Post on 25-Nov-2018
Comunicação e Expressão Profª. Dra. Débora Mallet Pezarim De Angelo
Subjetividade e autoria
Subjetividade e autoria�
Introdução
Noções como sujeito, autor e leitor são importantes para a construção ou compreensão
de qualquer obra. Elas auxiliam, também, na forma como entendemos e nos relacionamos com a linguagem.
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Algumas considerações sonre o conceito de subjetividade
Depoimento de André
Eu penso que a situação foi a seguinte: começou a correr a história dentro da empresa
de que o Luis estava querendo “ pedir a cabeça” do Anselmo. E aí, sabe como é, aquela
especulação toda, o Anselmo se sentido sem autoridade, sem autonomia pra trabalhar.
Até que tudo chegou no andar de cima e resolveram colocar o Luis na parede. Parece até
que havia alguma coisa escrita, não teve como negar.
Depoimento de Patrícia
Essa história do Luis com o Anselmo, eu acho que foi só uma gota d’água. Nunca fui com
a cara do Luis; ele era inconveniente, veio com umas gracinhas pro meu lado, mais de
uma vez, até por escrito. Ouvi dizer que, no dia da reunião, essa história até veio à tona.
No fundo, dizem que foi isso que levou o diretor a mandar o Luis embora. Achou que a
coisa estava grande demais e ia dar processo.
Comparando as duas situações, pode-se perceber que foram construídas por duas
pessoas diferentes. Retomando o conceito de estilo, André fez suas escolhas signícas e
descreveu a situação de acordo com seu ponto de vista. Patrícia fez o mesmo, construin-
do uma outra visão sobre o acontecimento. Um outro ponto que deve ser destacado: foi
a linguagem que permitiu essa individualização. De um ponto de vista linguístico, o “eu”
que fala é o mesmo termo nos dois textos. Portanto, ele só torna-se pessoal, só é atribuí-
do a um ser específico, em uma situação de comunicação qualquer quando um
indivíduo produz um texto ou discurso.
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Estudando a subjetividade na linguagem, Nagamine Brandão afirma (partindo de Ben-
veniste): “a subjetividade é a capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu dis-
curso e ela se funda no exercício da língua. Esse locutor enuncia sua posição no discurso
através de determinados índices formais dos quais os pronomes pessoais constituem o
primeiro ponto de apoio na revelação da subjetividade na linguagem.”
A noção de sujeito, e, portanto, de subjetividade, nesse sentido, é linguística. Assim,
qualquer indivíduo só constrói sua indentidade, sua noção de ser único, na e pela linguagem.
Em nosso exemplo, André e Patrícia expressaram de forma diferente um mesmo fato.
Por outro lado, para a mesma autora, essa noção de subjetividade “incorpora o Outro
como constitutivo do sujeito. Disso decorre uma concepção de linguagem também não
mais assentada na noção de homogeneidade. A linguagem, não é mais evidência,
transparência de sentido produzida por um uno, homogêneo, todo-poderoso. É um su-
jeito que divide o espaço discursivo com o outro.”
Se observarmos os textos de André e Patrícia, observamos
partir de outras vozes, mais ou menos explícitas. André não
(“começou a correr a história”, “aquela especulação toda”, “
autoridade” etc.), da mesma forma que Patrícia.
Pela junção dos dois aspectos destacados até aqui, temos:
- o sujeito entende-se como individualidade na e pela linguagem;
- essa individualidade, de um ponto de vista linguístico, é constituída pela combinação
de muitas outras vozes.
que eles foram construídos a
cita fontes, mas as insinua
o Anselmo se sentido sem
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Heretogeneidade mostrada e constitutiva
Nas palavras de Nagamine Brandão, “há uma heterogeneidade que é constitutiva do
próprio discurso e que é produzida pela dispersão do sujeito. Essa heterogeneidade,
entretanto, é trabalhada pelo locutor de tal forma que, impulsionado por uma “vocação
totalizante” faz que o texto adquira, na forma de um concerto polifônico, uma unida-
de, uma coerência, quer harmonizando as diferentes vozes, quer “apagando” as vozes
discordantes.”
Nas falas de André e Patrícia, bem como qualquer outro texto ou discurso que obser-
varmos, há outras vozes ecoando, de forma mais ou menos explícita. A esse fenômeno,
dá-se o nome de “heterogeneidade”. Toda forma de linguagem está marcada por essa
característica.
Há dois tipos de heterogeneidade: a mostrada e a constitutiva. Para Platão e Fiorin, “há
diversos mecanismos linguísticos que servem para mostrar diferentes vozes no interior de
um texto, demarcando nitidamente esses distintos pontos de vista.” Essas são as marcas da
heterogene"idade" marcada.
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São exemplos desses mecanismos usos de negações, os discursos direto e indireto (tra-
vessão, dois pontos, aspas, verbos de dizer, etc.), alguns usos de marcas gráficas (negri-
to, itálico, sublinhado, tamanho de fonte etc.), oposição de imagens, entre outros.
Todos esses casos são exemplos de heterogeneidade mostrada, ou seja, situações em
que as diferentes vozes que compõem um texto ou discurso aparecem mais nítidas, por
meio de marcas da presença do Outro. Observe o texto:
Negociadores climáticos de mais de 150 países se reuniram na segunda-feira em Viena
com apelos por um novo acordo global a partir de 2012, em substituição ao Protocolo
de Kyoto, que inclua grandes poluidores atualmente excluídos, como EUA e China. “A
mudança climática já é uma realidade dura, um enorme obstáculo ao desenvolvimento”,
disse o ministro austríaco do Meio Ambiente, Josef Proell, na cerimônia de abertura do
evento, do qual participam mais de mil autoridades, ativistas e especialistas.
http://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/reuters/2007/08/27/
Nesse fragmento de notícia, podemos ver marcas da heterogeneidade, tais como:
“Protocolo de Kyoto” (um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a
redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa); as aspas na fala de Jo-
sef Proell, bem como o verbo “disse”, introduzindo sua voz no texto. Além desse tipo de
heterogeneidade mostrada, há outra, denominada constitutiva.
Foto: Josef Proell
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Mesmo quando um texto ou discurso não apresenta marcas nítidas de outras vozes
nele presentes, elas estão ali. Quando, por exemplo, alguém defende uma posição
sobre um tema, mesmo que as outras perspectivas não estejam explicitamente na fala
de quem enuncia, elas estarão latentes. Aí temos a hetrogeneidade constitutiva.
Segundo Platão e Fiorin: “quando lemos um texto a favor da abolição da escravatura,
percebemos que ele só pode ter surgido numa formação social em que há discursos a
favor da escravatura; um discurso racista só pode constituir-se numa sociedade em que
existe um discurso racista; um discurso feminista só pode ser gerado num tempo em que
existe um discurso machista.”
“Um discurso sobre traição só pode ser concebido em uma sociedade quediscute os valores da fidelidade”
Sintetizando
A heretogeneidade é uma característica da linguagem e pode ser entendida como a pluralidade
de vozes que organizam qualquer texto ou discurso, mesmo sendo ele atribuído a um único
indivíduo.
Ela pode ser mostrada ou constitutiva. No primeiro caso, é quando há marcas explícitas da pre-
sença do Outro nos usos de linguagem de um sujeito qualquer.
Já a heretogeneidade constitutiva é quando a presença de outras vozes dá-se pelo próprio con-
texto social de uma dada produção. Assim, só podemos entender um ponto de vista sobre um
dado assunto, se pensarmos nele em oposição a outras perspectivas existentes sobre o mesmo
tema.
“Discussões sobre vida extraterrestre só são possíveis em um contexto em que há muitos discursos sobre a exclusividade de vida inteligente na terra”
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Para o filosófoso Michel Foucault, “um
de um discurso (...); ele exerce relati
função classificativa; um tal nome
delimitá-los, selecioná-los, opô-los a ou
que os textos se relacionem entre si.”
Foucault ainda complementa: “poderíamos dizer, por conseguinte, que, numa civilização
como a nossa, uma certa quantidade de discursos são providos da função ‘autor’, ao
passo que outros são dela desprovidos. Uma carta privada pode bem ter um signatário,
mas não tem um autor; um contrato pode bem ter um fiador, mas não tem um autor
(...). A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de
funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade.”
Michel Foucault
DDDDDDdDefinindo um autor
nome de autor não é simplesmente um elemento
vamente aos discursos um certo papel: assegura uma
permite reagrupar um certo número de textos, tros textos. Além disso, o nome de autor faz com
Nessa perspectiva, o autor é entendido como uma função em torno da qual
alguns discursos existem no interior de uma sociedade e são reconhecidos por um certo
modo de existência.
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Características da função autoral
Tentando entender melhor as especificidades do conceito de “autor”, Michel Foucault
pergunta-se: “como é que se caracteriza, na nossa cultura, um discurso portador da fun-
ção autor? Em que é que se opõe aos outros discursos?”. Para responder a essas ques-
tões, ele atribui quatro características para a função autoral:
1. Trata de objetos de apropriação: historicamente, nem sempre atribuiu se um autor
a uma dada obra. Esse processo começa no final do século XVIII e só a partir daí
fala-se em “autor”.
2. Não é exercida de forma universal e constante sobre todos os discursos: alguns
autores, como os científicos, por exemplo, são menos ligados, pela sociedade, à
materialidade de seus discursos e textos. Nesse sentido, lê-se muito menos os textos
de Charles Darwin do que os textos literários de Shakespeare.
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3. É uma construção coletiva denominada “autor”: é a sociedade que estabelece
como é o conjunto de obras associadas a um certo autor. Ela aproxima, seleciona,
descarta e cria um corpo de características para o conjunto de uma obra.
4. É complexa e variada quanto à presença textual do autor: o “eu” inscrito em uma
obra é múltiplo, podendo ser ocupado por diversas figuras, tais como o narrador,
um indivíduo indeterminado, um plano que um leitor pode ocupar etc.
Nesse sentido, são os leitores, a sociedade, seus valores, crenças que constituem a
função “autoral”. Reitera-se, portanto, a visão do texto como “zona de interação”. Os
produtores, pela materialidade textual e discursiva que constroem, tornam-se autores se
forem reconhecidos enquanto tal pela sociedade.
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Fique Atento!
Um aspecto importante da discussão sobre os conceitos de “sujeito” e “autor” diz respeito à no-
ção de criatividade. Em geral, muitas pessoas associam o conceito de “ser criativo” apenas com
elementos psicológicos, como a inspiração, o talento, a genialidade de alguns seres. Procurando
limitar essa discussão a um âmbito meramente linguístico, podemos afirmar que a “criativida-
de”, nesse sentido, parece estar baseada na capacidade humana de reorganizar elementos
já conhecidos, dando-lhes novos sentidos. Assim, o ser humano reinventa conceitos, objetos,
teorias etc. Tendo por base esse pressuposto, o ato criativo não precisa ser visto como o resulta-
do de uma capacidade psíquica de um pequeno grupo de seres previlegiados; mas, sim, como
diz Sírio Possenti (2004), o ato de “um sujeito que intervém ativamente e produz algo novo – e,
ouso dizer, que sabe o que está fazendo.” Além disso, esse sujeito só possuirá o status de autor
dentro da própria materialidade de suas produções; se for capaz de produzir textos e discursos a
partir de um certo horizonte social e histórico de expectativas e se suas produções forem reco-
nhecidas enquanto tal pela sociedade.
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Bibliografia
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BENVENISTE, Émile. Problemas de Línguística geral I. Campinas: Pontes, 1995.
BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas:
editora da UNICAMP, 2004.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor. Lisboa: Vega Editora, 1992.
JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: editora da UNESP, 2002.
KOCH, Ingedore V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
ORLANDI, Eni. Interpretação. Campinas: Pontes, 2004.
ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 2006.
POSSENTI, Sírio. Os limites do discurso. Curitiba: Criar Editora, 2004.
CHARAUDEAU, P., MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo:
Contexto, 2004.
POSSENTI, Sírio. Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
Materiais Complementares
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