Post on 08-Nov-2018
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, RELATOR DO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Nº. ARE 0647651, DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
“ (...)Aliás, a bem de ver, este processo tem faceta
kafkiana, de certo modo, pois nele se busca, em última
análise, o que não se pede na inicial e nele se concede o
que não se pode e tampouco se pede...” (extraído do voto
vencido do MINISTRO JOÃO ORESTE DALAZEN, fls. 976
destes autos)”
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI, entidade
sindical de grau superior representativa da indústria brasileira, com sede em
Brasília, DF, SBN, Quadra 1, Bloco "C", Edifício Roberto Simonsen, inscrita no
CNPJ sob o nº. 33.665.126/0001-34, por seus advogados (instrumento de
mandato anexo), tendo em vista o reconhecimento da existência de
REPERCUSSÃO GERAL da questão constitucional objeto do RECURSO
EXTRAORDINÁRIO acima identificado, em que figuram como Recorrentes
EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA S.A. – EMBRAER e OUTRA, e
como Recorridos o SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS E REGIÃO E OUTROS, vem requerer a sua admissão no feito, seja na
qualidade de Assistente da parte recorrente (caput e parágrafo único do artigo 50
do CPC), seja na qualidade de amicus curiae (§6º do artigo 543 – A do CPC, c/c
§3º do artigo 323 do Regimento Interno desse E. Supremo Tribunal Federal),
conforme razões que passa a expor.
I – BREVE SÍNTESE DO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. A
QUESTÃO CONSTITUCIONAL
Trata-se de demanda proposta contra as Recorrentes perante o
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, recebida como dissídio de natureza
jurídica excepcionalíssima (assim reputado pelo acórdão recorrido, v. fls. 1116), e
que teve como escopo ver declaradas nulas numerosas dispensas efetuadas em
período do ano de 2009, em razão do quadro de crise econômica descrito e
comprovado pelas empresas nos autos.
Julgado o dissídio, entendeu-se abusiva a dispensa coletiva, mas
afastou-se a reintegração dos empregados, patente à inexistência de garantia de
emprego ou estabilidade (salvo aquelas previstas em lei ou em normas coletivas),
e concedeu-se uma compensação financeira de dois valores correspondentes a
um mês de aviso prévio, no limite de sete mil reais. Além disso, garantiu-se a
extensão do prazo dos contratos de trabalho até a data da instauração do
dissídio, a manutenção de plano de saúde por doze meses e, nos casos de
reativação dos postos de trabalho, a preferência pela seleção dos empregados
despedidos.
Em sede de Recurso Ordinário foi dado provimento parcial ao apelo
das Recorrentes para, (i) afastar a declaração de abusividade das dispensas e
afronta à boa-fé objetiva, e (ii) excluir a extensão do prazo dos contratos,
ratificando-se, por conseguinte, a validade das rescisões.
Entretanto, naquela oportunidade também entendeu a Seção de
Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, que havia uma
lacuna legal a ser suprida, e com esse entendimento, fixaram os magistrados que,
doravante, todas as dispensas coletivas estão sujeitas à negociação coletiva
prévia (ou como consta exatamente do acórdão recorrido: “negar (am) provimento
ao recurso quanto às demais matérias, fixando a premissa de que a negociação
coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores.”).
Inconformadas, e com razão, as Recorrentes interpuseram Recurso
Extraordinário, que foi indeferido e, com o Agravo de Instrumento a essa e. Corte,
novamente repelido, para, finalmente, obter trânsito mediante juízo de retratação
em Agravo Regimental, detectada em boa hora a existência de "controvérsia de
índole maior", que resultou na inserção do pleito de reforma no sistema de
repercussão geral.
O fundamento do Recurso Extraordinário sob exame consiste na
alegação de violação do acórdão recorrido aos artigos 1º, 2º, 3º, 5º, inciso II, 7º,
inciso I, 114 e 170, inciso II e parágrafo único, da Carta Federal, bem como ao
artigo 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e tem como tema
central, a insurgência contra o decreto da obrigatoriedade de negociação coletiva
prévia para a dispensa coletiva de empregados, baixado pelo acórdão recorrido.
É que ao assim condicionar o direito potestativo do empregador de
rescindir o contrato de trabalho, foras das hipóteses constitucionais e legais de
garantia de emprego, e desde que aquele arque com os encargos da dispensa
sem justa causa, o acórdão recorrido atingiu mortalmente várias disposições
constitucionais, a pretexto de preencher a falta de regramento específico para o
que denominaram de dispensa em massa. De resto, é bom que se frise, o
comando legal (por assim dizer), surgido nestes autos, nem mesmo serviu para
solução do conflito abrigado no presente processo, cujo pedido inaugural foi de
nulidade das rescisões e reintegração dos empregados dispensados. Daí porque
vem a calhar a alusão a Kafka feita pelo MINISTRO DALAZEN acima transcrita.
Pois bem. Declarada a REPERCUSSÃO GERAL da matéria de
fundo, - dispensa coletiva e a obrigatoriedade de negociação prévia com
sindicato, imposta e impugnada com arrimo, entre outros, nos arts. 1º inciso, IV,
5º, II, 7º, inciso I e XXVI, art. 8º e 10, inciso I, do ADCT - e, em consequência,
selado o reconhecimento da sua transcendência aos interesses subjetivos das
partes, cabe a ora Requerente propugnar seu ingresso no feito, pelas razões que,
em maior detalhe, passa a explanar:
II – OS TERMOS DA DECISÃO QUE RECONHECEU A TRANSCENDÊNCIA, E
A INEQUÍVOCA LEGITIMIDADE DA CNI PARA POSTULAR SUA ADMISSÃO
NOS AUTOS
A decisão que reconheceu a repercussão geral no recurso
extraordinário em análise foi assim ementada por essa ilustre Relatoria:
"EMENTA: DISPENSA EM MASSA - PARÂMETROS
CONSTITUCIONAIS - AUSÊNCIA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA -
GLOSA NA ORIGEM. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - NEGATIVA
DE SEGUIMENTO - AGRAVO - DESPROVIMENTO - REGIMENTAL
- RETRATAÇÃO. "
Com a transcendência aos interesses das partes configurada, a
solução definida por esse Tribunal passará a balizar a atuação das empresas nos
casos enfrentados como de dispensa coletiva, a despeito de essa circunstância
não ter obtido do constituinte, nem do legislador ordinário, disciplina conceitual ou
procedimental distintiva.
A clareza do despacho de reconhecimento da repercussão geral na
espécie, não deixa dúvidas sobre o alcance e os reflexos que a decisão desse
recurso extraordinário terá sobre a esfera jurídica das relações de trabalho
envolvendo toda a base representada pela CNI (empregadores), aproximando o
julgamento do ponto indicado, no seu mérito, ao processo de controle
normativo abstrato e, por isso mesmo, como ele, apto a permitir a intervenção
do amicus curiae, para PLURALIZAÇÃO E A LEGITIMAÇÃO DO DEBATE
CONSTITUCIONAL (ADI nº. 2.321).
Nesse contexto, vale trazer à baila, parte do voto, do Ministro Celso
de Mello na aludida ADI 2321:
Tenho presente, neste ponto, o magistério de GILMAR FERREIRA
MENDES ("Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade", p. 503/504, 2.ª ed., 1999, Celso Bastos
Editor), expedido em passagem na qual põe em destaque o
entendimento de PETER HÄBERLE, segundo o qual o Tribunal "há
de desempenhar um papel de intermediário ou de mediador entre as
diferentes forças com legitimação no processo constitucional" (p.
498), em ordem a pluralizar, em abordagem que deriva da
abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da
controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão
real e efetiva ao princípio democrático, sob pena de se instaurar,
no âmbito do controle normativo abstrato, um indesejável "deficit"
de legitimidade das decisões que o Supremo Tribunal venha a
pronunciar no exercício, "in abstracto", dos poderes inerentes à
jurisdição constitucional (fl. 8 do voto e 37 do arquivo integral
disponível na página do STF. Grifos do original).
A regra proclamada pelo acórdão recorrido no sentido de que
dispensas coletivas são atos que devem ser enfrentadas como um instituto
autônomo, por obra de criação e disciplina jurisprudencial, produz impacto direto
sobre as vigentes relações trabalhistas das empresas do segmento industrial
representado pela CNI, impondo-lhes submissão imediata, sem chance de oitiva
posterior dessa Corte Constitucional.
Portanto, diante do grau de representatividade da requerente (art.
103, IX, da CF), e da certeza, repita-se, da ampla dimensão dos efeitos
prejudiciais da decisão proferida nestes sobre o setor produtivo industrial, de que
fazem parte as Recorrentes, tem-se por plenamente cabível a participação da CNI
no feito.
III – ESCLARECIMENTOS PRÉVIOS NECESSÁRIOS ACERCA DO JUSTO
INCONFORMISMO DAS RECORRENTES, EM QUE PESE O AFASTAMENTO,
PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, DA ALEGADA ABUSIVIDADE DE CONDUTA,
DA FALTA DE BOA FÉ OBJETIVA E, PRINCIPALMENTE, DOS EFEITOS "EX
TUNC" DA DECISÃO QUE DECRETOU A SUBMISSÃO PRÉVIA DA
INTENÇÃO DE DEMISSÃO COLETIVA À NEGOCIAÇÃO COM SINDICATOS.
Antes de adentrar propriamente na questão fundamental que acabou
emergindo nestes autos, por força da produção legislativa indevida e anômala
engendrada pelo acórdão recorrido, é mister registrar que, na espécie, não é
possível cogitar-se da eventual falta de interesse recursal das Recorrentes pelo
fato de o Tribunal não ter encampado a tese de abusividade das dispensas, ou de
afronta à boa-fé objetiva, ou da invalidade do ato empresarial, ou pela aplicação
apenas futura da obrigatoriedade da negociação coletiva prévia.
Isto porque, o acatamento puro e simples desses efeitos para frente,
significaria, para as Recorrentes, curvar-se à incorporação na ordem jurídica de
obstáculo futuro nela não previsto para implantação de medidas de gestão das
empresas, em ofensa flagrante às diversas disposições constitucionais alinhadas
pelas Recorrentes e pelos Ministros vencidos do Tribunal Superior do Trabalho,
conforme trechos de votos transpostos no Recurso Extraordinário das
Recorrentes.
Além disso, não pode passar despercebido dos nobres julgadores
dessa Corte, o desvirtuamento do instrumento do dissídio coletivo de natureza
jurídica no caso concreto, pois ainda que não se queira retomar embate acerca de
questões processuais básicas, a essa altura, é nítido que, uma vez admitido pela
instância recorrida que as demissões foram devidamente fundamentadas (e não
arbitrárias), válidas, insuscetíveis de gerar direito à reintegração, não haveria
lugar para fixação de qualquer cláusula vigorante para este processo, como de
fato, não houve.
A grosso modo, a demanda em apreço teria exaurido seu objeto
satisfatoriamente no que tange às Recorrentes, não fora a circunstância de o
acórdão recorrido, avocando função legislativa, ter esdruxulamente baixado uma
norma genérica, de efeitos futuros e erga omnes, expressamente,
“fixando a premissa de que a negociação coletiva é
imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”
Portanto, o ineditismo da conduta do TST avança muito além do
âmbito do poder normativo da Justiça do Trabalho em matéria de dissídios
coletivos, justificando plenamente a irresignação a que adere, neste momento, a
CNI.
IV- DA INCOMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA DISCIPLINA IMPOSTA
PELO ACORDÃO RECORRIDO.
IV. a - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. OFENSA AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ART. 2º DA CF) E AO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 5º, II).
Sem maiores delongas, admitiu-se incontestavelmente na instância
recorrida que não há previsão normativa estabelecendo critérios próprios para a
demissão coletiva, sob qualquer aspecto.
Entretanto, em lugar de assumir que essa pretensa omissão, na
verdade, significaria, no patamar mais alto, uma opção constitucional, e no plano
inferior, uma opção do legislador ordinário, segundo as quais não seria conferido
tratamento distinto às rupturas contratuais conforme se revelassem como
acontecimentos isolados ou repetitivos dentro da mesma empresa, em certo
intervalo de tempo, preferiu o acórdão recorrido qualificar esse cenário como de
vazio legislativo inaceitável e merecedor de proteção inovadora.
A partir dessa equivocada premissa foram invocados princípios
constitucionais e regras de direito comparado para sacramentar futuro ritual a ser
obedecido pelas Recorrentes, e pelas demais empresas, como requisito para
tornar legítimas as dispensas que se reputem como “dispensas em massa”.
Ora, em que pese o inegável brilho e a profundidade do acórdão
recorrido, o fato é que houve inconcebível usurpação da função legislativa pelo
Tribunal Superior do Trabalho, em iniciativa que viola o princípio da separação
dos poderes.
Primeiro, porque o Supremo Tribunal tem sido firme em refutar o
papel de legislador positivo pelo Poder Judiciário, e uma pletora de precedentes
nesse sentido (AI 714.188-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma,
DJe de 31/01/2011; RE 597.910-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma,
DJe de 23/02/2011; AI 344.269-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma)
estampa o prestígio que essa Corte quer ver prevalecer no tocante ao princípio da
legalidade, aqui flagrantemente desrespeitado (art. 5º, inciso II).
Segundo, porque, quando muito, só se poderia suscitar da adoção
de medidas normativas por intervenção judicial para dar efetividade a um direito
reconhecido ou definido previamente pelo texto da Constituição, como procedeu,
por exemplo, o Supremo Tribunal Federal quanto ao exercício do direito de greve
pelos servidores públicos:
“ (...) O Supremo Tribunal Federal, nos termos dos Mandados de
Injunção n.ºs 670/ES, 708/DF e 712/PA, já manifestou o
entendimento no sentido da eficácia imediata do direito
constitucional de greve dos servidores públicos, a ser exercício por
meio da aplicação da Lei n.º 7.783/89, até que sobrevenha lei
específica para regulamentar a questão. (...) (ADI 3235 / AL –
Alagoas)
Ocorre que na hipótese dos autos não há se falar em direito
positivado eventualmente ameaçado de esvaziamento, já que, repita-se à
exaustão, não existe regra ou princípio constitucional trabalhista reservando
definição específica, ou distinguindo tratamento para as chamadas dispensas
coletivas, muito menos estabelecendo que elas só se perfectibilizarão mediante
prévia negociação coletiva.
E nestes autos, há uma agravante que torna a iniciativa do acórdão
recorrido mais inusitada, porquanto ela nem mesmo se destina a dar solução à
questão sub judice. Ela tem como intuito criar uma norma para casos de futuras
dispensas numerosas, das Recorrentes ou de quaisquer outras empresas.
Portanto, como muito bem asseverou o voto divergente do Ministro
do TST MILTON DE MOURA FRANÇA, “na medida em que se impõe uma
obrigação de fazer à EMBRAER, sem nenhum suporte jurídico, seja legal,
contratual, a decisão agrediu o princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF), princípio
dos mais relevantes que procura disciplinar o comportamento de todos os
cidadãos sem exceção, em uma sociedade sedimentada em um regime
democrático e de direito.”.
IV.b – VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 7º, INCISO I, ART. 10, INCISO I, DO ADCT,
ART. 114 §2º E ART. 170, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO
O acórdão recorrido descura também de outras normas e princípios
constitucionais de modo flagrante, ignorando, de plano, o fato de que o
constituinte após se debruçar sobre a tarefa de conciliar direitos tidos como
antagônicos, quais sejam, o direito do trabalhador de preservar o emprego e o
poder de gestão do empregador, chegou aos termos do art. 7º, inciso I, que assim
dispõe:
“ Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem
justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá
indenização compensatória, dentre outros direitos;”
Como se vê, esses são os limites do poder protestativo patronal de
rescindir contratos, junto com outros direitos previstos na própria Constituição
(inciso XXI do aviso prévio, inciso II do art. 10 do ADCT), e os que virão na lei
complementar, e os de previsão infraconstitucional, como as férias, o 13º
proporcional, e o FGTS.
E enquanto não promulgada a lei complementar referida no art. 7º,
inciso I, a restrição provisoriamente imposta é aquela constante do inciso do art.
10 do ADCT:
“ Art. 10 – Até que seja promulgada a lei complementar a que se
refere o art. 7º, I, da Constituição:
I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, por quatro
vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei nº
5.107, de 13 de setembro de 1996;”
Confirmando prestígio a esse direito potestativo, essa e. Corte
assentou na mesma linha que,
“ Inexistência da ofensa ao artigo 5º, LV, da Constituição, por ser a
dispensa sem justa causa direito potestativo do patrão a que
não pode opor-se o empregado. Agravo a que se nega
provimento.” (AI 249100 AgR / DF)
O legislador constituinte encarregou-se de apontar as situações
excepcionais nas quais é vedada a dispensa do empregado, como nas hipóteses
do dirigente sindical, membro da CIPA e da gestante. Nos demais casos, a
proteção da relação de emprego consiste na garantia constitucional do
pagamento de uma indenização, não importando a dispensa é arbitrária, sem
justa causa, individual ou coletiva.
De tudo isso resulta que, se o constituinte não se referiu de forma
direta ou indireta ao instituto da dispensa coletiva, não o distinguiu
conceitualmente da dispensa individual, e muito menos implantou qualquer
mecanismo procedimental específico para a formalização de rescisões que nessa
seara pudessem ser incluídas, não poderia o acórdão recorrido ter passado ao
largo de todo o arcabouço jurídico que, de certo, sempre regulou e regula essas
dispensas.
Os rumos que o acórdão recorrido tomou, destacando um novo
fenômeno, qualificando-o juridicamente à margem de lei, e intervindo para criar
medida restritiva de direitos do empregador, são motivo de surpresa mesmo entre
os pares dos ilustres Ministros, e a ressalva do voto vencido do Ministro
DALAZEN é contundente nesse particular. Confira-se:
“(...) A meu juízo, pois, inarredável concluir que, de momento,
ressalvados os casos excepcionais de garantia de emprego, seja
qual for a despedida sem justa causa, no direito positivo brasileiro, a
proteção está “limitada” à multa quadruplicada do FGTS, além da
indenização, mediante o pagamento dos respectivos depósitos.
Sob o prisma estritamente legal, por conseguinte, a despedida
coletiva, em minha visão, recebe tratamento equivalente à soma de
despedias individuais sem justa causa para efeito de indenização.
Daí se segue que não há vedação à dispensa coletiva. Significa,
portanto, que, perante o ordenamento jurídico vigente, a despedida
coletiva também é um direito potestativo do empregador, que gera
para o empregado, em contrapartida, o direito subjetivo de auferir
como compensação para a dispensa do emprego (...)
Assim, salvo os casos específicos de garantia de emprego, não se
pode tolher o direito de o empregador promover despedidas
coletivas imotivadas ou ditadas por razões de ordem técnica,
econômica ou financeira.”. (fls. 985 dos autos, com grifos no original)
Nesse contexto, plenas de razão as Recorrentes quando insistem na
contrariedade do acórdão recorrido aos dispositivos antes transcritos e, em
decorrência, aos princípios da livre iniciativa e da autonomia privada.
Como anota JOSÉ AFONSO DA SILVA1, a liberdade de iniciativa
envolve a liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do art. 170,
como um dos esteios da ordem econômica, assim como de seu parágrafo único,
que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em
lei.
É claro que o exercício desses direitos está sujeito a
condicionamentos, e só se legitima na medida em que se lhes presta fiel
observância em prol da justiça social. Mas esses limites hão de ter fonte
constitucional, que por sua vez, vão conferir fundamento de validade às fontes
legais infraconstitucionais, sob pena de aviltamento dos princípios, tal qual se
descortina na decisão recorrida, que não se apoia em qualquer preceito legal.
O Ministro EROS GRAU em sua obra “A Ordem Econômica na
Constituição de 1988”2 discorre com profunda reflexão sobre o conteúdo da livre
iniciativa e a amplitude desse princípio, e ao se deter no preceito inscrito no
parágrafo único do art. 170 assinala que a postulação primária da liberdade de
iniciativa econômica é liberdade é a garantia da legalidade: liberdade de iniciativa
econômica é liberdade pública precisamente ao expressar não sujeição a
qualquer restrição estatal senão em virtude de lei. O que esse preceito
pretende introduzir no plano constitucional é tão somente a sujeição ao princípio
da legalidade em termos absolutos – e não meramente, ao princípio da
legalidade em termos relativos (...).
1 Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ª edição, 2004, Ed. Malheiros, pág. 773.
2 14ª edição, 2010, Ed. Malheiros, pág 207.
Finalmente, nem se diga que o acórdão recorrido estaria amparado
no poder normativo da Justiça do Trabalho, porque tranquilamente dele desborda
sabido que a jurisprudência da Corte é no sentido de que as cláusulas deferidas
em sentença normativa proferida em dissídio coletivo só podem ser impostas se
encontrarem suporte na lei. Sempre que a Justiça do Trabalho editar regra
jurídica, há de apontar a lei que lho permitiu. Se o caso não se enquadra na
classe daqueles que a especificação legal discerniu, para dentro dela se
exercer a sua atividade normativa, está a Corte Especializada a exorbitar das
funções constitucionalmente delimitadas. 3. A atribuição para resolver
dissídios individuais e coletivos, necessariamente in concreto, de modo
algum lhe dá a competência legiferante. (RE 114836 / MG - MINAS GERAIS)
Portanto, a agressão do acórdão recorrido ao disposto no art. 114,
§2º é, também, gritante.
V - A VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA.
Afora o que até aqui se expôs, a insegurança jurídica trazida pelo
acórdão recorrido é manifesta, na medida em que cria a obrigação de intervenção
prévia dos sindicatos sem nenhuma preocupação em tangenciar os demais
elementos primordiais que envolveriam o erigir da dispensa coletiva a instituto
autonomamente qualificado e regrado. Essa situação negrita, justamente, o
porque de sua inserção na ordem jurídica demandar o atendimento dos trâmites
regulares de um processo legislativo típico.
Assim é que, não se vislumbra como e quando deverão as empresas
enquadrar rescisões no conceito de demissão coletiva, e não, simplesmente, no
conceito de demissão plúrima, por exemplo. Ou qual a teoria ou doutrina que
está, de fato, sendo incorporada ao ordenamento, ainda que por via transversa. A
negociação serve à verificação de uma causa objetiva da dispensa? Em que
critérios quantitativos de desligamentos deverão as partes se basear? E
considerando que período de tempo?
Enfim, atirou-se sobre as empresas condição obstrutiva sem lhe dar
moldura minimamente razoável, circunstância que mais evidencia a dissociação
desse desfecho de magnitude e abrangência, com o princípio da segurança
jurídica, pilar do Estado Democrático de Direito que não serve apenas aos
interesses de uns, mas de toda sociedade.
Lembra o Ministro GILMAR MENDES3 que,
“ A revisão radical de determinados modelos jurídicos ou a adoção
de novos sistemas ou modelos suscita indagações relevantes no
contexto da segurança jurídica.
A ideia de segurança jurídica torna imperativa a adoção de
cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado
instituto ou estatuto jurídico.”
Se assim se impunha tal prudência porventura versasse a hipótese
concreta de sucessão de leis no tempo, com muito mais razão é o caso de aqui
repelir-se a presente ameaça à estabilidade de direitos subjetivos advinda dos
termos do acórdão recorrido, retomando-se o prestígio da segurança jurídica e do
império de normas que não foram formalmente substituídas, mas indevidamente
afastadas de aplicação pela decisão atacada.
VI – CONCLUSÃO
Por todo o exposto, fica claro que a CNI não se propõe a mitigar a
importância do tema, nem debater sob tais ou quais critérios deva se pautar a 3 Curso de Direito Constitucional, 5ª edição, 2010, Ed. Saraiva, pág. 583
concretude da dispensa coletiva, mesmo porque, o acórdão do Tribunal Superior
do Trabalho realçou positivamente a conduta das empresas diante do
acontecimento inexorável, abolindo a declaração de abusividade das dispensas, e
não vendo também afronta à boa fé objetiva.
A motivação recursal repousa na circunstância irrefutável de que no
Brasil não foram até o momento introduzidas regras para disciplinar em caráter
diferenciado a dispensa coletiva, e o primado do princípio da legalidade e da
independência dos Poderes está a indicar o desacerto do caminho trilhado pelo
acórdão recorrido.
E a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI, pelo seu
grau de representatividade e pertinência temática, requer a sua admissão no
presente feito, seja na condição de assistente da parte recorrida, seja na de
amicus curiae, facultando-lhe o direito de, oportunamente, proceder a sustentação
oral de suas razões.
Requer, ainda, que, ultrapassado o exame de admissibilidade, seja
dado provimento ao Recurso Extraordinário da EMBRAER e da ELEB,
rechaçando-se a imposição da negociação prévia com sindicatos como condição
de validade de dispensas coletivas, por incompatibilidade constitucional absoluta.
E. Deferimento. Brasília, 10 de junho de 2013
CASSIO AUGUSTO BORGES OAB/RJ 91.152 e OAB/DF 20.016-A