Post on 29-Mar-2016
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Cartas em tempo de guerra
Guerra Colonial Portuguesa
1961-74
► Salazar mobilizava tropas, na flor da idade,
para combaterem no Ultramar. “Para Angola,
rapidamente e em força!”
► Iniciou-se uma guerra de guerrilha iria
durar 13 anos, com vitórias e reveses de parte
a parte.
► De Lisboa partiam sucessivos contingentes
de militares com destino às colónias.
► Esta Guerra sem tréguas levou a que
Portugal ficasse cada vez mais isolado a nível
internacional, levando Salazar a fazer a
célebre afirmação:
“Estamos orgulhosamente sós”.
Três Frentes de Batalha em África
Guerra Colonial
Nas três frentes o ambiente que se vivia era o mesmo: a morte e o desespero
estavam presentes no dia a dia dos nossos soldados.
Jovens soldados morriam em África, longe dos seus familiares,
numa guerra com a qual não concordavam, mas eram
obrigados a ir.
O cenário de guerra era demasiado stressante, o convívio com a morte dos
camaradas deixou sequelas nos sobreviventes, que permanecem até hoje.
“A morte saiu à rua…”
Mães, mulheres, noivas e restantes familiares faziam
peregrinações em Portugal.
Quantos regressavam vivos, mas
estropiados.
A romaria ao Santuário de
Fátima por familiares em
desespero, era um cenário
recorrente na Metrópole.
Movimento Nacional Feminino
♦ O Movimento Nacional Feminino (MNF) foi criado no dia 28 de Abril de 1961 pela Drª Cecília Supico Pinto. Tratava-se de um movimento patriótico de mulheres, que se dedicaram ao apoio moral e, tanto quanto possível, material dos militares que prestavam serviço no Ultramar.
♦ Para além de outras iniciativas, foi este Movimento que criou
os célebres e populares aerogramas. Baratos e por vezes grátis,
sem precisarem de selo nem de sobrescrito, tiveram uma larga aderência de militares e famílias como forma prática e rápida de trocarem correspondência postal.
Áreas de Intervenção do Movimento Nacional Feminino
• Presidente:
Cecília Supico Pinto (durante os anos de existência do Movimento)
• - Apoio Social:
• a) Secção de embarque b) Secção das madrinhas de guerra c) Serviço de acolhimento de feridos e doentes d) Secção de visitas aos hospitais e) Secção de empregos f) Secção de assistência à família g) Serviço de urgência
• - Administrativas:
• a) Secretaria b) Tesouraria
O Movimento Nacional Feminino (1961-1974) apresentava-se como
uma estrutura de mulheres criada e organizada para apoiar os militares,
as suas famílias e o esforço do Estado Português em África.
De facto, a secção do Movimento com o nome de Madrinhas de
Guerra, incluída nos seus registos, disponibilizava para apoio aos
soldados nas colónias.
As mulheres teriam que cumprir os seguintes requisitos: nacionalidade
portuguesa, maiores de 21 anos, moral idónea, espírito patriótico,
coragem, capacidade de sacrifício, confiança na vitória e capacidade de
transmissão dessa ideia.
Às Madrinhas de guerra era pedido/estipulado a
distracção do(s) seus(s) afilhados através da troca de
correspondência na qual se devia transmitir coragem,
confiança, orgulho pela prestação de um importante
serviço à Pátria.
Por outro lado, deviam também estabelecer contactos
com a(s) família(s) desse(s) soldado(s), amparando-a(s)
em tudo o que fosse possível, nomeadamente em
termos morais e materiais.
Registe-se que o pedido dos soldados de "Madrinhas de Guerra" devia fazer-se directamente para a Comissão Central do Serviço Nacional de Madrinhas, onde era devidamente analisado e correspondido de acordo com as possibilidades.
Salienta-se que as madrinhas deviam ser da mesma região, cidade ou povoação vizinha do(s) afilhado(s), por questões de afinidade, conhecimento da família e mais fácil prestação de apoio. Importa dizer que o aumento entretanto verificado do número de pedidos tornou notória a insuficiência de inscrições por parte de voluntárias.
As "Madrinhas de Guerra", pelo tipo de trabalho
desenvolvido, foram muito importantes em termos de apoio
psicológico àqueles que estava longe de sua casa e dos
seus familiares
Uma carta recebida e uma carta escrita eram fundamentais
num contexto como aquele em que milhares de homens
(jovens) se encontravam.
Madrinhas de Guerra
MADRINHAS DE GUERRA:
"Que cada uma de nós se lembre que lá longe, nas províncias
ultramarinas, há rapazes que deixaram tudo: mulheres, filhos, mães,
noivas e o seu trabalho, o seu interesse, tudo enfim, para cumprirem o
seu dever de soldados. É preciso que as mulheres portuguesas se
compenetrem da sua missão, e assim como eles estão cumprindo o seu
dever, lutando pela nossa querida Pátria, também vós tendes para
cumprir o vosso, lutando pelo bem-estar dos nossos soldados - luta essa
bem pequenina, pois uma só palavra, um pouco de conforto moral basta
para levar alguma felicidade aos que estão contribuindo para a defesa da
integridade do nosso Portugal.
OFEREÇAM-SE PARA MADRINHAS DE GUERRA. MANDEM O VOSSO
NOME E A VOSSA MORADA PARA A SEDE DO MOVIMENTO
NACIONAL FEMININO".
("Madrinhas de guerra". In: Revista Presença. Nº 1, 1963, p. 36-37).
A Crónica Feminina Nessa altura circulava em Portugal uma
revista, a “Crónica Feminina”, que,
apesar de ser considerada leitura inferior,
era lida religiosamente todas as semanas,
quer pelas novidades da moda, quer pelo
fotonovela - folhetim, encaixado nas
páginas centrais.
Na última página era havia uma lista de
pedidos de correspondência: Beltrano
Sicrano, 1º cabo do RA5, em comissão
de serviço na Guiné, deseja
corresponder-se com menina dos 17
aos 25 anos, alegre, comunicativa e que
goste de música pop. Resposta para o
SPM 123456789. Era mais ou menos este
o teor do pedido. Entrou na moda, estava
na moda.
Eu fui Madrinha de Guerra
“Os anos 60 (finais) e 70 preencheram a minha
adolescência e juventude. O rock, o flower power, a mini-
saia, ocupavam os nossos dias descontraídos enquanto
que as baladas, os livros emprestados à socapa e a
guerra no ultramar deixavam no ar perguntas sem
resposta e desenhavam uma realidade mal
compreendida.
Todos os rapazes meus conhecidos passavam por um
interregno nas suas vidas. Largavam os empregos, as
famílias, os amigos e abalavam do cais de Alcântara, aos
magotes, para África. O porquê era sempre uma pergunta
difícil de responder.”
"Querido militar:
(...) Lutas pela paz da tua família. Lutas para que, em tua
casa, todos possam viver sem terror. Lutas para que os
rapazinhos de agora tenham aquela Pátria grande e livre
que herdaste!
Tu enfrentas de armas na mão, orgulhosamente, o
inimigo que pretende roubar a segurança do teu lar!
Obrigada, soldado! SAÚDA-TE A TUA MADRINHA".
("Querido Militar". In: Revista Mensagem.
Nº 2, 1962, p. 2).
Madrinhas de Guerra na primeira pessoa
“Então eu respondia a esses gritos de solidão, de liberdade adiada. Durante três ou quatro anos fui madrinha de guerra de uns quantos soldados. Os aerogramas não tinham franquia, pelo que a correspondência circulava com muita assiduidade. Eram palavras simples, descrições do dia a dia, relatos de filmes, letras de canções, poemas, fotografias, postais ilustrados. Enfim, baús cheios de tesouros para quem estava confinado ao mato, à imensidão africana, longe de tudo e de todos.”
Madrinhas de Guerra na primeira pessoa
“Havia um dia em que o aerograma
trazia a notícia do fim da comissão, o
agradecimento profundo pelos bons
momentos de leitura e o conforto que as
palavras da madrinha desconhecida
tinham dado. A vida continuava.”
“Por duas ou três vezes houve um último aerograma sem resposta do
lado de lá. O passar dos dias encarregou-se de apagar a dúvida, um
pensamento doloroso.
De todos os afilhados de guerra, só conheci um. Acabada a sua
tarefa, voltou para a terra e veio conhecer-me. Trouxe o irmão com
quem tinha sido criado e ficou amigo lá de casa. As coisas que ele
contava eram um mundo à parte. Ajudou-me a compreender a tal
realidade que nos passava um pouco ao lado e trouxe-me algumas
respostas às tais perguntas difíceis. Ajudou-me a crescer em
consciência. Hoje recordo-lhe o riso franco e aberto. O Tempo, esse
insano amigo, levou o resto.”
♦ A correspondência entre os
militares e as suas famílias, amigos,
namoradas e madrinhas de guerra
era realizada através deste suporte em papel designado “aerograma”. Os
de cor amarela eram destinados ao
correio entre as províncias
ultramarinas e a metrópole,
enquanto os de cor azul faziam o
percurso inverso.
♦ Dobrados sobre si mesmos,
guardaram sonhos e promessas de
amor, outras vezes medos e
fantasmas. Foram o elo de ligação
entre a distante e quente África e o
cantinho mais escondido de Portugal
continental e insular.
♦ Em qualquer ponto de África onde houvesse militares lá chegavam os aerogramas, também designados por “bate-estradas” ou “corta-capim” embora chegassem via aérea através dos pequenos aviões militares Dornier (DO).
♦ Apesar de a morada do militar ser definida por código, o chamado SPM (Serviço Postal Militar) a entrega do correio nunca falhou, mesmo tendo em conta uma média de 10 toneladas por dia de correio que o SPM tratava e enviava. O indicativo postal do SPM era composto por 4 dígitos e nos primeiros tempos de guerra os três primeiros definiam a unidade militar e o último a província ultramarina. Moçambique tinha o 4, Angola o 6 e a Guiné o 8. Só com esta definição do último dígito era fácil ao SPM em Lisboa encaminhar o correio para a respectiva província.
♦ Quanto aos três primeiros dígitos e dado que a mobilização de unidades em África cresceu muito, houve a necessidade de rapidamente se alterar o critério inicial, mas mantendo sempre o último dígito definidor do território de destino.
Mas o correio não nos trazia só aerogramas, por vezes também vinham algumas encomendas mais pesadas. Essas eram sempre as mais desejadas.
Base táctica da Cecília (2/11/1971), no planalto do Luaia, província do Uíge,
Angola,
• NR: Quem quiser conhecer em detalhe a história do SPM não deixe de ler o
livro “História do Serviço Postal Militar” de Eduardo Barreiros e Luís Barreiros.
NATAL DE 1971
“O primeiro que o nosso Batalhão passa em Moçambique. Não nos
detivemos a chorar o facto de nos encontrar-mos longe dos nossos
familiares, a quem muito queremos. Não que os esqueçamos, tentamos
sim, viver esta quadra o melhor que nos for possível. No dia 13 de
Dezembro, tivemos a presença amiga e generosa de D. Lisete Lopes,
locutora do Rádio Clube de Moçambique e orientadora do programa
dedicado às Forças Armadas, que saía para o ar todos os Sábados à
tarde. Nesse dia esteve também presente uma equipa de reportagem do
Rádio Clube de Moçambique que em colaboração com a Emissora
Nacional, vieram gravar mensagens dos soldados para serem ouvidas na
Metrópole.” In Blogue de antigos soldados
Cecília Supico Pinto em visita às tropas
Cecília Supico Pinto em visita às
tropas
Do amor em tempo de guerra
Ivo M. Ferreira vai adaptar ao cinema o livro “D’este viver aqui neste papel descripto”, de António Lobo Antunes. Ferreira leu as cartas e apaixonou-se por elas. Os aerogramas de Angola são mais do que a história de um jovem médico: existiu um drama coletivo que convém não esquecer. Trata-se de um filme sobre a interrupção abrupta da vida de um jovem durante a guerra colonial, reivindica de alguma forma um episódio da nossa história recente que foi de certa maneira apagado com a Revolução.
A História é assim: Há um homem e uma mulher que esperam um filho, no meio de um amor do tamanho do mundo. Mas há uma guerra e há um dia em que a guerra bate à porta, obriga a fazer as malas, impõe a separação. Esse homem é médico, jovem, sonha em ser escritor, a guerra não é com ele, como não era para muitos como ele. Mas passa a ser. À distância de uma desgraça que deixa a vida em suspenso, escreve centenas de cartas para casa. A escrita é o refúgio, é vir à tona, é pensar na vida que existe lá fora, no sossego. Um dia a guerra acaba e, mais tarde, aquele amor do tamanho do mundo também termina. Dobra-se o século, o milénio, e as cartas passam a livro. O jovem que as escreveu já é escritor e parte daquela juventude perdeu-se em Angola.
•
D'este viver aqui neste papel descripto É um livro que reúne cartas de António Lobo
Antunes escritas durante a guerra colonial, entre
1971 e 1973, em Angola.
O livro de António Lobo Antunes, "D'este viver aqui
neste papel descripto", foi apresentado na gare
Marítima de Alcântara, local escolhido para que
autor e editora pudessem evocar os militares que
ali embarcavam para o Ultramar.
No livro o autor reúne a recordação, ainda bastante viva, da Guerra Colonial, contendo as cartas que este escreveu a Maria José, a sua primeira mulher, enquanto esteve na guerra em Angola.
O livro foi apresentado por Joana e por Maria José, as duas filhas do escritor, que organizaram a obra depois de a mãe, entretanto falecida, ter autorizado a publicação das missivas que António Lobo Antunes lhe dirigira de Angola.
Para Joana Lobo Antunes, publicar as cartas permite "preservar a memória" do largo período (1971-1973) que o pai, então médico recém-formado, passou a dez mil quilómetros de casa.
O medo de dormir e não voltar a acordar ou de se levantar e nunca mais regressar à cama e os gritos de um soldado quando pisava uma mina e ficava mutilado foram algumas das recordações de um cenário de pesadelo que ainda está vivo nas lembranças dos antigos recrutas.
No dia 27 de Janeiro de 1971, Lobo Antunes escrevia assim:
“Minha namorada querida
Aqui cheguei, finalmente, a Gago Coutinho, depois de uma viagem apocalíptica, como nunca pensei ter de fazer em qualquer época da minha vida: partimos às 3 horas da manhã dia 22, em autocarros tipo Claras, de Luanda para Nova Lisboa, através de um cenário maravilhoso, mas que à 23ª hora começou a cansar-me. Chegámos de madrugada a Nova Lisboa, dormimos nas camionetas, e às 3 da tarde do dia 29 (ou 23?), depois dos 600 km de autocarro, meteram-nos no comboio para o Luso: 2 dias de viagem em vagões de 4ª classe – essa famosa invenção dos ingleses para os habitantes do 3º mundo, e que a companhia dos caminhos-de-ferro de Benguela inglesmente adoptou - em grandes molhos de pernas e de braços, de armas e de cabeças. Essas carruagens possuem apenas 3 únicos bancos longitudinais: dois ao correr das janelas e o último, duplo, ao centro, como uma risca ao meio. Como faltavam vagões , assistiu-se então a um espectáculo indescritível: de todo o lado surgiram membros que pareciam não pertencer a nenhum corpo. (…) Mas tudo passou, continuo a resistir, e amo-te.
Isto é o fim do mundo: pântanos e areia. A pior zona de guerra de Angola: 126 baixas no batalhão que rendemos, embora apenas com dois mortos, mas com amputações vaias. Minas por todo o lado.” António Lobo Antunes
O Regresso dos Militares
A alegria do reencontro/ Regresso do Soldado são e salvo…
As Nossas Jornadas IV
Grupo de História
Biblioteca Escolar
23 de Maio de 2012