Post on 09-Jan-2017
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL,
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
JULIANA BARBOSA
Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate
Belo Horizonte - MG
2015
JULIANA BARBOSA
Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Local do Centro Universitário
UNA, como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre.
Área de Concentração: Inovações e
Desenvolvimento Local.
Linha de Pesquisa: Educação e Desenvolvimento
Local.
Orientadora: Profª. Drª. Eloisa Helena Santos.
Belo Horizonte
2015
À minha mãe, Maria Catarina, por sua luta, dedicação e
pela brilhante carreira de educadora, minha inesgotável fonte de
inspiração.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Mestrado em Gestão social, educação e desenvolvimento local, pela
inestimável contribuição para minha formação, bem como aos meus colegas e
professores da Instituição UNA e UFMG, pelas palavras de apoio e incentivo durante
toda essa jornada.
Aos amigos, em especial Nicolle e Tarcísio, por compartilharem minhas angústias,
dúvidas e incertezas neste percurso.
Agradeço minha família, que mesmo distante se faz presente em pensamentos e
orações, com palavras de carinho e afeto que me fizeram sustentar nos momentos
de adversidade.
Ao meu amado filho Leandro, razão da minha vida e que me inspira a buscar sempre
algo melhor.
Ao meu noivo Bruno, meu amor, companheiro e amigo, por sua compreensão e
apoio incondicionais.
A minha orientadora Eloisa Helena, pela confiança, por todo o conhecimento
partilhado e a delicadeza sempre presente.
E finalmente, à Deus que me concedeu a honra de conviver com grandes alfaiates,
em especial Onofre de Aquino e Cláudio Freitas, meus mestres, aos quais agradeço
os saberes recebidos, a dedicação e a generosidade em compartilhar os segredos
do ofício.
“Eu quisera ser um alfaiate, e se possível, do meu alfaiate faria um rei!”
Eduardo VII (1841 – 1910)
Rei da Inglaterra
RESUMO
A Alfaiataria é um segmento do vestir que está para o universo masculino assim
como a Alta Costura está para o universo feminino. Seu modelo de aprendizagem se
perpetuou através dos séculos até os nossos dias por meio da relação
mestre/aprendiz. Porém, por implicações trabalhistas e mudanças no ensino
profissional, o aprendiz já não está mais presente nas oficinas de alfaiates, o que faz
com que hoje nos deparemos com a última geração de alfaiates formada de maneira
tradicional. A falta de aprendizes, os avanços da área têxtil e de produção do prêt-à-
porter forçaram os alfaiates a procurar alternativas para manterem-se competitivos
no mercado. Técnicas foram retiradas ou substituídas comprometendo
significativamente o trabalho final do artesão. Técnicas como as de corte e
acabamento são a essência da alfaiataria, e o que a distingue da roupa feita em
escala industrial. Há, portanto, uma necessidade de preservar estas técnicas com o
intuito de garantir a salvaguarda de um ofício secular e que ainda encontra espaço
no mundo contemporâneo. A partir deste problema, o objetivo desta pesquisa é o de
analisar os saberes tradicionais utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua
salvaguarda na perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação
profissional e com o desenvolvimento local. A Ergologia está na base do referencial
teórico, abordando os conceitos de atividade, saberes investidos, saberes
constituídos, ergonomia: AET – Análise Ergonômica do Trabalho. A metodologia
empregada foi a qualitativa, tipo exploratório-descritiva, contando com os
procedimentos da pesquisa bibliográfica e empírica. O cenário foi a oficina de
trabalho de um alfaiate, sujeito da pesquisa. A coleta de dados foi realizada por meio
de registros audiovisuais da atividade de trabalho do alfaiate, entrevista semi
estruturada e observação participante junto ao sujeito da pesquisa. Como produto
técnico foi elaborado um Manual do Paletó, com a descrição detalhada dos saberes
do alfaiate, no intuito de colaborar com a produção de material didático e a
compreensão da atividade do alfaiate pela ótica da Ergologia.
Palavras-chave: Alfaiataria. Saberes Tradicionais. Saberes Investidos. Processo de
Ensino e Aprendizagem.
ABSTRACT
The Tailoring is a segment of dressing that is for the male universe as haute couture
is for the female universe. Its learning model was perpetuated through the centuries
to the present day through the relationship between master and apprentice. But by
labor implications and changes in vocational education, apprentice is no longer
present in the ateliers of tailors, which makes today we encounter with the latest
generation of tailors formed in the traditional way. The lack of apprentices, advances
in textiles and production of ready-to-wear forced tailors to look for alternatives to
remain competitive in the market. Techniques have been removed or replaced
compromising significantly the final work of the craftsman. Techniques such as
shaping and finishing are the essence of tailoring, and what distinguishes it from the
clothes made on an industrial scale. There is therefore a need to preserve these
techniques in order to ensure the protection of a secular office and still finds room in
the contemporary world. From this problem, the purpose of this research is to
analyze the traditional knowledge used by tailors to ensure their protection in order to
contribute to innovative actions of vocational training and local development. The
Ergology underpins the theoretical framework, addressing the concepts of activity,
knowledge invested, knowledge constituted, ergonomics: EWA - Ergonomic Work
Analysis. The methodology used was qualitative, exploratory and descriptive, with the
procedures of the literature and empirical research. The scenario was the atelier of a
tailor, research corpus. Data collection was performed by means of audiovisual
recordings of taylor's work activity, semi-structured interview and participant
observation by the research subject. As a technical product has produced a “Manual
of Jacket”, with a detailed description of taylor's knowledge in order to collaborate
with the production of educational materials and understanding the activity of the
tailor from the perspective of Ergology.
Keywords: Tailoring. Traditional Knowledge. Knowledge Invested. Teaching and
Learning Processes
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Posicionamento de Moldes de um traçado................................................................................33
Figura 2: Indicação de valores a serem aplicados ....................................................................................34
Figura 3: Diagrama da modelagem de um Doublet e sequência de pontos ...........................................35
Figura 4: Quiringh G. Van Brekelenkam, 1655-60 ....................................................................................49
Figura 5: Tailors at work in Hearne's at 63-64, Waterford, 25.07.1907 ...................................................50
Figura 6: Posição do uso do dedal .............................................................................................................98
Figura 7: Dedal amarrado à mão................................................................................................................98
Figura 8: Alinhavo de alfaiate .....................................................................................................................99
Figura 9: Separação e corte do alinhavo ...................................................................................................99
Figura 10: Marcação da lapela de bolso .................................................................................................. 100
Figura 11: Disposição das camadas de entretela no preparo do reforço de peito ............................... 102
Figura 12: Abertura da pence de ombro .................................................................................................. 102
Figura 13: Pence de ombro no reforço de peito ...................................................................................... 102
Figura 14: Alfaiate apontando a diferença na barra do paletó ............................................................... 104
Figura 15: Detalhe do pedaço de papelão no ferro de passar ............................................................... 105
Figura 16: Diferença ombro costas .......................................................................................................... 107
Figura 17: Ombro costas embebido ......................................................................................................... 107
Figura 18: Paletó justo no costado ........................................................................................................... 108
Figura 19: Abertura tecido no costado ..................................................................................................... 108
Figura 20: Marcação do excesso de tecido no decote costas ............................................................... 109
Figura 21: Duas paralelas unindo as golas sob um retalho de entretela ou tecido .............................. 111
Figura 22: Costura de zig-zag entre as paralelas. movimento de levantar de calcador ...................... 112
Figura 23: Costura de união da entretela e tecido com pontos do tipo zig-zag .................................... 112
Figura 24: Ponto picado na capa da gola ................................................................................................ 113
Figura 25: Preparo do tapa miséria .......................................................................................................... 116
Figura 26: Ponto picado na capa da gola ................................................................................................ 117
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
1.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................................................. 18
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................................... 18
1.3 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................................... 19
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 29
2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ALFAIATARIA: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA ACERCA DAS PUBLICAÇÕES, DO TRAJE, DAS
METODOLOGIAS DE ENSINO E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO..................... 31
2.1 OS PRIMEIROS REGISTROS IMPRESSOS DA ALFAIATARIA .............................................. 33
2.2 A EVOLUÇÃO DO TRAJE MASCULINO ................................................................................. 39
2.3 A ALFAIATAARIA ARTESANAL E O PRÊT-À-PÔRTER .......................................................... 42
2.4 A HIERARQUIA DAS OFICINAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO ....................................... 47
2.5 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA ALFAIATARIA ......................................................... 52
2.6 OS DESAFIOS DA ALFAIATARIA ARTESANAL NO SÉCULO XXI ......................................... 56
2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 61
3. A ABORDAGEM ERGOLÓGICA.......................................................................... 63
3.1 TRABALHO E ATIVIDADE DO TRABALHO ............................................................................ 65
3.2 AS TRÊS FONTES INSPIRADORAS DA ERGOLOGIA ........................................................... 67
3.3 NORMAS ANTECEDENTES, DEBATE DE NORMAS E RENORMALIZAÇÃO ........................ 69
3.4 A DRAMÁTICA DO USO DE SI POR SI E POR OUTROS ....................................................... 71
3.5 SABERES CONSTITUÍDOS E INVESTIDOS ........................................................................... 72
3.6 DD3P (DISPOSITIVO DINÂMICO A TRÊS POLOS) ................................................................ 76
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 78
4. RELATO DA PESQUISA: PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS DO
ALFAIATE ................................................................................................................. 81
4.1 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 88
4.2 A PESQUISA EMPÍRICA ......................................................................................................... 88
4.2.1 O CENÁRIO DA PESQUISA .......................................................................................88
4.2.2 O OBJETO DA PESQUISA..........................................................................................89
4.2.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA ....................................................................................90
4.3 O INÍCIO DO TRABALHO DE OBSERVAÇÃO ........................................................................ 93
4.4 AS TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ................................................................................. 94
4.5 A ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS: OS SABERES TRADICIONAIS DO ALFAIATE NA
CONFECÇÃO DO PALETÓ .......................................................................................................... 96
4.5.1 O PROCESSO DA CONFECÇÃO DO PALETÓ NA ALFAIATARIA B ....................96
4.5.2 A CONFECÇÃO DOS BOLSOS ................................................................................100
4.5.3 O REFORÇO DE PEITO ............................................................................................101
4.5.4 O FORRO INTERNO ..................................................................................................103
4.5.5 O PREPARO DA GOLA (BAIXO E CAPA DA GOLA) .............................................110
4.5.6 O ENCAIXE DA MANGA ............................................................................................113
4.5.7 ACABAMENTOS.........................................................................................................117
4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 119
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 120
5. PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL 122
5.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 123
5.2 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS ....................................................................................... 123
5.2.1 PLANEJAMENTO DO CORTE DO PALETÓ NO TECIDO .................................................. 123
5.2.2 ALINHAVO DE ALFAIATE .................................................................................................. 124
5.2.3 APLICAÇÃO DE BOLSOS .................................................................................................. 124
5.2.4 REFORÇO DE PEITO ........................................................................................................ 124
5.2.5 APLICAÇÃO DO REFORÇO DE PEITO NO PALETÓ ........................................................ 124
5.2.6 UNIÃO DAS PARTES DE FORRO E FRENTE ................................................................... 125
5.2.7 ABERTURA DO CENTRO COSTAS ................................................................................... 125
5.2.8 PREGA DO CENTRO COSTAS ........................................................................................ 125
5.2.9 UNIÃO DOS OMBROS ....................................................................................................... 125
5.2.10 GOLA ALFAIATE .............................................................................................................. 125
5.2.11 COSTURA DA MANGA ALFAIATE ................................................................................... 126
5.2.12 CASA DE BOTÃO ............................................................................................................ 127
5.3 PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL ...................... 128
5.4 CONDISERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 268
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DA DISSERTAÇÃO ............................................... 269
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 271
7. APÊNDICE .......................................................................................................... 277
APÊNDICE I – AMOSTRAGEM DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO (BACHAREL) E DESIGN DE
MODA (GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA) ..................................................................................... 277
8. ANEXOS ............................................................................................................. 279
ANEXO I - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS ................... 279
ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...................................... 280
ANEXO III – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......................................................... 282
ANEXO IV – TERMO DE COMPROMISSO DE CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO 466/2012 .... 283
ANEXO V – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CONSELHO DE ÉTICA E PESQUISA.......... 284
12
1. INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa é analisar os saberes tradicionais utilizados pelos
alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de contribuir com
ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento local. Ela
busca a retomada do gestual e das técnicas tradicionais que vem sendo
gradativamente substituídas por técnicas semi-industriais, bem como a análise da
atividade do trabalho do alfaiate artesão por meio da ergologia, abordagem que
coloca em evidência a atividade humana na complexidade das situações de trabalho
e nas relações que aí se estabelecem. Busca o reconhecimento e o valor do
trabalho pelo próprio trabalhador na prática constante do dia a dia, que passa por
vezes despercebida e que o revela, jogando luz a outros valores que vão além da
excelência no exercício da profissão.
O problema se originou em uma pesquisa realizada em Belo Horizonte no ano
de 2011 intitulada Alfaiataria Masculina: Novas Tendências na Tecnologia de
Confecção (BARBOSA, 2011), que buscou alternativas aos processos artesanais
utilizados na confecção do vestuário, com o intuito de torná-la mais competitiva e de
fácil execução, o que contribuía para a longevidade desse ofício que vem
apresentando significativa perda de profissionais.
Essa pesquisa, no entanto, levou à constatação que os processos da
alfaiataria artesanal não encontram similares na alfaiataria industrial. A roupa feita
manualmente é elaborada de forma personalizada, com acabamentos criteriosos,
em que o alfaiate se faz necessário e é decisivo para o ajuste da peça, ao contrário
daquelas confeccionadas em série e/ou maquinário automatizado, desenvolvidas
para um corpo padrão de medidas estipuladas pela indústria. Nas roupas feitas sob
medida existe uma série de particularidades, ora evidenciadas ou dissimuladas pelo
corte preciso do alfaiate, e traz a possibilidade de valorização do corpo que o veste
principalmente por atender as medidas básicas e fundamentais, responsáveis pelo
perfeito caimento de uma peça. O respeito com que o corpo é tratado pelo alfaiate
artesão é um dos valores constantemente trabalhados e o que confere
personalidade à roupa.
13
Percebe-se atualmente que a alfaiataria industrial vem buscando métodos e
alternativas à artesanal, procurando equiparar-se tanto em seus processos de
construção da modelagem quanto na confecção da peça. Equipada com maquinário
de alta tecnologia, vem realizando um trabalho similar ao do alfaiate em operações
que demandam tempo de trabalho significativo, como por exemplo a colocação
manual da gola e da manga. A manga é um dos pontos principais no feitio de um
paletó, objeto de estudo dessa pesquisa, pois a postura da pessoa para quem ele se
destina interfere diretamente no caimento, e uma manga mal posicionada implica em
uma série de outras inadequações que não são percebidas de imediato. Um homem
ou uma mulher que não possui as medidas padrão determinadas pela indústria,
veste um traje prêt-à-porter1 e percebe que não lhe cai bem, no entanto não
consegue identificar o porquê, pois são nuances muito sutis, que não levadas em
consideração acabam por interferir diretamente no caimento da peça.
Apesar das deficiências apontadas, a alfaiataria industrial vem conquistando
espaço significativo fazendo com que a alfaiataria artesanal busque alternativas de
se manter competitiva no mercado. Dessa maneira, ela vem substituindo parte
considerável de seus processos manuais por outras técnicas utilizadas na indústria,
porém de maneira precária, pois o alfaiate artesão não possui um aparato
tecnológico que lhe dê suporte e agilidade nos processos, como ocorre na indústria.
Por consequência, tais mudanças acabam por apresentar uma perda considerável
na qualidade do produto final.
Um dos exemplos para que o alfaiate artesão não consiga se equiparar ao
trabalho realizado pela indústria está no fato de que cada uma das operações de
fechamento do paletó possui uma máquina correspondente. Outro entrave é o fato
de que a maioria das oficinas não possui espaço e organização suficientes para
abrigar o número de máquinas necessário para otimizar os processos, bem como
condições financeiras de realizar tal investimento. Sabe-se que o alfaiate artesão
dispõe apenas de uma mesa, um ferro de passar, de sua máquina de costura reta, e
de outros equipamentos de menor porte como cavaletes e almofadas para auxiliá-lo
1 Roupa “pronta para vestir”, termo originalmente francês.
14
na confecção das peças. O capital do alfaiate artesão está no seu trabalho, nas
técnicas que foram desenvolvidas de forma empírica e tácita na prática do dia a dia.
Somado a esse contexto, está o fato de que os alfaiates que exercem a
profissão na cidade de Belo Horizonte estão boa parte deles, na terceira idade e
aposentados, mas trabalhando para complementar a renda familiar (BARBOSA,
2011). Eles trabalham de forma solitária, sem aprendizes pelas exigências que lhe
são impostas na contratação de um auxiliar, ou de um estagiário. Dessa forma,
acredita-se que a profissão estará em extinção, pois não há renovação da mão de
obra. Esses alfaiates acreditam também que a indústria é a grande vilã no
desaparecimento gradual desse ofício, principalmente pela facilidade com que a
roupa é produzida e colocada à disposição do público consumidor, que com a oferta
de roupas prêt-à-porter no mercado não veem necessidade dos seus serviços.
Entende-se equivocadamente que o valor do trabalho de um alfaiate
restringe-se apenas a ajustes e consertos em geral. Alfaiates relatam a dificuldade
de impor o valor do trabalho que realizam quando são procurados para realizar um
traje completo (BARBOSA, 2011), sob a alegação dos clientes de que o valor
cobrado é alto diante da oferta do mercado com preços atrativos. Não percebem que
a roupa sob medida demanda mais tempo para sua execução, justamente pelo
apreço com que a peça é trabalhada, além de todas as particularidades do corpo
que são atendidas. Isso faz com que eles mesmos, os alfaiates, adotem a
concepção errônea de que não tem estima, de que o trabalho manual não tem valor,
e que não há condições de se manter no mercado diante da massificação da
indústria do vestuário.
Com a preocupação do surgimento dos produtos industriais em detrimento
dos produtos artesanais, bem como a discussão das artes tradicionais, já surgia na
Inglaterra do século XIX o movimento Artes e Ofícios, liderado pelo pintor, escritor,
polemista e propagandista William Morris (ARGAN, 1995). O movimento Artes e
Ofícios buscava o reconhecimento do operário artesão frente às artes tradicionais,
defendendo a ideia de que o trabalho do artesão que faz um objeto era tão válido
quanto o do artista que imita o objeto feito pelo artesão (ARGAN, 1995).
15
Seus pensamentos traziam a ideia de que o produto artesanal era superior ao
produto industrial, considerado desqualificado, promoviam o artesão ao status de
artista e o invocavam a fazer de seu trabalho cotidiano uma obra de arte.
De acordo com Morris (ARGAN, 1995), a roupa realizada pelo alfaiate artesão
pode ser comparada a um ornamento, pois assemelha-se ao trabalho de um
escultor. O alfaiate artesão é um escultor do tecido em operações como o preparo
de uma gola, em que toda a sua execução é feita manualmente, através de pontos
que dão forma ao contorno do pescoço até o encontro da lapela, à frente do paletó.
Quero falar daquele lado da arte que deveria ser sentido e executado pelo simples operário e seu trabalho cotidiano, e que com razão se chama arte popular. Esta arte não existe mais, destruída pelo comercialismo. Mas ela viveu e floresceu desde o início da luta entre o homem e a natureza até o surgimento do sistema capitalista. Enquanto durou, tudo o que o homem fazia era ornamentado pelo homem, assim como tudo o que faz a natureza é ornamentado pela natureza (MORRIS apud ARGAN, 1995, p. 179).
Morris e suas ideias vêm ao encontro da ergologia, em que a valorização do
trabalho como expressão de um sujeito, por meio da sua atividade é o ponto central.
Segundo Schwartz, o importante não é pensar se o trabalho tem valor, mas o valor
do trabalho e se o trabalho faz com que os valores sejam trabalhados2.
A falta de aprendizes compõe o contexto do ofício do alfaiate nos dias atuais.
Ela denota um cenário preocupante, pois se não há renovação dessa mão de obra,
não haverá seguimento desta profissão. No entanto, percebe-se que a massificação
da roupa industrializada vem despertando nas pessoas um desejo de destacar-se,
não no sentido frívolo do vestir, mas na busca de uma identidade, de uma forma de
comunicar-se com o mundo que não essa imposta pela indústria e que cria um
exército de iguais. Há uma importante retomada na valorização do único, do trabalho
manual em vários aspectos, movimento que tem despertado o interesse de jovens
pela alfaiataria.
2 Entrevista concedida por Yves Schwartz à UNISINOS, Universidade do Vale dos Sinos, São Leopoldo-RS
16
Mediante essa situação, algumas ações vêm sendo tomadas no intuito de
registrar a história desses artesãos por meio de imagens. Exemplo disso são os
documentários realizados nas cidades de Curitiba (CORDOVA; STOIEV;
MACHADO; SANTOS, 2009) e Belo Horizonte (GODINHO & SANTOS, 2013), além
de mostras de fotografia, como a intitulada “Alfaiates de BH”, realizada pelo fotógrafo
Alexandre Lopes (JORNAL O TEMPO, 2013). No entanto, com relação aos saberes,
às técnicas propriamente ditas não há algum tipo de registro, justamente pela
complexidade das ações que executam.
Os acabamentos utilizados na alfaiataria alcançam um nível de perfeição que
busca-se adotar em todos os outros segmentos da roupa sob medida. A alfaiataria
contribui com um número importante de técnicas e pontos feitos a mão que são
adotados e utilizados nos ateliês de alta costura. A importância da alfaiataria para
este setor faz com que exista um número elevado de interessados nessa profissão,
porém boa parte deles, quando se deparam com o grau de exigência e perfeição
que as tarefas demandam, acabam por esmorecer e abandonar o aprendizado.
Contudo, interessados no ofício que já possuem considerável experiência na
confecção de roupas sob medida possuem mais desenvoltura na aprendizagem das
técnicas obtendo resultados satisfatórios, dado constatado durante minha prática
docente nos cursos de Moda. A alfaiataria requer um tempo de prática superior a
qualquer outro tipo de costura e exige sobretudo, perseverança, disciplina, capricho
e dedicação, sem estes ingredientes o processo de aprendizagem não se instaura e
por consequência não se conclui.
Segundo os próprios artesãos (BARBOSA, 2011) um alfaiate não leva menos
que um período de três anos para se formar, e isso se ele estiver nas mãos de um
bom mestre que esteja disposto a transmitir todo o seu conhecimento, de forma que
ele também venha a se tornar um alfaiate. Sennett considera esse um tipo de
aprendizado que gira em torno de 10 mil horas:
Esse lapso de tempo aparentemente enorme é o que os pesquisadores estimam necessário para que as habilidades mais complexas fiquem gravadas tão profundamente que se transformem em conhecimento tácito e prontamente acessível (SENNETT, 2009, p.193).
17
Considerando a especificidade dos saberes do alfaiate, surgiu uma
necessidade de acompanhar o trabalho desses artesãos alfaiates e principalmente,
registrá-lo. De tal forma que esses registros possam ser consultados e
transformados em importante material de apoio nos processos de ensino e
aprendizagem, dentro e fora das universidades, em cursos de bacharelado ou
tecnológicos de moda principalmente, onde a alfaiataria é ensinada de maneira
superficial.
A disciplina Alfaiataria (Apêndice I) compõe o currículo dos cursos de Moda
ou Design de Moda em apenas três faculdades no universo de 37 investigadas. Ela
apresenta uma carga horária que gira em torno de 80h semestrais sendo que uma
delas, a Universidade do Estado de São Paulo - USP, apresenta a disciplina
alfaiataria apenas como optativa (30h). Nos demais cursos de graduação de Moda, a
carga horária destinada às práticas da confecção do vestuário não ultrapassa o
número de 340h e engloba as disciplinas de modelagem em geral, incluindo a
modelagem plana, modelagem informatizada e moulage3. Nesses casos, não é
possível verificar qual a ênfase que é dada à modelagem masculina, em especial, a
alfaiataria.
Com relação ao material didático trabalhado nesses cursos, há uma única
publicação disponível sobre o tema intitulado Alfaiataria: Modelagem Plana
Masculina, da autora Stefania Rosa (2008) e que trata da construção da modelagem
das peças principais do vestuário masculino. Encontram-se também algumas
publicações referentes ao processo da modelagem de peças esportivas, porém há
uma deficiência com relação às publicações referentes à execução e à confecção
das peças tradicionais no rigor da alfaiataria artesanal, de forma que a socialização
dos resultados dessa pesquisa cobrirá uma lacuna importante na literatura que trata
do tema.
Além de contribuir com a produção de material didático, do ponto de vista dos
eixos de formação do programa de mestrado MGSEDL4 há uma adequação à
necessidade de inovar os processos de ensino e aprendizagem da alfaiataria não
3 Modelagem tridimensional, onde a peça é elaborada diretamente sobre o manequim. 4 Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.
18
apenas com relação às técnicas que executam, mas também com relação à gestão
do negócio. Esta contribuição se estende à formação de profissionais que já atuam
ou atuarão, futuramente, em setores da economia e, portanto, com repercussões no
desenvolvimento da alfaiataria local.
1.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo geral dessa dissertação é o de analisar os saberes tradicionais
utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de
contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento
local.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Observar a atividade de trabalho do alfaiate para identificar os saberes
tradicionais da alfaiataria;
2. Registrar o passo-a-passo na confecção da principal peça da alfaiataria, o
paletó, desenvolvido por um alfaiate artesão, através de imagens (foto e
vídeo) e descrição dos processos;
3. Compreender as condições e relações de trabalho dos alfaiates sob a ótica da
ergologia;
19
1.3 JUSTIFICATIVA
A alfaiataria é um segmento do vestir que está para o universo masculino
assim como a Haute Couture5 está para o universo feminino. Tem como objetivo
principal a confecção de roupas artesanais e sob medida, tais como o terno6,
costume ou fato7, casacas e camisas, principalmente. Como a alta costura, ela está
no topo da cadeia produtiva do vestuário (HOPKINS, 2013), pela qualidade dos
materiais, tecidos, entretelas e aviamentos que emprega; pelo requinte dos
acabamentos utilizados, quase na totalidade feitos à mão, bem como pela
particularidade da relação do alfaiate artesão com o cliente.
A qualidade da peça desenvolvida pelo alfaiate é assegurada desde a tomada
de medidas, momento em que o corpo é cuidadosamente avaliado. Passa pela
elaboração da modelagem, que é executada diretamente no tecido ou em tela de
teste específica8, até as provas9 estabelecidas durante o processo que, dependendo
do alfaiate, podem variar de uma a três para a conclusão e a entrega do produto
final.
Isto significa que uma peça de roupa é cosida para um indivíduo, por um indivíduo. Para cada cliente é desenvolvido, segundo as suas medidas e os seus desejos, um corte próprio, que é exatamente ajustado ao seu corpo e que corresponde à sua personalidade (ROETZEL, 2010, p.93).
Todos esses são processos que atualmente levam em torno 40 horas de
trabalho, num intervalo de tempo que varia entre alguns dias para a primeira prova,
a chamada prova seca10, e de seis a oito semanas para a entrega da peça finalizada
(ROETZEL, 2010). Espaço de tempo que reflete o trabalho manual desenvolvido
5 Termo francês referente à alta costura, regido pela Câmara de Alta Costura de Paris (1868). É ela quem determina quais grifes podem usar o termo Haute Couture. 6 Traje masculino composto por três peças: Paletó, colete e calça. 7 Traje masculino composto por duas peças: Paletó e calça. 8 As telas de teste são realizadas normalmente em tecido de algodão crú. 9 Etapas do processo de confecção da peça em que o cliente veste a roupa para eventuais correções e/ou ajustes. 10 Prova em que o paletó é todo alinhavado, sem colocação de bolsos nem entretelas. É nesta prova que as principais correções com relação à largura do corpo, encaixe de cava e pescoço são realizadas.
20
pelo alfaiate artesão, de maneira criteriosa e respeitosa com relação ao corpo que o
vestirá.
A máquina de costura é usada para quase todas as costuras e pences, mas quase 75 por cento de todos os pontos em um terno sob medida ainda são feitos à mão, para garantir a modelagem mais precisa do tecido. As novas entretelas fusíveis estão sendo utilizadas pela maioria dos alfaiates personalizados para reforçar áreas pequenas, como pontas de pences ou o interior de alguns bolsões, porém, elas não são consideradas substitutas aceitáveis para o reforço de peito - entretelas costurada à mão, que dão corpo a parte frontal inteira do revestimento. Alfaiates de hoje continuam a praticar a sua arte quase exatamente como era praticada há um século. Não necessariamente porque mais lento é melhor, mas porque estes métodos produzem corpo e forma, detalhes e durabilidade que novos métodos mais rápidos de alfaiataria são simplesmente incapazes de igualar (CABRERA, MEYERS, 2010, p.01)11.
Contudo, todo esse rigor na confecção de uma peça sob medida que implica
diretamente no tempo empregado, vem fomentando discussões acerca do rumo que
os ofícios artesanais têm assumido no mundo contemporâneo, em que a urgência
no consumo vem tomando cada vez mais espaço.
O apelo do imediato adotado pelas indústrias por meio do surgimento de
novas tecnologias faz com que o tempo de produção de um paletó seja reduzido
consideravelmente. Com maquinário específico, a indústria é capaz de realizar
algumas tarefas delicadas em minutos. Um bom exemplo é a colocação dos bolsos
da frente externa e interna do paletó. Nela o operador12 alimenta a máquina com as
peças de tecido que serão costuradas ao corpo dando forma ao bolso, porém, de
11 Tradução livre da autora: Although new machines and new methods of fusing layers of fabric together offer today's tailor speedy alternatives to time consuming hand word, relatively few of these faster methods have been adopted by custom tailors. The sewing machine is used for almost all seams and darts, but almost 75 percent of all stitches in a custom-tailored suit are still done by hand, to ensure the most accurate shaping of the fabric. The new fusible interfacings are being used by most custom tailors to reinforce certain small areas, such as dart tips or the inside of some pockets, however, they are not considered acceptable substitutes for the multi-layered, hand-stitched canvas interfacing which gives body to the entire front of the jacket. Today's tailors continue to practice their art almost exactly as it was practiced a century ago. Not because slower is necessarily better, but because these methods produce body and form, detail and durability which newer faster methods of tailoring are simply unable to equal. 12 Funcionários que operam máquinas de costuras sem necessariamente compreender o processo como um todo. São considerados operadores e não costureiros. Há que se considerar, no entanto, segundo a ergologia, que mesmo nesse tipo de trabalho é possível encontrar o trabalhador que se expressa subjetivamente na sua atividade e, portanto, capaz de criar algo diferente daquilo que lhe foi prescrito.
21
maneira mecanizada diferente do trabalho desenvolvido pelo alfaiate artesão nas
mesmas operações em que oferece um toque de pessoalidade à peça, evidenciando
que naquela roupa há originalidade e apreço.
Já em 1933, um Guia Prático de Alfaiataria direcionado aos iniciantes alertava
sobre o uso da máquina de costura, chamando a atenção para o trabalho sem vida
ou personalidade, a exemplo do que ocorre nas fábricas de confecção de vestuário
em que não há costureiras ou alfaiates, mas meros operadores de máquina, sem o
domínio da confecção de uma peça por completo.
Existem hoje máquinas para quase qualquer tipo de costura, corte, enchimento, botoeiras, etc., mas o trabalho é puramente mecânico e não tem vida ou personalidade com ele. Ao aprendiz e estudante de Arte e Artesanato é aconselhado a manter-se o padrão do trabalho ao mais alto grau possível, de modo a manter um comércio glorioso nas fileiras do excelente acabamento (LIBERTY, 1933, p.52).13
A habilidade da costura manual está diretamente relacionada a outra
importante operação que diz respeito à confecção da manga. Considerada uma das
tarefas mais árduas da alfaiataria, ela demanda esforço e tempo significativos pela
justa posição desta peça no paletó, motivo de orgulho ao final de sua execução e
onde o bom alfaiate se revela. São várias costuras à mão que a manga recebe antes
do seu encaixe na cava do paletó, que desta forma garantem a posição exata, a
postura do corpo e o caimento do braço do cliente.
Já na alfaiataria industrial, elas são aplicadas com uma velocidade de tempo
inferior, mas não garantem a posição correta no corpo, justamente por não haver um
contato direto com aquele que vestirá a peça. Os ajustes são restritos e feitos no
momento da venda, detendo-se a pequenos reparos como a alteração do
comprimento da manga, quando necessário. Ajustes maiores são impossibilitados
por estarem relacionados à estrutura da peça, correções que só poderiam ser
realizadas diante da tomada de medidas do cliente, como os valores de costado e
ombro por exemplo, que influenciam diretamente na colocação da manga. É uma
13 Tradução livre da autora: There are now machines for almost any kind of stitch, felling, padding, buttonholes, etc., but the work is purely mechanical and has no life or personality with it. The apprentice and student of the Art and Craft is well advised to keep up the standard of the work to the highest possible degree, and so keep a glorious trade in the ranks of excellent workmanship.
22
forma de produção que atende o imediatismo presente no vestir atual, mas que
compromete significativamente a qualidade da roupa.
As novas gerações desconhecem a forma de vestir no espaço de tempo
determinado pelo alfaiate artesão. Os jovens em regra, conhecem a forma de
consumir de momento, ou ainda, compulsivamente, em que não há uma clara
consciência do que se adquire.
O apelo da roupa pronta, de fácil aquisição em termos de custos, faz com que
haja um consumo desenfreado observado em diversas esferas da sociedade e que
implica em uma série de outros problemas, mazelas características do século XXI.
Num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma velocidade de tirar o fôlego, num mundo de incessantes novos começos, viajar esperançoso parece mais seguro e encantador do que a perspectiva da chegada: a alegria está toda nas compras, enquanto que a aquisição em si, com a perspectiva de ficar sobrecarregado com seus efeitos diretos e colaterais possivelmente incômodos e inconvenientes, apresenta uma alta probabilidade de frustração, dor e remorso (BAUMAN, 1925, p.28).
A insatisfação com o próprio corpo é um destes aspectos, pois a roupa pronta
para vestir não é capaz de atender a cada sujeito na sua particularidade, mesmo
aqueles que possuem um corpo harmonioso. A massificação imposta pela mídia traz
um estereótipo de beleza ideal: mulheres magras e homens musculosos, fazendo
com que aqueles fora destes padrões, sintam-se de certa maneira excluídos ou
encorajados a buscar esse ideal a qualquer preço.
Nossa sociedade tanto cultua o corpo como não cessa de desprezá-lo, comercializá-lo e coisificá-lo. O corpo reina e padece diariamente. Propagam-se as “deficiências” e os limites corporais, desvalorizam-se as singularidades e potencialidades dos sujeitos e os tornam desnecessários, descartáveis, sem sentido, e, simultaneamente, o aclamam, fazendo do corpo o mais sublime objeto de adoração. (TRINCA, 2008, p. 03).
O trabalho do alfaiate artesão apresenta-se como uma alternativa à tirania do
vestir contemporâneo, em que o corpo é submetido à roupa ao invés da roupa vestir
o corpo. Os homens das antigas gerações, e também aqueles que conhecem o valor
do trabalho artesanal, apesar do avanço e da praticidade da roupa pronta para
23
vestir, não abrem mão do trabalho do alfaiate. Os mais jovens, que têm o primeiro
contato com esse profissional em um momento festivo como formatura ou
casamento, também compreendem e passam a privilegiar e consumir esse serviço.
O alfaiate artesão tem a capacidade de atender e valorizar o corpo, ora
evidenciando, ora dissimulando o que for necessário para colocá-lo em harmonia.
Apesar disso, reconhecer a diferença entre um traje feito por um alfaiate por outro
feito para um tamanho padrão só é possível quando ambos são confrontados:
Um fato feito por medida só pode ser tão bom como o alfaiate que o corte e cose. No entanto, se o cliente não tiver capacidade para reconhecer um bom trabalho, torna-se mais difícil para o alfaiate realizar o seu trabalho corretamente. Assim, põe-se a questão: como devem os clientes saber o que é bom, quando só tiverem sido confrontados, ao longo da sua vida, com fatos confeccionados para um corpo de tamanho normal imaginário? (ROETZEL, 2010, p. 93).
Entretanto, esse resultado demanda tempo para cumprir todo o processo,
considerado um “ritual” da roupa sob medida. O resgate da cultura dessa forma de
vestir é imprescindível para a manutenção do ofício do alfaiate, que não encontra
equivalente nas roupas industrializadas.
A roupa sob medida e todos os seus processos demonstram a complexidade
e o respeito com que cada uma das etapas é concluída. Um alfaiate artesão para
alcançar um nível de excelência no trabalho que realiza dedicou anos de
aprendizado, numa metodologia de ensino não regulamentada oficialmente em
bancos escolares, mas que permaneceu eficaz durante os séculos pelos quais
atravessou.
Verifica-se que, entre os riscos que a alfaiataria apresenta de não se manter
apesar da sua importância no segmento do vestir, está o fato de que não há uma
renovação da mão de obra dentro dos rigorosos padrões da alfaiataria artesanal.
Isso se dá pela obsolência do método de ensino e aprendizagem, não por sua
ineficiência, mas pelas dificuldades de se adequar às regras que regulamentam o
trabalho do menor aprendiz.
24
Alfaiates artesãos ingressavam no ofício ainda no início da adolescência. O
aprendizado na alfaiataria era e ainda é um processo lento que necessita tempo de
assimilação dos pontos, bem como o manuseio do tecido. Posteriormente iniciava-se
a construção da roupa a partir dos saberes constituídos, aquele tipo de
conhecimento que, segundo a ergologia, é adquirido em bancos escolares, tais
como a matemática e a anatomia. A estes saberes se soma um outro, adquirido com
cautela na prática do dia a dia da oficina, de maneira tácita e empírica, denominado
saber investido.
A arte do alfaiate, complexa e de diffícil (sic)penetração, exige longos anos de devotamento, divididos entre o estudo e a prática. Bases deste estudo e dessa prática são sem dúvida alguma a Anatomia, a Mathemática (sic) e a Geometria. Sem conhecimento, rudimentar mesmo, dessas três sciencias (sic), não haverá alfaiates artistas. E por artista alfaiate devemos entender o creador (sic) de modas (JUNIOR, 1937, p. 19).
Anteriormente, o menino aprendiz era confiado pelos pais ao mestre alfaiate,
que normalmente apresentava algum tipo de parentesco ou amizade com a família,
num gesto de confiança de ambas as partes. O aprendizado na alfaiataria não
restringia-se apenas às lições de costura e traçados, havia lições de
comportamento, de ética e valores do trabalho em toda a sua dimensão,
transmitidas pelos mestres alfaiates.
Pesquisa realizada pela antropologia Lave (2011) na década de 70, no
vilarejo africano de Happy Corner, na Libéria, ao oeste da África, apresenta dados
que se assemelham à realidade dos alfaiates no Brasil, em que o início do
aprendizado dos alfaiates artesãos no ofício se deu por influência dos pais:
Um mestre alfaiate poderia promover um rapaz de treze ou quatorze anos como um aprendiz. Muitas vezes ele tinha laços com os parentes mais velhos do menino, e a decisão da criança de que poderia se tornar um alfaiate tinha sido resolvido em discussões acerca de como criar um portfólio diversificado de artesanato e comércio no interior da extensão familiar (LAVE, 2011, p. 44)14.
14 Tradução livre da autora: A master tailor might foster a boy of thirteen or fourteen as an apprentice. He often had ties with de boy's senior relatives, and the decision that the child should become a tailor had been sorted out in discussions about how to create a diverse craft and trade portfolio within the extended family.
25
As discussões a que se refere a autora eram tidas no seio da família, quando
o pai percebendo as aptidões e habilidades de seus filhos, decidia por eles a
profissão que seguiriam, algumas vezes contra a vontade do próprio filho. Apesar
disso, tomavam gosto pelo ofício e decidiam aprendê-lo.
Acerca dessa forma de seleção, há o testemunho do alfaiate Maurício
Messias, em entrevista15 a um canal de televisão nacional realizada no dia 12 de
novembro de dois mil e doze, na qual relata que o pai alfaiate, todas as noites
distribuía um retalho e tecido, linha e agulha aos seus oito filhos para que
costurassem. A partir destes retalhos procurava identificar aquele que tivesse mais
habilidade para investir e ensinar o ofício, maneira pela qual o alfaiate Messias foi
eleito entre os oito irmãos.
Já entre os alfaiates que atuam na cidade de Belo Horizonte, é recorrente o
depoimento de que não havia em sua época outras alternativas de trabalho, e de
como o estudo era de difícil acesso para as famílias mais humildes que viviam no
interior (BARBOSA, 2011). Dessa forma, eles se viam forçados a escolher desde
cedo uma profissão, e a escolha pela alfaiataria se dava por ser um trabalho “leve e
limpo”, diferente de outras profissões como o trabalho na roça, de seleiro ou
carpinteiro. Porém, há aqueles que dizem ter feito essa opção por escolha própria,
pelo convívio com alfaiates familiares ou vizinhos, e que inseridos nesse ambiente,
naturalmente, optaram por seguir o ofício.
Porém, percebe-se que o valor do trabalho para esses alfaiates que
ingressaram no ofício por vontade própria tem conotações diferentes daqueles que
sonhavam com outras profissões, mas permaneceram na alfaiataria por escolha dos
pais. Os alfaiates que escolheram a alfaiataria se reconhecem no trabalho que
executam e a compreendem como uma arte, exatamente como Morris defendia no
século XIX, quando invocava os artesãos a fazerem de seu trabalho cotidiano uma
“obra de arte” (ARGAN, 1995).
15http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/mauricio-messias-confecciona-gravatas-ha-20-anos/2239285/
26
Um dos alfaiates que ingressou no ofício por livre escolha (BARBOSA, 2011)
cita o Sindicato dos Alfaiates do Rio de Janeiro como o local onde ingressou como
office boy e permaneceu como aprendiz num processo que levou cerca de dez anos
para ser concluído. No entanto, essa é uma das poucas alternativas tradicionais de
formação, o processo de aprendizagem em geral se dava diretamente no local de
trabalho do alfaiate artesão.
Atualmente, no Brasil, há alguns cursos livres. Uma escola de Alfaiataria
intitulada “Projeto Sob Medida” foi criada em 2008 com recursos próprios pela
Associação dos Alfaiates e Camiseiros do Estado de São Paulo, a AACESP, pela
necessidade de profissionalização do setor, seguindo a tradição de países como a
Itália e a Inglaterra.
A alfaiataria italiana é reconhecida pelo “desenvolvimento da moda masculina
europeia, apoiada por uma longa tradição de habilidade de domínio das técnicas de
tecelagem” (CRANE, 2006). Lá está situada a primeira Academia de Alfaiataria, a
Accademia Nazionale Dei Sartori16. Fundada pelo Papa Gregório XIII, no ano 1575,
em Roma, a Academia passou por vários momentos de crise tendo suas atividades
suprimidas em 1801 pelo Papa Pio VII, e seu retorno somente em 1938, mantendo-
se até os dias de hoje.
Lá são formados alfaiates dentro dos rigorosos padrões de qualidade da
alfaiataria italiana, e há notadamente um espírito de admiração e respeito pelo fazer
do alfaiate. Nesta Academia promovem-se concursos anuais tais como:
ManichinoD’oro17 e Forbici D’Oro18 em que os artesãos que melhor ilustram o estilo,
a habilidade, a técnica, a criatividade e o rigor formal da alfaiataria sob medida são
premiados numa forma de incentivar e promover novos talentos. A mesma tradição e
respeito pelo fazer do alfaiate é percebida na Inglaterra, principalmente na rua Savile
Row, principal endereço das alfaiatarias londrinas:
16http://www.accademianazionaledeisartori.it/it/organigramma-elenco-nominativi/scuola-di-taglio.html 17 Manequim de Ouro – concurso voltado para o vestuário feminino. 18 Tesoura de Ouro – concurso voltado para o vestuário masculino, em específico o traje formal de alfaiataria.
27
Num mundo em que se considera um estilista superior a um artesão, a Savile Row é um dos últimos bastiões nos quais a produção de uma obra está na mão daquele que a produz de forma artesanal, nomeadamente o alfaiate (ROETZEL, 2010, p. 92).
A Inglaterra também possui lugar de destaque na história da alfaiataria.
Foram os ingleses que, no final do século XIX, com o movimento intitulado
Dandismo, colocaram o alfaiate artesão em evidência, elevando seu status ao
destacar a vestimenta do homem tido como elegante. Mesmo antes desse
movimento, Balzac já reverenciava a alfaiataria inglesa em detrimento da francesa:
Se o costume que defendo necessitar do apoio de alguma autoridade, posso citar como exemplo toda uma nação, a Inglaterra, esse clássico bastião de trajes leves e desforrados. Talvez alguns espíritos tacanhos queiram acusar-me neste ponto de falta de sentido de nacionalidade, ao ir buscar, fora do país, os meus modelos. Mas repudio os ignorantes preconceituosos que fomentam ódios nacionais, não consentindo que imitemos o que é bom, independentemente de sua origem (BALZAC, 2008, p.32).
A história da alfaiataria nos coloca diante do fato de que ela se faz necessária
independente do momento em que atravessa. É um legado secular, dotado de
saberes e aspectos necessários para atender de forma criteriosa aqueles que não
se satisfazem com a oferta massificada da indústria do vestuário.
As técnicas tradicionais e mesmo aquelas desenvolvidas pelos alfaiates
artesãos contemporâneos, são cobiçadas por profissionais da costura em geral e por
estudantes que buscam, por meio de cursos livres ou de graduação um tipo de
formação que não é oferecida no modelo clássico de educação. O momento atual no
mundo do trabalho não mais permite metodologias como as empregadas na
alfaiataria tradicional, fundada na relação mestre-aprendiz, no entanto, ele possibilita
criar mecanismos e estratégias de aprendizagem para que uma nova geração de
alfaiates se desenvolva, com conhecimentos que vão além da técnica, ampliando o
campo de atuação desse profissional. Aquele que hoje se interessa pela alfaiataria
e que busca esse tipo de conhecimento, mesmo informal, geralmente possui
maturidade e capacidade de apreensão das técnicas de forma mais favorável que
em épocas anteriores, em que o ofício era imposto aos jovens na maioria das vezes.
Os conhecimentos necessários para o desenvolvimento da alfaiataria vão além do
28
produto, abarcando aqueles específicos que incluem o tecido empregado, as
entretelas e outros aviamentos. São conhecimentos amplos de criação, dos
movimentos históricos sociais do vestir, do comportamento, de administração e
marketing, além do próprio traçado de maneira ampla. Este último é considerado um
conhecimento tradicional herdado dos próprios alfaiates artesãos.
Esta pesquisa se justifica, portanto, já que objetiva retomar os saberes
tradicionais do alfaiate e desenvolver um manual de confecção de um paletó como
produto técnico. Ela contribui para criar mecanismos e estratégias para que a
alfaiataria se mantenha como oferta de processos de ensino e aprendizagem no
âmbito das universidades ou fora delas, por meio de grupos de estudo, cursos
regulares ou de extensão, editais de fomento para ações variadas afim de valorizar o
trabalho e os saberes dos alfaiates artesãos. Poderá contribuir ainda, com os cursos
chamados de qualificação, que fazem parte do conjunto de cursos ofertados hoje
pelo PRONATEC denominados cursos de formação inicial e continuada – FICs, uma
vez que a Alfaiataria integra o catálogo de cursos desde 2013.
Contribui, assim, para o desenvolvimento de ações que concorram para
formar uma nova geração de profissionais no segmento da alfaiataria e que preserve
suas características fundamentais. Contribui, ainda, para dar condição aos alfaiates
tradicionais de reconhecerem-se como peças importantes da indústria do sob
medida que contribuíram significativamente para o desenvolvimento das profissões
do vestir. Desta forma, essa pesquisa se apresenta como de interesse para as
políticas de educação profissional e tecnológica, além de valorizar um ofício secular.
Esta dissertação compõe-se de 5 capítulos. O capítulo 1 trata-se de uma
revisão bibliográfica sobre os primeiros registros impressos da alfaiataria seguida por
uma descrição dos processos de ensino aprendizagem nas oficinas e das relações
de trabalho dos alfaiates.
O capítulo 2 aborda a metodologia empregada bem como uma descrição
detalhada dos elementos da investigação. O capítulo 3 traz uma revisão bibliográfica
que constituiu o aporte teórico da pesquisa.
29
O capítulo 4 apresenta o relato de pesquisa com a descrição e análise dos
dados empíricos. Nele é descrito todo o processo de confecção do paletó,
entrelaçando os conceitos da ergologia com as ações desenvolvidas pelo alfaiate.
Por fim, o capítulo 5 apresenta o produto técnico configurado no Manual de
confecção do paletó, que traz a sequência detalhada do processo de confecção
como uma proposta de salvaguarda dos saberes do alfaiate.
REFERÊNCIAS
ACCADEMIA NAZIONALE DEI SARTORI. Acessado em 28.10.2013 http://www.accademianazionaledeisartori.it/it/organigramma-elenco-nominativi/scuola-di-taglio.html.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
BALZAC, Honoré. Do vestir e do comer: algumas notas… Lisboa: Padrões Culturais Editora: 2008.
BARBOSA, Juliana. Alfaiataria Masculina: Novas tendências em tecnologia de confecção. BITIB/FAPEMIG, Belo Horizonte, 2011. BAUMAN, Zygmunt, 1925. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
CABRERA, Roberto, MEYERS, Patrícia. Classic Tailoring Techiniques. Fairchild Publications: New York, 2010. CRANE, Diana. A Moda e seu Papel Social: Classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac, 2006. HOPKINS, John. Moda Masculina. Porto Alegre: Bookman, 2013; JUNIOR, Carnicelli. Methodo de Corte Completo. Rio de Janeiro: Cia Brasil
Editora, 1937. LIBERTY, J. E. Pratical Tailoring: The art and craft simply explained for the student and apprentice. London: Great Britain, 1933.
ROETZEL, Bernhard. O Gentleman. Livro da Moda clássica masculina. Potsdam,
Alemanha: H.F. Ullmann, 2010.
30
ROSA, Estefania. Alfaiataria: Modelagem Plana Masculina. Distrito Federal:
Editora Senac, 2008. SANTOS, Valéria; CORDOVA, Dayana Zdebsky de; STOIEV, Fabiano; MACHADO, João Castelo Branco. 2009. Alfaiatarias em Curitiba. Curitiba: Edição dos Autores,
2009. SENNETT, Richard; tradução de Clóvis Marques. O Artíficie. Rio de Janeiro: Record, 2009. SCHWARTZ, Ives. Entrevista concedida à UNISINOS – Universidade do Vae dos
Sinos, São Leopoldo RS. Acessado em 01.11.2013: http://www.rts.org.br/entrevistas/yves-schwartz-diretor-cientifico-do-departamento-de-ergologia-da-universidade-de-provenca-franca.
TRINCA, Tatiane Pacanaro. O corpo-imagem na “cultura do consumo”: uma análise histórico-social sobre a supremacia da aparência no capitalismo avançado. UNESP – Dissertação de Mestrado, Marília, 2008.
31
2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ALFAIATARIA: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA ACERCA DAS PUBLICAÇÕES, DO TRAJE, DAS
METODOLOGIAS DE ENSINO E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Juliana Barbosa19
Eloisa Helena Santos20
Resumo
Este artigo tem origem em uma pesquisa que buscou conhecer os saberes tradicionais do alfaiate bem como as dificuldades que incidem sobre a preservação desses saberes e sobre a sua transmissão. Uma revisão bibliográfica e uma pesquisa de campo compuseram a metodologia qualitativa adotada. Seus resultados forneceram subsídios para a produção de um manual de confecção do paletó, além de elementos para a elaboração de proposta de cursos de alfaiataria. O presente artigo objetiva apresentar resultados da revisão bibliográfica empreendida e que tratou do desenvolvimento histórico da alfaiataria. Ele se constitui dos primeiros registros impressos da alfaiataria, da evolução do traje masculino, da alfaiataria artesanal e do prêt-à-porter, da hierarquia nas oficinas e das relações de trabalho, do processo de ensino e aprendizagem na alfaiataria e dos desafios da alfaiataria artesanal no século XXI.
Palavras-chave: Alfaiataria artesanal. Saberes tradicionais do alfaiate Processo de
ensino-aprendizagem na alfaiataria. Relações de trabalho na alfaiataria.
Abstract
This paper comes from a survey of a research that aimed to know the traditional knowledge of the tailor as well as the difficulties that focus on the preservation of this knowledge and on their transmission. A literature review and a field research formed the qualitative methodology adopted. Their results provided input to the production of a jacket making manual, in addition to elements for the elaboration of proposed tailoring courses. This paper presents results of the literature review undertaken and dealt with the history of tailoring development. It is the first printed records of tailoring, the evolution of male costume, artisanal tailoring and ready-to-wear, the hierarchy in the ateliers and working relationships, teaching and learning process in tailoring and the challenges of handmade tailoring in the 21st Century.
19 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 20 Orientadora e Professora Doutora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.
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Keywords: Handmade Tailoring. Tailor’s Traditional Knowledge. Teaching-Learning
Processes in Tailoring. Labor Relations in Tailoring. INTRODUÇÃO
A alfaiataria é um ofício secular, particularmente dotado de técnicas e saberes
perpetuados pelos alfaiates de maneira singular na hierarquia de suas organizações,
na particularidade da metodologia de ensino empregada e por meio de suas
práticas.
O objetivo deste artigo é a descrição do desenvolvimento da alfaiataria desde
a primeira publicação datada no ano de 1589, com perspectiva de releitura dos
traçados além da possibilidade de elaboração de material didático que comtemple a
prática do alfaiate. A evolução dos sistemas de produção prêt-à-pôrter21 e suas
implicações, bem como a evolução do traje masculino também serão abordadas
estabelecendo uma relação direta com a história do alfaiate na sociedade.
Será abordada ainda a hierarquia dentro das oficinas desde as guildas e o
sistema de ensino na relação mestre aprendiz, relação essa responsável por manter
o ofício por meio de inúmeras gerações, seja na condição de pai para filho ou por
meio de acordos estabelecidos entre as famílias dos aprendizes e mestres.
Tal descrição se faz necessária para compreendermos as fortes mudanças
pelas quais atravessa a alfaiataria artesanal, e a necessidade de repensarmos
novas estratégias e possibilidades de continuidade do ofício por meio de novas
metodologias de ensino ou publicações capazes de abarcar o conhecimento destes
profissionais, elevando ao nível de conhecimento formal um conhecimento tácito e
empírico descrito e ensinado por meio da demonstração e da observação apenas.
Portanto, este estudo objetiva conhecer o material disponível acerca do tema,
a evolução da alfaiataria no contexto sócio econômico no que se refere às suas
organizações e sua representatividade no âmbito do universo masculino do vestir
bem como compreender os processos de ensino aprendizagem através do tempo,
21 Termo francês: se refere à roupa “pronta para vestir”.
33
no ensejo de criar condições para que ela se mantenha respeitando as técnicas
artesanais e os saberes tradicionais dos alfaiates.
2.1 OS PRIMEIROS REGISTROS IMPRESSOS DA ALFAIATARIA
A alfaiataria artesanal é um ofício secular e um dos primeiros registros
encontrados data do reinado de Henrique I (1100-1135), em que o rei concedia
direitos e privilégios aos alfaiates de Oxford (PIRENNE, 1973).
Com relação aos métodos utilizados pelos alfaiates, no ano de 1589 surgiu a
primeira referência bibliográfica sobre o tema publicada pelo alfaiate espanhol Juan
de Alcega, o primeiro livro de traçados em modelagem masculina na história
intitulado o “Libro de Geometri pratica y Traça” (JUNIOR, 1937).
FIGURA 1: POSICIONAMENTO DE MOLDES DE UM TRAÇADO22 Fonte: http://www.wdl.org/pt/item/7333/
22 Tradução livre da autora: Jubon de seda com manga aberta. Para cortar este jubon de seda para homem, é necessário dobrar a metade da seda sobre a outra metade, fazendo a parte de trás, e da parte de nossa mão esquerda, se cortarão as costas deste jubon, e logo pelas bordas da seda se cortarão os quartos dianteiros, e sobre os quartos se cortarão as mangas do pé à cabeça, e da seda que se dá a largura se encontrarão peças dos quartos dianteiros, e da seda que resta, se cortarão golas, e dos meios fazem os demais recados necessários para este jubon. Deve-se advertir, que a manga que está sobre o quarto dianteiro possui cava e pedaços das partes de dentro, e se este jubon vier a ser pespontado, se cortará mais largo que a medida, porque há pespontadeiras que encolhem três dedos de largura um jubon em seu pesponto, e portanto se considere essa advertência de cortar mais largo o que possa encolher com o pesponto.”
34
Esse livro está disponível na Biblioteca Digital Mundial, e traz um apanhado
de 135 traçados distribuídos em 190 páginas. Em seu livro, Juan de Alcega sugere
indicações de encaixe, número de partes a cortar, além de códigos que indicam
valores a serem executados. Esses valores dizem respeito a uma espécie de tabela
de medidas que eram aplicadas a fim de se obter o valor total do tecido a ser
empregado, uma vez que havia na época até quatorze possibilidades de larguras de
tecido (ver figura 02).
FIGURA 2: INDICAÇÃO DE VALORES A SEREM APLICADOS
Fonte: http://www.wdl.org/pt/item/7333/
A “vara de medir” descrita no livro de Alcega, diz respeito a um valor de
medida usado em Castela23. E utilizando frações, classifica-os de modo que
qualquer alfaiate poderia “pedir corretamente o traje, a seda ou outro tecido
necessário para confeccionar roupas masculinas e femininas sem qualquer
desperdício ou falta de pano”24.
Seguindo o modelo de Alcega, no ano de 1618 em Madri, foi publicado o
segundo livro de alfaiataria intitulado Geometria Y Traça, do também espanhol
Francisco de La Rocha de Burguen. Ambas publicações tinham como objetivo
principal mostrar como colocar as modelagens da forma mais vantajosa no tecido de
acordo com a sua largura, além apresentar uma constante preocupação com os
desejos do cliente,
O alfaiate que deseja cortar bem suas roupas, seja para um homem ou para uma mulher, deve tomar medidas cuidadosas de seus clientes. Ele também é avisado dos caprichos dos referidos clientes, que muitas vezes quando um vestuário está sendo cortado pede para
23 Reino de Castela, região histórica da Espanha. 24 Biblioteca Digital Mundial.
35
ele ser feito dois ou três centímetros mais curto e mais estreito, e quando a peça de vestuário está feita, quer mais comprida e larga, o que significa que muitas peças de vestuário são desperdiçadas, e o alfaiate deve permitir isso (WAUGH, 1985, p.35).
Apesar das muitas recomendações acerca do corte e do aproveitamento do
tecido, as publicações não traziam variações de estilo nem instruções técnicas, e a
montagem das peças não era mencionada (WAUGH, 1985).
A primeira publicação francesa surgiu no ano de 1671 intitulada Le Tailleur
Sincère, de Le Sieur Benist Boullay. Como as anteriores espanholas, orientava como
cortar todas as peças de ternos masculinos e a quantidade de material que cada um
exigia, sem ainda fazer nenhuma menção à montagem das peças (WAUGH, 1985).
De acordo com WAUGH, o primeiro tratado “realmente sério” sobre a arte da
alfaiataria, L’Art du Tailleur, foi escrito por François Alexandre de Garsault e
publicado pela Académie Royale des Sciences de Paris, em 1769 (ver figura 03).
FIGURA 3: DIAGRAMA DA MODELAGEM DE UM DOUBLET E SEQUÊNCIA DE PONTOS
Fonte: Art du Tailleur. François Alexandre Garsault, 176925
25 Versão impressa disponibilizada pela Bibliothèque Nationale de France, e acesso online na página http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k108876j.r=garsault.langPT
36
Ele descrevia os traços de um casaco desde a tomada de medidas até a
apresentação detalhada de como realizar os pontos utilizados na confecção e no
acabamento, o método de prensagem, os instrumentos necessários, etc. Ainda não
há algum tipo de orientação com relação à montagem, mesmo que, segundo a
autora, Garsault dê instruções sobre a confecção de corsets que até então era de
domínio dos alfaiates (WAUGH, 1985).
As publicações do período eram reflexo do momento em que os alfaiates
viviam. Eles gozavam de uma sólida reputação, pois eram os responsáveis por
confeccionar os trajes tanto femininos quanto masculinos (ROCHE, 2007). Nesse
contexto, os alfaiates exerciam forte representação social e política, e se
organizavam por meio das guildas26 (PIRENNE, 1973), as quais representavam e
garantiam a proteção econômica necessária à classe, por meio de normas rígidas
acerca do exercício do ofício. Segundo Roche,
O ápice da hierarquia dos alfaiates era constituído de quatro oficiais ajuramentados, pelo prazo de dois anos, por todos os mestres e pelos antigos mestres ajuramentados, os bacharéis. Assistidos por dezesseis jovens mestres, de “toga e borla”, eles visitavam lojas e oficinas. Nomeados na presença do procurador do rei, no Châtelet, os alfaiates ajuramentados encarnavam o ideal do governo como bons pais de família das comunidades antigas, uma emancipação do poder real, uma forma de primazia intelectual (eles tinham de saber ler e escrever “na medida do necessário”) e técnica, em suma, representavam a autoridade, embora temporária e transitória. Eles supervisionavam o ofício, mantinham a disciplina e asseguravam a coesão, especialmente as condições de seu exercício. (ROCHE, 2007, p.303).
Até o século XIV os alfaiates eram especializados em segmentos específicos
do vestuário em que se destacavam as guildas dos Doubletiers27, Chaussetiers28 e
Pourpontiers29 (WAUGH, 1985). Somente “em 1588 todas as guildas foram
unificadas e tornaram-se o Les Maîtres Tailleurs d’Habits30, quando então a guilda
dos alfaiates obteve a permissão para fazer todo tipo de roupa usada por homens e
26 As guildas também eram conhecidas como corporações de ofício. 27 Mestres alfaiates especializados em produzir o doublet, uma espécie de casaco abotoado acolchoado, usado desde a idade média até meados do século 17; 28 Mestres alfaiates especializados na produção de meias que deram origem as calças ajustadas; 29 Mestres alfaiates especializados na produção do pourpoint, uma espécie de camisa de manga comprida usada por baixo das armaduras, fortemente acolchoada em pontos específicos para evitar possíveis cortes provocados pela armadura, protegendo desta forma a pele. 30 Mestres Alfaiates do Vestuário.
37
mulheres” (WAUGH, 1985). A partir desse ano, durante um século, os alfaiates
controlaram a confecção de vestimentas e administraram todos os ofícios ligados ao
vestuário (ROCHE, 2007).
Desde a formação inicial, as guildas foram as responsáveis por estabelecer
um padrão de hierarquia definida, constituída de mestres, oficiais31 e aprendizes.
Pirenne descreve o modelo de organização da idade média que ainda se mantém
em muitos aspectos definindo as relações de trabalho das oficinas.
Os membros de toda corporação dividem-se em categorias subordinadas umas às outras: os mestres, os aprendizes e os companheiros (oficiais ou jornaleiros). Os mestres formam a classe dominante de quem dependem as outras duas. São pequenos chefes de oficinas, proprietários da matéria-prima e das ferramentas. Pertencem-lhes os produtos fabricados e portanto, todos os lucros da venda ficam em suas mãos. Ao seu lado, os aprendizes iniciam-se no ofício sob a sua direção, uma vez que ninguém pode ser admitido no exercício da profissão sem garantia de capacidade. Os companheiros, enfim, são trabalhadores assalariados que terminaram o aprendizado, porém não puderam ainda elevar-se à categoria de mestre (PIRENNE, 1973, p.192).
As guildas, ou ainda os Cavaleiros da Agulha, constituíam uma organização
que, de acordo com Thompson, eram “extremamente poderosos, ao menos até a
recessão de 1823” (THOMPSON 1985, p.99). Eram esses cavaleiros os
responsáveis por fiscalizar e regulamentar o ingresso dos alfaiates de acordo com
as normas impostas. O domínio do corte e da costura era exigido ao ponto de ser
previsto em seus regulamentos indenizações aos clientes descontentes. As guildas
zelavam pelo interesse do cliente a todo tempo, garantindo a excelência do trabalho
ofertado.
Para demonstrar domínio do ofício, os alfaiates tinham de saber cortar e costurar sem danos ou erro (os estatutos previam indenizações a clientes insatisfeitos), de acordo com as normas. Os mestres eram então obrigados a fazer ternos e trajes, capotes e casacões militares sob encomenda, que devem ter caimento impecável, ser bem talhados e revestidos de boas fazendas, sob pena de confisco da roupa e de uma multa de dois écus32 (ROCHE, 2003, p. 304).
31 Oficiais, companheiros ou jornaleiros são os nomes atribuídos por diferentes autores aos alfaiates especialistas em determinada peça tais como: calceiro, camiseiro, coleteiro, buteiro (consertos), proveiro (frente do paletó) e acabador (manga e gola do paletó). 32 Dez dias de salário por volta do ano de 1700.
38
Ainda de acordo com Hollander, “as guildas de alfaiates tinham tanta
importância quanto as outras instituições artesanais e profissionais e, como elas,
eram totalmente masculinas” (HOLLANDER, 2003 p. 89). Contudo, existiam
costureiras profissionais que eram empregadas pelos alfaiates, e a elas cabiam
tarefas de costura, ornamentação e acabamentos da roupa. “As mulheres nunca
eram alfaiates, ou treinadas para criar estilo, corte e acabamento..., mas eram
reconhecidamente especialistas no trabalho de costura fina” (HOLLANDER, 2003, p.
89).
Somente em 1675 as mulheres conquistaram o direito de trabalhar de
maneira autônoma. Nesse ano, o governo real parisiense concedeu-lhes o direito de
formar sua própria guilda garantindo-lhes o status quo perante a sociedade. A
confecção das roupas por pessoas do mesmo sexo garantia a decência e a
modéstia das mulheres e moças (ROCHE, 2007).
Tanto para os alfaiates como para as costureiras, agora devidamente
registradas e reconhecidas por meio das guildas não havia um tipo de padrão de
medidas que os orientassem. Essa padronização só ocorreu a partir de 1830 quando
o alfaiate francês Guglielmo Compaign pioneiro da antropometria moderna,
estabeleceu critérios e técnicas de mensuração do corpo humano,
Seu trabalho constituiu na elaboração de um quadro comparativo das idades e seu crescimento, onde encontramos as transformações graduais do corpo humano, desde o nascimento até a velhice. Compaign mostrou como as partes crescem proporcionalmente entre si. Sua obra “Arte da Alfaiataria” publicada em 1830, permitiu estabelecer o princípio das graduações (SOUZA, 1997, p. 48).
Até esse momento, para o registro das medidas, os alfaiates utilizavam uma
fita de papel ou ainda de couro marroquino para cada um de seus clientes. Em cada
uma das fitas escreviam o nome, as observações necessárias e assinalavam os
valores por meio de piques de tesoura, porém, essas fitas apresentavam o
inconveniente de enrolar, enrugar ou ainda apagar facilmente as anotações que
eram registradas (ORMEN, 2011).
39
Para cada cliente, os alfaiates mantinham uma única fita métrica com seu nome inscrito nela, marcada com indicações denotando o comprimento de seu antebraço, o diâmetro de seu pescoço, a largura de seus ombros ou o que quer que fosse necessário para o feitio de sua roupa. O traje do cliente seria cortado de modo apropriado, alterando-se um padrão muito geral para coincidir com as indicações da fita individual (HOLLANDER, 2003, p.133).
De acordo com NORTH e TIRAMANI, essas fitas eram mantidas e atualizadas
para a confecção de novas peças de vestuário, bem como para alterar as já
existentes (NORTH, TIRAMANI, 2011).
Foi então que no ano de 1847, o alfaiate francês Alexis Lavigne criou a fita
métrica tal qual é conhecida hoje, produzida com material à prova d’água e com
qualidade na impressão que garantiria a sua durabilidade bem como não haveria
desgaste dos números aplicados (ORMEN, 2011). Com a criação da fita métrica o
processo de tomada de medidas foi facilitado e ela tornou-se um acessório vital dos
alfaiates e costureiras nas oficinas do início do século XIX substituindo as fitas
individuais usadas até então (ORMEN, 2011). Avanços que permitiram a evolução
do ofício em concordância com a evolução da indumentária masculina.
2.2 A EVOLUÇÃO DO TRAJE MASCULINO
Segundo Hollander (2003), o traje masculino civil padrão em todo o mundo
constitui-se de paletó, calças, coletes, sobretudos, camisas e gravatas originárias do
período neoclássico. Esse traje colocou um selo definitivo de desaprovação nas
roupas espalhafatosas usadas até então e se firmou como padrão para os homens
sérios de qualquer classe. Isto se deu graças ao poder de permanência da alfaiataria
masculina, com autoridade própria e força simbólica que permitiram sua
autoperpetuação.
Bastante diverso (do itinerário do vestuário feminino) é o itinerário percorrido pela indumentária masculina. Em vez de estar sujeito a ciclos, a um ritmo estético de expansão de um determinado elemento decorativo levado ao limite máximo (as mangas crescendo até a aberração de 1830, a saia se alargando até a crinolina, a anquinha se
40
acentuando até o excesso de meados do decênio de 80) a roupa masculina se simplifica progressivamente, tendendo a cristalizar-se num uniforme (MELLO e SOUZA, 2009, p. 64).
Essa maneira de vestir consolidou-se no século XIX com o movimento do
Dandismo33, que na figura de George Beau Brumell encontrou seu principal
representante. O inglês Beau Brumell, conhecido como o Dândi (D’AUREVILLY
2009) corporificava um novo “tipo de herói” feito pela alfaiataria, em que o heroísmo
de um homem era ser simplesmente ele mesmo (HOOLANDER, 2003).
Brummell provou que o ser superior essencial não era mais um nobre
hereditário. Sua excelência era inteiramente pessoal, sem o apoio de
brasões heráldicos, salões ancestrais, vastas extensões de terra [...]
Sua roupa tinha de ser perfeita apenas em sua integridade de ser
feita por um alfaiate, isto é, apenas na forma, sem a sobrecarga de
quaisquer indícios superficiais do valor atribuído ao nível social
(HOLLANDER, 2003, p.119).
Para Hollander (2003), as técnicas de alfaiataria possibilitaram a execução
dos trajes utilizados pelos dândis, com linhas ajustadas ao corpo, e que
evidenciavam a forma simples e o corte cuidadoso, “o nível social do homem ou
mesmo seus feitos são irrelevantes quando confrontados com o fino corte de seu
casaco simples; apenas suas qualidades pessoais mostram-se importantes”
(HOLLANDER, 2003, p.120).
Por volta de 1810, as novas técnicas da alfaiataria já haviam produzido um casaco esculpido sem adornos, um invólucro solto para a parte superior do corpo masculino, sutilmente cortado em tecido fosco e confeccionado com costuras muito visíveis. A textura essencial e a confecção, e não a riqueza superficial criaram o seu interesse estético. Esta era uma ideia muito moderna, e era possível apenas na antiga tradição de alfaiataria com base no uso de lã (HOLLANDER, 2003, p. 116).
33 O Dandismo foi um movimento inglês no final do século XVIII que primava pelo corte da roupa e que retirava a suntuosidade dos trajes masculinos; o oposto, o simples é que era verdadeiro. Os alfaiates ingleses com habilidades superiores aos alfaiates franceses, tinham maior facilidade em trabalhar tecidos como casimira, que diferente da seda e de outros tecidos finos, eram fáceis de serem moldados e trabalhados, conferindo melhor acabamento às roupas.
41
Segundo a autora, as formas simples do vestir masculino tidas como
modernas no século XIX traziam uma mensagem de “honradez severa, e a
confecção de roupas sob medida passou a depender do corte sutil e da textura fina
de seus tecidos discretos, mais ainda do que do feitio” (HOLLANDER, 2003, p. 139).
A lã, tecido comum desde a antiguidade, já estava estabelecida na Inglaterra
através de uma produção altamente desenvolvida e estruturada. Conforme Wilson
(1985), ela tornou-se um tecido habilmente adotado pelos alfaiates ingleses e após a
revolução industrial deixou de ser usado pelas classes mais humildes e se estendeu
“aos estratos mais altos da sociedade, para o traje formal, pelo menos para o traje
masculino” (WILSON, 1985, p.96). Por suas características flexíveis e elásticas,
dava aos alfaiates condições de adaptá-la ao corpo proporcionando caimento e
cortes exatos como se demandava.
Sob a influência do vapor, da pressão e da manipulação cuidadosa, para não dizer nada do corte criativo, a lã podia ser esticada, encolhida e encurvada, obediente à vontade do alfaiate, para acompanhar as formas e os movimentos do corpo do usuário sem formar volumes ou rugas (HOLLANDER, 2003 p.116).
Hollander (2003) destaca que a forma simples imposta pelos dândis,
evidenciada pelo corte e o emprego dos tecidos, era consequência do retorno ao
natural e às formas simples que o neoclassicismo impunha. A utilidade e a graça da
roupa eram fundidas e evidenciadas simultaneamente, sendo “os alfaiates
masculinos da Inglaterra os primeiros a colocar isto em prática, exatamente como os
arquitetos, e as costureiras da França” (HOLLANDER, 2003, p. 113).
Os alfaiates da Inglaterra tentaram, em essência, o mesmo tipo de remodelamento; e eles também tinham uma tradição inglesa de simplicidade por trás, em contraste com os modos mais agitados da França e da Itália [...] Como as casas e os móveis, o novo traje masculino baseava-se nos princípios modernos do ofício e ideais antigos. A moda masculina utilizou de modo tão flexível as velhas maneiras de vestir que estas se sentiam liberadas e não presas no tempo [...] Os designers neoclássicos de roupas e de mobiliário doméstico ativeram-se desta maneira ao sentido primordial da palavra “original”, que significava um uso novo e criativo de fontes antigas (HOLLANDER, 2003, p. 132).
42
Ainda de acordo com HOLLANDER (2003), os casacos em lã eram originários
do “grosseiro casaco campestre” inglês e davam destaque ao corpo do homem
agora evidenciado. As costuras e as tramas aparentes do tecido faziam o vestuário
parecer honesto bem como o homem que o vestia.
Agora as proporções nobres de sua forma viril, criada somente pela utilização rigorosa de materiais naturais, parecia dar-lhe uma força moral individual com base na virtude também natural, uma integridade que floresce em pureza estética sem artifícios, e o faz portador de opiniões francas e modernas e de um sentimento cândido natural (HOLLANDER, 2003, p.119).
Para a autora, desde o século XV a evolução do traje masculino sofreu
importantes alterações que o libertaram dos excessos, brilhos e adornos. No seu
modo de ver, o período neoclássico estabeleceu um padrão que permanece há
quase dois séculos e que constitui sua maior contribuição à história do traje,
considerando esse um padrão revela um ideal manifesto na vida contínua dos trajes
confeccionados no estilo alfaiataria entre homens e mulheres do mundo moderno.
(HOLLANDER, 2003).
2.3 A ALFAIATAARIA ARTESANAL E O PRÊT-À-PÔRTER
A evolução do traje masculino diz respeito também à evolução da indústria do
vestuário. Os avanços tecnológicos extinguiram profissões e permitiram que outras
evoluíssem (CERQUEIRA, 1999), ou ainda, coexistissem de forma paralela. De
acordo com KAKITA (2014) há na produção do vestuário masculino “duas
abordagens da mesma forma como ocorre com as oficinas de alta costura,
separando suas unidades de produção em duas áreas” (KAKITA, 2014, p.16). No
caso da alfaiataria, podem-se observar a coexistência de dois segmentos: a
alfaiataria artesanal e a alfaiataria prêt-à-porter.
A indústria do prêt-à-porter pôde ser implementada graças aos próprios
alfaiates que dominavam as técnicas de confecção do vestuário, adotadas por
varejistas para a confecção de roupas em massa (ORMEN, 2011). A própria
43
introdução da máquina de costura que impulsionou a produção de roupas prontas se
deu primeiramente nas alfaiatarias, mais do que na própria indústria (AVELAR,
2011).
Ainda segundo Avelar, a roupa pronta para vestir apresentou um forte
crescimento após a segunda guerra mundial, com a economia estabilizada e um
aumento da população que demandava por mais produtos. As lojas de
departamentos criadas na primeira metade do século XIX criavam estratégias de
vendas variando proporcionalmente o valor das peças de acordo com o grau de
trabalho e com os materiais envolvidos em sua fabricação (AVELAR, 2011).
A mudança na concepção do vestuário, tanto masculino quanto feminino,
contribuía significativamente, impulsionando a produção que se tornava menos
complicada e dessa forma não necessitava de mão de obra especializada como a
dos alfaiates e costureiras da Haute Couture. De acordo com Avelar,
A idéia de produzir roupa em duas peças contribuiu muito para a formação do prêt-à-pôrter, que se consumaria bem mais tarde. Mesmo que a técnica não fosse muito alterada, a concepção de uma saia era mais fácil do que a de um vestido inteiro. Além disso, envolvia menos tempo e, consequentemente, dispensava a participação de um (a) operário (a) mais experiente. Assim, a busca por lugares com mão de obra abundante (e não mais especializada) acontece desde o final da Segunda Guerra Mundial, no intuito de baratear ainda mais os artigos produzidos (AVELAR, 2011, p.65).
A alfaiataria artesanal, por sua vez, é formada por mão de obra altamente
especializada. A alfaiataria artesanal apresenta-se ao universo masculino assim
como a Alta Costura34 se apresenta ao universo feminino35 (HOPKINS, 2013). De
acordo com ROCHE, ela “representa o monopólio masculino na esfera do vestuário,
uma herança do antigo passado medieval e do começo da Idade Moderna”
(ROCHE, 2007, p.302).
34 Termo francês, regido pela Câmara da Alta Costura de Paris (1868). É ela quem determina quais grifes podem usar o termo Haute Couture. 35 A Haute Couture é para o universo feminino o que há de mais sofisticado no vestuário. Algumas criações são consideradas obras de arte assinadas por grandes criadores, e que hoje encontram-se expostas em mostras permanentes e temporárias, ou em museus de arte do mundo todo tal a importância dessas peças para a evolução da indumentária feminina.
44
A alfaiataria tem como objetivo principal a confecção de roupas sob medida,
sobretudo masculinas, tais como gravatas, casacas, camisas, e principalmente o
terno, costume ou fato36. Em 1930 o terno “consistia em três peças, ou seja, as
calças, o casaco e o colete. Hoje em dia, a composição é, em regra, só de duas
peças, nomeadamente o casaco e as calças, o colete desaparece gradualmente”
(ROETZEL, 2010, p.91).
Todas essas peças, quando produzidas no rigor da alfaiataria artesanal,
comparam-se à alta costura pelos acabamentos utilizados, pela qualidade dos
tecidos e aviamentos empregados, além do fato de não ser uma roupa padronizada,
atendendo as particularidades do corpo que as vestirá. Apesar de constituir o
mesmo ofício, costura e confecção em ambos os setores - alfaiataria ou alta costura,
são distintas e claramente descritas por Grumbach:
A primeira (alta costura) veste as mulheres sob medida, ao passo que a segunda (prêt-à-pôrter) se dirige à sra. Todo Mundo. Embora na origem os dois ofícios sejam aparentemente um só, a confecção (indústria), mais dinâmica, assume o risco da estocagem ao produzir de antemão modelos segundo medidas ditadas pela experiência e passíveis de serem oferecidos a preços mais acessíveis... Uma procura enfatizar o luxo e o savoir-faire que se exige dela exaltando a criatividade, ao passo que a outra se padroniza a fim de tornar-se mais competitiva (GRUMBACH, 2009, p.33).
A indústria do vestuário prêt-à-porter, diferente do traje customizado da
alfaiataria artesanal, desenvolveu-se de tal maneira que hoje é possível encontrar
trajes de alfaiataria em larga escala a um preço acessível. Porém, mesmo esses
trajes não se equiparam àqueles desenvolvidos pela alfaiataria artesanal, não
apenas no fazer manual como também na elaboração e criação dos traçados.
Uma das características distintivas essenciais entre o vestuário feito à medida (alfaiataria artesanal) e a confecção (prêt-à-porter) consiste na criação pelo alfaiate de um molde de corte individual, em oposição à utilização de um corte padrão do pronto-a-vestir. Para além do mais, o método de criação é um critério essencial, isto é, o trabalho manual no caso, do alfaiate, em oposição à produção mecanizada na indústria (ROETZEL, 2007, p.109).
36 Traje masculino composto por duas peças: Paletó e calça.
45
A alfaiataria artesanal quando examinada em seus detalhes tais como a
modelagem, o corte e a montagem das peças, é classificada, de acordo com Waugh
(1985) como uma arte altamente qualificada:
É a mais pessoal e essencial de todas as artes aplicadas, pois o artista que cria usando roupa, seda e outros materiais tem sempre de lidar com o elemento humano para a formação bem como para a visualização de sua arte. É uma arte que é ainda mais complicada pelo fato de, além de ser incômodo em termos de forma o seu modelo nunca é estático e o produto acabado. O que deverá parecer de forma agradável e elegante para um espectador, também deve ser flexível e confortável para o usuário ao mover-se (WAUGH, 1985, p. 34)37.
Para Waugh (1985), a qualidade da peça desenvolvida pelo alfaiate é
assegurada desde a tomada de medidas, momento em que o corpo é
cuidadosamente avaliado. Nessa etapa o alfaiate observa e toma nota de todos os
detalhes físicos de seu cliente, tais como ombros altos ou inclinados, forma e
tamanho do estômago, peito de pombo38 etc. “Se o cliente tem algum defeito físico,
deve notar-se, de modo a ser habilmente disfarçado com endurecimento adicional39,
preenchimento, etc” (WAUGH, 1985, p.86).
Roetzel (2010) realça que após a finalização da tomada de medidas, o
trabalho do alfaiate artesanal passa pela elaboração da modelagem. Essa é
executada em papel apropriado, diretamente no tecido ou em tela de teste
específica40 até a primeira prova, que ocorre com o mínimo de alguns dias de acordo
com o tempo do alfaiate. A entrega da peça encomendada só é realizada depois de
um prazo que leva em torno de seis a oito semanas, variando de acordo com o
alfaiate, mas não sem atender o desejo e o gosto individual de modo perfeito.
37 Tradução livre da autora no trecho: It is the most personal and essential of all the applied arts because the artist who creates using cloth, silk and other materials as his medium has Always to contend with the human elemento for the shaping, as well as for the display, of his art. It is na art that is further complicated by the fact that as well as being awkward in shape his model is never static, and the finished product, which should appear pleasing and elegante to a beholder, must also be flexible and comfortable for the wearer to move in. 38 Nome popular dado a um tipo de deformidade congênita da parede toráxica em que há uma proeminência do peito. 39 Reforços internos em que entretelas sobrepostas são utilizadas, além de mantas e pastas de algodão. 40 As telas de teste são realizadas normalmente em tecido de algodão crú.
46
No entanto, há que se destacar que a roupa prêt-à-porter se desenvolveu de
forma satisfatória graças ao resultado do investimento em criação de esquemas
novos de medida, elaborados por “alfaiates habilidosos e experientes para a criação
de padrões variáveis que tornariam as roupas prontas para o uso bem-feitas e
desejáveis” (HOLLANDER, 2003, p.136).
Estas roupas foram as primeiras roupas prontas para o uso realmente similares àquelas usadas nos níveis mais altos da moda. Elas eram uma possibilidade porque o alto nível da habilidade da alfaiataria elegante havia passado para a sua concepção e design, um design, na origem, concebido exatamente para a variedade que a produção de roupas prontas exigia. Pela primeira vez a roupa comum foi realmente elevada ao patamar da elegância, e não condenada a ser uma versão inferior de uma coisa fina e inatingível, ou acima de tudo, algo de aparência inferior. Durante dois séculos, as roupas prontas masculinas haviam sido coisas irremediavelmente humildes, constituídas principalmente de calças destituídas de feitio, camisas e jaquetas para trabalhadores e marinheiros; agora elas revitalizam com as roupas festivas das altas classes (HOLLANDER, 2003, p.137).
Dessa forma, a alfaiataria prêt-à-porter transformou o traje comum, porém de
qualidade inferior, “no terno formal usado em todas as ocasiões pelos homens deste
século, qualquer que seja sua classe ou ocupação”, e principalmente depois da
segunda guerra, quando o traje sob medida ficou ainda mais custoso, “os cidadãos
comuns naturalmente continuaram a vestir versões produzidas em massa e de todos
os preços” (HOLLANDER, 2003, p.140).
Essas versões “produzidas em massa e de todos os preços” traduzem os
apelos do consumismo imposto pela cultura do século XX, em contraponto ao
artesanal produzido pelo alfaiate desde o século XVIII. Como atesta ALBERONI, o
fato burguês oitocentista confeccionado por um alfaiate, era confeccionado por um
“tecido escolhido com os maiores cuidados e devia durar muito, muito tempo, como
a casa, como a empresa que se devia transmitir aos filhos” (ALBERONI, 1989, p.58).
Cada qual com seus apelos, ambas as alfaiatarias possuem condições de
manterem-se harmoniosamente com o seu respectivo público. A alfaiataria artesanal
e sua tradição também permanecem para atender a um público que preza pela
qualidade e que compreende o quão valorosa é sua arte. Bem como por ser uma
47
importante referência para a indústria do prêt-à-porter, que busca a todo tempo a
aparência de um terno sob medida.
Ternos excelentes prontos para ser usados estão sendo vendidos em grande número em todas as cidades importantes e a confecção sob medida primorosa não está em absoluto morta. Na verdade, ela ainda fornece o padrão para a indústria do vestuário prêt-à-porter, de modo que os vendedores de roupa assegurar-lhe-ão que seu produto é indistinguível dos exemplares feitos sob medida, exceto se forem examinados de muito perto (HOLLANDER, 2003, p.147).
2.4 A HIERARQUIA DAS OFICINAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO
As regras impostas pelas guildas que regulamentavam as condições de
ingresso no ofício, bem como a hierarquia das organizações, demonstravam o
caminho que o aprendiz de alfaiate percorreria até alcançar o título de mestre dentro
das oficinas.
Dez mestres admitidos por ano, não incluindo os filhos de mestres; três anos de aprendizado e outros tantos na condição de jornaleiro; uma obra prima obrigatória, podendo ser substituída no caso de meninos nascidos dentro do ofício; as viúvas de mestres podiam continuar o negócio de seus maridos (ROCHE, 2007, p.304).
Havia ainda outras condições para que um alfaiate obtivesse o título de
mestre, como a cobrança de 500 libras na Inglaterra no ano de 1660. Este era o
custo médio exigido pelas Guildas pelas cartas de mestrança, às quais eram
acrescidos os “direitos reais, os alfinetes da guilda, o preço do banquete de
recepção, o custo de uma loja e o estoque de insumos, além da disponibilidade
financeira de indenizar possíveis credores” (ROCHE, 2007, p.305).
A alfaiataria, como ainda se observa (BARBOSA, 2011), desde as guildas é
um ofício transmitido principalmente de pai para filho, que herda a oficina, os clientes
bem como todo o conhecimento adquirido ao longo de uma vida pelo mestre alfaiate.
Além de seu pai, o mestre alfaiate poderia ser um parente próximo, como destaca
ROCHE em uma análise em que demonstra a forma de ingresso no ofício dos
alfaiates, em Paris no século XVIII.
48
Quatro quintos dos aprendizes de alfaiates vinham de famílias proprietárias de lojas e oficinas em Paris; três quartos deles eram jovens parisienses casados sobretudo com moças parisienses, sendo a metade filhos de alfaiates, mestres ou mesmo de jornaleiros parisienses. Chegada a hora de se estabelecerem profissionalmente, os jovens mestres alfaiates podiam contar com o apoio da família – pais, tios e primos -, quase todos da mesma origem social: a burguesia parisiense, ou trocando em miúdos, comerciantes, mestres e pequenos oficiais (ROCHE, 2007, p.321).
Os oficiais tinham origem nas províncias, e pertenciam a níveis sociais
humildes o que demonstrava o grau de dependência das grandes alfaiatarias e a
natureza fechada das guildas que se mantinham entre famílias tradicionais do ofício
(ROCHE, 2007).
Os alfaiates e as costureiras ainda no século XVIII “raramente tinham loja ou
oficina; o trabalho deles era feito nas instalações do mestre, onde os materiais e
instrumentos eram facilmente encontrados” (ROCHE, 2007, p.323). O instrumental
adotado por eles continua o mesmo, com exceção do “sentar do alfaiate”41 e a
máquina de costura que ainda não estava presente, a tesoura, a agulha e o dedal
ainda permanecem.
O Kleermakerszit – “sentar de alfaiate”, com as pernas cruzadas, se manteve
até o princípio do século passado, em cima de uma mesa ou ainda no chão
(MACLOCHLAINN, 2011). Este sentar foi registrado em tela pelo pintor holandês
Brekelenkam no ano de 1655 (ver figura 04).
41 A posição em que os alfaiates trabalhavam, cruzando as pernas para apoiar o trabalho nos joelhos. Esta posição faz com que a coluna fique sempre ereta, evitando dano a ela.
49
Figura 4: Quiringh G. Van Brekelenkam, 1655-60 Fonte: NORTH, Susan, TIRAMANI, Jenny, 2011
Na pintura estão presentes a figura do mestre alfaiate ao centro, um oficial e
um aprendiz próximos à janela – prática adotada para aproveitar a luz natural, além
de uma mulher amamentando uma criança.
Todos os homens aparecem costurando, sentados de pernas cruzadas sobre
a mesa, permitia que eles desenvolvessem seus trabalhos utilizando o joelho para
dar forma às partes curvas da peça segundo NORTH e TIRAMANI,
Esta foi a posição tradicional de alfaiate até meados do século XX, em muitas partes da Europa, o que lhes permite usar a perna como uma espécie de apoio de borda com a qual poderiam manipular certas peças do vestuário em formas tridimensionais (NORTH, TIRAMANI, 2011, p.11)42.
42 Tradução livre da autora no trecho: This was the traditional position for tailors up tp the mid-twentieh century in many parts of Europe, enabling them to use the leg as a sort of shaping board with which to manipulate certain garments into three-dimensional shapes.
50
Essa postura também foi registrada pela fotografia de uma alfaiataria
irlandesa em 1907 (ver figura 05), na qual se observa a presença dos aprendizes ao
fundo, um alfaiate passando o paletó com o ferro de brasa à direita, além do
provável dono da alfaiataria ao centro.
Jornaleiros ao chão e outros alfaiates em pé, chamados capatazes, alfaiates
sêniors com a função de “supervisionar a produção para garantir que o estilo da
casa e a qualidade fossem mantidos durante todo o processo de fabricação”
(MACLOCHLAINN, 2010, p.32).
FIGURA 5: TAILORS AT WORK IN HEARNE'S AT 63-64, WATERFORD, 25.07.1907 Fonte: http://www.flickr.com/photos/nlireland/with/5973018705/
A imagem dos alfaiates sentados diretamente no chão causa certo
estranhamento, porém, os alfaiates acreditavam que esta posição43 favorecia o
43 Estudos ergonômicos desenvolvidos por Ramazzini no século XVII descreve as primeiras doenças
profissionais, entre elas a postura adotada pelos alfaiates.
51
trabalho como descreve um Guia Prático de Alfaiataria para aprendizes de 1933,
uma vez que as roupas eram confeccionadas manualmente na sua totalidade,
Embora haja, por vezes, uma sensação de perda de dignidade e certa quantidade de relutância sobre o sentado de pernas cruzadas, não é de forma alguma uma posição desconfortável. É útil de várias maneiras, e não há necessidade qualquer que seja o medo de tornar-se pernas tortas ou deformadas. Se o alfaiate se senta em uma cadeira e costura com as pernas cruzadas e com as costas arqueadas o peso do trabalho recai sobre os joelhos. Ao sentar-se de pernas cruzadas o peso do trabalho fica em torno do alfaiate dentro do seu limite, e não há necessidade de manter o trabalho até bem como segurá-lo para a costura. É uma posição que, depois de um pouco de prática, virá naturalmente, e certamente deve ser adotada pelo novato (LIBERTY, 1933, p.02).44
Outra vantagem apontada para o uso desta posição era a de que o alfaiate
não teria preocupação com o peso do trabalho que estaria distribuído sobre a mesa
ou o chão, além dos instrumentos que estariam próximos de si, “de modo a ser
facilmente encontrado, sem ter que procurá-los” (LIBERTY, 1933, p.2). LIBERTY
atribui ainda ao alfaiate, a responsabilidade por buscar maneiras de trabalhar para a
otimização do tempo no trabalho,
Deve ser lembrado que o conforto e conveniência são um grande trunfo para uma existência feliz e quando há perda de tempo, ainda que pequena, significa perda de salário, cabe ao artista em seu oficio introduzir o método de economia de tempo, tanto quanto é possível (LIBERTY, 1933, p.3).
Com o surgimento da máquina de costura o trabalho foi reduzido
significativamente, e entende-se que tenha sido o momento no qual o alfaiate tenha
adotado outra postura na sua atividade de trabalho sentando-se frente à máquina. A
introdução da máquina de costura otimizou a confecção das peças em boa parte dos
processos. No entanto as operações importantes ainda hoje continuam sendo
realizadas à mão, a exemplo das entretelas que são aplicadas manualmente como a
44 Tradução livre da autora no trecho: Although there is sometimes a feeling of loss of dignity and certain amount of reticence about sitting crosslegged, it is not by any means an uncomfortable position when one is used do it, and it is helpful in various ways, and there need be no fear whatever of becoming bow-legged or deformed in any way. If the tailor sits on a chair and sews with his legs crossed, his back is arched and the weight of the work is on his knees. When sitting cross-legged the weight of the work is around the tailor on the board, and there is no need to hold the work up as well as holding it for sewing. It is a position which, after a little practice, will come quite naturally, and should certainly be adopted by the beginner.
52
entretela de gola e o reforço de peito permitindo que o alfaiate dê forma ao corpo por
meio de pontos manuais (KAKITA, 2014).
2.5 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA ALFAIATARIA
O sistema de aprendizado dos alfaiates, que permaneceu desde as guildas
até meados do século XX, empregava uma média de tempo de três a seis anos com
funções que variavam dependendo do tamanho da loja (MACLOCHLAINN, 2010).
Havia uma sequência de aprendizado em que o aprendiz era qualificado e progredia
dentro da oficina.
Na maioria dos casos, o primeiro ano era gasto em levar recados, arrumar, buscar ferros e outras tarefas domésticas, com estudo real apenas quando havia um momento livre. Pelo segundo ano aprendizes estão ajudando com a costura real, costura de bolsos, casas de botão e forros de calças. No terceiro ano, eles devem ser capazes de fazer a maioria do trabalho em um casaco e fazer calças e coletes. Pelo quarto ano eles têm que demonstrar que podem fazer toda a roupa na prática para o mestre antes de continuar como um operário ou sair como um trabalhador qualificado (MACLOCHLAINN, 2010, p.34)45.
Com relação ao pagamento dos aprendizes, há registros que apontam que no
século XVIII ele era formalizado somente a partir do segundo ano de aprendizado,
momento em que estavam “aptos” a realizar tarefas mais importantes. DAVIES diz
que
No primeiro ano, eles trabalhariam por nada; no segundo eles receberiam pouco pagamento. No terceiro ano, a taxa de remuneração seria melhorada; e no quarto seriam pagos tão bem quanto um homem (DAVIES, apud MACHLOCHLAINN, 2010, p.34).46
45 Tradução livre da autora no trecho: In most cases the first year was spent runing errands, tidyng up, fetching irons and other menial tasks, with actual practical study only when there was a spare moment. By the second year apprentices are helping with the actual sewing, sewing pockets, buttonholes and lining trousers. In the third year they should be able to do the majority of work on a coat, and make trousers and vests. By the fourth year they have to demonstrate they can make every garment in practice by the máster before staying on as a workman or going out as a journeyman. 46 Tradução livre da autora no trecho: The first year they should work for nothing; in the second they should receive some little pay; in the third year they the rate of pay should be advanced; and in the fourth they should be paid almost as much as a man.
53
A metodologia de ensino empregada pelos alfaiates desde as guildas, e
evidenciada no século XVIII, comprova o longo período de tempo necessário para a
formação de um alfaiate e consequentemente as habilidades desenvolvidas para a
confecção completa de uma vestimenta. Fato que também é evidenciado por
MALERONKA durante a primeira metade do século XX,
Os ofícios de alfaiate e de costureira requeriam tanto o trabalho à mão como à máquina e exigiam longa aprendizagem para a perfeita execução. Portanto, o que permanentemente se encontrava na base da atividade era a habilidade profissional do trabalhador, seu conhecimento das diversas operações, que lhe permitia a confecção de uma peça completa do vestuário (MALERONKA, 2007, pág. 37).
Nas alfaiatarias, os saberes eram transmitidos através do exercício constante,
na prática do dia a dia, de acordo com SENNET “através dos milhares de gestos
quotidianos que acabam configurando uma prática” (2009, p.92). Esse modo de
aprendizagem era corrente em todas as alfaiatarias e não se confunde com práticas
rotineiras utilizadas nas indústrias de confecção.
Descrevendo o trabalho industrial, poderíamos considerar a rotina como algo maquinal, supor que uma pessoa repetindo sempre alguma coisa se perde mentalmente; poderíamos estabelecer uma equivalência entre rotina e tédio. Assim não é, todavia, para as pessoas que desenvolvem habilidades manuais sofisticadas [...]. A substância da rotina pode mudar, metamorfosear-se, melhorar, mas a recompensa emocional é a experiência de fazer de novo. Nada há de estranho nessa experiência. Todos nós a conhecemos, ela se chama ritmo. Encravado nas contrações do coração humano, o ritmo foi estendido pelo artífice especializado à mão e ao olho (SMITH apud SENNET, 2009, p. 196).
A idade de ingresso dos aprendizes girava em torno dos 13 anos, porém há
registro de entrada de aprendizes no ofício, no século XII, entre 7 e 9 anos
MACLOCHLAINN, 2010). A mudança com relação à educação escolar e a proibição
do trabalho infantil na Inglaterra ocorreu em 1870 com a criação da Lei Foster que
tornava obrigatória a frequência escolar para crianças de 5 a 10 anos, estendendo-
se a 12 anos em 189947. No caso do Brasil, foram os avanços trabalhistas da
47Fonte:http://www.parliament.uk/about/living-heritage/transformingsociety/livinglearning/school/ overview/1870educationact/
54
Constituição de 193448 que resultaram na regulamentação de funções como o
estágio e o ingresso do menor aprendiz, além da instituição dos direitos dos
trabalhadores.
Até então, os alfaiates no Brasil, em capitais como Belo Horizonte
(BARBOSA, 2011) e Curitiba49 a exemplo da história da alfaiataria, ingressavam no
ofício por meio do negócio do próprio pai ou de parentes próximos, ainda crianças.
Há também aqueles que foram levados por seus familiares ainda jovens até a oficina
de amigos ou conhecidos para que aprendessem uma profissão diante da falta de
oportunidade de ensino formal.
A informalidade era generalizada tanto na gestão dos negócios quanto na formação técnica. Escolas técnicas eram escassas no Brasil: algumas das poucas opções eram os liceus de artes e ofícios existentes na maioria das capitais. Eles foram criados no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente em 1857 e 1873, oferecendo cursos, entre outros, de alfaiataria, corte e costura [...] Recorrentemente, as técnicas eram passadas de profissional para profissional ou de pai para filho e mãe para filha, na prática profissional do dia a dia. (BRAGA & PRADO, 2011, p. 32).
Nos casos em que não havia um parentesco direto, o ensino do ofício era um
empreendimento institucionalizado e caro, pois os pais da criança pagavam uma
espécie de “prêmio” para que o mestre ensinasse a seu filho um ofício. A escolha do
mestre era importante, pois segundo MACLOCHLAINN (2010), ela afetava
grandemente a educação da criança.
MACLOCHLAINN relata conselhos do escritor Charles Dickens, importante
personagem inglês da era vitoriana em seu livro The Tailor, que alertavam os pais
na escolha de mestres a quem entregar seus filhos, enumerando as vantagens e as
desvantagens na escolha de um grande mestre:
Se um menino é aprendiz do que é chamado um pequeno ou grande mestre pode, num primeiro pensamento, parecer uma questão de nenhuma consequência. É, no entanto, de peso considerável, e merece ser considerado por todos que podem se dar ao luxo de escolher entre um e outro. Existem vantagens e desvantagens em ambos os casos: por exemplo, se um rapaz é aprendiz de um grande
48 Trabalho do menor em http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/trabalhomenor.htm 49 Documentário “O Corte do Alfaiate”, realizado a partir da pesquisa de Valéria Oliveira Santos e Dayana Zdebsky intitulada Alfaiatarias em Curitiba, de 2009.
55
mestre, ele será muito mais propenso a ter oportunidades de ver uma maior atenção dada às modas, e também ver uma maior variedade de artigos de vestuário do que se ele for colocado com um pequeno mestre. Além disso, se ele se destina, no devido tempo, em se tornar um mestre, ele será capaz de aprender os métodos de condução de um grande negócio com um comerciante como exemplo. Mas estas vantagens são susceptíveis de serem bastante ponderadas, se não mais desconsiderado pelas más consequências que daí podem resultar por serem obrigados, antes os princípios dele são fixados, ou o seu caráter formado para se misturar com um grande número de trabalhadores, a maioria dos quais será provável, tanto pelo seu exemplo e sua conversa, ter uma influência nefasta sobre a sua moral... (DICKENS apud MACLOCHLAINN, 2010, p.33)50.
DIRCKENS apud MACLOCHLAINN, também listava as vantagens da escolha
de um mestre de porte menor, que segundo ele “também era uma pessoa digna do
trabalho e um bom trabalhador”, e sendo a alfaiataria uma empresa menor, ele
poderia aprender com o mestre todas as funções, tornando-se um “trabalhador
qualificado, facilmente adaptável de uma mão de obra para a outra e também para
em seu próprio benefício, elaborando novos modos de trabalhar” (DICKENS apud
MACLOCHLAINN, 2010, p.33).
A preocupação dos pais com relação à escolha do mestre levava em
consideração a relação mestre/aprendiz, neste contexto, já que ambos tornam-se
tão próximos que o mestre acaba por “adotar” seu aprendiz. O aprendizado
ultrapassa os limites da técnica do fazer, pura e simplesmente, transmitindo também
lições de postura e valores de ordem profissional e pessoal. Desde a formação das
guildas, os mestres recebiam das famílias dos aprendizes a função de pai substituto
(SENNETT, 2009).
50 Tradução livre da autora no trecho: Whether a boy be apprenticed to what is called a little (small) or large master, may, at first thought seem to be a matter of no consequence. It is, however, of considerable weight, and deserves to be considered by all who can afford to choose betwixt the one and the other. There are both advantages and disadvantages in either case: for example, if a lad be apprenticed to a large master he will be far more likely to have opportunities of seeing a closer attention paid to the fashions, and also to see a greater variety of garments made, than if he were put with a little one. Moreover, if he be intended in due time to become a master he will be able to learn the methods of conducting a large business in a tradesman like way. But these advantages are likely to be quite balanced, if not over – weighed, by the bad consequences that may ensue from his being obliged, before his principles are fixe or his character formed, to mix with a large number of workmen, the majority of whom will be likely, both by their example and their conversation, to have a baneful influence upon his morals....
56
Atualmente poucas alfaiatarias possuem estrutura financeira e de gestão para
receber um jovem aprendiz no rigor da lei, em função disso a presença deles não é
mais notada dentro das alfaiatarias. Esse cenário revela um vazio de ações que
viabilizem a formação de novos aprendizes, seja em projetos vinculados às
instituições de ensino apoiados em programas governamentais51, seja em
organizações da iniciativa privada. Revela ainda uma ausência de atenção com a
formação de jovens alfaiates por parte das instituições de ensino em geral.
2.6 OS DESAFIOS DA ALFAIATARIA ARTESANAL NO SÉCULO XXI
Após um declínio acentuado na confecção de roupas sob medida,
consequência da inserção de roupas prontas para vestir em todos os segmentos do
vestuário, a alfaiataria artesanal, que proporcionou as mudanças no vestuário
masculino através de suas técnicas e contribuições na construção do vestuário
masculino e também feminino, se mantém. Ela se coloca como uma alternativa à
roupa industrializada, capaz de comunicar a personalidade e a identidade do homem
e também da mulher que a traja.
Contudo, percebe-se que a falta de aprendizes nas oficinas pode ser um
entrave na continuidade do ofício, pois, se não há aprendizes não haverá renovação
deste segmento de artesãos.
Os alfaiates trabalham na maioria das vezes de maneira solitária em suas
oficinas, e entendem que não há tempo para “parar seu serviço” e ensinar um
novato. Segundo FISHER (2010, p.115), “a alfaiataria é uma habilidade tradicional
complexa que exige conhecimento técnico especializado”, e por isso, demanda um
longo tempo de aprendizado, como já vimos anteriormente.
A ausência de formação de mão de obra também esteve, durante alguns
anos, ligada à concepção de que ensinar representaria formar um concorrente, fala
51 O Curso de alfaiate faz parte do catálogo de cursos FIC/PRONATEC. Disponível em: http://pronatec.mec.gov.br/fic/et_producao_cultural_design/et_producao_cultural_design.php#350
57
recorrente em entrevistas com os alfaiates locais (BARBOSA, 2011). Como bem
descreve LAVE em sua pesquisa realizada junto aos alfaiates da Libéria na década
de 70.
Nenhum dos alfaiates era próspero o suficiente para assumir dois novos aprendizes ao mesmo tempo. Os alfaiates treinavam uma média de dez aprendizes durante toda a sua carreira, com média de um aprendiz treinado para cada cinco anos de experiência. Os mestres alfaiates estavam em seu próprio negócio treinando seus futuros competidores, e na verdade eles temiam que houvesse muitos alfaiates "nesses dias" e não existisse clientes o suficiente para todos ao redor. (LAVE, 2011, p. 45)52.
Além da falta de aprendizes, o avanço da produção do prêt-à-porter forçou os
alfaiates a procurar alternativas para se manterem competitivos no mercado. Houve
a incorporação de inovações da indústria ao seu trabalho tornando menos
dispendiosas as suas tarefas.
Uma das justificativas para que os alfaiates adotem técnicas industriais ou
semi-industriais pode se evidenciado na confecção da gola, em que dependendo do
ponto empregado, a aplicação manual da entretela pode levar até 3 horas de
trabalho enquanto que a entretela de gola costurada na máquina não leva mais que
10 minutos.
A aplicação da gola entre outros acabamentos faz com que a roupa feita sob
medida totalmente artesanal não leve menos de 40 horas de trabalho para ser
entregue (ROETZEL, 2009), fazendo com que o preço de um traje personalizado
alcance um valor consideravelmente alto.
Além das dificuldades apresentadas, há ainda o fato de que uma parcela dos
alfaiates admite que não transmitirão seu conhecimento para nenhum outro levando
“o segredo para o túmulo” (SENNET, 2009). O autor ainda traz à tona a dificuldade
da transferência do conhecimento apresentada pelos alfaiates ao questionar “por
52 Tradução livre da autora: None of the tailors was prosperous enough to take on two new apprentices at the same time. Across long careers, the masters trained at most ten apprentices , averaging about one trained apprentice for every five years of tailoring experience. The masters were in the business of training their own future competition, and indeed they worried that there were too many tailors "these days" and not enough customers to go around. The masters were in the business of training their own future competition, and indeed they worried that there were too many tailors "these days" and not enough customers to go around.
58
que tem de ser tão difícil, porque se transforma num segredo pessoal” (SENNETT,
2009, p.89) Pelo fato de considerarem estes segredos sua propriedade, os alfaiates
as concedem apenas a quem lhes interessa,
Praticamente toda a habilidade ou mistério do ofício era transmitido pelo oficial ao seu aprendiz, através de preceitos e exemplos, nas oficinas. Os artesãos consideravam este mistério como sua propriedade, e defendiam seu direito inquestionável ao “proveito e ao uso pacífico e exclusivo das suas artes e ofícios” (THOMPSON, 1987, p.95).
Poucos são os alfaiates que compartilham seus ensinamentos (BARBOSA,
2011). Como os filhos das últimas gerações de alfaiates, poucos foram aqueles que
tiveram interesse em aprender e assumir o estabelecimento do pai alfaiate, mesmo
com o apelo de uma clientela já formada.
Já aqueles que não possuem parentesco direto com os alfaiates artesanais e
demonstram interesse em aprender esbarram em dificuldades como a de encontrar
um alfaiate com disponibilidade de tempo e boa vontade para ensinar, além da falta
de oferta de cursos de formação de alfaiates que abarquem toda a complexidade
deste ofício.
59
2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, pode-se considerar que existe uma grande dificuldade de
preservação dos saberes tradicionais do alfaiate com relação aos seus traçados e
principalmente com relação às suas técnicas de confecção artesanal, o que traz
implicações para a permanência desse ofício outrora tão valorizado. Os registros
disponíveis desde a primeira publicação de Alcega contemplam apenas parte do
processo da alfaiataria, principalmente a construção das peças na modelagem. A
confecção dessas peças nos seus detalhes não aparece justamente pela
complexidade das operações.
A alfaiataria artesanal vem acompanhando a evolução do traje do homem,
sendo responsável diretamente pelas principais mudanças do vestuário masculino,
em que os trajes espalhafatosos foram substituídos gradualmente por trajes limpos e
sóbrios, atentos a qualidade do corte e caimento da peça. É um ofício que inspira
admiração e respeito, pela sofisticação das técnicas manuais que emprega e pela
maneira como percebe o corpo que o vestirá, considerando variáveis e
particularidades que a indústria não contempla.
As técnicas de corte e acabamento são a essência da alfaiataria e o que faz
distinguir a roupa artesanal da roupa feita em escala industrial. De natureza
complexa, torna-se evidente a necessidade de valorizar o trabalho desse artesão
para se preservar os saberes desse ofício secular que ainda encontra espaço no
mundo contemporâneo, em condições de atuar paralelamente à indústria do prêt-à-
porter considerada alfaiataria de luxo.
O tempo dispendido para a confecção da roupa feita sob medida, exigência
primeira para que um traje obtenha caimento perfeito, não pode ser um elemento
responsável pela desqualificação do trabalho do alfaiate. Esse tempo, ao contrário, é
aquele necessário para que o alfaiate artesão confeccione o traje atento aos
detalhes que não são atendidos pela indústria.
O fator tempo não está presente apenas no processo de execução das peças,
mas também na formação do alfaiate, que até aqui se manteve através de longos
60
períodos de aprendizagem, por meio de um processo de ensino e aprendizagem
baseado na observação e na prática constante.
Segundo os próprios oficiais, um alfaiate não é formado em um período
menor do que três anos, caso em que ele deve estar nas mãos de um bom mestre.
A disposição deste mestre para transmitir os seus saberes a um aprendiz que se
tornará um oficial e posteriormente um mestre alfaiate, é uma das grandes
dificuldades vivenciadas pela alfaiataria artesanal.
A alfaiataria artesanal para se manter viva necessita de instrumentos que lhe
dê condições de continuar o legado de séculos de tradição. A história da alfaiataria
está intrinsicamente ligada à história da evolução da indumentária, responsável por
todas as principais mudanças no vestir considerando os dois trajes, o feminino e o
masculino. A indústria do vestuário, que se apropriou das técnicas e acabamentos
desenvolvidos pelos alfaiates, necessita, em contrapartida, reconhecer e apoiar
ações para que a alfaiataria se perpetue e para que o ciclo que se estabeleceu
permaneça, fazendo com que ambas as alfaiatarias, artesanal e prêt-à-porter
continuem se desenvolvendo de maneira plena.
As faculdades de Moda, em que a disciplina é trabalhada, pouco exploram as
questões relativas a própria história da alfaiataria, resumindo-se ao desenvolvimento
de alguns traçados apenas, uma vez que a carga horária atribuída a essa disciplina
em geral não permite maiores avanços.
Há também a inexistência de cursos técnicos profissionalizantes em
instituições como SENAC e SENAI, embora a categoria alfaiate configure no
catálogo das profissões do Ministério da Educação e Cultura.
Essa pesquisa tem o intuito de elucidar questões relativas a este ofício, além
de afirmar que ela ainda se faz presente contrariando a percepção de muitos que
acreditam que a alfaiataria é uma profissão extinta, tornando evidente e necessário
ações que promovam a continuidade do ofício.
61
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62
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1985. WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: arte e comunicação. Lisboa: Edições 70, 1985.
63
3. A ABORDAGEM ERGOLÓGICA
Juliana Barbosa53
Eloisa Helena Santos54
Resumo Este artigo é fruto de uma pesquisa cujo objetivo foi analisar os saberes tradicionais dos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento local. O problema que a originou refere-se à evidência de que parte das técnicas dos alfaiates vem caindo em desuso pela complexidade das suas tarefas, pela escassez cada vez maior de profissionais aptos a desenvolvê-las e pelas mudanças ocorridas no segmento do vestuário. Uma aproximação da atividade do trabalho do alfaiate realizada pela lente da ergologia traz à tona particularidades referentes à prática desses profissionais e seus saberes. Por esta razão o artigo apresenta uma revisão bibliográfica em torno do conceito ergológico de atividade e daqueles que o especificam: normas antecedentes e renormalização, trabalho prescrito e real, dramática dos usos de si e saberes constituídos e investidos. Palavras chave: Alfaiataria artesanal. Ergologia. Saberes. Técnicas tradicionais. Abstract This paper is the result of a research that analyzes tailors’ traditional knowledge to ensure their protection in order to contribute to innovative actions of vocational training and local development. The problem that originated it refers to evidence that part of the tailors’ technical has fallen into disuse by the complexity of their tasks, the growing shortage of professionals able to develop them and by changes occurred in the clothing segment. An approximation of the activity of tailor’s work conducted by ergology lens brings out characteristics related to the practice of these professionals and their knowledge. For this reason the paper presents a literature review around the ergologycal concept of activity and those who specify: background and renormalization rules, prescribed and real work, self dramatic uses and constituted and invested knowledges. Keywords: Tailoring Craft. Ergology. Knowledge. Traditional Techniques.
53 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 54 Orientadora e Professora Doutora do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.
64
INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de uma pesquisa cujo objetivo foi analisar os saberes
tradicionais utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda, na
perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o
desenvolvimento local. Ela utilizou a abordagem qualitativa, de tipo exploratório-
descritiva, e contou com uma revisão bibliográfica e uma pesquisa empírica como
procedimentos de pesquisa. A análise dos dados empíricos encontra-se no capítulo
4º desta dissertação. O texto que apresenta-se a seguir refere-se à revisão
bibliográfica realizada para orientar a análise dos dados empíricos coletados.
A investigação acerca da atividade do trabalho do alfaiate e seus saberes traz
a abordagem ergológica como seu referencial teórico. A ergologia é uma abordagem
que permite conhecer, de forma pluridisciplinar, o trabalhador alfaiate e sua atividade
laboriosa, o ambiente e as relações que se estabelecem, considerando os aspectos
epistemológicos dos saberes aí presentes. É uma abordagem que preocupa-se,
também, com os aspectos políticos, filosóficos e éticos ao considerar os valores em
pauta na atividade, além de afirmar o caráter cultural e histórico do trabalho.
Se o trabalho é atravessado pela história, se nós fazemos história em toda atividade do trabalho, então, não levar em conta essa verdade nas práticas das esferas educativas e culturais, nos ofícios de pesquisadores, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização do trabalho, e também nas nossas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, é mutilar a atividade dos homens e das mulheres que, enquanto fabricantes de história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência novas tarefas para o conhecimento (SCHWARTZ, 2003, pág. 23).
Sob a ótica da ergologia, a valorização do trabalho como espaço de
expressão de um sujeito por meio da sua atividade é o ponto central. É comum
encontrar entre os alfaiates um sentimento de que estão condenados ao
esquecimento pela indústria da alfaiataria e uma ambivalência em relação ao valor
do seu trabalho e dos saberes que aí circulam. Incorporar o conceito ergológico de
atividade do trabalho para analisar o fazer do alfaiate possibilita lançar luz sobre o
valor deste fazer e de seus saberes. Possibilita, também, resgatar este ofício
65
gerando subsídios para a formulação de propostas de ensino e aprendizagem
voltadas para a sua continuidade.
3.1 TRABALHO E ATIVIDADE DO TRABALHO
Para apresentar a perspectiva ergológica, parte-se da importante
diferenciação que ela faz entre o trabalho e a atividade do trabalho. Segundo
Trinquet a atividade “é o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho,
em diálogo com ela mesma, com o seu meio e com os outros” (TRINQUET, 2010,
p.96), ao passo que o trabalho é apresentado pelo autor como a tarefa que o
trabalhador realiza.
Um exemplo que Trinquet nos dá é a maneira como um operário descreve o
que faz: ele sempre descreverá o seu trabalho, a sua tarefa, mas não a sua
atividade. Essa descrição é incompleta, pois a atividade – que faz parte do trabalho,
mas que não é idêntica a ele - é algo tão complexo quanto a natureza humana.
Quando pedimos a um assalariado, qualquer que seja a sua área, que nos explique o que faz, ele descreve sempre o seu trabalho, jamais, descreve, espontaneamente, a sua atividade. É preciso muita perseverança, convicção e confiança para conseguir fazê-lo falar de sua atividade (TRINQUET, 2010, pág. 96).
Segundo Marx, o trabalho é “indispensável à existência do homem, quaisquer
que sejam as formas de sociedade, é necessidade natural e eterna de efetivar o
intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida
humana” (MARX, 2014, p. 64).
Ao desenvolver o conceito de trabalho para analisar a sociedade capitalista,
Marx distingue o trabalho abstrato do trabalho concreto. O trabalho abstrato é o
“trabalho socialmente necessário, executado segundo as condições médias vigentes
da técnica, destreza do operário e intensidade do esforço na realização da tarefa
produtiva” (GORENDER, 1996, p.30). Desse ponto de vista, o trabalho está intrinsic
66
amente ligado à concepção de produção de valor, mas de valor de troca, à
fabricação de um bem de consumo: a mercadoria.
O casaco produzido por um alfaiate e sua atividade do trabalho constituem
um bem de valor, é a materialização de sua mão de obra aplicada ao linho tramado
pelo tecelão, como o próprio MARX afirma em O Capital (MARX, 2014). Na
discussão acerca do caráter do trabalho materializado na mercadoria ele afirma: “o
trabalho do alfaiate e o do tecelão, são ambos dispêndios humanos produtivos de
cérebro, músculos, nervos, mãos, etc., e desse modo, são ambos, trabalho humano”
(MARX, 2014, p.66). O autor segue explicitando que
Os valores de uso casaco e linho resultam de atividades produtivas, subordinadas a objetivos, associadas com pano e fio, mas os valores casaco e linho são cristalizações homogêneas de trabalho; os trabalhos contidos nesses valores são considerados apenas dispêndio de forma humana de trabalho, pondo-se de lado sua atuação produtiva relacionada com o pano e o fio. O trabalho do alfaiate e o do tecelão são os elementos que criam valores de uso, casaco e linho, exatamente por força de suas qualidades diferentes; só são substância do valor do casaco e do valor do linho quando se põem de lado suas qualidades particulares, restando a ambos apenas uma única e mesma qualidade, a de serem trabalho humano (MARX, 2014, p.67).
Esta dimensão do trabalho abstrato, entretanto, não abrange a singularidade
do trabalho realizado por um sujeito trabalhador. Por isto Marx aponta a existência
do trabalho concreto, que não se deixa ver de imediato. O trabalho concreto produz
valor de uso e, portanto, é espaço de manifestação de um trabalhador singular, com
seus interesses, desejos e processos criativos particulares, sua subjetividade. Estas
duas dimensões – abstrato e concreto – convivem contraditoriamente em todas as
situações de trabalho.
No entanto, um fenômeno que Marx denomina fetiche da mercadoria,
relacionado à produção do valor de troca, vai encobrir a existência da produção de
valor de uso pelo trabalhador. Como consequência, na sociedade capitalista, o
trabalhador se aliena em relação ao valor do seu próprio trabalho (SANTOS, 2000,
pág. 123)
67
A distinção que a ergologia faz entre trabalho e atividade do trabalho busca
contribuir para a compreensão desse espaço de manifestação singular de um
trabalhador na situação de trabalho. Por isto ela se debruça sobre o conceito de
atividade do trabalho.
Para desenvolver o conceito de atividade do trabalho, Schwartz vai buscar
inspiração em três fontes principais: a ergonomia da atividade, capitaneada por Alain
Wisner, a experiência de Ivar Oddone com as comunidades científicas ampliadas e a
filosofia da vida de Georges Canguilhem. Apresentam-se nos itens seguintes estas
contribuições à ergologia com o objetivo de circunscrever o conceito de atividade do
trabalho e dos saberes que a constituem.
3.2 AS TRÊS FONTES INSPIRADORAS DA ERGOLOGIA
A discussão em torno da diferenciação entre o trabalho prescrito e o trabalho
real iniciou-se no campo da ergonomia francesa, por meio dos estudos de Alain
Wisner55, e deu origem à analise ergonômica da atividade do trabalho (AET). A
metodologia de Análise Ergonômica do Trabalho desenvolvida por Wisner e usada
como instrumento de medida da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real,
considera todos os aspectos relacionados à previsão e ao controle das situações do
trabalho (WISNER, 1987). O chamado trabalho prescrito cria normas fixas e pré-
estabelecidas capazes de nortear um processo de produção determinado. Percebe-
se que o trabalho prescrito diz “o que se deve fazer”. No entanto o trabalho real é
sempre distinto do planejado (BRITO, 2009, p.284).
O trabalho prescrito caracteriza-se por não ser definido pelo trabalhador e configura as regras e os modos de execução do trabalho que é concebido e codificado por uma instância superior; e o trabalho real, aquilo realmente colocado em ação pelo trabalhador, do que realmente acontece em seus locais de trabalho. Entretanto, uma vez que não existe a possibilidade de descrevê-lo totalmente, o trabalho executado é diferente do prescrito e este recebe o nome de trabalho real (VIEIRA JUNIOR; SANTOS, 2012, p.92).
55 Médico e ergonomista francês, professor, fundador da Ergonomia da atividade, também conhecida como ergonomia de língua francesa.
68
Aspectos importantes devem ser levados em consideração ao analisar a
atividade do trabalho e suas prescrições. Erros são comuns quando não são levados
em consideração situações reais do trabalho como as “dificuldades de percepção,
de decisão, fadiga mental, sobrecarga por atraso dos fornecimentos ou má
qualidade destes” (WISNER, 1987, p.74).
O trabalho prescrito se mantém distante do real por não contemplar a
realidade do trabalho como um todo. O imprevisível e o incontrolável estarão sempre
presentes. Mesmo nos processos automatizados realizados por meio de
equipamentos sofisticados, falhas ocorrerão, e novamente o homem será chamado
a intervir elaborando soluções não prescritas anteriormente (SANTOS, 1997, p.17)
A Ergonomia observa e chama atenção para o fato que o homem que trabalha não é mero executante, mas um operador no sentido de que ele faz a gestão das exigências e não se submetendo passivamente a elas. Ele aprende agindo, ele adapta o seu comportamento às variações, tanto de seu estado interno (fadiga...) quanto dos elementos da situação (relações de trabalho, variações da produção, panes, disfuncionamentos...), ele decide sobre as melhores formas de agir, ele inventa “truques”, desenvolve habilidades permitindo responder de forma mais segura seus objetivos... em uma palavra: ele opera. Assim, sua atividade real sempre se diferencia da tarefa prescrita pela organização do trabalho (NOULIN apud FERREIRA, 2004, p.14).
Segundo TRINQUET, há uma “distância permanente entre o trabalho
prescrito e aquele efetivamente realizado, e isto se deve pelo fato do trabalho ser,
por definição, imprevisível, isso quer dizer que ele não é e não pode ser previsto”
(TRINQUET, 2010, p.98).
O grau de aprendizagem de um determinado operador é difícil de determinar. Se um certo número de “macetes”, isto é, de programas gestuais, são adquiridos progressivamente através do exercício, a aquisição dos sinais perceptivos corretos, ou mesmo dos critérios convenientes (controle de qualidade), a constituição de algoritmos de decisão podem ser repentinas, por ocasião de uma conversa com um colega, ou após a repreensão sobre a qualidade do trabalho
(WISNER, 1987, p.77).
A ergonomia, por meio da Análise Ergonômica do Trabalho, que se ocupa do
fazer do trabalhador inserido em um contexto real, objetiva apreender o trabalho
efetivamente realizado (ABRAHÃO, 2000, p.50). Esta ideia é incorporada pela
69
ergologia que coloca em evidência a atividade humana na complexidade das
situações de trabalho e nas relações que aí se estabelecem.
Além das contribuições da ergonomia, a ergologia vai buscar nas proposições
de Ivar Oddone novos aportes. Oddone56 trata essa dimensão do trabalho real por
meio do que ele define como experiência do trabalhador, qualificada como
“complexa e bruta” e que envolve um tipo de conhecimento desenvolvido pelo
trabalhador. Como este conhecimento é, muitas vezes, não transmissível, Oddonne
considera que o investigador que se ocupa de compreender o trabalho tem a
responsabilidade de construir e codificar esse conhecimento com a participação do
trabalhador, para que sua experiência no trabalho real torne-se transmissível aos
outros (ODDONE, 2007, p.52).
3.3 NORMAS ANTECEDENTES, DEBATE DE NORMAS E RENORMALIZAÇÃO
O conceito de normas antecedentes tem origem na “filosofia das normas”
proposta pelo médico e filósofo francês Georges Canguilhem57. Segundo o autor “os
indivíduos vivem em meio a normas e essas interferem em suas ações de forma
regulatória, submetendo esse ser todo tempo a regras em cada situação de
trabalho” (VIEIRA JUNIOR; SANTOS, 2012).
Para a Ergologia toda atividade é constituída sempre da relação entre
um protocolo, de normas a seguir e de valores a gerir. Portanto a
atividade humana de trabalho é marcada por dramáticas porque em
toda situação de trabalho o homem é obrigado a fazer escolhas entre
as normas antecedentes – do prescrito, do protocolo –, e todos os
seus valores se comprometendo não raras vezes a renormalizar. O
empenho para renormalizar se dá em função da exigência para se
tratar os aspectos singulares de cada situação (VERÍSSIMO, 2015,
p.06).
56 Médico e pesquisador italiano que propôs as comunidades científicas ampliadas para estudar a saúde do trabalhador nas situações de trabalho com o protagonismo dos trabalhadores. 57 Várias das ideias de Canguilhem, conhecido por sua filosofia da vida, foram incorporadas pela ergologia. Neste texto, trataremos apenas de algumas delas.
70
Dessa forma, as normas antecedentes são todas aquelas que constituem o
pano de fundo do trabalho prescrito passíveis de serem renormalizadas. Elas são,
reelaboradas por meio da atividade do trabalhador, que no seu exercício diário e por
meio de suas escolhas e valores procura encontrar maneiras e possibilidades de
melhor atender ao trabalho prescrito (SCHWARTZ apud SANTOS, 2012).
No entanto, anterior ou concomitante à renormalização realizada pelo
trabalhador há um debate de normas, em que o trabalhador se coloca como
protagonista de suas ações, “ele decide como fazer, de acordo com suas
convicções, crenças, valores e seu entendimento da pertinência das prescrições”
(SCHWARTZ apud SANTOS, 2012),
A renormalização é, por fim, produto do debate de normas. De um lado, tem-se a prescrição, o que antecede o trabalho; do outro, o trabalho real, o efetivamente produzido pelo trabalhador. Entre esses objetos está a individualidade, a singularidade de cada trabalhador em sua atividade (VIEIRA JUNIOR; SANTOS, 2012, p. 96).
As infidelidades do meio à que o trabalhador está sujeito e que se fazem
presentes nas situações de trabalho e no debate de normas também são
evidenciadas por Canguilhem. Ele salienta a busca contínua do trabalhador por
maneiras de melhor desenvolver sua atividade, o que tem reflexo em sua saúde,
conforme afirma Brito:
A instabilidade é uma característica das situações de vida e trabalho. Em suas palavras [de Canguilhem] o meio é sempre infiel, sendo a saúde uma margem de tolerância às infidelidades do meio e a capacidade de criar novas normas (CANGUILHEM apud BRITO, 2005, p. 883).
Contudo, a experiência do trabalhador com relação aos aspectos de sua
saúde laboral nem sempre são do interesse do empregador, ao contrário dos
saberes desenvolvidos por eles. A experiência do trabalho concreto do trabalhador e
suas implicações com relação à sua saúde, são por vezes ignoradas nos seus
elementos essenciais (ODDONE, 2007, p.52).
71
3.4 A DRAMÁTICA DO USO DE SI POR SI E POR OUTROS
A busca contínua do trabalhador para encontrar soluções para resolver os
problemas que se apresentam na sua atividade, diariamente, criam um cenário de
pressão de toda ordem para o trabalhador. As decisões a serem tomadas e as
implicações diante de uma tomada de decisão que possa levar a uma escolha
errada criam o que a ergologia nomeia as dramáticas do uso de si (VIEIRA JUNIOR;
SANTOS, 2012).
Segundo Schwartz, o uso de si e suas dramáticas se apresentam até mesmo
quando o trabalhador acredita que está fazendo apenas o que lhe é ordenado: “eu
faço o que me dizem”. Segundo o autor, “o uso não é somente aquele que fazem de
você, mas também aquele que cada um faz de si mesmo” (SCHWARTZ, 2000,
p.42).
O uso de si pelos outros comporta um drama e expressa o fato de que em todo o universo reinam normas de todos os tipos: científicas, técnicas, organizacionais, hierárquicas, mas, principalmente, as normas gestionárias que remetem a relações de igualdade/desigualdade; dominação/subordinação; competição/colaboração; amizade/rivalidade, o que significa dizer que cada pessoa tenta viver num meio onde as pressões são muito fortes, onde não se faz o que se quer. Desse modo, o destino a viver-se no trabalho é viver com essa pressão. Mas, paradoxalmente essa pressão é também uma sorte, pois é a possibilidade do sujeito desanonimar seu trabalho, tentando fazer valer suas próprias normas de vida, suas próprias referências (MOURA, 2009, p.167).
Schwartz (2004) afirma que há uma dualidade na atividade do trabalho que
ele chama de dialética da atividade, ou das normas antecedentes e das normas
individualizadas. A primeira delas diz respeito aos métodos que definem programas
e prescrições, considerada por ele uma linguagem acabada.
A segunda remete ao singular, que se realiza na atividade cotidiana do
trabalho, “o efeito da dimensão histórica de toda a prática, a não repetibilidade
perfeita das situações humanas, sociais, produtivas” (SCHWARTZ, 2004. p.41) e
que caracteriza
Todo trabalho como o lugar de uma dramática singular, em que cada protagonista negociaria a articulação dos usos de si por “outros” e “por si”. A mesma generalidade dessa dialética leva igualmente a
72
pesquisas, em todo caso, sobre a recomposição coletiva das tarefas e das obras, jamais estritamente representável nos organogramas preexistentes (SCHWARTZ, 2004, p.42).
Na dramática do uso de si por si o trabalhador é capaz de ir além daquilo que
lhe foi prescrito, das normas antecedentes e elaborar novas metodologias para
realizar as mesmas tarefas com maior agilidade. Ele cria técnicas e mecanismos que
facilitarão sua atividade, pois ele “é estimulado, direta ou indiretamente, a criar
soluções para os problemas enfrentados em seu ambiente de trabalho” (VIEIRA
JUNIOR; SANTOS, 2012, p.94).
O resultado da dramática dos usos de si, das renormalizações que fazem
parte da atividade do trabalho é a criação permanente de saberes pelos
trabalhadores, além da mobilização dos já existentes.
3.5 SABERES CONSTITUÍDOS E INVESTIDOS
Ao se interessar pela atividade que o trabalhador realiza nas situações de
trabalho, a ergologia dá destaque aos saberes presentes na atividade denominando-
os saberes constituídos e saberes investidos.
Os saberes constituídos, mais fácil de serem apreendidos, são os já
formalizados: a ciência, a tecnologia, os saberes acadêmicos ou profissionais,
formalizados por intermédio de livros, softwares, normas técnicas e organizacionais,
em programas de ensino, entre outros.
Refere-se a todos os conceitos, competências e conhecimentos disciplinares acadêmicos e/ou profissionais. Ou seja, todos os saberes que são necessários, mas exteriores e anteriores à situação de trabalho estudada, ou ainda, saberes que estão em desaderência com a atividade estudada (TRINQUET, 2010, p. 104).
Quando se trata de conhecer a atividade do trabalhador, o saber constituído é
importante, porém não o suficiente. Para os ergólogos, o saber constituído permite
conhecer o trabalho prescrito, antes da sua realização, ao passo que o saber
73
investido é o responsável por explicar o trabalho real que “não é formalizado e nem
escrito em qualquer lugar” (TRINQUET, 2010, p.101).
O saber investido é aquele que foi adquirido ao longo dos anos pelo
trabalhador, por meio da experiência, portanto, é um saber pessoal. A “ergologia
adjetiva esse saber de investido porque remete à especificidade da competência
adquirida na experiência da gestão de toda a atividade do trabalho” (TRINQUET,
2010, p.101). É ele que fará o elo entre o trabalho prescrito e o trabalho real. É o
resultado da experimentação prática, considerada pelos ergologistas os verdadeiros
saberes da atividade.
Este saber é o resultado da história individual de cada um, sempre singular, ou seja, adquirida da própria experiência profissional e de outras experiências (social, familiar, cultural, esportiva, etc.) e que remete a valores, à educação, em resumo, à própria personalidade de cada um (TRINQUET, 2010, pág. 100).
A distinção realizada pela ergologia entre saberes constituídos e investidos
reforça a necessidade de se identificar os saberes investidos quando se quer
conhecer a atividade do trabalhador já que há uma certa dificuldade em se codificar
parte dos processos que caracterizam o trabalho real, dada a sua particularidade.
No trabalho real o trabalhador mobiliza saberes já formalizados – os constituídos,
mas mobiliza também os não formalizados, além de criar novos. Esses saberes não
formalizados
São incorporados na resolução de problemas ou na criação de alternativas de desenvolvimento das atividades e restam sob a forma de uma experiência daqueles que a viveram. De outro lado, formalizar o saber produzido é uma tarefa de extrema complexidade. A dificuldade ou a impossibilidade de fazê-lo não podem ser compreendidas como uma falha absoluta de formalização (SANTOS, 1997, p.10).
Como explicitado anteriormente, no exercício da sua função o trabalhador
busca alternativas para melhor viver a sua atividade, cria mecanismos ou maneiras
de trabalho que não foram prescritas. De acordo com Veríssimo, eles criam saberes
que quando úteis aos demais acabam por gerar um novo hábito, “e o hábito,
culturalmente transmitido, torna-se um saber investido” (VERÍSSIMO, 2015).
74
Segundo Veríssimo (2015), seus saberes investidos resultam da interação
entre três dimensões que são inseparáveis: a biológica, a metafísica e a social.
A dimensão biológica dos saberes investidos diz respeito a um corpo físico,
singular, que possui herança genética que define dimensões, formas, cores, nervos,
músculos, órgãos vitais, características visíveis e observáveis. Segundo Canguilhem
(apud VERÍSSIMO, 2015), é um saber que está no corpo, mas de maneira
inconsciente.
Quando é necessário teorizar e reorganizar este saber, para torná-lo consciente, o homem faz um esforço intelectual para compreender e interpretar. Este esforço intelectual é um ato que se realiza por todo o corpo, incessantemente, e é difícil dizer onde começa e onde termina (VERÍSSIMO, 2015, p.20).
A dimensão metafísica dos saberes investidos diz respeito a tudo que se
relaciona ao intelectual: os saberes, os valores, a memória, intuição, instinto,
percepção, sentidos, esforço/impulso de criação, capacidade de fazer escolhas
durante e na atividade do trabalho. São características imateriais, mas perceptíveis
quando manifestas pelos gestos, palavras ações, ou qualquer outra forma de
manifestação humana (VERÍSSIMO, 2010).
De acordo com Veríssimo, esses aspectos relacionam o saber ao poder e
conferem ao Homem a condição de compreender que ele é o criador do saber,
assumindo igualmente a sua emancipação, a sua autodeterminação, criando
condições para que ele saia “da norma que não funciona” para então renormalizar
(VERÍSSIMO, 2015). De acordo com a autora,
Cada homem tem a sua maneira singular de realizar um trabalho e de executar uma tarefa, segundo sua maneira de se posicionar no mundo, e ainda, quando se considera a multiplicidade dos sentidos que pode tomar, para cada um, uma aprendizagem ou um fracasso, na sua relação com o outro, com o mundo e consigo mesmo, em função de sua história, do seu percurso pessoal e dos seus próprios desafios (VERÍSSIMO, 2015, p.10)
A dimensão social contempla as marcas que se relacionam à posição que o
trabalhador ocupa na sociedade: na família, na cidade, no país, num tempo histórico,
75
nas instituições por onde passou, com as pessoas com as quais conviveu
(VERÍSSIMO, 2015), com os quais ingressou no ofício principalmente.
Embora a ergologia apresente especificidades que qualificam os
denominados saberes investidos, algumas dimensões deles são reconhecidas por
outros autores com outras denominações. Os saberes investidos, do ponto de vista
da ergologia, aproximam-se da ideia de saberes tácitos. O termo tácito designa o
implícito e o informal. Saber tácito é aquele oriundo da experiência do trabalhador,
da sua história singular e coletiva, mas sobre o qual ele não tem consciência. Para
RUGIU, trata-se de saberes reconhecidos como “um conhecimento por via intuitiva e
prática, condicionada além de tudo pela perdurável didática ativa, guiada pela
palavra e pelo exemplo prático do mestre” (RUGIU, 1998, p. 73).
Dejours, citado por Silva (2010), realça o saber prático, que o trabalhador
vivencia diariamente no seu trabalho e que está relacionado aos sentidos. Ele
permite, por exemplo, diagnosticar o mau funcionamento de uma máquina apenas
pelo ruído que ela produz.
Um barulho, uma vibração, um cheiro, um sinal visual podem chamar a atenção do sujeito, mas antes chama a atenção do corpo desse sujeito, desde que este tenha vivido previamente a experiência, em uma situação qualquer de trabalho normal (DEJOURS apud SILVA, 2010, p.14).
O saber prático, ou o “saber fazer” é um tipo de saber que está diretamente
relacionado ao tempo, e que, somado à atividade do trabalho, faz com que o
trabalhador produza um conhecimento que lhe é próprio (TARDIF, 2005).
É o tipo de saber que acontece dentro das oficinas, “não dito nem codificado
em palavras, que ocorreu nesses locais e se transformou em hábito, através dos
milhares de gestos quotidianos que acabam configurando uma prática” (SENNETT,
2003, p.92). Estes saberes são conhecidos também pela denominação de
conhecimentos tácitos.
O conhecimento tácito é adquirido pelo trabalhador tanto no processo de trabalho quanto na sua atividade social em geral. É um processo contínuo e essencial ao andamento cotidiano do trabalho. É dificilmente codificado, o que dificulta a sua sistematização, mas é
76
extremamente dinâmico, estando presente em, praticamente, todos os processos de trabalho conhecidos no capitalismo (ARANHA, 1997, pág. 14).
Há uma tendência a se valorizar o saber já formalizado, e por consequência o
trabalho prescrito em detrimento do trabalho real. No trabalho real o trabalhador
produz um saber investido que é difícil de ser explicitado, já que muitas vezes ele
mesmo não sabe descrevê-lo. Ao focalizar o ofício de mestres alfaiates, Sennett
(2009) se refere a esta dificuldade quando diz que é o caso dos “mestres que devem
ser insistentemente induzidos a se explicar, para expressarem o conjunto de passos
e soluções que absorveram em silêncio – se pelo menos forem capazes de fazê-lo e
o quiserem” (SENNETT, 2009, p.93).
3.6 DD3P (DISPOSITIVO DINÂMICO A TRÊS POLOS)
Devido à importância atribuída pela ergologia aos saberes para se
compreender a atividade do trabalho, ela propõe um método que se volta para
conhecê-los: o Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P.
O DD3P é composto de três polos que se articulam dinamicamente: o polo
dos saberes constituídos, o polo dos saberes investidos e o polo das exigências
ergológicas (éticas, epistemológicas, políticas, infraestruturais, entre outras). A lógica
que orienta o diálogo entre estes três polos é definida pela ideia dos processos
socráticos de duplo sentido e resulta em produção de conhecimento e de soluções
para os problemas que ocorrem no trabalho. Pelo menos dois princípios estão
garantidos aqui: o protagonismo dos trabalhadores e a transformação do trabalho.
No primeiro polo está o saber constituído. São os conhecimentos acadêmicos,
formalizados, os conceitos e os saberes técnicos que estão relacionados à situação
de trabalho que é objeto de conhecimento.
77
No segundo polo estão os saberes investidos, os saberes da experiência,
aqueles saberes que ainda não foram formalizados, socializados e que pertencem
apenas ao trabalhador.
O terceiro polo é o responsável pela garantia dos parâmetros dentro dos
quais se desenvolverá o diálogo entre os dois primeiros. Segundo SCHWARTZ,
desse dialogo resultará num novo saber. Nesse 3º polo os saberes se retrabalham
permanentemente, num sistema de retroalimentação, sempre em movimento,
questionando disciplinas, conceitos, saberes e pessoas, “rumo a futuros não-
antecipáveis e sempre abertos” (SCHWARTZ, 2002, p.146).
O DD3P permite que pesquisador e trabalhador se beneficiem desta dinâmica
ao aprenderem com a experiência um do outro, por meio de uma
“pluridisciplinaridade que produza colaboração e cooperação, uma busca por
aproximação entre os saberes, uma vez que cada um tem seu olhar próprio sobre o
mundo em sua busca pelo conhecimento” (HOLZ, 2013, p.160).
3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisão bibliográfica que deu origem a este artigo permitiu abordar o
conceito ergológico de atividade, bem como aqueles que o especificam: normas
antecedentes e renormalização, trabalho prescrito e real, dramáticas do uso de si,
saberes constituídos e investidos.
O DD3P também foi apresentado, uma vez que ele justifica a abordagem
ergológica sob dois pontos de vista: de um lado, permitir uma aproximação da
dinâmica da atividade do trabalhador, da qual fazem parte os saberes constituídos e
investidos; e, de outro lado, chamar a atenção dos pesquisadores que se propõem
conhecer o trabalho para a necessidade de fazer dialogar estes dois tipos de
saberes envolvendo trabalhadores e gestores neste diálogo.
A construção teórica que dela decorreu permitiu uma aproximação da
atividade do trabalho do alfaiate de maneira a identificar os saberes que ele cria e
78
mobiliza durante o processo de confecção de um paletó, peça considerada
emblemática da alfaiataria artesanal. Este resultado é apresentado em outro artigo
intitulado “Relato da Pesquisa: Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate” e
que faz parte desta dissertação.
No entanto, a complexidade da atividade do trabalho requer uma
conceituação que responda à dificuldade posta por esta realidade. A ergologia,
consequentemente, é um arcabouço conceitual não só complexo como também
apresenta desafios próprios a uma abordagem em construção contínua. Entende-se,
portanto, que este artigo representa um primeiro passo da pesquisadora em direção
a uma apropriação mais profunda da ergologia.
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81
4. RELATO DA PESQUISA: PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS
DO ALFAIATE
Juliana Barbosa58
Eloisa Helena Santos59
Resumo
Este artigo apresenta os resultados da pesquisa empírica realizada com o objetivo de analisar os saberes tradicionais utilizados pelos alfaiates de forma a garantir a sua salvaguarda na perspectiva de contribuir com ações inovadoras de formação profissional e com o desenvolvimento local. Utilizando a abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritivo-exploratória, ela contou com a participação de um alfaiate que foi acompanhado pela pesquisadora em sua atividade durante o período de seis meses quando ele confeccionou um paletó, peça considerada emblemática da alfaiataria artesanal. A observação participante, a entrevista semi-estruturada e de autoconfrontação foram as técnicas empregadas para a coleta de dados. Os resultados da pesquisa revelam os saberes constituídos e investidos mobilizados pelo alfaiate e o seu envolvimento com o processo de pesquisa.
Palavras-chave: Alfaiataria Artesanal. Saberes Constituídos e Saberes Investidos. Processo de Ensino e Aprendizagem.
Abstract
This paper presents the results of empirical research conducted in order to analyze the traditional knowledge used by tailors to ensure their protection in order to contribute to innovative actions of vocational training and local development. Using a qualitative approach and a descriptive exploratory research, it had the participation of a tailor who was accompanied by the researcher in his activity during the period of six months when he made a jacket, considered an emblematic piece of handmade tailoring. The participant observation, semi-structured interviews and self-confrontation were the techniques used for data collection. The survey results reveal the established and invested knowledges mobilized by the tailor and his involvement with the search process. Keywords: Tailoring Craft. Consisting Knowledge and Skills Invested. Teaching and
Learning Processes.
58 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 59 Orientadora e Professora Doutora do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.
82
INTRODUÇÃO
Embora a maior parte da pesquisa tenha se desenvolvido com um alfaiate
somente, ela iniciou-se com dois: Pedro que tomou as medidas do cliente e traçou o
paletó e João que foi o responsável por costurar, provar a peça no cliente com suas
devidas correções além do acabamento. Os alfaiates pesquisados têm trajetórias
escolares diferentes. Pedro cursou até o terceiro ano do ensino fundamental no
colégio Senhor do Bonfim na cidade de Bocaiúva, enquanto que João possui o
ensino médio completo, cursado no Colégio Interno chamado Cidade dos Meninos
na cidade de Governador Valadares, ambas localizadas no estado de Minas Gerais.
Embora não tenham sido formados como alfaiates nos bancos escolares,
utilizam-se de saberes constituídos adquiridos no ensino formal como a matemática.
Deles fazem parte também aqueles adquiridos por meio dos saberes tradicionais de
seus mestres, ainda que não estejam formalizados em livros, softwares ou ainda, em
normas técnicas e organizacionais. Por isso estes têm uma especificidade no
conjunto de seus saberes constituídos. Este conjunto de saberes tem grande
importância na alfaiataria que realizam, contudo, não é suficiente para resolver os
problemas que surgem no trabalho real.
Na alfaiataria artesanal, o mestre é aquele que tem o maior domínio dos
saberes. É ele o responsável pela tomada de medidas do cliente e o posterior
traçado e corte do tecido. Após esta fase, o mestre encaminha o trabalho para os
oficiais, que por sua vez o executam de acordo com sua especialidade.
A partir daí o oficial alfaiate obtém a liberdade de decidir quais saberes e
técnicas utilizará na confecção da peça. Ele busca atender as prescrições do mestre
alfaiate, bem como se adequar às condições impostas pelo tecido e o modelo
desejado, ou seja, pelas condições do trabalho real, repleto de infidelidades do meio.
Um outro conjunto de saberes diz respeito àqueles que a ergologia denomina
saberes investidos. Pedro e João desenvolveram esses saberes ao longo dos anos
de experiência na alfaiataria, portanto, trata-se de um saber pessoal. São eles que
são mobilizados no espaço entre o trabalho prescrito e o trabalho real e são
83
considerados pelos ergologistas os verdadeiros saberes da atividade. João, com
quem a pesquisa de campo se desenvolveu, exemplifica:
Então eu falei assim, eu comecei a ter ideias, dobrando no ferro e cortando; antes eu só dobrava no ferro, costurava, depois eu descobri que tinha que saber onde é que estava o risco embaixo; pensei: se eu cortar um pouquinho nas pontas eu venho aqui e vejo. Costuro de lá pra cá e depois eu levanto e fico sabendo onde tá o limite do bolso, e com isso eu não preciso procurar nada [...], muito mais prático, não precisa procurar nada, já está tudo ali (autoconfrontação em 06/02/2015).
A construção do saber investido é descrita, ainda, quando ele diz: “a gente
vai costurando e com o tempo você tem uma visão da costura antes de fazer sabia?
eu falo que é uma ante visão. Antes de fazer você já tem um projeto na cabeça!”
(depoimento coletado em 2014).
Entre as falas recorrentes dos alfaiates pesquisados é comum ouvir
expressões como “cortar no olho” e “golpe de vista”, que evidenciam um tipo de
saber que eles possuem. O alfaiate sabe mais do que ele pode dizer. Ele
desenvolve esta habilidade principalmente por meio da observação, por exemplo, do
preparo de uma lapela60, em que a posição com que o tecido é tomado pelas mãos e
a maneira como os pontos são distribuídos determinarão a virada natural do tecido.
A partir dessa observação, ele investe de possibilidades o conhecimento adquirido
por meio de seus mestres reinventando-os e transformando-os em novos saberes.
Entre o prescrito pelo mestre alfaiate e o trabalho real executado pelos
oficiais, há uma série de implicações e diferenciações que foram sendo reinventadas
e renormalizadas pelos próprios alfaiates. João explica: “é que eu vou inventando
sabe? Eu vou fazendo e vou criando formas, e de repente, o negócio fica bom!”
(depoimento coletado em 2014).
As diferenças na execução dos detalhes de um paletó caracterizam uma
marca singular do alfaiate e “sua presença no objeto” (SENNETT, 2009, p.149). Elas
representam a declaração de que “eu fiz isto”, “estou aqui, neste trabalho”, “eu
existo”.
60 É a parte do casaco correspondente à continuação da gola na frente do paletó, moldada e costurada para virar para o lado de fora. Lapela também é o nome empregado com relação às “tampas” de bolsos externos de paletó e casualmente em calças.
84
Cada alfaiate possui uma vivência singular e uma maneira própria de
trabalhar. A construção de um bolso de dois vivos, que são aqueles internos e
externos de um paletó, em que ficam visíveis apenas duas “tiras” de tecido, revela
modos diferentes de fazer considerados importantes para os alfaiates e pouco
perceptíveis aos olhos do consumidor final. São muitos os detalhes para que uma
roupa fique bem feita, e a maior parte deles é interna, não visível externamente.
Durante a execução do paletó, João destaca que “tem certas coisas que você
descobre que vai dar conta de fazer só na hora que tá fazendo”. Não dá para
antecipar. Ele busca alternativas para os tipos de acabamentos impostos e se abre a
novas possibilidades:
Isso não foi na alfaiataria que eu aprendi, isso foi nas roupas que vêm
de fora. Hoje em dia não precisa prender tudo, você só prende aqui ó
(mostra o detalhe da bainha), costura com costura, e fica bom, não
fica aparecendo pontinho aqui.... Tudo é o que vem de fora e os
alfaiates às vezes demoram a entender que isso é um bom negócio
(depoimento coletado em 2014).
Para o alfaiate, a capacidade de ser flexível é imprescindível para atuar nesse
ofício em que cada alfaiataria possui sistemas e metodologias próprias de trabalho.
Conforme garante João, uma peça é desfeita tantas vezes quantas forem
necessárias para que ela esteja em perfeita posição, principalmente no que diz
respeito à manga do paletó. Trata-se de uma evidência de que os saberes investidos
são criados por intermédio do erro e pelo trabalho que deve ser feito sobre ele para
que a execução da peça não se torne uma tarefa automática, mecânica.
Então eu tô nessa situação agora, tudo o que eu olho se eu não gostei não tenho preguiça mesmo, desmancho e faço. É uma coisa que eles colocam pra gente ... a gente sabe que a gente errou né?! Então é desse jeito, uma disciplina constante (autoconfrontação em 06/02/2015).
Faz parte do seu saber avaliar permanentemente seu próprio trabalho, já que
ele “pega o hábito de se vigiar”:
A manga, a manga é o seguinte: ela tem prumo né? Quando ela tá no prumo ela não dá ruga em lugar nenhum, ela cai certinha [...], tudo é o centro da peça que já é calibrada pra isso. Então, quando a manga
85
fica fora do lugar, ela tá fora do prumo; ou você tem que tirar, você tem que descer, cava grande, cava pequena... Isso aí é errando sabe? Errando e tendo alguém também pra te alertar. E tem pessoas que às vezes aprende e não tem essa sensibilidade de ver que tá errado e continua fazendo, ele acha que é só pôr no lugar e entregar. A gente na alfaiataria, tem gente que puxa a orelha da gente o tempo todo, né? Então a gente tá aprendendo. E depois que a gente aprende também, que vai trabalhar pros outros, cada um tem sua forma e fica em cima, né: ‘não! tá pra trás’, ‘não! tá pra frente’, ‘tem um papinho aqui, precisa tirar isso’, ‘você tem que descer mais, essa cava tá apertada’! Então é assim, com isso você pega o hábito de se vigiar (autoconfrontação em 06/02/2015).
Em um determinado momento percebe falhas ao seu redor e sugere a
correção:
É, perto da máquina, você precisa ter uns lugarzinhos certos pra colocar essas coisas [vistas dos bolsos]. Você perde muito tempo, por exemplo, quando ali, ó, eu vou usar um ali [uma das vistas] esse ali tem que ficar num lugar [indica a outra vista que está sob o paletó] mais organizado sabe, senão cai no chão e se perde (autoconfrontação em 06/02/2015).
Ele destaca também o uso do alinhavo à mão, técnica inexistente na indústria
e de fundamental importância na alfaiataria artesanal. Reconhece que é uma técnica
trabalhosa, mas que confere um ganho de tempo posterior: “Tu vê (sic) que até o
alinhavar é trabalhoso né? Você ganha tempo... se costurar na tora dá defeito e
você tem que desmanchar. Aqui não, você alinhavou, costurou, tá pronto!”
(depoimento coletado em 2014).
O alfaiate comenta sobre determinados itens que compõem a sua atividade,
como a acomodação da manga do paletó com o ferro de passar e com o auxílio de
uma almofada61. Durante a passação, ele apanha a almofada e diz: “costura é
assim, você vai fazendo e inventando maneiras de se trabalhar melhor (pausa para
uma reflexão e, em seguida, faz uma exclamação) Alguém inventou essa almofada!”
(depoimento coletado em 2014).
61 É Comum o uso de almofadas de vários tamanhos para atender determinados pontos da peça no momento da passação. Elas auxiliam o alfaiate na tarefa conferindo ao modelo a forma desejada, além de proteger as próprias mãos no momento de utilizar o ferro de passar.
86
João ressalta a qualidade da alfaiataria artesanal quando realizada
manualmente. No entanto, ele adota técnicas semi industriais aprendidas em
decorrência de sua vivência em fábricas de vestuário prêt-à-porter, e vê nelas um
expediente importante incorporado à sua atividade.
Tem pessoas aí que fazem um bolso fora de série, Matias por exemplo; o finado Carlos também fazia um bolso todo a mão né, e eles fazem questão. Mas eu já venho de uma geração que tem que produzir e fazer bem feito, mostrar que produz rápido e com a qualidade bem próxima da deles né. E o serviço de alfaiataria quando é feito manual mesmo, quando a pessoa é boa, parece que é uma joia, uma coisa incrível né?! (Entrevista em 06/02/2015).
A expressão “parece uma joia, uma coisa incrível né?!” demonstra a sua
admiração e respeito tanto pelos seus pares, quanto pela alfaiataria artesanal.
No entanto, há uma grande dificuldade em se codificar os saberes investidos,
pois eles se desenvolvem em meio a inúmeras variáveis, tais como o tempo e o
espaço, as condições humanas e econômicas, além das particularidades subjetivas
de cada alfaiate. Os saberes investidos
São incorporados na resolução de problemas ou na criação de alternativas de desenvolvimento das atividades e restam sob a forma de uma experiência daqueles que a viveram. De outro lado, formalizar o saber produzido é uma tarefa de extrema complexidade. A dificuldade ou a impossibilidade de fazê-lo não podem ser compreendidas como uma falha absoluta de formalização (SANTOS, 1997, p. 10).
O alfaiate reflete sobre sua prática e encontra maneiras de melhor realizar a
tarefa prescrita, renormalizando. A criatividade é inerente à sua atividade, portanto, a
renormalização é constante na sua rotina: “a gente que mexe com costura,
constantemente, é difícil fazer a mesma coisa do mesmo jeito. Por isso eu falo, pra
ser costureiro tem que ser criativo” (depoimento coletado em 2014). Este
depoimento vai ao encontro das ideias de Schwartz que dizem respeito à
singularidade das situações do trabalho e a sua renormalização contínua,
As renormalizações são as múltiplas gestões de variabilidades, de furos das normas, de tessitura de redes humanas, de canais de transmissão que toda a situação de trabalho requeira, sem, no entanto, jamais antecipar o que elas serão, na medida em que essas
87
renormalizações são portadas por seres e grupos humanos sempre singulares, em situações de trabalho, elas mesmas, também sempre singulares (SCHWARTZ, 2011, p.34).
Na confecção do paletó, o alfaiate depara-se com situações em que ele é
chamado a tomar decisões, a fazer escolhas, como por exemplo, o uso ou não de
determinadas entretelas.
Trabalho manual, trabalho intelectual: Quem hoje poderia sustentar que o trabalho manual não mobiliza, por meio do corpo, como suporte de uma história pessoal, a síntese de microapreciações, de microescolhas, de microjulgamentos? (WISNER, apud, SCWARTZ,
2011, p.28).
O emprego correto dos aviamentos, bem como o tipo de entretela a ser
utilizada fazem parte de algumas das decisões que ele tem que tomar. O uso de
uma entretela colante inadequada pode acarretar defeitos que não se apresentam
de imediato62 somente após determinado tempo de manuseio, o que provavelmente
comprometeria horas de trabalho.
A decisão na escolha do processo de confecção de um bolso também denota
as escolhas que o alfaiate faz, em que ele deve considerar o tipo de tecido, o
modelo desejado e a viabilidade da execução. No uso de si por si, ele cria
mecanismos que facilitam a sua atividade, ele cria condições de desempenhar as
mesmas tarefas de forma otimizada, como explícita neste depoimento:
Então você tem que criar gabaritos né? Formas de trabalhar, formas de repetir aquele serviço muito mais rápido possível. Então eu descobri que aquele negócio que você corta duas tiras, você vai costurar uma, depois você vai procurar outra e encostar na outra né, leva tempo. As vezes some, você fica procurando, até colocar aquilo no lugar já passou alguns minutos (autoconfrontação em 06/02/2015).
A seguir, apresenta-se a metodologia utilizada nessa pesquisa, que aliado ao
arcabouço teórico permitiu uma aproximação da atividade do trabalho do alfaiate de
modo a compreender, e identificar os aspectos relacionados aos saberes
tradicionais elencados durante o processo de confecção do paletó.
62 Alguns tipos de entretela apresentam certa dificuldade de fixação em determinados tecidos. Cabe ao alfaiate testá-los e submetê-los a fusionamentos específicos que garantirão a qualidade da peça.
88
4.1 METODOLOGIA
A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa por compreender que é a que
mais se adequa ao alcance de seu objetivo de analisar os saberes tradicionais que
envolvem a atividade do alfaiate, em especial, a confecção do paletó. Ela permitiu
usar o ambiente natural da oficina do alfaiate como fonte direta de coleta de dados,
estabelecendo uma relação de confiança com os sujeitos da pesquisa além de
propiciar à investigadora a condição de perceber o significado que o alfaiate dá ao
seu trabalho e à sua vida. A pesquisa contou também com os procedimentos de
revisão bibliográfica e pesquisa empírica.
Os instrumentos de coleta de dados foram a observação participante da
pesquisadora durante o processo de confecção do paletó, a entrevista semi
estruturada e a de autoconfrontação. A entrevista semi estruturada procurou
conhecer a história de ingresso e formação do alfaiate no ofício, bem como outros
aspectos pertinentes à categoria dos alfaiates e à manutenção da alfaiataria
artesanal. Na entrevista de auto confrontação, realizada após a finalização do
paletó, foram utilizadas as imagens de fotografia e vídeo registradas durante o
processo.
4.2 A PESQUISA EMPÍRICA
4.2.1 O CENÁRIO DA PESQUISA
Com o intuito de registrar a atividade e os saberes do alfaiate, a pesquisa de
campo se deu, inicialmente, em duas alfaiatarias, uma delas de maior porte, que
será denominada alfaiataria A.
A alfaiataria A está localizada no bairro Cruzeiro, na zona sul de Belo
Horizonte, e conjuga os espaços de residência do casal proprietário, oficina e
recepção. Lá o proprietário recebe clientes, toma as medidas, confecciona e entrega
os trajes. Nessa alfaiataria são empregados um mestre alfaiate, cinco oficiais e uma
89
costureira. Não há presença de aprendizes. Há também o setor administrativo
composto por dois funcionários e o casal proprietário.
A oficina da alfaiataria A ocupa um espaço de aproximadamente 40 metros
quadrados em um único ambiente, anexo à casa aos fundos. A administração e a
recepção estão localizadas na parte térrea do interior da casa. O maquinário que
compõe a alfaiataria é constituído por oito máquinas de costura reta industrial, uma
máquina de overloque, uma prensa de colar entretela, dois ferros de passar
industrial e duas mesas de corte. O mestre alfaiate, sujeito da pesquisa na alfaiataria
A é o Pedro.
A segunda alfaiataria, de menor porte, será chamada de alfaiataria B. Ela está
localizada no bairro Estrela Dalva, na região oeste da capital. A alfaiataria é dirigida
pelo seu proprietário e sua esposa, também costureira que se ocupa de outras
tarefas de confecção, como uniforme e roupas em geral.
O espaço da alfaiataria B também é anexo à residência do proprietário, e
ocupa um espaço de aproximadamente 20 metros quadrados divididos em dois
ambientes.
O maquinário da oficina da alfaiataria B é composto por três máquinas retas,
uma máquina de overloque, uma caseadeira, ferro de passar industrial e uma mesa
de corte. O alfaiate sujeito da pesquisa na alfaiataria B é o João.
A primeira etapa da pesquisa se deu na alfaiataria A. Correspondeu à
observação pela pesquisadora da recepção do cliente, da tomada de medidas, do
traçado e do corte. A segunda etapa e a mais importante foi realizada na alfaiataria
B, onde a confecção e o acabamento do paletó foram realizados.
4.2.2 O OBJETO DA PESQUISA
As peças tradicionais confeccionadas com frequência nas alfaiatarias são
masculinas com algumas peças femininas esporádicas. Peças infantis também são
realizadas, contudo, elas são apenas masculinas. Calças, coletes e paletós são os
90
produtos principais na alfaiataria, e em algumas situações outros modelos são
confeccionados, porém, sempre como variações das peças clássicas.
A camisa nem sempre é confeccionada nesses ateliers, pois há um
profissional exclusivo para essa peça intitulado “camiseiro”. As alfaiatarias em geral
contratam os serviços desse profissional terceirizando esta função.
Dentre as peças citadas, aquela que possui maior complexidade em sua
execução é o paletó. Dessa forma, decidiu-se por sua confecção e o registro de todo
o processo de sua produção. O paletó é considerado a peça mais emblemática na
alfaiataria artesanal, portanto, aquela que agrega o maior número de elementos
capazes de ilustrar os saberes do alfaiate com exatidão, objetivo da pesquisa. Dessa
forma, a pesquisa se desenvolveu acompanhando a confecção de um paletó pelas
mãos do alfaiate João.
4.2.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA
A pesquisa se desenvolveu com a participação de dois alfaiates, João e
Pedro, sujeitos da pesquisa. O início da pesquisa se deu na alfaiataria A, com a
participação do mestre alfaiate Pedro na tomada de medidas, no traçado e no corte
do paletó.
O mestre alfaiate Pedro possui 70 anos, é natural de Bocaíuva região norte
de Minas Gerais, e ingressou no ofício aos 13 anos de idade. Trabalha na alfaiataria
A em torno de 20 anos sendo o responsável pela tomada de medidas, traçado, corte
e supervisão da confecção das peças. Pedro foi o responsável por tomar as
medidas, traçar e cortar o paletó.
O segundo sujeito da pesquisa e também o responsável pela confecção da
peça foi o alfaiate João, que foi, portanto, acompanhado por mais tempo. João é
natural de Belo Horizonte e possui 60 anos. Ingressou no ofício aos 12 anos, no
colégio interno em que estudava, chamado Cidade dos Meninos na cidade de
Governador Valadares. Nesse Colégio ele foi convidado a auxiliar o alfaiate
91
responsável pela confecção e manutenção dos uniformes dos alunos, dando assim,
seus primeiros passos no ofício.
João é um dos poucos alfaiates que concluiu o ensino médio, além de ter
realizado cursos profissionalizantes em outras áreas tais como contabilidade,
tornearia mecânica e eletricidade. Segundo ele, todos os cursos eram realizados na
tentativa de ingressar em uma profissão que fosse uma alternativa à alfaiataria:
Os próprios colegas de serviço da alfaiataria falavam que a alfaiataria não presta, porque a gente não ganha dinheiro. Pode até trabalhar na alfaiataria, mas estudar para ser outra coisa porque a alfaiataria é terrível. Então, é por isso que hoje em dia nós temos poucos alfaiates, porque os próprios que existiam na época estimulavam as pessoas que chegavam a mudar de rumo (Entrevista cedida em 12/12/2014).
Além dos cursos que realizou, trabalhou em outras áreas, porém não se
identificou com nenhuma delas retornando para a alfaiataria artesanal, e
posteriormente ingressando na alfaiataria industrial. João relata a sua passagem
pela indústria como episódio importante na sua vida, pela experiência que adquiriu e
pela possibilidade de se desenvolver dentro da empresa. Nela assumiu cargos de
chefia, além do treinamento de pessoal do qual participou e que recorda com
saudosismo.
Seu ingresso na indústria se deu em um momento difícil em que, segundo ele
o salário que recebia trabalhando como empregado não era o suficiente para o
sustento de sua família:
Descobri que a alfaiataria tava (sic) me pagando muito pouco, conseguia fazer feira só semanal, a patroa ia lá pra comprar arroz e feijão barato porque o dinheiro não tava (sic) dando. Um dia eu fiz uma oração com Deus lá, uma conversinha boa com ele, ele me mostrou um jornal e eu vi lá: precisa-se de alfaiate industrial, eu disse “que coisa é essa?” Fazer roupa é.... Eu vou lá. Cheguei lá e alfaiate industrial era costurar nessa máquina industrial! (Entrevista em 12/12/2014).
Relata a admiração ao perceber que as tarefas que executaria seriam as
mesmas, porém de forma padronizada e utilizando maquinário industrial. Ao fazer o
teste foi imediatamente contratado. Uma vez dentro da empresa, em pouco tempo
92
foi o responsável por ampliar o setor com o recrutamento de outros oficiais alfaiates,
que viram na indústria uma possiblidade de maiores ganhos salariais e benefícios
em comparação às alfaiatarias na época.
No entanto, João faz uma ressalva, destacando a diferença de atuação dos
alfaiates naquele período, bem como dos costureiros que treinou em momentos
posteriores. Segundo ele, são profissionais capazes de desenvolver uma peça na
sua totalidade, diferente dos operadores de máquina que atuam hoje no mercado.
Esses não têm a oportunidade de aprender os processos como um todo, pois cada
pormenor do trabalho segundo Schwartz, “teria sido pensado pelos outros, antes
que os executantes agissem: aliás, a eles não é permitido agir, eles executam”
(SCHWARTZ, 2010, p.42). Desta forma, o trabalhador sem conhecer os processos
de uma maneira geral, trabalha de forma segmentada, mecanizada, e que em nada
contribui para o seu desenvolvimento,
Mas o que acontece é que eles querem treinar a pessoa em costurinha, fazer trabalhar noite e dia e produzir aquela quantidade que eles querem pra ganhar aquele salarinho que não melhora nunca e a pessoa também não melhora. Vira um escravo, um escravo moderno né? Pra não dizer que é escravo, costureiro. Então o que tá acontecendo muito por aí é isso. Essa rotina miserável, sacrificante, salário pouco porque a própria pessoa vê que ela tá fazendo pouco serviço, que ela não tá gastando cérebro nenhum, às vezes no automático ela tá trabalhando com as mãos mas tá pensando em filho, que a conta tá chegando e tal, que o gás tá... É por isso, eu acho que, tem que haver uma mudança. (Entrevista cedida em 12/12/2015).
Sua experiência na alfaiataria industrial girou em torno de 10 anos, parte
deles em Caetité, interior da Bahia, onde foi o responsável por instalar uma fábrica
de confecção capacitando costureiros para o início das atividades. Finalizado o
projeto de instalação da fábrica, ele retorna a Belo Horizonte e retoma seu trabalho
na alfaiataria artesanal, implementando parte das técnicas que desenvolveu
enquanto permaneceu na indústria. Desta forma, João é um tipo de alfaiate que
transita com desenvoltura entre as alfaiatarias tradicional e prêt-à-porter, com
domínio das técnicas de ambas.
93
No entanto, essa experiência por vezes é descriminada por outros alfaiates,
que se referem a ele como “da indústria”, refutando as técnicas que utiliza por
considerarem inadequadas ou infiéis às técnicas artesanais da alfaiataria.
A coleta de dados se deu por meio do acompanhamento da atividade de
cada um dos alfaiates sujeitos da pesquisa. A atividade do alfaiate Pedro foi
registrada na alfaiataria A durante o processo de recepção e tomada de medidas
que se desenvolveu no período de uma tarde. Dessa forma, a análise recaiu
principalmente sobre os dados coletados junto ao alfaiate João pela participação
efetiva na confecção do paletó no decorrer de seis meses da pesquisa.
4.3 O INÍCIO DO TRABALHO DE OBSERVAÇÃO
O início do trabalho de observação se deu na alfaiataria A. Além da
observação propriamente dita da atividade do alfaiate, a pesquisadora iniciou o
registro de imagens – fotos da tomada de medidas, bem como do local em que se
realizou o corte do paletó, que, porém, não foi registrado pela indisponibilidade do
mestre alfaiate da alfaiataria A em expor esta tarefa e colaborar com o registro das
imagens. Como citado anteriormente, esta atitude revela uma prática comum entre
aqueles que acreditam estarem vulneráveis ao revelar “seus segredos”. Desta
forma, o paletó foi cortado em um momento em que a pesquisadora não estava
presente na oficina, garantindo dessa forma que os detalhes ficassem preservados.
Em seguida, o processo de confecção do paletó se deu na alfaiataria B por
meio de encontros semanais com algumas interrupções, de acordo com a
disponibilidade de horário do alfaiate. Os encontros tiveram a duração de três a
quatro horas no decorrer do período de seis meses. É necessário destacar que o
alfaiate que realizou a confecção do paletó é o proprietário da alfaiataria B e
trabalha, eventualmente, na alfaiataria A ou prestando serviços para a mesma em
sua própria alfaiataria.
94
4.4 AS TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS
As técnicas utilizadas na coleta de dados foram a observação participante,
que contou com o registro de imagens, a entrevista semiestruturada e a posterior
entrevista de autoconfrontação, que segundo Theureau (apud ANTIPOFF, 2014) é
uma entrevista que se constitui em um importante recurso para acessar a
consciência pré-reflexiva dos sujeitos. Isto é, como ele age, percebe e utiliza os
meios para alcançar seus objetivos em situações reais de trabalho. Ela é mediada
por traços objetivos da atividade, colhidos durante a fase de observação em
situações reais de trabalho.
Entendemos por autoconfrontação não apenas as verbalizações a posteriori sobre o próprio comportamento, mas toda e qualquer técnica de explicitação que coloque traços objetivos do comportamento entre o observador que interroga e o observado que responde. Nesse princípio metodológico geral, cabem tanto as verbalizações ininterruptas e consecutivas, quanto as entrevistas de explicitação ou as entrevistas guiadas pelos fatos (LIMA, 2000, p.139).
As imagens e vídeos registrados foram usados em posterior análise junto ao
alfaiate como auto confrontação. Diante das imagens, foi pedido a ele que
comentasse e explicasse os vários passos registrados. Segundo LIMA (2000), trata-
se de um instrumento de coleta de dados um pouco mais sofisticado que permite
que o entrevistado se perceba e esclareça como e porque ele trabalha daquela
forma.
O registro da atividade é apresentado ao alfaiate que o analisa na perspectiva
de identificar os saberes que compõem a sua técnica de fabricação do paletó, além
de outros “estados d´alma”. O método ergológico do Dispositivo Dinâmico a Três
Polos (DD3P) deu o suporte para que a pesquisadora analisasse o diálogo entre os
saberes constituídos e os saberes investidos.
A observação participante com o acompanhamento direto da pesquisadora
durante a confecção do paletó contribuiu para estabelecer o diálogo sobre os
pormenores da atividade. Além de sua importância neste momento, o registro de
imagens por fotografia e vídeo permitiu organizar uma sequência operacional da
95
execução do paletó e dos saberes aí mobilizados, de acordo com as observações
feitas pelo alfaiate.
Também foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com um roteiro de
perguntas previamente formuladas (CRUZ NETO, 2004). Neste momento o alfaiate
versou sobre as ações que executa, fornecendo elementos históricos, além dos
processos utilizados durante o seu tempo de trabalho.
Contudo, o aspecto mais importante das técnicas de coleta de dados
utilizadas reside no fato de que o alfaiate ocupa o papel central, percebendo-se na
sua atividade em situações que por vezes não consegue explicar, sentindo-se
estranho à própria ação.
A análise dos dados se deu pela técnica de análise de conteúdo e consistiu
em rever os vídeos realizados por meio da técnica de minutagem, descrevendo o
processo de confecção do paletó aliado aos conceitos da ergologia, buscando
identificar as falas, o gestual, o que não foi explícito em palavras, para então traduzir
a atividade do trabalho do alfaiate na sua plenitude.
96
4.5 A ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS: OS SABERES TRADICIONAIS DO
ALFAIATE NA CONFECÇÃO DO PALETÓ
O processo de confecção do paletó teve início no dia 21 de julho de 2014 na
alfaiataria B. A pesquisadora participou de 13 encontros semanais registrados por
meio de imagens de vídeo. Como se trata de um processo demasiadamente longo, a
descrição e a análise dos dados empíricos se ativeram às passagens mais
significativas da atividade do alfaiate. O manual do paletó, produto técnico resultante
da pesquisa e que compõe o capítulo seguinte, contém todas as informações,
imagens e ilustrações, o passo a passo que permite que o leitor acompanhe o
processo de confecção do paletó sem maiores dificuldades.
4.5.1 O PROCESSO DA CONFECÇÃO DO PALETÓ NA ALFAIATARIA B
No primeiro encontro na alfaiataria A o paletó foi cortado no tecido pelo
alfaiate Pedro e entregue à pesquisadora desse início a confecção da peça.
Imediatamente a pesquisadora levou o trabalho até a alfaiataria B e o entregou nas
mãos do alfaiate João com quem a pesquisa se desenvolveu. Feita a entrega do
tecido com o corte do paletó, todo o processo de confecção, incluindo os detalhes
correspondentes aos acabamentos de bolso e corte do forro foram realizados por
João, convocando todos os saberes constituídos e investidos.
Logo após o corte dos aviamentos de bolso63 e acabamentos de forro, João
realizou a escolha das entretelas, uma espécie de tela de tecido termocolante que
se adere ao tecido conferindo-lhe uma leve estrutura. A entretela é cortada no
mesmo tamanho da frente do paletó e aplicada como reforço em outros detalhes
como bainhas e mangas.
Após o corte das entretelas, o trabalho retornou à alfaiataria A onde elas
foram fusionadas com o auxílio de uma prensa semi-industrial64, uma vez que a
63 Todas as partes correspondentes ao forro, vista e lapelas de bolso internos e externos. 64 A prensa de fusionamento semi-industrial é um equipamento de grande auxílio para os alfaiates
com relação ao emprego de entretelas colantes, pois elimina um tempo de trabalho significativo, além
97
alfaiataria de João não possui esse equipamento. Esta prensa é adotada cada vez
mais pelas alfaiatarias. Seu uso substitui a aplicação de entretelas não colantes
costuradas manualmente (CABRERA; MEYERS, 1983) pelo uso de entretelas
termocolantes, tornando sua aplicação mais fácil e rápida.
As entretelas não colantes continuam sendo aplicadas por meio de pontos
diagonais cruzados, à mão, em partes como a gola e a lapela, porém apenas nas
alfaiatarias tradicionais, naquelas que refutam qualquer tipo de maquinário industrial
ou semi-industrial (BARBOSA, 2011).
O método utilizado pelo alfaiate João dispensou a aplicação da entretela não
colante, cujo emprego pode ser considerado uma norma antecedente, em algumas
partes do paletó. Embora tendo recorrido à prensa semi-industrial para obter os
mesmos resultados de um trabalho realizado manualmente ele utiliza habilmente o
ferro de passar e a aplicação das costuras na máquina, de modo a equiparar-se ao
trabalho desenvolvido na alfaiataria artesanal. Esta ação do João corresponde a um
novo saber que mantém as características finais do produto no estilo da alfaiataria
artesanal. Como atesta SCHWARTZ,
Diante das normas antecedentes de todos os tipos, todas mais ou menos indispensáveis, mas todas parcialmente “inacabadas”, a atividade de trabalho, individual e coletivamente, deve – e esta é uma obrigação à qual ninguém pode se subtrair – dar-se normas de tratamento aqui e agora. E então, ao mesmo tempo, “fazer história”, e produzir formas originais de saber para efetuar este tratamento (SCHWARTZ, 2003, p.26).
A aplicação manual de uma entretela não colante e de todos os outros
acabamentos do paletó requer um tipo de habilidade do alfaiate que é da ordem do
saber investido.
A condição primordial para que um alfaiate possa trabalhar as costuras
manuais empregadas no paletó é o uso do dedal. Já em seu primeiro contato com a
alfaiataria, ele recebe esse acessório que é amarrado ao seu dedo médio,
de garantir a qualidade do processo. No entanto, não é comum encontrar este equipamento em alfaiatarias de menor porte, como é o caso da alfaiataria B.
98
permanecendo com ele preso à mão durante todo o dia de trabalho, a fim de que
seu dedo acostume ao dedal, que funciona como uma extensão de seu corpo.
Na alfaiataria tradicional, não há como costurar sem o uso do dedal pela
quantidade de tecido e entretelas aplicadas em determinadas partes das peças. A
função do dedal é a de proteger o dedo médio empurrando a agulha contra essas
camadas de tecido no momento do ponto. Do contrário, a mão do alfaiate pode
sofrer várias pequenas perfurações. Nenhum alfaiate se separa de seu dedal,
dizendo sentir necessidade de usá-lo até mesmo no momento de enfiar a linha na
agulha, além de mantê-lo fixo no dedo, mesmo quando realiza outras tarefas
diferentes da costura.
O dedal de alfaiate difere do dedal de costureira pelo fato de ter seu topo
aberto, permitindo que o dedo ventile. Por meio dessa abertura é que o dedal é
fixado à mão com o auxílio de um retalho fino de tecido. O retalho é preso de
maneira que o dedo tome a posição da costura, de forma que o dedo fique
flexionado e próximo à palma da mão, na posição favorável ao manuseio da agulha,
permitindo empurrá-la lateralmente como na imagem abaixo (ver figura 06).
FIGURA 7: DEDAL AMARRADO À MÃO
Fonte: Arquivo pessoal da autora
FIGURA 6: POSIÇÃO DO USO DO DEDAL
Fonte: Arquivo pessoal da autora
99
Ainda no primeiro encontro, João realizou as marcações das linhas mais
importantes do traçado no tecido. Para realizar tal marcação, utilizou uma técnica já
em desuso por parte deles: o alinhavo de alfaiate. Esse tipo de marcação, apesar do
cuidado que confere à produção da roupa, demanda demasiado tempo. Por isso ela
ocorre hoje apenas nas alfaiatarias mais tradicionais, em que o alfaiate faz questão
de manter o processo artesanal e, consequentemente, possui condições de repassar
o custo correspondente ao cliente (CABRERA; MEYERS, 1983). No paletó em
questão, a técnica foi demonstrada por João em algumas marcações, já que ele não
a utiliza mais.
Durante o processo, ele comenta: “eu gostava de fazer isso, eles punham a
gente para fazer isso (quando era aprendiz). Era meu passatempo... Menino é bom
que eles não sabem de nada não, tudo é divertimento” (depoimento coletado em
2014).
A técnica consiste em marcar as principais linhas do traçado do paletó no
tecido, tais como as linhas de cintura, bainha, quebra de lapela, entre outras. Isto é
realizado por meio de pontos de alinhavo frouxos, com linha simples, e posterior
separação das partes e corte da linha fazendo com que a marcação de linha
permaneça em ambas as partes (ver figuras 08 e 09).
FIGURA 9: SEPARAÇÃO E CORTE DO ALINHAVO
Fonte: Manual do paletó
FIGURA 8: ALINHAVO DE ALFAIATE Fonte: Manual do paletó
100
4.5.2 A CONFECÇÃO DOS BOLSOS
No segundo encontro, depois de realizada a marcação de algumas linhas pela
técnica do alinhavo de alfaiate, e após o retorno das frentes do paletó da alfaiataria
A onde as entretelas foram coladas, iniciou-se o processo de confecção dos bolsos
que compõem a frente externa do paletó (bolsos de dois vivos e bolso de lenço).
Para a costura das lapelas dos bolsos, o alfaiate contou com o auxílio de
gabaritos para a marcação precisa da costura. Esses gabaritos são, às vezes,
improvisados de acordo com o material disponível no momento (ver figura 10) e
podem ser classificados como resultantes de ações “micro recriadoras” da atividade
(SCHWARTZ; DURRIVE, 2007).
Na confecção dos bolsos, João mobiliza um saber investido que revela uma
renormalização (SCHWARTZ, 2003): a sequência e a maneira como as vistas são
cortadas diferem da forma como ele aprendeu com seus mestres e da forma como é
trabalhada nas oficinas.
FIGURA 10: MARCAÇÃO DA LAPELA DE BOLSO
Fonte: Arquivo pessoal da autora
101
A dimensão social deste saber está implícita no fazer desse bolso, pois o
alfaiate reconvoca todo o conhecimento adquirido nas alfaiatarias por onde passou,
dos mestres com os quais conviveu e renormaliza ao criar uma nova forma de
confeccionar um bolso que reduz o tempo, otimiza o processo e garante a qualidade
da peça (CALAZANS; VERÍSSIMO, 2014).
Ao preparar os retalhos de tecido para a confecção dos bolsos internos e
externo do paletó, percebe-se que o alfaiate não utiliza a fita métrica em nenhum
momento. Todas as partes são cortadas e vincadas no “golpe de vista”, um tipo de
saber que pode ser classificado como da ordem do biológico, uma vez que seu
corpo está condicionado à execução destas ações (CALAZANS; VERÍSSIMO,
2014). O saber desenvolvido por ele evidencia um uso de si por si, já que ele investe
um saber que é singular e que o faz dialogar com os procedimentos prescritos e os
saberes constituídos adquiridos com seus mestres.
Finalizada a confecção dos bolsos, o alfaiate leva as partes da frente do
paletó ao ferro de passar para vincar a quebra da lapela. Em determinado momento,
cogita-se a ideia de colocar uma música, já que até então, isso não havia sido feito
por existir uma preocupação com relação ao registro do vídeo.
A música em ambientes de costura, apesar do barulho incessante das
máquinas, é um subterfúgio para o alfaiate ou costureira. Expressa um cuidado em
aliviar as tensões do ruído produzido pelas máquinas. Sugere a música “A casa de
Irene” como uma proposta de “volta no tempo”. Canguilhem já alertava para a
criação de condições favoráveis à manutenção da saúde pelos trabalhadores.
4.5.3 O REFORÇO DE PEITO
Na sequência do processo, o alfaiate inicia o preparo do reforço de peito, uma
estrutura interna com sobreposições de camadas de entretela que conferem a
rigidez do ombro em direção ao meio do peito no paletó. As camadas são
posicionadas uma sobre a outra, como na sequência ilustrada na figura 11.
102
FIGURA 11: DISPOSIÇÃO DAS CAMADAS DE ENTRETELA NO PREPARO DO REFORÇO DE PEITO Fonte: Arquivo pessoal da autora
No entanto, para que o reforço acompanhe a curvatura do ombro, logo que a
segunda camada é aplicada o alfaiate realiza um corte no centro do ombro e afasta
as partes das entretelas em aproximadamente 2cm (figuras 12 e 13). Esta abertura
faz com que o reforço perca a forma estática e acompanhe a curvatura natural do
ombro e o movimento do peito. A abertura é fixa com um retalho de entretela
formando uma pence aberta.
FIGURA 13: ABERTURA DA PENCE DE OMBRO Fonte: Arquivo pessoal da autora
FIGURA 12: PENCE DE OMBRO NO REFORÇO DE PEITO Fonte: Arquivo pessoal da autora
103
Em seguida são presas as três camadas por meio de pontos realizados à
máquina, numa costura de zig-zag. Esta costura originalmente também era realizada
totalmente à mão. Mesclou as duas técnicas, utilizando costuras à mão e a
máquina, sem perder, no entanto, a forma essencial do reforço, que é aquela que
define a estrutura interna da frente no paletó.
Posteriormente, o reforço de peito foi alinhavado junto à frente do paletó, com
pontos longos em toda a sua extensão. Finalizado o alinhavo do reforço de peito na
frente do paletó, o alfaiate acomoda a peça na mesa, observa e exclama: “perfeito”!
Esse tipo de observação é realizado durante todo o decorrer do trabalho. O
alfaiate não avança se antes não for realizada uma inspeção cuidadosa da sua
tarefa. O rigor na confecção é a marca pessoal do alfaiate e a perfeição é convocada
sempre no “hábito de se vigiar”, que compõe parte da dramática do uso de si que faz
parte de sua atividade (SCHWARTZ, 2004).
Em seguida, logo após o alinhavo, fixa o reforço de peito no paletó com
pontos diagonais cruzados em toda a sua extensão até a quebra da lapela. Ele
chama a atenção no momento da aplicação dos pontos do reforço para que a
“agulha não vaze” para o lado direito da peça, isto é, não fique aparente do lado
direito ao final do trabalho.
4.5.4 O FORRO INTERNO
O forro interno na parte da frente do paletó constitui-se de uma parte de
tecido chamada revel65 do forro lateral e da ilharga66 Ao levar estas partes de tecido
para uni-las na máquina de costura, João percebeu que o forro estava maior que o
revel no comprimento. Ele reflete durante alguns minutos e, sem falar uma palavra,
se volta para a câmera e faz um sinal para mostrar que queria chamar a atenção
para o que iria fazer para resolver o impasse (ver figura 14).
65 Acabamento interno na frente do paletó cortado no tecido principal (externo). Compreende a região da lapela e do trespasse do abotoamento apenas. 66 Parte lateral do corpo do paletó compreende o espaço entre frente e costas, logo abaixo da cava.
104
FIGURA 14: ALFAIATE APONTANDO A DIFERENÇA NA BARRA DO PALETÓ Fonte: Arquivo pessoal da autora
O gesto do alfaiate denota que ele fez uma reflexão acerca de um problema
que deveria ser resolvido ali, naquele instante. A diferença entre as partes pode
significar que uma delas está cortada em excesso ou a outra com falta de tecido, ou
que o tecido entretelado tenha sofrido um processo de encolha durante o
fusionamento. Que implicações isso traz para a montagem? Como seguir a partir
dessa constatação?
Ao se dirigir à câmera e fazer um gesto que caracteriza um convite para
acompanhar sua ação, o alfaiate quer ensinar como resolver aquele problema,
evidenciando a posição de alguém que sabe o que faz. Em poucos minutos ele
decide distribuir a diferença observada entre os extremos da peça (ombro e bainha),
algo em torno de 1,5cm, e realiza a costura de união.
Não há moldes de referência para que ele pudesse aferir onde está o
problema – medida rotineira tomada em uma fábrica prêt-à-portér – visto que o
mestre alfaiate que cortou o paletó o fez diretamente no tecido. Dessa forma,
convocou todos os saberes acumulados na sua atividade para tomar uma decisão
105
frente àquele imprevisto, o que “só pode ocorrer por meio da prática, e de forma
progressiva durante a prática” (LIMA, 2000, p.143).
Em seguida, o alfaiate volta para a mesa de passação e tomba a costura de
união das partes do revel, forro lateral no sentido da ilharga. Depois, executa à
máquina os bolsos internos da frente do paletó. Nota-se que o ferro apresenta uma
espécie de proteção, um pedaço de papelão encaixado logo abaixo da alça (figura
15).
FIGURA 15: DETALHE DO PEDAÇO DE PAPELÃO NO FERRO DE PASSAR
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Questionado sobre o porquê daquele “papelão”, ele responde que durante o
tempo em que trabalhou em uma indústria de confecção treinando mão de obra e
gerenciando a produção percebeu que as mulheres da fábrica queixavam-se
constantemente do vapor do ferro de passar. O modelo de ferro industrial emite mais
volume de vapor do que um doméstico comum, causando uma irritação na pele
semelhante a uma queimadura leve dependendo da sensibilidade de quem o
manuseia e do quanto ele é utilizado.
106
Para resolver este problema criou uma proteção de papelão recortado e
encaixado logo abaixo da alça do ferro e acima do sistema de emissão do vapor.
Uma medida simples que pôs fim ao desconforto pelo qual as costureiras passavam
e favoreceu o trabalho de passação.
Na origem, um drama – individual ou coletivo – tem lugar quando ocorrem acontecimentos, que quebram os ritmos das sequências habituais, antecipáveis, da vida. Daí a necessidade de reagir, no sentido de: tratar esses acontecimentos, “fazer uso de si”. Ao mesmo tempo, isto produz novos acontecimentos, por conseguinte, transforma a relação com o meio e entre as pessoas (SCHWARTZ; DURRIVE, 2008, p.25).
Ao terminar a confecção dos bolsos internos no forro do paletó, o alfaiate
iniciou o processo de montagem das partes. Nesse momento a frente do tecido
principal, o reforço de peito e o forro foram unidos e enquartados67 ou
“desempenados”, termos corriqueiros na alfaiataria que traduzem o ato de equilibrar
as partes, ajustá-las uma à outra.
Em seguida, as costas do paletó foram unidas à parte da frente pela lateral
por meio de alinhavos. Os ombros do paletó foram unidos considerando o
embebido68 na união dos ombros, frente e costas69. Este acréscimo faz com que a
costura dos ombros acompanhe o movimento do reforço do peito respeitando a
curvatura natural do corpo (figuras 16 e 17), além de permitir acomodar os
acabamentos da manga e ombreira.
67 Enquartar, acertar, ajustar as partes como que colocando no esquadro. 68Costura de encolha utilizada em determinadas partes do trabalho de confecção de uma peça. Na alfaiataria é comum ouvir o termo “moleza” ou “brandura” ao invés de embebido. 69 A parte do ombro costas é cortado maior que o ombro frente em torno de 2cm. Diferença que será embebida para receber os acabamentos da manga bem como acompanhar a curvatura do alto das costas.
107
A conclusão dessa fase do processo permitiu que a primeira prova fosse
realizada. Neste momento, quando o cliente veste a roupa, são analisados
principalmente as cavas e o decote para que não haja nenhum problema na
colocação da gola e da manga posteriormente. Os excessos que se apresentem em
qualquer uma das partes são aparados.
A prova do paletó, realizada no dia 28 de outubro de 2014, apresentou uma
diferença considerável nas medidas com relação à época em que elas foram
tomadas, quatro meses antes. Durante este período, o cliente do paletó iniciou um
treinamento físico que alterou algumas de suas medidas, principalmente com
relação ao costado, o que fez com que o paletó se tornasse demasiado justo.
Uma norma antecedente prevê esta situação. Ela se manifesta em uma
prescrição, a previsão de “enchances70” localizadas no centro das costas e na lateral
do paletó, na ilharga principalmente, que correspondem a valores de tecido internos
utilizados para eventuais ajustes.
70 A enchance é um recurso caracterizado por acréscimos de tecido previamente estabelecidos no traçado que permitem que a peça seja ajustada ou, ainda, reaproveitada posteriormente caso o dono da roupa venha a sofrer uma alteração no manequim. Dessa forma, a vida útil da roupa é prolongada por meio da enchance.
FIGURA 17: OMBRO COSTAS EMBEBIDO
Fonte: Arquivo pessoal da autora
FIGURA 16: DIFERENÇA OMBRO COSTAS
Fonte: Arquivo pessoal da autora
108
Apesar de prescrita, a previsão de “enchances” não contempla as implicações
diretas que advêm das diferenças encontradas. O alfaiate que confecciona o paletó
e, no caso, realiza a prova é quem deve ser capaz de visualizar e identificar os
locais do corpo que necessitam de folga a fim de atender a proposta do traçado da
peça. Embora não se possam separar as três dimensões do saber investido
apresentadas por Calazans e Veríssimo (2014), a saber, a biológica, a social e a
metafísica, pode-se identificar nesse saber investido a última dimensão, que é assim
descrita:
[...] tudo que está relacionado ao intelectual: saberes, valores, memória; intuição, instinto; percepção, sentidos, duração, esforço intelectual, esforço/impulso de criação, capacidade de fazer escolhas, etc. Desde as micro até as macro características imateriais, mas perceptíveis quando manifestas pelos gestos, palavras, ações ou qualquer outra forma de manifestação humana (CALAZANS, VERÍSSIMO, 2014, p.07)
O paletó em questão necessitou de acréscimo de tecido apenas no costado
(parte alta do corpo), mantendo a “enchance” no restante. Caso a folga fosse dada
ao longo do centro costas, o paletó poderia perder suas características tornando-se
demasiado folgado.
FIGURA 19: ABERTURA TECIDO NO COSTADO
Fonte: Arquivo pessoal da autora
FIGURA 18: PALETÓ JUSTO NO COSTADO Fonte: Arquivo pessoal da autora
109
Essa previsão também acontece com relação ao comprimento da manga, em
que a última casa de botão não é aberta prevendo eventuais alterações no
comprimento. Caso haja o corte para a abertura da casa de botão a movimentação
do comprimento da manga fica comprometida.
No paletó confeccionado pelo alfaiate João, a “enchance” do centro das
costas foi o suficiente para dar movimento à peça de acordo com o costado do
cliente. O tecido foi solto e remarcado diretamente no corpo pelo alfaiate. Outras
correções menores foram realizadas no decote eliminando excessos de tecido para
a colocação da gola. Já a cava permaneceu inalterada (figura 19).
FIGURA 20: MARCAÇÃO DO EXCESSO DE TECIDO NO DECOTE COSTAS
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Finalizada a primeira prova, o alfaiate refez todas as marcações e alinhavos
no paletó e prosseguiu dando sequência à construção da gola e das mangas. São
os “acabamentos” que constituem tarefas atribuídas ao oficial acabador.
110
4.5.5 O PREPARO DA GOLA (BAIXO E CAPA DA GOLA)
Após a primeira prova e de acordo com o decote já corrigido, o alfaiate traçou
a gola utilizando o próprio paletó como ponto de partida. Ele posicionou o paletó
aberto em um pedaço de papel e com o auxílio de uma agulha de máquina marcou
alguns pontos do decote que serviram posteriormente para a definição da gola.
Durante o traçado, ele destaca um detalhe da gola fazendo referência a uma
alfaiataria tradicional de Belo Horizonte: “o pessoal do Otacílio eles jogam só um
pouquinho aqui...” (depoimento coletado em 2014). Esta observação revela um tipo
de saber investido que está no campo da dimensão social e que remete aos locais
onde trabalhou, às pessoas com as quais conviveu e acumulou experiências e
saberes (CALAZANS; VERÍSSIMO, 2014).
Ao final do traçado da gola no papel ela é transferida para uma entretela de
linho específica para esse fim, cortada em duas partes no sentido do viés71 e unidas
no centro das costas. Nesse momento, o alfaiate posiciona as duas partes da gola,
lado a lado, sobre um retalho de tecido ou entretela colante para dar início à costura
de união.
João inicia a costura com duas retas paralelas (figura 21) e, logo em seguida,
faz uma costura de zig-zag entre elas (figura 22). No entanto, a máquina que utiliza
não dispõe de costura do tipo zig-zag e, mesmo assim, ele a realiza. Ele cria um
movimento sincronizado de costura reta para frente, de retrocesso (costura no
sentido inverso) e de levantar de calcador72. Este movimento requer significativa
habilidade, pois para realizar esta costura ele opera três ações concomitantes:
aciona o pedal de costura, guia o tecido na forma de zig-zag num movimento de leva
e traz, e levanta o calcador para forçar a máquina no sentido contrário. Esta última
operação é uma ação conflitante, pois a costura de retrocesso (costura de arremate)
não é realizada de acordo com as funções disponíveis da máquina.
71 Ângulo de 45º no tecido ou entretela que confere propriedades como flexibilidade e elasticidade à peça. É especialmente utilizada na confecção da gola. 72 Calcador é um item da máquina de costura que apoia o tecido no momento do trabalho. Há diversos tipos de calcadores dependendo do tipo de costura, por exemplo: calcadores para a costura de zíper comum, zíper invisível, para a aplicação de botões, costura de zig-zag ou costura reta apenas.
111
As máquinas de costura domésticas mais recentes dispõem de vários tipos de
pontos, entretanto, as primeiras máquinas e as mais utilizadas pelos alfaiates são
limitadas a um só tipo de costura, a reta. As primeiras máquinas também não
possuíam o dispositivo do retrocesso, motivo pelo qual os alfaiates o fazem
manualmente, mesmo que as máquinas hoje apresentem essa função, o que
configura o uso de si por si para otimizar esse processo (SCHWARTZ, 2000). Ao
operar uma máquina reta industrial como se operasse uma máquina doméstica sem
recursos apropriados, é exigido dele uma complexa articulação de movimentos
simultâneos durante uma fração de tempo menor do que aquela que levaria caso
fizesse uso dos dispositivos da máquina moderna. Como a otimização do processo
beneficia o cliente e é uma exigência dos tempos atuais, o uso de si por outro pode
ser considerado aqui.
Finalizada a costura de união das golas de entretela, o alfaiate aplica um
corte de tecido que formará o baixo da gola (figura 23). A costura de fixação das
partes também foi realizada na máquina com zig-zag na mesma configuração da
costura anterior, ou seja, manualmente sem a utilização do dispositivo de retrocesso
da máquina industrial.
FIGURA 21: DUAS PARALELAS UNINDO AS GOLAS SOB UM RETALHO DE ENTRETELA OU TECIDO
112
FIGURA 22: COSTURA DE ZIG-ZAG ENTRE AS PARALELAS. MOVIMENTO DE LEVANTAR DE CALCADOR, ACELERAÇÃO E LEVA E TRAZ DO TECIDO
FIGURA 23: COSTURA DE UNIÃO DA ENTRETELA E TECIDO COM PONTOS DO TIPO ZIG-ZAG
Após a aplicação do baixo da gola, ela é fixada no corpo do paletó com
pontos de alinhavo e posterior acabamento com pontos à mão, tipo picado73.
Finalizada a costura do baixo da gola, a capa da gola74 é inserida por meio de um
retângulo de tecido de tamanho suficiente para cobrir toda a gola na entretela (baixo
da gola) e dar acabamento na parte interior. A costura da capa da gola também é
feita manualmente com pontos tipo picado em toda a sua volta.
73 Pontos manuais, de acabamento e fixação, feitos de maneira que não sejam notados a não ser por leves “picadas” da agulha. 74 Parte de tecido que cobre a gola de entretela. É o lado da gola que é visto durante o vestir.
113
FIGURA 24: PONTO PICADO NA CAPA DA GOLA Fonte: Arquivo pessoal da autora
Em se tratando de tecidos listados há que se ter o cuidado de fazer coincidir
as linhas. No paletó em questão o tecido era liso, o que facilitou o trabalho do
alfaiate.
4.5.6 O ENCAIXE DA MANGA
Após a finalização da gola, a manga é preparada para ser encaixada no corpo
do paletó. João costurou as mangas do tecido principal e forro respectivamente
unindo as folhas superior e inferior75 de cada uma delas. Logo após, as mangas
foram levadas até a mesa de passar para abrir as costuras e então unir as mangas
de tecido com as mangas de forro pela parte correspondente ao punho.
O processo de passação é realizado com o apoio da já mencionada almofada,
acessório comum na alfaiataria para abrir as costuras de partes fechadas e estreitas
tais como a gola e a manga. Enquanto utiliza a almofada o alfaiate tece o seguinte
75 As duas partes de molde que compõem a manga alfaiate. Folha superior é a correspondente a parte visível da manga, o alto do braço. Folha inferior é a parte da manga que fica próxima ao corpo.
114
comentário: “costura é assim, você vai fazendo e inventando maneiras de trabalhar
melhor. Alguém inventou essa almofada!” (depoimento coletado em 2014).
Além de refletir sobre sua prática ele também reflete sobre a prática de
outrem ao inventar essa almofada. Traduz a temporalidade ergológica, não somente
no que se refere às situações históricas da sua vida, mas à história do outro, capaz
de desenvolver um instrumento que facilita a sua atividade e a dos demais alfaiates
(CUNHA, 2007).
O encaixe da manga é a ação considerada pelos alfaiates a mais complexa
na confecção de um paletó. Entre eles, é comum se ouvir dizer que se reconhece
um bom alfaiate pela manga pelo que ela exige: a posição correta com relação à
postura do corpo e a distribuição perfeita do embebido76 para que a manga receba
os demais acabamentos internos e faça o movimento harmonioso da cabeça da
manga77.
Para o encaixe da manga, desde sua montagem até a finalização, foram
necessárias 12 horas de trabalho, aproximadamente. O momento mais delicado foi a
conclusão do primeiro alinhavo, em que a manga é posicionada provisoriamente
para uma segunda prova. Este processo exigiu do alfaiate quatro tentativas de
encaixe até encontrar a posição considerada por ele como “boa”.
Nesta operação a manga é aplicada ao corpo com um ou dois alinhavos
firmes, distribuindo de maneira uniforme o embebido da manga, ou como os
alfaiates costumam chamar, a “moleza” ou a “brandura” da manga. O embebido
corresponde a um acréscimo dado ao molde da manga num valor aproximado entre
4 a 6cm maior que a cava. Nele são considerados acréscimos de volume como
ombreiras, além da caída de ombro de quem o vestirá, conferindo harmonia à peça.
76 Acréscimo de tecido dado à cabeça da manga (parte superior da manga que é encaixada na cava). Este acréscimo é reduzido manualmente (como a união dos ombros frente e costas) ou à máquina. A manga é sempre cortada em tamanho maior que a abertura da cava, necessitando que ela seja embebida, isto é, encolhida para o encaixe perfeito. 77 Parte superior da manga. Neste caso, refere-se à curvatura que é formada no encaixe com o corpo e que recebe acabamentos internos de entretela e feltro, além da ombreira, formando um ombro perfeito.
115
O embebido da manga exige habilidade e percepção apurada, pois ele deve
ser realizado de modo que a manga não apresente qualquer indício de ruga ou
prega, um verdadeiro drama para o alfaiate de acordo com o tecido que é
empregado.
Os tecidos de lã tropical e as lãs chamadas Super 100’ S78 utilizadas em
locais de temperaturas elevadas, como no Brasil, são mais difíceis de trabalhar, e
exigem maior cuidado do alfaiate no momento do seu encaixe por não responder tão
bem ao uso do vapor. Esse é o motivo pelo qual o trabalho dispendido na confecção
de uma manga em lã tropical ou uma lã Super 100’ S é rapidamente reconhecido
entre os alfaiates quando bem executado pelo nível de exigência que requer.
Já os tecidos de lã pura com gramatura de fibra média apresentam melhor
comportamento mediante o uso do ferro de passar, pois ao utilizar o vapor o alfaiate
habilmente confere encolha ao tecido esculpindo a cabeça79 da manga sem
dificuldades.
A caída da manga deve obedecer à caída natural do braço. A manga
confeccionada foi alinhavada quatro vezes no corpo do paletó antes da segunda
prova, quando se fez necessário mais um ajuste, totalizando cinco alinhavos.
A movimentação do tecido em cada um desses alinhavos é mínima, porém
necessária para que o resultado final seja satisfatório para o alfaiate. Em alguns
deles a diferença foi de apenas 0,5cm. Esse processo faz da manga uma das
tarefas mais árduas na alfaiataria, e a que leva um tempo maior de assimilação dos
saberes e técnicas e da percepção apurada dos detalhes.
Concluído o encaixe da manga por meio do alinhavo, a manga foi levada pelo
alfaiate até a máquina finalizando-a com uma costura reta rente ao alinhavo no lado
interno. Desta maneira não foi necessário desmanchar o alinhavo ao término do
encaixe da manga, e ele permaneceu na peça mesmo depois de acabada.
78 Lã 100% pura, extrafina e térmica. Usada em todas as estações do ano. Encontram-se no mercado lãs Super 100’ S à 180’ S. Quanto maior o número, mais leve é o tecido. 79 Parte mais acentuada da manga, corresponde à curvatura que dá forma a manga e que é levada para o encaixe no corpo do paletó.
116
Em seguida, o alfaiate preparou os acabamentos de tapa miséria80. Ele cortou
uma faixa de feltro com largura de aproximadamente 5cm e com o mesmo formato
da cabeça da manga. Novamente utiliza o “golpe de vista” apenas, dispensando
qualquer tipo de molde ou mesmo a própria manga como gabarito.
FIGURA 6: PREPARO DO TAPA MISÉRIA Fonte: Arquivo pessoal da autora
João aplica o tapa miséria no interior da costura da manga com uma costura
reta, preenchendo os sulcos que se formaram durante o encaixe. Ele finaliza a tarefa
e avalia o lado externo da manga cuidadosamente. Só depois de conferido o efeito
do tapa miséria na cabeça da manga é que ele inicia o processo de encaixe da
ombreira.
A ombreira é preparada previamente antes de ser posicionada no ombro do
paletó. Ela é moldada a fim de acompanhar a curvatura do corpo, a exemplo do que
foi realizado com o reforço de peito e o embebido do ombro. O alfaiate cortou uma
camada de entretela em tamanho um pouco maior (cerca de 1 a 1,5cm) em toda a
80 Acabamento interno da manga que constitui-se, em geral, de uma camada de entretela de linho e manta acrílica com largura de, aproximadamente, 4cm. Ele é posicionado na costura principal da manga, cobrindo os sulcos que se formam durante o encaixe, daí o nome de tapa-miséria.
117
volta da ombreira e a fixou com pontos diagonais cruzados curvando-a ao mesmo
tempo, o que lhe dá a forma do ombro.
FIGURA 7: PONTO PICADO NA CAPA DA GOLA
Fonte: Arquivo pessoal da autora
João fixa a ombreira na linha interna de costura do ombro por pontos frouxos
e flexíveis a fim de não deixar marcas na parte externa do paletó. Logo após, inicia
a costura do ombro no forro por meio de pontos à mão, sendo inviável qualquer tipo
de costura mecânica neste ponto do paletó pela quantidade de tecidos e aviamentos
utilizados na confecção da manga.
4.5.7 ACABAMENTOS
Após o encaixe da manga, iniciam-se os acabamentos, tais como bainhas,
casas e aplicação de botões. Os alinhavos externos e todas as pontas de linha
utilizadas na marcação do tecido restantes também são retirados nesse momento.
As casas de botão utilizadas no paletó são as tradicionais, feitas
manualmente, ao passo que na alfaiataria semi-industrial ela é realizada em
máquinas domésticas com um aparelho de casear adaptado a elas.
Sobre a confecção das casas de botão artesanais há um protocolo a seguir
com relação à abertura. Normalmente, as duas primeiras casas de botão nos
punhos não são abertas, são feitas apenas de caseados simples para que a
variação do comprimento da manga seja possível, caso necessário. Roetzel ao
118
descrever o processo de construção de um fato81 inglês, chama a atenção para o
momento em que as casas são realizadas,
Coser as casas dos botões marca mais um passo decisivo. Só quando o cliente estiver satisfeito com o fato se aplicam os botões. Este procedimento exige, mais uma vez, um grande empenho, já que decorrem várias horas até todas as casas dos botões terem sido debruadas com fio de seda (ROETZEL, 2010, p.101).
João possui em seu atelier uma caseadeira industrial, um tipo de maquinário
que não é comum entre os alfaiates, pois a máquina de casear tem um custo
elevado. A aquisição de uma máquina de casear só é justificada quando há uma
produção em larga escala, como no caso da confecção de uniformes, uma das
demandas de sua alfaiataria.
A casa de botão realizada manualmente é executada seguindo uma
sequência que difere das casas manuais comuns pelo emprego da “milanesa”, uma
espécie de recheio que lhe dá firmeza e sustentação. Ela pode ser comprada pronta
ou ainda ser feita na própria alfaiataria com linha de seda e cera de abelha.
Considerada um aspecto importante na alfaiataria artesanal, a casa de botão
manual é respeitada e admirada pelos alfaiates tanto quanto o caimento da manga.
No entanto, ela é cada vez menos presente pela falta de aviamentos apropriados no
mercado brasileiro e a urgência nos prazos de entrega.
Há alfaiatarias em que a casa de botão é realizada por mulheres por
apresentarem maior habilidade no manuseio das agulhas em operações delicadas.
No paletó em cena, as casas de botão foram aplicadas pela pesquisadora. A
passação do paletó finaliza a peça.
81 O mesmo que terno ou costume.
119
4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A descrição minuciosa do processo de confecção do paletó objetivou
identificar e valorizar os saberes aí presentes concorrendo para a sua preservação
e, consequentemente, com a continuidade do ofício do alfaiate.
A abordagem conceitual ergológica, bem como a metodologia inspirada na
ergonomia possibilitou uma aproximação da atividade do alfaiate. Ele foi envolvido
no processo de pesquisa de tal maneira que ele pôde reconhecer a sua importância
como alfaiate, no mundo da alfaiataria artesanal e no segmento do vestuário.
A utilização da técnica de autoconfrontação, ao final da pesquisa de campo,
permitiu que o alfaiate percebesse detalhes importantes da sua atividade que não
eram reconhecidos por ele anteriormente. Ao analisar as imagens gravadas, não só
indicou leves falhas em algumas de suas tarefas como fez uma reflexão sobre as
decisões que tomou no correr da atividade.
Além de perceber o valor do trabalho que executa, pôde se manifestar a
respeito da necessidade de compreender e repensar a alfaiataria tradicional, na
perspectiva de fazê-la prosperar e permanecer ao lado da alfaiataria industrial.
O registro do processo de confecção do paletó revelou minúcias dos saberes
constituídos e investidos mobilizados na sua alfaiataria e que resultam de um longo
período de experimentação, singular e também coletiva. A contribuição de João ao
disponibilizar-se para revelar os seus saberes e para investir pessoalmente na
pesquisa foi a razão que viabilizou os resultados apresentados aqui. Além deles, a
elaboração do manual de confecção do paletó, será um importante instrumento no
processo de ensino e aprendizado nos cursos de alfaiataria.
Os resultados desta pesquisa contribuirão também para as recentes
discussões acerca da estrutura e da implementação de cursos de alfaiataria no nível
médio e superior, incluindo a pós-graduação. Contribuirão, ainda, com os cursos
chamados de qualificação, que fazem parte do conjunto de cursos ofertados hoje
pelo PRONATEC denominados cursos de formação inicial e continuada – FICs.
120
A pesquisa apontou, também, a necessidade de outras pesquisas que
aprofundem a discussão sobre a preservação do ofício da alfaiataria para que novas
gerações de alfaiates possam ocupar o vazio que aos poucos vai se formando nesse
setor, contraditoriamente, cada vez mais valorizado.
REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Juliana. Alfaiataria Masculina: Novas tendências em tecnologia de confecção. BITIB/FAPEMIG, Belo Horizonte, 2011. CABRERA, Roberto; MEYERS, Patrícia Flaherty. Classic Tailoring Techniques: A construction guide for men’s wear. New York: Fairchild Publications, 1983.
CALAZANS, Andrea; VERÍSSIMO, Mariana. A complexidade do trabalho docente: da relação com o saber à noção de atividade. Fortaleza: Anais ENDIPE, 2014. CRUZ NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. LIMA, Francisco de Paula. (2000). A formação em ergonomia: reflexões sobre algumas experiências de ensino da metodologia de análise ergonômica do trabalho. In: Kiefer, C. et al. (orgs.). (2000). Trabalho, educação e saúde: um
mosaico de múltiplos tons. Vitória, Fundacentro. ROETZEL, Bernhard. O Gentleman. Livro da Moda clássica masculina. Potsdam, Alemanha: H.F. Ullmann, 2010; SANTOS, Eloisa Helena. O trabalho Prescrito e o Real no atual mundo do trabalho. Revista Trabalho & Educação. Belo Horizonte, edição nº 1, Fevereiro e Julho 1997. _____. Ciência e Cultura: Uma outra relação entre saber e trabalho. Revista
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46, jul-dez, 2000.
121
_____. Yves. A experiência é formadora? Educação & Realidade. 35-48. Porto
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_____. Trabalho & Ergologia: Conversas sobre a atividade humana. Uso de si e
competência. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2007. SENNETT, Richard; tradução de Clóvis Marques. O Artíficie. Rio de Janeiro: Record, 2009. WISNER, Alain. Por dentro do trabalho. Ergonomia: Método e Técnica. São
Paulo: Editora FTD, 1987.
122
5. PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL
Juliana Barbosa82
Eloisa Helena Santos83
Resumo
Este artigo apresenta o produto técnico da pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Intitulada “Preservação dos Saberes Tradicionais do Alfaiate”, a pesquisa possibilitou uma aproximação da atividade do trabalho do alfaiate e o registro de seus saberes por meio de imagens de vídeo durante o processo de confecção do paletó, peça tradicional da alfaiataria. O “Manual do Paletó: Sequência Operacional” utiliza imagens fotográficas acompanhadas de textos que procuram abarcar o gestual do alfaiate e a complexidade de suas ações, buscando os pormenores. Ricamente ilustrado, ele apresenta a sequência operacional de acordo com o processo de construção da peça. Seu objetivo é salvaguardar os saberes tradicionais do alfaiate e permitir que professores, alunos e/ou interessados, em geral, tenham condições de confeccionar um paletó, mesmo sem a presença de um mestre alfaiate para auxiliá-los. Palavras chave: Alfaiataria tradicional. Fotografia. Saberes. Técnicas. Abstract This paper presents a technical research product realized during the Graduate Program Studies in Social Management, Education and Local Development in the University Center UNA. Titled “Preservation of the Taylor’s Traditional Knowledges”, the research made possible an approximation of taylor's work activity and the record of his knowledges through video footage during his jacket making process, traditional piece of tailoring. The “Manual of Jacket: Operating Sequence” uses photographic images accompanied by texts that seek to embrace the sign of the tailor and the complexity of their actions, seeking details. Richly illustrated, it has the operational sequence according to the part building process. Your goal is to safeguard the taylor’s traditional knowledge and allow teachers, students and/or interested in general are able to manufacture a jacket, even without the presence of a master tailor to help them. Keywords: Traditional Tailoring. Photography. Knowledge. Techniques.
82 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. 83 Orientadora e Professora Doutora do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.
123
5.1 INTRODUÇÃO
No Manual foram elencados todos os processos de construção de um paletó,
peça que foi elencada pela complexidade dos saberes tradicionais do alfaiate.
Desde o corte e a marcação das principais linhas de formação da peça por meio do
alinhavo de alfaiate, passando pelo preparo de bolsos externos e internos; o feitio do
reforço de peito responsável pela estruturação da frente do paletó; a colocação da
gola totalmente manual; o preparo e o encaixe da manga com todos os alinhavos
necessários e acabamentos internos para seu ajuste ao ombro e finalmente os
acabamentos de bainhas e casas de botão manuais.
A descrição dos processos é detalhada por meio de imagens fotográficas,
reforçada por ilustrações e somado ao texto explicativo no intuito de garantir as
operações na sua totalidade. A questão referente à modelagem da peça não foi
abordada, por entender que esse processo já é de certa maneira comtemplado com
um número satisfatório de publicações sobre o tema.
O real interesse nesta pesquisa esteve voltado para o fazer gestual na
alfaiataria, aquele que não é expresso em palavras, nem descrito em livros. O saber
que acompanha o alfaiate na prática do seu dia a dia, e que só é retido por meio da
observação e da repetição. Algo que só acontece quando há disponibilidade do
alfaiate em ensinar e disponibilidade de tempo por parte do estudante aprendiz, uma
vez que são processos demasiado complexos e que necessitam de tempo de prática
o suficiente para atingir o grau de excelência exigidos pelo setor.
5.2 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS
O Manual do Paletó: Sequência Operacional apresenta o processo de
confecção do paletó na alfaiataria artesanal dividido em doze capítulos distribuídos
da forma que se descreve a seguir.
5.2.1 PLANEJAMENTO DO CORTE DO PALETÓ NO TECIDO
124
Neste capítulo constam o mapa de corte do paletó no tecido principal e no
tecido de forro, com as observações referentes ao posicionamento dos moldes com
relação ao fio do tecido.
5.2.2 ALINHAVO DE ALFAIATE
As técnicas de transposição das linhas principais do traçado do paletó são
descritas neste capítulo. A partir das marcações, as instruções de união das partes
da frente (meio frente e ilharga) são fornecidas. A união do centro costas e o preparo
para a formação da abertura (fenda traseira) também são abordados.
5.2.3 APLICAÇÃO DE BOLSOS
Os bolsos externos e internos são descritos utilizando-se gabaritos e
marcações específicas. O tecido empregado para a confecção de paletó implicou na
realização de um bolso externo chapado. O bolso tradicional de dois vivos tornou-se
inviável pela gramatura da lã (espessa). O bolso tradicional foi Introduzido apenas
na parte interna da frente (forro).
5.2.4 REFORÇO DE PEITO
O reforço de peito foi apresentado detalhando as camadas de entretela
necessárias para a sua confecção. Os detalhes de fechamento de pence e passação
foram descritos de modo que o reforço possa ser armado sem que se perca o efeito
desejado de formação do peito na frente do paletó. O reforço de peito é uma das
partes mais importantes da peça responsável por dar a estruturação de ombro e
frente do paletó.
5.2.5 APLICAÇÃO DO REFORÇO DE PEITO NO PALETÓ
Após o preparo do reforço de peito com as camadas sobrepostas e aplicação
de alinhavos, ele é aplicado na frente do paletó por uma série de pontos manuais.
Utilizam-se para tal, cadarços e/ou entretelas, responsáveis por fixar o reforço de
peito sem marcações externas.
125
5.2.6 UNIÃO DAS PARTES DE FORRO E FRENTE
Após a finalização da aplicação do reforço de peito na frente do paletó,
prossegue-se à união da frente do tecido e do forro. Neste momento a lapela é
formada, bem como os demais pontos internos que garantirão que as partes não se
movimentarão separadamente. Os pontos são feitos à mão, de maneira leve,
evitando novamente que fiquem perceptíveis no lado externo do paletó.
5.2.7 ABERTURA DO CENTRO COSTAS
O acabamento da fenda traseira (centro costas) é descrito neste capítulo. A
aplicação das entretelas é minunciosamente descrita. Pontos à mão garantem a
fixação das partes. Finalizado o acabamento da fenda, a parte costas no tecido
principal é unida com a frente, mantendo apenas as costuras de ombro livres.
5.2.8 PREGA DO CENTRO COSTAS
A prega no centro costas é realizada apenas no tecido de forro para que o
tecido interno não fique “preso” tolhendo o movimento do corpo, além de evitar
desgastes no próprio tecido que apresenta-se sempre menos resistente (tecido de
forro deve ser mais leve que o tecido principal). Prossegue-se ao fechamento da
costura de forro nas laterais da peça a exemplo do que foi realizado com o corpo do
paletó.
5.2.9 UNIÃO DOS OMBROS
Neste capítulo os ombros são unidos aplicando-se o embebido84 do ombro
costas. O acréscimo de tecido conferido ao ombro traseiro tem por objetivo
acompanhar o movimento do reforço de peito, atribuindo a ele a curvatura natural do
ombro de quem o vestirá.
5.2.10 GOLA ALFAIATE
Após a montagem do corpo do paletó e devidas provas, a gola é traçada.
Utiliza-se a própria peça para encontrar os pontos que nortearão a sua elaboração.
84 Costura e encolha, feita manualmente ou através de pontos de máquina.
126
A partir do traçado obtido, a gola é transportada para a entretela de linho e
posteriormente para o tecido que corresponderá ao baixo da gola (parte de baixo da
gola). A entretela de linho é aplicada ao tecido com inúmeros pontos manuais que
garantem a forma da gola, de maneira que ao final da tarefa ela possua o contorno
natural do decote. Terminada a aplicação da entretela e após passação ela é
aplicada ao corpo do paletó manualmente.
Em seguida, a capa da gola (parte visível da gola no corpo) é cortada e aplicada ao
baixo da gola. No modelo em questão, um tweed com “padrão de espinhas”, as
listas necessariamente devem coincidir. Esta tarefa é facilmente realizada
considerando tecidos em que as listas não ultrapassam 1cm, porém, o tecido
utilizado apresenta listas de 2cm, o que dificultou consideravelmente a tarefa.
5.2.11 COSTURA DA MANGA ALFAIATE
Finalizada a aplicação da gola, deu-se início ao preparo e ao encaixe da
manga, considerada na alfaiataria a peça mais delicada para o alfaiate e que revela
quão habilidoso ele é.
Inicia-se o processo pelo fechamento das mangas no tecido principal e no tecido de
forro, considerando a abertura necessária no punho. Faixas de entretela com largura
em torno de 5cm são cortadas e abauladas no ferro para serem aplicadas na boca
da manga, conferindo rigidez à bainha e à própria abertura (necessária para a
aplicação dos botões). O punho é finalizado com as costuras da fenda feitas à
máquina. As bainhas são realizadas manualmente.
Retoma-se a manga no forro para uni-la à manga de tecido, realizando os
acabamentos referentes ao punho de acordo com a abertura confeccionada.
Em seguida, prepara-se o tapa-miséria para ser unido à cabeça da manga, e então
embebê-la. Somente depois da costura de embebido a manga é posicionada no
corpo do paletó, alinhavada e costurada. No entanto, este é o processo mais
importante da confecção da manga e que exige o seu perfeito caimento em relação
ao corpo do tecido. A manga não deve apresentar nenhum tipo de prega em sua
costura, nem rugas em sua extensão, projetando o movimento natural da curvatura
do braço sem nenhum tipo de imperfeição.
127
Raramente este processo é realizado com apenas um posicionamento de manga.
Normalmente ele se repete duas, três vezes ou mais, dependendo do grau de
exigência do alfaiate.
Finalizada a costura da manga na sua correta posição, iniciam-se os acabamentos
de ombreira e tapa-miséria.
A ombreira é cortada no mesmo tamanho em uma entretela de linha que é aplicada
na própria ombreira por meio de pontos diagonais cruzados. A aplicação da
entretela se dá para que, a partir dos pontos aplicados à mão, ela tome a forma da
curvatura do ombro, adequando-se ao trabalho realizado por meio do reforço de
peito e da própria costura de ombro do paletó.
Em seguida, prepara-se o tapa-miséria que será posicionado na parte interna da
manga, a fim de preencher os sulcos formados durante a costura. O tapa-miséria é
encontrado pronto em alguns armarinhos ou confeccionado pelo próprio alfaiate
como demonstra o manual.
5.2.12 CASA DE BOTÃO
Para as casas são utilizadas linha de seda próprias para caseamento e uma
“milanesa”, uma espécie de cordão fino encerado que serve de preenchimento
durante os pontos da casa de botão. O processo da abertura das casas também é
abordado no Manual. Finalmente, iniciam-se os acabamentos de bainha e passação
da peça, tomando-a por acabada.
Finalizada a descrição dos capítulos, apresenta-se o Manual do Paletó com a
disposição ordenada das imagens e textos.
128
5.3 PRODUTO TÉCNICO: MANUAL DO PALETÓ. SEQUÊNCIA OPERACIONAL
129
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5.4 CONDISERAÇÕES FINAIS
Este manual do paletó se propôs apresentar a confecção da peça mais
emblemática da alfaiataria revelando os pormenores do processo e evidenciando os
saberes do alfaiate necessários para chegar a bom termo.
A escolha pelo formato de um manual como produto técnico derivado da
pesquisa em tela se deu por acreditar que ele atende a uma demanda dos cursos e
programas de formação profissional relacionados ao seguimento do vestuário. As
iniciativas disponíveis hoje no setor estão voltadas para atender a uma demanda da
indústria, investindo em operações segmentadas, nas quais o trabalhador não se
reconhece como um alfaiate ou uma costureira, mas como um mero operador de
máquina.
A pouca oferta de publicações referentes ao tema também justifica a escolha
pelo manual. Há Esta lacuna repercute negativamente na formação de novos
alfaiates. A fotografia, realizada pela pesquisadora, foi o principal instrumento de
registro e suporte ao texto para a elaboração do manual. Parte-se do pressuposto de
que ela é capaz de captar a realidade e contemplar detalhes que o texto não
alcança.
O desenho manual e digital, também realizado pela pesquisadora, foi utilizado
como suporte ao registro das operações em que a fotografia não era suficiente,
como na representação do corte do tecido e outros gestos em que a mão do alfaiate
confundia-se em meio à tarefa.
Embora a versão física do manual tenha sido elaborada pela pesquisadora,
este trabalho não teria sido possível se não fosse o envolvimento do alfaiate na
pesquisa. Durante aproximadamente um ano ele esteve disponível para contribuir
com a pesquisa empírica abrindo as portas da sua alfaiataria e revelando os seus
saberes em um encontro solidário com a pesquisadora e com a preservação do
ofício do alfaiate.
269
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DA DISSERTAÇÃO
A motivação inicial dessa pesquisa se deu pela experiência da pesquisadora
como aprendiz de alfaiate durante períodos alternados, desde 1999, na alfaiataria A
citada nessa dissertação. A ela se somaram inquietações originadas na docência em
cursos de Moda e Design de Moda lecionando a disciplina Alfaiataria. Embora
algumas universidades contemplem esta formação nos cursos de graduação, a
carga horária é reduzida e a ementa da disciplina limita-se apenas aos traçados das
peças tradicionais – colete, camisa, calça e paletó. Não há, portanto, possibilidade
de desenvolver os saberes e as habilidades necessárias ao fazer do ofício.
Estas inquietações relacionam-se, ainda, ao número de alunos cada vez mais
interessados neste ofício. Apesar do interesse crescente, eles não encontram
oportunidades de aprendizado junto a um alfaiate, tampouco materiais didáticos
capazes de suprir essa necessidade.
Fora do ambiente acadêmico, há uma grande dificuldade de preservação dos
saberes tradicionais do alfaiate, principalmente pela dificuldade de acesso a eles. As
alfaiatarias em que trabalham, em geral, não se abrem para socializar os seus
saberes, não admitem aprendizes ou estagiários. As condições precárias em que
muitos alfaiates trabalham, também impedem o acesso a eles. O trabalho em
espaços pequenos, em suas próprias casas, impossibilita a permanência de um
ajudante. A prática comum entre os alfaiates de não aceitar aprendizes também tem
relação com o receio de assumir compromissos trabalhistas e seus desdobramentos
considerados negativos.
Apesar das dificuldades citadas, a pesquisadora pôde contar com o
acolhimento da Alfaiataria A e, em especial, de um dos seus alfaiates. Este alfaiate,
que recebeu o nome fictício de João na dissertação, recebeu a pesquisadora em
períodos alternados, ao longo destes anos, partilhando os seus saberes.
A revisão bibliográfica acerca da história da alfaiataria revelou uma carência
que se mantém desde seus primeiros registros. A pouca oferta de publicações
270
referentes ao tema significa um entrave para a formação de novos alfaiates. Como
parte delas não tem origem nacional, a sua aquisição é por vezes difícil.
Nas poucas publicações disponíveis, a confecção completa das peças do
vestuário na alfaiataria tradicional não é contemplada, justamente pela complexidade
das operações. Operações que se tornam claras quando há a observação do
gestual e a voz de um mestre a orientar.
Estudantes e profissionais do segmento do vestuário, além do próprio público
consumidor, já compreendem que as técnicas de corte e acabamento são a
essência da alfaiataria e o que faz distinguir a roupa artesanal da roupa feita em
escala industrial. O tempo dispendido para a confecção da roupa feita sob medida,
exigência primeira para que um traje obtenha caimento perfeito, é hoje valorizado.
Compreende-se que há um tempo necessário para que o alfaiate artesão
confeccione o traje atento aos detalhes que não são atendidos pela indústria. Este
aspecto, no entanto, já foi caracterizado como um elemento responsável pela
desqualificação do trabalho do alfaiate.
Durante a pesquisa, o alfaiate foi envolvido no processo de tal maneira que
compartilhou generosa e solidariamente os seus saberes. Os encontros entre ele e a
pesquisadora contribuíram para que ele reconhecesse a sua importância como
alfaiate, no mundo da alfaiataria artesanal e no segmento do vestuário. A descrição
minuciosa do processo de confecção do paletó, tanto no capítulo referente ao relato
da pesquisa quanto no manual que concretizou o produto técnico, só pôde se
concretizar pelo compartilhamento dos saberes entre o alfaiate e a pesquisadora. A
identificação e valorização dos saberes tradicionais da alfaiataria podem concorrer
para a sua preservação e, consequentemente, para a continuidade do ofício do
alfaiate.
Finalmente, registra-se que essa pesquisa foi um importante passo na
discussão sobre a preservação da alfaiataria artesanal e sobre a necessidade de
uma nova geração de alfaiates. Ela deixa em aberto novas possibilidades de
pesquisa que devem aprofundar o conhecimento desta realidade, além de sua
socialização. Bem como a possibilidade de que novas pesquisas possam estreitar
271
as relações entre a academia e grandes mestres alfaiates que tão bem representam
a excelência no vestir de homens e mulheres, além de que foram os únicos
responsáveis pela transmissão desse ofício e sua existência ainda hoje.
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277
7. APÊNDICE
APÊNDICE I – CURSOS DE GRADUAÇÃO DE MODA (BACHAREL) E DESIGN
DE MODA (GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA)
Amostragem da carga horaria distribuída entre as disciplinas de Modelagem Plana
Bidimensional e Tridimensional e Alfaiataria.
UNIVERSIDADES Mod. Plana e
Tridimensional
Alfaiataria
Anhembi Morumbi - SP Não divulgado
Belas Artes - SP Não divulgado
ESAMC – SP E MG 90 horas
Fundação Armando Alvares Penteado FAAP - SP Não divulgado
Faculdade de Arte e Design FACED - MG 280 horas
Faculdade de Desenvolvimento e Integração
Regional FADIRE - PE
340 horas
FAESA - ES Não divulgado
Faculdade Santa Marcelina FASM - SP 40 horas
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas
Unidas FMU - SP
Não divulgado
Faculdade Paulista de Artes FPA – SP Não divulgado
Universidade Fundação Mineira de Educação e
Cultura FUMEC - MG
180 horas
Universidade Regional de Blumenau FURB - SC 218 horas
Instituto Europeu de Design IED - SP Não divulgado
Centro Universitário Metodista IPA - RS Não divulgado
Pontifícia Universidade Católica PUC - RJ 135 horas
Universidade Moura Lacerda – SP Não divulgado
278
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAC - SP
Não divulgado
Centro Tecnológico da Indústria Química e Têxtil
SENAI CETIQT - RJ
36 horas 72 horas
Universidade Estadual de Londrina UEL - PR 300 horas
Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG –
Passos MG
160 horas
Universidade Federal do Ceará UFC - CE Não divulgado
Universidade Federal de Minas Gerais UFMG - MG 280 horas
Universidade Federal de Goiás - GO 160 horas
Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF - MG Não divulgado
Minas Gerais Educação UNA - MG 200 horas 80 horas
Universidade da Amazônia UNAMA - PA 160 horas
Centro Universitário UNIBH - MG 160 horas
Centro Universitário Cesumar UNICESUMAR - PR Não divulgado
Universidade de Franca UNIFRAN - SP Não divulgado
Centro Universitário Ritter dos Reis UNIRITTER - RS 162 horas
Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL
- SP
160 horas
Universidade do Vale do Itajaí UNIVALE - SC Não divulgado
Universidade do Vale do Paraíba UNIVAP - SP 120 horas
UNIVERSO - GO 300 horas
Universidade do Estado de São Paulo USP - SP 240 horas 30horas
(optativa)
Universidade Tuiuti do Paraná UTP - PR 180 horas
Universidade Veiga de Almeida UVA - RJ Não divulgado
279
8. ANEXOS
ANEXO I – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS
Eu____________________________, CPF ____________, RG_______________,
depois de conhecer e entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e
benefícios da pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade do uso de minha
imagem e/ou depoimento, especificados no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do presente termo, o pesquisador aluna
Juliana Barbosa, sob a orientação da Profª. Drª. Eloisa Helena Santos, do projeto de
pesquisa intitulado “A preservação dos saberes tradicionais do alfaiate” a realizar as
fotos e/ou vídeos que se façam necessárias e/ou a colher meu depoimento sem
quaisquer ônus financeiros a nenhuma das partes.
Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos e/ou vídeos (seus respectivos
negativos ou cópias) e/ou depoimentos para fins científicos e de estudos (livros,
artigos, slides e transparências), em favor do pesquisador da pesquisa acima
especificada, obedecendo ao que está previsto nas Leis que resguardam os direitos
das crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei N.º
8.069/ 1990), dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei N.° 10.741/2003) e das pessoas
com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo Decreto Nº 5.296/2004).
Belo Horizonte/MG, ____ de _________ de 2013.
_______________________ ______________________________
Participante da pesquisa Pesquisador responsável pelo projeto
280
ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Dados da pesquisa e orientações
Programa: Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento
Local do Centro Universitário UNA, Belo Horizonte/MG.
Título: “A preservação dos saberes tradicionais do alfaiate."
Nome da Pesquisadora Orientadora: Profª. Drª. Eloisa Helena Santos
Nome do Pesquisador Aluno: Juliana Barbosa
Natureza da pesquisa: você está sendo convidado a participar desta pesquisa de
escola (não é pesquisa política) que tem como finalidade estudar os saberes
tradicionais do alfaiate.
Participantes da pesquisa: participarão desta pesquisa alfaiates da cidade de Belo
Horizonte.
Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo você permitirá que o
pesquisador entenda e registre os processos artesanais de confecção na atividade
do alfaiate. Você tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a
continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para
você ou sua alfaiataria. Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a
pesquisa através do telefone do pesquisador do projeto e, se necessário através do
telefone do Comitê de Ética em Pesquisa, que estão anotados no final deste
documento.
Sobre as entrevistas: as entrevistas serão reservadas, ou seja, não haverá plateia
ou curiosos. Ficará apenas você e o pesquisador. Serão feitas algumas perguntas
que poderão ser respondidas livremente da forma como você achar melhor. Tudo
será gravado, mas não se preocupe, pois não será publicada em nenhuma rádio ou
na internet. Servirá apenas para o pesquisador não precisar anotar tudo enquanto
você fala. Depois, a sua fala será escrita e fará parte da pesquisa.
Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais.
281
Não é uma investigação ou pesquisa política, mas apenas um estudo de escola. Os
procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em
Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 466/2012 do Conselho
Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua
dignidade.
Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente
confidenciais, ou seja, ficarão em segredo. Somente o pesquisador e a orientadora
terão conhecimento dos dados, que não serão utilizados para nenhum outro fim.
Benefícios: ao participar desta pesquisa você não terá nenhum benefício direto.
Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre os
processos artesanais da alfaiataria e sua salvaguarda de forma que o conhecimento
que será construído a partir desta pesquisa possa fortalecer este segmento, onde
pesquisador se compromete a divulgar os resultados obtidos.
Pagamento: você não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa,
bem como nada será pago por sua participação. Tudo é voluntário.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, o quadro a seguir.
Obs.: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
282
ANEXO III – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia
deste termo de consentimento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação
dos dados obtidos neste estudo.
Assinatura do Participante da Pesquisa: __________________________________
Nome do Participante da Pesquisa: ______________________________________
Assinatura do Pesquisador Aluno: _______________________________________
Assinatura da Pesquisadora Orientadora: _________________________________
Contatos:
Pesquisadora Orientadora: Profª.Drª Eloisa Helena Santos. (31)8717-9342.
Pesquisador Aluno: Juliana Barbosa. (031)8878-4902.
Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar, Belo Horizonte/MG,
CEP 30.180-100. Telefone do Comitê: (31)3508-9110. cephumanos@una.br
283
ANEXO IV – TERMO DE COMPROMISSO DE CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO
466/2012
Nós, Professora Doutora Eloisa Helena Santos, inscrita no CPF/MF sob o número
156.138.956-00, e Juliana Barbosa, brasileira, solteira, professora, portadora de
documento de identidade nº. 105.682.713-1, inscrito do CPF/MF sob o número
744.555.320-72, matrícula acadêmica UNA nº. 313110240, responsáveis pela
pesquisa intitulada “A preservação dos saberes tradicionais do alfaiate.” declaramos
que:
Assumimos o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das
informações que serão obtidas e utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa;
Os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão
utilizados para se atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na pesquisa;
O material e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a
minha responsabilidade;
Os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos
e/ou em encontros, quer sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a
privacidade e os direitos individuais dos sujeitos da pesquisa, não havendo
qualquer acordo restritivo à divulgação;
Assumimos o compromisso de suspender a pesquisa imediatamente ao
perceber algum risco ou dano, consequente à mesma, a qualquer um dos
sujeitos participantes, que não tenha sido previsto no termo de consentimento.
O CEP do Centro Universitário UNA será comunicado da suspensão ou do
encerramento da pesquisa, por meio de relatório apresentado anualmente ou na
ocasião da interrupção da pesquisa;
As normas da Resolução 466/2012 serão obedecidas em todas as fases da
pesquisa.
Belo Horizonte/MG, 14 de novembro de 2013.
Prof.ª. Eloisa Helena Santos Juliana Barbosa
CPF Nº. 156.138.956-00 CPF Nº. 744.555.320-72
284
ANEXO V – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CONSELHO DE ÉTICA E
PESQUISA
285
286
287