Post on 02-Feb-2016
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Poemas de Paul Celan
Fala Também Tu (Sprich auch du)
Fala também tu, fala em último lugar, diz a tua sentença.
Fala — Mas não separes o Não do Sim. Dá à tua sentença igualmente o sentido: dá-lhe a sombra.
Dá-lhe sombra bastante, dá-lhe tanta quanta exista à tua volta repartida entre a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite.
Olha em redor: como tudo revive à tua volta! — Pela morte! Revive! Fala verdade quem diz sombra.
Mas agora reduz o lugar onde te encontras: Para onde agora, oh despido de sombra, para onde?
Sobe. Tacteia no ar. Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecível, subtil! Mais subtil: um fio, por onde a estrela quer descer: para em baixo nadar, em baixo, onde pode ver-se a cintilar: na ondulação das palavras errantes.
(Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)
Grelha de Linguagem (Sprachgitter)
O círculo dos olhos entre as barras.
Animal vibrátil a pálpebrarema para cima,descobre um olhar.
Iris, nadadora, sem sonhos, e turva:o céu, cinzento-coração, deve estar perto.
Oblíqua, no bico de ferro,a apara fumegante.Pelo sentido da luzadivinhas a alma.
(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.Não estivemos nóssob uma mesma monção?Somos estranhos.)
Os ladrilhos. Sobre eles,bem juntas, as duaspoças cinzento-coração:duasbocas cheias de silêncio.
(Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)
Havia terra neles, ecavavam.
Cavavam e cavavam, assim passavao seu dia, a sua noite. E não louvavam a Deus,que, segundo ouviam, queria tudo isto,que, segundo ouviam, sabia tudo isto.
Cavavam e não ouviam mais nada;não se tornavam sábios, não inventavam nenhuma canção,não imaginavam qualquer espécie de linguagem.Cavavam.
Veio um silêncio, veio também uma tempestade,vieram os mares todos.Eu cavo, tu cavas, e o verme cava também,e aquilo que ali canta diz: eles cavam.
Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh tu:para onde íamos que não fomos para lado nenhum?Oh tu cavas e eu cavo, cavo-me para chegar a ti,e no dedo acorda-nos o anel.
(Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)
SALMO
Ninguém nos moldará de novo em terra e barro,ninguém animará pela palavra o nosso pó.Ninguém.
Louvado sejas, Ninguém.Por amor de ti queremos florir.Em direcção a ti.
Um Nadafomos, somos continuaremosa ser, florescendo:a rosa do Nada, ade Ninguém.
Como estilete claro-de-alma,o estame ermo-de-céu,a corola vermelhada purpúrea palavra que cantámossobre, oh sobreo espinho.
(tradução de Yvette Centeno e João Barrento)
TÜBINGEN, JANEIRO
Olhos con-
vertidos à cegueira.
A sua - "são
um enigma as puras
origens" - , a sua
memória de
torres de Holderlin flutuando no esvoaçar
de gaivotas.
Marceneiros afogados visitando
estas
palavras a afundarem-se:
Se viesse,
se viesse um homem,
se viesse um homem ao mundo, hoje, com
a barba de luz dos
patriarcas: só poderia,
se falasse deste
tempo, só
poderia
balbuciar, balbuciar
sempre, sempre,
só só.
("Pallaksch. Pallaksch.")