Transcript of Coletânea de Textos
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572008000200020
HISTÓRIA
Mitsuko Aparecida Makino Antunes*
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Abordar a história, os compromissos e as perspectivas da Psicologia
Escolar e Educacional significa tratar de três dimensões
fundamentais de seu estatuto como área de conhecimento articulada a
um campo de prática social. A natureza dessa relação se expressa,
pelo menos, em duas dimensões: a psicologia educacional como um dos
fundamentos científicos da educação e da prática pedagógica e a
psicologia escolar como modalidade de atuação profissional que tem
no processo de escolarização seu campo de ação, com foco na escola
e nas relações que aí se estabelecem. Dada a complexidade e a
multiplicidade dessas questões, seu estudo comporta um amplo
espectro de focos possíveis, tornando necessária uma delimitação
que implica a opção por alguns caminhos em detrimento de outros,
que podem ser abordados em outras oportunidades.
Numa perspectiva mais ampla, poder-se-ia tratar a Psicologia
Escolar e Educacional por algumas de suas articulações mais
antigas. A Grécia Antiga, entre outras civilizações, constitui-se
numa rica fonte de estudos, por sintetizar, em sua produção
filosófica, a teoria do conhecimento, as idéias psicológicas e as
propostas sistemáticas de educação da juventude e sua
correspondente ação pedagógica. É possível, nessa perspectiva,
estudar Protágoras e os sofistas, Pitágoras e a escola pitagórica,
Sócrates e a maiêutica, Platão e a Academia, Aristóteles e o Liceu,
entre muitos outros. Por esse mesmo foco é possível estudar o
pensamento medieval, em que filosofia/teologia, educação/pedagogia
e idéias psicológicas permaneceram intimamente articuladas. A
modernidade trará uma complexidade que amplia muito o espectro de
análise dessas relações, proporcionando um campo quase
incomensurável de estudos, que estende para a contemporaneidade
suas determinações e nela se faz presente. Em última análise,
pode-se afirmar que a relação entre psicologia e educação,
sobretudo em suas mediações com as teorias de conhecimento, é algo
que acompanha a própria história do pensamento humano e
constitui-se como complexo e extenso campo de estudo. Esta não é a
perspectiva que será aqui tratada, mas reiterá-la é necessário para
indicar a complexidade e a totalidade da qual faz parte o foco sob
o qual a Psicologia Escolar e Educacional será abordada neste
texto, qual seja, a Psicologia Escolar e Educacional no
Brasil.
O presente compõe-se de uma discussão inicial sobre alguns
pressupostos do estatuto da Psicologia Escolar e Educacional, uma
breve história das relações entre psicologia e educação no Brasil e
um ensaio sobre os compromissos e as
perspectivas colocadas para a construção de uma Psicologia Escolar
e Educacional comprometida socialmente com os interesses da maioria
da população.
Estatuto da Psicologia Escolar e Educacional: alguns
pressupostos
Essa discussão exige, antes de mais nada, a explicitação de alguns
conceitos presentes nos termos da expressão Psicologia Escolar e
Educacional.
Entendemos educação como prática social humanizadora, intencional,
cuja finalidade é transmitir a cultura construída historicamente
pela humanidade. O homem não nasce humanizado, mas torna-se humano
por seu pertencimento ao mundo histórico-social e pela incorporação
desse mundo em si mesmo, processo este para o qual concorre a
educação. A historicidade e a sociabilidade são constitutivas do
ser humano; a educação é, nesse processo, determinada e
determinante.
A escola pode ser considerada como uma instituição gerada pelas
necessidades produzidas por sociedades que, por sua complexidade
crescente, demandavam formação específica de seus membros. A escola
adotou ao longo da história diversas formas, em função das
necessidades a que teria que responder, tendo sido, em geral,
destinada a uma parcela privilegiada da população, a quem caberia
desempenhar funções específicas, articuladas aos interesses
dominantes de uma dada sociedade. Essa realidade deve ser, no
entanto, compreendida também a partir de suas contradições,
sobretudo a concepção de escola como instância que se coloca hoje
como uma das condições fundamentais para a democratização e o
estabelecimento da plena cidadania a todos, e que, embora não seja
o único, é certamente um dos fatores necessários e contingentes
para a construção de uma sociedade igualitária e justa. Sob essa
perspectiva, a escola, tal como nós a concebemos, tem como
finalidade promover a universalização do acesso aos bens culturais
produzidos pela humanidade, criando condições para a aprendizagem e
para o desenvolvimento de todos os membros da
sociedade.
A pedagogia pode ser entendida como fundamentação, sistematização e
organização da prática educativa. A preocupação pedagógica
atravessa a história, sustentando-se em diferentes concepções
filosóficas, constituindo-se sob diversas bases teóricas e
estabelecendo várias proposições para a ação educativa. Com o
desenvolvimento das ciências a partir da modernidade, o
conhecimento científico tornou-se sua principal base de
sustentação.
A Psicologia Educacional1 pode ser considerada como uma
sub-área da psicologia, o que pressupõe esta última como área de
conhecimento. Entende-se área de conhecimento como
corpus sistemático e organizado de saberes produzidos de
acordo com procedimentos definidos, referentes a determinados
fenômenos ou conjunto de fenômenos constituintes da realidade,
fundamentado em concepções ontológicas, epistemológicas,
metodológicas e éticas determinadas. Faz-se necessário, porém,
considerar a diversidade de concepções, abordagens e sistemas
teóricos que compõem o conhecimento, particularmente no âmbito das
ciências humanas, das quais a psicologia faz parte. Assim, a
psicologia da educação pode ser entendida como sub-área de
conhecimento, que tem como vocação a produção de saberes relativos
ao fenômeno psicológico constituinte do processo
educativo.
A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito
profissional e refere-se a um campo de ação determinado, isto é, o
processo de escolarização, tendo por objeto a escola e as relações
que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos conhecimentos
produzidos pela psicologia da educação, por outras sub-áreas da
psicologia e por outras áreas de conhecimento.
Deve-se, pois, sublinhar que psicologia educacional e psicologia
escolar são intrinsecamente relacionadas, mas não são idênticas,
nem podem reduzir-se uma à outra, guardando cada qual sua autonomia
relativa. A primeira é uma área de conhecimento (ou sub-área)
e, grosso modo, tem por finalidade produzir saberes sobre o
fenômeno psicológico no processo educativo. A outra constitui-se
como campo de atuação profissional , realizando intervenções
no espaço escolar ou a ele relacionado, tendo como foco o fenômeno
psicológico, fundamentada em saberes produzidos, não só, mas
principalmente, pela sub-área da psicologia, a psicologia da
educação.
Relações entre Psicologia e Educação no Brasil: uma breve história
A história da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil pode ser
identificada desde os tempos coloniais, quando preocupações com a
educação e a pedagogia traziam em seu bojo elaborações sobre o
fenômeno psicológico. Massimi (1986; 1990), ao estudar obras
produzidas no período colonial, no âmbito da filosofia, moral,
educação e medicina, entre outras, identifica temas como:
aprendizagem, desenvolvimento, função da família, motivação, papel
dos jogos, controle e manipulação do comportamento, formação da
personalidade, educação dos indígenas e da mulher, entre outros
temas que, mais tarde, tornaram-se objetos de estudo ou campos de
ação da psicologia. É importante destacar que a maioria desses
escritos estava comprometida com os interesses metropolitanos e
expressava as mazelas de sua dominação na colônia. Entretanto, há
contradições, sendo que algumas dessas obras assumiram posições que
se opunham aos ideais da metrópole, como a defesa da educação
feminina, entre outras. Além disso, várias obras não apenas
trataram de temas que viriam a ser próprios da psicologia, mas os
trataram de maneira bastante original, antecipando formulações que
viriam a ser incorporadas pela psicologia do século XX.
No século XIX, idéias psicológicas articuladas à educação foram
também produzidas no interior de outras áreas de conhecimento,
embora de maneira mais institucionalizada. No campo da pedagogia,
escolas normais (criadas a partir da década de 1830) foram espaços
de discussão, ainda que incipientes e pouco sistemáticos, sobre a
criança e seu processo educativo, incluindo temas como
aprendizagem, desenvolvimento, ensino e outros. Em meados do
século, essa preocupação torna-se mais sistemática e freqüente e,
nos anos finais desse mesmo século, é possível perceber a
incorporação de conteúdos que mais tarde viriam a ser considerados
como objetos próprios da psicologia educacional, com particular
interesse por temas anteriormente estudados, como aprendizagem e
desenvolvimento, mas também por outros que já seriam considerados
expressões da psicologia do século XX, como a inteligência, por
exemplo. Deve-se destacar, no âmbito oficial, a Reforma Benjamin
Constant, de 1890, que transformou a disciplina filosofia em
psicologia e lógica, que, por desdobramento, gerou mais tarde a
disciplina pedagogia e psicologia para o ensino normal. Data dessa
época a introdução, ainda que assistemática e pontual, do ideário
escolanovista, que só mais tarde viria a se tornar hegemônico no
pensamento pedagógico e teria na psicologia seu principal
fundamento cientifico.
Nesse contexto, o debate sobre a educação tomou vulto, com a defesa
da difusão da escolaridade para a massa da população e uma maior
sistematização das idéias pedagógicas, com crescente influência dos
princípios da Escola Nova. Assim, as escolas normais passaram a ser
o principal centro de propagação das novas idéias, baseadas nos
princípios escolanovistas, com vistas à formação dos novos
professores, encarregando-se do ensino, da produção de obras e do
início da preocupação com a produção de conhecimentos por meio dos
então inaugurados laboratórios de psicologia, fatores estes que
deram as bases para as reformas estaduais de ensino promovidas nos
anos 1920 e foram por estas potencializados.
Foi nesse quadro que ocorreu, paulatinamente, a conquista de
autonomia da psicologia como área especifica de conhecimento no
Brasil, deixando de ser produzida no interior de outras áreas do
saber, sendo reconhecida como ciência autônoma e dando as condições
para que, por essa via, penetrassem os conhecimentos da psicologia
que vinham sendo produzidos na Europa e nos Estados
Unidos.
Assim, percebe-se uma interdependência entre psicologia e educação,
sobretudo pela via da pedagogia, a partir da articulação entre
saberes teóricos e prática pedagógica. Pode-se afirmar que o
processo pelo qual a psicologia conquistou sua autonomia como área
de saber e o incremento do debate educacional e pedagógico nas
primeiras décadas do século XX estão intimamente relacionados, de
tal maneira que é possível afirmar que psicologia e educação são,
historicamente, no Brasil, mutuamente constituintes uma da outra.
Esse momento foi responsável pela consolidação da articulação entre
psicologia e educação, dando as bases para a penetração e a
consolidação daquilo que nos Estados Unidos e Europa já se
desenvolvia sob a denominação de psicologia
educacional.
O período seguinte, a partir da década de 1930, caracteriza-se pela
consolidação da psicologia no Brasil e tem como base a estreita
relação estabelecida entre essa área e a educação. Os campos de
atuação da psicologia que se desenvolveram a partir dessa época,
tornando-se campos tradicionais da profissão, como a atuação
clínica e a intervenção sobre a organização do trabalho, tiveram
suas raízes na educação, respectivamente pela criação dos Serviços
de Orientação Infantil nas Diretorias de Educação do Rio de Janeiro
e de São Paulo e da Clínica do Instituto Sedes Sapientiae, com a
finalidade de atender crianças com dificuldades escolares, e pela
Orientação Profissional, dentre outras ações educacionais, no campo
do trabalho.
Ao mesmo tempo, o ensino formal de psicologia em cursos superiores
tinha estreita articulação com a educação, pois as cátedras de
psicologia estavam vinculadas primordialmente aos cursos de
filosofia e de pedagogia, nestes últimos sob a denominação de
psicologia educacional.
instituições estritamente educacionais que desenvolviam trabalhos
relacionados à Psicologia.
Pode-se dizer que a Educação continuou sendo a base para o
desenvolvimento da psicologia, assim como esta permaneceu como
principal fundamento para a educação, particularmente no âmbito
pedagógico, como sustentação teórica da Didática e da Metodologia
de Ensino, bases para a formação de professores. Essa tendência se
expressa em experiências realizadas pela Escola Experimental da
Lapa e pelos Ginásios Vocacionais em São Paulo, dentre outras
inúmeras experiências, realizadas em todo o país.
Concomitantemente, o ensino nas Escolas Normais e nos Cursos de
Pedagogia continuavam dando à Psicologia espaço privilegiado em
seus currículos.
O desenvolvimento da pesquisa também ganha impulso, tendo como
referência algumas instituições, como o Instituto de Educação do
Rio de Janeiro; Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo
Horizonte; Instituto de Seleção e Orientação Profissional de
Recife; Laboratório de Psicologia Educacional do Instituto de
Educação (evolução do Instituto Pedagógico de São Paulo); Núcleo de
Pesquisas Educacionais da Municipalidade do Rio de Janeiro;
Instituto Nacional de Surdos- mudos e o Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais - CBPE - e seus correlatos, os Centros
Regionais de Pesquisas Educacionais - CRPE; além da produção de
escolas normais e universidades.
Nesse contexto, começam a se diferenciar, ainda que de forma não
sistemática e formal, a psicologia educacional, como conjunto de
saberes que pretende explicar e subsidiar a prática pedagógica,
sendo, portanto, de domínio necessário para todos os educadores, e
a psicologia escolar, como campo de atuação de profissionais da
psicologia que atuariam no âmbito da escola, desempenhando uma
função especifica, alicerçada na psicologia e que se caracterizou
inicialmente por adotar o modelo clínico de
intervenção.
Embora contradições possam ser apontadas, revelando produções
teóricas e práticas afinadas com a construção de uma escola
comprometida com a aprendizagem e o desenvolvimento de seus alunos,
particularmente aqueles oriundos das camadas populares, o papel que
a psicologia desempenhou na educação tornou-se objeto de crítica. A
utilização e a interpretação indiscriminadas e aligeiradas de
teorias e técnicas psicológicas, como os testes (principalmente os
de nível mental e de prontidão); a responsabilização da criança e
de sua família, em nome de problemas ditos de "ordem emocional",
para justificar o desempenho do aluno na escola e a redução dos
processos pedagógicos aos fatores de natureza psicológica
colaboraram para interpretações e práticas no mínimo equivocadas,
desprezando o processo educativo como totalidade multideterminada,
relegando a segundo plano, ou omitindo, fatores de natureza
histórica, social, cultural, política, econômica e, sobretudo,
pedagógica na determinação do processo educativo.
Esse processo culmina, em 1962, com a regulamentação da profissão
de psicólogo e o estabelecimento de cursos específicos para sua
formação. As ações desenvolvidas no período anterior deram as bases
para os campos tradicionais de atuação da psicologia: educação,
clínica e trabalho.
trabalho. Esse é também um dos fatores explicativos para a adoção
de uma modalidade clínico-terapêutica na ação da psicologia
escolar, tendo como base o modelo médico, questão que será
discutida adiante.
Entretanto, as relações entre educação e psicologia vão se
diferenciando. De um lado, a área da psicologia educacional, foco
de interesse tanto de pedagogos como de psicólogos, e, de outro, o
campo da psicologia escolar, como atributo específico do
profissional da psicologia que atua no espaço escolar. O
conhecimento psicológico estava incorporado à Pedagogia e à prática
dos educadores e a atuação do psicólogo escolar adotava um modelo
cada vez mais clínico-terapêutico, agindo fora da sala de aula,
focando sua atenção na dimensão individual do educando e em seus
"problemas", atendendo, sobretudo, demandas específicas da escola,
que encaminhava as crianças que tinham, a seu ver, "problemas de
aprendizagem" ou outras manifestações consideradas como
"distúrbios" inerentes ao próprio educando.
Pode-se falar que esse período herdou do período anterior o que
pode ser interpretado como hipertrofia da psicologia na educação,
numa tendência reducionista, que passou, na década de 1970, a ser
criticada tanto por pedagogos como por psicólogos. Criticava-se a
utilização dos testes e a interpretação de seus resultados, que
atribuía ao aluno a determinação de seus "problemas",
desconsiderando as condições pedagógicas; o encaminhamento de
alunos com deficiência que, sob a justificativa de lhes
proporcionar uma "educação especial", relegava-os a condições
aligeiradas de ensino e sem solução de continuidade, reforçando
estigmas e preconceitos e produzindo social e pedagogicamente a
deficiência intelectual; as interpretações e ações supostamente
fundamentadas na psicologia, por educadores e psicólogos, calcadas
em fatores como: atraso no desenvolvimento, distúrbios de atenção,
motores ou emocionais (estes em geral relacionados estritamente às
condições intrínsecas da criança ou da família). Uma das
conseqüências apontadas por essas críticas era a desconsideração
dos determinantes de natureza social, cultural, econômica e,
sobretudo, pedagógica; daí falar-se em reducionismo.
produzidos pela psicologia e aqueles produzidos por outras áreas de
saber, principalmente a sociologia da educação, uma vez que a
questão relativa à relação entre desempenho escolar e condições
sócio-econômicas ganhava espaço nos debates
educacionais.
Entretanto, poucos trabalhos conseguiram efetivar esse modelo de
atuação, comprometido com o processo pedagógico, em decorrência
principalmente da expectativa da escola, cristalizada na modalidade
clínica de psicologia, pautada no encaminhamento do aluno para que
ele fosse "curado" fora do espaço da sala de aula e depois
devolvido "sem problemas", tirando da escola a responsabilidade da
ação sobre a escolarização da criança. Foram, porém, esses poucos
trabalhos, muitas vezes pautados na desconstrução dessas
expectativas da escola, que deram as bases para a superação daquela
psicologia escolar clínico-terapêutica, na direção de uma
psicologia que pode ser denominada efetivamente como escolar,
delimitando seu campo de atuação e criando uma modalidade de
trabalho efetivamente comprometida com o cotidiano da escola em sua
função essencialmente pedagógica.
Nesse sentido, a superação dessa situação exigia não somente a
crítica à hipertrofia da psicologia na educação, ao reducionismo,
às interpretações aligeiradas e banalizadas, às ações fundadas num
modelo estranho à educação, como o modelo médico, e à
culpabilização da criança e de sua família, mas também a
restituição de seu núcleo de bom senso. Fazia-se necessário
devolver à psicologia seu lugar no processo pedagógico.
É necessário, pois, que se considere que o processo educativo
ocorre no âmbito do sujeito; assim, a dimensão psicológica não pode
ser negada, mas incorporada na apreensão do fenômeno em sua
totalidade, condição fundamental para a produção de conhecimento
nesse campo, responsabilidade da psicologia educacional. Esta, por
sua vez, deve fundamentar, naquilo que lhe cabe, a compreensão do
fenômeno educativo e dar base para o estabelecimento de processos
efetivos de intervenção, que poderiam constituir-se na matriz de
atuação do psicólogo escolar.
Dessas considerações parte-se agora para um ensaio que visa
discutir possibilidades e limites para a construção de uma
Psicologia Escolar e Educacional, sob o foco de seus compromissos e
perspectivas.
Compromissos e Perspectivas para a Psicologia Escolar e
Educacional
É condição para a discussão de compromissos, assim como das
perspectivas que se colocam a partir deles, a explicitação do lugar
a partir do qual se fala. Compromisso implica três instâncias:
aquele que se compromete (neste caso, referimo-nos à Psicologia
Escolar e Educacional), aquele com quem se compromete (as classes
populares) e aquilo com que se compromete (a construção de uma
educação democrática). Trata-se, portanto, de discutir o
compromisso da Psicologia Escolar e Educacional com a educação das
classes populares, o que torna necessário expor a concepção de
educação que dá base à posição aqui defendida.
historicamente privilégios - na produção e no acesso - das classes
dominantes. Para que ela se realize em cada sujeito, é necessário
garantir o domínio de recursos necessários para a apreensão do
conhecimento, como o domínio da leitura e da escrita, da matemática
e de outros recursos próprios da contemporaneidade, como
informática e línguas estrangeiras. Isso, entretanto, constitui-se
tão somente o ponto de partida, pois são apenas os meios
necessários para a aquisição de outros conhecimentos, que devem ser
considerados em todas as suas expressões, da filosofia à ciência e
às artes, em permanente diálogo com a cultura própria da criança,
que deve ser respeitada e considerada no processo de ensino-
aprendizagem. Disso decorre uma concepção de prática pedagógica
centrada nos processos de ensino e aprendizagem, cuja finalidade é
propiciar o desenvolvimento pleno do educando, em todos os aspectos
que o constitui como sujeito singular e, ao mesmo tempo,
pertencente ao gênero humano.
Essa concepção de educação remete ao compromisso com a
concretização de políticas públicas de educação radicalmente
comprometidas com os interesses das classes populares. Isso
significa garantir pleno acesso e condições de permanência de todos
os educandos na escola, independentemente de suas condições,
cabendo à escola transformar-se para possibilitar-lhes condições
efetivas de escolarização; essa questão traduz o princípio de
educação inclusiva, que incorpora não só a educação de alunos com
deficiência, mas todos aqueles que, por diversos motivos, são
alijados da escola e de seus bens. Para isso, faz-se necessário que
se construam currículos articulados às finalidades acima expostas,
superando os conhecidos "currículos mínimos", geralmente entendidos
como paliativos ou educação de segunda categoria para pessoas
socialmente consideradas também como tal, com especial atenção aos
processos avaliativos, que têm sido um dos meios mais efetivos para
a materialização da exclusão de crianças das classes populares ao
direito de uma educação de boa qualidade. Esse processo depende
também da gestão democrática da escola e, sobretudo, no
investimento maciço na formação dos educadores.
Cabe, portanto, discutir as possibilidades e limites da Psicologia
Escolar e Educacional na construção de políticas públicas de
educação comprometidas socialmente com as classes populares; eis
aqui a questão relativa às perspectivas colocadas para essa área de
conhecimento e campo de atuação.
Disso resulta a afirmação de alguns princípios que podem ser
expressos a partir das assertivas que seguem. A educação é
constituída por múltiplos determinantes, dentre os quais os fatores
de ordem psicológica; portanto, a psicologia tem contribuição para
a Educação.
Que seja uma psicologia capaz de compreender o processo ensino-
aprendizagem e sua articulação com o desenvolvimento, fundamentada
na concreticidade humana (determinações sócio-históricas),
compreendida a partir das categorias totalidade, contradição,
mediação e superação. Deve fornecer categorias teóricas e conceitos
que permitam a compreensão dos processos psicológicos que
constituem o sujeito do processo educativo e são necessários para a
efetivação da ação pedagógica.
Esta psicologia deve propiciar a compreensão do educando a partir
da perspectiva de classe e em suas condições concretas de vida,
condição necessária para se construir uma prática pedagógica
realmente inclusiva e transformadora.
A psicologia como um dos fundamentos do processo formativo do
educador deve propiciar o reconhecimento do educador/professor como
sujeito do processo educativo, traduzindo-se na necessidade de
mudanças profundas das políticas de formação inicial e continuada
desse protagonista fundamental da educação.
Por sua vez, a ação do psicólogo escolar deve pautar-se no domínio
do referencial teórico da psicologia necessário à educação,
mediatizado necessariamente por conhecimentos que são próprios do
campo educativo e das áreas de conhecimento correlatas. O próprio
referencial teórico que aqui defendemos implica o trânsito por
outros saberes (totalidade). Daí, a necessidade de superação das
práticas tradicionais do psicólogo escolar, muitas vezes pautadas
ainda numa perspectiva, nem sempre consciente ou assumida, de ação
clínico- terapêutica.
Em outras palavras, afirmamos uma psicologia escolar comprometida
radicalmente com a educação das classes populares, que supere o
modelo clínico- terapêutico disfarçado e dissimulado ainda presente
na representação que o psicólogo tem de sua própria ação,
entendendo que a representação e, consequentemente, as expectativas
que os demais profissionais da educação têm da psicologia só serão
superadas pela própria prática do psicólogo escolar.
Mudanças efetivas só ocorrerão a partir do envolvimento do
psicólogo com as questões concretas da educação e da prática
pedagógica; é necessário superar o preconceito de não querer
tornar-se "pedagogo". O psicólogo não é pedagogo, mas se quiser
trabalhar com educação terá que mergulhar nessa realidade como
alguém que faz parte dela, reconhecendo-se como portador de um
conhecimento que pode e deve ser socializado com os demais
educadores, tanto no trabalho interdisciplinar, como na formação de
educadores, sobretudo professores; que detém um saber que pode
contribuir com os processos sócio-institucionais da escola; tem um
conhecimento específico que pode e deve reconhecer o que é próprio
de sua formação profissional, e, ouso afirmar, algumas vezes
inclusive de caráter clínico-terapêutico, voltado para casos
individuais; possui ou pode desenvolver conhecimentos importantes
para a gestão de sistemas e redes de ensino, sobretudo no âmbito de
diagnósticos educacionais (avaliação institucional, docente,
discente etc.) e na intervenção sobre tais resultados.
Considerações Finais
As questões aqui expostas constituem-se em elaborações também
situadas num dado momento histórico e numa dada perspectiva teórica
e consequentemente política, que reflete concepções de homem,
sociedade, educação, psicologia e, sobretudo, de Psicologia Escolar
e Educacional circunscritas. Isso significa que esta é uma dentre
muitas posições acerca dessa área de conhecimento e campo de
práticas. É, portanto, importante que se estabeleça um amplo
diálogo entre posições e perspectivas, que permitam o avanço dessa
área de saber e o aperfeiçoamento das práticas a ela
correlatas.
A primeira questão diz respeito à possibilidade de inserção do
psicólogo escolar em seu campo. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional proíbe deduzir dos 25% dos orçamentos públicos os
salários de profissionais responsáveis por "atendimento médico,
odontológico, psicológico e fonoaudiológico". Isso parece impedir,
numa primeira leitura, a presença do psicólogo nesse campo sobre o
qual incide toda nossa discussão. É preciso, no entanto, que se
analise mais profundamente o texto da lei e os significados a ele
subjacentes, cotejando-os com as questões aqui
abordadas.
É compreensível e aceitável essa prescrição legal, pois, pela
maneira como está colocado o serviço psicológico, deduz-se que a
concepção que lhe dá base carrega a noção de atendimento
clínico-terapêutico, de incidência individual e apartada das
questões propriamente escolares. De um lado, a palavra utilizada é
"atendimento", termo este já tradicionalmente relacionado a um
modelo médico; por outro lado, e corroborando essa interpretação, o
"psicológico" é acompanhado de "médico", "odontológico" e, na
esteira da própria concepção de psicologia aí expressa, de
"fonoaudiológico". Dada nossa concepção de Psicologia Escolar e
Educacional, pode-se dizer que a psicologia a que a lei se refere
não é esta que defendemos.
Essa análise demonstra que se essa atuação da psicologia não é
reconhecida pela LDB como ação própria da educação, do que não
discordamos, há por outro lado, uma atuação que pode ser
considerada como de caráter eminentemente educacional e que tem sua
prática pautada na instituição escolar e nas demandas a ela
inerentes.
Com base nessa consideração, impõe-se uma discussão a respeito
dessa questão, que deve subsidiar o esclarecimento aos órgãos
direta e indiretamente relacionados a essa prescrição legal, além
de um encaminhamento mais direto, com vistas à defesa da inserção
de uma determinada prática que pode contribuir com a melhoria da
educação brasileira, não como reivindicação motivada por interesses
corporativistas, mas como concretização de uma luta cujo motivo
primeiro é seu compromisso radical com a educação das classes
populares.
A derradeira questão é de natureza ética e, sob um determinado
foco, pode ser exemplificada pelo problema acima discutido. Devemos
invariavelmente pautar toda e qualquer discussão sobre a Psicologia
em geral e sobre a Psicologia Escolar e Educacional em especial
sobre a questão ética, entendendo-a não como prescrição de normas,
nem como tema da moda, mas como ética social, que se questiona e
que se pergunta constantemente sobre o que fazemos, para quem, com
que finalidade e a que interesses servimos.
Bibliografia
Antunes, M. A. M. A psicologia no Brasil: leitura histórica
de sua constituição. São Paulo, EDUC e Ed. Unimarco, 2003.
[ Links ]
Massimi, M. As origens da psicologia brasileira em obras do período
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Meira, M. E. M. e Antunes, M. A. M. Psicologia escolar: teorias
críticas. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2003.
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________________________________. Psicologia escolar:
práticas críticas. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2003.
[ Links ]
Sobre a autora:
* Mitsuko Aparecida Makino Antunes é Professora do Programa
de Estudos Pós- graduados em Psicologia da Educação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. 1 Muitas expressões são
utilizadas, dentre as quais: Psicologia Educacional, Psicologia da
Educação, Psicologia na Educação e outras. Há implicações teóricas
que subjazem à opção por uma ou outra denominação, mas que não
serão aqui tratadas, dada a delimitação do presente
texto.
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional
(ABRAPEE)
Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5790
87020-900 - Maringá - PR
Apresentação Olá!
Você iniciará a partir de agora uma importante vivência pelo mundo
da
psicologia e suas contribuições à educação, de modo
particular, ao desempenho das
atividades docentes de um professor licenciado em Letras.
Muitas pessoas acreditam que para ensinar é necessário apenas
conhecer o
assunto ou a matéria a ser ensinada. Ledo engano! Você já deve ter
observado que
nem sempre alguém que sabe fazer algo sabe ensinar a fazê-lo. De
certo, o domínio
do conteúdo a ser trabalhado por um professor é uma das primeiras e
principais
habilidades necessárias à tarefa docente, mas existem outras. O
conhecimento de
teorias psicológicas que explicam como se dá o funcionamento
cognitivo durante o
ato de aprender, por exemplo, é de fundamental relevância para quem
vai ensinar.
Além disso, é importante também conhecer os fenômenos que envolvem
determinadas
etapas do desenvolvimento humano, como a adolescência.
O curso de Licenciatura Plena em Letras, Habilitação em Língua
Portuguesa,
está destinado àqueles que atuarão no Ensino Fundamental e Médio,
portanto,
entender as relações que permeiam o mundo dos adolescentes
facilitará sobremaneira
a performance deste pro•ssional.
Assim, compreender os aspectos que perpassam tanto o processo
de
aprendizagem como o de desenvolvimento humano pode fornecer-lhe
instrumental
teórico no que concerne à implementação de objetivos e metodologias
com maior
probabilidade de e•cácia.
pontuar alguns dos saberes teóricos sobre o desenvolvimento
psicológico e
da aprendizagem humana relacionados ao processo de
ensino-aprendizagem. Nosso
objetivo, portanto, é que a interação que manteremos durante esta
disciplina possa lhe
ajudar na construção de conhecimentos na área da Psicologia no que
diz respeito à
aprendizagem e à adolescência, favorecendo a sua futura prática
docente.
Para tanto, dividimos a disciplina em três unidades:
Na primeira unidade, situaremos a Psicologia como Ciência,
apresentando
rapidamente sua história, conceito, problemas, objeto, métodos e
objetivo de estudo,
como também suas principais áreas de aplicação. Finalizando esta
unidade com o
Na segunda unidade, estudaremos três importantes teorias
vinculadas à Psicologia
da Aprendizagem, a saber, a Concepção Genético-Cognitiva da
Aprendizagem, de
Jean Piaget; a Teoria Sociocultural do Desenvolvimento e da
Aprendizagem, de Lev
Semenovich Vygotsky e a Teoria da Aprendizagem Verbal Signi•cativa,
de David Paul
Ausubel. Três teorias cognitivistas que explicam o processo de
aprendizagem, a partir
do qual podemos inferir ou compreender melhores modos de ensino. É
importante
salientar que dadas às peculiaridades de uma licenciatura em
Letras, privilegiaremos a
abordagem vygotskiana, uma vez que esta permite uma melhor
adequação às exigências
docentes relacionadas à comunicação e expressão oral e escrita. A
relação estabelecida
por Vygotsky entre linguagem e pensamento também é de suma
importância para o
pro•ssional desta área.
Por •m, na terceira unidade, trabalharemos com as principais
teorias e/ou
explicações que envolvem a etapa do desenvolvimento humano
conhecida como
adolescência, observando como estes conhecimentos podem facilitar a
relação do
professor com os adolescentes no sentido de melhor viabilizar
o processo ensino-
aprendizagem.
Termos relacionados à psicologia são bastante usados no
cotidiano.
Costumeiramente ouvimos frases como “rapaz complexado”, “ela é
histérica”, “a morte
do irmão foi um trauma para ele” etc.. Assim, como as outras
ciências, a Psicologia tem
muitos de seus termos e explicações absorvidos pelo Senso Comum,
entretanto, esta
absorção é realizada de modo precário. Por exemplo, quando dizemos
que alguém está
“histérica”, imaginamos uma pessoa completamente fora de seu
controle emocional,
no entanto, a histeria também pode se manifestar numa pessoa que
aparenta calma e
tranqüilidade.
O conhecimento humano pode ser abordado em cinco domínios básicos:
o Senso
Comum, a Filoso•a, a Religião, as Artes e a Ciência. Como são
domínios diferentes,
com objetos, objetivos e métodos diferentes não há uma hierarquia
entre eles.
O Senso Comum é o domínio do conhecimento que orienta a ação
cotidiana,
é ametódico, assistemático, resulta da experiência prática, é
transmitido oralmente e
seu princípio fundador é o da autoridade. Logo, o Senso Comum
produz leis, todavia,
leis que são contraditórias, por exemplo, temos os adágios
populares: “Seguro morreu
de velho”, mas “quem não arrisca não petisca”, ou “nunca é tarde
para aprender”, mas
“burro velho não aprende” e tantos outros...
A Filoso•a, por sua vez, abarca o conhecimento através de uma
reexão racional,
metódica, sistemática, crítica, seu ponto de partida é a
experiência, contudo, dela se
abstrai, tentando fazer análises a partir da consideração da
totalidade dos fenômenos.
É propositiva e estuda as ciências de modo geral.
Por outro lado, temos a Religião que também é sistemática, mas se
baseia na fé,
recorrendo ao sobrenatural para explicar o natural.
Com assistematicidade, criatividade e buscando recriar o mundo
através da
expressão da subjetividade e das emoções há o domínio das
Artes.
A Ciência busca ser racional, objetiva, metódica, sistemática,
possui vocabulário
e objetos especí•cos, tenta explicar os fenômenos, além de
controlá-los, medi-los,
prevê-los, reproduzi-los e manipulá-los; diferenciando-se da
tecnologia: aplicação
técnica de descobertas cientí•cas.
Existem várias idéias errôneas acerca da psicologia e do papel do
psicólogo.
Muitas pessoas atribuem a este pro•ssional dons de vidência ou
acreditam que a
psicologia é uma qualidade concedida a poucos iluminados.
Outros ainda consideram
os testes psicológicos como instrumentos mágicos que podem
“adivinhar” nossos
psicólogo clínico, psiquiatra e psicanalista.
A disciplina que abordamos aqui está dentro do domínio do
conhecimento
denominado Ciência. Embora cada um de nós utilize uma psicologia do
senso comum,
esta obviamente não é o alvo dos nossos estudos, visto que leva a
um corpo inexato
de conhecimentos. Entendemos a Psicologia como uma ciência com
métodos, objeto
e objetivos especí•cos, portanto, ela pretende obedecer aos
princípios cientí•cos, e é
deste ponto de vista que focalizaremos suas contribuições para a
educação.
AGORA É COM VOCÊ! Vamos treinar nossa psicologia do senso comum?
Esta é a lista do que foi encontrado no lixo da casa 205 da Rua:
Castro
Alves no Bairro Primavera da cidade de Felizópolis. Com base nesta
lista e no seu conhecimento adquirido com a experiência vivida,
caracterize o mais minuciosamente
possível a(s) pessoa(s) que vive(m) nesta casa. Obs.:
trata-se do lixo de quatro dias. Quantas pessoas vivem nesta casa?
Qual o sexo, idade e pro•ssão de cada uma? Qual o estilo de vida?
Que tipo de relacionamento há entre eles? Descreva a casa, o
bairro e a rotina dessas pessoas. Que horas acordam, dormem.
En•m, quanto mais informações melhor.
Uma meia feminina rasgadaØ
Uma caixa de preservativosØ
Doze garrafas de cerveja SkolØ
Seis garrafas de refrigerantes (2 litros cada) sendo 2 guaranásØ
diet e 1 coca light
lemon e 2 cocas Zero
PilhasØ
Latas de alimentos em conserva (vazias)Ø
Restos de alimentaçãoØ
Fraldas descartáveisØ
Duas Latas (vazias) de leite em pó e 1 caixa de leite longa vida
(vazia)Ø
Um estojo de maquiagem quebradoØ
Uma caneta BIC contendo metade da tintaØ
Uma caixa vazia de comprimidos para dormir Ø
Um vidro grande de café solúvel da Nescafé (tipo tradição)Ø
Uma caixa de iogurte com a data de validade vencidaØ
Faturas antigas de TV a caboØ
Embalagens de pão integral, queijo ricota e lingüiça tipo
calabresaØ
Um lápis para olho pela metadeØ
O livro “O imaginário”, de Sartre, rasgadoØ
A que conclusões você chegou? Elas podem ser consideradas
•dedignas?
Por quê?
AGORA É COM VOCÊ! Vamos treinar nossa psicologia do senso comum?
Esta é a lista do que foi encontrado no lixo da casa 205 da Rua:
Castro
A ves no Ba rro Pr mavera a c a e e Fe zópo s. Com ase nesta sta e
no seu con ec mento a qu r o com a exper ênc a v v a, caracter ze o
ma s m nuc osamente
possível a(s) pessoa(s) que vive(m) nesta casa. Obs.:
trata-se do lixo de quatro dias. Quantas pessoas vivem nesta casa?
Qual o sexo, idade e pro•ssão de cada uma? Qual o estilo de vida?
Que tipo de relacionamento há entre eles? Descreva a casa, o
bairro e a rotina dessas pessoas. Que horas acordam, dormem.
En•m, quanto mais
n ormações me or.
Uma me a em n na rasga a Uma ca xa e preservat vos Absorventes
“Slinea” Doze garrafas de cerveja Skol Seis garrafas de
refrigerantes (2 litros cada) sendo 2 guaranás iet e 1
coca light
lemon e cocas Zero
P as Jorna s Fo a e S. Pau o e rev sta Caras
Latas de alimentos em conserva (vazias) Restos de alimentação
Fraldas descartáveis Duas Latas vaz as e e te em pó e 1 ca xa e e
te onga v a vaz a Um esto o e maqu agem que ra o Uma caneta BIC
contendo metade da tinta Uma caixa vazia de comprimidos para
dormir Um vidro grande de café solúvel da Nescafé (tipo
tradição) Uma caixa de iogurte com a data de validade vencida
Faturas ant gas e TV a ca o Em a agens e pão ntegra , que o r cota
e ngü ça t po ca a resa Um lápis para olho pela metade O livro “O
imaginário”, de Sartre, rasgado
A que conclusões voc chegou? Elas podem ser consideradas
•dedignas?
or quê?
1.1 A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA
Etimologicamente, a palavra psicologia signi•ca:
psiché = mente; logos
= estudo, tratado; portanto, “estudo da mente ou da alma”. Quando a
Psicologia se
separou da Filoso•a em 1879, tendo como marco histórico dessa
separação o primeiro
laboratório de psicologia cientí•ca na universidade alemã de
Leipzig, montado por W.
Wundt, percebeu-se que era necessário melhor delimitar seu objeto
de estudo. Assim,
temos como de•nição atual da psicologia: “a ciência que estuda o
comportamento e os
processos mentais” (DAVIDOFF, 1983).
Objetividadea) : o pesquisador precisa manter certa distância entre
sua
subjetividade (seus sentimentos e inclinações pessoais) e o
problema investigado.
Operações explícitas b) : o pesquisador precisa descrever os
conceitos,
termos, procedimentos utilizados no estudo, de modo que outros
investigadores
possam replicá-los (duplicá-los; repeti-los).
Veja que no exercício sobre a análise da lista do lixo à luz do
nosso
senso comum que realizamos no •nal da Introdução deste texto não
tem as duas
características acima: seriam, deste modo, emitidas análises
diferentes a partir de
quem estivesse julgando.
A Psicologia, como ciência, busca ter as características da
objetividade e
das operações explícitas, possuindo três amplos objetivos:
Descrever:a) explicitação das condições nas quais o fenômeno
ocorre
em todos os seus detalhes, sem quaisquer referências ao signi•cado
do fenômeno.
Predizer: b) comprovação das hipóteses e estabelecimento das
relações
de causa-efeito, indicando assim a probabilidade de ocorrência de
determinado
comportamento.
Controlar:c) manipulação do comportamento do sujeito, de forma
que
se possa prever, determinar e modi•car o comportamento através do
manuseio de
certas técnicas.
Deste modo, a Psicologia é considerada uma ciência porque usa
método,
objetivos, procedimentos e princípios cientí•cos. Um psicólogo é,
portanto, um
cientista do comportamento, não necessariamente do comportamento
humano, visto
que este pro•ssional também pode estudar os animais.
16
AGORA É COM VOCÊ! Explique as principais características da ciência
e em seguida escreva
porque podemos considerar a Psicologia como cientí•ca.
1.2 A PSICOLOGIA E OS ANIMAIS
Na tentativa de responder de modo cientí•co às múltiplas
questões feitas à
psicologia, os animais podem ser foco dos estudos realizados
pelos psicólogos por
diversas razões. Num primeiro momento, não podemos esquecer que a
psicologia
pode estudar os animais por um interesse genuíno em tais
seres, a•nal, nós humanos
dividimos o planeta com eles. Também há a razão ética, assim,
muitos estudos não
poderiam ser realizados com seres humanos, como por exemplo,
o estudo da relação
entre frustração e agressão. Não se pode frustrar um ser humano
para veri•car se
ele •cará agressivo depois. Embora haja também os defensores dos
animais que os
incluem nas questões e debates da ética!
Os animais ainda oferecem uma maior praticidade para os estudos
psicológicos,
Linda Davidoff (1983) brinca com este motivo dizendo que os animais
não se atrasam e
não cobram salário. Ela dá como exemplo de praticidade o morcego
castanho que pesa
25 gramas, precisa de pouco espaço para alojar-se, cabendo numa
caixa de charutos,
e pode inclusive ser congelado com um pouco de água durante meses,
enquanto o
pesquisador tira férias! Na volta, é só esperar uma hora e o
animal está pronto para a
pesquisa!
Alguns animais também oferecem vantagens especiais para
determinados
estudos: os pombos são ótimos na discriminação de cores, podendo
ser usados em
estudos sobre percepção; os ratos se reproduzem a cada três meses
e, portanto, são bons
nos estudos sobre genética. Os resultados obtidos através dos
estudos psicológicos
com os animais permitem que, guardadas as devidas reservas, sejam
generalizados
para seres humanos.
1.3 PSICOLOGIA: UMA CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR
A psicologia trabalha na interseção entre o comportamento e o
funcionamento
mental por um lado e, a biologia, por outro. Daí dizermos que a
psicologia é uma
ciência biossocial.
Devido o interesse da Psicologia pelos animais, torna-se importante
também
diferenciar o trabalho dos psicólogos daquele desenvolvido pelos
etólogos.
É preciso explicitar que os etólogos estudam os animais em seu
habitat natural,
AGORA É COM VOCÊ! Explique as principais características da ciência
e em seguida escreva
porque podemos considerar a Psicologia como cientí•ca.
17
treinamento maior em Zoologia, menos informação no que concerne aos
processos de
aprendizagem e menor interesse na aplicação do método
experimental.
Os psicólogos que estudam os animais, por sua vez, o fazem dentro
de
laboratório, estão interessados nos comportamentos comuns entre
homem e animal
(para aqueles que fazem pesquisa comparativa), possuem um menor
treinamento em
Zoologia e maior informação sobre os processos de aprendizagem. Os
psicólogos
também estão mais interessados na aplicação do método experimental.
É importante
destacar, no entanto, que nos últimos anos, as duas abordagens
estão se aproximando:
os etólogos têm usado mais manipulações experimentais, ao passo que
os psicólogos
têm realizado mais observações em situação natural.
Outra importante diferenciação a ser estabelecida é entre
Sociologia e Psicologia:
enquanto a primeira tem como unidade de estudo o grupo, a segunda
preocupa-se
com o indivíduo, entretanto a Sociologia tem uma in•uência
importante na Psicologia
Social. Isto por que a Psicologia Social interessa-se pela
participação do indivíduo no
grupo social e na in•uência do grupo social sobre o
indivíduo.
De modo mais amplo, podemos localizar a Antropologia que vem
contribuindo
para a compreensão do comportamento através das observações
em situação natural,
mostrando o papel das variáveis culturais na determinação do
comportamento
humano.
En!m, quer seja com a Biologia, Etologia, Sociologia ou
Antropologia, a
Psicologia é uma ciência que está em constante diálogo com estas
áreas cientí!cas.
AGORA É COM VOCÊ! Elabore dois quadros: no primeiro você mostrará
as razões pelas quais
a psicologia se interessa pelos animais em seus estudos, enquanto
no segundo
quadro você deverá diferenciar a psicologia das demais áreas
cientí!cas que a
cercam
1.4 A PSICOLOGIA NÃO É UNIFICADA NEM COMPLETA
A Psicologia não é uma ciência uni!cada, pois seus estudiosos não
estão de
acordo com os objetivos, o objeto primeiro e os métodos utilizados,
além do fato de
diversos assuntos serem de difícil relação. Os behavioristas, por
exemplo, concordam
em estudar o comportamento observável, através de métodos
experimentais e aceitam
o uso de animais em seus estudos, enquanto
os gestaltistas não concordam em estudar
apenas os comportamentos observáveis, porém também fazem pesquisa
com animais.
Para cada corrente ou escola psicológica teremos um objeto,
objetivo e métodos
defendidos por seus precursores. Por isso, a de!nição de psicologia
ser tão ampla:
AGORA É COM VOCÊ! Elabore dois quadros: no primeiro você mostrará
as razões pelas quais
a psicologia se interessa pelos animais em seus estudos, enquanto
no segundo
qua ro você everá erenc ar a ps co og a as ema s áreas c entí cas
que a
cercam
abranger todas as correntes.
Mas a Psicologia apenas não é uni•cada, ela também não é completa,
primeiro
porque ciência alguma pode ser considerada completa; segundo
por que existem muitos
fenômenos ainda não compreendidos e muitas perguntas ainda por
serem investigadas.
Não podemos esquecer que a Psicologia como ciência (separada
da Filoso•a) é muito
jovem, se considerarmos sua data de nascimento em 1879, com
Wundt.
1.5 PSICÓLOGOS CLÍNICOS, PSIQUIATRAS E PSICANALISTAS NO
BRASIL
Geralmente estes três pro•ssionais são confundidos pela população
leiga ou
tomados como sinônimos. Então, vejamos, o Psicólogo Clínico tem
formação em
Psicologia e estágio (e/ou especializações) na área Clínica. Ele
não pode medicar. O
psiquiatra, por sua vez, tem formação em Medicina, portanto
pode medicar e estágio
em Psiquiatra (saúde mental). Finalmente, o psicanalista pode ser
um psicólogo clínico
ou psiquiatra com estudos na Psicanálise (que inicialmente era uma
das correntes da
Psicologia e hoje tem status próprio de Ciência). O
psicanalista só pode medicar se for
psiquiatra.
1.6 OS MOVIMENTOS DA PSICOLOGIA
É atribuída a Aristóteles (384-322 a.C) à paternidade da Psicologia
•losó•ca,
pois vem dele indagações tidas como psicológicas do tipo:
Quem sou eu? Qual o sentido
da vida? Mas foi apenas com Gustav Fechner (1801 - 1887), •lósofo e
físico que o
interesse pelo estudo dos processos mentais começou a exigir a
aplicação de métodos
cientí•cos, sobretudo no que diz respeito à estimulação física e
sensações. Fechner
é o autor de Elementos de Psicofísica, importante livro na
história da Psicologia
cientí•ca.
Wilhelm Wundt (1879) é considerado o fundador da psicologia
cientí•ca, pois
foi ele quem montou o primeiro laboratório de psicologia, conforme
já dissemos. É
também o pai do ESTRUTURALISMO, escola psicológica (corrente de
pensamento)
que tinha como objeto de estudo os processos elementares da
consciência, suas
combinações e relações com as estruturas do sistema nervoso. A
grande ambição
de Wundt era estabelecer uma identidade própria para a Psicologia e
seu principal
objetivo, o conhecimento. O método de pesquisa utilizado era a
introspecção analítica
(descrição minuciosa da auto-análise das sensações de um indivíduo)
e a população
estudada era o próprio grupo de observadores treinados, isto é, os
próprios psicólogos
que empreendiam o estudo.
19
formal do termo, mas reunia os psicólogos que eram contra o
Estruturalismo de Wundt.
Era liderado pelo psicólogo norte-americano William James
(1842-1910). O objeto
de estudo desse movimento era o funcionamento dos processos
mentais, sobretudo
à medida que ajudam as pessoas a sobreviver e adaptar-se. Tinha
como objetivos
conhecer como estes processos funcionavam e aplicar à vida das
pessoas. Os métodos
de pesquisa eram além da introspecção informal (diferentemente da
introspecção
analítica, defendida por Wundt), métodos objetivos. A população
estudada era formada
principalmente pelos seres humanos adultos; ocasionalmente,
crianças e animais
menos complexos.
Tendo em John Watson (1878-1958), psicólogo norte-americano
como
fundador, encontra-se o movimento denominado BEHAVIORISMO
(clássico), cujo
próprio nome já explicita seu objeto, a saber: estímulos e
respostas observáveis com
ênfase na aprendizagem. O conhecimento e a aplicação eram os
objetivos principais
deste movimento. Os métodos utilizados eram objetivos e a população
estudada era
formada por pessoas e animais.
Max Wertheimer (1842-1910), psicólogo alemão, é considerado um
dos
fundadores da GESTALT, cujo objeto de estudo era a experiência
subjetiva humana
global com ênfase na percepção, no pensamento e na resolução de
problemas. Seu
principal objetivo era o conhecimento; os métodos de pesquisa
eram a introspecção
informal e métodos objetivos. Estudavam-se pessoas e,
ocasionalmente, outros
primatas como chipanzés.
O médico vienense Sigmund Freud (1856-1939) foi o pai da
PSICANÁLISE,
cujo objeto era a personalidade normal e anormal com ênfase no
inconsciente e no
tratamento do comportamento anormal. Seus principais objetivos eram
os serviços e o
conhecimento. Os métodos de pesquisa, para os pacientes, era a
introspecção informal
que revelariam as experiências conscientes (associação livre), ao
mesmo tempo em
que, para os terapeutas, seria a análise lógica e a observação
(atenção !utuante) para
descobrir material inconsciente. A população estudada era os
pacientes, sobretudo
adultos.
AGORA É COM VOCÊ! Sintetize as informações do tópico 1.6 em um
quadro de modo que
a comparação entre os diferentes movimentos da psicologia se torne
mais
visível.
AGORA É COM VOCÊ! Sintetize as informações do tópico 1.6 em um
quadro de modo que
a comparação entre os diferentes movimentos da psicologia se torne
mais
v síve .
PSICANALÍTICA·
Objeto: Personalidade normal e anormal Principais •nalidades:
conhecimentos, serviços Métodos de pesquisa preferidos: Para os
pacientes: introspecção informal para revelar experiências
conscientes (associação livre). Para os terapeutas: a análise
lógica e a observação (atenção !utuante) para descobrir material
inconsciente. População estudada: pacientes (sobretudo
adultos)
NEOBEHAVIORISTA (Behaviorismo Metodológico / Behaviorismo
Radical)·
Objeto: Qualquer questão bem de•nida que verse sobre comportamento
simples ou complexo, humano ou animal - inclusive funções que não
podem ser observadas. Principais •nalidades: conhecimentos,
aplicações Métodos de pesquisa preferidos: Métodos objetivos
População estudada: Pessoas e animais inferiores
COGNITIVA·
HUMANISTA·
Objeto: Questões a respeito da pessoa integral, da experiência
humana subjetiva e de problemas humanos signi•cativos; o
extraordinário e o individual, bem como o comum e o universal.
Principais •nalidades: Primariamente, serviços e enriquecimento da
vida; secundariamente, conhecimentos Métodos de pesquisa
preferidos: consciência intuitiva do observador é considerada
importante. São aceitáveis todos os procedimentos - os métodos
objetivos, a introspecção informal, o estudo de caso, a análise
literária etc. População estudada: Pessoas
Retirado de Davidoff (1983, p. 24).
1.8 A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO COMO DISCIPLINA
Para Coll (2000), a psicologia da educação é uma disciplina
psicológica e
educativa de natureza aplicada. A Psicologia da Educação deve ser
uma disciplina-
ponte, em outros termos: há uma troca entre psicologia e
educação. A educação não
deve ser um mero campo de aplicação da pesquisa psicológica
básica.
21
Educação, deve integrar os “componentes especí•cos” das ciências da
Educação e,
portanto, estudar processos educativos. A vantagem dupla de
se estudar os componentes
básicos e especí•cos das ciências da Educação é o não
desligamento de tais componentes
das ciências humanas e a não redução da educação como mero campo
aplicativo.
Deste modo, dizemos que a Psicologia da Educação deve estudar os
processos
educativos com uma tripla •nalidade: contribuir para a elaboração
de uma teoria
explicativa destes processos, elaborar modelos e programas de
intervenção e dar
lugar a uma práxis educativa coerente com as propostas teóricas
formuladas. Trata-se,
portanto, de uma vertente teórica ou explicativa, projetiva
ou tecnológica e prática ou
aplicada.
Dentro da concepção que entende a Psicologia da Educação como
disciplina-
ponte, o núcleo teórico-conceptual não se limita a uma
seleção de conhecimentos da
Psicologia Básica, mas que inclui, além disso, conhecimentos
próprios da análise
psicológica das práticas educativas.
Coll (2000) sintetiza o objeto de estudo da Psicologia da Educação
como
disciplina-ponte a partir da cosideração dos processos de mudança
comportamental
provocados ou induzidos nas pessoas, como resultado de sua
participação em atividades
educativas.