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7/25/2019 Capoeira - Jogando Com Sua Histria
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O TCC UIUCAMP
Se 8c
J2dSFEF 1181
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAO FSICA
MARIANA SILVEIRA SERRA
CAPOEIRA
Jogando com sua histria
Campinas
2 6
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TCCIUNICAMP
Se 8C
MARIANA SILVEIRA SERRA
CAPOEIRA:
Jogando com sua histria
Trabalho de Concluso de Curso Graduao)
apresentado Faculdade de Educao Fsica
da Universidade Estadual de Campinas para
obteno do ttulo de Licenciado em Educao
Fsica.
O ientador: Hermes Balbino
Campinas
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MARIANA SILVEIRA SERRA
CAPOEIRA:
Jogando com sua histria
Este exemplar corresponde
redao final do
Trabalho de Concluso de Curso Graduao)
defendido por Mariana Silveira Serra aprovado
pela Comisso julgadora em: 2711112006.
Campinas
2006
Hermes Balbino
Orientador
Jos Julio Gavio de Almeida
Componente
d
Banca
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Dedico este estudo ao meu filho Luca, o maior presente que
Deus poderia ter me dado ..
Ele a estrela que ilumina meus pensamentos, restaura
minhas foras, e me d a vontade
e
que preciso para sempre
seguir em frente e jamais fraquejar diante das dificuldades
apresentadas pela vida.
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gradecimentos
Agradeo, antes de tudo e todos, a Deus por ter me presenteado com a
capacidade de assimilao
de
conhecimentos, o que permitiu que ingressasse e, ainda,
conclusse esta Universidade.
Encabeando a grande lista de pessoas s quais devo agradecimentos
etemos
est meu filho Luca a maior razo pela existncia deste trabalho pois,
por
diversas vezes,
estive muito prxima
da
desistncia. Contudo, aqueles lindos olhinhos azuis transbordando
amor e carinho conseguiram me trazer muita inspirao e fazer com que eu conseguisse me
tornar mil e tenninar, s custas de muito trabalho, esta monografia.
Deixo aqui um imenso "obrigada" ao meu marido, parceiro, companheiro,
amigo Rafael. Uma pessoa linda que surgiu na minha vida e que me ajudou a resgatar minha
auto-estima, minha autoconfiana e me fez perceber que sou capaz de realizar todos os meus
sonhos e alcanar todos os meus objetivos .E, ainda,
o pai do meu filho
Minha me Ftima, minha irm Caro , meu irmo Gustavo .. a base da minha
vida Estas so as pessoas responsveis pela mulher que me tornei.
Os
nicos que
acompanharam de perto todas as minhas conquistas, meus fracassos, minhas dificuldades,
minhas alegrias, tristezas .. e sempre estiveram firmes e fortes para o que se fizesse necessrio
em minha
vida.
Tenho-lhes profunda gratido e no existe nada nesse mundo que possa pagar
tudo o que fizeram por mim esses anos todos.
No poderia deixar
de
agradecer aos meus amigos, todos eles .. os irmos que
escolhemos para viver momentos inesquecveis na vida. E, entre eles, gostaria de colocar o
Hermes, meu orientador .. uma pessoa a quem devo muito respeito tanto por ser um profissional
admirvel como por ser
um
ser humano extremamente amvel.E tambm ao Henrique pela
grande ajuda prestada e tambm pelas risadas.
Um ax pro meu Professor de capoeira e querido amigo Trinca, o qual me
apresentou a esta encantadora arte das pernas para o ar
E agora, um agradecimento especial ao meu pai Haroldo, falecido h 20
anos .. mas que tenho a certeza
de
sua presena em todos os momentos da minha vida
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SERRA Mariana S Capoeira jogando com sua histria. 2006. 68f. Trabalho de Concluso de
Curso
de
Graduao-Faculdade
de
Educao Fsica. Universidade Estadual de Campinas
Campinas 2006.
RESUMO
Este estudo realizado a partir de uma reviso de literatura e anlise argumentativa buscou
dialogar com diversos aspectos da Capoeira esta riqussima manifestao da cultura corporal
que possui caractersticas muito prprias e entendimentos muito subjetivos.
Etimologicamente temos alguns pressupostos
que
apontam a palavra
capoeira
como oriunda do
Guarani capuera
ou
capera - mato mido ralo ou ainda cpuera roa que deixou de
existir mas ainda existem outras prerrogativas acerca deste assunto. Sua gnese at os dias
atuais ainda muito controversa. Acerca disto neste estudo alguns apontamentos foram
realizados com o intuito de se estabelecer
um
melhor entendimento sobre as fragmentaes
ocorridas ao longo de sua histria a partir de uma disputa pela simbologia tnica da Capoeira a
qual
resultou
em
uma fragmentao de sua prtica estabelecendo formas diferentes de sua
expresso. Suas novas significaes justificadas pelas relaes preconceituosas c
discriminatrias
que
pennearam a sociedade especialmente a partir da abolio da escravido
so tangenciadoras
das
diferentes expresses da Capoeira na contemporaneidade que
se
encontra dividida
em
Capoeira regional - de Mestre Bimba e Capoeira Angola - de Mestre
Pastinha. Ainda buscamos entender
os
momentos onde a Capoeira e a educao fsica
estabeleceram uma aproximao gerando uma relao
que
pennanece at os dias aluais.
Palavras-Chaves: Capoeira; Manifestao cultural; Educao Fsica; Histria
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SERRA, Mariana. Capoeira: playing with its history. 2006. 68f. Trabalho de Concluso de
Curso (Graduao)-Faculdade
de
Educao Fsica Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2006.
ABSTRACT
This study, carried through from a revtston
of
literature and n argue analysis, it
searched to dialogue with diverse aspects
of
the Capoeira, this valuable manifestation
of
the corporal culture that has proper characteristics and subjective agreements. About the
origin of the therm Capoeira we have some estimated that they point this word as
deriving
of
the Guarani "capuera" or "capera" - small, thin weeds or, still, "cpuera" -
field that left to exist, but still exist olher prerogatives about of lhis subject. Its origin
until the current days still is very confuse. About of lhis, in lhis study, some notes had
been carried through with the intention
of
establishing one better agreement on the
occured spallings throughout lhe history from a dispute for lhe ethnic symbology of lhe
Capoeira, which resulted
in
a spalling of this practice, establishing different forms
of
this
expression. Its new meanings justified fiam lhe prejudiced and discrintinatory relations,
lha especially had passed by lhe society from lhe abolition of the slavery, are related to
the different expressions
of
the Capoeira n the current time that is divided in regional
Capoeira -
of
Bimba Master and Capoeira Angola -
of
Pastinha Master. Our study has
still tried to understand lhe moments where lhe Capoeira and lhe physical education had
established an approach generating a relation that remains until the current days.
Keywords: Capoeira; Cultural manifestation; Physical Education; History;
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igura
igura
Figura 3
igura 4
igura 5
igura 6
igura 7
igura 8
Figura
9
LISTA
DE
FIGURAS
Negros trazidos ao Brasil ............................................................................... .
Rotas do trfico .............................................................................................. .
Escravos produtivos lavra de
diamantes
1848 ......................................... .
Escravos de ganho vendedor de frutas ........................................................ .
Escravos domsticos cocheiro ....................................................................
Escravos de aluguel contrato 1849 ........................................................... .
Nagoas e Guaiamus ........................................................................................ .
Campo de combate Mtodo Zuma ................................................................. .
As Seqncias de Bimba ................................................................................ .
14
15
18
18
18
18
33
35
39
igura 1
Mestre Bimba e o Governo ............................................................................. 41
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LIST
E
SIGL S E BREVI TUR S
CBC Confederao Brasileira de Capoeira
CBP Confederao Brasileira de Pugil ismo
POR
Centro e Preparao e Oficiais da Reserva do Exrcito
FIC
Federao Internacional de Capoeira
FEF
Faculdade de Educao Fsica
UNIC MP Universidade Estadual de Campinas
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SUMRIO
1 Introduo......................................................................................................................... 10
2 Escravos e capoeiras ......................................................................................................... 14
2.1 A Capoeira e os injustiados ........................................................................................ 14
2.2 A explorao do homem pelo homem .........................................................................
17
2.3 A
materializao
da revolta . .... ........................ ....... .... .... ..... .... .... ...... ..... .... . .....
2
2.4
Liberdade de
papel ....................................................................................................... 22
3 Comeando o jogo............................................................................................................. 25
4 Negros e Mestios............................................................................................................... 30
4.1 Das Maltas ..................................................................................................................... 30
4.2 Bimba Bamba... .......................................................................................................... 34
4.3 E salve Mestre Pastinha e a Capoeira angola ................................... ...................... 42
5 No jogo de dentro.............................................................................................................. 45
5.1 O preconceito a relao identitria e a Capoeira ............................... ...................... 45
5.2 A Capoeira aproximando-se da Educao Fsica...................................................... 47
5.3 A Capoeira angola e a resistncia ............................................................................... 52
6 Consideraes finais ..... ..... ..... ........................ ............... .... .... ..... .... .... .... . . .... ....... . 56
7 Referncias ............................................................................................... 58
8 Anexos................................................................................................................................ 65
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lO
Introduo
A Capoeira
1
uma
manifestao da cultura corporal envolta por encantos ... e
cantos .. e palmas e instrumentos ..
uma
arte que no
se
permite rotular: possui caractersticas muito prprias e
manifestaes muito subjetivas. carregada de histria, carregada de energia, carregada de
d
.
2
man mga.
Torna-se muito atraente devido as suas diversas possibilidades: cantar o
jogo
e
a histria, tocar os instrumentos
da
charanga
3
, danar ao som do berimbau, lutar pela vida, jogar
com a alegria, brincar com o corpo, encenar, esconder, aparecer, ludibriar, criticar, resolver,
exaltar, extravasar os sentidos e sentimentos... E foram estas possibilidades que me levaram a
pratic-la.
Durante muito tempo namorei a Capoeira observando as rodas que cruzava
pela cidade e sempre me encantando com o ambiente mgico e envolvente ilustrados. Foi ento
que, em 2003 resolvi procurar uma academia de Capoeira para ter
minha
iniciao neste
maravilhoso universo.
Desde ento, j sabia que existiam dois estilos diferentes: a Capoeira angola e a
Capoeira regional, mas, de fato, no tinha o conhecimento necessrio para discernir sobre qual
estilo contemplaria minhas expectativas e ento, acabei optando pela Capoeira regional pelo
simples fato da proximidade com a minha residncia.
Durante este tempo todo em que tenho praticado a Capoeira, a insatisfao com
as respostas que me foram dadas sobre sua histria e a necessidade
de
entender os motivos que
levaram a sua fragmentao em diferentes estilos sempre me acompanharam. E, a partir disso,
aliei a necessidade de
dar um
tempo no treinamento fsico
da
Capoeira devido ao meu estado
de
gravidez com a vontade
de
me envolver mais com esta parte terica, a qual sempre julguei
de
fundamental importncia para a formao de
um
bom capoeirista e, ainda,
de
um profissional
da
1
0 termo Capoeira com a inicial maiscula ser usada como referncia manifestao cultural.
2
A mandinga entendida como a malcia, a esperteza inerente capoeira.
3
Charanga o nome dado ao conjunto de instrumentos musicais que compem uma roda de capoeira.
Hoje, os mais utilizados so os berimbaus (berra-boi, mdio e viola), o pandeiro, o atabaque e o agog.
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rea de educao fsica, o qual deve galgar conhecimentos variados sobre diversas manifestaes
da
cultura corporal.
Para isto, no presente estudo, vamos buscar contemplar, como objetivos gerais,
a composto
de
um quadro analtico da histria
da
Capoeira desde seu surgimento at sua
contemporaneidade e verificar quais foram os elementos que desencadearam o processo de
fragmentao desta manifestao.
Como objetivos especficos, pretendemos verificar se, em algum momento, a
Capoeira e a
educao fsica
estabeleceram algum tipo
de
aproximao e se hoje
em
dia possuem
ou podem possuir algum tipo
de
relao.
Para a contemplao dos objetivos propostos acima temos, no item nmero
dois, um breve panorama da escravido no Brasil e o posicionamento dos escravos diante da
situao. Como ponto fundamental deste item, temos as informaes relativas ao processo de
abolio da escravido e a situao ps
Lei
urea encontrada pelos ex-escravos no pas que foi
um
momento crucial na histria da Capoeira onde esta recebeu uma conotao marginal e
criminosa por parte do Estado, marca que, como ser visto, carregar por um longo tempo.
No item seguinte, Comeando o jogo passaremos a tratar
da
Capoeira em si,
fazendo uma anlise
de
sua gnese e, a partir da, abrir
um
caminho para o entendimento
da
Capoeira gerada a partir de
um
referencial gnico respaldado por uma disputa tnica,
influenciando fortemente suas manifestaes como tratado no captulo que se segue
Negros e
Mestios.
Este item tem uma importncia fundamental, pois neste momento que as informaes
tratadas nos itens dois e trs se cruzam e determinam as fragmentaes que a Capoeira sofreu no
decorrer
de
sua histria j indicando um caminho a ser percorrido para que
se
chegue na Capoeira
na contemporaneidade.
No item cinco temos a justificativa das fragmentaes apresentadas a part ir das
relaes de preconceito e identidade e ainda uma anlise sobre os caminhos seguidos pela
Capoeira e como ela se expressa nos dias de hoje.
Para tal, foi feito um estudo terico de bibliografias sobre Capoeira, escravido
e preconceito. A busca foi feita entre as bibliotecas da Unicamp por meio de palavras-chave
encontradas em monografias, dissertaes, teses e artigos. Tambm foram utilizadas pginas da
internet encontradas a partir de sites de busca que abordam os mesmos temas sugeridos.
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Aps a coleta e estudo dos materiais foi elaborada uma reviso de literatura e
anlise argumentativa gerando um dilogo entre os temas citados que suscitaram no estudo que se
encena a
seguir.
Para um melhor entendimento do leitor devemos esclarecer que para o termo
capoeira existem diversos significados,
mas
um dos
mais
aceitos no que conceme
nomenclatura da manifestao em questo que capoeira era o nome dado s reas de mata
rasteira que faziam a circunvizinhana das fazendas para onde os negros fugiam e travavam lutas
mortais
contra
os Capites-do-Mato
4
,
que
saam em seus encalos. Muitas
vezes derrotados,
esses
Capites-do-Mato voltavam com a desculpa
de
que 'haviam sido pegos pelos negros n
capoeira'
local onde se davam os embates.
Em estudo realizado por Antnio L C. S. Pires, etimologicamente esta a idia
defendida por Macedo Soares e Henrique de Beaurepaire, - que pressupem ser uma palavra
oriunda do Guarani
capuera
ou
capera -
mato mido, ralo ou, ainda,
cpuera
roa que
deixou de existir.
Outros etimologistas se basearam no canto da ave capoeira para dar nome ao
jogo, uma vez que seus praticantes, tambm escravos, utilizavam o assobio tal qual o canto do
pssaro para se comunicarem (SILVA, 2002, p. 28).
Ainda existem pressupostos que desvinculam a etimologia da capoeira do meio
rural e o vincula ao meio urbano. Oliveira (1951, apud PIRES, 1996) refere-se a capoeira a partir
da idia de que os negros fugidos das fazendas se abrigavam num local chamado
capoeira
(capoeira grande). Este era um ponto de passagem praticamente obrigatrio aos fugidos, pois se
interpunha entre as cidades e as capoeiras e, neste local abrigavam-se os desordeiros, malfeitores
e escravos fugidos os quais saam para a cidade durante a noite com o intuito de saquear e roubar.
Eram, ento, chamados de
capoeiras
pessoas que se escondiam na
capoeira.
Los Rios (1986, apud PIRES, 1996) remete-se
capoeira como advinda da
juno de c - material oriundo da mata (para os indgenas) e
p
- cesto. Da
cap
-
grandes cestos usados pelos escravos para carregar e descarregar mercadorias. Em sua hiptese, a
capoeira enquanto luta teria nascido de disputas na estiva durante o lazer entre companheiros de
trabalho e, dessas disputas de habilidades, teria nascido o jogo do escravo carregador de
Cap.
Os capites-do-mato eram negros livres e pobres que eram usados pelos senhores das fazendas para a captura e
represso
fuga dos escravos uma vez que esses eram conhecedores das formas de fuga e dos terrenos em torno.
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3
Edson Carneiro, embora no negue os aspectos rurais
da
capoetra, no se
detinha apenas neste contexto:
Pode ser que capoeira, gente, venha de capoeira mato, do negro que fugia e dizia e diz-se
ainda: foi pra capoeira, meteu-se na capoeira, caiu na capoeira, e no s do negro que
fugia, mas tambm do recruta, desertor do exrcito e da armada que procurava fugir das
autoridades policiais empenhadas em agarr-los. E diz-se tambm do gado que foge.
m
capoeira poderia ser tambm
um
sinnimo de negro fugido, calhambora, quilombola.
Ainda hoje so sinnimos de gente penosa, faquistas, assassinos e ao mesmo tempo
vivos, esperto, ligeiros, corredor, destro em evitar que os outros lhe peguem, enfim,
capoeira CARNEIRO 1975, apud PIRES, 1996, p. 191).
Toma-se impossvel dissertar sobre Capoeira sem antes conhecer um pouco
sobre o panorama histrico que permeia sua origem. No se pode desvincular a Capoeira do
processo escravocrata vivido pelos negros africanos em solo brasileiro durante cerca de 380 anos.
Processo este marcado por muita explorao e humilhao
e
mesmo dentro desse contexto
desumano os
negros
ainda
conseguiram
fazer valer sua raa.
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4
2 Escravos e
c poeir ss
2 1 A Capoeira e
s
injustiados
Cerca de quatro milhes de negros africanos foram anancados de suas
t
as e
escravizados pelos portugueses
no
Brasil - Colnia. Os colonizadores europeus no se
propunham ao trabalho braal sob hiptese alguma atitude justificada por uma nobreza auto
outorgada.
Como principais grupos tnico-culturais que aportaram no Brasil entre a
segunda metade do sculo XV at o sculo XVIII podem-se destacar: Bantos - como os angolas
congos e cabindas os Sudaneses - como os
iorubs
jejs h us e minas e os Mals - de
tradies muulmanas.
Figura
I: Negros
trazidos ao Brasil
Fonte:
Libertria
2006)
5
capoeiras
com a
inicial minscu
la tz meno aos pralicantes da capoeira antes de sua legalizao. Refereindo-me
aos praticantes aps sua legalizao usarei o termo capoeirista.
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5
Engana-se quem pensa que esta prtica de traficar negros africanos era ilegal:
ela integrava a poltica oficial dos estados polticos mercantis europeus e tambm o brasileiro,
interessados nos pesados impostos cobrados sobre os grandes lucros advindos desse comrcio
anexo A). E foram exatamente esses lucros que, combinados necessidade de mo-de-obra nas
colnias americanas, fizeram com que algumas das maiores companhias de comrcio
6
da Europa
se interessassem
em
participar dessas atividades.
No Brasil, as principais regies receptoras de escravos foram aquelas em que a
economia estava em pleno desenvolvimento: a regio do
acar
litoral nordestino e, a partir
do sculo XVIII, a regio do ouro -
em
Minas Gerais.
Abaixo, as principais rotas do trfico de escravos para as Amricas:
Figura : Rotas do trfico
Fonte: Libertria 2006)
OC
, ._ ~ f ~ V f ; t - , . : . ~
-: t
...
6
As companhias de comrcio
eram
associaes de comerciantes em
que
cada membro participava com uma parte do
capital, juntos conseguiam empreender projetos inviveis
iniciativa individual, sendo o lucro dividido
proporcionalmente aos investidores.
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16
Os
negros eram trazidos ao pas
em
condies totalmente desumanas. Muitas
veLes
amarrados uns aos outros, navegavam desta maneira por cerca de um ms ou mais nos
pores dos navios negreiros. Muitos
no
conseguiam aportar com vida devido
fome, as
p e ~ t e s
aos maus-tratos (anexo B). Os que conseguiam chegar ao Bra
sil
eram batizados fora no
catolicismo e expostos e leiloados como produtos de consumo nos Mercados de Escravos, onde
lhes eram examinados os dentes, a musculatura e at
as
genitlias. Contudo, os leiles de negros
traficados no eram a nica maneira de se obter um escravo. Diversos tipos de transaes
comerciais existiam (anexo C).
Arrematados, ou trocados, ou comprados, ou doados por algum Senhor,
seguiam viagem at sua nova morada
e,
marcados a ferro quente, perdiam-se de si mesmos.
Definitivamente, seus corpos no lhe pertenciam mai s. Suas identidades no
mais existiam. Suas vidas haviam sido roubadas, a nica coisa que lhes restava era a esperana da
liberdade que, diante
de
tanta dor e sofrimento, em alguns adormecia mas,
em
muitos outros
tantos, ebulia incessantemente.
Os negros recm-chegados eram postos juntos aos outros que tiveram a mesma
sorte. Homens e mulheres dividindo
as
senzalas que,
na
maioria
das
vezes, eram pequenas para o
tanto de pessoas que haviam de se alojar, sujas, sem ventilao .. Enfim, sem a mnima condio
de acalanto para sequer alma viva. Este fato pode ser notado a partir da descrio de
um
engenho
feita por Padre Antnio Vieira, datada de
1633:
r gen te toda da cor da
mesma
noite, traballulndo vivamente, e geme
ndo
tudo
ao
mesmo tempo sem momento de
trguas
nem
de descanso:
quem vir em
fim
toda a
mquina e aparato
confuso
e estrondoso daquela Babilnia,
no
poder duvidar, ainda
que tenha
visto
Etnas
e Yesvios,
que
uma semelhana
do
inferno
Liberlria,
2006)
Tinham apenas o direito de obedecer e servir. Trabalhavam de sol a sol nas
fazendas de seus senhores.
Os
que tinham mais sorte conseguiam
um
dia por semana para o
descanso , dia este, que utilizavam para o cuidado com a subsistncia.
Numa mesma propriedade, havia diversos tipos de negros diferentes. Diversos
idiOmas, diversas culturas, diversos hbitos. Propositadamente. Desta maneira, os escravos
encontravam mais obstculos para a comunicao e interao, dificultando a organizao de
revoltas e motins
em
massa.
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7
Contudo, de modo contrrio ao esperado, os negros souberam aproveitar muito
bem essa diversidade cultural.
Ao
invs de haver o isolamento, houve a unio. E, desta mistura de
conhecimentos e tradies, eis que surge o objeto deste trabalho: a Capoeira.
2.2
explorao do homem pelo homem
No perodo da escravido, existia toda uma estrutura organizacional entre o tipo
de trabalho desenvolvido pelos escravos.
De
acordo
com
suas habilidades e/ou caractersticas
pessoais, eram destinados execuo de uma determinada atividade. Esta diviso dava-se da
seguinte maneira:
Escravos Produtivos:
Trabalhavam nas lavouras ou nas minas. Era um trabalho rduo que ia da
aurora ao escurecer. Segundo Charles
R
Boxer (1981), a vida mdia desses escravos era estimada
entre sete e dez anos de trabalho. Deste grupo faziam parte, preferencialmente, homens jovens,
com porte fsico avantajado e de pele mais escura. Tambm os recm-chegados da frica. Eram
chamados de boais .
Escravos de Ganho: Eram os que iam pelas ruas a fim de prestar servios ocasionais e que
deviam,
ao
fim do dia, entregar a seus senhores uma quantia previamente fixada. Neste caso, o
proprietrio se desobrigava de atender s necessidades bsicas do escravo,
na
medida em que este
dispunha de seu tempo com maior liberdade.
Escravos Domsticos: Trabalhavam dentro das casas de seus senhores desenvolvendo diversos
tipos de servio: criados de quarto, amas de crianas, mucamas, cozinheiras, costureiras,
cocheiros entre outros. A maioria dos escravos domsticos eram mulheres, pois grande parte
do
servio disponvel tinha caractersticas femininas para os padres da poca. Eram, tambm.
chamados de ladinos e, em geral, recebiam um tratamento um pouco melhor .
Escravos de Aluguel: Eram os escravos alugados por seu senhor a terceiros. Normalmente
aqueles que realizavam, com propriedade, algum ofcio como a carpintaria, sapataria, culinria
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Figura
3:
Escravos produtivos- lavra de di m ntes 1868
Fonte: Biblioteca Nacional (2006)
l/. .
?);; ' *'
t
J. d4,
~ c . / . . J t
Figma 4 Escravo de g nho vendedor de frutas
Fonte: Biblioteca Nacional (2006)
: ~ o r ; n ~ : 1 tfn : prr ,r,.. : . n ~ r ; ; ; \I'Y. il 1
.
. f i:
Figura
5:
Escravos domst icos - cocheiros
Fonte: Biblioteca Nacional (2006)
I8
Figma 6: Escravos de aluguel Contrato - 1 49
Fonte: Biblioteca Nacional (2006)
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19
Como se pode observar, o escravo era tratado como mercadoria, pois inspirada
no Direito Romano, a lei portuguesa considerava-o coisa do seu senhor , ou seja, classificava-o
como mercadoria ou pea . Podia ser vendido, alugado, emprestado, submetido, enfim, a
todos os atos decorrentes do direito de propriedade.
Independentemente do tipo de trabalho executado, no deixavam de ser
escravos e de, durante todo o tempo, serem lembrados disso por seus senhores, por seus feitores,
pelos capites-do-mato ou por qualquer outro que no estivesse na condio da escravido.
Quando os escravos tomavam alguma atitude que desagradasse de alguma
maneira seus senhores ou aquele que estivesse hierarquicamente acima deles, eram duramente
castigados. Esses desagrados eram muitas vezes descabidos. e at inventados para que os
escravos fossem, propositadamente,
puni os
desta maneira estavam sempre a amedront-los e
intimid-los, dando o exemplo aos outros para que no reagissem de maneira alguma
absolutamente nada.
Dentre as diversas formas de punio aos escravos, a mais comumente usada
eram os Aoites - chicotadas ministradas
no
corpo do escravo fadado ao castigado, geralmente
nas costas, com um chicote de couro. Eles eram amarrados com os braos para cima num tronco
que se localizava numa regio de destaque,
as
vistas dos escravos, com o intuito de serem sempre
lembrados que, a qualquer momento, poderiam ser aoitados. No obstante, permaneciam
amarrados por dias a fio, dependendo da vontade de seus senhores debaixo de forte sol, de chuva,
de vento, de frio e nos ferimentos, era jogado um preparado de gua com sal - a salmoura.
Muitos no resistiam essa tortura e morriam. Aos que resistiam, no raro saam do tronco com
algum tipo de seqela: cegueira, desnaturao e at paralisia devido a machucados na coluna pela
fora das chicotadas. Mas no s no tronco eram aoitados: tambm poderiam sofrer esse tipo de
violncia enquanto amarrados em si mesmos - as mos aos ps. Permaneciam desta maneira
vontade dos Senhores.
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20
2.3
materializao
d
revolta
Cansados deste tratamento monstruoso e desumano ministrado a eles, os
escravos passaram a fugir de seus Senhores e comearam a se organizar em outras moradas as
quais chamavam de Quilombos. Estes escravos refugiados nos Quilombos eram chamados de
quilombolas
[
..
] Foi incontestavelmente, a unidade bsica de resistncia do escravo. Pequeno ou
grande, estvel ou de vida precria, em qualquer regio
em
que existisse a escravido l
se encontrava ele como elemento de desgaste do regime servil. O fenmeno no era
atomizado, circunscrito determinada rea geogrfica, como a dizer que somente em
determinados locais, por circunstncias mesolgicas favorveis, ele poderia afirmar-se.
No. O quilombo aparecia onde quer que a escravido surgisse. No era simples
manifestao tpica. Muitas vezes surpreende pela capacidade de organizao, pela
resistncia que oferece; destrudo parcialmente dezenas de vezes e novamente
aparecendo, em outros locais, plantando a sua roa, construindo suas casas,
reorganizando sua vida e estabelecendo novos sistemas de defesa. O quilombo no foi,
portanto, apenas um fenmeno espordico. Constitua-se em fato normal dentro da
sociedade escravista. Era a reao organizada de combate a uma forma de trabalho
contra a qual se voltava o prprio sujeito que a sustentava. MOURA, 1981, p.38).
Como pudemos perceber a partir do trecho acima, os quilombos representaram
o alicerce da resistncia escrava
e
nele foi depositada a esperana de uma vida digna.
Nestes locais escondidos e fortificados no meio das matas, os negros viviam de
acordo com sua cultura africana, plantando e produzindo em comunidade.
Pouco
sabido sobre a
sua organizao poltica, contudo, aproximava-se muito da cultura africana: Estado chefiado por
um lder supremo.
No Brasil, centenas de quilombos existiram espalhados, principalmente, pelos
atuais estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas, Gois, Mato Grosso e Minas Gerais. O de maior
impacto foi o Quilombo dos Palmares localizado na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas.
Estima-se que cerca de vinte mil quilombo las integravam os mocambos
7
de Palmares m 1670,
contudo, este dado no pode ser afirmado, pois a populao do Quilombo flutuava ao sabor das
conjunturas.
7
Os mocambos eram ncleos de povoamento dos Quilombos.
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2
Devido ao alto preo dos escravos africanos, diversos ataques foram
ministrados ao Quilombo a fim de recuperar os escravos fugidos. Contudo, a resistncia oferecida
pelos quilombolas dificultava seu extermnio.
No ano de 1677, com o intuito de restabelecer o controle sobre a regio, foi
proposto a Ganga Zumba, o ento lder
de
Palmares um tratado de paz, oferecendo liberdade aos
nascidos no Quilombo e a apropriao de algumas terras. Tendo Ganga Zumba tendido para a
aceitao do acordo, muitos quilombolas se revoltaram e o lder do Quilombo foi envenenado.
Assume o controle do Quilombo Zumbi, sobrinho de Ganga Zumba, com idias
totalmente contrrias a qualquer compromisso mais estreito com as autoridades portuguesas.
Desta maneira inicia-se uma nova fase do Quilombo: saindo de cena estratgias de defesa passiva
e adentrando o cenrio estratgias altamente ofensivas, semelhantes s guerrilhas, oferecendo
ataques-surpresa a engenhos com o intuito de libertar escravos e fazer a apropriao de armas. E.
para isso, lanavam mo da Capoeira como meio de ataque/ defesa.
Com esta nova poltica implementada por Zumbi, as autoridades portuguesas
se viram diante de uma forte presso: precisavam, a qualquer custo, retomar o controle sobre os
escravos fugidos. Para isto, contrataram o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho que, como
Dcio Freitas (1971, p. 124) coloca em sua obra
Palmares a guerra dos escravos Os
bandeirantes foram, pois, uma tropa de choque a servio do colonialismo portugus, e no outra
coisa e sua sanguinria ferocidade, sua incrvel resistncia fome e seu ntimo conhecimento
do serto faziam deles o elemento humano ideal para o combate aos palmarinos .
Em
Janeiro de 1964, aps diversas investidas frustradas, Jorge Velho obtm o
sucesso na empreitada que envolveu seis mil homens bem armados. Capturando um quilombola
chamado Antnio Soares e com a falsa promessa de liberdade, Jorge Velho recebe deste a
informao sobre o paradeiro de Zumbi que, numa emboscada, morto no dia 20 de Novembro
de 1695 e tem sua cabea decepada e exposta em praa pblica na cidade de Recife, no alto de
um mastro, para servir de exemplo a outros escravos.
Vale ressaltar que os Quilombos no foram a nica forma de resistncia
apresentada pelos escravos. Cada um, sua maneira, sempre procurava meios de manifestar sua
insatisfao diante da situao, nem que o preo disto fosse a prpria vida. O ndice de suicdios
ente os escravos era imenso, obrigando os senhores a estabelecer relaes de condescendncia
para com seus escravos a fim de no perder mo-de-obra.
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2 4 Liberdade e papel
O processo de abolio da escravido ocorreu paulatinamente. Deu-se atravs
do reflexo de diversos acontecimentos que transcorreram ao longo da histria como a resistncia
negra, os movimentos abolicionistas
8
e
principalmente, por questes econmicas envolvendo o
Brasil e a Europa. Estes interesses europeus estavam ligados ao capitalismo em ascenso. A
escravido no poderia ser aceita como forma de trabalho, pois no existia um salrio e, desta
forma, no haveria meios de fazer a aquisio de qualquer tipo de produto.
Havia tambm no Brasil e na Europa os ideais iluministas em voga, herdados
da Revoluo Francesa, preconizando a igualdade ente todos os homens. Mas, seja
por
razes
econmicas ou ideolgicas, o fato que a Inglaterra, pas com o qual o Brasil mantinha suas
maiores relaes comercias, passou a pressionar sistematicamente o pas para que o trfico de
escravos e a escravido fossem extintos.
Cedendo
as
presses inglesas, D. Joo VI assinou, em Janeiro de 1815, um
tratado que proibia o aporte de navios negreiros em terras brasileiras provenientes da costa
africana localizada acima da Linha do Equador
e
caso fossem pegos, a Inglaterra teria o direito
de afund-los como se fossem navios piratas. No satisfeitos com este tratado, no ano de 1845 a
Lei Bil Abardeen pautada em acordos anteriores, em total desrespeito soberania brasileira, dava
plenos poderes Inglaterra para afundar navios com bandeira brasileira que transportassem
escravos.
O aumento do risco do trfico negreiro fez com que os traficantes de escravos
abandonassem a prtica e com a baixa natalidade e o alto custo do trfico interno adotada como
medida paliativa motivada pela falta de escravos para negociao, em 1850 o Imprio proibiu de
vez o aporte de navios vindos da frica trazendo escravos atravs da
Lei Eusbio de
Queirl A
partir de ento vrios outros projetos colaboraram para que a escravido fosse suprimida: m 28
8
Os movimentos abolicionistas se davam a partir de grupos que, enquanto fora social organizada, visavam ao fim
da escravido. Destes grupos eram pertencentes pessoas das mais variadas classes, profisses e credos. Criaram um
partido poltico em prol da abolio, fundaram rgos de imprensa explicitamente ligados a questes abolicionistas e
usavam de diversas formas de manifestaes para levantar a causa. Tiveram seu apogeu entre as dcadas
de
1860 e
1880. Biblioteca Nacional, 2006)
9
Eusbio de Queirs era ministro vinculado
ao
Partido Conservador que fomentava a idia de o pas proibir, por si
s, o trfico negreiro para que sua soberania no fosse afetada.
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de Setembro de 1871 Visconde do Rio Branco apresentou o projeto de Lei do Elemento Servil, a
qual ficou conhecida por
Lei do Ventre Livre
Esta lei no s dava a liberdade para os filhos de
escravos nascidos a partir daquela data como tambm criava os direitos do escravo e
regulamentava os castigos.
Outras leis foram sendo promulgadas em decorrncia das presses
internacionais e das correntes abolicionistas: Em 1885 a
Lei dos Sexagenrios
previa a libertao
de escravos com mais de sessenta anos. Poucos escravos, porm, puderam se beneficiar desta lei,
uma vez que a expectativa de vida dos mesmos era muito baixa.
As rebelies de escravos se intensificaram com a eminncia da liberdade, bem
como os movimentos abolicionistas e neste cenrio catico, Princesa Isabel, Regente do Imprio
na ausncia de
D.
Pedro
II
assinou, no dia 13
de
Maio de 1888, com pena de ouro, a Lei urea,
lei esta que abolia a escravido no Brasil.
A Lei urea, com intuito nico de abolir a escravido no Brasil, deixou as
margens da misria uma gama de ex-escravos. Sem emprego e moradia muitos continuaram a
servir seus antigos senhores. E, ento, eis que surge uma nova classe no pas: a dos ex
escravos, os quais foram marginalizados e subjugados pelas elites. E, neste contexto marginal, se
evidencia a Capoeira, causando temor na classe dominante pelo simples fato de conhecerem o
poder dos capoeiras, que pde ser mostrado
na
Revolta dos Mercenrios
10
.
Tanta preocupao causou
os
ex-excravos solta pelas cidades que, em 11 de
Outubro de 1890, o novo Cdigo Penal da Repblica, Captulo XIII Dos vadios e
capoeiras-
enquadra a Capoeira como delito ou contraveno criminal.
Temos em Marinho (1945, apud SILVA, 2002, p. 46):
Art. 402 - Fazer nas ruas e praas pblicas exerccios de agilidade e destreza corporal,
conhecidos pela denominao de capoeiragem: andar em correrias, com armas ou
instrumentos capazes de produzir uma leso corporal, provocando tumulto ou desordens,
ameaando pessoa certa ou incerta ou incutindo temor ou algum mal.:
Pena: De priso celular de dois a seis meses.
Pargrafo nico - considerada circunstncia agravante pertencer o capoeira a algum
bando ou malta. Aos chefes ou cabeas se impor a pena em dobro.
Art. 403 - No caso de reincidncia ser aplicado ao capoeira, no grau mximo a pena do
art. 400 (pena de um a trs anos em colnias penais que se fundarem em ilhas martimas,
10
A Revolta dos Mercenrios um episdio pouco conhecido na Histria do Brasil. Os mercenrios eram soldados
estrangeiros que lutavam a favor de um exrcito de outra nacionalidade mediante pagamento de um soldo.Em 1928,
os mercenrios revoltados pelo no pagamento por parte da Coroa, causam uma sublevao militar a qual foi contida
pelos capoeiras a pedido do Exrcito Brasileiro.
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ou nas fronteiras
o
territrio nacional, podendo para esse
fim
serem aproveitados os
presdios militares existentes .
Pargrafo
n o
Se for estrangeiro ser deportado depois de cumprir a pena.
Art 404 - se nesses exerccios de capoeiragem perpetrar homicdios, praticar leso
corporal, ultrajar o pudor pblico e particular, e perturbar a ordem, a tranqilidade e a
segurana pblica ou for encontrado com armas, incorrer cumulativamente nas penas
cominadas para tais crimes.
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omeando
o jogo
No se sabe onde, no se sabe quando e, instiga-nos saber a
origem da
Capoeira. Existem alguns pressupostos sobre a Capoeira ser brasileira, outros sobre ser africana e
at indgena.
Em sua obra A negregada Instituo - os capoeiras no Rio de Janeiro escrita
em 1993 e publicada em 1994, Carlos Eugnio Lbano Soares apresenta algumas teorias sobre a
origem da Capoeira. Atribui o pioneirismo destes estudos Plcido de Abreu, um militante
republicano, escritor e praticante
da
Capoeira nascido
em
Portugal, autor da obra s Capoeiras
datada de 1886:
um
trabalho difcil estudar a capoeiragem desde a primitiva porque no bem
conhecida a sua origem. Uns atribuem-na aos pretos africanos, o que julgo um erro, pelo
simples fato que na frica no conhecida a nossa capoeiragem e sim alguns
sortes de
cabea. Aos nossos ndios tambm no se pode atribuir porque apesar de possurem a
ligeireza que caracteriza os capoeiras, contudo, no conhecem os meios que estes
empregam para o ataque e a defesa. O mais racional que a capoeiragem criou-se,
desenvolveu-se e aperfeioou-se entre ns. (ABREU, 1886 apud SOARES, 1993, p.
10).
Esta pnme1ra linhagem de escritores categorizada como
cronistas.
Deste
grupo ainda faz parte Alexandre Mello Moraes Filho, o qual iniciou sua obra quando da represso
movida pelo governo provisrio de Deodoro da Fonseca e que passaria
histria como a morte
da Capoeira no Rio de Janeiro (SOARES, 1994, p. 10). Sua obra traz a idia base da
apoeira
como luta nacional :
Como a febre amarela, que no sabemos por que espanta tanta gente e quer-se a todo
transe debelar, a capoeiragem, que uma
luta nacional
[grifo nosso], degenerando em
assassinatos, tem merecido perseguio sem descanso, guerra sem condies.
Entretanto, na Europa o tifo, a difteria, o clera e mais epidemias produzem anualmente
grandes destroos e a cincia no cogitou nunca do seu extermnio, mas de preveni-las;
os jogos de destreza e fora so regulados em seu exerccio, disciplinados pela arte, no
havendo quem
se
oponha, seno aos abusos. (MORAES FILHO, s.d. apud SOARES,
1994, p. 10
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26
A partir
de
Mello Moraes
foi que
se deu incio o resgate
do
tema
Capoeira
o
qual foi inserido no contexto das ginsticas blicas por Coelho Neto. Este no apenas reala
suas caractersticas ginsticas como tambm a celebra como a verdadeira educao fsica no
Brasil, que deve ser ensinada em todos
os
lugares onde a educao seja importante. Mas, para
isso, era preciso apagar todo seu histrico degenerativo de crimes e violncias
e
ainda, eliminar a
navalha
11
de seu meio. Abaixo, um relato marcante de Coelho Neto em O Bazar 1928:
m
1910, Germano Haslocher, Luiz Murat e quem escreve essas linhas, pensaram
em
mandar um projeto mesa da cmara dos deputados tornando obrigatrio o ensino da
capoeiragem nos institutos officiais e nos quartis, desistiram, porm, da idia porque
houve quem a achasse ridcula, simplesmente porque tal jogo era .. brasileiro (NETO,
1928 apud PIRES, 1996, p. 222, como no original).
Nas primeiras dcadas
do
sculo XX h uma crescente sobre
as
discusses que
permeiam a origem da Capoeira. Assunto tambm abordado pela imprensa, mais particularmente
por um artigo publicado na revista Kosmos
datado de 1906, assinado por L.C., o qual faz
minuciosa representao nacional da Capoeira a partir de um embasamento racial:
Porque, quando, e como nasceu a capoeira? Na transio provavelmente do reinado
portugus para o Imprio livre, pela necessidade do independente, phisicamente fraco de
se defender ou agredir o ex-possessor, robusto, nos distrbios, ento freqentes
em
tavernas e matulas, por atrictos constantes de nacionalidade, tendo a sua gnese em dois
pontos diversos ( .. ) criou-a o esprito inventiva do mestio porque a capoeira no
portuguesa, nem mesmo negra, mulata, mestia, cafuza, e mameluca, isto ,
cruzada, mestia ( .. ) a navalha do fadista da mouraria lisboeta, alguns movimentos
sambados e simiescos do africano e, sobretudo, a agilidade, a levipidez felina e pasmosa
do ndio nos saltos rpidos, leves e imprevistos L. C., 1906, apud PIRES, 1996, p. 221,
como no original).
Atravs dos pressupostos citados, podemos perceber a tendncia desses autores
em colocar a mestiagem como sendo o que de fato brasileiro tomando-a smbolo racial
representativo da identidade nacional sendo esta, composta pelas misturas oriundas dos negros
africanos, os brancos portugueses e os ndios. Neste contexto inserem a Capoeira como mestia,
portanto, legitimamente brasileira, negando o que do negro africano, ocasionando
um
enfraquecimento da Capoeira enquanto um smbolo de resistncia e tentando minimizar sua
memria escrava apontando para um caminho racista para a construo de uma cultura nacional.
Para ilustrar esta tentativa de legitimar a Capoeira como sendo brasileira,
podemos nos remeter
Alusio de Azevedo que, em sua obra O Cortio deixa bem clara esta
11
A navalha um elemento que foi agregado capoeira do sculo XX a partir dos fadistas vindos de Portugal.
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idia
ao
fazer a descrio
do
personagem Firmo, usando os traos definidores da raa
representante
do
nacionalismo:
[ .. ]
um
mul to [grifo nosso] pachola, delgado de corpo e gil como um cabrito, s de
maadas, e todo ele se quebrando nos seus movimentos de capoeira.( .. ) Pernas e braos
finos, pescoo estreito, porm forte; no tinha msculos, tinha nervos (AZEVEDO,
1991, p 49).
Silva (2002) nos atenta que h, nesta descrio, a naturalizao das
caractersticas do personagem, o que absolutamente compreensvel pelo fato de Alusio de
Azevedo pertencer ao gnero literrio naturalista, expressando-se atravs
do
seu embasamento
nas teorias biologizantes.
Ainda encontramos traos das vises biologizantes em autores como Slvio
Romero, o qual inicia o pressuposto da origem africana da Capoeira, juntamente com Manuel
Raimundo Querino, na mesma poca em que Plcido de Abreu iniciava a defesa da Capoeira
brasileira , final
do
sculo XIX, No creio
que
o jogo s ~ j brasileiro, mesmo porque
conhecido com possveis familiares na Amrica Central (ROMERO, 1981 apud PIRES, 1996, p
216).
Romero referia-se a outros tipos
de
danas, lutas e rituais encontrados em
outros pases das Amricas os quais tambm receberam negros escravizados advindos da frica
como a mani oubombosa de Cuba e a alagya de Martinica (SOARES, 1994).
Para reforar a idia, anos mais tarde,
j
em meados do sculo XX, Luiz da
Cmara Cascudo trataria dessa temtica a partir das informaes colhidas por um viajante
portugus- Neves e
Souza-
que forneceu dados sobre diferentes manifestaes encontradas no
continente africano semelhantes Capoeira como a Bssula - luta de pescadores da regio de
Luanda, a
Dana da Zebra
ou
n
Golo
12
da regio
de
Mocupe e Mulondo, atual sul de Angola.
Manuel Raimundo Querino, profundo conhecedor das manifestaes da cultura
africana no Brasil, filho de escravos da Bahia e descendente de uma longa linhagem de
sacerdotisas do candombl e aristocratas africanos discordara veementemente da Capoeira
enquanto ginstica nacional , introduzida por Coelho Neto: defendia a origem escrava e africana
12
De acordo com SOARES, o n'Golo tratava-se de [ .. ] uma dana cerimonial de iniciao[ .. ] Realizada durante as
festas do mufico, rito de puberdade das moas do grupo, executada dentro de um grande crculo de pessoas da
tribo, que batendo palmas marcam a cadncia. Dentro da roda, dois jovens realizam a dana da zebra, ou n'Golo, na
qual, imitando movimentos de animais, tentam atingir o rosto do oponente com o p .
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desta manifestao, indo em total dissonncia com as produes da poca, onde o racismo
cientfico tomava seu pice, abrindo caminho idia
culturalista
da Capoeira. E, a partir de
Querino, temos o incio do paradigma culturalista
13
, apesar de deixar transparecer resduos de
uma viso biologizante da cultura:
O angola era em geral pernstico, excessivamente loquaz de
gestos amaneirados, tipo completo e acabado do capadcio e o introdutor da capoeiragem no
Brasil (QUERINO, 1988 apud PIRES, 1996, p. 217).
Com essa afirmativa, conseguimos identificar uma
naturalizao da cultura
pois Querino atribui as origens da Capoeira aos negros escravos vindos de angola, fazendo uma
generalizao de seus trejeitos.
Pires (1996) nos traz um importante esclarecimento sobre o entendimento de
Querino. Adverte-nos de que precisamos estar cientes de que Querino classifica como angolas
os negros vindos da regio de Angola esquecendo-se, no entanto, que esta classificao
se
dava a
partir do Porto de embarque dos negros. Os angolas eram aqueles que embarcaram no Porto de
Luanda bem como os minas os que embarcaram no Porto de So Jorge da Mina. Isto significa
que nem sempre os negros embarcados eram de uma mesma etnia apesar de apresentarem, na
maioria das vezes, um mesmo tronco lingstico.
Seguindo os rastros deixados por Querino, Edison Carneiro surge como o ponto
alto da pradigma culturalista tendo seus trabalhos, sido de fillndamental importncia para a
construo dos smbolos culturais dos negros no Brasil. Carneiro ainda estabelece o pensamento
folclorista
da Capoeira, no buscando uma Capoeira do passado, uma lembrana da escravido,
contudo, no deixando completamente de lado o memorialismo, Os capoeiras da Bahia
denominam o seu jogo de vadiao - e no passa disto a capoeira, tal como se realiza nas festas
populares da Cidade. Os jogadores se divertem fingindo lutar. (CARNEIRO, 1975 apud
SOARES, 1994).
Este novo enfoque, a Capoeira enquanto manifestao popular, exemplar da
expresso ldica do povo d as diretrizes para o tema a partir da dcada de 30, os quais so
reforados por Cascudo, o qual
j
foi citado acima, e sofrendo sua saturao com Waldeloir
Rego, defensor da capoeira brasileira, em sua obra
Capoeira
e
Angola: ensaio scio-
etnogrfico
datada de 1968, que seria uma sntese sobre tudo o que fora escrito sobre o tema.
13
O paradigma culturalista veio enfraquecer o modelo biolgico e a diferena passa a ser pensada enaunto diferena
cultura l (MAGGIE, 1991, apud PIRES, 1996, p. 218)
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O tambm folclorista General Couto de Magalhes foi um dos poucos a
defender a ongem indgena da Capoeira, traando uma ligao direta com o fato de sua
etimologia mais aceita ser advinda do Guarani. Magalhes defende a valorizao da cultura
indgena como alicerce da construo
da
identidade nacional. No podemos negar a influncia
indgena na construo dessa identidade, contudo, o enfoque dado por Magalhes sobre a
Capoeira era de primitividade, ao animalesca, gerando uma desvalorizao da cultura indgena
enquanto civilizao organizada e desqualificando a Capoeira enquanto manifestao cultural
(PIRES, 1996,
p.
223).
A partir de todas estas discusses que permearam o tema desde meados do
sculo XIX at o sculo XX podemos observar que, na inteno de se estabelecer uma identidade
para a Capoeira, segundo Pires (1996,
p.
227)
Os intelectuais manipularam as categorias de cor, cultura e nacionalidade o que revela os
mecanismos de manipulao das tradies culturais que obedecem aos espaos
permitidos pelas ideologias raciais. Dessa forma, eles inscreveram a capoeira como
smbolo tnico na sociedade brasileira.
Esta discusso sobre a origem da Capoeira nos conduz a fazer uma anlise
sobre o processo de ruptura que esta sofreu entre seus praticantes que passaram a se auto-
categorizar entre angoleiros e regionais devido s diferenas ideolgicas induzidas pelos
intelectuais acima abordados que, na nsia de estabelecer a Capoeira enquanto parte integrante da
cultura nacional, acabaram por fragmentar sua prtica.
Esta fragmentao acabou sendo sustentada pela simbologia tnica embutida na
prtica da Capoeira: Os regionais so pautados na origem mestia, portanto, brasileira da
Capoeira enquanto os ditos angoleiros na origem puramente negra, ou seja, africana.
A capoeira Regional, por ser produzida a partir de uma relao mais prxima
aos discursos desportivos, passa a ser vista,
no
correr do sculo XX, como uma
forma de embranquecimento cultural , frente capoeira Angola que, seria a
representao da pureza e por isso, da negritude (PIRES, 1996,
p.
225).
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4
Negros
e
Mestios
Desde o incio da capoeiragem h conflitos tnicos que permeiam o
desenvolvimento da manifestao em questo levando, em diversos momentos de sua histria, a
fragmentaes.
Como visto no captulo anterior, os conflitos tnicos bem como os ideolgicos
podem ser considerados os principais aspectos que do sustentao a essas divises que, antes
mesmo de existirem os Regionais e os Angoleiros
-
assunto abordado mais frente - em
meados do sculo XIX j existiam
as
Maltas dos Nagoas e Guaiamus
4 1
Das Maltas
As maltas eram grupos formados por capoeiras os qums se segregavam por
motivos tnicos, ideolgicos, geogrficos e polticos na cidade do Rio do Janeiro do sculo XIX e
se constituram na unidade fundamental de atuao dos praticantes de capoeiragem:
Durante o Segundo Imprio, a capoeira chegou ao auge,
foi
verdadeiramente aquela
poca a do seu pleno domnio e mximo desenvolvimento [ ] Foram formados os
partidos aguerridos, as maltas como eram chamados: Conceio da Marinha, Moura
apa[ ] REVISTA KOSMOS, 1906, apud SOARES, 1994, p 39).
Por volta da poca da Abolio, a nomeao e formao das maltas vinham
sofrendo alteraes tanto nas nomenclaturas quanto nos campos de atuao: as maltas foram
conquistando terreno na cidade e em seus arredores e foram fundindo-se umas s outras at, por
fim, terminarem em apenas duas: Nagoas e Guaiamus
J na poca da Proclamao da Repblica, a cidade do Rio de Janeiro se via
totalmente dividida em dois grandes grupos rivais, definindo um alinha divisria que mantinha
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nagoas e gumamus em lado opostos e em permanente conflito pelo controle geogrfico e
ideolgico:
Dividiam-se em dois partidos - o dos guaiamus e dos nags, ou nagoas, cada qual mais
ou menos localizado numa parte da cidade. Aludia-se frequentemente zona dos
guaiamus e zona dos nagoas, como se fossem territrios intransponveis para uma ou
outra faco. (MORAIS, 1985, apud SOARES, 1994, p. 40).
Entre as maltas tambm existia a preferncia poltica que acabou por se
constituir numa maneira de proteger a existncia da capoeira uma vez que as perseguies
policiais eram freqentes:
Estava no domnio pblico a razo principal da impunidade que eles gozavam.
Era
que
chefetes polticos de algumas parquias no se vexavam de proteg-los, em
compensao por servios que prestavam por ocasio das eleies [ .. ] E isso aprecia
encontrar tal ou qual confrrmao nesta circunstncia: quando subiam os liberais eram
mais frequentemente presos os nagoas, acontecendo o inverso se iam para o poder os
conservadores[ ..] (MORAIS, 1985, apud SOARES, 1994, p. 41).
A partir do trecho transcrito acima da obra de Evaristo de Morais Da
Monarquia para a Repblica podemos perceber que os capoeiras faziam o papel de cabos
eleitorais e guardies dos polticos na poca das eleies. Podemos entender tal conduta dos
capoeiras a partir da idia da troca de favores , uma vez que o capoeira auxiliava o poltico em
sua proteo e empreitada
e
em contrapartida, estes polticos ofereciam proteo a eles. Ainda
fica implcito no trecho que os guaiamus defendiam uma poltica liberal enquanto os nagoas uma
poltica conservadora.
Entrando no ponto onde podemos encontrar as diferenas apresentadas pelas
duas maltas, com uma busca etimolgica, podemos notar que a particularidade tnica entra em
cena mais uma vez. Segundo o dicionrio
de
Macedo Soares,
Nag
=
Nagoa
adjetivo; gente da
nao nag da costa dos escravos da frica Ocidental. Guaiamum caranguejos
14
.
Ainda encontramos em SOARES, 1994, pp. 45-46, outros estudiosos destas
etimologias como Morais e Silva que se aproxima muito da definio de Macedo
Soares-
Nag:
negro iorubano que usava trs lanhos no rosto// lngua dos nags e Guaiamu: caranguejo/siri
14
Reduzi a definio dada por Macedo Soares o qual, em seu dicionrio, toma as palavras de frei Vicente do
Salvador, cronista do Brasil colonial do sculo XVII, para recuperar a terminologia indgena: H muitas castas de
caranguejos, no
s
no mar e nas praias entre os mangues, mas tambm em terra ente os matos, uns
de
cor azul
chamados guaiamus [ .. ] (MACEDO SOARES, 1889 apud SOARES, 1994, p. 45).
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32
de uma s unha , Agenor de Oliveira atribui a corruptela em tupi-guarani Qua ya o que mora
no buraco, o indivduo do buraco e tambm pode significar
Guara m um
indivduo negro,
escuro .. encontrado nas praias e pntanos da Ilha do Governador e do continente . A partir de
Oliveira, Soares tece um comentrio relevante,
No incuo lembrar
que
de acordo com a geografia da capoeira, ressaltada por Plcido
de Abreu a rea dos guaiamus correspondia antiga parcela pantanosa da cidade, regio
em que
proliferavam
os
crustceos
como os do mesmo nome
(SOARES, 1994
p.
46).
Em Soares, 1994, podemos perceber que a geografia das maltas nos ajuda a ter
um entendimento
de
sua constituio e ideologias.
Os
guaiamus ocupavam a zona central da
cidade do Rio de Janeiro e os nagoas ocupavam a circunvizinhana. A partir deste dado,
conseguimos entender o processo de composio das maltas: a rea central, tambm conhecida
por Cidade Velha, onde havia maior densidade demogrfica na poca, era dominada pelos
guaiamus. Esta malta tinha como membros os crioulos, mestios, navalhistas. Os nagoas
ocupavam
as
regies mais distantes e menos povoadas, regies estas que, tradicionalmente,
recebiam
os
escravos recm-chegados. Por este motivo, identificava-se um maior nmero de
capoeiras africanos nesta malta.
No s geograficamente
as
maltas se diferenciavam. Existiam diversos aspectos
pelos quais seus integrantes faziam questo
de
se contrapor. Diferenciavam-se at pela cor e
estilos das vestimentas.
Os guaiamus eram designados pela cor vermelha, advinda da indiaria pela
pintura com o urucum e pela predileo portuguesa.
Os nagoas ficavam com o branco que, segundo plcido de Abreu significava
pureza, alegria, dedicao aos santos no martirizados .
Segundo anlise feita por Soares,(1994, p.48), a partir destes dados temos o
apontamento de
uma tendncia: [
..
] nagoa teria relao com africanos e baianos, seguidores da
religio dos orixs, ou pelo menos prximos. Guaiamum seria uma tradio nativa, crioula ,
natural da terra, ligada aos escravos nascidos no Brasil .
Na gravura que se segue, temos claramente um negro para ilustrar
os
nagoas e
um mulato para designar os guaiamus.
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Figura 7: Nagoas e Guaiamus
Fonte: SOARES 1994)
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34
4.2 Bimba Bamba ..
A Capoeira Regional teve como criador e defensor Manoel dos Reis Machado -
o Mestre Bimba. Nascido em
23
de Novembro de 1899 em Salvador/BA, Mestre Bimba teve sua
iniciao na Capoeira aos doze anos
de
idade. Aprendeu a arte como ela se apresentava n poca:
pelas ruas da cidade, tida como manifestao de marginais. Desta maneira teve a oportunidade de
apreender a Capoeira em seu todo - enquanto forma de luta, vadiao, divertimento, defesa
pessoal, expresso ldica, folclrica, entre outras.
Segundo anlises das obras referentes Mestre Bimba feitas por Silva (2002,
p.101) o Mestre diferenciava a Capoeira entre aquela praticada nas rodas (a de exibio e
fruio), a dos ringues (modalidade esportiva) e a das ruas (marginal) .
Mestre Bimba ministrava aulas de Capoeira, clandestinamente, na dcada de 20
s pessoas ligadas ao seu crculo de relaes e com o passar do tempo, sua Capoeira foi tomando
dimenses maiores e ampliou-se o nmero de participantes pertencentes s camadas mais
elevadas de Salvador.
Bimba foi-se distanciando da Capoeira original pelo fato de consider-la uma
luta ineficiente. E, desta maneira, foi fazendo as modificaes necessrias para que surgisse a
Luta Regional Baiana cujo prprio nome nos revela a caracterstica primeira na qual Bimba
intencionava inserir a Capoeira. A luta regional baiana era uma mistura da Capoeira
tradicionalmente praticada com alguns golpes e posies oriundas do batuque modalidade n
qual seu pai merecia grande destaque.
Podemos encontrar na Luta Regional Baiana influncias de Annibal
Burlamaqui, o pioneiro em propor, em 1928, uma metodizao da Capoeira admitindo sua
origem escrava, Nascendo a capoeiragem nasceu o primeiro esforo para a liberdade dos cativos
no Brasil e, sendo assim, a sua origem , pois, santificada . (BURLAMAQUI, 1928, apud
SILVA, 2002
p.
77).
O mtodo proposto por Burlamaqui foi chamado de
Mtodo Zuma:
[
..
] Zuma a quarta parte de meu segundo nome, como tambm porque uma feliz
coincidncia faa com que se perceba a letra Z
no
centro de campo de luta que adaptei
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para meu methodo de capoeiragem, diferenciando-o dos campos de sports communs
(BURLAM QUI, 1928 apud SILVA, 2002, p. 78, como no original).
Este mtodo se assemelhava muito
ao
Boxe, pois se dava a partir de assaltos
com durao de trs minutos e intervalos de dois, at se completar uma hora e casou houvesse
empate na contagem dos pontos, o combate seguiria at a queda mortal (nocaute). A luta se daria
numa rea determinada por dois crculos tendo, o maior deles, um raio de 4 metros
e
o menor,
um raio de cinqenta centmetros, onde se daria o embate. Dentro deste campo, uma letra
Z
que
serviria de rota para a apresentao dos lutadores. O Juiz permaneceria entre os crculos maior e
menor.
Figura 8: Campo de combate Mtodo Zuma.
Fonte: SILVA (2002, p. 82)
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36
Contudo, anteriormente a Burlamaqui, h registro de uma pnme1ra
sistematizao da Capoeira assinada por O.D.C
15
.
1907:
O Guia
d
Capoeira ou Gymnastica
brazileira
que tinha o intuito de incorporar a Capoeira como luta ou ginstica nacional:
[ ] levantar a Gymnastica Brazileira do abatimento em que jaez(ia), nivelando-a como
singularidade ptria,
ao
socco inglez, savatta franceza, lucta allem, s corridas e
jogos to decantados em outros pazes. Nossa briosa mocidade hoje descinhece pal mor
parte, os trabalhos e termos da art antiga, e por isso ns resolvemos publicar o presente
guia (O.D.C., 1907, apud SILVA, 2002,
p
72, como
no
original).
Nesta obra O.D.C. deixa clara sua concepo de capoeira enquanto luta de
defesa pessoal quando faz uso das seguintes palavras, [ .. ] ensinando a qualquer pessoa o meio
de deffender-se de possveis agresses sem o auxlio de armas e s com
os recursos naturaes dos
braos, cabea e ps [ .. ] .
Aps essa breve explanao sobre o surgimento de sistematizaes e
metodologias para a Capoeira, retomamos
Luta Regional Baiana. Para Silva (2002), o intuito de
Mestre Bimba com a criao desta era de elevar o
status
da Capoeira. E, para que isso ocorresse,
retirou o ensino e prtica da Capoeira das ruas, local de marginalidade e contraveno,
transferindo-a a um local fechado: a academia. Passou a estabelecer regras ticas e morais aos
seus alunos como no fumar, no beber, estudar possuir um trabalho
16
.
A partir disso, podemos perceber que o mestre foi justamente ao encontro de
todas
as
premissas de educao moral e cvica que regiam o ensino formal da poca, incluindo as
ordens disciplinares em que se pautava a educao fsica. Vemos, ainda, que Mestre Bimba
demonstrou uma enorme [ ] capacidade de compreender o momento histrico onde estava
inserido e se adequar a ele (SILVA, 2002, p 103).
Foi ento que, em 1937, mestre Bimba conseguiu o registro oficial do
Centro
e
Cultura Fsica e Capoeira Regional o qual funcionava na ilegalidade desde 1932,
autorizando-o a ministrar suas aulas. Com sua academia regulamentada Bimba no tardou em
15
Em Pires, 1996, h uma hiptese de que O.D.C. seria Coelho Neto que preferira no
se
identificar por causa dos
valores atribudos Capoeira na poca: Actualmente o capoeira representado pelo desgraado vagabundo, trouxa,
cachaa, gatuno, faquista ou navalhista (O.D.C., 1907, apud SILVA, 2002,
p
72, como
no
original) e tambm pela
funo que exercia: [ ... ]
um
distincto official do exrcito brazileiro, mestre em todas as armas, professor de militares
e habilssimo
na
gymnastica deffensiva ou verdadeira arte
do
capoeira (O.D.C., 1907 apud SILVA, 2002,
p
73,
como
no
original).
16
Nota-se uma preocupao em desvincular a imagem do capoeira
ao
do malandro vagabundo.
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7
divulgar sua metodologia para o ensino-aprendizagem da Capoeira Regional, a
Seqncia de
Ensino
ou, como ficou conhecida at os dias de hoje, a
Seqncia
e
imba
entendida por Silva
(2002), como
uma
codificao organizada por ele para repassar sua experincia adquirida no
d
. ' .
17
mun o capoemst1co .
Para Mestre Itapoan
Raimundo
Csar Alves de Almeida
18
-
Mestre
Bimba
dizia que:
Esta seqncia uma srie de exerccios fsicos completos e organizados em um nmero
de lies prticas e eficientes, a fim
de que o principiante em capoeira, dentro do menor
tempo possvel, se convena do valor da luta, como um sistema de ataque e defesa
(ALMEIDA, 1982, apud SILVA, 2002, p. 104).
Podemos acompanhar a seqncia pedaggica proposta por Bimba nas
ilustraes e explanaes que se seguem sobre elas:
Aluno 1
Meia Lua de frente
Meia Lua de frente
com
armada
A
Ro
Aluno 1
Queixada
Queixada
Cocorinha
Beno
A
Ro
PRIMEIRA SEQNCIA DE BIMBA
Aluno 2
Cocorinha
Cocorinha com
negativa
Cabeada
SEGUNDA SEQNCIA DE BIMBA
Aluno 2
Cocorinha
Cocorinha
Armada
Negativa
Cabeada
17
Adotarei a definio de SILVA, 2002, para o termo mundo capoeirstico sendo, este o universo cultural produzido
pelos praticantes desta manifestao cultural no vinculados ao meio universitrio .
18
Mestre ltapoan, dentista por profisso, comeou a praticar a capoeira em 1964 com Mestre Bimba e
hoje, um
dos maiores conhecedores deste smbolo da Capoeira. Foi quem escreveu e divulgou a biografia do Mestre.
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Aluno
Martelo
Martelo
Cocorinha
Beno
R
o
Aluno
Goldeme
Goldeme
Arrasto
R
o
Aluno
Giro
Joelhada
Negativa
R
o
TERCEIRA SEQNCIA
E
BIMBA
Aluno 2
Banda
Banda
Armada
Negativa
Cabeada
QUARTA SEQNCIA DE BIMBA
Aluno 2
Bloqueio
Bloqueio
Galopante
Negativa
Cabeada
QUINTA SEQNCIA DE BIMBA
Aluno 2
Cabeada
Negativa
Cabeada
8
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Aluno 1
Meia Lua e
compasso
Cocorinha
Joelhada
Ro
Aluno 1
Armada
Armada
Negativa
Cabeada
Aluno 1
Beno
Ro
SEXT SEQNCI
DE
BIMB
Aluno 2
Cocorinha
Meia Lua e
compasso
Negativa
Cabeada
STIM SEQNCI
DE
BIMB
Aluno 2
Cocorinha
Cocorinha
Beno
Ro
OIT V SEQNCI DE BIMB
Aluno 2
Negativa
Cabeada
Figura 9: As seqncias de Bimba
Fonte: Unicar Portugal 2006)
39
Podemos perceber que a metodologia
se
assemelha aos mtodos
ginsticas no que conceme execuo de movimentos descontextualizados de seu
sentido como forma de aprender o movimento e fortalecer o corpo. Contudo, quando
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inseridos no jogo
de
Capoeira, passavam a fazer total sentido
e
com isso, Bimba
conquistou grande sucesso no ensino-aprendizagem da Capoeira com estas seqncias.
A Metodologia de Bimba ainda possui alguns outros movimentos
como a ponte
e a queda de rim
20
alm de uma outra seqncia de golpes conhecida
por
Cintura Desprezada
tambm conhecida por
Bales
ou
Golpes Ligados.
A partir da
Cintura Desprezada a polmica sobre a pedagogizao e a descaracterizao da Capoeira
tomou propores maiores, pois esta seqncia lana mo
de
golpes de outras lutas para
sua composio, gerando descontentamento dos praticantes da Capoeira Tradicional.
Bimba ainda foi o responsvel por inserir o ritual do
Batizado
na
Capoeira. Este ritual consiste na demonstrao do aprendizado do aluno em uma roda de
Capoeira tendo, este, que jogar com um membro mais antigo e conseguir operacionalizar
os ensinamentos obtidos durante seis meses
de
treinamento. Superada esta primeira fase
que se legitimava neste ritual, o aluno recebia um leno
2
como forma de graduao. Na
continuidade da formao dos capoeiristas por Mestre Bimba, mais trs meses de
treinamento que
se
dividiam ente dois na academia e um na mata da Chapada do Rio
Vermelho em Salvador/BA, treinamento este que Mestre Bimba considerava importante
pelo fato de terem de vivenciar emboscadas e aprender a manejar armas brancas como
porretes, foices e faces.
Atravs desta prtica conseguimos visualizar uma grande proximidade
que Mestre Bimba tinha com os treinamentos militares, uma vez que Bimba ministrou
aulas no Centro de Preparao de Oficiais da Reserva do Exrcito CPOR) de Salvador,
durante trs anos a partir de 1939. Podemos, ainda, ver esta influncia na maneira como
ministrava suas aulas na academia:
[ .. ] era emocionante v-se aquela figura, que era o Mestre, todo vestido
de branco desde s primeiras horas da tarde, com um apito pendurado no
pescoo ..) multando os formando que chegassem atrasados .. ) A multa
correspondia em pagar para os formados antigos, uma ou mais cervejas
[ .. ] ALMEIDA, 1982, apud SILVA, 2002, p. ll3).A partir deste
trecho escrito por Mestre Itapoan, j citado anteriormente,
podemos verificar o distanciamento
de
Bimba relacionado
19
A ponte um elemento proveniente da ginstica artstica inserida por Mestre Bimba no contexto
capoeirstico que usada como elemento de ligao ente movimentos e/ ou golpes.
20
A queda de rim um movimento utilizado para fazer reverncia ao comandante da roda e tambm para
anunciar o incio do jogo. Tambm pode ser usado como elemento de ligao a outros movimentos ou
golpes.
21
O leno usado por Mestre Bimba pode ser entendido como uma influncia dos navalhistas portugueses
que usavam um leno
de
seda pura no pescoo para
se
protegerem do fio da navalha, pois esta seria
incapaz de cortar o tecido.
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aos preceitos morais quando a multa faz-se atravs de bebidas
alcolicas, aproximando a Capoeira da vadiao - fator este
que o Mestre demonstrava querer desvincular e, ao mesmo
tempo, vemos uma aproximao ao militarismo, o qual
exercia extrema influncia nas prticas fsicas da poca,
quando vemos Bimba com um apito pendurado no pescoo ,
como diz no excerto acima.
Talvez tenha sido a partir desta aproximao com o militarismo
reinante na poca e a vinculao da Capoeira valores ticos (apesar do trecho acima
refutar esta afirmativa) que mestre Bimba tenha conquistado e aberto o espao da
Capoeira Regional tendo conquistado at o apoio do ento Presidente da Repblica
Getlio Vargas quando este, num encontro no Palcio do Governo em 1953, proferiu as
seguintes palavras: A Capoeira o nico esporte verdadeiramente nacional
Figura 10: Mestre Bimba e o Governo
Fonte:
Capoeira Gerais 2006)
Mestre Bimba veio a falecer no dia
05
de Fevereiro de 1974 devido
um
enfarto fulminante aps sua ltima roda de Capoeira. Este fato deu-se em Goinia
para onde foi com a famlia seguindo uma falsa proposta feita pelo Governo de que teria
excelentes condies para disseminar a Capoeira Regional. O Mestre foi enterrado em
Goinia e, em 1978, seus restos mortais foram levados Salvador onde se encontram at
hoje. Deixou
13
filhos, milhares de alunos e um lema: A Capoeira a arte do bem-
viver (Associao de Capoeira Mestre Bimba, 2006).
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42
4 3 salve
Mestre
Pastinha
e a
Capoeira
angola
Vicente Ferreira Pastinha nasceu no dia 05 de abril de 1889 na cidade
de Salvador/BA. Teve sua iniciao na Capoeira aos dez anos de idade atravs dos
ensinamentos de um negro Angolano chamado Benedito.
Mestre Pastinha optou por aprender a Capoeira devido ao fato de
sempre levar a pior nas brigas que aconteciam com um garoto mais velho, o qual vivia
perseguindo-o e que morava em sua rua. Aps aprender alguns fundamentos, certo dia,
numa das investidas de briga
do
garoto, Pastinha lanou mo dos conhecimentos que
adquiriu com Benedito e conseguiu, pela primeira, nica e ltima vez, levar a melhor
diante do garoto. Por este motivo, Pastinha passou a nutrir admirao por esta forma de
luta e afirmava que:
[ ..] esse jeito de lutar de brincadeira, como ainda fazemos hoje, era a
maneira do escravo se exercitar, disfarando-se de bailarino na frente
do feitor, [ .. ] capoeirista mesmo muito disfarado, ladino,
malicioso. Contra a fora, s isso mesmo (REIS, 1997 apud SILVA,
2002, p. 116 .
Atravs desta passagem, podemos notar a defesa de Mestre Pastinha
quanto
origem escrava da Capoeira que acabou sendo sufocada pela esportivizao e
branqueamento de tal manifestao.
Pastinha comeou a ensinar a Capoeira muito cedo, primeiramente na
Escola da Marinha, posteriormente, entre 1910 e 1922 no Mirante do Campo da Plvora
e, por fim, no Cruzeiro de So Francisco a partir de 1922. No final da dcada de 20,
Mestre Pastinha abandonou a Capoeira retomando apenas no incio da dcada de 40, e
at hoje no se sabe o motivo. Segundo observaes feitas por Pires, 1996, este
afastamento pode ter ocorrido por motivos particulares.
Na tentativa de resgatar a Capoeira original, alguns Mestres como
Livino, Mar, Aberr, Amouzinho entre outros costumavam
se
reunir na Ladeira da
Pedra, no bairro da Liberdade, em Salvador para jogar Capoeira. Esta roda tambm era
conhecida como
Roda da Gengibirra
onde, segundo palavras do prprio Mestre
Past inha [ .. ] L era uma roda com os maiores mestres da
ahia[
.. ], l s tinha mestre,
nada de aluno, s mestre[ .. ] (FILHO, 1997 apud SILVA, 2002, p. 120).
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43
At ento, a roda da Gengibirra era administrada por Amouzinho, que,
no dia 23
de
fevereiro
de 1941
passa a frente da roda para Mestre Pastinha como
podemos ver com seu prprio depoimento:
Aberre ento me convidou para ir apreci-lo jogar na Gengibirra, com o que
eu concordei. Em vinte e trs de fevereiro de 1941 fui a esse lugar como
prometera a Aberre e com surpresa, o Sr. Amouzinho, dono daquela capoeira,
apertando-me a
mo
disse-me: hpa muito
que
o esperava para lhe entregar esta
capoeira para o senhor mostrar. Eu ainda tentei me esquivar desculpando-me,
porm terminando a palavra o Sr. Antnio Mar disse-me: no h jeito no
Pastinha, voc mesmo quem vai mostrar isso aqui FILHO, 1997, apud
SlL VA 2002, p. 119).
Na nsia de legitimar a Capoeira Angola como a forma original e
tradicional da Capoeira em confronto com a Regional, que ganhara espao, Mestre
Pastinha tomou a frente da Roda da Gengibirra que, em determinado momento que no
se sabe ao certo quando, passou a se chamar I Centro Desportivo de Capoeira Angola
Enquanto a Capoeira Regional tinha o apoio Governamental, a Capoeira Angola tinha o
apoio
dos
intelectuais da poca como Edison Carneiro, Carib e Jorge Amado fator, este,
encorajador para
que os
angoleiros seguissem em frente na empreitada de legitimar a
Capoeira Angola enquanto smbolo da legtima Capoeira.
Com a morte de Amouzinho em 1944, Mestre Pastinha passou a dar
um rumo diferente
ao
Centro. Onde era um local apenas de fruio da Capoeira entre
os
conhecedores da arte, passou a ser um local de ensino desta prtica, o que no agradou
aos demais capoeiristas que abandonaram a Gengibirra. Passando por momentos difceis,
Pastinha muda-se do bairro da Liberdade passando por diversos locais at se fixar, em
1950, na Ladeira do Pelourinho, nmero dezenove.
No se sabe ao certo quais foram os reais motivos pelo qual houve a
ruptura entre os angoleiros, contudo, a partir dos manuscritos do Mestre Noronha,
podemos considerar esta possibilidade:
[ ..] Centro de Capoeira Angola foi no Morro da Ladeira da Pedra Liberdade
cujo Centro esta entegue au SNR Vicente Pastinha que este da Ladeira do
Pirolinho
n
19. Foi o nico da nossa confiana nossa na pica foi registrado
por Vicente Pastinha e fez muito aluno e nos ficamo izolado do Centro porque
os grande amigo hero os dono ate a propia mulher hera a dona uma tal Nice a
origem do nosso afastamento do centro do Perolinho
n 19
nos dono no
tivemos direito a
nada[
..] COUTINHO,
1993
apud SILVA, 2002, p. 121,
como
no
original).
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44
De acordo com as palavras de Mestre Noronha, pudemos verificar que
o motivo da ruptura tenha sido uma guerra de poderes que se deu entre os fundadores do
Centro que ento, resolveram se desligar de Pastinha, o qual [ ] passou a encabear
novas mudanas para que a Capoeira Angola se adaptasse ao momento histrico
(SILVA, 2002, p. 121), fator este que causou desagrado a outros membros como Mestre
Noronha e mestre Livino, os quais fundaram o
Centro de Capoeira Angola Conceio
da Praia
Mestre Pastinha seguiu com os ensinamentos da Capoeira Angola no
tendo a proximidade pedaggica militarista vigente na poca. Buscava dar grande nfase
s mincias do jogo, ao ritmo, aos rituais para que a Capoeira primeira ainda se fizesse
presente nas rodas: Angola, capoeira me. Mandinga de escravos em nsia de liberdade;
seu princpio no tem mtodo; seu fim
inconcebvel
ao
mais sbio capoeirista
22
.
A partir desta explanao sobre os principais tipos de Capoeira que se
desenvolveram no decorrer dos anos, podemos chegar concluso de que todas as
vertentes tiveram papel fundamental na legitimao da identidade da Capoeira enquanto
smbolo nacional, independente de suas origens mais remotas. O papel de bandidagem,
malandragem e vadiao no mais couberam a esta manifestao, uma vez que passou a
ser legalizada desde 1937. Contudo, at os dias de hoje, a Capoeira vem sofrendo
modificaes que se fazem
de
acordo com o momento histrico.
22
Estes dizeres ficavam fixados na parede da academia de Capoeira de mestre Pastinha, segundo Reis
(1997, p. 142).
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5 No jogo de dentr0
3
As diversas fragmentaes e ressignificaes que a Capoeira sofreu ao
longo de sua trajetria podem ser entendidas como uma questo de sobrevivncia desta
manifestao.
Otvio Ianni (1992) encontrado em Abib (2004, p. 17) nos traz a idia
da apropriao de padres, signos e valores como forma de se armar para a defesa, a
resistncia e a emancipao. Esta situao, quando transposta para o mundo
capoeirstico, nos auxilia no processo de entendimento de suas fragmentaes que foram
fruto de um preconceito pautado nas suas origens e no seu desenvolvimento, o qual se
deu entre os negros e mestios, escravos ou libertos tendo, como ponto comum, o
pertencimento classe mais inferior da sociedade, estigmatizada pela classe branca,
elitizada e dominante, justificando os caminhos tomados pela Capoeira na
contemporaneidade.
5.1 O Preconceito a relao identitria e a Capoeira
Agnes Heller (2000) define o preconceito como sendo um tipo
particular de juzo provisrio
e
sendo este provisrio, tem a chance de se modificar
atravs das experincias sociais e individuais. Seguindo a mesma linha de Heller, temos
Sant' Anna (2001) que coloca o preconceito como parte integrante dos fenmenos sociais
e
ainda, dos fenmenos psicolgicos. Sendo assim, Sant ' Anna conceitua o preconceito
como sendo
uma opinio preestabelecida, que imposta pelo meio, poca e
educao. Ele regula as relaes de uma pessoa com a sociedade.
Ao regular, ele permeia toda a sociedade, tomando-a uma espcie
de mediador de todas as relaes humanas. Ele pode ser definido,
tambm, como uma indisposio, um julgamento prvio, negativo,
23
O jogo
de
dentro uma forma de se jogar a Capoeira. aquele jogo que explora os mnimos espaos,
baixo, minucioso e cheio de armadilhas.
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que se faz