadas as quantidades mais elevadas de agrotóxicos no leite. Essa diferença
possivelmente se apresenta porque o uso de agrotóxicos nessa época é maior; a
alimentação do gado contém maior quantidade de concentrados oleaginosos e
devido à menor dissipação de resíduos no ambiente onde o gado se alimenta,
uma vez que fatores como sol, chuva e vento estão menos presentes nessa
estação.
Estudos de resíduos de agrotóxicos no ambiente e em alimentos de
origem animal no Brasil ainda são escassos. Os já reportados tem caráter
regional ou local, não sendo representativos para uma análise da situação geral
do país (AVANCINI et al., 2013). Todavia, os resultados apresentados são
importantes para uma avaliação preliminar.
No estudo realizado no Rio Grande do Sul para estimar a exposição de
crianças a organoclorados por meio do leite, Heck et al. (2007) analisaram 41
Fonte: Le Faouder et al. (2007, p.716).
Figura 5 - Resíduos de fipronil - quantidade ingerida por meio de ração e quantidade excretada no leite.
34
amostras de leite. Entre essas: 18 amostras de leite cru, 13 de pasteurizado e 10
de UHT. Todas as amostras apresentaram contaminação por pelo menos dois
dos compostos analisados e algumas estavam acima do L.M.R.. Avancini et al. (2013) também estudaram a presença de OC em leite bovino pasteurizado, do
estado de Mato Grosso do Sul, e obtiveram resultados similares. Noventa por
cento das amostras apresentaram resíduo de algum dos agrotóxicos analisados,
em alguns casos acima do L.M.R..
Os resultados de ambas as pesquisas mostram a presença de
contaminantes em leite mesmo após os tratamentos térmicos de pasteurização e
esterilização, indicando que moléculas de organoclorados podem resistir a esse
tipo de processamento, e expondo a potencialidade de contaminação desses
produtos.
A presença de agrotóxicos em leite humano também foi alvo de estudo,
conduzido por Palma (2011) com mães residentes em Lucas do Rio Verde, Mato
Grosso. Foram estudadas moléculas de organoclorados, piretróides e
dinitroanilinas. Todas as amostras analisadas estavam contaminadas, em 85%
por mais de um agrotóxico. A presença de β-endolsufan, aldrin e deltametrina no
leite materno teve associação significativa com aborto, segundo as variáveis
estudadas, resultado condizente com a literatura que trata da toxicologia dessas
moléculas.
Além dos organoclorados, diversos estudos avaliaram e comprovaram
a presença de organofosforados (OF) e carbamatos (CB) no leite brasileiro. Nero
et al. (2007) estudaram a presença de OF e CB em leite cru de quatro regiões
produtoras brasileiras, Viçosa, Botucatu, Londrina e Pelotas. Os pesquisadores
constataram por análises qualitativas 93,8% de amostras contaminadas, por pelo
menos um dos compostos estudados, entre as 209 amostras coletadas. Botucatu
e Pelotas apresentaram as maiores frequências de contaminação para OF e CB,
respectivamente.
Mattos et al. (2010) encontraram contaminação por carbamatos ou
organofosforados em 47% das amostras de leite cru analisadas, coletadas na
região agreste de Pernambuco. Os mesmos agrotóxicos foram estudados por
Navarro (2011) em leite e amostras de alimento para bovinos. Setenta e um por
cento das amostras de leite apresentaram contaminação por OF, enquanto 19,4%
35
estavam contaminadas com CB e 6,5% com ambos compostos. Das 52 amostras
de alimento, 16 continham resíduo de OF, 6 de CB e 3 de ambos.
Fagnani et al. (2011) analisaram 30 amostras de leite cru da região
agreste de Pernambuco, além de amostras de alimento e água das fazendas
onde o leite foi coletado. Das amostras de leite, doze apresentaram
contaminação, sendo os organofosforados mais frequentes que os carbamatos.
As amostras de alimento apresentaram resíduo em 9 das 11 analisadas, com
níveis de contaminação elevados na maioria dos casos. As amostras de água
apresentaram contaminação somente para OF, sendo essas seis das 16
amostras. Nas amostras de quatro das onze fazendas, os agrotóxicos detectados
no leite também estavam presentes no alimento ou água consumidos pelos
animais. Contudo, houve casos em que o contaminante estava presente em
apenas uma das matrizes estudadas.
Silva et al. (2014) conduziram um experimento similar ao de Fagnani et al. (2011), com amostras de quatro diferentes cidades. Das 30 amostras
analisadas, cada uma proveniente de uma fazenda diferente, 5 apresentaram
resíduo de OF, sendo essas de Londrina – PR. Para três das amostras positivas,
o alimento animal pode ter sido a fonte de contaminação, visto que o mesmo
princípio ativo foi detectado no alimento e no leite dos bovinos. A contaminação
por aplicação direta ao gado foi descartada. Apenas duas das cinco fazendas que
apresentaram contaminação utilizavam acaricida, contudo, o ingrediente ativo não
foi objeto de estudo, apesar de pertencer a classe dos OF. As amostras de água
não apresentaram contaminação para nenhuma das moléculas estudadas. Os
alimentos apresentaram contaminação em 47 das 98 amostras coletadas, sendo
que 15 delas continham mais de um agrotóxico. Entre essas, as que
apresentaram contaminação mais frequente foram as rações comerciais e os
alimentos produzidos a partir de soja e milho.
As diferenças encontradas nos estudos apontam para variações
regionais com relação à qualidade do leite produzido, provavelmente associados
à quantidade e ao tipo de agrotóxicos mais utilizados em cada local. O manejo
inapropriado dos produtos também pode ser um fator determinante. Apesar de
proibido, Fagnani et al. (2011) reportaram o abandono de embalagens vazias e
restos de produtos no campo como prática comum entre os agricultores da região.
As consequências dessas práticas são muito nocivas ao ambiente, podendo
36
causar contaminação do solo, da vegetação e até mesmo da água e do ar. A
identificação de agrotóxicos em amostras água demonstra o quanto os ambientes
agrícolas brasileiros podem ter sido contaminados pelo comum descaso com as
boas práticas agrícolas no país.
Granella et al. (2013) encontraram resíduos de agrotóxicos em
amostras de leite pasteurizado orgânico e convencional. Apesar da frequência
baixa (8,9%), o estudo comprova a ocorrência de contaminação em leite
pasteurizado, mesmo nas amostras orgânicas. Outro dado preocupante reportado
pelo estudo foi a presença de monocrotofós em uma das amostras de leite
convencional. Esse organofosforado teve seu uso proibido no país desde 2006,
devido à sua elevada neurotoxicidade. Em 2013, vinte e três crianças de um
vilarejo no leste da Índia foram a óbito devido à presença de altos níveis desse
agrotóxico em uma refeição escolar (WINTERBOTTOM; KELLAND, 2013).
Leite Região Número total de
amostras
Percentual de amostras
contaminadas Nível de
contaminação Referência
Bovino
Mato Grosso do Sul 100 >90%
47% >LMR de clordano, 14% >
LMR de dieldrin e aldrin e 30% >LMR
de heptacloro
Avancini et al., 2013
Pernambuco 30 40% 0% >LMR¹ Fagnani et al., 2011
Pernambuco 53 47% Não avaliado, análise qualitativa Mattos et al., 2010
Paraná (PR) 52 42% Não avaliado, análise qualitativa Navarro, 2011
São Paulo (SP), PR 30 17% 0% >LMR¹ Silva et al., 2014
Minas Gerais, Rio Grande do
Sul, SP, PR 209 94% Não avaliado,
análise qualitativa. Nero et al., 2007
Rio Grande do Sul (RS) 41 100%
15% >LMR α-HCH, 12% >LMR lindano,
7% >LMR aldrin, 10% >LMR ƩDDT
Heck et al., 2007
RS, SP, Distrito Federal 56 9% 4% >LMR Granella et al.,
2013
Jordânia 70 16% 7% >LMR Salem, Ahmad e Staitieh, 2009
Índia 92 53%-HCH, 9%-DDT
2% > LMR de DDT, 53% >LMR de HCH
Battu, Singh e Kang, 2004
Índia 150 100% L.M.R. não especificado
John, Bakore e Bhatnagar, 2001
Búfala Índia 75 100% L.M.R. não especificado
John, Bakore e Bhatnagar, 2001
Humano Mato Grosso 62 100% - Palma, 2011 Fonte: Própria autora. Nota: >LMR - acima do limite de resíduo permitido. 1 – limite internacional utilizado como referência, não estabelecido no país.
Quadro 2 - Quadro resumo de resíduos de agrotóxicos em leite.
37
De modo geral, os estudos consultados demonstram a capacidade dos
resíduos de agrotóxicos serem transferidos ao longo da cadeia produtiva até o
leite (QUADRO 2). As possíveis fontes de contaminação apontadas pelos
pesquisadores são diversas, vão da alimentação animal e contato dos animais
com ambientes contaminados à aplicação direta de produtos para tratamento de
ectoparasitas no gado.
A falta de instrução dos trabalhadores rurais e a ampla utilização de
agrotóxicos no país aliadas à carência de fiscalização por órgãos reguladores
tornam bastante provável a existência de resíduos no ambiente, e nos produtos
destinados a alimentação animal. O comum descaso com as boas práticas
agrícolas indica também que o desrespeito aos períodos de carência de produtos
veterinários pode ser frequente. Além disso, a presença de agrotóxicos em leite
comercial, pasteurizado e longa vida, demonstra que o processamento térmico
pode não ser eficiente na remoção de resíduos.
Nesse cenário, o risco de contaminação do leite brasileiro torna-se
bastante elevado, assim como a necessidade de implementação de políticas
públicas de monitoramento e estudos sobre a qualidade do leite produzido no
país.
4.2. Presença de resíduo de agrotóxicos em produtos derivados de leite
Kumari et al. (2005) estudaram a presença de agrotóxicos em dois
tipos de manteiga e identificaram além de contaminação por organoclorados,
alguns compostos das classes de organofosforados e de piretróides sintéticos,
indicando que esses compostos, podem ser transferidos pela cadeia alimentar até
o leite.
Battu, Singh e Kang (2004) estudaram a presença de agrotóxicos em
leite e manteiga. Apenas resíduos de organoclorados foram detectados,
piretróides sintéticos e organofosforados não estavam presentes. O
diclorodifeniltricloroetano (DDT) foi mais frequente e teve níveis mais elevados em
manteiga que em leite, indicando acúmulo de resíduos na manteiga. Lindano
apresentou a situação oposta, enquanto 56% das amostras de leite estavam
acima do L.M.R. para esse agrotóxico, nenhuma das de manteiga apresentou
violação. A discrepância de comportamento entre os compostos foi atribuída às
38
diferenças físico-químicas entre lindano e DDT, o primeiro sendo provavelmente
transferido em menor escala durante o processamento do leite para a produção
de manteiga.
Das 28 amostras de manteiga analisadas por Chacón et al. (2014),
58,9% apresentaram contaminação, sendo que grande parte estava acima do
L.M.R. O maior número de violações foi devido ao endrin, 24, enquanto p,p´-DDE
estava acima do L.M.R. em seis amostras e dieldrin em três, além de outros
compostos em menor frequência. Já no estudo realizado por Aksoy et al. (2012)
em amostras de manteiga da região do Mar Negro, na Turquia, o único agrotóxico
presente foi o β-hexaclorociclohexano (β-HCH), identificado em 3,41% das
amostras. Contudo, os níveis detectados estavam muito acima do L.M.R. (0,003
mg/Kg), estabelecido para o país pelo Turkish Food Codex.
Essas diferenças nos níveis e frequências de contaminação estão
provavelmente relacionadas a fatores ambientais, como resíduos em ração ou
pastagem, água e solo, como indica o estudo de Witczak e Abdel-Gaward (2014).
Os contaminantes estudados por esses autores estavam presentes tanto na
manteiga como em margarinas e produtos mistos, sendo que a primeira
apresentou níveis de contaminação significativamente maiores que os outros
produtos. Não houve correlação entre o conteúdo lipídico e a quantidade de
resíduos, as diferenças nos resíduos foram então atribuídas à presença de
contaminantes no ambiente e nos alimentos fornecidos ao gado. O maior acúmulo
nos produtos de origem animal demonstra que o potencial de contaminação
desses produtos não pode ser negligenciado.
Kalantzi et al. (2001) realizaram um estudo da distribuição global de
organoclorados em manteiga. Os resultados variaram muito para todos os
agrotóxicos, em diferentes ordens de magnitude, sendo os maiores resíduos
encontrados em áreas em que ainda faziam uso dos produtos. Os pesquisadores
concluíram que a manteiga é uma matriz conveniente para monitorar a
contaminação por essa classe de compostos, pois se mostrou sensível a
variações locais, regionais e globais, assim como a fatores temporais e
atmosféricos.
Almeida-González et al. (2012) estudaram queijos convencionais e
orgânicos, todas as amostras apresentaram resíduos quantificáveis, porém abaixo
do limite máximo estabelecido. Os queijos convencionais apresentaram em média
39
resíduos de dez diferentes OC, enquanto os orgânicos oito. O nível médio de
contaminação nos queijos orgânicos, também foi inferior ao dos queijos
convencionais. O estudo demonstrou que os agrotóxicos também podem estar
presentes em queijos, mesmo quando produzidos no sistema orgânico.
Albert et al. (1990) estudaram organoclorados em queijo de três
regiões mexicanas e detectou resíduos de pelo menos um dos agrotóxicos
estudados em todas as amostras. A maior incidência de agrotóxicos foi detectada
nos produtos fabricados em regiões que haviam sido grandes produtoras de
algodão e com histórico de e vasta utilização de organoclorados, sendo quatro a
nove agrotóxicos detectados por amostra. Queijos produzidos na terceira área
estudada, também agrícola, sem histórico de produção significativa de algodão ou
utilização de OC, tiveram frequência de um a dois agrotóxicos por amostra. Esses
resultados sugerem que assim como a manteiga, o queijo pode indicar a presença
de contaminantes no ambiente em que o leite foi produzido, sendo um potencial
indicador da situação ambiental com relação a agrotóxicos.
No estudo realizado por Santos et al. (2006) em queijos do Rio Grande
do Sul, α-HCH, hexaclorobenzeno (HCB), lindano, aldrin, o,p’-DDD e p,p’-DDD
foram detectados em 100% das amostras, o,p’-DDT e o,p’-DDE em 94,4% e
88,9%, respectivamente. Os níveis estavam acima dos limites recomendados em
56% das amostras. Os resultados demonstram além da presença desses
contaminantes nos queijos brasileiros, possível contaminação ambiental na região
em que foram produzidos e a necessidade de monitoramento e rastreamento das
fontes de contaminação.
Zhang et al., 2006 estudaram a presença de organoclorados em
iogurtes produzidos na china e detectaram contaminação em todas as amostras.
DDT e HCH foram responsáveis pela maior parte dos resíduos encontrados,
juntos constituíram de 77,9 a 100% dos níveis detectados em cada amostra.
40
Salem, Ahmad e Estaitieh (2009) analisaram a presença de
organoclorados em diversos tipos de laticínios e detectaram resíduos em todos os
tipos de matrizes estudados; demonstrando que diversos produtos podem ser via
de exposição a agrotóxicos. As maiores frequências de contaminação foram
encontradas para o labneh (queijo cremoso de iogurte), seguido de queijo,
iogurte, manteiga e leite. A Figura 6 mostra o percentual de amostras
contaminadas por cada um dos agrotóxicos estudados.
O Quadro 3 apresenta o resumo dos resultados encontrados pelos
estudos citados nesse trabalho. A presença de agrotóxicos em todas as matrizes
estudadas mostra a importância do monitoramento de agrotóxicos em produtos
derivados de leite, devido a sua potencialidade de contaminação e acúmulo de
resíduos. Alguns trabalhos indicaram ainda que a influência de fatores ambientais
nos níveis de resíduos em alimentos lácteos prevalece após processamentos
industriais, tornando-os indicadores em potencial da contaminação ambiental por
agrotóxicos. O monitoramento de resíduos nesses produtos traria além da
segurança alimentar dos consumidores, informações importantes sobre possíveis
violações às boas práticas agrícolas, podendo nortear ações de controle dos
órgãos reguladores.
Fonte: Salem, Ahmad e Estaitieh (2009, p.677).
Figura 6 - Percentual de amostras contaminadas com diferentes organoclorados.
41
Quadro 3 – Quadro resumo de resíduo de agrotóxicos em derivados de leite.
Derivado Região Número total de
amostras
Percentual de amostras
contaminadas Nível de
contaminação Referência
Queijo
Europa 54 100% 0% >LMR Almeida-González et al., 2012
Jordânia 46 28% 2% >LMR Salem, Ahmad e Staitieh, 2009
Rio Grande do Sul 18 100% 56% >LMR¹ Santos et al., 2006
México 25 100% Quantidade de amostras >LMR não especificada
Albert et al., 1990
Iogurte
Venezuela 54 89% Quantidade de amostras >LMR não especificada
Medina et al., 2010
Jordânia 69 25% 1% >LMR Salem, Ahmad e Staitieh, 2009
China
18 marcas (8-10
amostras por marca)
100% 0% >LMR Zhang et al., 2006
Manteiga
Venezuela 56 59% Quantidade de amostras >LMR não especificada
Chacón et al., 2014
Turquia 88 3% 3% >LMR Aksoy et al., 2012
Jordânia 25 20% 0% > LMR Salem, Ahmad e Staitieh, 2009
Índia 45 97%
11% >LMR de endossulfam, 2%
>LMR de piretróides sintéticos e
organofosforados
Kumari et al., 2005
Índia 40 70%-DDT, 20%-HCH 0% > LMR Battu, Singh e
Kang, 2004
Labneh² Jordânia 23 30% 13% >LMR Salem, Ahmad e Staitieh, 2009
Ghee³ Índia 55 94%
20% >LMR de endossulfam, 5% >LMR de HCH e
DDT, 9% >LMR de organofosforados
Kumari et al., 2005
4.3. Efeitos do processamento de laticínios nos níveis de resíduo
Os efeitos do processamento para a produção de diferentes tipos de
laticínios ainda não foram amplamente estudado. Poucos resultados se
encontram na literatura a respeito do tema, entre os disponíveis, os mais comuns
Fonte: Própria autora. Nota: >LMR – acima do limite de resíduo permitido; 1 – limite utilizado como referência, não é estabelecido no país; 2 – queijo cremoso de iogurte; 3 – manteiga clarificada.
42
discutem a influência de microorganismos fermentadores na remoção de
resíduos. Outros tipos de processamento foram alvo de poucas pesquisas,
demonstrando a necessidade de uma melhor exploração do tema.
A influência de tratamentos térmicos foi discutida por Kampire et al. (2011) em seu estudo da concentração de organoclorados em leite fresco e
pasteurizado de mercados locais. O leite desnatado pasteurizado apresentou
níveis menores de resíduo e apenas um composto acima do L.M.R., enquanto no
leite cru quatro agrotóxicos estavam acima do permitido. Os resultados indicaram
provável eficiência do tratamento térmico na dissipação de contaminantes.
O tema também foi tratado por Bo & Zhao (2010), que verificaram a
eficiência do tratamento térmico na remoção de sete agrotóxicos
organofosforados. Os resultados indicaram que a dissipação é proporcional ao
tempo e cresce com o aumento da temperatura aplicada. Os compostos
apresentaram diferentes estabilidades, sendo forato o mais estável e parationa-
metílica o mais degradado.
O efeito do processamento de leite de búfala contaminado com
endossulfam para produção de leite pasteurizado, coalhada e manteiga clarificada
estudado por Guha, Kumari e Gera (2013) apresentou resultados positivos para
os dois primeiros casos. Pasteurização por 30 minutos a 63°C reduziu o nível de
contaminação em 52%, em média, e a produção de coalhada em 14%. No caso
da manteiga, não houve variações significativas na concentração de endossulfam,
provavelmente devido a sua afinidade com frações lipofílicas.
Ahmed (2000) estudou a influência do processamento de leite e iogurte
no nível de resíduos de parationa-metílica. Os tratamentos térmicos de fervura
(100 °C por 10 min.) e pasteurização (63°C por 30 min.) removeram entre 68 e
83,7% do contaminante, sendo os melhores resultados do tratamento mais lento.
A produção de iogurte foi ainda mais eficiente, após 72 horas de incubação os
resíduos sofreram entre 92,5 e 95% de redução.
Os quatro estudos foram conduzidos de maneiras diferentes, mas seus
resultados convergiram com relação à influência dos processamentos térmicos,
indicando que apesar de não removerem completamente os resíduos, esses
procedimentos têm capacidade de reduzi-los. Os resultados de Bo & Zhao (2010)
e Ahmed (2000) indicam ainda que a remoção é proporcional ao tempo e cresce
43
com o aumento da temperatura, sugerindo que tratamentos térmicos mais lentos
podem ser os mais eficientes em produzir alimentos seguros.
Zhang et al. (2014) estudaram a degradação de cinco agrotóxicos
organofosforados por dez espécies de bactérias ácido-láticas (BAL) e quatro
combinações de espécies. Os pesquisadores constataram degradação acelerada
dos compostos por ação das bactérias, em todos os casos. A influência de
degradação foi variada tanto entre agrotóxicos como entre espécies. Cloripirifós,
malationa e fenitrotiona foram os compostos de maior instabilidade. Os melhores
resultados foram obtidos para a bactéria L. brevis 1.0209, seguidas de L. helveticus 1.9204 e L. bulgaricus L6, e os piores para L. helveticus 1.0203. O
desempenho dos microorganismos foi positivamente associado à sua capacidade
de produção de fosfatase, indicando que a enzima tem um papel importante para
diminuição dos níveis de resíduo dos agrotóxicos estudados.
Zhou & Zhao (2014) testaram a influência de cinco bactérias ácido-
lácticas e duas culturas de iniciadores na dissipação de nove agrotóxicos
organofosforados. Os resultados indicaram que todas são capazes de degradar
os compostos estudados, em diferentes extensões. As bactérias L. bulgaricus e S. thermophilus obtiveram os melhores desempenhos individuais, mas sua
combinação não resultou em grandes melhorias. Os iniciadores exibiram
performances diferentes entre si e geraram maior aceleração de dissipação que
as bactérias individualmente. Todos os agrotóxicos apresentaram diferentes
susceptibilidades aos microorganismos aplicados, os de menor estabilidade foram
diclorvós e triclorfom. Os perfis de degradação foram atribuídos aos níveis de
fosfatase produzido pelos microorganismos, sendo proporcionalmente
relacionados.
A eficiência de cinco bactérias intestinais na degradação de cloripirifós
foi estudada por Harishankan et al. (2012). L. lactis, L. fermentum e E. coli, apresentaram resultados positivos, dissipando respectivamente 61, 70 e 16% do
contaminante. Cada espécie resultou em um diferente produto metabólico,
indicando caminhos de metabolismo do composto não são os mesmos. A
fosfatase intra e extracelular foi medida, a concentração foi maior fora das celulas,
e o grupo de controle não apresentou a enzima, indicando que a fosfatase é
extracelular e induzida.
44
Diversos estudos apontaram a relação da fosfatase com a capacidade
de degradação dos microorganismos (ZHANG et al., 2014; ZHOU & ZHAO, 2014;
HARISHANKAN et al., 2012), os resultados indicam que quanto maior a produção
de fosfatase maior a degradação dos organofosforados. A utilização de batérias
de alta produção de fosfatase em alimentos fermentados seria então um meio
eficiente de reduzir ou controlar dos níveis de OF (Zhou & Zhao, 2014).
Bo, Zhang e Zhao (2011) estudaram a cinética de degradação de sete
agrotóxicos organofosforados durante a produção de iogurte em presença de dois
iniciadores Direct Vat Sets (DVS). Ambos foram eficientes na degradação de
dimetoato, fentiona e triclorfom, mas apenas o iniciador da Rhodia teve influência
nos níveis de parationa-metílica, monocrotofós e forato. Contudo, o efeito de
ambos foi negativo na dissipação de malationa.
A utilização de culturas iniciadoras, portanto, também pode ser eficaz,
dependendo de sua composição. Os desempenhos reportados diferiram,
provavelmente devido as diferentes composições dos iniciadores (BO, ZHANG e
ZHAO, 2011). Desse modo, estudos preliminares são necessários para identificar
ou desenvolver produtos de maior eficiência, capazes de degradar o maior
número possível de agrotóxicos.
Cho et al. (2009) estudaram a degradação de cloripirifós por bactérias
ácido-lácticas durante a fermentação de kimchi1. Foram identificados quatro
microorganismos capazes de utilizar cloripirifós e outros quatro organofosforados
como fonte de carbono e fósforo, Le. mesenteroides WCP907, Lb. brevis
WCP902, Lb. plantarum WCP931 e Lb. sakei. Esses resultados mostram a que os
benefícios da utilização de microorganismos capazes de degradar
organofosforados podem ser estendidos a outros produtos fermentados,
aumentando sua segurança alimentar.
Entretanto, é importante observar quais os subprodutos gerados por
cada microorganismo, visto que seu caminho metabólico pode ser diferente
(HARISHANKAN et al., 2012) e que a degradação de alguns agrotóxicos pode
gerar subprodrutos mais tóxicos que o composto original.
Abou-Arab (1999) reportou diminuição significativa dos níveis de
lindano em leite pasteurizado, fervido e esterilizado e queijo do tipo ras. A
1 Comida típica coreana, feita de vegetais fermentados. (CHO et al., 2009)
45
eficiência dos tratamentos térmicos mostrou-se proporcional ao tempo e à
temperatura aplicada, sendo a esterilização (121 °C por 15 min.) e a
pasteurização (72 °C por 15 s) os processos de maior e menor eficiência,
respectivamente. A produção de queijo do tipo ras mostrou maior dissipação
durante o período de maturação, provavelmente por ação de microorganismos
maturadores. No iogurte foi observada redução proporcional ao tempo,
alcançando 8,6% de dissipação três dias após a fabricação, atribuída ao
crescimento da cultura de inciadores. O queijo do tipo domiati também foi
estudado, mas os níveis sofreram variação mínima.
Abou-Arab (1996) estudou ainda a estabilidade do DDT e seus
metabólitos no processo de manufatura de queijo do tipo ras e verificou redução
significativa de resíduos após seis meses de maturação. A dissipação foi atribuída
à ação dos microorganismos Streptococcus thermophilus, Lactobacillus bulgaricus
e do fermento utilizado. Isolados do queijo, esses microorganismos foram
capazes de dissipar respectivamente 10,8, 11, 8 e 4,8% de DDT (10 ppm), em
dez dias de incubação.
Mallatou, Pappas e Albanis (2002) estudaram o comportamento de
lindano e parationa-metílica durante a produção e estocagem de queijo do tipo
feta. Os microorganismos utilizados foram das mesmas estirpes aplicadas por
Abou-Arab (1996) na produção de queijo ras, mas os resultados foram bastante
divergentes. Os pesquisadores não constataram variação significativa nos níveis
de lindano durante nenhuma das etapas do processo, mesmo depois de oito
meses de maturação. A parationa-metílica exibiu comportamento bastante
particular durante a maturação. Houve aumento gradual do nível de resíduos até
o fim do segundo mês de estocagem, passando de 25,53 para 227,4 mg/kg de
gordura; a partir de então a concentração entrou em declínio, atingindo 38,8 mg/
kg de gordura no 240º dia. Esse comportamento foi atribuído à provável
associação do composto com a matriz no período inicial, gradualmente liberado
pelas transformações ocorridas durante a etapa inicial de maturação, e
hidrolisado pela diminuição de pH nas fases posteriores.
As diferenças de resultados em queijos mostram que a eficiência de
redução de resíduos pode ser bastante particular para cada tipo de produto e
processo de produção, não devendo ser atribuída apenas a presença de
determinados microorganismos no processo. Os fatores específicos responsáveis
46
pela eficiência de degradação ainda não são conhecidos ou não foram
reportados. A retenção de moléculas na proteína do queijo mostra ainda que
esses compostos podem estar presentes nos produtos em concentrações maiores
do que o método de extração é capaz de acessar.
No geral, os trabalhos estudados demonstraram que certos tipos
processamento são capazes de reduzir os níveis de contaminação por
agrotóxicos. Os resultados foram bastante particulares em cada matriz estudada e
indicam a necessidade de estudos específicos para cada produto, não sendo os
resultados extensíveis a outros produtos.
Os tratamentos térmicos se mostraram capazes de dissipar os resíduos
de modo proporcional ao tempo, crescendo com o aumento da temperatura.
Sugerindo que tratamentos térmicos mais lentos podem ser os mais eficientes em
produzir alimentos seguros.
A utilização de bactérias de alta produção de fosfatase em alimentos
fermentados seria também uma maneira eficaz de reduzir ou controlar dos níveis
de OF, visto que nos estudos mencionados a produção de fosfatase foi associada
à capacidade de degradação de organofosforados. A utilização de culturas
iniciadoras também pode ser eficaz, dependendo de sua composição. O
desenvolvimento de estudos para identificar ou criar iniciadores de alta eficiência,
capazes de degradar o maior número possível de agrotóxicos, pode proporcionar
a produção de alimentos mais seguros para consumo.
47
5 CONCLUSÃO
A ampla utilização de agrotóxicos no país, associada à falta de
instrução dos agricultores e de fiscalização de agentes do governo pode levar a
altos níveis de resíduos nos alimentos e no meio ambiente brasileiro.
Agrotóxicos presentes na alimentação animal podem ser transferidos
para o leite, assim como contaminantes presentes no ambiente, devendo ser
monitorados e controlados para evitar a transferência de resíduos. O tratamento
de ectoparasitas do gado também causa contaminação do leite, principalmente
quando o tempo de retenção não é respeitado.
Os tratamentos térmicos para produção de leite comercial são capazes
de reduzir os resíduos de alguns agrotóxicos, mas não os eliminam
completamente. Os procedimentos mais eficientes são os mais lentos, na maior
temperatura possível. Portanto, produtos fabricados a partir desse tipo de
processamento tendem a ser mais seguros para consumo.
Os estudos sobre contaminantes em derivados lácteos ainda são muito
escassos, tanto em escala global como nacional. Os produtos mais estudados até
o momento são a manteiga e o iogurte, o primeiro pela alta probabilidade de
acumular resíduos, devido ao seu elevado teor lipofílico; e o segundo pela
influência na remoção de resíduos dos microorganismos fermentadores utilizados
em sua produção. Queijos, coalhada e leite em pó foram estudados por poucos
autores e estudos sobre outros derivados não foram encontrados.
Devido ao seu alto teor de lipídios, a manteiga se mostrou uma matriz
favorável ao acumulo de resíduos. Contudo, o teor de gordura não apresentou
relação com os níveis de contaminação; fatores externos possivelmente têm a
maior influência na quantidade de resíduos. Esse comportamento a torna uma
matriz com potencial para monitoramento de contaminantes ambientais. Devido a
essas características, a importância do monitoramento de resíduos em manteiga
foi destacada por diversos autores.
Alguns pesquisadores estudaram a influência de bactérias acido-
lácticas na degradação de agrotóxicos organofosforados e obtiveram resultados
positivos. A eficiência foi associada ao nível de produção de fosfatase, que pode
ser a enzima responsável pelo metabolismo desses compostos. Os estudos
48
indicam que produtos fabricados a partir de BAL de alta produção de fosfatase
podem oferecer maior qualidade e segurança aos consumidores.
Em queijo os resultados foram divergentes e não possibilitaram uma
avaliação conclusiva. Entretanto, há considerações importantes a serem feitas: a
utilização de microrganismos maturadores que podem ter potencial para dissipar
resíduos, como no iogurte, e a retenção de moléculas na proteína do queijo, que
ficam inacessíveis ao método de extração, mas podem ser liberadas com o
passar do tempo.
Outros derivados de leite como sorvetes, leites fermentados, leites
condensados e doces de leite são bastante consumidos no país e nada se
encontrou na literatura a seu respeito, mostrando a necessidade de estudos
direcionados a essas matrizes.
A escassez de trabalhos a respeito de agrotóxicos em matrizes lácteas
mostra um campo de pesquisa necessário e pouco explorado, que precisa ser
desenvolvido para trazer dados importantes sobre a qualidade e segurança do
consumo dessas matrizes.
Os resultados reportados nesse trabalho deixam clara a necessidade
da regulamentação dos níveis de resíduos em leite e seus derivados, assim como
do estabelecimento de programas de monitoramento de resíduos nessas
matrizes, visto sua importância alimentar e sua capacidade de contaminação.
Desse modo, pode-se melhorar a qualidade dos alimentos e garantir maior
segurança alimentar aos consumidores.
49
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