Post on 21-Oct-2018
Bases Epistemológicas para a Inovação Curricular emEngenharia
Sofia Frutuoso Vieira
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Mestrado Integrado em Engenharia Eletrotécnica e deComputadores
Orientadores: Prof. António Dias de Figueiredo
Prof. António José Castelo Branco Rodrigues
Júri
Presidente: Prof. José Eduardo Charters Ribeiro da Cunha Sanguino
Orientador: Prof. António Dias de Figueiredo
Vogais: Prof. António Manuel Ferreira Rito da Silva
Prof. Leonel Augusto Pires Seabra de Sousa
Junho de 2016
Agradecimentos
Aproveito esta oportunidade para expressar a minha enorme gratidão a todos os amigos que
partilharam comigo estes anos no IST. Todos eles foram meus mestres em muitos sentidos,
principalmente no campo do companheirismo e da lealdade. Particularmente, agradeço à Joana e ao
Jaime pelo apadrinhamento tão generoso, ao Pompeu, Nelson, Tiago e Gabriel por toda a resiliência
transmitida durante as longas épocas de estudo e à Isadora pela forte amizade e apoio.
Aos meus pais um especial agradecimento por terem tornado possível a minha formação e
por terem estado sempre presentes nos momentos mais difíceis.
Gostaria também de deixar expressa a minha admiração pelo Professor António Figueiredo,
ao qual estou muito agradecida por toda a dedicação e por todos os ensinamentos que ficarão para a
vida.
Ao Professor António Rodrigues agradeço profundamente por me ter dado a oportunidade de
realizar este trabalho e por todo o apoio e orientação dados.
iii
Abstract
An attempt was made to identify the different kinds of knowledge used in the engineering
profession in order to investigate the changes needed for a more complete education in that area. To
do so, I present the 5D model, a key reference for the distinct aspects of the profession, as a method
of analysis of curricular strategies such as TU Delft and MEEC, in order to be able to clarify which
educational fields are defective. The results include curricular proposals in both course and non-
course form, capable of suppressing the discovered deficiencies. The intent of this reflection on
engineering education is to not only contribute to maintaining the university courses in this field
attractive to students, but also to respond to the needs of the job market and society in general.
Keywords
Engineering Education, Epistemology of Engineering, IST, CDIO Syllabus, Engineering,
Epistemology, Higher Education, Bologna Process
v
Resumo
Com este trabalho procurei apontar diferentes tipos de conhecimento existentes na profissão
de engenharia, de forma a apurar quais as mudanças necessárias para uma formação mais completa
nessa área. Para isto apresento o modelo 5D, referencial das distintas vertentes da profissão, de
forma a analisar várias estratégias curriculares como a de TU Delft e a de MEEC, obtendo assim
clareza quanto aos campos educativos deficientes no curso de MEEC. Como resultado são expostas
propostas curriculares em formato não apenas disciplinar, capazes de suprimir as carências
encontradas. Esta reflexão sobre a educação em engenharia pretende contribuir para manter os
cursos superiores desta área atrativos aos alunos e responder às exigências do mercado de trabalho
e da sociedade em geral.
Palavras Chave
Educação em Engenharia, Epistemologia da Engenharia, IST, CDIO Syllabus, Educação,
Epistemologia, Ensino Superior, Processo de Bolonha
vii
Índice de Conteúdos
Agradecimentos.........................................................................................................................iii
Abstract.......................................................................................................................................v
Resumo.....................................................................................................................................vii
Índice de Conteúdos...................................................................................................................ix
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................1
2 REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................................5
2.1 Conceito de Epistemologia..............................................................................................5
2.2 Desenvolvimento Histórico da Epistemologia................................................................6
2.2.1 Renascimento............................................................................................................6
2.2.2 Positivismo...............................................................................................................8
2.3 Novos Paradigmas...........................................................................................................9
2.3.1 Gaston Bachelard......................................................................................................9
2.3.2 Karl Popper.............................................................................................................10
2.3.3 Thomas Kuhn..........................................................................................................10
2.3.4 Construtivismo........................................................................................................12
2.4 Epistemologia na Educação em Engenharia.................................................................13
2.4.1 Tecnologia sem reflexão.........................................................................................13
2.5 Modelo Histórico da Engenharia...................................................................................15
2.5.1 Crise de Identidade.................................................................................................15
2.5.2 Resumo histórico....................................................................................................16
2.5.3 Educação em engenharia........................................................................................18
2.5.4 Modelo das Quatro Dimensões...............................................................................19
2.6 TU Delft.........................................................................................................................21
2.7 CDIO Syllabus..............................................................................................................23
2.8 Estudantes e Ecologia dos Saberes................................................................................25
2.9 Universidade de Harvard...............................................................................................27
2.10 Universidade Stanford.................................................................................................28
2.11 Escola democrática......................................................................................................29
2.12 Práticas Sociais, Mentais e Emocionais......................................................................30
3 OPÇÕES METODOLÓGICAS.......................................................................................33
4 COMPARAÇÕES CURRICULARES............................................................................35
ix
4.1 Modelo 5D.....................................................................................................................35
4.2 CDIO Syllabus..............................................................................................................37
4.2.1 Com Compensações das Ciências..........................................................................39
4.3 TU Delft.........................................................................................................................40
4.4 Instituto Superior Técnico.............................................................................................43
4.4.1 MEEC.....................................................................................................................43
4.4.2 Comparações Curriculares......................................................................................44
4.5 Alfredo Bensaude..........................................................................................................47
4.6 Universidade Federal de Santa Catarina.......................................................................49
5 QUESTIONÁRIO.............................................................................................................53
5.1 Considerações................................................................................................................55
6 PROPOSTAS CURRICULARES....................................................................................57
6.1 Enquadramento no Processo de Bolonha......................................................................58
6.2 Propostas.......................................................................................................................59
6.2.1 Portefólio MEEC e autonomia na escolha de mestrados........................................59
6.3 Unidades Curriculares...................................................................................................61
6.3.1 História e Cultura das Sociedades e da Engenharias..............................................62
6.3.2 Segurança e Legislação no Ciberespaço.................................................................65
6.3.3 Portefólio MEEC II................................................................................................67
6.3.4 Inteligência emocional............................................................................................69
6.4 Propostas de formato não-disciplinar............................................................................71
6.4.1 Projetos Transdisciplinares Obrigatórios................................................................72
6.4.2 Núcleos de Estudo Partilhado.................................................................................73
6.4.3 Espaço de Discussão sobre Engenharia..................................................................74
6.4.4 Núcleo Cultural.......................................................................................................76
6.4.5 Promoção de Estágios Profissionais.......................................................................77
6.5 Diagrama de radar de MEEC com novas propostas......................................................78
7 CONCLUSÃO...................................................................................................................81
8 BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................83
x
Índice de Tabelas
Tabela 1: Descrição dos eixos do Modelo 5D...........................................................................36Tabela 2: Número de tópicos CDIO sem compensação ciências..............................................38Tabela 3: Número de tópicos CDIO no Modelo 5D c/ compensação das ciências...................39Tabela 4: Contabilização dos tópicos do documento de Kamp no Modelo 5D........................41Tabela 5: Unidades Curriculares concluídas por mim..............................................................45Tabela 6: Contabilização das UC de MEEC segundo o Modelo 5D.........................................45Tabela 7: Propostas Curriculares e respetivos eixos do Modelo 5D.........................................78Tabela 8: Contabilização das Propostas Curriculares no Modelo 5D.......................................79
xi
Índice de Diagramas
Diagrama de Radar 1: Modelo epistemológico de CDIO sem compensação das Ciências......38Diagrama de Radar 2: Modelo epistemológico de CDIO com compensação das Ciências......40Diagrama de Radar 3: Modelo epistemológico do documento de TU Delft.............................41Diagrama de Radar 4: Modelo epistemológico do segundo ciclo de MEEC............................46Diagrama de Radar 5: Modelo epistemológico do segundo ciclo de MEEC com as Propostas
Curriculares...............................................................................................................................79
xiii
1 INTRODUÇÃO
No documento denominado “Towards Knowledge Societies”, a UNESCO expressa a
necessidade latente de fazer evoluir a sociedades da informação para sociedades do
conhecimento, alertando para padrões e sistemas que devem ser mudados[1]. Também no
Processo de Bolonha, um dos propósitos é a criação de oportunidades que propiciem uma
Sociedade do Conhecimento[2]. Neste contexto, seria de esperar que a filosofia, — segundo
uma análise etimológica, o amor pelo saber — fosse um passatempo predileto dos homens e
mulheres das sociedades atuais. Contudo, desde a Revolução Industrial até à
contemporaneidade, o paradigma vigente assenta numa ideologia que tende para a tecnocracia,
isto é, os métodos preferenciais são os científicos e tecnológicos, mesmo nas abordagens de
cariz político e social [3]. A ciência, por definição, metódica e rigorosa e a tecnologia, por
definição, útil na resolução de problemas, são excelentes ferramentas ao dispor da humanidade.
Importante é não esquecer a essência da condição do ser humano: a capacidade de escolha.
Assim, sem uma atitude questionadora e crítica sobre a realidade, de nada servirá à
sustentabilidade global as comodidades adquiridas pela tecnologia[4]. É neste contexto de busca
por uma reflexão sobre o ensino, a engenharia e a atualidade que se torna oportuno introduzir o
conceito de epistemologia da engenharia.
A engenharia tem um lugar de destaque na sociedade deste século devido ao
extraordinário progresso tecnológico que proporcionou às civilizações usuárias. O mundo assiste
a um crescente fervilhar de inovações artificiais que continuam a maravilhar os espetadores e a
mover de forma entusiasta os cientistas e profissionais da engenharia contemporânea.
Simultaneamente, vive-se um momento de graves crises humanitárias, políticas, energéticas e
ambientais. É um paradoxo que não deve ser ignorado, principalmente pelos engenheiros da
atualidade, devido à sua inquestionável presença nos alicerces da sociedade atual.
Ao nível de mercado, também se impõem outras demandas que ultrapassam o
tradicional acumular de saberes científicos nos cursos superiores disponíveis. O trabalho em
equipe, a autonomia, a ética, a criatividade ou o domínio de conhecimentos paralelos, como de
línguas e conceitos de gestão, são exigências colocadas pelas empresas, aos quais o ensino
superior em engenharia se deve adaptar.
Em toda a instituição educativa é consensual que a finalidade última seja fornecer
conhecimento aos alunos. Logo aqui surgem dois problemas. Fornecer será a palavra certa? O
uso desse verbo remete o aluno ao papel de sujeito passivo, armazenando “conhecimentos” no
seu cérebro-caixa que usará quando necessário. Sabe-se que não funciona, ou não deveria
funcionar de tal forma. No entanto é comum a pergunta do universitário que se esforça na
1
compreensão de certa matéria: “para quê estudar isto?”, que piora com o testemunho do colega
que já trabalha, dizendo que não se usa quase nada do que se estuda, pois a universidade serve
para “aprender a aprender”. O que é isso de aprender a aprender? Na educação cientifica e
técnica, como é o caso do ensino de engenharia, é habitual apontar para a necessidade de
estimular o raciocínio matemático, manejar certos instrumentos, resolver problemas e procurar
soluções. No fundo, aguçar o espírito cientifico e técnico do estudante. É mesmo isso que
acontece? Será suficiente? Leva ao segundo problema, o que é conhecimento em engenharia?
Como se obtém e para que serve?
Este estudo pretende analisar o conceito de epistemologia da engenharia como veículo
de provocação de uma reflexão crítica por parte dos profissionais, educadores e estudantes
desta área para que as suas capacidades de atuação sejam potencializadas. Particularizando, o
objetivo é criar um suporte para debater novos modelos de educação no curso de MEEC.
Ao longo destes últimos anos, vários autores têm contribuído com sugestões de como
deverá ser a educação superior em engenharia para que os formados obtenham, não só um
diploma, mas também competências valiosas para trabalhar de forma empenhada e criativa nos
desafios da sua profissão.
No plano nacional, o maior contributo encontrado é o de António Figueiredo. Fundador
do Departamento de Informática da Universidade de Coimbra, presidiu a projetos europeus,
sobre Educação em Engenharia, PROMETEUS e Kaleidoscope, integrou programas da NATO
sobre ciência e educação tecnológica e presidiu também comissões de avaliações e
acreditações de cursos de engenharia na área de sistemas e de informática[5].
Figueiredo tem vários artigos sobre questões relevantes da área da educação
tecnológica, sendo o mais essencial, no âmbito desta dissertação, o trabalho em que propõe a
existência de quatro dimensões na engenharia, nomeadamente Ciências, Prática, Projeto e
Competências Humanas, sublinhando assim a riqueza inerente à profissão, e trazendo um
renovado orgulho e sentido de identidade aos engenheiros da atualidade[6].
Um pouco mais longe, mas ainda em terreno Europeu, o diretor de educação de
Engenharia Aeroespacial da Universidade de Tecnologia em Delft (TU Delft), Albert Kamp,
considera os currículos atuais de engenharia incapazes de preparar os alunos para o mundo do
trabalho, num contexto de globalização, interdisciplinaridade e de rápidas mudanças . Na sua
opinião, existem oito principais características que a educação de engenharia deve ter para que
seja completa e capaz de fornecer aos alunos o que precisam para abordarem da melhor forma
os desafios futuros[7].
Do outro lado do Atlântico, mas com colaboradores de todo o globo, nasce a proposta
CDIO Syllabus — Conceive, Design, Implement, Operate — onde estão reunidos objetivos da
educação de engenharia. Segundo os autores, o propósito da profissão é conceber, projetar,
implementar e operar sistemas complexos de engenharia em ambientes de equipa
2
modernizados. Assim, a educação tem de se enquadrar nestas quatro dimensões, aliada a uma
forte componente de liderança e empreendedorismo e de consciência ética e ambiental [8].
Pretendo estabelecer um quadro epistemológico da engenharia, inspirado no proposto
por Figueiredo, para dessa forma criar uma ferramenta capaz de analisar criticamente qualquer
curso de engenharia, ou de outra área similar, de forma a apontar os seus pontos fortes e fracos
e assim tornar claro quais os campos que necessitam de soluções para uma evolução positiva
da educação. Baseada nas sugestões dos autores citados e de um questionário feito a antigos
alunos por Alfredo Bensaúde, reúno sugestões para melhorar a educação em engenharia no IST,
concretamente no curso de MEEC[9].
No segundo capítulo, apresento a Revisão de Literatura, onde se encontra a explicação
do conceito de epistemologia e a razão pela qual esta é útil na reflexão sobre a educação em
engenharia. Faço um resumo da história da engenharia e das propostas para um novo modelo
de educação superior.
No capítulo seguinte descrevo as Opções Metodológicas, isto é, quais os métodos e
ferramentas usadas e as razões dessas escolhas.
O quarto capítulo é reservado para as Comparações Curriculares. Proponho um novo
modelo epistemológico e à sua luz, analiso a proposta CDIO Syllabus, a de TU Delft e o currículo
de MEEC, apurando quais as dimensões mais e menos exploradas por cada um. Também faço
uma homenagem ao fundador do IST, Alfredo Bensaúde, pelo seu esforço em melhorar a
educação tecnológica nacional, expondo as suas ideias e tomando como inspiração o seu
espírito pedagógico e exigente.
Coloquei a alguns antigos alunos de MEEC um questionário para desvendar as suas
opiniões quanto aos aspetos a melhorar no curso. As questões colocadas, bem como um resumo
das respostas, encontram-se no capítulo cinco.
Seguem as Propostas Curriculares, organizadas no sexto capítulo, onde apresento
sugestões para a estrutura do curso , novas disciplinas e outros meios educativos, de forma a
que o curso de MEEC se ajuste à vontade e necessidade dos alunos e aos exemplos das
universidades de excelência, como TU Delft, Stanford e o MIT.
Um resumo do que foi alcançado neste trabalho, apontando as vantagens, limitações e
implicações dos resultados atingidos é exposto no sétimo e último capítulo, as Conclusões.
Ao longo da escrita deste trabalho, escolhi adotar o género masculino de forma a tornar
a leitura mais acessível. Friso que, ao fazê-lo, englobo cidadãs, alunas, professoras e
engenheiras. Explicito-o desta forma para que possa honrar todas as mulheres que resistiram às
adversidades encontradas numa profissão socialmente tida como masculina e que contribuíram
com o seu conhecimento e prática para o desenvolvimento da engenharia em Portugal e no
mundo.
3
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Conceito de Epistemologia
Desde os tempos da Grécia Antiga que se diferenciavam dois tipos de saber, um de
caráter mais técnico e outro intelectual. Denominavam-se, respetivamente, Techne e Episteme.
Techne é a palavra grega para ofício ou arte, trata-se do conhecimento relacionado com
o fazer, como o dos artesãos. Por outro lado, episteme refere-se ao conhecimento sem a
perspetiva de um fim utilitário e imediato[10] .
A epistemologia faz parte dos quatro principais ramos da filosofia, tendo como pares a
lógica, a metafísica e a ética. É o ramo que tenta encontrar respostas para quatro tipo de
perguntas: a questão ontológica — O que pode ser conhecido? — a questão gnosoleológica —
O que é o conhecimento? , Que conhecimento podemos obter? — a questão metodológica —
Como podemos construir esse conhecimento? — e por fim a questão axiológica — Qual o valor
do conhecimento que construímos?[11]
Será consensual admitir a engenharia como o principal modo pelo qual temos
manipulado a natureza de forma a construir novas estruturas, processos e serviços que
influenciam o mundo, tanto, ou mais, como as leis estipuladas pelos políticos [12]. Esta enorme
responsabilidade dos engenheiros, define-os como profissionais estritamente ligados a questões
de carácter humanístico e social e não reduz a função da profissão a uma procura
desinteressada por desenvolvimento tecnológico.
Sobre o que é a realidade, questão ontológica, encontramos, ao longo da história, três
principais respostas baseadas no realismo, no idealismo e na fenomenologia. A primeira assenta
na visão de uma total separação entre sujeito e objeto, sendo a realidade externa independente
da mente humana[13].
No extremo oposto está o idealismo, ou seja tudo o que percecionamos não passa de
um produto da nossa mente. Kant, considerado como um idealista moderado, afirmava que,
embora a realidade existisse, esta não era apresentada ao ser humano tal como é, mas sim
através de categorias mentais[13].
A abordagem fenomenológica, por seu lado, assevera que a nossa perceção do mundo é
construída pela nossa consciência. Como por exemplo o círculo, foi uma construção feita a partir
dos objetos redondos que víamos, outro exemplo é a desconsideração de Plutão como um
planeta, servindo de prova para quem afirma que a realidade é construída socialmente, o
construtivismo social é uma outra vertente da fenomenologia [13].
5
Numa sociedade marcada pelo cientificismo — crença na superioridade dos
conhecimentos resultantes de métodos científicos para alcançar verdadeiro rigor cognitivo[14] —
estas reflexões terminam por não ter lugar fora do contexto académico da filosofia. Contudo, se a
engenharia constrói a própria realidade parece útil discutir de que se trata o objeto de trabalho da
profissão [12].
Depois da discussão acerca da natureza da realidade surge a questão sobre os modos
de aquisição de conhecimento. Existem duas vertentes opostas para responder a esse propósito,
a do racionalismo e do empirismo. A primeira afirma que o conhecimento pode apenas ser
alcançado através do uso da razão, sendo que as informações que se obtêm pelos sentidos são
enganosas. A matemática é um exemplo deste tipo de método, baseado na dedução — método
que parte do conhecimento teórico, formula hipóteses gerais, confirmadas ou refutadas pela
observação e experiência — onde se acredita no conhecimento a priori visto não serem muito
confiáveis as experiências sensoriais [13]. É possível, segundo o racionalismo, chegar a
verdades absolutas pela dedução racional dos axiomas. Um grande impulsionador deste método
foi Descartes deixando um legado onde se basearam todas as ciências desenvolvidas
futuramente, o método cartesiano, que é explicado mais abaixo[15].
No lado oposto está o empirismo, deposita total confiança na experiência sensorial, que
depois de repetida várias vezes pode ser aplicado um raciocínio de indução — método que usa
finitos casos particulares e generaliza para qualquer caso — para chegar a leis gerais. Francis
Bacon, autor também referido adiante, apoiava esta teoria tendo contribuído para o
desenvolvimento das ditas ciências experimentais [13].
Estes dois meios distintos foram ao longo dos anos convergindo, pois os cientistas e
filósofos concluíram que, embora díspares, o racionalismo e o empirismo se complementavam.
Algo que se pode constatar nas universidades da atualidade onde existe a dedução lógica
matemática a par da indução de experiências práticas.
2.2 Desenvolvimento Histórico da Epistemologia
2.2.1 Renascimento
Renascimento substituiu a preocupação medieval com a procura da salvação eterna pela
preocupação com o desenvolvimento tecnológico da sociedade. O dualismo homem/Deus deu
lugar à ideia de sujeito/objeto [15], conduzindo à ideia do homem como espetador separado da
realidade. A invenção de leis matemáticas da perspetiva linear, por Fillipo Brunelleschi (1377-
1446), que permitiram representar a realidade como se estivesse a ser vista por uma janela,
contribuiu para consolidar esta ideia[6].
6
Revoltado com a esterilidade das teorias especulativas da época, Francis Bacon (1561-
1626) defendeu, no Novum Organum, que todo o conhecimento deriva da observação da
realidade, seguida de raciocínios de indução a partir dessa observação — empirismo — e que a
sua finalidade deve ser sempre a melhoria de vida dos cidadãos. Ao sujeito ficava reservada
uma atitude externa, passiva e neutra que apenas lhe exigia o raciocínio de indução[15].
Descartes (1596-1650) também sentiu a fragilidade das abordagens então usadas para a
investigação da natureza, baseadas na filosofia aristotélica e na teologia cristã [16]. Ao contrário
de Bacon, Descartes duvidava do conhecimento alcançado pelos sentidos, entendendo que
apenas a razão, orientada pela dedução, seria confiável — racionalismo[15]. Criou então um
método para o desenvolvimento do conhecimento rigoroso:
- Nunca assumir como verdadeiro o que não pode ser comprovado como tal,
- Dividir os problemas até que a análise de suas parcelas seja acessível,
- Organizar o pensamento de forma a começar pelo mais fácil e gradualmente progredir para o
mais complexo,
- Reexaminar tudo de novo, para que nada seja omitido[[17].
Esta epistemologia cartesiana, fundada na construção do conhecimento do todo a partir
da sua redução às partes, tem acompanhado a ciência moderna desde a sua fundação. Desde
então, a compartimentação dos saberes passou a figurar entre as ferramentas prediletas para
entender o mundo.
Outra figura influente das teorias sobre a construção do conhecimento nas ciências
naturais foi Isaac Newton (1643-1727). Ao postular leis universais em linguagem matemática
capazes de descrever os movimentos em qualquer parte, bastando para isso conhecer alguma
condição inicial, este cientista e alquimista espalhou a ideia de tanto o cosmos como o ser
humano funcionarem como máquinas de acordo com suas três leis [16].
Contemporâneo de Newton, Leibniz (1646-1716) foi um Alemão cujos interesses também
reverteram em importantes participações para a matemática e epistemologia. O Cálculo
Infinitesimal de Leinbniz fixa a ideia de ter de se passar por todos os pontos intermédios na
deslocação no tempo e no espaço, enquanto o Princípio da Razão Suficiente afirma nada existir
sem alguma razão determinativa para acontecer assim e não de outro modo[15]. É neste último
pensamento, em conjunto com as leis de Newton, que reside a raiz do determinismo[18].
Este encontro entre leis universais matemáticas, a sua descoberta pela experiência
científica e a reprodutibilidade perfeita dos dados experimentais geraram uma realidade baseada
na simplicidade, no determinismo, na continuidade e na causalidade local. A física foi declarada
a rainha das Ciências e nasceu uma ideologia cientificista que permanece até hoje[19].
Estes métodos de construção do conhecimento determinaram as epistemologias mais
usadas em toda a ciência. O seu alcance é talvez maior do que pode parecer à primeira vista. A
7
especialização das práticas e o saber enciclopédico foram métodos desenvolvidos no
Renascimento. A noção de uma realidade redutível e previsível através das condições iniciais e
regras de funcionamento interfere ainda hoje em todos os campos das sociedades
contemporâneas, desde a política, à medicina, passando inclusive pela educação[4]. Acreditava-
se na eficiência da compartimentação das disciplinas, na condição inicial de que cada aluno está
pronto para receber as informações necessárias e que, cumprindo certas normas estipuladas,
será um adulto formado e útil em sociedade.
Pretendo demonstrar com isto a importância do debate sobre as raízes da forma de
pensar e de agir dos nossos tempos, raízes essas geradas há mais de 300 anos, período cujas
mudanças tecnológicas e sociais alcançaram dimensões enormíssimas. Contudo, a
epistemologia vigente permanece fiel à do Renascimento e este desfasamento, nomeadamente
na educação em engenharia, impede o desenvolvimento de uma espécie humana sã [19].
2.2.2 Positivismo
As teorias empiristas (Bacon) e racionalistas (Descartes e Newton) tinham como
propósito comum fornecer à humanidade a capacidade de entender e controlar a Natureza. O
sucesso das abordagens destes criadores da Ciência Moderna levou a uma sensação de
superioridade nunca antes sentida. O Universo foi dessacralizado: com a ajuda da Ciência, o ser
humano pode tudo. A Natureza apresentava-se pela primeira vez como pronta para ser
dominada e explorada [19].
A Revolução Industrial começou. Em torno deste marco da civilização surgiu a corrente
positivista, filosoficamente menos sustentada, mas nem por isso com menor influência no
pensamento ocidental. O positivismo foi criado por August Comte (1798-1857), que defendia a
ciência como único meio para alcançar a verdade. Contudo, foram Descartes e Newton os
responsáveis pelos alicerces deste movimento que tanto marcou e ainda marca o pensamento
ocidental[13].
O positivismo defende a teoria de que a realidade é independente do observador e que
pode ser conhecida na totalidade, sendo apenas necessário acumular conhecimentos. Resultou
daqui a ideia de progresso ilimitado, através do conhecimento acumulado pelas experiências e
dados sensíveis [14]. Qualquer que seja o grau de complexidade da realidade, esta é passível de
ser explicada através de leis imutáveis, afirma esta corrente filosófica. Também devido ao
positivismo se instalou a crença de que o conhecimento tem uma natureza determinística —
qualquer que seja a realidade esta pode ser decomposta e simplificada até chegar à sua causa
— crença essa que se tornou indispensável para as ciências[13] .
Os métodos de investigar a realidade do positivismo provêm dos já citados Leibnitz e
Descartes. São o princípio da razão suficiente – não existe um efeito sem uma causa — e o
8
reducionismo – para explicar qualquer realidade basta dividir o problema quantas vezes seja
necessário até que seja possível resolvê-lo[13] .
Outro fato a tomar em consideração é a abordagem axiológica do positivismo que
estabelece o princípio da exclusão de valor os valores não têm qualquer papel a desempenhar
na procura por conhecimento e também no principio da ética extrínseca, ou seja, o
comportamento ético deve ser policiado por mecanismos externos.
Embora muitas das consequências provenientes desta forma de pensar já se tenham
vindo a mostrar pouco benéficas para a humanidade, as ciências como as conhecemos hoje
ainda assentam nestas características positivistas [3].
2.3 Novos Paradigmas
No século XIX, a teoria do eletromagnetismo de Maxwell, a biologia darwiniana e o
aparecimento da termodinâmica abalaram os fundamentos da ciência[20] . O próprio Maxwell
tentava ainda articular o eletromagnetismo com o paradigma mecanicista, baseando—se no
movimento de um éter mecânico [21][.Contudo, não foram encontradas soluções até Einstein
desenvolver a teoria especial da relatividade, e assim se iniciou um período de instabilidade das
bases renascentistas da ciência que se agravou com a emergência da Mecânica Quântica. Esta
crise epistemológica levou a novos questionamentos, portadores, na perspetiva de Thomas
Kuhn, autor que falarei mais adiante, de um revolução científica[21].
2.3.1 Gaston Bachelard
Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo da ciência e professor de diversas matérias,
denomina como “novo espírito científico” o que rompe com as prática científicas de até então.
Admite a utilidade do conhecimento banal para as tarefas diárias, mas acusa o senso comum de
ser um saber ilusório que nada tem relacionado com o empreendimento cientifico, chegando a
ser um empecilho ao seu desenvolvimento. Para este epistemólogo, o progresso do
conhecimento não é contínuo e cumulativo, como o positivismo o define, mas sim com ruturas e
descontinuidades[22].
Segundo o positivismo, a ciência consegue representações da realidade como ela é,
mas Bachelard defende a impossibilidade de a ciência ser objetiva nesse sentido, visto que vai
construindo o seu próprio objeto de estudo e a sua realidade. A maior prova disso são a Teoria
Relativista e a Mecânica Quântica[22].
9
Outra crítica de Gaston Bachelard dirige-se à lógica aristotélica, que apenas é adequada
à geometria euclidiana e à física clássica. É uma lógica fundada nos princípios da identidade e
da não contradição, os pilares da ciência empírica. Ora, depois da revolução científica do inicio
do século XX, essa formalização deixou de se adequar às novas áreas da física, da mecânica e
da geometria. Bachelard entende que as novas lógicas terão de se adaptar à maior
complexidade de fenómenos, pois o hiato entre ciência e senso comum, do qual nasceram as
leis aristotélicas, é cada vez maior [22].
Mais uma vez, Bachelard opõe-se aos positivistas, para quem existe um método
cientifico permanente desde os primórdios da ciência moderna. Para ele, os métodos são
apenas provisórios e de circunstância, e se assim não fosse os grandes avanços científicos do
último século não teriam acontecido [22].
2.3.2 Karl Popper
Karl Popper (1902-1994) criou o critério científico do falsificacionismo. Toda a teoria que
possa ser confrontada com uma experiência que procure falsificá-la tem o direito de ser
chamada científica [23] .
Desta forma, os postulados da ciência não devem ser vistos como definitivamente
verdadeiros, mas apenas provisoriamente aceites. “Crise é o estado normal da ciência” [23]
Popper não era positivista. Pensava na metafisica e nas pseudociências como matérias
indissociáveis da prática da ciência e considerava que, caso o esforço fosse separar esses
mundos, o resultado poderia ser a perda de ideias importantíssimas [23][.
2.3.3 Thomas Kuhn
Um marco da epistemologia vem de Thomas Kuhn, físico e filósofo da ciência
estadunidense, com o seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” [21], onde tenta
comprovar a importância de estudar a História dos acontecimentos científicos para se
compreender a Ciência. Desenvolveu conceitos hoje essenciais para os debates sobre
epistemologia e ciência: paradigma, ciência normal, ciência revolucionária e revolução científica.
Quando um corpo de teorias é amplamente aceite pela comunidade científica,
exprimindo uma forma coerente de ver o mundo, diz-se que constitui um “paradigma”. Quando
os cientistas partilham um mesmo paradigma, as suas contribuições para o progresso da ciência
podem ser olhadas como a resolução de meros quebra-cabeças. A teoria aponta qual a solução
a usar para os problemas que vão surgindo, e o principal objetivo dos praticantes da ciência é
aperfeiçoar as leis, constantes ou aparelhos já existentes, sem colocar em questão os
10
fundamentos da ciência. Enquanto o paradigma em que uma ciência assenta não é posto em
causa, todos os seus praticantes partilham uma mesma maneira de ver o mundo e a ciência
evolui de forma contínua. Diz-se que constitui uma “ciência normal”.
A certa altura, alguns dos praticantes da ciência começam a descobrir problemas ou
anomalias que não conseguem resolver à luz do paradigma. Instala-se então um período de
crise em que surgem soluções que concorrem entre si, desafiando o paradigma vigente,
acompanhadas por tentativas fervorosas de o manter.
Quando alguém, finalmente, descobre um paradigma distinto sobre o qual é possível
prosseguir e resolver os problemas pendentes, diz-se que a ciência, nesse período perturbado
de consolidação, é uma “ciência revolucionária”. Mudar para um novo paradigma equivale a
destruir as bases onde se edificou toda a carreira científica dos cientistas da época. Por essa
razão, são os profissionais mais jovens que muitas vezes criam as novas teorias, visto serem
menos comprometidos com o antigo paradigma.
Uma mudança de paradigma não é algo de trivial. É um acontecimento que revoluciona
a conceção do mundo. Quando acontece, transpõem-se as predições, criam-se novas teorias e
novos instrumentos e inova-se em toda a lógica de pensamento. A convivência entre um
paradigma e o seu concorrente torna-se insustentável, levando ao que se designa pela
“incomensurabilidade dos paradigmas”, em que as próprias definições passam a ter significados
distintos.
Aconteceram revoluções cientificas, por exemplo, quando se desacreditou o modelo
ptolomaico e se aceitou o heliocentrismo, no final século XVI, ou quando se reconheceram as
limitações da física newtoniana para o estudo de alguns tipos de fenómenos e se adotou, para
esses fenómenos, a teoria relativística, no início do século XX.
Outro exemplo, exposto por Kuhn, de sucessivas revoluções científicas, é a evolução do
conhecimento sobre a luz. Até ao século XVIII não existia nenhuma teoria geralmente aceite
pelos cientistas, logo não existia paradigma. Até que Newton escreveu “Opticks” e se começou
então a confiar na teoria da luz como um conjunto de corpúsculos de matéria. Este paradigma
durou até ao século XIX, quando Young e Fresnel publicaram as suas experiências indicadoras
da luz como um movimento ondulatório transversal. E com as descobertas de Planck chegamos
à teoria aceite hoje em dia, a luz é composta por fotões, entidades quântico-mecânicas. Kuhn
considera redutora a forma como se encaram as informações expostas nos manuais, por isso
defende o estudo da história, de forma a entender o caráter revolucionário da ciência.
Por vezes as soluções dadas às anomalias emergem como hipóteses muito antes de as
anomalias surgirem. No entanto, para evitar a ocorrência de crises na comunidade que partilha o
paradigma, essas hipóteses são socialmente ignoradas. Isso aconteceu, por exemplo, com o
11
modelo heliocêntrico, quando foi proposto por Aristarco, dezoito séculos antes de Copérnico. No
entanto, como o contexto histórico não favorecia a substituição da teoria vigente, a proposta não
teve qualquer valor na época.
Estas abordagens epistemológicas nasceram de períodos de grandes transições no
modo de ver o mundo. As descobertas de Bohr, Einstein e Shroedinger abalaram o principal
conceito renascentista: por muito que se reduzam as partes, o todo permanece uma incógnita.
Este desmoronamento da crença do mundo como máquina perfeita deu origem a uma
desconfiança do método científico tradicional e outras formas de pensar surgiram. Apesar de os
acontecimentos atuais, como as crises ambientais e energéticas, soarem como alarmes gritantes
quanto à complexidade do mundo, permanece uma confiança obstinada nos métodos rígidos e
reducionistas gerados no Renascimento [19]. Embora no século XX já tenha acontecido a
revolução científica originária da perceção de que o todo é mais do que o conjunto das partes
que o constituem, anulando as justificativas para fragmentar os saberes [21].
2.3.4 Construtivismo
Um resumo das ideias destes novos paradigmas epistemológicos é encontrada na
abordagem construtivista, que representa a alternativa à atual vincada forma positivista de ver o
mundo. O construtivismo defende a teoria de que a realidade é construída através das nossas
interações com o mundo – hipótese fenomenológica. Desta forma, existe uma interdependência
entre o fenómeno percecionado e o conhecimento que sobre ele se constrói. A representação
que se tira do fenómeno irá transformar o conhecimento já obtido, produzindo uma nova
representação, e assim continua, recursivamente. Ou seja, segundo o construtivismo não é
possível conhecer as coisas em si mesmas apenas as representações que obtemos das suas
interações connosco. Daí resulta a perspetiva de inseparabilidade entre a realidade e o sujeito,
considerando conhecimento tudo o que nos leva até a um resultado pretendido, incluindo o
sujeito como parte imprescindível deste processo – ao contrário da tese positivista sobre a
natureza determinística da realidade que procura as causas, o construtivismo valoriza mais os
fins[13].
A simplificação é uma das peças chave no positivismo, por outro lado a metodologia
usada pelo construtivismo visa encarar como oportunidade a complexidade inerente ao universo
e a todos os processos nele contido, notando a ordem que emerge do caos e assumindo sempre
que o todo é mais do que a soma das partes. Assim, assume que é impossível uma predição
totalmente certa dos acontecimentos, o que leva a um outro método que é o da ação inteligente
onde se confia no trabalho sobre a tentativa e erro, reformulando os problemas à medida que se
solucionam, em permanente diálogo entre o sujeito que resolve e o problema a ser resolvido[13]
12
Na questão axiológica importa também sublinhar a enorme diferença das abordagens,
visto que o construtivismo assume como indissociável a reflexão sobre os valores e o processo
de construção de conhecimento e considera fundamental a existência de um comportamento
ético por cada investigador devendo este ter sempre como propósito último o bem comum[13].
2.4 Epistemologia na Educação em Engenharia
2.4.1 Tecnologia sem reflexão
O século 20 foi o palco de grandes invenções da engenharia, como a eletrificação, o au-
tomóvel e o avião, que transformaram profundamente o estilo de vida da maior parte da popula-
ção global. O entusiasmo perante tal progresso material tornou inquestionável a procura por
mais inovação tecnológica. Em 2003 foram expostos pela NAE (National Academy of Enginee-
ring) os 14 Grandes Desafios para a Engenharia no século 21, entre eles, tornar economicamen-
te viável a energia solar, promover a realidade virtual e avançar nos processos de aprendizagem
personalizada[24]. Entretanto chegou a inteligência artificial, a computação em nuvem, a impres-
sora 3D , os carros autónomos.
Em um artigo denominado The True Grand Challenge for Engineering: Self-Knowledge,
Carl Mitcham, um filósofo da tecnologia, compara os resultados da profissão de engenharia às
leis geradas e dirigidas pelos políticos, alertando que o facto de os engenheiros serem os desco-
nhecidos legisladores do mundo é muitas vezes esquecido, reduzindo os seus papeis aos cli -
chés responsáveis pela inovação, beneficio económico e defesa nacional. Assim, Mitcham asse-
vera como o maior desafio de todos o auto-conhecimento sobre o papel da engenharia na socie -
dade. Para isso, afirma, é necessário cultivar o pensamento crítico dos profissionais de engenha-
ria, bem como dos de outras áreas, para que se entenda de que formas a engenharia transforma
o modo e a razão pela qual vivemos [12].
A crítica de Mitcham segue o pensamento socrático: “The unexamined engineering life is
not worth living”. Se existe um tal impacto no quotidiano por parte dos produtos e serviços da en-
genharia, este deve ser observado e discutido, tal como fazemos com as decisões políticas dos
nossos países.
Mitcham sugere uma reaproximação da engenharia e das humanidades. No seu artigo
faz alusão ao momento definido por Karl Jaspers como a Era Axial, entre 800 a.C. e 200 a.C.,
onde, em diferentes lugares do planeta, Índia, China e em parte do Ocidente, surgiram quase em
simultâneo linhas de pensamento questionadoras sobre o que é ser humano, qual significado e
qual o propósito dessa condição. Filosofia grega e judaica, o confucionismo, o taoísmo e o budis-
mo, foram movimentos que se iniciaram nesta época. Mitcham considera essencial renovar este
13
espírito de auto-reflexão, principalmente nos programas de engenharia, onde a questão sobre o
que significa ser engenheira não é colocada[12].
A separação entre o mundo da episteme e da techne acontece, em parte, devido às
duas componentes envolvidas. A primeira tem uma xenofobia primária em relação à tecnologia,
culpando-a por múltiplos males. A segunda considera a reflexão filosófica como uma perda de
tempo, como é comum no pensamento tecnicista, que entende que nenhuma energia deve ser
desperdiçada para além da resolução dos problemas técnicos [4].
A tensão existente entre essas duas culturas – engenharia que projeta e constrói o
mundo e as humanidades que refletem sobre o que significam as coisas – é também sentida por
professores de filosofia que ensinam em universidades de engenharia e pela ausência de
autores que refletem sobre o tema da engenharia nos currículos dos cursos desta profissão.
Uma das razões que Mitcham aponta é a forte orientação que universidades de engenharia têm
tomado para responder a fins corporativos, ficando reduzidas ao propósito de formar mão de
obra eficaz e eficiente para as empresas. Assim, quem estuda engenharia não se sente
estimulada para a multidimensionalidade da profissão. A maioria das universidades apenas foca
os aspetos técnicos, fomentando quase exclusivamente o raciocínio matemático e o pensamento
cartesiano e desvirtuando a atitude crítica que caracteriza as personalidades fortes e inovadoras
[7].
A união da engenharia e das humanidades pode ser usada de três formas, segundo Mit-
cham. A primeira será apenas de caráter instrumental: para se ser engenheira é necessário sa-
ber comunicar escrita e oralmente e ter pensamento crítico de forma a encontrar as melhores so-
luções para os problemas técnicos próprios da profissão. De seguida está um nível ainda instru-
mental mas mais abrangente, visto que, além das características anteriores, inclui disciplinas
como história, política, psicologia, sociologia, literatura, filosofia e ética. Isto porque uma enge-
nheira deverá estar sensível ao contexto social, económico e histórico do seu ambiente de traba-
lho bem como estar apta para se inserir em equipas multidisciplinares [12].
O que Mitcham considera como fundamental nos currículos de engenharia não é uma
instrumentalização das disciplinas e aptidões obtidas nas humanidades que auxiliam os empre-
gadores a encontrar trabalhadores mais capazes. Na sua opinião, é urgente uma abordagem
que traga para a engenharia o valor intrínseco das humanidades, ou seja, o sentido crítico sobre
que tipo de mundo queremos projetar, construir e habitar. É esta simbiose entre o contexto técni-
co e filosófico que Mitcham acredita ser o mais frutífero modo de conectar as duas áreas, colo-
cando os engenheiros na linha da frente de um renovado humanismo, responsável pela reflexão
sobre o sentido da vida num mundo imerso em tecnologias.
14
Contudo, a tímida diversidade de competências estimuladas nos currículos de engenha-
ria faz com que muitos alunos ou desistam do curso ou se foquem exclusivamente nos estudos
técnicos e científicos requeridos. Mitcham afirma que isto incapacita os alunos de se expandirem
intelectualmente, de explorarem a sua identidade e o seu propósito de vida.
A maioria das previsões filosóficas debruçadas sobre a tecnologia descrevem um futuro
pouco otimista. Grandes marcos da literatura como o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley
e o 1984 de George Orwell, bem como filósofos da tecnologia como Neil Postman, antecipam
um estádio da sociedade onde existe total submissão a tudo o que é tecnológico ou tem cunho
científico. Imersas numa infinidade de informações tida como inquestionáveis, as pessoas são
empurrado para uma crença cega em que todos os problemas serão resolvidos com mais
tecnologia, o que leva a uma substituição dos valores humanísticos por passividade e
egoísmo[25].
Quem, melhor que os engenheiros, agentes das inovações tecnológicas, para parar esta
tendência para a desumanização, refletindo sobre as ações praticadas, questionando os valores
morais e éticos da tecnologia, procurando construir realidades não apenas úteis mas também
valiosas para a humanidade? Os produtos da engenharia podem ajudar na resolução da crise,
não só material mas também humana, que se faz sentir por todo mundo[3] .
O questionamento, mais do que a atividade de uma disciplina isolada, deve ser visto
pelos estudantes de engenharia como uma atitude indispensável ao conhecimento, um
posicionamento reflexivo, imprescindível para toda a vida. Só assim a profissão pode ser
exercida com verdadeiro entusiasmo [3].
2.5 Modelo Histórico da Engenharia
2.5.1 Crise de Identidade
Outra apoiante da convergência entre as aptidões técnicas e humanas nos currículos de
engenharia é Rosalind Williams, antiga diretora dos estudantes e da educação universitária do
MIT, que afirma que a engenharia evoluiu para uma profissão sem um fim bem definido, uma
profissão de tudo, num mundo onde a tecnologia se fundiu com a sociedade, com as artes, com
a gestão. Nota-se a carência, segundo Williams, de uma instituição forte o suficiente para
estabelecer uma missão transversal a todas as ramificações da profissão[26].
Williams defende uma educação híbrida que prepare os estudantes para um mundo
igualmente híbrido, com ambíguas fronteiras entre disciplinas tecnológicas, humanísticas e
sociais, e onde, constantemente, surgem novos conceitos. A escolha entre uma universidade de
engenharia ou outras de ‘não-engenharia’ impossibilita este tipo de preparação, afirma
Williams[26].
15
No inicio da profissão de engenharia eletrotécnica, existia pouco mais do que o telégrafo
e os elétricos, enquanto que hoje a engenharia eletrotécnica cruza os campos mais variados,
desde a biologia e a neurociência até à gestão de projetos e o marketing. O estereótipo do
engenheiro ou engenheira eletrotécnica como alguém que concebe circuitos eletrónicos está, há
muito, ultrapassada. Contudo, o espectro de possibilidades é tão amplo que os alunos acabam
por perder a motivação de entrar num curso no qual não reconhecem uma identidade
definida[27] .
2.5.2 Resumo histórico
Uma possível solução apontada por António Figueiredo à crise de identidade da
engenharia, colocada por Rosalind Williams detém-se numa análise ao passado histórico da
profissão[6].
No artigo “On the historical nature of the engineering pratice”, Figueiredo percorre a
prática de engenharia desde os tempos primitivos até à época do Renascimento com o intuito de
estruturar a identidade da profissão de engenharia, dividindo-a em quatro características,
nomeadamente a prática, as ciências, o projeto e as humanidades (incluindo gestão e negócio).
Os pré-históricos foram os primeiros engenheiros, quando desenvolveram a “ação
inteligente” para afiar as pedras e assim enriquecer a sua capacidade para caçar e criar objetos
artísticos. Esta é uma atitude de resolução imaginativa que ultrapassa a solução da tentativa e
erro na medida em que existe uma evolução ao notar os erros e ao pensar numa solução melhor.
A imaginação é um motor essencial na prática da engenharia. Esta é a responsável por tornar
realidade sonhos imaginados.
Os engenheiros da Mesopotâmia e Egípcios começaram como artesãos e ao
desenvolverem os seus conhecimentos foram capazes de construir casas, templos, aquedutos.
Tudo baseado na prática, mas também em matemática e representação gráfica. Os primeiros
usavam um sistema numérico na base 60, que deu origem ao nosso sistema de horas e de
ângulos, tinham escrito equações algébricas, fórmulas de áreas e volumes. Os segundos geriam
uma massa de trabalhadores incalculável tendo por isso um papel de grande destaque na
sociedade.
Nesta fase inicial da engenharia já se encontram alusões aos quatro fundamentos da
profissão: o trabalho prático, que teve o seu expoente nos artesãos; o uso da matemática e do
pensamento abstrato; os desenhos e gráficos como ferramenta de projeto; e, por último, a
gestão de pessoas e de materiais para realizar grandes obras.
As civilizações que se seguiram, como a Grega e a Romana, deixaram heranças
enormes para toda a civilização ocidental.
16
Os Gregos iniciaram a separação da prática e da teoria quando entenderam haver uma
ordem escondida na natureza captável pelo Homem. Dessa convicção resultou um avanço
extraordinário do pensamento científico abstrato, com Thales de Mileto, Euclides, Aristóteles e
outros filósofos e matemáticos que se dedicavam exclusivamente à construção de conhecimento
pela abstração, sem pensarem num fim prático. Por isso não foi uma civilização com muita
participação na historia das grandes obras da engenharia. O engenheiro mais conhecido foi
Arquimedes de Siracusa, com as suas contribuições nas áreas da mecânica e da hidrostática.
Também a democracia Grega foi um marco para a gestão e organização de projetos. Os gregos
destes tempos foram fortes nas ciências e fracos na prática.
O império Romano, pelo contrário, deixou um importante legado em obras de
engenharia. Com sentido prático, eficiente e económico, o conhecimento era essencialmente
tácito, e as ciências, campo onde os Gregos eram fortes, era desprezada. A componente das
humanidades, incluindo gestão e negócio, e a de projeto eram pontos a favor dos Romanos, que
comandavam grandes contingentes de mão de obra e deixaram grandes feitos na engenharia,
como a cúpula do Panteão, ainda hoje a maior cúpula do mundo feita em cimento não armado.
Apesar de não ter sido muito ouvido, Vitrúviu tentou incutir os saberes da matemática e
da geometria abstrata criados pelos Gregos na engenharia romana. Também apontou a
importância de se conhecer os significados simbólicos do que se constrói: não é suficiente à
prática de engenharia dispor de conhecimento técnico, são necessários pessoas cultas,
conhecedoras das artes, literatura, música e história.
A época medieval ficou marcada pelas construções das catedrais, levadas a cabo
maioritariamente por eclesiásticos influenciados pelo pensamento de Santo Agostinho, onde as
proporções matemáticas perfeitas eram vistas como representações das leis divinas. A
luminosidade nas igrejas também remetia para a iluminação divina sobre os homens. As
componentes de projeto, ciências e humanidades viram-se unidas por estes ideais religiosos.
As ciências criadas pelos gregos viajaram para os países islâmicos, enquanto na região
ocidental predominou a engenharia, baseada na ação inteligente, como praticada no Império
Romano. Com o advento das universidades, começou no Ocidente um época de procura de
mais conhecimento, com os académicos a viajarem para os países árabes para aí aprenderem e
traduzirem os textos científicos árabes, que incluíam os saberes gregos. A hierarquização dos
graus académicos teve o seu inicio nestes tempos, em comunidades de cientistas, que
protegiam os seus conhecimentos e interesses coletivos e estimulavam a educação dos mais
jovens.
Um nome imprescindível na história da engenharia é o de Leonardo Da Vinci, que, um
século antes de Galileu, criou a ciência experimental. Inspirado nos seus antecessores, também
renascentistas, usou amplamente o caderno de desenhos, os esquemas descritivos e as
perspetivas, ferramentas hoje essenciais da elaboração de um projeto.
17
2.5.3 Educação em engenharia
A primeira escola de engenharia foi criada na monarquia francesa, em 1747, a Escola
de Pontes e Estradas, marcando a transição do estilo mestre-aprendiz para um ensino
sistematizado baseado nas ciências e na matemática. Devido à Revolução Industrial, a
necessidade de pessoas formadas em engenharia, focalizada para fins civis, e não apenas
militares, aumentou, gerando assim a Engenharia Civil, antecessora de todas as outras. A
segunda geração de engenharias foi a Mecânica, a Química e a Elétrica. Em 1800, na França, a
engenharia era uma profissão com boa reputação e de classes médias e altas.
No Reino Unido a educação fundamentada na teoria ainda era vista com desconfiança.
Por isso permanecia o sistema de mestre-aprendiz. John Smeaton preocupou-se com esta
situação e reforçou a ideia de serem necessários métodos formalizados na educação da
engenharia. Criou também, no Reino Unido, a Sociedade de Engenheiros Civis, que fomentou
um forte sentido de identidade da profissão.
O ensino sistematizado, aliado à pesquisa científica, apenas se generalizou com a
aceitação das ideias de Wilhelm von Humboldt, nos Estados Unidos. Depois de se notarem os
avanços tecnológicos conseguidos com esta junção, a ideia retornou ao país de origem, a
Alemanha, e aos países vizinhos.
Desta forma, o ensino de engenharia sofreu uma transformação, durante o século XX,
passando de forte fundamentação prática para uma quase exclusiva dedicação às ciências.
Especialmente na América, foi crescendo a insatisfação com o baixo estatuto da profissão,
apesar de ser a responsável por criar e cuidar da maioria dos sistemas pelo quais as pessoas
dependiam.
Assim, foi amplamente aceite a ideia de estabelecer a engenharia como uma ciência
aplicada, na esperança de melhorar a condição social dos praticantes da profissão. A educação
em engenharia já possuía um forte pendor teórico, e a situação agravou-se quando grandes
financiamentos estatais foram dados às universidades para que realizassem investigação
científica e tecnológica, como aconteceu no programa espacial em 1957.
Nos anos oitenta do século passado começaram a surgir queixas dos empregadores
quanto ao perfil demasiado teórico dos profissionais que as escolas de engenharia colocavam no
mercado, e a ABET, entidade responsável, nos Estados Unidos, pela acreditação dos cursos de
engenharia e tecnologia, começou a exercer pressão sobre as escolas no sentido de superarem
a abordagem demasiado académica dos graduados e a sua carência de competências de
projeto, relacionais, de liderança e de gestão.
18
2.5.4 Modelo das Quatro Dimensões
A resenha histórica da engenharia é descrita por Figueiredo para demonstrar a
pluralidade da profissão como sua característica intrínseca. A presença das quatro dimensões:
prática, ciências, projeto e humanidades (incluindo negócio e gestão), ilustrada na Figura 1, é
observável ao longo de toda a história da prática em engenharia. O autor recorre a um diagrama
de coordenadas cartesianas em que o eixo vertical vai da parte estritamente prática à
exclusivamente teórica e o horizontal desde a matéria, energia e informação até à vertente mais
relacional[28].
Desde sempre, a engenharia é definida como uma profissão que tem uma finalidade
utilitária. Esta é a característica distintiva entre a engenharia e a ciência, onde o conhecimento é
um fim em si mesmo. Os “engenheiros como artistas”, os da vertente prática, (Figura 1)
herdaram historicamente a partir dos artesãos algumas das suas competências, como o sentido
da perfeição e a orientação para concluir com persistência as tarefas que lhes são cometidas,
por difíceis que se revelem. Na mesma linha, possuem o sentido de improvisar e lidar com a
ambiguidade, o que os torna capazes de encontrar soluções para problemas que, numa primeira
abordagem, seriam difíceis ou impossíveis de resolver.
19
Figura 1: As quatro dimensões da engenharia, segundoFigueiredo[28]
Como se pode ver ao percorrer a história da engenharia, a dimensão de projeto sempre
foi uma das mais preponderantes da profissão. Tendo como missão criar soluções novas e
eficazes para os problemas do mundo real, os “engenheiros como projetistas” (Figura 1)
dominam o pensamento sistémico e holístico nas situações onde o contexto social, económico e
cultural não pode ser ignorado e sentem-se confortáveis em projetos que lidam com realidades
onde existem valores incertos, modelos não ideais e conhecimentos inacabados. Esta dimensão
da atividade dos engenheiros recorre a abordagens muito diferentes das que são incentivadas
na educação em engenharia: nos projetos de engenharia não se pode usar apenas o método
cartesiano, de isolar as partes, visto que todas estão conectadas no sistema complexo a ser
concebido e só encontram o seu verdadeiro sentido no contexto do todo.
Embora a dimensão da prática tenha antecedido a da teoria, a componente das ciências
foi um inquestionável contributo para o desenvolvimento tecnológico deste último século. Os
“engenheiros como cientistas” (Figura 1) têm o pensamento orientado para a análise e para o
raciocínio lógico e abstrato, usam métodos rigorosos e são especialistas na investigação e
publicação em revistas da área.
A tendência mais forte sempre foi a de incluir a engenharia nas ciências exatas. No
entanto, a finalidade última da engenharia é servir as pessoas, criando soluções que interferem
diretamente na vida das populações. Assim, a engenharia vê o seu propósito realizado quando
vai ao encontro das necessidades humanas. Ignorar essa vertente relacional e social da
profissão acarreta uma perda do valor intrínseco da engenharia. As estruturas sociais vão
sofrendo alterações devido aos artefactos tecnológicos que vão surgindo, logo aqui se nota a
interdependência entre as áreas de humanidades com as áreas técnicas. Uma engenheira lida
obrigatoriamente com patrões, clientes, políticos, ambientalistas. Quanto melhor a sua
competência para a comunicação, melhor será o seu trabalho de engenharia. Outra vertente
fundamental é a da gestão e dos negócios. Os engenheiros envolvem-se em projetos complexos
e com grandes implicações financeiras e económicas, o que lhes exige conhecimentos em
gestão, marketing e finanças. Por outras palavras, profissionais da engenharia também têm de
ser “peritos do social, do negócio e da gestão” (Figura 1).
Cada engenheira tem o seu estilo personalizado e as suas preferências perante
contextos concretos, não sendo normal a exclusividade por um dos quadrantes da Figura 1. No
entanto, o ensino das últimas décadas tem insistido na predominância das ciências, o que tem
tornado os cursos menos adaptados às necessidades do mercado e menos atraentes,
contribuindo para afastar os engenheiros de uma identidade profissional coerente, como alerta
Williams[20].
As duas maiores objeções às abordagens correntes para a educação em engenharia são
relativas à forma como se vê a engenharia: primeiro, é ignorado o protagonismo da componente
de projeto na prática da profissão; segundo, aceita-se a ideia redutora de que engenharia se
20
destina apenas a solucionar problemas, quando na verdade se centra muito mais na capacidade
para identificar os problema certos e ir criando soluções à medida que estes se vão clarificando.
Para terminar, o autor denomina “engenheiros completos” aqueles que são capazes de
articular conhecimentos e competências nas quatro dimensões e harmonizar as diferenças entre
elas. Tendo em conta o património histórico da engenharia como profissão e as críticas que o
mercado de trabalho e a sociedade em geral dirigem aos engenheiros formados nas escolas de
hoje, este modelo poderia solucionar a crise de identidade da engenharia. O estudo da história
da profissão da engenharia aumenta o sentido de união entre colegas e a vontade de prestar um
bom serviço a toda a humanidade.
2.6 TU Delft
Holanda, talvez pela sua existência depender de artefactos tecnológicos devido à sua
localização geográfica, é uma nação com uma forte comunidade de filósofos da tecnologia. 3TU,
a federação das três grandes universidades de tecnologia do país, TU Delft, TU Eindhoven e a
University of Twente, tem um dinâmico e prolífero centro de ética e tecnologia[12].
Aldert Kamp, diretor de Educação de Engenharia Aeroespacial da Universidade de
Tecnologia de Delft, aponta a necessidade de uma reformulação estrutural dos currículos de
engenharia de forma aos cursos se adaptarem ao contexto atual. Nesse sentido, indica oito
características para uma nova forma de educar em engenharia, adequada à realidade da
profissão no século XXI[7]. Em vez de sugerir o modo de o fazer, o autor mostra mais interesse
em discutir o que faz falta na educação em engenharia e porquê. Esta abordagem é ajustada às
novas exigências dirigidas aos engenheiros do futuro, visto que a competência técnica e
científica deixou de ser a única componente essencial da profissão. Num meio com tanta
informação e opções disponíveis, o difícil é saber escolher e justificar assertivamente as
escolhas. Apresento de seguida os oito tópicos identificados por Kamp e algumas das suas
considerações.
Independentemente das mudanças necessárias, o rigor na engenharia é um
fundamento base para o entendimento dos processos físicos e tecnológicos, essenciais para a
profissão, e não deve ser abandonado. Contudo, quando os estudantes se encontrarem no
mercado de trabalho, os conhecimentos acumulados serão obsoletos, dado que o tempo de
meia vida das tecnologias é atualmente de cinco anos.
A importância da Internet dentro das universidades é outro fator determinante para a
procura de modelos pedagógicos inovadores. A tradicional acumulação de saberes teóricos
mostra-se pouco útil para a maioria dos estudantes e futuros engenheiros, com exceção das que
se candidatam a uma carreira académica. O autor sugere, antes, que se ensine a encontrar
21
saberes valiosos que auxiliem à construção de uma plena autonomia, numa perspetiva de
aprendizagem ao longo da vida.
Com a crescente complexidade dos sistemas reais, a engenharia passou a ter de lidar
com incerteza e ambiguidade. Conhecimentos que seriam valiosos antigamente, estão hoje à
distância de um clique, e muito do raciocínio lógico será completado ou substituído por
máquinas virtuais ou com inteligência artificial. É, por isso, importante aprender a pensar “fora da
caixa” e a colocar as questões certas, o que faz do pensamento crítico e da capacidade para
resolver problemas não estruturados as características mais procuradas pelos empregadores
de engenharia.
O vasto espetro de problemas relacionados com engenharia faz desta uma profissão
multidisciplinar, onde o pensamento sistémico e a interdisciplinaridade têm lugar de
destaque. Os produtos e serviços de engenharia exigem diferentes perspetivas do mesmo
objeto, visto que intersetam quase todos os setores da sociedade, envolvendo política, gestão
publica e privada, legislação e a população em geral.
A história tem muitos ensinamentos interessantes para quem se interessa pela ciência e
pela engenharia contemporânea. Um deles é sobre o papel da intuição nos grandes saltos
científicos e tecnológicos. Esta aproximação dos alunos à história da engenharia desmistifica a
restrição teórica, dando lugar a características como a imaginação, criatividade e iniciativa.
Kamp aponta mais uma vez a importância de investir no desenvolvimento de competências
impossíveis de terceirizar ou automatizar.
Trabalhar em equipa e num ambiente multidisciplinar é o cenário dos engenheiros deste
século. Numa aldeia global permeada por diferentes culturas, a comunicação e a colaboração
são essenciais. À comunicação oral e escrita Kamp acrescentou competências da comunicação
digital, como os “chats”, a gestão de dados na nuvem e as tecnologias da aprendizagem e da
colaboração.
Segundo o mesmo documento, mais de 40% dos estudantes do ensino superior são
atualmente do Brasil, Índia, China e Rússia. Para competirem e colaborarem neste ambiente tão
rico culturalmente, é importante ter a mente preparada para a globalização, a diversidade e a
mobilidade. A adaptabilidade, auto-confiança e multiculturalidade são características adquiridas
em grande parte quando se estuda fora do país de onde se vive. Na universidade de origem,
seria desejável que os alunos participassem em equipas sempre com membros diferentes, para
desenvolverem e exercitarem esses atributos.
O contexto educacional da engenharia deve ser propício ao desenvolvimento de
argumentos científicos e sensibilidade social e ética para lidar com problemas complexos e
autênticos. O envolvimento do estudante e a sua participação numa comunidade
profissional de aprendizagem são indicados como fatores fundamentais para um ambiente que
incentive a inovação e o desenvolvimento da personalidade.
22
A substituição estratégica do domínio do conhecimento numa disciplina pelo domínio do
processo de aprendizagem de disciplinas é o método basilar para promover a empregabilidade
e a aprendizagem ao longo da vida. Aldert Kamp sublinha também a responsabilidade dos
docentes manterem atualizados os seus conhecimentos pedagógicos e de os discentes
realizarem estágios no meio industrial, bem como investirem nas suas competências pessoais.
2.7 CDIO Syllabus
As constantes inovações tecnológicas maravilham ao mesmo tempo que assustam. A
complexidade crescente dos sistemas que nos envolvem, a globalização e a interdependência
entre pessoas, instituições e áreas do saber são os argumentos de peso dos que são a favor da
mudança de paradigma na educação[26].
Uma das respostas a estes desafios é a iniciativa CDIO, cuja sigla significa conceive-
design-implement-operate [22]. Segundo os seus autores, é neste contexto que se deve inserir a
nova geração de profissionais de engenharia[8].
Crawley, do MIT, e Malmquvist, da Chalmers University of Technology, criaram, em 2000,
um documento que reúne todas as competências que uma graduada de engenharia deve obter
até à conclusão do curso. O objetivo é que este documento sirva como guia para a construção
dos planos curriculares de engenharia, e a verdade é que, desde 2000, um número crescente de
universidades, não apenas de engenharia, usa a iniciativa CDIO para a elaboração dos
currículos.
Os autores tomaram como inspiração os quatro pilares para a Educação definidos pela
UNESCO. São eles: aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão); aprender a
fazer (para agir criativamente no meio envolvente); aprender a viver em conjunto (cooperando
com os outros) e aprender a ser (conceito essencial que advém dos três anteriores).
Foram tidas em consideração as críticas à educação em engenharia pelas associações
internacionais ligadas ao mercado de trabalho, como o Acreditation Board for Engineering and
Technoloy (ABET) e o Canada Engineering Accreditation Board (CEAB). Do lado Europeu, o
sistema EUR-ACE, a Chalmers University of Technology, a Linköping University, e o Royal
Institute of Technology (KTH) também contribuíram para a elaboração do modelo.
Passado onze anos de uso por diversas universidades, o CDIO Syllabus v1.0 foi
melhorado, agregando múltiplas atualizações. O resultado foi o CDIO Syllabus v2.0, que
acrescentou competências sobre a sustentabilidade económica, social e ambiental, ética,
igualdade, inovação e internacionalização.
23
Como a análise histórica da engenharia que apresentei anteriormente, o CDIO Syllabus
v2.0 refere também a predominância, até ao século XX, de uma educação em engenharia
baseada na prática. E confirma que apenas depois da década de 50 se iniciou uma abordagem
mais científica, que dura até hoje. Neste momento, muitas universidades tentam mudar o seu
estilo pedagógico para juntar a teoria à prática real de engenharia.
Segundo o modelo CDIO, os graduados em engenharia devem ser capazes de
conceber-projetar-implementar-operar sistemas complexos de engenharia de elevado valor
acrescentado, num ambiente moderno baseado atividades em equipa. No entanto, para uma
aprendizagem efetiva, este deve ser o contexto da educação e não o seu conteúdo.
O Syllabus reconhece como fundamentais para a criação de sistemas complexos de
engenharia, o domínio das áreas científicas gerais, como matemática e física, e as específicas
do seu curso, bem como os métodos e os conhecimentos fundamentais da engenharia.
As competências profissionais e pessoais, tais como pensamento analítico, resolução
de problemas, pensamento crítico, criativo e sistémico são referidas como centrais na prática de
engenharia. Ética, responsabilidade social, aprendizagem e educação ao longo da vida são
também apontadas como indispensáveis.
Para além disso, as competências interpessoais, como a comunicação escrita, oral e
eletrónica, facilidade para trabalhar e liderar em equipa, sensibilidade relacional para ouvir,
negociar e argumentar e domínio de línguas estrangeiras são tudo aptidões que os estudantes
devem desenvolver, segundo os autores do modelo CDIO.
Todas estas características servem para conceber-projetar-implementar e operar
sistemas no contexto empresarial, social e ambiental, mas, para que tal seja possível,
importa igualmente conhecer os contextos sociais, ambientais, históricos e culturais, familiarizar-
se com a linguagem empresarial e de negócios e desenvolver uma visão multidisciplinar, onde o
pensamento sistémico volta a desempenhar um papel importante.
Cada carreira investe mais num, ou em mais que um, tipo de conhecimento. No entanto,
a atualidade exige a capacidade de adaptação e aprendizagem ao longo da vida. O CDIO
Syllabus aponta as carreiras mais usuais em engenharia– o investigador, o projetista de
sistemas, o projetista de dispositivos, o engenheiro de suporte técnico, o engenheiro
empreendedor – cada qual com mais ou menos incidência em certas qualidades.
Este programa soma-se a outras vozes, como a do Processo de Bolonha, que sublinham
a centralidade dos resultados de aprendizagem desenvolvidos à medida das críticas do mercado
de trabalho, da sociedade e do meio académico. A forma de ensinar e avaliar as competências
requeridas também entra neste sistema de atualização constante. Segundo o CDIO Syllabus
v2.0, esta relação entre o que o aluno deve saber, como pode ser ensinado e como pode ser
avaliado é denominado por Biggs como o “alinhamento construtivista”.
24
Outro autor citado no documento do CDIO, John DeGraeve, propõe um modelo para a
educação em engenharia tendo em vista a formação de engenheiros integrais. Existem,
segundo DeGraeve, diferentes ações que cabem aos engenheiros desempenhar na sociedade,
são elas: a engenharia — fazer coisas recorrendo à imaginação e aos fundamentos científicos
— o empreendedorismo — realizar produtos e serviços eficientes através da inovação — a
educação — evoluir e fazer os outros evoluir pois o seu objetivo é o desenvolvimento de cada
um — e o ambientalismo — transcender e incluir pela coerência do todo, visto que observar por
diferentes ângulos torna a experiência da engenharia ainda mais rica.
O empreendedorismo e a liderança são áreas importantes para a educação em
engenharia e desempenharam um papel de destaque na redação da segunda versão do CDIO
Syllabus. Liderança refere-se a ajudar a organizar esforços, criar uma visão e facilitar o trabalho
dos outros. Empreendedorismo é toda a atividade de gerar e liderar um nova empresa. Neste
contexto, reuniram-se competências sobre os aspetos relacionais, sociais e ambientais,
capacidade de criar e realizar uma visão, bem como conhecimentos sobre gestão e marketing.
O CDIO Syllabus v2.0 foi finalizado tendo em conta os critérios da ABET, CEAB, British
UK-SPEC, descritores de Dublin e outros referenciais, tendo em vista alargar o seu leque de
saberes e competências e assim harmonizar-se com as associações de engenharia a nível
global.
2.8 Estudantes e Ecologia dos Saberes
No início do ano de 2015, estudantes de várias universidades manifestaram-se contra o
que consideram ser a mercantilização da educação. Os inconvenientes do excesso de
burocracia no mundo académico e a restrição do ensino aos aspetos utilitários, desvalorizando
os de cunho social, foram algumas das preocupações que manifestaram [29]. Quem estuda
exige um ensino reflexivo e estimulante da criatividade, suportado pelo raciocínio e pelo
conhecimento político e cultural. Um ensino que alargue horizontes e seja preocupado com a
humanidade, e não apenas uma plataforma de treino para empresas[30].
Menos mediático, mas não menos importante, foi o relatório do conselho de estudantes
europeus sobre o processo de Bolonha. Logo nas primeiras páginas, alerta para a visão
alargada que a educação superior deve ter, não se limitando a seguir um regime de
instrumentalização que tenha como único fim o mercado de trabalho. A tímida presença da
dimensão social no ensino, a dificuldade de centrar no aluno o processo de aprendizagem e a
falta de repercussão das avaliações de qualidade da educação são algumas das críticas feitas
no documento Bologna With Students Eyes [31] .
25
A era da compartimentação dos saberes e do conhecimento enciclopédico já não
responde às necessidades deste tempo. As universidades que se mantêm neste regime
terminam por impedir o desenvolvimento do potencial dos estudantes, precisamente o oposto da
função de uma escola superior[32].
Os desafios da atualidade também já não são resolvidos por especialistas de uma área
apenas. Tal como Edgar Morin refere, os problemas são hoje polidisciplinares, transversais,
globais e planetários. Morin é um forte apoiante da transformação do sistema educativo atual.
Argumenta contra a acumulação estéril de informação, alertando para o funcionamento da
própria psicologia cognitiva em que a integridade no contexto global é um método muito mais
favorável à aprendizagem do que a formulação e a abstração. Este sociólogo francês defende
um novo espírito científico baseado na interligação entre as ciências, religando as diversidades
presentes no ser-humano[32] .
Complexidade e incerteza são características dos problemas de hoje e é necessária uma
visão transdisciplinar (“a transdisciplinaridade não procura a dominação de várias disciplinas,
mas a abertura de todas as disciplinas ao que as atravessa e as ultrapassa” [33]) para os
conseguir abordar. Além disso, torna-se essencial treinar o nosso aparelho psíquico para lidar
com a complexificação crescente do nosso meio. Como Morin sugere, há que expandir as
ligações sinápticas, estruturando uma rede neurológica preparada para viver neste ambiente em
constante mudança tecnológica. Para isso deve-se evitar a repetição de tarefas, fazer atividades
diferentes, reconhecendo a dimensão ecológica em que se insere a raça humana[34].
Os sucessos resultantes do pensamento cartesiano e determinístico colocaram num
pedestal o raciocínio lógico e analítico. Assim, foram relegadas para segundo plano qualidades
como a intuição, a empatia e a criatividade. Todavia, essas competências já são entendidas
como essenciais aos desafios da engenharia do século XXI. Figueiredo refere o livro de Daniel
Pink “A Whole New Mind” e a sua ideia principal: os problemas são hoje tão mais complexos e
menos determinísticos que uma mente analítica não os conseguira resolver tão bem quanto uma
mente equilibrada entre a lógica, cálculo e análise e a intuição, empatia e criatividade,
conhecidos pelo senso comum como o lado esquerdo e direito do cérebro, respetivamente[35].
Acontece que a criatividade e a empatia surgem num ambiente permissivo do erro e da
dúvida, que, segundo Morin, é o fermento para toda a atividade crítica [32], e de um espaço que
valorize a capacidade de autonomia, não de responder acertadamente a um exercício específico,
mas de conseguir criar um problema à medida, que o soluciona [28] .
Morin, Figueiredo e Bazzo sublinham a importância de um sistema educativo que não
dissocie o conhecimento específico e a vida do quotidiano dos alunos, que os incentive à
invenção e à criação, ao invés da memorização, e que invista na formação humana com
perspetivas sociais. Só assim a universidade e a tecnologia cumprem com o seu propósito: criar
conhecimento e bem-estar para a população.
26
2.9 Universidade de Harvard
A Harvard’s School of Engineering and Applied Sciences — Escola de Engenharia e
Ciências Aplicadas de Harvard, está embebida num contexto das artes liberais, isto é, existe uma
procura de conhecimento desinteressado e não apenas com fim utilitário ou para obter emprego,
de forma a que os estudantes possam aplicar os seus métodos de resolução de problemas em
questões sociais e humanas. Também os alunos de cursos de não- engenharia são convidados a
participar das disciplinas mais tecnológicas para que também estes percecionem corretamente o
mundo técnico. O propósito desta recente escola de Harvard é revolucionar a educação de
engenharia, formando profissionais aptos para os desafios do século 21, com grandes
capacidades técnicas e analíticas mas também interdisciplinares para que colaborem com
diferentes realidades como a arte, as ciências sociais, as humanidades e as ciências naturais. A
procura desta escola tem crescido exponencialmente desde a sua criação, no ano de 2007 [36].
Apoiado em bases teóricas e desenvolvimento de pensamento crítico, os estudantes
aprofundam conhecimentos com projetos multidisciplinares onde estimulam a sua criatividade.
Disciplinas contêm discussões sobre temas da atualidade, projetos livres e é enfatizado o foco
no projeto bem como a aprendizagem experimental e cooperativa. Existem laboratórios abertos
para estudantes criarem as suas próprias ideias, além de muitas organizações na universidade
promoverem a união entre estudantes de humanidades e de engenharia para que desenvolvam
projetos para problemas do mundo real [36].
A dimensão de projeto é considerada das mais proeminentes no mundo da engenharia,
por isso Harvard acredita no potencial do Design Thinking – conceito de resolução de problemas
centrados no Ser humano de forma inovadora, colaborativa e iterativa. Usualmente, o processo
divide-se em cinco etapas: empatizar com a situação de utilizadores e interessados, definir as
necessidades e desafios, idealizar possíveis soluções para os problemas definidos, prototipar
esboços das soluções selecionadas e testar de forma a obter feedback e melhorar os
resultados. Contudo, a rigidez não é uma característica do Design Thinking, pode acontecer
estar na fase de prototipagem e decidir voltar à fase de definição do problema, por exemplo.
Outro fator importante é a valorização do ato de falhar, visto como oportunidade de
aprendizagem e de evolução para melhores soluções[37].
Faz parte da filosofia do instituto a noção de que não é suficiente o conhecimento técnico
e teórico das matérias, por isso a escola tem o propósito de englobar na educação dimensões
não apenas técnicas mas também humanas, incluíndo o Design Thinking, conceito já explicado,
e o mindfulness – atenção plena[36].
27
A escola de engenharia e ciências aplicadas de Harvard foi criada assente na convicção
de que é necessária uma mudança de paradigma na educação de engenharia, para um
ambiente académico de cariz transdisciplinar e de maior cooperação.
2.10 Universidade Stanford
Um exemplo de universidade embebida no espírito de inovação e empreendedorismo é a
Universidade de Stanford cujo Presidente, John Hennessy, é considerado como o padrinho
Sillicon Valey, ou Vale do Silício, região da Califórnia com maior concentração de empresas de
cunho científico e tecnológico como a Hewllet-Packard, a Google e o Facebook. O objetivo de
procurar inovação e riqueza é partilhado pelos estudantes e pela universidade o que, na opinião
de alguns, pode deformar o propósito final da universidade de procurar conhecimento
desinteressado, sem a procura por sucesso empresarial [38].
No entanto, o legado de Hennessy vai além das fronteiras do Vale do Silício, visto que foi
com ele que se expandiu a ideia de educação interdisciplinar em que alunos de diversas áreas
como medicina, engenharia, economia e advocacia se juntam para resolver problemas reais ou
abstratos. O objetivo é estimular nos estudantes não só um conhecimento profundo sobre
alguma matéria em específico mas igualmente desenvolver o saber e aptidões em outras áreas,
denominada esta educação como “T-shaped”, ou em forma de T. Neste contexto nasce o
Instituto de Design de Stanford, a d.school, que, por princípio, aplica os métodos de design
thinking, despertando a empatia e o desejo de resolver questões sociais e aposta fortemente na
colaboração entre estudantes e entre disciplinas. Mesmo a avaliação é feita por colegas
estudantes e pelas capacidades colaborativas [38].
Outra questão importante quando se debate a educação neste século, à qual John
Hennessy não fica obviamente indiferente, é a educação à distância, ou educação online.
Realidade que já está ao nosso alcance de forma gratuita, tanto no sites das universidades como
Stanford e o MIT, como em institutos próprios de educação online como a Khan Academy. Os
estudantes aborrecem-se facilmente nas aulas teóricas e as aulas virtuais são uma opção muito
mais atrativa e lógica para os alunos deste tempo, nota Hennessy. As universidades também têm
a ganhar com esta transição pois os docentes ficam com mais tempo para investigar e produzir,
o que é uma forma de o lucro das universidades aumentar. Contudo, o diretor de Stanford alerta
também para os desafios deste tipo de educação chegando a dizer que ainda não foram
encontradas soluções para a sua maioria. Como saber sobre a ética académica dos estudantes
nos momentos de avaliação, como os docentes conseguirão corrigir e retornar algum feedback
em tempo apropriado e que tipos de certificados são justos neste tipo de educação são
preocupações demonstradas por Hennessy. As universidades são instituições de tradições
28
vincadas e por isso adversas às mudanças, mas John Hennessy profetiza a chegada de um
tsunami na educação superior por isso deixa a recomendação de estas serem criativas e terem
a capacidade de se reinventarem, caso contrário correm o sério risco de serem eliminadas [39].
2.11 Escola democrática
A ideia de um tsunami a chegar referido por John Hennessy foi adotada por diferentes
personalidades para descrever as transformações sociais e económicas que o mundo tem
assistido nos últimos anos. Yaacov Hetch é um deles, diz que em vários lugares se vive a etapa
em que a água retrocede muito antes de chegar à margem, ou seja aplicam-se muitos dos
métodos antigos que resultavam bem de forma a proteger o que já era conhecido, como por
exemplo muitas avaliações escritas, no caso da educação. Hetch um visionário da revolução
educacional criou o conceito – e uma escola onde o aplica – de educação democrática onde o
paradigma piramidal é substituído por um paradigma de rede. Ele justifica o nome democrático
por entender que a educação é precisamente dos poucos campos na nossa sociedade que não
é democrática, sublinhando o fato de as escolas continuarem a preparar pessoas para a
obediência e disciplina, enquanto as organizações atuais pedem por criatividade e iniciativa[40].
Segundo Hetch, as ondas dos tsunamis são algo ao qual nos devemos habituar, devido
ao caráter exponencial com que têm aparecido tecnologias disruptivas – tecnologias que
simplificam, de forma drástica, processos complexos, baixando muito o seu custo – resultando
em sucessivas mudanças sociais[40].
A onda agrária aconteceu quando a maioria da população trabalhava na agricultura, o
mesmo com a onda industrial e a contemporânea onda da informação. A seguinte, aposta Hetch,
é a onda do conhecimento, onde a maioria das pessoas estarão a produzir conhecimento, sendo
isto possível num sistema de rede em que as ideias de todos têm espaço para serem ouvidas e
não num sistema piramidal cuja estrutura se baseia na transferência de informação de “cima”
para “baixo”, implicando que a célula que transfere não interfere nesse processo, ou seja, está
vazia. Visto que o poder está centralizado no topo, o paradigma da pirâmide tem como
consequência não só o espírito competitivo mas também apresenta dificuldade na adaptação a
mudanças rápidas, devido à burocracia e aos equívocos provenientes de um sistema baseado
na diferenciação hierárquica de autoridade[40].
Por oposição, um sistema em rede assume que cada célula tem uma cor única que se
vai desenvolvendo, recebendo e fornecendo informação em todas as direções. O que faz com
que numa escola com este sistema, todos os elementos desempenham papeis de docência e de
discência. O papel de um ou uma professora é ajudar os alunos a encontrarem o lugar de
convergência entre os seus talentos e as suas paixões e desenvolverem forças neste campo
29
para que as possam ensinar aos demais e participar na resoluções de problemas da
comunidade. Mesmo os próprios docentes são convidados a tomar iniciativas que os estimulem,
ao invés do que acontece em uma escola piramidal onde o sistema encara como vazios também
os docentes e por isso lhes passa matérias que estes têm a obrigação de transferir para os
estudantes.
O esquema de trabalho em pirâmide propicia aos seus elementos a desempenharem
uma atitude maquinal, contudo, as tecnologias disruptivas tendem a substituir os trabalhos
repetitivos que os homens e mulheres são forçados a ter, assim, o sistema em rede é uma
resposta viável para que, de forma colaborativa e criativa, vamos encontrando e adotando
soluções para os desafios emergentes[40].
Hetch refere as duas visões extremas sobre o presente e futuro desta sociedade. A mais
pessimista assevera a decadência das sociedades piramidais e a destruição da humanidade por
não termos sido hábeis no manuseamento da tecnologia. A outra, acredita no começo de uma
era de abundância e no sucesso das sociedades baseadas em rede. Hetch conclui ser
necessário parar de educar os alunos para a era industrial e começar a adotar uma mentalidade
assente na partilha de responsabilidade e de confiança no valor de cada um, sem competição
entre colegas, cursos, universidades, cidades ou países mas sim em participação colaborativa,
apostando no crescimento individual e das organizações para que este retorne soluções criativas
aos desafios globais e locais tornando o mundo um lugar melhor[40].
2.12 Práticas Sociais, Mentais e Emocionais
Em 2015, a revista Forbes publicou um artigo com as dez aptidões mais procuradas nos
graduados. Nos primeiros lugares estão as capacidades de trabalhar em equipa, de tomar
decisões e de resolver problemas, capacidade de comunicar verbalmente com pessoas de
dentro e de fora da empresa e de planear, organizar e priorizar trabalho. Apenas em sétimo lugar
é referido o conhecimento técnico relativo à profissão [41].
Várias vezes citadas ao longo deste capítulo, competências como liderança, criatividade,
auto-estima e capacidade de comunicação são características tidas como fundamentais para
praticar engenharia . Além disso, apesar de ser consensual a necessidade de desenvolver estas
aptidões nos estudantes, encontrar o método certo para o fazer não se afigura tarefa fácil.
Empresas como a Google, General Mills, Ford e a Goldman Sachs também se
questionaram sobre novas formas de aumentar a produtividade e criatividade dos seus
trabalhadores. Ao que parece, todos convergiram na solução: estimular práticas meditativas[42].
A pesquisa científica não para de crescer sobre os resultados da meditação, tornando-a um
método de inquestionável sucesso para atingir objetivos como a redução de stress e de reações
30
violentas, para aumentar a criatividade, subir os níveis de produtividade, foco e de empatia pelos
outros[43].
A Google desenvolveu um curso denominado “Search Inside Yourself”, onde o seu
criador, o engenheiro Chade-Meng Tan, tenta cultivar nos participantes a atenção no momento
presente. Na primeira aula do programa, Chade apresenta seis fatores que distinguem os
melhores dos piores engenheiros, são eles: objetivos elevados e forte motivação para os
alcançar, capacidade de influenciar, pensamento conceptual, pensamento analítico, iniciativa em
aceitar desafios e confiança em si próprio [44]. Quatro desses fatores são relacionados com
inteligência emocional e apenas dois se focam em pensamentos mais específicos de ambientes
técnicos e científicos, atenta Chade. O impulsionador deste curso com imensa procura entre
grandes empresas, alerta para a ausência de estímulos para o desenvolvimento destas áreas
mais humanas, tanto nas universidades como nas empresas, embora sejam essenciais para que
consigamos ser trabalhadores eficazes, lideres exemplares e pessoas felizes.
Fora do ambiente empresarial, também têm existido muitas vozes apoiantes da
meditação. John Kabat-Zin, Professor Emérito do MIT, defende práticas meditativas na educação
o mais cedo possível, de forma aos estudantes desenvolverem aptidões como empatia,
consciência e atenção, tudo fatores já referidos como fundamentais para a profissão de
engenharia. Kabat-zin sugere criar ambientes de aprendizagem que tragam calma, clareza e
regulação emocional, semeando qualidades positivas e pró-sociais nos estudantes, afirmando
que só assim é possível resolver problemas da profissão de forma efetiva [45].
Segundo o que Chade diz no curso da Google, é de extrema importância desenvolver a
inteligência emocional pois são as emoções que na maioria das vezes controlam as nossas
ações e não a mente racional, como usualmente se pensa. Por existir agora a possibilidade de
observar imagens do cérebro através de ressonância magnética, sabemos que os estímulos
sensoriais são , muitas vezes, primeiro processados por uma região do cérebro denominada
reptiliana – responsável por reações primitivas como a fuga ou o ataque – depois por uma
denominada límbica – relacionada com as emoções – e só depois chegam ao neocortex que é
onde se dão os pensamentos lógicos[46].
A evolução biológica do ser humano não acompanhou as mudanças sociais, ou seja,
uma questão difícil de Cálculo I num exame, não apresenta o mesmo perigo que um leão faminto
e solto à nossa frente. No entanto, o cérebro reage como se fosse uma ameaça e faz com que o
a região cerebral do neocortex não funcione como deveria, ativando emoções fortes como o
medo ou deixando-nos paralisados. Concluindo, inteligência emocional é uma ferramenta
fundamental em qualquer educação. Uma autoridade nesta área é o psicólogo e jornalista Daniel
Goleman que define inteligência emocional como autocontrole, zelo, persistência e capacidade
de nos motivarmos a nós mesmos. A prática frequente de meditação diminui o carácter reativo
do cérebro e possibilita-nos de fazer escolhas mais razoáveis e benéficas. No seu livro,
31
Inteligência Emocional, Goleman refere, um estudo preocupante, revelador de uma tendência
mundial da geração atual de crianças a ser mais deprimida, nervosa e agressiva do que a
anterior geração. Uma solução proposta por ele é revolucionar a educação para que esta
contemple práticas que promovam a autoconsciência, as artes de ouvir, a empatia e a
cooperação[46].
32
3 OPÇÕES METODOLÓGICAS
Para estabelecer uma ligação consequente entre epistemologia da engenharia e
inovação curricular, tomei como ponto de partida um modelo relacional recente da
multidimensionalidade da engenharia como profissão e área do saber[6]. Esse modelo, de
natureza histórica, sintetiza os seus resultados numa tipologia com quatro dimensões
epistemológicas que correspondem às grandes disciplinas que contribuíram para configurar a
engenharia e as suas práticas ao longo dos séculos.
Dado que o referido modelo, de natureza histórica, não foi construído com a intenção
explícita de sustentar inovações curriculares, procurei apurar se seria possível enriquecê-lo. Para
o efeito, analisei um conjunto de propostas internacionais recentes de reforma dos curricula de
engenharia. Os textos a que recorri encontram-se referidos no capítulo anterior. De entre esses
textos, dei particular relevância às propostas do modelo CDIO [8], pela aceitação global e
crescente que têm vindo a adquirir ao longo dos últimos quinze anos.
Do estudo dessa literatura, concluí haver conveniência em acrescentar uma quinta
dimensão ao modelo original. Por outro lado, dado que a representação gráfica usada para
exprimir esse modelo original não se prestava a uma visualização simples dos pesos das
diversas dimensões, nem proporcionava comparações fáceis entre sucessivas aplicações do
modelo, optei por recorrer a uma representação gráfica alternativa – os diagramas de radar.
Trata-se, com efeito, de diagramas que, não só se prestam a exprimir e comparar quantificações,
como podem ser construídos automaticamente recorrendo às funcionalidades do LibreOffice
Calc. Uma vantagem adicional é que, na eventualidade de, no futuro, se pretender acrescentar
novas dimensões ao modelo, bastará acrescentar mais eixos, para além dos cinco que aqui
proponho, e incumbir o LibreOffice Calc de os redesenhar.
Para além desta abordagem metodológica, centrada na análise e comparação das
componentes epistemológicas dos curricula, recorri também a um inquérito dirigido aos
graduados do MEEC. Os objetivos deste inquérito foram de duas naturezas. Por um lado,
pretendi promover uma iniciativa similar à que foi encabeçada pelo fundador do IST, Prof. Alfredo
Bensaude[28]. Por outro lado, pretendi enriquecer a recolha de sugestões curriculares obtidas a
partir da literatura internacional com recomendações para o melhoramento do curso vindas dos
alunos que o concluíram, alinhando assim com a recomendação, implícita no espírito de
Bolonha, de centralizar no aluno a experiência pedagógica.
Dada a impossibilidade que tive em obter informações rigorosas que me permitissem
atribuir pesos às diversas disciplinas do MEEC, as comparações entre opções curriculares que
33
conduzi com base nos diagramas de cinco dimensões epistemológicas, ou diagramas 5D, foram
de natureza unicamente qualitativa.
Entretanto, no inquérito que conduzi junto dos ex-alunos do curso apenas obtive catorze
respostas. Assim, e tal como fez o Professor Bensaude, limitei-me também a fazer uma
apreciação qualitativa das respostas, reproduzindo para a tese as que coincidiam ou reforçavam
as recomendações das fontes que citei.
Ficou, assim, liminarmente excluído qualquer tratamento estatístico dos
resultados, que, para se justificar do ponto de vista científico, obrigaria a amostras muito mais
volumosas. Cabe recordar que uma das grandes vantagens atribuídas aos estudos qualitativos é
a de permitir fazer ressaltar “outliers” relativamente a padrões estabelecidos. Nesse aspeto, tanto
o recurso aos diagramas 5D como ao inquérito conduziram à identificação de padrões que
divergem claramente da prática tradicional do MEEC, precisamente o que era procurado nesta
tese.
34
4 COMPARAÇÕES CURRICULARES
O palco de ação dos graduados já não se fecha em fronteiras nacionais, e a fluência de
estudantes e trabalhadores de engenharia, entre os diversos territórios, estimula à coerência da
educação a nível global. Além disso, como se pode ver na Revisão de Literatura, as mudanças
tecnológicas e sociais são por demais evidentes. Contudo, a educação superior de engenharia
está com algumas dificuldades em acompanhar essa evolução, e as lacunas de competências
em certas áreas como a criatividade, a comunicação e a colaboração entre jovens engenheiros,
tornam oportuna uma comparação de currículos entre diferentes cursos e propostas, para se
poder refletir sobre ajustes adequados.
A análise comparativa tem como referencial um novo modelo, denominado 5D por
usufruir de cinco dimensões, e será feita em relação à proposta do CDIO, do curso de MEEC e
das oito propostas de Albert Kamp.
4.1 Modelo 5D
O quadro epistemológico inspirador[8] divide-se em quatro diferentes dimensões:
Prática, Ciências, Projeto e Competências Humanas, permanecendo as três primeiras
inalteradas no modelo 5D.
A interdependência da prática de engenharia com as diversas vertentes sociais e
humanas faz desta uma profissão intrinsecamente conectada com as dimensões humanas da
sociedade. Da síntese da literatura apresentada no capítulo dois, é percetível a importância
dada, pelos diferentes autores a competências como as da ética, cultura geral e consciência
ambiental, para que os graduados em engenharia sejam profissionais conscientes, completos e
de qualidade.
Também citado no segundo capítulo, instituições como Harvard, Stanford e o MIT já
efetuam reformulações estruturais da educação, tornando primordial considerar os estudantes
como agentes criativos e responsáveis pela sua educação, ao invés da passividade a que eram
submetidos.
Sendo assim, considerei essencial um modelo de comparação curricular referenciador
destas características.
A componente de Competências Humanas do modelo de Figueiredo abarca as
competências de comunicação, gestão e negócio. Trabalhar em equipa, fluência em diferentes
35
línguas e capacidade de boa comunicação, seja ela escrita, digital, ou verbal, além dos
conhecimentos das áreas de negócio e de gestão, são fatores fundamentais no âmbito da gestão
e do empreendedorismo. Por isso, no novo modelo, renomeei este quadrante por Gestão e
Empreendedorismo.
O novo eixo presente no modelo 5D será responsável pela comparação curricular na
área das competências cívicas e culturais, isto é, ética, cultura geral, consciência ambiental,
cidadania responsável e pró-ativa e educação individual e alheia. Devido ao âmbito destas
competências o nome do referencial é Competências Humanas.
A prevalência da educação teórica em engenharia abafa a componente da Prática,
idealmente compensada por estágios profissionais. Todavia, considero que também pertencem a
este eixo os projetos letivos cujo objetivo seja preparar os alunos para o ambiente de trabalho,
simulando casos e contextos da vida real.
Assim, o modelo 5D divide-se em Prática, Ciências, Projeto, Gestão e
Empreendedorismo e Competências Humanas.
Gestão e
Empreendedorismo
Competências
HumanasPrática Projeto Ciências
Aptidão para
trabalhar em equipa
Comportamento
éticoSentido prático
Pensamento
sistémico e
holístico
Pensamento
analítico
Fluência em Línguas
Estrangeiras
Cultura geral e
diversificada
Resiliência e
perfecionismo
Consciência do
contexto social,
económico e
cultural
Raciocínio lógico
e abstrato
Boa comunicação
(verbal, escrita e
digital)
Consciência
ambiental e
compromisso de
servir a
humanidade
Capacidade de
improvisar e de
lidar com a
ambiguidade
Adaptabilidade a
valores incertos,
modelos não
ideais e
conhecimentos
inacabados
Métodos
rigorosos na
resolução de
problemas
Intuição e inovação
Cidadania
responsável e
pró-ativa
Comportamento
profissional
Criatividade e
sentido crítico
Gosto pela
investigação
Capacidade de
liderança
Comprometimento
com a educação
individual e alheia
Boa
comunicação
com clientes e
colaboradores
Sentido sistémico
em engenharia
Conhecimentos
técnicos e
teóricos de
engenharia
Tabela 1: Descrição dos eixos do Modelo 5D
36
4.2 CDIO Syllabus
Segundo os autores estudados no capítulo dois, a estruturação da educação em
engenharia é uma tarefa cada vez mais complexa, tanto a nível de conteúdos como de
abordagens pedagógicas[8].
A aposta do modelo CDIO é a de criar orientações específicas para os currículos de
engenharia de forma a preparar os alunos para conceber, projetar, implementar e operar
sistemas complexos de engenharia num ambiente baseado em equipa.
Uma das preocupações dos autores foi a de aprofundar cada um dos quatro objetivos
principais, já explicitados no capítulo dois, em detalhados resultados de aprendizagem. Só assim
o modelo seria uma guia eficaz para a elaboração de planos curriculares.
Em resposta a este propósito, os resultados de aprendizagem considerados necessários
estão pormenorizados no apêndice A do Syllabus v2.0, em que cada subtópico se divide em
vários de maior precisão, e no apêndice B do mesmo documento, com ainda maior grau de
descrição. No contexto de dissertação de mestrado, considerei o apêndice A fornecedor de
informação suficiente para a comparação com o modelo 5D.
A cada um dos tópicos de menor detalhe do apêndice A, fiz corresponder uma ou mais
dimensões do modelo 5D. Por exemplo, o ponto 2.3.1 refere o pensamento holístico,
característica desenvolvida em áreas de Projeto, devido à transdisciplinaridade presente nestes
ambientes, e nas áreas de Competências Humanas, por ser necessário entender contextos
sociais e culturais. Por isso, contabilizei este tópico nos dois eixos.
O primeiro conjunto de objetivos referido no CDIO, denominado conhecimentos
disciplinares e raciocínio, fica enquadrado no referencial das Ciências do modelo 5D. Este
quadrante está sub-representado por não existirem deficiências a este nível nos modelos
tradicionais, além de os objetivos disciplinares também divergirem consoante o curso de
engenharia. Todavia, realizei uma segunda simulação, com um valor arbitrário de subtópicos
para esse primeiro ponto, de forma a observar um diagrama ilustrador de um currículo completo
nos cinco eixos, segundo a visão CDIO.
Após percorrer todas as alíneas do apêndice A e marcar os campos correspondentes
obtive as seguintes tabelas e diagramas de radar:
37
Ciências Prática ProjetoGestão e
Empreendedorismo
Competências
Humanas
CDIO 17 19 40 56 31
Tabela 2: Número de tópicos CDIO sem compensação ciências
No Gráfico 1 é notória a preponderância da dimensão de Gestão e Empreendedorismo
no modelo do CDIO, conclusão que se pode prever ao ler o Syllabus v2.0 visto que
características como liderança, espírito empreendedor, facilidade na comunicação e domínio dos
contextos de negócio são frequentemente citadas nos tópicos do CDIO. Além disso, nesta
versão mais recente, os autores aumentaram o Syllabus com uma extensão inteiramente
dedicada às competências de Liderança e Empreendedorismo.
Na componente das Competências Humanas, além de existirem vários tópicos
exclusivamente direcionados para a ética e educação, é frequente encontrar nas descrições de
algumas alíneas descrição essa presente no apêndice B do documento em questão referências
ao desenvolvimento cultural e social, cuidados ambientais, empatia e vontade de colaborar com
os demais. Umas das preocupações no processo de evolução do documento foi a inclusão de
tópicos sobre o ambiente e a consciência para a sustentabilidade.
38
Diagrama de Radar 1: Modelo epistemológico de CDIO sem compensação das Ciências
Ciências
Prática
Projeto Gestão e Emprendedorismo
Competências Humanas
0
30
60
CDIO
Comportamento profissional e compreensão das necessidades dos clientes são
exemplos de aprendizagens dificilmente assimiladas dentro da sala de aula. Proporcionam-se
antes em ambientes de estágio ou em projetos com empresas. Por isso estas referências
pertencem ao campo da Prática.
Como já explicado anteriormente, o tópico relacionado com as Ciências não está
detalhado no Syllaibus v2.0. Contudo, competências no âmbito da investigação e
experimentação, tais como formulação e teste de hipóteses e de raciocínio analítico e resolução
de problemas são ferramentas de natureza científica, contabilizadas neste eixo.
Por último, na vertente de Projeto inseri todas os saberes ligados às diferentes etapas do
desenvolvimento de um projeto, como o pensamento sistémico, crítico e criativo e a arquitetura e
conceção de um sistema de engenharia.
A comparação da proposta CDIO com o modelo 5D clarifica a grande importância da
área da Gestão e do Empreendedorismo como resposta às maiores críticas citadas na proposta,
referentes à inabilidade dos graduados em engenharia em matéria de comunicação e relação
com o mundo dos negócios.
Além disso, a comparação também explicita a necessidade dos currículos de
engenharia contemplarem objetivos relacionados com as áreas das Competências Humanas e
de Projeto. A dimensão da Prática exige aos alunos treino em ambientes profissionais, que na
sua maioria apenas se encontram em estágios, dificultando a educação desta área.
4.2.1 Com Compensações das Ciências
Para simular um diagrama de radar ilustrador de um currículo completo, na ótica CDIO,
acrescentei trinta tópicos ao primeiro tópico, Conhecimento Disciplinar e Raciocínio, de forma a o
diagrama representar a componente das Ciências. Este valor é arbitrário.
Ciências Prática Projeto Gestão e
Empreendedorismo
Competências
Humanas
CDIO 47 19 40 56 31
Tabela 3: Número de tópicos CDIO no Modelo 5D c/ compensação das ciências
39
A análise deste diagrama de radar mostra a relevância primordial das dimensões das
Ciências e da Gestão e Empreendedorismo no modelo CDIO. De seguida vem a componente de
Projeto e das Competências Humanas. Por último, a Prática, como já referido, é um quadrante
dificilmente abordado em sala de aula, que exige integração dos alunos em ambiente
profissional.
4.3 TU Delft
Se o contacto com uma engenheira experiente suscita mais interesse pela profissão,
fazer o mesmo com uma universidade como a Universidade de Tecnologia de Delft fornece
igualmente perspetivas inspiradoras e pertinentes quanto ao rumo da educação em engenharia.
No capítulo dois, segundo as ideias de Albert Kamp, fica clara a posição da TU Delft,
alinhada com a mudança de paradigma da educação debatida neste trabalho. A aprendizagem
centrada nos alunos é a peça chave para o desenvolvimento da cultura, criatividade, liderança,
ética e abordagens colaborativas, que são, hoje em dia, características tão fundamentais como a
técnica e o conhecimento científico. Contudo, é apenas sobre estas duas que se ocupam a
maioria dos currículos de engenharia, desguarnecendo os outros saberes e competências.
Com o fim de equilibrar a formação existente com a necessária para responder aos
novos desafios da sociedade e do mercado de trabalho, Kamp, nas oito questões referidas no
capítulo dois, descreve os resultados de aprendizagem que se devem esperar dos planos
40
Diagrama de Radar 2: Modelo epistemológico de CDIO com compensação das Ciências
Ciências
Prática
Projeto Gestão e Emprendedorismo
Competências Humanas
0
30
60
curriculares. Assim, o diagrama resultante das comparações entre estes oito pontos e o modelo
5D representa uma correção aos currículos e não o quadro epistemológico completo, onde
supostamente o eixo das Ciências não seria desvalorizado mas sim equiparado aos outros
campos.
Ciências Prática Projeto Gestão e
Empreendedorismo
Competências
Humanas
TU Delft 2 4 4 4 5
Tabela 4: Contabilização dos tópicos do documento de Kamp no Modelo 5D
No eixo das Ciências é contabilizado o rigor na engenharia, ponto referente da análise
metódica e dos conhecimentos técnicos que permanecem um pilar da engenharia.
O pensamento crítico e a resolução de problemas não estruturados é um fator
fundamental para as competências relacionadas com a Prática e com o Projeto. Neste aspeto,
Kamp faz alusão ao mundo cada vez mais automatizado onde é importante estimular os alunos a
lidarem com problemas autênticos, onde reina a incerteza e são necessárias visões ousadas.
A complexidade dos projetos de engenharia da atualidade enriquecem a variedade de
disciplinas inerentes, sendo assim essencial a formação de engenheiros capazes de entenderem
e articularem não só os conteúdos técnicos mas também os diferentes contextos humanos,
sociais, políticos, económicos onde se insere o seu trabalho. Desta forma, a interdisciplinaridade
41
Diagrama de Radar 3: Modelo epistemológico do documento de TU Delft
Ciências
Prática
Projeto Gestão e Empreendedorismo
Competências Humanas
0
5
TU Delft
e o pensamento sistémico embora seja uma característica mais presente na dimensão de projeto
é essencial a todos os eixos do modelo 5D.
O ponto seguinte, imaginação, criatividade e iniciativa, é contabilizado na dimensão de
Projeto, devido à alusão ao pensamento holístico, na de Competências Humanas por referir a
importância das relações e da empatia, e na de Gestão e Empreendedorismo pela componente
da imaginação.
A comunicação e colaboração são competências desenvolvidas nas áreas de Gestão e
Empreendedorismo e na de Competências Humanas. Kamp frisa os diferentes meios de
comunicação além dos diferentes tipos de audiências presentes no mundo da engenharia.
Também refere a relação da engenharia com as políticas publicas, daí a importância da ética e
dos assuntos sociais.
Desenvolver empatia e capacidade de comunicação com as diferentes culturas,
familiarizar-se com os métodos e as diferentes abordagens dos outros países, são fatores que
não podem ser desprezados por engenheiros deste século. A diversidade e a mobilidade dizem
assim respeito ao eixo das Competências Humanas.
Para uma cultura de estudo ambiciosa, a proposta das universidades deve contemplar
ambientes propícios ao desenvolvimento de ideias criativas, contextualizando as matérias com
os assuntos atuais, como as pressões ambientais e a responsabilidade social. Formas de o fazer
vão desde estágios a projetos de problemas autênticos. Por tudo isto, este tópico pertence às
dimensões de Projeto, Prática, Competências Humanas e Gestão e Empreendedorismo.
Por último, a empregabilidade e a aprendizagem ao longo da vida são aspetos que
exigem uma motivação própria dos alunos para que se formem profissionais ativos. A melhor
forma de os promover é através de estágios profissionais, logo este ponto encaixa no âmbito da
Prática.
Como é de fácil observação, as propostas de TU Delft centram-se nas questões das
Competências Humanas, por considerarem a aposta nestas características o meio mais indicado
para formar uma nova geração de engenheiros à altura dos desafios atuais. Seguido dos outros
três eixos, Gestão e Empreendedorismo, Prática e Projeto, com igual forte representação no
texto de Kamp. Concluo que o propósito desta universidade é efetivamente trazer aos cursos de
engenharia aspetos menos reducionistas e analíticos e maior capacidade de síntese,
colaboração, comunicação e motivação.
42
4.4 Instituto Superior Técnico
Desde a sua fundação, em 1911, o Instituto Superior Técnico pretende formar
engenheiros capazes, não só de solucionarem desafios, mas também de enriquecerem as
sociedades nacionais e internacionais, com uma educação equilibrada entre conhecimentos
teóricos e técnicos e num ambiente favorável ao desenvolvimento de uma personalidade forte
[47].
O progresso do conhecimento, visto como ferramenta fundamental para o
desenvolvimento da sociedade, é alcançado pela comunidade académica do IST pela sua
inserção num contexto de Investigação, Desenvolvimento e Inovação. Uma das principais
estratégias do Instituto é a liderança nos campos de pesquisa, apostando assim em estruturas
necessárias para abarcar projetos inovadores e de larga escala [47] .
Além das componentes de ciência e de tecnologia, são também oferecidos aos alunos
alguns conteúdos de empreendedorismo. Reforçar ligações com a indústria e com empresas,
provocar o espírito empreendedor e apostar em estratégias para aumentar a visibilidade externa
do IST, são mecanismos para promover o impacto global do Instituto nas áreas da economia,
tecnologia, cultura e sociedade [47].
Posicionar o IST entre as melhores escolas da Europa faz parte da Visão do Instituto.
Para tal, pretende atrair e nutrir talentos que irão trabalhar a nível global e com diferentes
culturas desenvolvendo um ambiente de aprendizagem global munido de espaços físicos
estimulantes ao estudo, de diversas áreas e de métodos e plataformas digitais[47] [29].
Embora estes sejam os propósitos declarados pelo IST, irá notar-se de seguida, alguma
desfasagem entre este suposto e a realidade do curso de MEEC, onde os estímulos estão
fortemente centrados nas dimensões teóricas e de raciocínio lógico, ou seja nos campos de
pesquisa, enquanto os outros objetivos são menosprezados.
4.4.1 MEEC
O Mestrado Integrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores formata-se em
dois ciclos. O primeiro, de três anos, responsável por preparar os alunos no âmbito da física,
química, matemática e ciências da engenharia, é a formação científica de base para os alunos
acompanharem os conhecimentos tecnológicos mais específicos que se seguem no ciclo
seguinte. No segundo ciclo, formam-se especialistas capazes de intervir e criar riquezas nas
sub-áreas da Engenharia Eletrotécnica e de Computadores[48].
Ao longo do curso, os alunos vão obtendo competências para a conceção de produtos e
serviços que usem a Eletricidade e outras formas de Energia, passando pelo domínio da
Eletrónica e das Tecnologias de Informação. Nisto estão incluídos todos os mecanismos relativos
43
à análise, especificação, projeto, industrialização, comercialização e utilização dos produtos e
serviços[48].
Na página de descrição do curso de MEEC está explicita a necessidade de incluir outros
saberes na formação em engenharia para que se formem pessoas inovadoras e agentes de
progresso social. O MEEC assume-se como um curso que pretende envolver os estudantes em
contextos fomentadores de espírito crítico, criativo e empreendedor. Mais uma vez, será aqui
demonstrado como o plano curricular falha nestes propósitos.
É ainda referida como competência fundamental, num mundo competitivo como o de
hoje, a capacidade de criar modelos de gestão orientados para aumentar a produtividade dos
sistemas. Assim, o currículo de MEEC abrange conhecimentos a este nível, com o intuito de
capacitar os alunos a intervirem como gestores de engenharia.
Outro objetivo do curso é a formação académica vocacionada para a investigação
científica, continuando a originar prestigiados professores universitários que atuam no plano
nacional e internacional.
4.4.2 Comparações Curriculares
Com a descrição acima realizada dos objetivos do IST e de MEEC, é de esperar um
diagrama de radar com forte presença da componente de Ciências, visto que são valorizadas as
áreas de pesquisa e de investigação, bem como o método de análise.
São também várias vezes referidos objetivos da área de Projeto e de Gestão e
Empreendedorismo, tanto para a conceção de produtos e serviços de engenharia como para a
sua inovação e gestão.
A relação com empresas e indústrias é outro ponto assumido pelo IST como fundamental
para o impacto global da instituição, o que seria representado pelo eixo da Prática.
A capacidade para trabalhar com diferentes culturas, o sentido de responsabilidade
social, e a aprendizagem ao longo da vida, apesar de estarem entre os principais objetivos da
Missão do IST, não são fatores muito explorados. Assim sendo, é de prever fraca representação
do quadrante de Competências Humanas no currículo de MEEC.
Como descrito acima, o 1º ciclo de estudos de MEEC é reservado a uma formação
científica. Portanto, a orientação epistemológica do curso terá maior visibilidade na estrutura do
plano curricular disponível no 2º ciclo.
Na conclusão do 1ºciclo os alunos podem escolher, consoante a sua preferência,
disciplinas que irão definir a Área de Especialização Principal e Secundária dos seus currículos,
somando no final nove disciplinas da primeira e três da segunda. Além disto, são obrigatórias
duas disciplinas do grupo de Competências Transversais e uma de Formação Livre.
44
Para uma avaliação fidedigna dos campos epistemológicos de cada UC (Unidade
Curricular), a comparação é feita apenas sobre as disciplinas que frequentei e concluí. Esta
amostra é suficiente pois, apesar de residuais diferenças, o currículo do 2º ciclo de MEEC está
planeado de forma a que estudantes das diferentes áreas de especialização se formem com a
mesma identidade epistemológica característica do próprio curso e do IST.
A legenda da tabela é intuitiva: C para Ciências, Pra para Prática, Pro para o eixo de
Projeto, GE para Gestão e Empreendedorismo e CH para Competências Humanas.
Depois de analisar cada UC e de as contabilizar no respetivo eixo do Modelo 5D obtive
os seguintes resultados:
Ciências Prática Projeto Gestão e
Empreendedorismo
Competências
Humanas
MEEC 10 3 7 3 0
Tabela 6: Contabilização das UC de MEEC segundo o Modelo 5D
45
Tabela 5: Unidades Curriculares concluídas por mim
Compressão e Codificação de Dados CCD CRedes de Telecomunicações RT CSistemas de Telecomunicações Via Rádio STVR C, Pro, PraRedes e Serviços Internet RSI C, Pro, PraControlo em Espaço de Estados CEE C, ProModelação e Controlo de Sistemas de Manufactura MCSM C, GEModelação e Identificação de Controlo Digital MICD C, ProGestão e Projeto de Engenharia GPE GE, ProEmpreendedorismo, Inovação e Transferência de Tecnologia EITT GE, ProSistemas de Telecomunicações por Fibra Ótica STFO C, Pro, PraFotónica FOTONICA CTransmissão Digital TD C
Como previsto, o currículo centra-se na dimensão de Ciências, seguido pelo eixo de
Projeto. Seria de esperar mais representação das vertentes da Prática e de Gestão e
Empreendedorismo, visto que são considerados objetivos curriculares de MEEC. Nas amostras
não existe qualquer disciplina que entre para o eixo de Competências Humanas, o que vai ao
encontro do esperado.
Fora GPE e EITT, cujo programa é restrito ao âmbito da Gestão e Empreendedorismo,
todas as outras disciplinas pertencem ao eixo de Ciências. Assumo uma UC como pertencente à
dimensão das Ciências quando os respetivos métodos pedagógicos se apoiam em aulas
expositivas de temas científicos e avaliações escritas e os problemas e trabalhos propostos são,
nestes casos, de índole analítica e explicativa, que acontece de modo exclusivo nas UC de TD,
RT, CCD e Fotónica.
Já outros trabalhos sugerem o desenvolvimento de competências de estratégia e
síntese, normalmente em projetos decorrentes ao longo do semestre onde os alunos devem
recorrer a um pensamento, não apenas analítico mas também sistémico, devido à complexidade
e variedade de fatores envolvidos nesses trabalhos. É o caso das disciplinas de MICD e RSI, por
exemplo, que, para além da componente de Ciências, contêm também a de Projeto.
As disciplinas de STFO, STVR e RSI são as responsáveis pela representação no eixo da
Prática, devido ao tipo de projeto que propõem. Quando os projetos se aproximam de
problemas autênticos da sociedade ou de uma empresa, incrementam-se certos requisitos a
46
Diagrama de Radar 4: Modelo epistemológico do segundo ciclo de MEEC
Ciências
Prática
Projeto Gestão e Emprendedorismo
Competências Humanas
0
5
10
MEEC
serem respeitados, tais como o orçamento dos recursos, a perspetiva do utilizador e a segurança
pública, fatores diferenciadores de trabalhos estritamente académicos.
4.5 Alfredo Bensaude
O propósito de criar uma instituição demarcada pela sua excelência teve como primeiro
responsável o fundador do IST, o engenheiro que revolucionou a educação tecnológica do país
da época, Alfredo Bensaude [1856, 1941]. Tal como hoje, em 1911 também se sentia a
necessidade de um ensino mais adaptado às necessidade do meio social e do mercado de
trabalho. Por esta razão e pelo seu enorme contributo para o ensino de engenharia em Portugal,
é pertinente estudar algumas das direções pedagógicas que o Professor Bensaude escreveu
enquanto lecionava no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa- instituição que mais tarde deu
lugar ao Instituto Superior do Comércio e ao Instituto Superior Técnico- e mais tarde como
fundador e diretor do Instituto Superior Técnico[49].
Alfredo Bensaude, de raízes açorianas, formou-se em engenharia na Escola de Minas de
Clausthal, Alemanha, tendo concluído o doutoramento também nessa Universidade em 1881.
Logo em 1884, depois de passar no concurso para ocupar o lugar de professor
catedrático do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, prontamente apontou várias deficiências
nos métodos de ensino, tendo em 1892 desenvolvido o Projeto de Reforma do Ensino
Tecnológico [50] onde denunciava maus métodos pedagógicos, degradação das instalações e
desaconselhável localização do instituto, que era em Conde Barão, um bairro de tabernas e
prostituição.
O Projeto reformista foi rejeitado na maioria das propostas com a justificativa de que
entrava em desacordo com a opinião geral e com a tradição da escola. Contudo, a necessidade
de investir no desenvolvimento do ensino com o objetivo de impulsionar o país a sair das crises
financeiras, económicas e sociais da época era óbvia para Bensaude.
Estas não são a únicas semelhanças com a atualidade que se encontram ao ler o
Projeto de Reforma do Ensino Tecnológico. O autor refere como graves problemas a dificuldade
de avaliar professores e a estagnação de honorários, não diferenciando os educadores
esforçados e dedicados daqueles que ensinam sem esmero[50] .
Como solução sugere métodos usados nas universidades alemãs, onde os cursos
seriam livres, ou seja sem presenças obrigatórias e com certa flexibilidade de currículo. A forma
de apurar o desempenho do professor ou professora seria atentar à procura das aulas: caso
tenha poucas pessoas assistindo às suas classes significa que este docente repete e mastiga a
lição enfadonha devendo por isso melhorar o seu método de ensino. Quanto mais procurada
fosse a aula de determinado docente, maior seria o seu ordenado e a sua reputação[50] .
47
Foi com Bensaude, ou Bem-saude, como por vezes assinava, que se deu início ao
ensino prático das engenharias em Portugal. Segundo ele, já não era suficiente o ensino verbal
apoiado no estilo jesuíta e era tempo de praticar a aplicação técnica. Por isso apontava a criação
de laboratórios e oficinas para possibilitar melhorar os seus conhecimentos técnicos. A extensão
dos programas e o excesso de matéria retida por memória pela falta de instrução prática formava
mais enciclopédias de baixa categoria do que profissionais. Quanto às táticas educativas,
Bensaude alertava que o medo nunca foi elemento pedagógico de préstimo [51].
Relembrar que a revolução industrial tinha acontecido há menos de 50 anos, o que faz o
autor escrever: “nas escolas técnicas a aplicação das ciências é o único fim importante”[51].
Entretanto, já outras revoluções tomaram lugar, sendo mais marcantes a revolução da
informática e da micro-eletrónica, que mudaram drasticamente a vida das pessoas. As
preocupações nacionais e mundiais também já não se restringem a formar industriais e
comerciais mas sim engenheiros multifacetados, com grande conhecimento técnico, claro, mas
também com atitudes criativas e inovadoras, bem como empáticas e conscientes das
responsabilidades sociais, éticas e ambientais.
Contudo, no que toca à educação, as atualizações feitas para acompanhar as grandes
mudanças deste último século reduziram-se à adição de algumas disciplinas, continuando como
base o sistema de ensino impulsionado por Alfredo Bensaude há 100 anos, onde se destacam
fortemente as ciências e a sua aplicação prática.
No ano seguinte à Implantação da República Portuguesa, Alfredo Bensaude dirigiu o
Instituto Comercial e Industrial nos seus últimos meses de existência, dando depois lugar ao
Instituto Superior Técnico e ao Instituto Superior do Comércio[49].
Neste curto período de tempo enviou a 100 antigos alunos do Instituto um questionário
elaborado pelo próprio para inquirir quais as disciplinas de maior utilidade e quais as menos
pertinentes, quais as que deviam ter a componente prática mais desenvolvida para melhor
cumprir a profissão respetiva e quais as deficiências do curso em geral[9].
Apenas 33 responderam, mas as respostas foram unânimes, o ensino não era
satisfatório. Os alunos entravam no mercado de trabalho apenas com conhecimentos superficiais
e mal preparados tecnicamente. Este método usado pelo Professor Bensaude para apurar as
opiniões dos alunos foi replicado no âmbito deste trabalho e os seus resultados são
apresentados no capítulo Questionário.
A convite do Ministro Manuel Brito Camacho[1862,1934], para reorganizar o ensino
industrial, Alfredo Bensaude escreve então As Últimas Reformas, o que viria a ser o relatório
preparatório para a criação do IST[49] .
Aqui expressa a sua preocupação em relação à má formação académica com que os
alunos entram no Instituto, originando turmas com números elevados de alunos desmoralizados,
o que leva a uma diminuição de energia e da qualidade de ensino dos professores [52].
48
Propõe que as escolas preparatórias elevem a sua exigência ou que o Instituto realize
exames de admissão tanto de aritmética como de Português e Francês, pois ao ler as respostas
aos questionários constatou que a maioria dos ex-alunos não sabem escrever adequadamente
ao respetivo grau de ensino superior[52].
A introdução de espaços para desportos, aprendizagens culturais e momentos de lazer,
propícios ao desenvolvimento de relações de intimidade entre o membros da comunidade
académica, fator essencial para as suas carreiras profissionais, e assim estimular também nos
alunos personalidades saudáveis e fortes, é outra proposta de Bensaude nesse documento.
Consciente da facilidade de apontar erros relativamente a corrigí-los, Bensaude afirma a
importância de formular os problemas para então, gradualmente e atentando aos resultados da
experiência, se ir efetuando a mudança desejada. Mudança essa que, segundo o fundador do
IST, tendo em conta as necessidades do meio e os exemplos dos países bem sucedidos, deve
romper de vez com todos os velhos processos de ensino e banir por completo a influência do
que há de arcaico no espírito académico[50] [31].
Apesar das semelhanças encontradas com o estado da educação de hoje no IST, como
a desmotivação dos professores e alunos, a falta de pedagogia nas aulas, e o desajuste dos
métodos da instituição com a realidade do mercado de trabalho, as críticas ao ensino do
Professor Alfredo Bensaude enquadram-se num contexto histórico tão diferente do de hoje que
seria ineficaz analisar detalhadamente as suas propostas com o modelo 5D.
A incompatibilidade mais óbvia talvez seja a inexistência da procura por qualidades de
gestor e empreendedor nos engenheiros da época, era apenas necessário formar técnicos de
nível superior, com fundamentados conhecimentos práticos, de forma a responder às demandas
da revolução industrial. Assim, a dimensão das Ciências e da Prática está claramente citada
enquanto o eixo de Gestão e Empreendedorismo e até mesmo o de Projeto não tem qualquer
representação.
Quando é referida a relevância dos relacionamentos entre alunos, dos desportos e da
cultura fica também explicita a presença do domínio das Competências Humanas nas propostas
pedagógicas de Bensaude.
4.6 Universidade Federal de Santa Catarina
Não poderia deixar de mencionar a universidade onde encontrei várias opções, desde
disciplinas a núcleos de pesquisa, relacionadas com o tema deste trabalho, promotoras de uma
visão amplificada acerca da engenharia e da sua relação com o mundo.
No momento de escolher o destino para o meu programa de intercâmbio, já pretendia
realizar a Dissertação de Mestrado sobre os aspetos a melhorar na educação em engenharia.
49
Depois de alguma procura, encontrei o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
Tecnológica (NEPET) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este núcleo tem como
proposta a reflexão crítica dos problemas contemporâneos da sociedade associados à educação
e à tecnologia, estimulando a leitura e o debate de diversos livros, artigos e vídeos, focando
aspetos sociais, económicos, políticos, tecnológicos, antropológicos e educacionais [53].
A partir desta descoberta, estabeleci contato com o Professor Walter Bazzo e o
Professor Luiz Teixeira terminando por frequentar a disciplina dirigida por este último
denominada Teoria do Conhecimento para Engenharia dos Materiais. Esta especificação à
engenharia de materiais em nada restringe o conteúdo da UC, cujo propósito é a provocação de
reflexões sobre o conhecimento partilhado por todas as engenharias.
Foi aqui que desenvolvi maior familiarização com o conceito de epistemologia e entendi
a importância de trazer para a consciência os mecanismos usados no que toca à construção do
saber. Ao longo do semestre foram debatidos vários assuntos, como as definições de ciência e
de tecnologia, cuja discussão se torna interessante pelas diferentes perspetivas dos alunos,
discutiram-se também as distintas formas de construção do conhecimento, entre elas o
idealismo, o realismo e o construtivismo, e as aulas mais animadas foram os debates sobre
assuntos curiosos e polémicos da ciência como a defesa do heliocentrismo por Galileu e as
manipulações genéticas. Tudo isto resultou na reflexão de temas sérios mas de modo divertido
e interessante, estimulante de um sentido crítico, curioso, ético e empático provocando
igualmente o desenvolvimento de capacidades argumentativas.
O curso de Engenharia Elétrica da UFSC também visa no seu currículo disciplinas com
propósitos semelhantes, e de cariz obrigatório, como é o caso de Ciência, Tecnologia e
Sociedade e Seminários de Engenharia Elétrica, onde neste último os alunos são convidados a
apresentarem e discutirem tópicos atuais de engenharia. Além destas, são igualmente
obrigatórias as UC de Legislação e Ética em Engenharia Elétrica e Aspetos de Segurança em
Engenharia Elétrica. Todas lecionadas no terceiro e no quarto ano do curso.
Tal como acontece no IST, na UFSC existem disciplinas com um modelo mais teórico e
outras onde a aplicação dos conhecimentos é requerida para a montagem e simulação de
exercícios relacionados. Fora os trabalhos de cada disciplina, a UFSC impõe a conclusão de
três projetos, dois deles de nível iniciado e de áreas distintas e outro de nível avançado de
qualquer área. As opções são: Área Básica ou Multidisciplinar, Sistemas de Energia, Eletrónica
de Potência, Acionamentos Elétricos, Eletrónica, Telecomunicações, Controlo e Processamento
de Sinais e Gestão Empresarial[54].
Uma característica interessante dos cursos de engenharia da UFSC é a obrigatoriedade
dos alunos cumprirem, pelo menos, 360 horas de estágio profissional e de preferência após o
terceiro ano, o que pode ser feito como um Estágio Longo, numa única etapa, ou então em
Estágios Curtos, de 180 horas cada um[54].
50
Por não dispor de conhecimento suficiente do currículo e dos métodos pedagógicos em
Engenharia Elétrica da UFSC não recorri ao diagrama de radar para a comparação. Todavia, a
análise feita aponta para uma presença notória do campo da Prática e de Projeto, devido aos
estágios e projetos obrigatórios e alguma representação das Competências Humanas pelos
assuntos abordados nas disciplinas referidas acima. Fica claro, ao observar o currículo do curso,
que da mesma forma que acontece em MEEC, o eixo das Ciências é o mais acentuado. O
campo com menor representação é o de Gestão e Empreendedorismo, pois, exceto a
possibilidade dos alunos escolherem a área de Gestão Empresarial nos projetos obrigatórios,
não existe nenhuma disciplina contempladora deste tema.
51
5 QUESTIONÁRIO
Em 1911, Alfredo Bensaude realizou um questionário aos antigos estudantes do Instituto
Industrial e Comercial com o objetivo de reformar o ensino superior de engenharia. Nele foram
colocadas questões sobre a utilidade prática de certas disciplinas e as deficiências do curso[9].
Seguindo este exemplo, enviei a quarenta e cinco antigos alunos de MEEC, com o curso
concluído e já empregados, um inquérito apurador das suas opiniões quanto ao ensino no IST.
Apesar do número não ser elevado — obtive apenas quatorze respostas — é relevante registar
as sugestões destes alunos, que na sua maioria são concordantes, de forma a dar voz aos
constituintes mais importantes da educação, os estudantes.
No questionário foram colocadas as seguintes questões:
• Que alterações deveriam ser introduzidas no formato do curso?
Nas respostas a esta questão, bem como em todas as outras, está presente um pedido
explicito de um curso com mais oferta de componente prática. Projetos com ligação a empresas,
estágios no final de curso e os dois últimos anos vocacionados para projetos práticos são
algumas das sugestões.
A forte inclinação do curso para a investigação é referida como uma séria desvantagem
para a maioria dos alunos, que não pretendem seguir esta área profissional. Permitir uma maior
liberdade para a escolha das disciplinas, de forma a que cada estudante defina o seu percurso
académico consoante as suas preferências pessoais, ao invés da atual rigidez dos currículos, é
outra alteração apontada por vários antigos alunos.
Uma carga de trabalho mais distribuída pelo curso e um sistema separado de
Licenciatura e Mestrado são soluções também referidas.
• Que alterações deveriam ser introduzidas no modelo pedagógico?
Também aqui é encontrado consenso quanto ao desnível entre a educação teórica e
prática. Quem respondeu pede mais aulas práticas, maior conexão das matérias ao mundo real
e maior preparação para o mercado de trabalho. É igualmente sugerida a possibilidade de
escolher um mestrado vocacionado para investigação ou para o mercado de trabalho, e para
esta segunda hipótese adicionar contextos de desenvolvimento das aptidões necessárias e
substituir a obrigatoriedade de uma dissertação por um estágio de final de curso.
Outra preocupação exposta por mais do que um inquirido é a ineficiente distribuição das
avaliações ao longo do semestre. Vários testes ou exames na mesma semana é algo comum e
origina um baixo rendimento académico e menor aprendizagem das matérias. Como solução
referem uma maior avaliação contínua e mais projetos, ao invés de exames finais.
53
São feitas críticas aos métodos pedagógicos dos professores: propõem a proibição de
slides com texto, para aumentar a interatividade entre docentes e discentes, um antigo aluno
alerta para a falta de qualidade dos docentes do 1ºciclo e um outro sugere uma maior utilização
de materiais multimédia, como os MOOC.
• Que disciplinas devem ser introduzidas?
Nesta questão é onde se verificam respostas mais variadas. No entanto, é outra vez
repetida em mais do que uma resposta a necessidade de contacto com a vertente prática da
engenharia. Propõem assim aprender conceitos práticos e relacionados com o contexto
empresarial.
Dois antigos alunos referiram assuntos que consideram importantes na atualidade como
Big Data, Clustering e Sistemas Embebidos.
Outra resposta indica a introdução de um projeto anual, de forma a consolidar as
matérias dadas no ano anterior. Desenvolver competências de crítica e argumentação,
discutindo assuntos atuais, bem como aptidões de uma vertente humana, estudando Ética e
História na Engenharia, são outras sugestões.
• Que disciplinas devem ser retiradas?
Apesar de nas respostas ser frequente encontrar expressa a vontade de aproximar a
educação à prática e ao mercado de trabalho, a disciplina mais criticada nesta questão é a de
Gestão e Projetos de Engenharia. Segundo as respostas dadas, os métodos adotados não são
eficientes e os alunos não se sentem a evoluir em nenhum aspeto ao frequentar a disciplina.
Vários antigos alunos escrevem sobre o pouco proveito retirado das disciplinas de
Instrumentação e Medidas, Matemática Computacional, Gestão e Química Geral.
• Que práticas devem ser exploradas?
Aqui surgem exemplos no sentido de melhorar o ensino no IST, como a disponibilização
de aulas teóricas online, estágios de verão, projetos com empresas e um maior contacto entre
estudantes e órgãos de gestão institucionais. Uma outra resposta refere a importância das
relações entre discentes e professores e propõe criar ambientes extra-curriculares onde estas
dinâmicas possam acontecer.
Também é apontada a necessidade de métodos melhorados de revisão dos programas
das disciplinas e de avaliação dos docentes. A ineficiência dos inquéritos sobe a Qualidade das
Unidades Curriculares (sistema QUC) é questionada dando como exemplo os casos onde
existem taxas elevadíssimas de chumbo e mesmo assim não se procede a uma avaliação séria
dos métodos pedagógicos usados.
54
5.1 Considerações
Como se pode notar, existem alunos que refletem sobre estes assuntos e têm ideias em
muito parecidas com as dos autores citados na Revisão da Literatura. Pelo paradigma
educacional vigente assentar numa estrutura vertical hierárquica, os estudantes são vistos como
menos capazes para integrar ativamente nos processos de evolução das universidades.
Contudo, centralizar a educação nos discentes já é tida por diferentes autoridades da área —
CDIO, TU Delft, Bolonha, Stanford, Harvard, MIT— como a mudança mais urgente do sistema
educacional superior. Assim sendo, é extremamente útil ouvir as opiniões e sugestões dos
educandos e abrir espaço para que estes tenham um papel ativo na instituição.
A ideia principal, a mais frisada por este grupo de antigos alunos, é a
aproximação das matérias teóricas às aplicações práticas e ao mundo de trabalho através de
melhores métodos pedagógicos, mais estágios e mais projetos, diminuindo desta forma a
monopolização do currículo por parte de uma orientação académica vocacionada à investigação.
55
6 PROPOSTAS CURRICULARES
Até aqui, parece possível deduzir que as diferentes partes envolvidas têm um consenso:
é necessária mudança na educação de engenharia. Contudo, a discussão sobre a educação em
engenharia é extensa e complexa, devido às diferentes etapas que caracterizam qualquer
atividade pedagógica, cada uma com as suas especificidades e tradições enraizadas.
Os meandros burocráticos e financeiros reguladores das universidades são outro fator
adjuvante da dificuldade em concretizar as ideias de tantos alunos, professores, engenheiros e
especialistas, algumas das quais referidas ao longo deste trabalho, para uma educação
melhorada e em sintonia com as necessidades de todos.
Apesar das implicações menos favoráveis, é necessário formular problemas e soluções
possíveis de serem implementadas, que sensibilizem as questões incontornáveis inerentes às
reformas educativas. Sem abrir mão do sempre almejado ensino tecnológico formador de
espíritos inteligentes e capazes de usufruir dos conhecimentos desenvolvidos na universidade
para devolver à sociedade respostas criativas adequadas a todas as dimensões dos problemas
de hoje.
A revisão da literatura da especialidade, feita no capítulo dois, apresenta uma amostra
do material que tem vindo a ser redigido com o intuito de melhorar o ensino da engenharia. A
dificuldade latente em cumprir essas orientações deve-se, além das razões supracitadas, à
natureza das mesmas, exigentes de reformulações sistemáticas e profundas, e por isso de árdua
implementação, das abordagens pedagógicas. O mais pertinente exemplo desse tipo de
indicações talvez seja a centralização do processo de aprendizagem nos estudantes,
preocupação constante e consensual entre os vários órgãos superiores responsáveis pela
educação desse nível. Para uma mudança efetiva e completa neste sentido, não basta adicionar
algumas disciplinas, mas sim reestruturar a base ideológica definidora dos contornos
metodológicos partilhados pelo corpo docente.
Contudo, voltando aos ensinamentos de Bensaude, há que reconhecer a virtude na
perseverança, e o escopo deste trabalho não atinge os requisitos necessários para produzir
soluções que resolvam questões tão complexas. Atinge, isso sim, dados suficientes para, de
acordo com as sugestões pedagógicas organizadas na Revisão de Literatura e com as falhas
epistemológicas verificadas nas Comparações Curriculares, apresentar propostas de caráter,
não só disciplinar, mas também informado por outros estilos educativos, capazes de preencher
os campos, menos representados, das competências necessárias à formação de engenheiros de
excelência.
57
6.1 Enquadramento no Processo de Bolonha
Antes de sugerir qualquer proposta curricular, importa recordar quais as linhas basilares
para a estrutura educativa do ensino superior em Portugal.
Em 1990 teve início o Processo de Bolonha, um acordo entre os ministros da educação
dos 20 países da União Europeia, que então se reuniram em Lisboa com o objetivo de criar a
Área Europeia de Ensino Superior (AEES). Com isto, o ensino superior europeu passou a dispor
de diretrizes criadas com o principal propósito de sintonizar os cursos a nível global. O sistema
europeu de transferência de créditos (ECTS) e a distinção entre dois ciclos são os exemplos
mais marcantes desse primeiro estádio do processo. Os objetivos seriam o incentivo à
mobilidade e ao aumento da competitividade do espaço de ensino superior europeu[2].
Na reunião governamental de Praga (2001) adicionaram-se três metas. Uma delas refere
que a formação não termina com o final do curso, mas tem antes continuidade ao longo da vida.
As outras duas preconizaram um maior envolvimento por parte dos estudantes na gestão das
instituições e na promoção da atratividade da AEES[2] .
Mais tarde, nas reuniões de Berlim e Bergen, acrescentou-se o intuito de construir uma
Sociedade do Conhecimento através de um estreitamento da relação entre educação e
investigação, ao nível do doutoramento, e debateu-se a importância da avaliação do processo de
ensino na AEES [55].
Uma iniciativa de grande relevância para a inovação curricular e para a prática
pedagógica, foi o projeto Tuning (2000), que auxiliou na implementação das linhas de ação
propostas por Bolonha. Harmonizar o sistema de ensino de países distintos sem impor normas
que retirem a cada nação a sua própria cultura educacional é um desafio grande. No entanto,
essa era a meta. A solução encontrada pelas universidades envolvidas no Tuning foi a de
estabelecer pontos de referência na exigência das competências genéricas e específicas de
cada disciplina, para que existisse uma linguagem comum facilitadora da internacionalização e
da avaliação do ensino[55].
Estas competências dividem-se em três tipos: instrumentais, interpessoais e sistémicas,
e é através delas que se definem os requisitos mínimos para a obtenção dos créditos
correspondentes.
O foco nos resultados da aprendizagem demonstra a forte tendência para uma mudança
de paradigma. Ao invés dos tradicionais objetivos, onde se estabelece a matéria a ser dada pelo
professor, o método do novo paradigma educacional investe na explicitação dos saberes e
competências que os alunos devem adquirir, transferindo o papel central da aprendizagem para
o estudante [56].
58
Ao longo dos primeiros cinco anos do processo de Bolonha é notória a introdução
gradual de referências a resultados de aprendizagem enquadrados no novo paradigma da
educação. Em Bolonha, apenas são referidas as competências necessárias, enquanto que no
Comunicado de Bergen já é descrita a importância de priorizar os resultados de aprendizagem,
frisando a carência de métodos de ensino e de avaliação inovadores na Europa[55][36].
Os descritores de Dublin foram entretanto introduzidos, em 2003, como atributos
genéricos para a descrição das expectativas a satisfazer em matéria de metas e aptidões
associados à conclusão de cada disciplina em cada ciclo ou nível de Bolonha. Os descritores
são formuladas em termos de níveis de competência, e não de resultados da aprendizagem, e
permitem distinguir de forma ampla e geral entre diferentes disciplinas de diferentes ciclos. Uma
vez estabelecidos os descritores para uma unidade curricular, importa encontrar os métodos
adequados para avaliar as competências, bem como os critérios limite para obtenção dos
créditos. Só então se poderá definir a estratégia pedagógica para essa unidade curricular. Por
fim, este processo deverá ser atualizado e redefinido no final de cada semestre [56][36]. Esta
forma de organizar o plano curricular apresenta-se mais capaz de preparar os estudantes para
os problemas da vida real, pesquisa e mercado de trabalho. No entanto, a maioria da educação
superior mantém-se reduzida ao somatório das várias disciplinas, onde apenas se dá a
demonstração do conhecimento do docente. Este tipo de educação é útil para os alunos
excelentes que compreendem profundamente todas as matérias, mas não para os restantes [57].
Concluindo, se o objetivo é atualizar o ensino para corresponder às expectativas do
Processo de Bolonha, bem como da sociedade em geral, há que ter em mente que, para
qualquer proposta curricular, tem de se adotar uma nova forma de estruturar os cursos baseada
em priorizar os resultados de aprendizagem do aluno, definir critérios de avaliação que não se
fixem somente nos problemas académicos e atualizar os métodos através de um sistema
recursivo de aferição da qualidade de ensino.
O modelo que usei para expor as propostas está organizado e de acordo com o sistema
Tuning e adaptado assim aos referenciais estipulados pelo processo de Bolonha.
6.2 Propostas
6.2.1 Portefólio MEEC e autonomia na escolha de mestrados
Uma proposta a nível mais estrutural, com fortes vantagens para o futuro dos alunos,
segundo as sugestões dos antigos alunos de MEEC, é baseada no exemplo do plano curricular
nos Mestrados em Engenharia na Universidade de Tecnologia de Delft (Figura 2). Este está
estruturado de forma a que os alunos tenham liberdade para escolher as disciplinas mais
adequadas ao tipo de carreira que desejam ter no futuro. Podem revelar maior inclinação para
59
um contexto mais académico ou mais profissional, com aprofundamento em certo domínio ou
com uma abordagem mais ampla. No entanto, existe um bloco disciplinar central de cariz
obrigatório, sendo este dedicado à reflexão crítica da Tecnologia. O formato educativo apoiado
na transdisciplinaridade e na reflexão filosófica sobre a tecnologia é igualmente aplicado nos
cursos de engenharia de Stanford e de Harvard, como referido na Revisão de Literatura.
Esta maleabilidade do currículo torna necessário um acompanhamento aos alunos no
início do mestrado para que estes conheçam bem as áreas e departamentos do curso, os
centros de investigação e pesquisa e os desafios correspondentes a cada tipo de carreira.
No primeiro semestre do primeiro ciclo de MEEC existe uma disciplina denominada
Portefólio MEEC onde alguns dos objetivos fazem parte da miríade de competências e
conhecimentos que se pretendem sublinhar neste trabalho. Familiarizar os estudantes com as
diferentes áreas do curso, apresentar casos de estudo, desenvolver aptidões comportamentais e
de trabalho em equipa e de capacidades de comunicação escrita e oral e fomentar uma reflexão
sobre a ética da profissão. Todavia, os alunos geralmente não absorvem o potencial desta
disciplina na sua plenitude e a opinião da maioria, é de que a unidade curricular não tem muita
utilidade, fato também citado por antigos alunos nas respostas ao questionário. Uma das razões
para esta desmotivação com Portefólio MEEC pode, possivelmente, ser a falta de maturidade
com que os alunos chegam à universidade.
60
Figura 2: Áreas de Interesse nos Mestrados de TUDelft
Concluindo, as propostas aqui são de dois níveis. Primeiramente criar mais
possibilidades de os alunos definirem o seu perfil académico consoante as suas preferências.
Para isto, novas disciplinas poderiam ser acrescentadas ao currículo para permitirem aos alunos
desenvolverem as aptidões necessárias, como Escrita Académica, responsável por ensinar aos
alunos a escreverem relatórios, artigos, dissertações ou teses — ou publicitar entre os alunos os
cursos de curta duração já disponíveis no IST com este propósito — e Negócios e Tendências
da Tecnologia, ou Regulação de Mercados das Telecomunicações, disciplinas que
desenvolveriam aptidões relacionadas com o mercado de trabalho[58].
A segunda proposta é alterar o programa da unidade curricular de Portefólio MEEC,
ficando este responsável por apresentar as várias saídas da profissão, estudar casos de
engenheiros e de engenharia de sucesso, apresentar as áreas de investigação e pesquisa de
MEEC e explorar o código deontológico da profissão de engenharia. Fatores essencial para
garantir que os alunos conheçam as possibilidades de ramos de pesquisa, caso seja do
interesse dos mesmos seguir carreira académica, e para que saibam também dos contributos do
Instituto para a sociedade. A metodologia usada poderia ser através da visualização de filmes,
palestras de engenheiros de sucesso, participação em debates sobre a engenharia e a
sociedade e realização de projetos de simulação de casos reais de engenharia aplicando o
método do Design Thinking explicado na Revisão de Literatura.
Para o primeiro ano do segundo ciclo de MEEC, no grupo de Competências
Transversais, seria adicionada a disciplina de Portefólio MEEC II, dando assim aos estudantes
uma visão mais aprofundada sobre cada área de especialização do curso, para que estes
consigam realizar uma escolha mais consciente, e também de forma a desenvolverem
capacidades a nível da comunicação e da ética profissional. Mais adiante será descrito um
possível programa de Portefólio MEEC II.
6.3 Unidades Curriculares
O diagrama de radar de MEEC (Diagrama de Radar 4) serve como indicador do diminuto
estímulo às dimensões humanas da realidade profissional e às sensibilidades éticas e culturais
nos últimos anos de curso. Com o propósito de criar contextos incentivadores da vertente de
Competências Humanas em MEEC, proponho o acrescento ao currículo de disciplinas que
poderiam ser denominadas: “História e Cultura das Sociedades e da Engenharia” e “Legislação e
Segurança no Ciberespaço”, onde os alunos irão absorver conhecimentos de cultura geral e de
cultura específica da profissão atuando sob o problema de identidade da mesma.
Proponho que os métodos pedagógicos destas unidades curriculares sejam inspirados
nos métodos usados nas escolas de engenharia de Harvard e de Stanford, referidos no capítulo
61
dois, ou seja com projetos transversais a diferentes disciplinas e contextos, dentro e fora do IST,
envolvendo funcionários e a comunidade não-académica, relegando nos alunos a
responsabilidade de escolher um projeto e as metas a atingir, no entendimento de que, se as
falharem, reprovam na disciplina.
Outro método que considero importante salientar é o storytelling – ato de contar
histórias. Este método é tido como das formas mais eficazes para captar a atenção e fazer
passar uma mensagem [59], visto que é umas das mais antigas formas de comunicação entre
seres humanos, o storytelling ativa regiões do nosso cérebro que nos fazem ficar extremamente
recetivos à informação processada no momento[60]. O efeito benéfico da estimulação
emocional no processo de aprendizagem é outro fator adjuvante para tornar este método dos
mais eficazes para passar conhecimento[61]. Isto contrasta com o habitual método, onde a
transmissão de conhecimento é feito de forma fria e maquinal, como apontam os antigos alunos
de MEEC nas respostas ao questionário proposto.
Em várias universidades, como MIT e Stanford, colocam no papel de professor um
convidado ilustre, de forma a dissertar e estimular um debate sobre assuntos de interesse sobre
as matérias. De certa forma, estes convidados contam histórias, sobre as suas empresas ou
sobre alguma descoberta tecnológica. O método do “estudo de casos” popularizado pela
Harvard Business School, onde foi criado no início dos anos 1990, é cada vez mais popular nos
seus cursos de MBA e é hoje largamente reproduzido em outros contextos de aprendizagem em
todo o mundo, nomeadamente em medicina e direito[62] .
6.3.1 História e Cultura das Sociedades e da Engenharias
Tal como abordado pela ABET[63], as competências profissionais são hoje mais
complexas do que saber falar em público, ter aptidões de gestão e trabalhar bem em equipas.
Também em Harvard e em Stanford existe agora o cuidado de promover nos estudantes
iniciativas que incluam resoluções de problemas para as comunidades locais e globais,
recolocando a profissão de engenharia com um papel bem definido na sociedade. Sarah
Greenberg, diretora executiva da d.school de Stanford, diz que nunca até hoje os alunos
quiseram tanto unir esforços para fazer bem ao mundo[64]. O estudo da História e da Cultura
das Sociedades de Engenharia fornece aos alunos uma visão global de como a engenharia
interfere no desenvolvimento das sociedades, motivando-os para a dimensão humana da
profissão.
Thomas Kuhn, no início do seu livro “As Estruturas das Revoluções Científicas”,
considera que existe uma visão distorcida da Ciência resultante de um desprezo pela sua
História. Ao incluir um estudo histórico no currículo aprofunda-se o interesse pela engenharia e
pelo mundo e desperta-se nos alunos a noção de que a verdadeira engenharia vai muito além do
62
descrito nos manuais. O erro passa a ser visto como um meio inevitável para a criação de
soluções inovadoras, motivando os alunos para um maior envolvimento no processo de
aprendizagem. Além disso, o estudo da História relembra alunos e professores da relativa
volatilidade do mundo científico. Como diz Paul Feyerabend [1924, 1994] – filósofo da ciência
austríaco fortemente influenciado por Thomas Kuhn e Karl Popper – “o mito de hoje é a ciência
de amanhã” [65]. As mentes devem portanto ser estimuladas para a curiosidade constante e
evitar a cristalização dos conhecimentos.
Os engenheiros precisam também de conhecimentos sociais e culturais para
desempenharem com qualidade as suas funções , tal como já dizia Vitrúvio no século XV d.C e
sublinha Kamp em 2014.
Contudo, não será proveitoso caso as unidades curriculares resultarem novamente num
estilo de apresentação de conteúdos com o propósito de os alunos os replicarem num exame
final. Sugiro que a disciplina se divida em três fases. Na primeira parte da unidade curricular, a
matéria teórica é explorada através de palestras de professores convidados, idas a museus ou a
lugares históricos, com obrigatoriedade de relatórios descritivos que serão corrigidos por colegas
estudantes e apresentações das matérias, em formatos atrativos, por parte dos alunos. A partir
dos conhecimentos obtidos até aqui, os alunos são convidados a pensar num projeto que lhes
desperte interesse e que se aproxime do escopo da unidade curricular. Pode ser uma página de
internet promotora da diversidade cultural, com troca de ideias e de acontecimentos entre alunos
de Erasmus e alunos portugueses, ou talvez um projeto de crowdfunding para melhorar uma
biblioteca num bairro social, ou até transformar um telégrafo num despertador ou num
candeeiro. Seja qual for o projeto escolhido, importa passar a mensagem de que o propósito
não é ter boa nota mas sim aproveitar a oportunidade para soltar a imaginação e a criatividade e
aplicar as técnicas e conhecimentos adquiridos ao longo do curso. Esta liberdade de escolha
promove um sentido de propósito nos alunos e aproxima-os da identidade da profissão. A
avaliação dada seria entre aprovada ou reprovada, sem maior descriminação de notas. Na
época de exames os alunos apresentariam os seus projetos aos docentes, colegas e possíveis
interessados. Isto também fica alinhado com a ideia de uma escola democrática apresentada no
segundo capítulo, em que os alunos são encarados como seres com conteúdo e capazes de
criarem algo com valor para si e para os outros.
Assim, esta proposta entra no eixo das Competências Humanas pelos seus conteúdos
teóricos, no eixo da Prática, de Projeto e de Gestão e Empreendedorismo pelo método
pedagógico apresentado.
Objetivos
Os objetivos deste curso são:
63
• Familiarização com conteúdos históricos e culturais, relacionados com ciência e
tecnologia, de Portugal, da Europa e dos países com maior relação no contexto europeu,
nomeadamente os BRIC e alguns países africanos.
• Aquisição de conhecimento acerca das origens e diferentes abordagens da profissão de
Engenharia.
• Aquisição de conhecimento histórico e das consequências sociais acerca das invenções
da eletricidade, da eletrónica e da informática.
• Familiarização sobre conceitos-chave das civilizações modernas como democracia,
globalização, migração, revolução do conhecimento, crise ambiental.
• Motivação para a profissão através do estudo de casos de engenheiros e de projetos de
engenharia de sucesso.
• Colocar em prática conhecimentos técnicos de engenharia de forma criativa e ao serviço
dos outros.
Resultados de Aprendizagem
Se concluir o curso com o sucesso, o aluno deverá conseguir no final do curso:
• Valorizar o estudo da História como elemento essencial para a compreensão do mundo.
• Desenvolver ou vincar certas atitudes cívicas, como o respeito pelos outros e pelo
património, e atitudes humanas, como a humildade perante toda a inteligência e todos os
esforços reunidos até hoje.
• Empatizar com as diferentes perspetivas e tradições das culturas estrangeiras,
adquirindo capacidade para se relacionar respeitosamente com pessoas dessas
mesmas culturas.
• Compreender a missão da Engenharia e a sua profundidade e amplitude nas
sociedades.
• Começar a sentir-se incluído numa profissão secular com uma identidade definida e
adquirir sentido de responsabilidade para representar essa profissão mundo afora.
• Sentir a engenharia e a ciência como empreendimentos vivos e dinâmicos, com espaço
para a criatividade e intuição.
• Desempenhar ativamente o seu dever de cidadão, estando agora mais informado e
consciente dos acontecimentos da atualidade.
• Aumentar o interesse pela profissão, resultando num aperfeiçoamento dos seus hábitos
como estudante para conseguir alcançar uma carreira de sucesso.
64
Programa Resumido
• História de Portugal e da Europa e do respetivos contextos científicos e tecnológicos.
• BRIC e países Africanos. Descobertas e invenções feitas por estes países. Modos e
tradições culturais possíveis de serem encontradas no mundo do trabalho.
• História da Engenharia. Origem da profissão. Responsabilidades e saberes dos
engenheiros nas diferentes culturas e épocas.
• História da eletricidade e da informática. Invenção da eletricidade, dos Raios-X, da
eletrónica e da informática.
• Sociedade da Informação e do Conhecimento. Globalização. Meio-ambiente.
Democracia. Demografia. Limites da Tecnologia.
• Estudo de casos de projetos de engenharia.
• Escolha de projetos. Reuniões com docentes para questões e aconselhamento.
• Apresentação dos projetos
6.3.2 Segurança e Legislação no Ciberespaço
No mundo de hoje os empreendimentos são cada vez mais dependentes do meio virtual.
O risco nas organizações, associado a ataques do ciberespaço, aumenta e passa a representar
um assunto de máxima importância que merece especial atenção nos currículos de Engenharia
relacionados com IT. Esta preocupação é tida em conta pelas universidades de TU Delft e do
MIT. A primeira disponibiliza uma unidade curricular, no curso de Engenharia Elétrica, e a
segunda um curso de curta duração, acessível a todos os profissionais interessados em
segurança do meio virtual. É sobre estes dois exemplos que se baseia o programa desta
proposta.
Mais uma vez, sugiro que os conteúdos programáticos sejam apresentados através de
filmes e documentários, de visitas de estudo e de palestras de convidados especialistas da área,
todos seguidos de debates e relatórios corrigidos pelos colegas. No final do semestre os alunos
teriam de fazer uma apresentação fora da universidade: pode ser numa escola de 1º ciclo do
ensino básico ou num lar de terceira idade, para explicar alguns dos conceitos de Segurança e
Legislação no Ciberespaço apreendidos.
Esta unidade curricular insere-se na dimensão da Prática por ser uma questão que afeta
o dia-a-dia de cada um, sendo diretamente aplicada na forma como lidamos com o computador e
com a internet. Pelos métodos de apresentação de conteúdos e de avaliação estimularem a
comunicação, os conhecimentos culturais e a componente de educação, que também é
responsabilidade dos profissionais de engenharia, esta disciplina pertence ao eixo das
Competências Humanas e de Gestão e Empreendedorismo.
65
Objetivos
São objetivos desta disciplina:
• A aquisição de conhecimento sobre diferentes tipos de ameaças no ciberespaço.
• A aprendizagem sobre casos de incidentes no ciberespaço.
• A aquisição de conhecimentos sobre proteção de dados pessoais e segurança nas
redes.
• O desenvolvimento de práticas para lidar com gestão de risco.
• A introdução aos métodos indicados para construção de software seguro.
• A familiarização com as melhores práticas e os melhores princípios para mitigar as
vulnerabilidades do meio virtual.
• A aquisição de conhecimentos gerais sobre ética e legislação na área da informática,
inteligência artificial, propriedade intelectual, bem como da prestação de serviços a
terceiros.
Resultados de Aprendizagem
No final do curso, se concluído com sucesso, o aluno terá adquirido:
• Compreensão sobre a utilidade dos vários tópicos atuais relacionados com a segurança
no ciberespaço.
• Conhecimento acerca das vantagens e desvantagens dos diferentes métodos de gestão
de risco.
• Capacidade de discernir entre softwares seguros e menos seguros.
• Competências, num nível básico, para aplicar métodos de proteção de dados e de redes.
• Aptidões para analisar a gravidade de incidentes no ciberespaço.
• Sensibilidade para assuntos relacionados com a ética e o direito no ciberespaço.
Programa Resumido
• Diferentes sub-domínios e camadas do ciberespaço. Riscos do ciberespaço.
• Medidas, avaliação e gestão de risco. Medidas preventivas de carácter técnico e não
técnico.
• Estudo de casos de incidentes. Prevenção de incidentes e diminuição do seu impacto.
66
• Proteção do computador e dos ficheiros armazenados.
• Segurança nas redes de computadores. Computadores comprometidos.
• Melhores práticas para comunicações informáticas seguras.
• Segurança no ciberespaço como problemas sociais.
• Privacidade. Propriedade Intelectual. Ética no meio virtual. Crimes no Ciberespaço.
6.3.3 Portefólio MEEC II
Baseada no modelo de TU Delft de um tronco comum para reflexão da tecnologia, do
principio da Escola de Engenharia de Harvard de aplicar na engenharia o principio das artes
liberais, da disciplina do MIT “Ethics for Engineers” e de um artigo redigido por Figueiredo sobre
a experiência do ensino da ética[1], proponho uma disciplina no segundo ciclo responsável pela
reflexão crítica da profissão e do seu impacto social bem como do desenvolvimento de
competências de ética e de comunicação profissional.
Considero que a melhor forma de lecionar uma unidade curricular deste género é com
debates e conversas abertas, entre estudantes, convidados e docentes, de forma a estimular o
pensamento critico e filosófico sobre questões atuais relacionadas com a engenharia. A
avaliação é baseada em apresentações orais, sobre assuntos debatidos nas aulas, a colegas de
outros cursos ou de outras universidades para divulgar temas importantes sobre engenharia
eletrotécnica e de computadores.
A dimensão de Competências Humanas, pela educação subjacente no método de
avaliação, de Gestão e Empreendedorismo, pela componente de comunicação, e a dimensão da
Prática, pela reflexão sobre o propósito da profissão, são assim contempladas nesta unidade
curricular.
Objetivos
Os objetivos são:
• Desenvolver sentido crítico sobre os impactos da tecnologia na sociedade.
• Ganhar consciência do potencial da profissão, dos seus riscos e da importância da ética
profissional.
• Refletir sobre os aspetos sociais que necessitam dos produtos e serviços da Engenharia
Eletrotécnica e de Computadores.
• Sensibilizar para a importância da ética na profissão de engenharia.
• Conhecer as ideias fundamentais da Ética e desenvolver sensibilidade ética.
67
• Adquirir ferramentas técnicas e cognitivas respeitantes à comunicação verbal, não-
verbal, escrita e digital.
• Desenvolver agilidade quanto à lógica e perspicácia na argumentação e à psicologia
latente em grupos e trabalhos de equipa.
• Obter desenvoltura para a comunicação formal em formato de relatórios e artigos
científicos.
• Adquirir ferramentas para uma pesquisa de informação viável e de qualidade nos meios
virtuais.
• Familiarização com as redes sociais de maior impacto no mercado de trabalho e da
importância da atualização de uma rede de contactos adequada aos interesses de cada
aluno.
Resultados de Aprendizagem
No final do curso o aluno terá conseguido:
• Participar construtivamente em debates das questões de natureza política relacionadas
com o exercício da profissão com especial cuidado sobre as respetivas implicações
sociais e éticas.
• Exercer a profissão consciente da grande responsabilidade da engenharia no século 21.
• Agir no seu quotidiano de forma mais consciente, dispondo de sensibilidade para notar
os momentos da sua vida profissional merecedores de uma reflexão baseada na ética.
• Enriquecer a sua reflexão através do conhecimento de modelos de desenvolvimento
moral e ético.
• Adquirir capacidade para comunicar com clientes, empregadores ou colegas de forma
clara e concisa.
• Aprender sobre códigos de vestuário e de linguagem corporal tornando-se um
profissional consciente e cuidadoso da comunicação implícita nestes fatores.
• Desenvolver as competências de retórica e de argumentação e assim ganhar
desenvoltura para uma comunicação eficaz e construtiva em apresentações e debates.
• Potencializar as suas oportunidades profissionais ao investir com esmero nas redes
sociais, cuidando do seu perfil e desenvolvendo as redes de contactos.
• Adquirir competências úteis para a sua aprendizagem ao longo da vida.
Programa Resumido
• Epistemologia. Epistemologia da engenharia.
68
• Casos de engenharia de grande impacto. Crises mundiais e soluções de engenharia.
• Estado da Arte da Engenharia Eletrotécnica e de Computadores.
• Ética normativa vs Ética da Responsabilidade. Imperativo Categórico de Kant. Modelo de
desenvolvimento moral de Kohlberg.
• Ética da Informação. Propostas de Floridi.
• Ética Profissional. Estudo de casos.
• Raciocínio, Argumentação e Lógica.
• Dinâmicas de grupo. Liderança. Gestão de conflitos.
• Comunicação Não-Verbal. Postura. Uso do espaço. Gestos. Olhar. Vestuário.
• Comunicação Oral. Dicção. Apresentações públicas. Entrevistas. Reuniões. Imprensa.
• Comunicação Escrita. Artigos científicos. Relatórios. E-mails formais. Curriculum Vitae.
• Comunicação digital. Redes Sociais. Perfil nos meios virtuais. Redes de contactos.
• Pesquisa de conteúdos na internet. Cursos à distância. Bibliotecas virtuais.
6.3.4 Inteligência emocional
Por muito rico em conhecimento que seja um curso superior, se os alunos não
desenvolverem inteligência emocional será muito mais difícil alcançarem sucesso e satisfação
nas suas vidas futuras, bem como serem trabalhadores criativos e com capacidade de
resolverem problemas. É esta a conclusão retirada da Revisão de Literatura, e é por isto que
empresas e universidades já incluem nos seus horários práticas meditativas. Os estudos
referidos dizem que o treino de observar os pensamentos e emoções leva a que se tenha mais
controle sobre as próprias ações, aumentando a capacidade de concentração e de
aprendizagem e diminuindo os níveis de stress.
Esta é uma unidade curricular particular, por tratar de matérias que não passam pela
abstração ou conceptualização, por isso proponho que em cada aula exista apresentação teórica
dos temas a abordar e exercícios práticos de cariz meditativo e contemplativo. Para aprovação
na unidade curricular é pedida aos estudantes a presença de, no mínimo, a 80% das aulas.
Ter inteligência emocional torna o pensamento mais claro, logo a capacidade da mente
ser objetiva aumenta, torna-nos mais criativos nas soluções a problemas, mais compassivos e
assertivos na comunicação com os outros, mais pró-ativos nos trabalhos da profissão. Assim
sendo, fica difícil dizer uma área da nossa vida em que inteligência emocional não seja útil. Por
isso considero esta uma unidade curricular que ajuda em todas as dimensões do modelo 5D.
Objetivos
Os propósitos desta disciplina são:
69
• Entender o funcionamento neuronal e emocional do ser humano.
• Debater a importância das emoções no dia-a-dia.
• Obter conhecimentos sobre inteligência emocional: auto-conhecimento, auto-regulação,
motivação.
• Adquirir informações sobre a importância da gestão de emoções nem posições de
liderança.
• Desenvolver capacidades de atenção plena ao momento presente.
• Conhecer exercícios para desenvolver métodos de liderança com empatia e compaixão.
Resultados de Aprendizagem
No final da unidade curricular os alunos terão conseguido:
• Aumentar a consciência das próprias reações aos estímulos exteriores e assim
responder aos desafios de uma melhor forma.
• Experimentar um estado de espírito calmo e tranquilo e notar as suas vantagens.
• Potencializar as suas competências humanísticas como a compaixão e a vontade para
colaborar.
• Diminuir níveis de stress e ansiedade.
• Ordenar ideias sobre a mente e o seu funcionamento.
• Clarificar objetivos pessoais, académicos e profissionais.
Programa Resumido
• As três partes do cérebro; sequestros neuronais; reações.
• Resultados científicos da meditação; reflexão sobre níveis de atenção.
• O que é inteligência emocional: auto-conhecimento, auto-regulação, motivação.
• Perspetivas cognitivas do 'eu'. Diferentes formas de se pensar no 'eu' ativam diferentes
zonas cerebrais.
• Práticas meditativas variadas: atenção à postura, à respiração ou a uma imagem
exterior.
• Treino da atenção: experiências em atenção plena.
• Hábitos mentais como compaixão e empatia e os seus efeitos no cérebro.
• Reflexão sobre os conceitos da interdependência entre pessoas e o ecossistema.
70
6.4 Propostas de formato nãodisciplinar
As aulas de engenharia são ambientes ricos em conhecimentos avançados e de grande
interesse. Contudo, pela profundidade das matérias e pela dinâmica pedagógica usual, é comum
alguns alunos captarem apenas superficialmente os ensinamentos ali expostos, visto que cada
estudante tem o seu ritmo e estilo de aprendizagem. A estrutura educativa, de um professor
para mais de trinta alunos, com programas curriculares e um número de horas de aulas
previamente definidos, também não são fatores facilitadores de uma educação maleável aos
diferentes tipos de estudantes.
Quase todas as vertentes do modelo 5D — Projeto, Gestão e Empreendedorismo,
Prática e Competências Humanas — exceto a de Ciências, obtêm melhores resultados se forem
exploradas por métodos menos rígidos do que os encontrados nas salas de aulas, pelo menos é
o que as melhores universidades do mundo têm vindo a fazer– MIT, Stanford, Harvard, TU Delft
– e é também o que se conclui com as respostas dos antigos alunos às questões para melhorar
a educação.
A disponibilidade de meios para a aprendizagem ao longo da vida, fator de fulcral
importância na profissão de engenharia, também exige propostas fora da grelha curricular
Neste sentido, e de acordo com a opinião de Kamp, segundo a qual são essenciais
espaços que permitam aos alunos nutrirem a sua criatividade, sem medo de errar e estimulados
para a colaboração, faço sugestão de algumas propostas curriculares excluídas do formato
disciplinar mas talvez por isso atraentes ao alunos a quem a rigidez da sala de aula não ofereça
as a totalidade das condições para a sua formação.
Como o Campus do IST, tanto da Alameda como do Tagus Park, abarca apenas cursos
de Matemática, Engenharias e Arquitetura, os alunos ficam com menos oportunidades para
assistirem a palestras ou a aulas de áreas diferentes, como Filosofia, Relações Internacionais,
Economia. Ficam assim com menor probabilidade de se relacionarem com pessoas dessas
mesmas áreas, acabando por limitar o seu desenvolvimento intelectual. Algo que vai contra a
filosofia da Escola de Engenharia de Harvard, e contra o pensamento de Edgar Morin e de
Kamp, todos defensores da diversificação dos saberes e das áreas de interesse, como referido
na Revisão de Literatura.
Seguindo este raciocínio e procurando a inspiração nos Núcleos de Pesquisa da UFSC,
proponho que também o IST desenvolva contextos facilitadores do alargamento de horizontes
dos estudantes, para intensificar os seus conhecimentos nas suas áreas de eleição.
71
6.4.1 Projetos Transdisciplinares Obrigatórios
Embora a componente de Projeto esteja representada no diagrama de radar de MEEC,
as dinâmicas desses projetos raramente incluem um diálogo real com a indústria ou com a
sociedade. As disciplinas desafiam os alunos para projetos muito estruturados o que não lhes
permitem aprofundar o seu desenvolvimento das competências da vertente de Projeto, nem
prepará-los para o mundo ambíguo que os espera. A resolução de problemas de forma
inovadora é uma competência essencial para a formação em engenharia e por isso deve ser
uma prioridade no projeto educativo dessa profissão, tal como Stanford já o fez, também o IST
pode criar essas condições à inovação e criatividade dos alunos.
Os projetos das disciplinas são exercícios de estudo com componente prática, com o
objetivo de sedimentarem a matéria estudada, acontece que por norma não despertam um
interesse apaixonado por parte dos alunos. Num mundo com tanto estímulo e tanta oportunidade
de tarefas interessantes, a universidade deve investir em métodos educacionais atrativos, para
que os estudantes continuem a acreditar no valor de um curso superior. Este alerta é feito pela
diretora executiva da d.school de Stanford, Sarah Greenberg, num discurso provocatório quanto
à reinvenção do ensino superior [64]. Segundo esta responsável, a configuração tradicional das
salas de aulas — professor transmite o seu conhecimento para muitos alunos que devem ouvir e
registar — é tão antiga que tem sido muito difícil mudar este paradigma. Stanford, a universidade
mais inovadora do mundo, segundo um estudo feito em 2015 pela Reuters [66], organizou um
evento onde expôs ideias e objetivos radicais de forma a reinventar a educação superior, para
que os formandos concluam o curso não apenas com perfil para liderar mas também criativos,
ousados e resilientes.
Resumo aqui as quatro sugestões apresentadas na experiência “Stanford 2025”[64], por
caminharem no sentido de permearem a educação superior com um caráter mais dinâmico e
sistémico, incutindo a autonomia, empatia e criatividade nos alunos, todas características da
vertente de Competências Humanas e de Projeto.
A primeira sugestão é relativa à estrutura do curso. Segundo Greenberg, o curso devia
durar a vida toda. Os alunos devem interromper os estudos para obter experiência real do
mundo de trabalho e assim ganhar propósito e sentido na sua vida pessoal, académica e
profissional. Voltam a entrar na universidade quando sentirem necessidade de aprofundar
conhecimento. Outra recomendação é a abolição de um ritmo linear imposto a todos os alunos.
Disciplinas por anos escolares deixam de existir e cada aluno tem a liberdade para circular no
curso ao seu próprio ritmo.
Também Stanford é uma universidade comprometida com uma mudança de eixo no
processo educativo, em vez de servir para acumular informação, esta deve estimular o
desenvolvimento de competências.
72
Por último, Greenberg pretende que num futuro próximo os alunos possam usufruir de
uma aprendizagem orientada por missões definidas pelos próprios estudantes. Assim, estes
ganhariam um propósito, o seu estudo entraria num contexto de urgência e de significado.
Com estas inspirações, surge a proposta de se criarem projetos transdisciplinares, de
caráter obrigatório, no curso de MEEC, onde cada aluno escolha o projeto que pretende
desenvolver após a aprovação de um docente especificado. O tempo de conclusão do projeto
pode variar quanto à dificuldade inerente, desde que o tema seja algo que realmente desperte
paixão no seu projetista e que encontre um monitor que o acompanhe nesse período. Outra
condição seria a relação com alguma empresa, indústria ou núcleo de investigação, para que os
estudantes saiam do contexto de simulação académica e desenvolvam competências do
exercício real da profissão, aumentando assim a presença da vertente da Prática no currículo de
MEEC. Desta forma, os alunos são vistos como capazes de criar valor, dando o primeiro passo
para passar de uma estrutura educativa piramidal para uma estrutura em rede, mais adaptada à
realidade atual.
6.4.2 Núcleos de Estudo Partilhado
O medo de colocar uma pergunta considerada menos inteligente pelos colegas e pelo
professor é um fator de grande repressão dentro das salas de aula e acaba por atrofiar a
criatividade e a vontade de aprender dos alunos. Um ambiente com liberdade para errar, sem
medo de possíveis repercussões na nota final, promotor da cooperação e do debate entre alunos
com o objetivo de melhor entender as matérias do curso, seria o espaço ideal para que os alunos
desenvolvessem motivação pela aprendizagem. Responderia igualmente ao pedido realizado por
um antigo aluno de melhorar as relações entre alunos.
O estudo entre amigos é um dos métodos mais usados pelos estudantes ao longo do
curso. No entanto, é comum encontrar nas avaliações dos membros desses grupos os mesmos
erros de compreensão das matérias. Isto acontece pelo alunos ficarem com a sensação de que
entenderam os assuntos das disciplinas apenas por terem conseguido encontrar entre todos os
membros do grupo alguma justificação que se afigurou plausível [4]. Ao existir um ambiente
específico para um estudo cooperativo, este passa a ser o lugar indicado para se colocarem as
dúvidas e em último caso organizarem-se e pedirem ajuda a um professor.
Este espaço seria dividido por diferentes áreas. No primeiro ciclo, o Núcleo de Estudos
de Álgebra e Cálculo, Núcleo de Estudos de Programação, Núcleo de Estudos de Eletrónica,
Núcleo de Estudos de Energia, Núcleo de Estudos de Telecomunicações e Núcleo de Estudos
de Controlo. As restantes disciplinas que não pertencem a nenhuma destas áreas como Gestão,
Probabilidade e Estatística e Matemática Computacional fariam parte do Núcleo de Estudos de
Disciplinas Gerais.
73
No segundo ciclo seria comum a todos os alunos o Núcleo de Estudos de Competências
Transversais, onde se discutiriam modelos de negócio, métodos de gestão e de liderança, casos
de empreendedorismo e de incidentes de segurança ou ética relacionados com a engenharia.
Cada área de especialização teria os seus grupos de estudos. Exemplificando para a
área de especialização de Telecomunicações: Núcleo de Estudos de Fundamento das
Comunicações; Núcleo de Estudos de Propagação e Radiação; Núcleo de Estudos de Redes e
Sistemas de Telecomunicações.
A plataforma mais favorável ao bom funcionamento destes espaços seriam salas de aula
disponibilizadas para cada um dos núcleos. Assim, o ambiente seria dedicado exclusivamente a
uma área de estudo, criando oportunidade para aprender e rever conceitos pertencentes a
diferentes níveis de dificuldade. No entanto, por isso acarretar custos adicionais à instituição,
pode-se criar uma plataforma virtual em formato de fórum onde os alunos colocam as suas
questões por resolver ou já entendidas e os seus apontamentos dessas matérias. Também
notícias ou curiosidades sobre as matérias poderão ser partilhadas, gerando maior interesse
pelo programa curricular. Estabelecem um horário e um local de estudo e o assunto que irão
estudar nesse encontro, disponibilizando estas informações para quem se interessar. Todos os
alunos seriam responsáveis pela manutenção deste espaço, o que geraria um sentido de
responsabilidade partilhada e promovendo o diálogo e a maturidade dos estudantes, permitindo
a estes melhorar competências, inclusive da área de Gestão e Empreendedorismo.
Uma abordagem deste formato tem várias vantagens. Uma delas é o desenvolvimento
de traços da personalidade, como a empatia e a cooperação, características cada vez mais
fundamentais para trabalhar em engenharia, segundo os autores estudados ao longo deste
trabalho, investindo em suprimir a lacuna da componente das Competências Humanas no curso
de MEEC. Outra é a capacidade de oferecer aos alunos com diferentes estilos de aprendizagem
a oportunidade de encontrarem colegas dispostos a procurarem as abordagens que melhor se
adaptem a cada um. Tem também vantagem para os alunos sem dificuldades nas aulas, visto
que o ato de ensinar é tido pela maioria dos estudantes como um excelente método de fixar e
aprofundar as matérias já entendidas, e, como refere DeGrave no documento CDIO Syllabus
v2.0, educar faz parte das cinco responsabilidades da profissão da engenharia(Revisão da
Literatura). Por isso, deveria ser fortemente estimulada a participação nestes Núcleos de Estudo.
6.4.3 Espaço de Discussão sobre Engenharia
Outro fator responsável por dificultar o processo de aprendizagem, segundo as
respostas dos antigos alunos de MEEC e segundo Kamp, Figueiredo e Morin, é a falta de
correlação das matérias dadas nas salas de aula com a vida real dos estudantes e com o
exercício da sua profissão futura, bem como o parco envolvimento dos alunos na gestão do
74
curso. Os alunos ocupados com o estudo compartimentado nas diferentes disciplinas são pouco
estimulados para uma visão holística do curso, acabando isto por resultar numa forte
desmotivação para os assuntos estudados.
Assim sendo, tem interesse a criação de um espaço dedicado a um debate da
engenharia respeitante às diferentes áreas abrangidas pelo curso de MEEC e à sua relação com
o mundo, com o passado e com o futuro, com o meio-ambiente, com as pessoas e com a vida
real de cada um. Algo deste género acontece nas Jornadas de Engenharia Eletrotécnica e de
Computadores (JEEC). Sugiro que sejam permanentes e que exista alguma obrigatoriedade, de
forma a que todos os alunos participem, em algum momento da sua formação, na organização
dos eventos. Além dos temas que conectam a engenharia e as empresas e a sociedade, debater
abertamente, entre alunos e professores, sobre a qualidade da educação, sublinhando boas e
más práticas e procurando soluções em conjunto seria um meio capaz de melhorar
significativamente a qualidade do ensino.
Vivemos rodeados de artefactos tecnológicos baseados em computação,
telecomunicações, controlo, energia. Contudo as unidades curriculares prendem-se a objetos de
estudo distantes do nosso dia-a-dia. Teria por isso interesse, que este espaço contemplasse
sessões exploratórias sobre o funcionamento de algum objeto trivial, um telemóvel ou um
computador por exemplo.
O espaço poderia ter uma plataforma digital em que os alunos, professores e
funcionários partilhassem opiniões, notícias, artigos, livros ou acontecimentos que de alguma
forma se identificassem com Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e a sua educação.
Desta forma, alunos e professores teriam a oportunidade de se relacionarem e criarem empatia,
o que resultaria numa experiência educativa mais proveitosa. Esta iniciativa seria uma
representação significativa, no curso de MEEC, do eixo das Competências Humanas.
Um convívio semanal em forma de tertúlia ou conversa aberta seria o contexto ideal
para os alunos desenvolverem as suas capacidades de oradores e comunicadores. Isto poderia
acontecer ao convidar algum profissional da engenharia ou mesmo por iniciativa de algum
estudante com grande entusiasmo em determinada área, que decidisse expor os seus interesses
e conhecimentos aos demais. Visitas em grupo a empresas, industrias, centros de investigação
ou organizações do âmbito de MEEC seria também um meio de motivar os alunos para o
contacto real com o mundo de trabalho.
Este grupo funcionaria, assim, para ampliar o conhecimento sobre e estado da arte de
engenharia eletrotécnica e de computadores e da sua relação social, desenvolver as
capacidades de debate, aumentar a rede de contactos e descobrir colegas com os mesmos
interesses, tudo isto essencial para uma carreira de sucesso. Posto isto, trata-se de uma
proposta capaz de desenvolver aptidões de dois eixos do modelo 5D: Competências Humanas e
Gestão e Empreendedorismo.
75
6.4.4 Núcleo Cultural
Mesmo com efeitos menos positivos, durante os cursos de engenharia é habitual sentir-
se uma separação entre o mundo da engenharia e o mundo cultural e da arte. Claro que tal só
pode ser feito através de uma atitude ingénua, pois se analisarmos engenheiros de sucesso,
comummente encontramos pessoas com ampla cultura geral e com apaixonados interesses
artísticos. Também já foi explicada neste trabalho a importância do desenvolvimento do lado
direito do cérebro nos formandos em engenharia, para que se estimulem competências como a
criatividade e a intuição.
Lisboa é uma capital vibrante repleta de acontecimentos artísticos de qualidade, o IST
organiza excelentes eventos culturais ao longo dos anos letivos e uma grande parte dos alunos
de engenharia têm interesse nas várias dimensões artísticas. Apenas falta articular estes três
fatores, o que pode acontecer num espaço virtual de partilha de acontecimentos, filmes,
músicas, livros e cursos extra-curriculares — alguns disponíveis nas instalações do IST, como
teatro, fotografia ou rádio. Os alunos passariam a conhecer eventos e pessoas interessadas nos
mesmos, treinando as suas competências de comunicação e empatia.
Os níveis de stress vivenciados pelos estudantes de engenharia são muito elevados e no
meio de tanta publicidade a eventos vulgares, por vezes é difícil encontrar meios de descontrair
mais nutritivos. Para estimular os alunos a participarem em mais eventos culturais poderiam
realizar-se seminários, um por semestre, onde o aluno fosse convidado a refletir sobre esse
mesmo evento ou então a organizar alguma atividade dentro das instalações do IST. O
anfiteatro da esplanada do Pavilhão de Civil é um espaço com grandes potencialidades para
estes acontecimentos, muitos alunos do IST tocam algum instrumento ou têm alguma habilidade
artística — pelo menos até entrarem na universidade — e existindo alguma plataforma
promotora de cultura no IST acredito que não faltariam propostas.
A proposta é adicionar seminários opcionais ao currículo de MEEC, reservados para
atividades culturais, bem como criar um cargo de delegado responsável por dinamizar um
espaço virtual dedicado a eventos desta ordem. Esta proposta proposta pode ser adotada por
qualquer curso, mas o MEEC poderia ser o piloto desta experiência no IST.
Estas propostas funcionariam para atrair os estudantes para atividades culturais
promotoras de personalidades interessantes, tornando possível a continuação dos seus
passatempos, tão essenciais para um bom desenvolvimento pessoal e profissional.
76
6.4.5 Promoção de Estágios Profissionais
O despertar da visão de como será o exercício real da profissão é um acontecimento
decisivo para aumentar os níveis de empenho e interesse por parte dos alunos. A falta de
experiência na área de engenharia tem várias desvantagens. Uma delas é a desmotivação daí
proveniente, por não se entrar em contacto com o exercício real da profissão, criando uma
distância que perturba o ânimo necessário para os cinco anos de estudo. Outra é a baixa auto-
estima aquando da conclusão do curso por se constatar um currículo vitae menos atrativo para
os empregadores. Também é importante a realização de um estágio profissional no decorrer do
curso, de forma a os alunos se sensibilizarem para as suas áreas de maior interesse e assim
iniciarem a construção das suas carreiras o mais cedo possível. Para resolver estes problemas,
a Universidade de Tecnologia de Delft recomenda fortemente aos alunos a realização de um
estágio nos últimos anos do curso. Não tem carácter obrigatório, mas a quem o fizer exigem
relatórios e avaliação por parte do empregador. Também importa referir que uma das sugestões
mais repetidas nas respostas dos antigos alunos ao questionário colocado foi a de incluir no
currículo um estágio profissional.
Existem diferentes planos de estágio disponíveis para os alunos. Todavia, os alunos não
respondem com o entusiasmo esperado e ficam muitas propostas sem candidatos.
A falta de estímulo por parte do alunos para realizar um estágio pode acontecer pelo
cansaço com que chegam às férias de verão, devido ao stress do ano letivo, pela falta de
contacto com engenheiros de sucesso que os motivem a entrar no mundo de trabalho ou por
falta de conhecimento dessa oportunidade. Contudo, a informação de que existe a opção de
aderir a um estágio de verão é acessível, circula pelos e-mails dos alunos e alguns professores
publicitam-na. Resta indagar quais as soluções para tornar atraente um verão passado em
ambiente de aprendizagem profissional.
Todos os autores estudados neste trabalho referem a importância do contacto entre os
estudantes e o mundo real da engenharia, o que acontece em visitas de estudo a empresas,
debates sobre a atualidade da engenharia e contacto com engenheiros de sucesso. Tudo o que
obrigue à interação com a vida vibrante e competitiva do mercado de trabalho desperta os
alunos para a importância de não considerarem a universidade como o único meio para alcançar
uma carreira bem sucedida.
Um outro meio de estimular os alunos para o estágio seria um programa de auto-
avaliação no final de cada ano letivo. Que atividades enriqueceram o seu conhecimento e o seu
currículo para o mercado de trabalho de engenharia? Que fator os diferencia dos outros
colegas? Quais os assuntos de engenharia que lhe despertaram maior interesse? No final dos
anos letivos os alunos são submetidos, obrigatoriamente, aos inquéritos do sistema QUC —
Qualidade das Unidades Curriculares. Este questionário promotor de uma reflexão sobre a vida
académica e profissional de cada aluno poderia ser feito em paralelo como os inquéritos da
77
QUC. Assim, os alunos só poderiam inscrever-se às disciplinas do semestre seguinte caso
tivessem respondido ao questionário. As notas finais das disciplinas são a preocupação de todos
os alunos, uma melhor nota é tida como sinónimo de maior facilidade para entrar no mercado de
trabalho. Aspeto que, ao ouvir opinião de empregadores, se percebe como enganador, visto que
fatores de empregabilidade são mais relativos às aptidões técnicas e sociais do que
propriamente ao que constam na grade curricular da aluna.
Por isso este confronto mais reflexivo sobre o aproveitamento do tempo passado na
universidade é salutar e incute nos alunos a motivação necessária para procurarem as
oportunidades existentes direcionadas à construção da sua carreira.
Permitir aos alunos escolherem entre uma dissertação de mestrado ou um estágio final
de curso acompanhado de relatórios é uma solução adotada na UFSC e frequentemente tem
bons resultados. Muitas vezes os alunos terminam trabalhando nessa empresa após a
finalização do curso. Também é uma solução referida por antigos alunos nas respostas ao
questionário.
Esta iniciativa pertence claramente ao eixo da Prática. Contudo, quase todas as
competências são desenvolvidas quando um estudante realiza um estágio numa empresa: a
ética, a comunicação, a gestão de tempo e, dependendo do trabalho encarregado, o
pensamento criativo e sistémico. Logo, também faz evoluir as aptidões das Competências
Humanas, da Gestão e Empreendedorismo e possivelmente também de Projeto.
6.5 Diagrama de radar de MEEC com novas propostas
Abaixo apresento a tabela com os eixos do modelo 5D respetivos a cada proposta
curricular realizada no capítulo anterior. O Diagrama de Radar 5 é útil na demonstração de que
essas propostas atuam no sentido de equilibrar a educação do 2º ciclo de MEEC, segundo o
modelo epistemológico 5D.
78
Tabela 7: Propostas Curriculares e respetivos eixos do Modelo 5D
Projetos Transdisciplinares Pro, C.HNúcleos de Estudo CH, GEEspaço Discussão de Engenharia GE, CHNúcleo Cultural CHEstágios Profissionais Pra, CH, GEHistória e Cultura das Sociedades de Engenharia CH, Pra, Pro, GESegurança e Legislação no Ciberespaço CH, GE, PraPortefólio MEEC II CH, GE,PraInteligência Emocional Pra, CH, GE, Pro, C
Ciências Prática Projeto Gestão e
Empreendedorismo
Competências
Humanas
TU Delft 11 8 10 10 9
Tabela 8: Contabilização das Propostas Curriculares no Modelo 5D
A dimensão da Prática, pela sua natureza, é a de maior complexidade de incorporar em
um currículo tradicional. No entanto, se os alunos ao longo do curso optarem por realizarem
estágios profissionais e/ou parcerias com empresas nos projetos propostos pelas disciplinas, irão
desenvolver competências deste campo.
O mais indicado para uma formação completa, penso, será quando todos os desafios
curriculares dos estudantes de segundo ciclo de MEEC tenham componentes de todos os eixos
do modelo 5D. As mentes mais criativas são também as que mais associações conseguem fazer.
Para desenvolver a criatividade, estimular os alunos para uma formação holística e desafiante,
sem limites pré-impostos sobre o conhecimento a reter parece ser um método adequado.
79
Diagrama de Radar 5: Modelo epistemológico do segundo ciclo deMEEC com as Propostas Curriculares
Ciências
Prática
Projeto Gestão e Emprendedorismo
Competências Humanas
0
5
10
MEEC
7 CONCLUSÃO
Este trabalho mostra como o tema da educação em engenharia está a ser amplamente
debatido em todo o globo, tornando obsoleta a convicção de que apenas sejam úteis, nas
escolas de engenharia, assuntos de ordem técnica.
Tendo como denominador comum o entendimento sobre a necessidade de mudanças na
educação superior, particularmente em engenharia, todos os autores citados partilham de ideias
como centrar nos alunos o processo de aprendizagem, focar o desenvolvimento de
competências, ao invés da acumulação de informação, e valorizar as aptidões de gestão,
profissionais, humanas e sociais. Apesar de algumas destas características estarem presentes,
por exemplo, na missão do IST e em documentos do Processo de Bolonha [35], a
implementação real tem sido parca. Por isso, é apresentado o modelo 5D, para, de forma
simples e prática, mostrar quais as carências dos currículos dos cursos de engenharia segundo
os referenciais dos educadores e engenheiros contemporâneos. Acredito que, ao observar
graficamente o desajuste dos cursos em relação às necessidades atuais, aumentem as
probabilidades de se reunirem esforços para melhorar o ensino.
O questionário colocado a antigos alunos é uma iniciativa enquadrada num dos pilares
da renovação da educação: maximizar o envolvimento dos estudantes em todo o processo
educativo. As respostas longas e com conteúdos construtivos dos antigos alunos mostram o seu
descontentamento em relação a certos aspetos do curso e o quão interessados estão em
participar na evolução do sistema de ensino de engenharia atual. Desde Alfredo Bensaude, em
1911, que é a primeira vez que, tanto quanto é do meu conhecimento, se questionam antigos
alunos quanto às melhorias a fazer no curso. A desvantagem aqui foram as poucas respostas
obtidas. Contudo, estas foram muito úteis, sinalizando uma prática frutuosa para o progresso da
educação em engenharia, podendo, por isso, ser feita com maior frequência.
As propostas expostas no sexto capítulo têm como intuito servir de inspirações para que
alguém competente nas organizações curriculares de MEEC as renove, reinvente ou mesmo
apure as possibilidades de integrar no plano curricular as disciplinas, os núcleos e as
abordagens sugeridas. De salientar a importância de que reformar a educação de engenharia
em Portugal, e no mundo, é um desafio que requer resiliência. A aplicação prática destas
propostas, mesmo que seja lenta, pode fazer a diferença no destino de muitos alunos e com isso
se cria uma nova geração de engenheiros, mais apaixonados pelo potencial da engenharia e
mais empáticos com os problemas pessoais, sociais e ambientais por que passamos.
O que não pode continuar a acontecer é a fria indiferença por parte dos dirigentes,
professores e alunos, quanto à desfasagem entre as necessidades e as ofertas educativas.
Precisamente pela engenharia pertencer a uma área privilegiada na realidade atual, é um
81
desperdício brutal a educação tecnológica assentar em dogmas que limitam a criatividade e a
paixão das mentes jovens que se interessam por este fantástico mundo.
Uma das principais razões para a pertinência deste trabalho é a necessidade de
adaptação à rapidez com que o mundo atual sofre mudanças. Por isso mesmo, a reforma da
educação em engenharia deve ser tomada como um processo de constante atualização.
Considero completo o modelo 5D para a realidade atual, daqui a uma década as circunstâncias
serão com certeza outras, tal como os referenciais para uma educação completa. A dimensão do
projeto de melhorar a educação em engenharia é de tal forma exigente que deve existir uma
equipa totalmente dedicada a estes assuntos, que dê voz às opiniões dos cidadãos, professores,
funcionários, estudantes, antigos estudantes e empresas e torne viável a aplicação gradual das
sugestões feitas por estes. Só assim a universidade desempenha o papel para o qual foi criada,
a de fomentar aptidões científicas, técnicas, pessoais e sociais.
82
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